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Direito Público ANO XI – Nº 63 – MAIO-JUN 2015 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Adriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis, Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva COMITÊ TÉCNICO Edevaldo Siqueira Gaudencio COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Aurélia Carla Queiroga da Silva, Claudio Ladeira de Oliveira, Gerhard Leibholz, Larissa Tenfen Silva, Matheus Henrique dos Santos da Escossia, Oliver Eberl, Pedro Henrique Messias e Silva, Thiago Felipe Cardoso ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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Direito PúblicoAno XI – nº 63 – MAIo-Jun 2015

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP e UnB), Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),

Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),

Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdMInIstrAtIvo edItorIAlAdriana da Fontoura Alves, Anna Carolina Carneiro, Bruno Degrazia, Carlos Maurício Lociks de Araújo, Eder Pereira Assis,

Everaldo Magalhães Andrade Júnior, Fernanda Almeida Abud Castro, Francisco Valle Brum, Guido Cerqueira Café Mendes, Hugo Souto Kalil, Ivete Oliveira Alves, Janete Ricken Lopes de Barros, José dos Santos Carvalho Filho, Micaela Dominguez Dutra, Odilon Cavallari de Oliveira, Rodrigo Chaves de Freitas, Virginia Borges Silva

coMItê técnIcoEdevaldo Siqueira Gaudencio

colAborAdores destA edIção

Aurélia Carla Queiroga da Silva, Claudio Ladeira de Oliveira, Gerhard Leibholz, Larissa Tenfen Silva, Matheus Henrique dos Santos da Escossia, Oliver Eberl,

Pedro Henrique Messias e Silva, Thiago Felipe Cardoso

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Constituição e Sociedade da Escola de Direito do IDP

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 11, n. 63; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

On demande l’échange.Si richiede lo scambio.We ask for exchange.

Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Constitui tema de capital relevância na atual doutrina do Direito Constitucional o enfoque do papel do Judiciário na efetivação dos direitos fundamentais. O assunto está no centro da conhecida tensão entre constitu-cionalismo e democracia representativa e conduz a estudos que enfatizam tanto a importância dos Tribunais para uma democracia comprometida com valores humanistas como o seu papel nos casos em que é indispensável uma compatibilização funcional com as competências legislativas. O leitor encontrará nos textos de doutrina deste número estudos que abrangem essa temática. Nós, da sua revista Direito Público, esperamos que você tenha uma leitura proveitosa e que se anime a compartilhar com os demais as-sinantes as suas impressões, por meio de artigo dirigido à nossa comissão editorial!

Paulo Gustavo Gonet Branco

Editor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

O PaPel dO POder JudiciáriO na efetivaçãO de direitOs fundamentais

dOutrina estrangeira

1. The Contribution of the Federal Constitutional Court to Democracy and Post-DemocracyOliver Eberl ................................................................................................9

2. O Novo Viés Constitucional do Poder Judiciário na Efetivação das Políticas Públicas e o Confronto entre a Teoria da Separação dos Poderes, Reserva do Possível e o Mínimo ExistencialThiago Felipe Cardoso..............................................................................21

textOs clássicOs

1. Informe al Pleno del Tribunal Constitucional Federal sobre la Cuestión de su EstatusGerhard Leibholz .....................................................................................45

estudOs JurídicOs

1. O Diálogo Constitucional numa Perspectiva Brasileira: um Colóquio Contínuo entre os Três PoderesMatheus Henrique dos Santos da Escossia ................................................65

JurisPrudência

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................84

2. Ementário .................................................................................................96

Parte GeraldOutrinas

1. A Credibilidade do Depoimento da Vítima como Medida Eficaz no Combate à Violência contra as MulheresPedro Henrique Messias e Silva e Aurélia Carla Queiroga da Silva .......... 105

2. A Proposta de Cidadania Liberal Multicultural de Will KymlickaLarissa Tenfen Silva e Claudio Ladeira de Oliveira .................................119

JurisPrudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ......................................................................133

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2. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................1383. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................1474. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................1545. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................1626. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................168

ementário

1. Administrativo ........................................................................................1732. Ambiental ..............................................................................................1783. Constitucional ........................................................................................1864. Processo Civil e Civil ..............................................................................1925. Penal/Processo Penal..............................................................................2036. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................2097. Tributário ...............................................................................................214

Clipping Jurídico ..............................................................................................225

Resenha Legislativa ..........................................................................................227

Bibliografia Complementar .................................................................................228

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................229

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEW

Todos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os convites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Público.

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Assunto Especial – Doutrina Estrangeira

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 9-20, maio-jun 2015

O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

The Contribution of the Federal Constitutional Court to Democracy and Post-Democracy1

OLIvER EBERLProfessor na Universidade de Darmstadt.

The accolades for the German Federal Constitutional Court (Bundesverfassungsgericht) on the occasion of its 60th anniversary in 2011 not only concurred that the Court had contributed decisively to the success of Germany’s postwar democracy but also confirmed that the Constitutional Court is the most popular political institution in Germany today. “The Federal Constitutional Court became the midwife of the second German democracy. That remains its central achievement. It uncompromisingly distanced itself from the poisoned heritage of the Nazi period early on, worked toward a fundamental liberalization of the German legal order, and corrected rigidities of the traditional justice system.”(Schönberger 2011, 27) This general finding will be portrayed in somewhat more detail in the following and then contextualized in terms of theory of democracy. Taking Christoph Schönberger’s and Christoph Möllers’s critical appraisals of the Federal Constitutional Court as a starting point, I will make clear that its success is closely linked to the implementation of a post-totalitarian model of democracy that precisely cannot be understood as the accomplishment of a strong democracy. In terms of democratic theory it means a significant shift in the understanding of the relation between popular sovereignty and fundamental rights that weakens the role of the democratic legislature. On the basis of the Court’s specific way of functioning, I will then pinpoint its contribution to currently diagnosed post-democracy. Following Colin Crouch (2004), I consider post-democracy to be informal disempowerment of the legislature and erosion of political equality in favor of economically powerful private actors. Against this background, the Court’s successes

1 I am grateful for comments by my German and Brazilian colleagues and the participants of the two sessions in Brasilia and Fortaleza in the program of the Rede Brasil-Alemanha de Direitos Sociais e Globalizacao.

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10 ������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ESTRANGEIRA

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 9-20, maio-jun 2015

appear in an opposite light: what initially seemed to be a strengthening of individual fundamental rights and new democratic institutions can thus be recognized as an intensification of the post-democratic tendency. Thus, the success story of the Federal Constitutional Court has become an element of post-democracy that makes it more difficult to enforce social demands.

I – ThE CONTRIBuTION Of ThE fEDERAL CONSTITuTIONAL COuRT TO ThE ESTABLIShMENT Of WEST GERMAN DEMOCRACy

Even the Court’s success story, which has made it Germany’s most popular political organ, receiving the highest trust ratings for decades (see Rath 2013, 11), has ambiguous preconditions. As Schönberger states, the Court’s success was founded upon on the “situation of indeterminate openness” in the early development of German postwar democracy in which authoritarian trust in the justice system and “traditional antiparliamentary resentment” came together (Schönberger 2011, 41f.) and prepared the ground for the Federal Constitutional Court’s success. The Court was able to self-confidently claim this ground when it accorded itself the rank of a constitutional organ. This act of self-authorization by the Court’s 1952 status report was ratified post facto and has since then determined the Court’s dual position as a political and juridical organ (Schönberger 2011, 20, Möllers 2011, 357). In connection with the conflictual relationship to the German Federal Court of Justice (Bundesgerichtshof), whose judges were conservative and held traditional views, for example of the family, the Federal Constitutional Court really did appear to be an institution unencumbered by the past and a guarantor of democratic values, in particular because opponents of the Nazi regime served on it and it was thus able to act as a counterweight to the judicial authorities fraught by the Nazi past.

Nonetheless, the Court was conceived of as an expertocratic body. The stipulation that members of the Federal Constitutional Court had to have the qualifications to act as judges (Schönberger 2011, 17) made the Court an instrument of the judiciary from the beginning and simultaneously removed it from democratic influences. From the perspective of sociology and theory of democracy, the traditionally privileged judiciary had achieved an increase in power relative to the legislature by placing itself, through the Constitutional Court, at the same and at a higher level than the legislature2. The German Federal Constitutional Court functions primarily as a court of fundamental rights, thereby relying on human dignity, which was introduced in the Basic

2 See also the article by Fabian Wittreck in this issue.

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ESTRANGEIRA ������������������������������������������������������������������������������������11

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 9-20, maio-jun 2015

Law, as its highest norm. The fundamental rights are also valid with respect to the legislature (Art. 1 Section 3 Basic Law). Its primary means is to review laws on the basis of constitutional complaints. For this reason, individual constitutional complaints account for the overwhelming part of the Court’s work; every bearer of fundamental rights may file such complaints.

Therefore, the Court can also use the instrument of case law concerning fundamental rights to influence society; according to Schönberger, this instrument “contributed to a fundamental liberalization of German society” (2011, 29, emphasis in the original). This can be understood against the background that the legal system was still based on the law of the German Empire in many ways. This circumstance was the background against which the conflict between the conservative Federal Court of Justice and the liberal Federal Constitutional Court unfolded. The Federal Constitutional Court strengthened freedom of expression, the position of women in the family, and the rights of the parliamentary opposition. In this way, it ensured that majority rule was accepted at all (Schönberger 2011, 38), which was by no means broadly recognized at the time. It seems that constitutional courts have similar functions in young democracies as the case of Brazil shows (da Silva 2012).

This gives rise to the paradox that the Court contributed to the liberalization of society, but in so doing, “benefited from a pre-democratic political culture trusting in authority” (Schönberger 2011, 43, emphasis in the original). Where “history, nation, and culture” were lacking as integrating factors, the Basic Law filled the gap, and the Federal Constitutional Court was able to become “the symbol of breaking with the Nazi past and returning to the circle of civilized peoples” (Schönberger 2011, 47). The fact that this break was not symbolized by the parliament, but by the Court, suggests that in this case, precisely that expertocratic, paternalistic variant of the path relating to the law of democracy was taken that the democrats had actually been expected to abandon. Möllers sees the reason for the Court’s high popularity in the “yearning for conflict-free forms of political decision-making” (Möllers 2011, 297), which are easier to accept than decision-making procedures characteristic of representative democracy. Overly strong trust in experts and an antidemocratic mistrust of parliamentarism, which complement each other and provide the societal foundation of the success of the Federal Constitutional Court, are expressed here. Ingeborg has spoken in this context about a substitution of the authority of the absent father (also Maus 1989). Christian Rath sees in this lasting belief in authority still a reason for the Court’s actual high acceptance and sees the contribution

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12 ������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ESTRANGEIRA

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 9-20, maio-jun 2015

to the democratic stability in the absorption of populist and anti-pluralistic positions (Rath 2013, 71). It is rather worrying that the court’s contribution to democracy is seen in neutralizing populist positions, since this means that these positions have a channel to articulate against the legislature. At the same time the court had to struggle for its role and had also to argue for its competencies not only in public debate but also against the rival institutions.

Its success is always precarious because of the Court’s dual role. “As a court, the Federal Constitutional Court operates within the context of the judicial authorities with their legal obligations and social expectations of behavior. As a constitutional organ, it has a place in the concert of the other constitutional organs and struggles with them for power and influence.”(Schönberger 2011, 51) The court must justify its existence with every decision, it must reinvent its acceptance time and again. That is the reason why it expends such great time and effort on providing reasons for its rulings (Schönberger 2011, 54), which at the same time are difficult for the general public to comprehend. The court’s dual character as a legal and a political actor results in tensions. For example, judges are precisely not held accountable for their decisions; in contrast to parliamentary procedures, reasons given by the Court cannot simply rest on a majority “without calling their own decision logic into question” (Möllers 2011, 320); it functions to “preserve its own history of case law” (Maus 1989, 132). Yet the Court does not only examine lower-court decisions, but also takes on legislative functions itself (Möllers 2011, 324). In other words, by granting itself greater powers as a constitutional organ, the Court has put itself in a complicated position. It has to justify and distinguish itself as opposed to the legislature, but must do so as a court and cannot simply argue politically. Because of its specific function, it usually does so in the context of individual constitutional complaints.

Legally speaking, this is the reason for the success of the Federal Constitutional Court: constitutional complaints open up direct access to the Court for citizens who must present their concerns in the role of holders of rights whose fundamental rights have been violated. The Court has made constitutional complaints much easier. If Europe is concerned, citizens have no longer be personally affected, every citizen can complain against the transfer of sovereignty to the European Union (Rath 2013, 20). The Court has responded to this general openness by “objectifying legal protection by means of a way of selecting cases that is difficult to understand and hardly governed by rules as well as a generous way of applying patterns of weighing abstract principles” (Möllers 2011, 407). Objectifying means that the Court

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ESTRANGEIRA ������������������������������������������������������������������������������������13

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 9-20, maio-jun 2015

seeks out cases that are to be accorded general significance transcending the individual case. Then the Court balances the various legal principles. To this day, and especially in its early cases, its methodology in so doing has been similar to that of Nazi jurisdiction, namely orienting “statutory law to textually vague provisions that are hierarchically superior” (Schönberger 2011, 42, see also the seminal work Rüthers 2012). In this way, Möllers also disproves the assumption that the Federal Constitutional Court successfully protects minorities. Using the example of freedom of religion, it is easy to discern that on the contrary, “Christian majority milieux” always enjoy protection. “When Muslims began to invoke religious freedom more and more, limits were placed on this protection.” (Möllers 2011, 342f.). This assessment is paradoxically confirmed by authors who claim the protection of minorities as a special achievement, when they state the court’s “impressive development as a basic rights court” from the anti-homosexual-decision of the 1950 to the later liberal decision (Rath 2013, 47). Exactly this “development” proofs the court’s dependency of the societal developments, since the constitution in 1950 and 2000 was the same!

II – ThE fEDERAL CONSTITuTIONAL COuRT IN ThE CONTExT Of A POST-TOTALITARIAN DEMOCRACy

It has become clear that the success of the Federal Constitutional Court, which makes it the political institution held in the highest esteem, rests on premises of the totalitarian past and present. This concerns the authoritarian, expertocratic stance of the elites, the mistrust of the parliament, and the situation of institutional openness.

Here, we are considering the development of democracy in the history of ideas, and in this context, it becomes apparent that the success of the Federal Constitutional Court was based on a Europe-wide trend of placing limitations on democracy. Constitutional courts are typical of post-totalitarian democracies (Möllers 2011, 285). They were introduced after World War II in Japan and Italy, too, and later also in Spain and Portugal. This holds true also for Brazil, although Brazil has a long tradition of highest courts (Barreto Lima 1999, Schmidt/da Silva 2012). “A central element of the post-war constitutional settlement, then, was that outside Britain, the idea of unlimited parliamentary supremacy ceased to be seen as legitimate.” (Müller 2011, 149) This went along with a “demonization” of the idea of sovereignty of the people, which had its roots in the revolutions of the 18th century (Maus 2011, 7). “Stability” was sought and the strengthening of governments was found. Paradoxically, people concluded from the excesses of the executive

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branches of the fascist systems, which after all amounted to abolishing parliaments and unleashing the executive branches, that the parliaments had to be “disciplined” if a stable political order was to be created. This goes hand in hand with the success of the Christian Democratic parties after the war, as Müller emphasizes (2013, 223ff.). However, since the Christian Democrats accepted human rights as indispensable – and thus paved the way for the new constitutional order to be accepted (Müller 2011, 135), a coalition of liberal and traditional ideas emerged. “In concrete terms the imperative of constraining peoples translated into weakening parliaments [...]. [T]he danger of ‘parliamentary absolutism’ was to be banished once and for all” (Müller 2011, 148). In the process, the constitutional courts took on the function of guaranteeing the protection of individual rights, which the eternity clause had removed from the reach of the parliament. It was not by chance that in the Weimar Republic, too, conservative jurists called for judicial review of the legislature, which had just recently become democratic, and had pointed to judges’ strong personalities as a guarantor of these rights (Maus 1989, 123).

This strong fixation on the protection of basic rights is linked to a reorientation in the theory of democracy, however. If a court protects the rights of individuals in relation to the parliament, but not the rights of individuals in relation to the government and the administration, this establishes a form of separation of powers that defines the purpose of human rights in a fundamentally different way. In post-totalitarian systems, human rights no longer function as protection against the state, but are instead guaranteed by the state. According to the revolutionary interpretation, which fascism sought to abolish, basic rights guarantee protection against violations committed by the executive, and the basic rights themselves become effective only if couched in terms of law (Möllers 2011, 345, also Schönberger 2011, 27).

This interpretation of human rights as a resource for argumentation available solely to the bearers of these rights has been asserted by Ingeborg Maus’s reconstruction of the sovereignty of the people (Maus 2011). Maus also differentiates between two understandings of fundamental rights: the liberal, excluding, defensive concept is contrasted with the republican, participatory exercising of fundamental rights in the formation of political will (Maus 1994, 238f., 299). Human rights are characterized by a dual character as extralegal natural rights and as positive fundamental rights. Fundamental rights can become effective only as positive rights and must be cast in the form of laws by parliament to enable this. In this context, egalitarian participation is the basic prerequisite for the laws’ democratic

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legitimation. Then, any violation of the fundamental rights guaranteed by the law is always committed by the executive, not by the parliament itself, which is the place where these rights were formulated in detail. However, the possibility to file suit against violations of basic rights on the part of the government and the administration must exist. Here, judicial review in administrative courts is definitely appropriate. It is not judicial review, but the resolution of court proceedings between governmental bodies, which would then be the task of a constitutional court that would be obliged to protect the equality of proceedings and the rights of the parliament. When the Federal Constitutional Court acts as the interpreter of fundamental rights, the legislature and the electorate that legitimizes it lose their capacity to make decisions. The societal process of discussion then becomes unnecessary, as does discursive political decision-making in parliament if the significance of basic rights emerges not from the will of the legislature, but from objective values of the constitution (Maus 1989, 131). Democratic decision-making is thus subordinated under the Federal Constitutional Court, not preserved by it.

III – fEDERAL CONSTITuTIONAL COuRT AND POST-DEMOCRACy

Now, if one considers the position of courts as stable institutions in stable democracies, the strong position of the Federal Constitutional Court can be seen as the expression of an effort to shape the post-totalitarian democracies of the postwar period as “disciplined” democracies that accord parliaments in particular a weaker position. They were subordinated under a jurisdiction regarding fundamental rights that can expertocratically invoke the constitution and the “values” it allegedly comprises. In other words, the Federal Constitutional Court is part of a movement to institutionally weaken the democratic parliaments that are ensnared in a kind of balance of powers instead of being at the pinnacle of the hierarchy of powers. But this does not yet result in a contribution to the current process of post-democratization, and it cannot be defined in terms of content alone.

If the Court influenced politics in different ways as political majorities changed – in the conservative phase of restoration, it had a liberalizing effect, and in the social-liberal reform phase a limiting one (see Rath 2013, 11-2) – then its effect in terms of the substance of its decisions is not the actual topic of this consideration of the contribution of the Constitutional Court to post-democracy. If such a contribution existed, it would have to be determined by employing the theory of democracy. It must be found in the

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significance of fundamental rights for the political process and the court’s methodology for dealing with political questions.

To this end, the significance of the diagnosis of post-democracy must first be formulated more precisely. Crouch writes about post-democracy: “Under this model, while elections certainly exist and can change governments, public electoral debate is a tightly controlled spectacle, managed by rival teams of professionals expert in the techniques of persuasion, and considering a small range of issues selected by those teams. The mass of citizens plays a passive, quiescent, even apathetic part, responding only to the signals given them. Behind this spectacle of the electoral game, politics is really shaped in private by interactions between elected governments and elites that overwhelmingly represent business interests.” (Crouch 2004, 4). Although Crouch emphasizes that this is an exaggeration, he also calls attention to the fact that in this model, political equality is suspended in a fundamental way, benefiting economic actors. Problems selected by experts are discussed, the citizens play a passive role, and elites settle politics behind closed doors, favoring the interests of economically strong actors.

Crouch’s analysis of post-democracy lacks consideration of jurisdiction because he is concerned with the question of the paralysis and reinvigoration of political movements and parties, in particular with social concerns. These are traditionally presented on the street and fed into the political process from there. If these paths are blocked, or if no significant movements come into being, the option of resorting to the Court still remains. This does not require a political movement. This path could thus be considered as a strengthening of a movement or a substitute movement; activists specialized in legal disputes could represent, as advocates, the concerns of a movement too small. However, this is linked to the fundamental problem that democratic power to shape policy is translated into juridical power to block developments. After all, one can only file suit against laws that have been passed, but one cannot file suit with the goal of having laws adopted that have not yet been passed. Democratic activity is thus refashioned into a right to resistance directed against the authorities and consequently falls back to a pre-democratic level (Maus 1994, 32ff.).

Besides this transformation of democracy into pre-democracy, the translation of political questions into the code of fundamental rights generally results in a depoliticization and thus post-democratization of politics. Political questions that are negotiated as questions of fundamental rights are not only removed from the political process and transferred to the Court for decision-making, in this way they are also rendered unrecognizable as

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political questions because the Court must place them within the logic of its case law. Martin Nettesheim has called this “postpolitics” (Nettesheim 2014). His descriptions confirms in a different way the diagnosis of post-democratic tendencies. According to Nettesheim, the Court has – after the successful liberalization of the society – developed a “postpolitical understanding of its business” (Nettesheim 2014, 483) that lies especially in the idea, to find “best solutions” without political dispute. This idea is based on a shift from a liberal understanding of fundamental rights to what Nettesheim calls the “dogma of a duty to protect” positions of basic rights which the court first invents and sees them then threatened. This depoliticizes the court’s decisions further and reduces lawmaking finally to a way of finding efficient and appropriate solutions to self-defined threats (Nettesheim 2014, 484). This increases the scope of the Court’s responsibility further because it can now declare a certain threat and then take the decision about the appropriate reaction over. According to this post-political understanding there is no room for political dispute in this constitutional order (Nettesheim 2014, 486). The role of the Court as experts stimulates the disenchantment with politics further (Nettesheim 2014, 489). It is a different way to describe the same tendency: Nettesheim sees a post-politicization of politics where others see this effect resulting from the political role of the Court. Taking away the decisions from politics and handing it over to a Constitutional Court in any case strengthens the post-democratic tendencies that dispossesses the parliaments. In other words, complaints against violations of fundamental rights are often an opportunity to achieve the repeal of an undesired law, outside of parliamentary discussion and decision-making. Individualized complaints against a violation of human rights are then an attempt to influence policy by other means. The methodology of the Constitutional Court strengthens the expertocratic effects of fundamental rights and practically demands people to articulate their concerns as being violations of fundamental rights. If they refer to human dignity, then the proceedings will be particularly promising and far-reaching, since reference to human dignity is the Court’s terrain par excellence.

An impressive example of dealing with questions of human dignity is to be found in the context of social legislation. When the complaint was filed that the standard Hartz IV benefits (social welfare payments) were too low and therefore violated human dignity, the Court did not respond by specifying a concrete monetary value, as the complainants had hoped, but by examining the calculation procedure that had “not ascertained the [standard benefits] in a constitutional manner” because it had deviated from

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the “structural principles of the statistical model” selected by the legislature (BVerfGE 125, 175, quoted in Möllers 2011, 385).

According to Möllers, the Court thus “considered the legislature to be like a government agency that is to be bound to rules” (Möllers 2011, 385). However, it also changed the interpretation of the purpose of the complaint: “In this case, the acknowledged right to a social minimum means of subsistence became the right to a rational legislative procedure.” (Möllers 2011, 385) This decision results from the Court’s orientation toward its own case law. “In this manner, a type of logic unfolds in which standards take on a life of their own, retaining the consistency of case law without helping the parties or the political process.” (Möllers 2011, 386)

Möllers elaborates in particular how a problem relevant to theory of democracy emerges from the call to respect standards of legislative rationality. For this demand treats the parliament like an administrative body whose actions are to be measured according to rational standards, even though politics also includes a “voluntaristic element” “that virtually requires inconsistency.“ (Möllers 2011, 398) In other words, where political compromise and legislative asynchronisms may be expressed, the Court considers the rational standard to be violated. The consequences of this are not insignificant: after all, “this privileges the status quo in relation to new rules, and in some fields of law, for example, tax law, it results in a redistribution from the bottom up” (Möllers 2011, 399).

In the case where a plaintiff sought to have the 345-euro standard welfare benefit raised and therefore filed suit because of a violation of human dignity, he was given a requirement for the Bundestag to adhere to the statistical methods selected. The Court sought to find the standard benefit unlawful, but was unable to do so precisely on the basis of the clause regarding human dignity, which simply does not permit it to determine from which amount on human dignity is or is not violated. Instead, the Court fell back on its own logic for orientation. In so doing, it secured the coherence of its decisions and simultaneously achieved the effect of a pseudo-decision. The legislature now had to determine the rates of benefits anew. Politically speaking, however, nothing changed, and Hartz IV remains controversial. If post-democracy amounts to experts and elites depriving the parliament of its right of decision and upholding the formal democratic procedures, then this decision reflects a large degree of post-democracy. The Court maintained the impression of formal procedures and decisions, but defended its own competence and instructed the legislature as if it (the legislature) were simply an administrative body. From a political point of view, the plaintiff

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was unsuccessful. Thus, the Court contributed to depriving the parliament of its right of decision and pacifying political disputes that it (the Court) ostensibly resolved.

The translation of political questions into questions of fundamental rights that are to be solved expertocratically using terms as vague as human dignity further deprives the legislature of its right of decision, but is democratically correct. Decision-making is further removed from the political process, thus strengthening the post-democratic tendency. An alternative could lie only in the Court placing radical limits on itself. But this is hardly to be expected in a situation in which it is threatened by transnationalization and European courts3. It is precisely the Court’s success story that could thus result in it continuing to work unflaggingly, which will, however, in the end only maintain the Court’s post-democratic appearance.

REfERENCES

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MAUS, Ingeborg (2011), Über Volkssouveränität. Elemente einer Demokratietheorie, Berlin.

3 See the article by Markus Kotzur in this issue.

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Assunto Especial – Doutrina Estrangeira

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Assunto Especial – Doutrina Estrangeira

O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

O Novo Viés Constitucional do Poder Judiciário na Efetivação das Políticas Públicas e o Confronto entre a Teoria da Separação dos Poderes, Reserva do Possível e o Mínimo Existencial

ThIAgO FELIPE CARDOSOAdvogado.

Submissão: 17.12.2015Decisão editorial: 29.04.2015Comunicação ao autor: 29.04.2015

RESUMO: O presente artigo discorre sobre uma grande polêmica do direito atual, qual seja: a interfe‑rência do Poder Judiciário na implantação das políticas públicas, que, em regra, trata‑se de uma atri‑buição típica do Poder Executivo e Legislativo. Vários são os argumentos contrários a tal intervenção, como, por exemplo: ofensa aos princípios da reserva do possível e da independência dos poderes. Por outro lado, temos que uma das principais características da chamada evolução da teoria do Di‑reito, bem como do famigerado neoconstitucionalismo, é o fortalecimento do Poder Judiciário, bem como a concretização dos direitos fundamentais estampados na Constituição. Ou seja, em outras palavras, resta clarividente que o Poder Judiciário está no cerne do estado contemporâneo. Por tudo isso, o artigo visa demonstrar o importante papel do Judiciário, que acaba por figurar não como um poder superior aos demais (Executivo/Legislativo), mas sim como um poder imprescindível para a concretização do mínimo existencial estampado em nossa Bíblia Política de 1988. Para ratificar todo esse papel de destaque do Judiciário, torna‑se necessária a exposição de algumas características de nossa Constituição, do neoconstitucionalismo, entre outros conceitos.

PALAVRAS‑CHAVE: Neoconstitucionalismo; Poder Judiciário; políticas públicas; reserva do possível; independência dos poderes.

ABSTRACT: Dissertation is a great controversy about the current law, which is: the interference of the Judiciary in the implementation of public policies, which, as a rule, it is a typical assignment of the Executive and Legislature. There are several arguments against such an intervention, such as: Princi‑ples of the offense and of the Independence of Possible Powers Reserve. On the other hand, we have a major feature of evolution called the Theory of Law as well as the infamous neoconstitucionalism, is the strengthening of the judiciary as well as the realization of fundamental rights in the Constitution printed. That is, in other words, remains clairvoyant that the Judiciary is at the heart of contemporary state. For all this, the research aims to demonstrate the important role of the judiciary that ultimately do not appear to others as a superior power (Executive/Legislative), but as an essential to realizing

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the existential minimum imprinted in our Bible 1988 Power Policy. To ratify all this leading role of the judiciary, it is necessary to exhibit some features of our Constitution, the neoconstitutionalism, among other concepts.

KEYWORDS: Neoconstitutionalism; Judiciary; public policy; possible reserve; independence of powers

SUMÁRIO: Introdução; 1 Teoria da separação dos poderes; 1.1 Origem; 1.2 Sistemas de freios e contrapesos – check and balance; 2 Evolução da teoria do Direito; 2.1 Constitucionalismo; 2.2 Forta‑lecimento do Poder Judiciário e da Constituição; 2.3 Ativismo judicial; 3 O Poder Judiciário contem‑porâneo; 3.1 Políticas públicas e sua efetivação no Brasil; 3.2 A inexistência de ofensa constitucional ao princípio da separação dos poderes; 3.3 Teoria da reserva do possível x mínimo existencial; Con‑siderações finais; Referências.

INTRODuÇÃO

Nos tempos atuais, o Poder Judiciário passa a figurar como o principal poder da República Federativa do Brasil, com uma atribuição extra, qual seja, efetivar as políticas públicas no afã de garantir os direitos fundamentais estampados na Constituição Federal de 1988.

Nesse sentido, o Poder Jurisdicional, revestido de todas as caracterís-ticas neoconstitucionais e em obediência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, não poderá permanecer inerte quando provocado.

Várias são as críticas, principalmente da doutrina, quanto a essa nova forma de atuação jurisdicional. A principal delas diz respeito à ofensa ao princípio da separação dos poderes e da reserva do possível.

Ao julgar as demandas relacionadas à inércia dos demais poderes em legislar e executar as políticas públicas, estaria o Poder Judiciário violando o princípio da separação dos poderes previsto no art. 2º da CF/1988, bem como a reserva do possível?

A propósito, é bastante comum a alegação da teoria da reserva do possível, instituto criado pela doutrina alemã, por parte da Administração Pública, no intuito de justificar a não adoção de políticas públicas em virtu-de da ausência de recursos financeiros.

Sendo assim, muitos estudiosos dizem que a reserva do possível, no Brasil, é denominada de reserva do “financeiramente” possível.

Neste contexto, estaria a reserva do “financeiramente possível” de acordo com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial?

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1 TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

1.1 orIgeM

Os principais pensadores da teoria da separação dos poderes desen-volveram seus estudos no período monárquico, no qual todo o poder estava concentrado nas mãos do rei (monarca).

O monarca era dotado de supremacia inequívoca e, para muitos da época, era um atributo de origem divina, ou seja, o rei era uma figura esco-lhida por Deus, onipotente, responsável por elaborar as leis, executá-las e julgar aqueles que não as cumpria.

Essa unificação dos poderes nas mãos de uma só pessoa fez com que Aristóteles, em meados de 384 a.C. a 322 a.C, desenvolvesse as primeiras ideias sobre a separação dos poderes em sua obra denominada de A Polí-tica.

Criada por Aristóteles e aperfeiçoada por Charles Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, a separação dos poderes tinha como principal ob-jetivo pôr fim ao poder absoluto do rei. Poder este evidenciado na céle-bre frase do Rei Luís XIV: “L’Etat c’est moi” (“O estado sou eu”). Segundo Aristóteles, o poder exercido pelo soberano era dividido em três vertentes: o de editar leis, o de administrar e executar as leis editadas e, por fim, o de julgar aqueles que descumpriam o ordenamento jurídico posto.

Ocorre que Aristóteles, apesar de destacar a existência dessas três funções, a princípio, não conseguiu realizar as mudanças que tanto ideali-zava/teorizava, pois tais funções se concentravam, ainda, nas mãos de uma única pessoa, qual seja, o soberano (rei).

Posteriormente, no século XVII, o absolutismo, por influência do ilu-minismo, sofreu algumas limitações com a edição da Magna Carta (Great Charter) de 1215, Bills of Rights, The Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679) e Bill of Rights (1689).

Aproveitando-se de todo esse contexto histórico, Jonh Locke, no Se-gundo Tratado do Governo Civil, justificou que a divisão de poderes foi um compromisso que acabou reservando ao monarca certas funções, ao parlamento outras, e aos juízes restando caracterizada sua independência. Surgindo, pois, a primeira sistematização doutrinária da separação de po-deres.

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Por fim, Montesquieu acabou por aprimorar a teoria da separação dos poderes, até então desenvolvida por Aristóteles e Locke. Montesquieu, em sua obra O Espírito das Leis, dizia que tais funções não deveriam se con-centrar nas mãos de um único indivíduo, mas sim em três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si.

De acordo com o próprio Montesquieu (1977, p. 209): “Esses três poderes deveriam formar uma pausa ou uma inação. Mas como, pelo movi-mento necessário das coisas, eles estão obrigados a caminhar, serão força-dos a caminhar de acordo”.

Segundo o professor Lenza (2013, p. 601):

Tal teoria surge em contraposição ao absolutismo, servindo de base estru-tural para o desenvolvimento de diversos movimentos, como as revoluções americana e francesa, caracterizando-se, na Declaração Francesa dos Di-reitos do Homem e do Cidadão, em seu artigo 16, como verdadeiro dogma constitucional.

A partir de então, cada poder passaria a atuar dentro daquilo que é previsto por sua função típica, não sendo mais permitido, a um único ór-gão, legislar, aplicar a lei e julgar, como era comum no absolutismo (Lenza, 2013, p. 601).

Importante ressaltar que o princípio da separação dos poderes teve seu grande marco no célebre caso Marbury x Madison, em 1803, no qual o juiz Marshall acabou reconhecendo que os atos do Executivo e do Legis-lativo apenas serão considerados válidos quando o Poder Judiciário firmar o entendimento que tais atos estão em conformidade com a Constituição Federal. Procedimento este conhecido como Judicial Review.

Sendo assim, dentro do sistema de freios e contrapesos, o Judicial Review surge para dar uma maior ênfase à função do Poder Judiciário, que estará sempre pautado em, simplesmente, fazer cumprir o disposto na Cons-tituição Federal.

A propósito, torna-se primordial tecer alguns comentários sobre o sis-tema de freios e contrapesos. Vejamos.

1.2 sIsteMA de freIos e contrApesos – check And bAlAnce

O sistema de freios e contrapesos surgiu no Direito americano, porém o termo balance é de origem inglesa.

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Segundo Aleintkoff (1991, p. 238):

O balance originou-se na Inglaterra, pela qual a Câmara dos Lordes (os no-bres) passaram a equilibrar (balancear) os projetos de leis advindos da Câma-ra dos Comuns (originários do povo), a fim de evitar que leis demagogas, ou formuladas pelo impulso momentâneo de pressões populares, fossem apro-vadas. [...] já o check, por sua vez, surgiu quando o Justice Marshal declarou em sua opinion, lançada no famoso caso Marbury x Madison, em 1803, que o Poder Judiciário tinha a missão constitucional de declarar a inconstitucio-nalidade [...] dos atos do Congresso, quando a seu exclusivo juízo, tais leis não guardassem harmonia com a Carta Política.

O objetivo primordial do instituto se resume em não permitir que um poder tenha certa predominância em detrimento do outro, mas sim que todos atuem de modo a estabelecer uma relação harmoniosa, na qual os excessos de um serão corrigidos/atenuados pelo outro. Tais preocupações foram tomadas no sentido de aniquilar qualquer possibilidade de concen-tração do poder nas mãos de uma só pessoa, como no absolutismo (mo-narquia).

O sistema de freios e contrapesos vem ratificar a harmonia que o le-gislador constituinte originário sempre buscou ao elaborar a norma prevista no art. 2º da Constituição Federal: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

O professor José Afonso da Silva (2005, p. 111) destaca que: “A har-monia entre os poderes verifica-se primeiramente pelas normas de cortesia no trato recíproco e no respeito às prerrogativas e faculdades a que mutua-mente todos têm direito”.

Atualmente o sistema de freios e contrapesos vem sendo o protagonis-ta de acirradas discussões nos diversos tribunais brasileiros, principalmente no que diz respeito à implementação das políticas públicas. No entanto, ao se fazer uma análise atenta dos principais motivos, percebe-se que a inércia de alguns poderes em realizarem suas funções típicas face ao fortalecimento do Poder Judiciário é o principal motivo das discussões.

2 A EVOLuÇÃO DA TEORIA DO DIREITO

2.1 constItucIonAlIsMo

O Constitucionalismo foi o movimento político-jurisdicional que ti-nha como principal finalidade a limitação do poder estatal, cujas ideias

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básicas eram: i) um governo limitado; ii) a garantia de direitos; e iii) a sepa-ração dos poderes.

O renomado constitucionalista e professor Marcelo Novelino (2014, p. 53) define em sua obra que:

[...] o constitucionalismo compreende duas noções identificadoras básicas: o princípio da separação dos poderes e a garantia de direitos como instrumen-to de limitação do exercício do poder estatal consagrados nas Constituições com o objetivo de proteger as liberdades fundamentais.

Nota-se que o movimento constitucionalista adotou a liberdade como umas de suas principais ideologias no afã de diminuir o poder absoluto do rei, concedendo aos súditos uma maior autonomia para a prática de seus atos.

A partir de então, vários foram os movimentos tendentes a limitar o poder estatal e resguardar o direito à liberdade da sociedade, conhecidos como direito de 1ª geração/dimensão, como, por exemplo: a Carta Magna de 1215, Bills of Rights, The Petition of Rights (1628), Habeas Corpus Act (1679) e Bill of Rights (1689), Constituição Americana (1787), Revolução Francesa (1789), Constituição Francesa (1791), entre outros.

Em virtude dos vários movimentos ligados ao constitucionalismo, J. J. Gomes Canotilho (2000, p. 51) denomina-os de “movimentos constitu-cionais” e define o constitucionalismo como:

[...] uma teoria que ergue o princípio do governo limitado indispensável à ga-rantia dos direitos em dimensão estruturante da organização política-social de uma comunidade [...] é no fundo uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou da teoria do liberalismo.

Pois bem, havia no constitucionalismo antigo uma verdadeira supre-macia do Parlamento. Foi nesta época (século XVII) que foram formados os partido políticos ingleses, sendo dois deles conhecidos como Tories e os Whigs. Os Tories eram mais conservadores e, por ainda existir certa força da Coroa, se socorriam à doutrina do direito divino dos reis. Já os Whigs eram liberais, puritanos e tolerantes com os demais protestantes (Novelino, 2014, p. 55).

Por outro lado, já era possível notar certa independência do Poder Judiciário durante o Constitucionalismo Antigo/Idade Média. Porém, o forta-lecimento, de fato, do Poder Judiciário, se deu no Constitucionalismo Clás-sico americano.

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2.2 fortAlecIMento do poder JudIcIárIo e dA constItuIção

O instituto do Judicial Review, conforme já mencionado, surgiu no célebre caso Marbury x Madison, cuja teoria da separação dos poderes fi-cou mais evidenciada, principalmente pela forte influência do Poder Judi-ciário nas lides.

Relata a história que o então presidente norte-americano Jonh Adams, nas eleições de 1800, foi derrotado por seu opositor Thomas Jefferson. Po-rém, Jonh Adams, no final de seu mandato, realizou uma série de “manobras políticas” para permanecer com suas influências no Poder Judiciário. Entre tais manobras, destaca-se a aprovação de uma lei que reorganizava todo o Poder Judiciário. A mencionada lei ficou conhecida como The Circuit Court Act, cujo teor era: i) diminuir o número de juízes na Suprema Corte e ii) a criação de 16 (dezesseis) cargos para juiz federal (Barroso, 2012, p. 24).

Ocorre que os novos cargos criados para juiz federal foram preenchi-dos por aliados do próprio Jonh Adams, que posteriormente nomeou mais 42 juízes de paz. Entre os juízes federais nomeados, estava seu Secretário de Estado Jonh Marshall, que, a propósito, se tornaria, também, presidente da Suprema Corte.

Pois bem, acontece que o então Secretário de Estado Jonh Marshall acabou não concluindo todos os atos de investidura dos novos juízes e alguns, em virtude da falta de tempo, visto que os atos foram realizados às pressas, acabaram não tomando posse, como foi o caso de Willian Marbury.

Com a posse de Thomas Jefferson como novo presidente, seu Secre-tário de Estado James Madison acabou por não nomear Willian Marbury como juiz federal, a pedido do próprio presidente Jefferson. A partir de en-tão, inconformado, Marbury propõe ação judicial no intuito de buscar uma tutela jurisdicional que lhe garantisse a posse como Magistrado, por acredi-tar ser um direito líquido e certo seu. O julgamento do presente mandamus coube à própria Suprema Corte de Justiça americana.

O professor Luiz Barroso (2012, p. 24) destaca que:

[...] o Congresso, já agora de maioria republicana, veio e revogar a lei de reorganização do Judiciário federal (The Circuit Court Act), extinguindo os cargos que haviam sido criados e destituindo seus ocupantes. Para impedir questionamentos a essa decisão perante a Suprema Corte, o Congresso supri-miu a sessão da Corte de 1802, deixando-a sem reunir de dezembro de 1801 até fevereiro de 1803.

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Mas a Corte americana acabou julgando o caso Marbury x Madison em 1803, quando ficou estabelecido que o Judiciário estaria apto a fazer com que o Executivo cumprisse as leis estabelecidas na Constituição, pois os atos deste poder estariam condicionados ao controle judicial no que tan-ge à constitucionalidade e legalidade.

Marcelo Novelino (2014, p. 57) relata que:

As ideias de supremacia da Constituição e sua garantia jurisdicional são al-gumas das principais contribuições da tradição norte-americana. Por esta-belecer as regras do jogo político, a Constituição estaria, por uma questão de lógica, em um plano juridicamente superior aos de que deles participam (Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário).

Sendo assim, após esse famoso caso (leading case), o Poder Judiciário tornou-se um poder de maior destaque, tendo a função de conhecer, res-guardar e fazer cumprir, inclusive, os direitos fundamentais constitucionais.

2.3 AtIvIsMo JudIcIAl

A Constituição Federal de 1988 que reúne alguns primados normati-vos das Constituições de 1891, 1934 e 1946, estabelece, em seu art. 5º, in-ciso XXXV, que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. O postulado faz referência ao famigerado princípio da inafastabilidade da jurisdição.

O neoconstitucionalismo origina-se do abandono da cultura legi-cêntrica evidenciado desde o final da Segunda Guerra Mundial, quando a lei era considerada a principal fonte do direito no qual a Constituição não passava de uma mera fonte inspiradora de programas políticos que sequer podiam ser invocados diante o Poder Judiciário (Sarmento apud Aranha, 2014, p. 310).

Com a promulgação do Constituição de 1988, que, se observarmos historicamente, foi a primeira Carta Fundamental brasileira a adquirir as ca-racterísticas do constitucionalismo moderno (neoconstitucionalismo), hou-ve a exaltação do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/1988).

O referido princípio acaba estabelecendo a competência jurisdicio-nal em conhecer, dizer e assegurar o direito posto em juízo, principalmente àqueles que possuem viés constitucional fundamental. Surgindo o chamado “ativismo judicial”.

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O termo “ativismo judicial” foi utilizado pela primeira vez em 1947, nos Estados Unidos, com a denominação de judicial activism. O primeiro jurista a estudar o assunto foi Arthur Schlesinger Jr. O jurista descrevia, em seu estudo, as linhas de atuação da Suprema Corte americana sob a vigência do New Deal com o objetivo de explanar o porquê de entendimentos tão diversos entre os membros do tribunal (Aranha, 2014, p. 311).

O ativismo judicial surge como uma espécie de redemocratização do País!

No que diz respeito à redemocratização do País, destaca-se, neste cenário, o fim do regime ditatorial e o verdadeiro fortalecimento do Poder Judiciário em todas as suas esferas. Destaca-se, inclusive, o fortalecimento do Ministério Público e das Defensorias Públicas, instituições de grande relevância para o Direito/Justiça. Características que, de fato, ratificam o político do Judiciário.

Destaca-se, inclusive, o eficaz sistema de controle de constituciona-lidade brasileiro. Sistema este que faz uma junção do modelo americano e austríaco, sendo, portanto, um modelo de controle repressivo jurisdicional difuso e concentrado (misto).

O professor Barroso (2014, on-line) faz um interessante comparativo entre judicialização e ativismo judicial, vejamos:

A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. [...] Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance.

A judicialização, que é o simples ato de recorrer ao Judiciário para dirimir as lides, acabou propiciando o surgimento do ativismo judicial. O ativismo judicial, hoje, é um fato! Basta uma simples pesquisa nas jurispru-dências dos tribunais superiores para ratificar o exposto.

O crescimento do ativismo judicial se deu devido ao enfraquecimen-to político do Legislativo em legislar e estabelecer condutas que propiciem a efetividade dos direitos e garantias fundamentais estampados na Cons-tituição, somado também à inexistência de atos do Executivo que visem

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à estipulação de metas para executar aquilo que o legislador constituinte originário expôs na Magna Carta de 1988.

A discussão torna-se justamente mais complexa a partir do momento em que o Judiciário, em determinados julgados, adentra nas questões das políticas públicas, nas quais acaba, de fato, exercendo um papel político.

Inevitavelmente, em homenagem ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, CF/1988) e ao disposto no art. 4º da LINDB, coube ao Judiciário a difícil missão de julgar e, ao mesmo tempo, suprir as lacunas deixadas pelos outros poderes, vez que o julgador não pode deixar de julgar as demandas instauradas, mesmo que caracterizada a inércia do Legislativo e do Executivo na implementação de políticas públicas.

O professor Aranha (2014, p. 317) já dizia:

[...] o órgão do Judiciário é obrigado a se manifestar diante da omissão dos Poderes Legislativo e Executivo [...] uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade, o Tribunal não tem a alternativa de conhecer ou não das ações e nem de se pronunciar ou não sobre seu mérito, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição.

No entanto, surgem várias críticas, tanto da doutrina quanto de estu-diosos do direito, no que tange a esse novo método de atuação do Judiciário.

3 O PODER JuDICIÁRIO CONTEMPORÂNEO

3.1 polítIcAs públIcAs e suA efetIvAção no brAsIl

Ao se observar a Constituição Federal de 1988, é possível notar um extenso rol de direitos e garantias fundamentais que não estão apenas es-tampados no art. 5º, mas em todo o texto constitucional.

Porém, para que tais direitos sejam efetivados, torna-se imprescin-dível que o Estado adote medidas para fazer cumprir o estabelecido pelo legislador constituinte, que, diga-se de passagem, representam o povo.

A partir de então acaba surgindo o termo “políticas públicas”, que nada mais é do que um conjunto de atividades realizadas pelo Estado com o intuito de garantir aos administrados a efetividade de, pelo menos, uma parcela mínima de direitos assegurados pela Constituição Federal, em prol do bem-estar social.

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Luiza Cristina Fonseca Frischeinsen (2000, p. 80) conceitua políticas públicas como sendo “aquelas voltadas à concretização da ordem social que visam à realização dos objetivos da República, a partir da existência de leis decorrentes dos ditames constitucionais”.

Em um Estado Democrático de Direito regido por uma Carta Política fundamental que, desde então, estabelece e assegura os direitos mínimos essenciais do indivíduo (dignidade da pessoa humana), outra opção não há à Administração Pública senão a adoção de políticas que de fato efetivem o disposto no texto constitucional, ligadas à saúde, segurança, igualdade, educação e bem-estar, por exemplo.

Moura (2011, p. 149):

No Estado Democrático de Direito, marcado pelo deslocamento da Consti-tuição para o epicentro da ordem jurídica, com a expansão da jurisdição e a reelaboração da interpretação constitucional, cabe ao Poder Judiciário papel de proteção dos direitos fundamentais que permite a invalidação de qualquer ato advindo do processo político majoritário.

Diante dessa situação complexa, o judiciário, ao fazer aquilo que lhe é atribuído constitucionalmente, ou seja, de dizer o direito, acaba interferin-do nas competências dos demais poderes. Ato este que, a princípio, poderia ir de encontro aos preceitos da separação dos poderes estampados no art. 2º da Constituição Federal, que estabelece que: “São Poderes da União, inde-pendentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Porém, a alegação de que o judiciário interfere nos demais poderes não merece prosperar, vez que tal “interferência” não se concretiza de fato.

As políticas públicas são atos administrativos que têm como espécie uma decisão política.

Não há, na legislação brasileira, nenhuma definição de ato adminis-trativo, fato este que nos obriga a recorrermos à doutrina.

O professor Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 16) define que ato administrativo nada mais é que “a declaração do Estado, ou de quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimen-to, e sujeitas a controle de legitimidade por órgãos jurisdicionais”.

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Não compete, ordinariamente, ao Judiciário a competência para for-mular e implementar políticas públicas, mas sim aos Poderes Legislativo e Executivo.

Porém, essa interpretação vem sofrendo alterações com o passar do tempo, permitindo ao judiciário a possibilidade de exercer o controle sobre as atuações dos poderes públicos visando à concretização dos direitos e garantias fundamentais estampados na Constituição.

Moura (2011, p. 160):

O Poder Judiciário exerce o papel de controle sobre atuação dos poderes públicos na concretização dos direitos sociais, intervindo sobre as fases de planejamento, execução e avaliação das políticas públicas, porém, buscan-do preservar os espaços de decisão política e o uso racional dos instrumentos jurídico-financeiros do Estado.

Ainda que revestidas de cláusulas de conteúdo programático, os di-reitos individuais, e até mesmo os coletivos, deverão ser resguardados pelo poder jurisdicional.

O Ministro Celso de Mello, no julgamento da ADPF/DF 45 (STF, 2014, on-line), destacou que:

Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atri-buir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vie-rem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. (STF, decisão monocrática, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello. J. em 29.04.2004, DJU em 24.05.2004)

Importante destacar que, de acordo com o entendimento do STF, as normas programáticas não poderão gerar falsas expectativas na coletivida-de, ao ponto de se transformarem em “promessa constitucional inconse-quente”.

A partir do momento em que o Poder Público não realiza atos que visam assegurar os direitos sociais mínimos estampados na Constituição Fe-deral, o Estado acaba por não conhecê-los como verdadeiros direitos. E uma vez constatado esse vício, cumpre ao Judiciário intervir, quando provocado.

O Poder Jurisdicional constitui-se e atua como um poder político da República. O Judiciário não pode atuar de forma anêmica e fragilizada.

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Uma vez provocado a se manifestar, mesmo sobre políticas públicas, e ten-do o mesmo uma conduta inerte, estará contribuindo para a geração de uma crise institucional, pois, caso o Judiciário atue como um órgão autônomo (e não como um Poder Político), não estará contribuindo em nada com a de-mocracia, colocando seu desenvolvimento em risco de estagnação (Silveira, 1999, p. 176).

Importante destacar os vários julgados do Supremo Tribunal que de-fendem a intervenção do Poder Judiciário no afã de assegurar o cumprimen-to das políticas públicas bem como dos direitos e garantias fundamentais: ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello; AI 655.392/RS, Rel. Min. Eros Grau; AI 662.339/RS, Relª Min. Cármen Lúcia; RE 462.416/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes; AI 674.764-AgRg/PI, Rel. Min. Dias Toffoli; AI 734.487-AgRg/PR, Relª Min. Ellen Gracie; RTJ 164/158-161 e RTJ 199/1219-1220 (STF, 2014, on-line).

A Procuradora Regional da República Luiza Frischeisen (2008, p. 59) diz que:

Nesse contexto constitucional, que implica também na renovação das práti-cas políticas, o administrador está vinculado às políticas públicas estabeleci-das na Constituição Federal; a sua omissão é passível de responsabilização e a sua margem de discricionariedade é mínima, não contemplando o não fazer. [...] Conclui-se, portanto, que o administrador não tem discricionarie-dade para deliberar sobre a oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem social constitucional, pois tal restou deliberado pelo constituinte e pelo legislador que elaborou as normas de integração. [...]

O Estado possui um grande vínculo institucional que se resume em garantir às pessoas a efetivação dos direitos e garantias fundamentais es-tampados ao longo da CF/1988, sendo o mesmo responsável por qualquer descumprimento das tarefas constitucionais mínimas.

Assim sendo, uma vez configurada a “abusividade governamental”, ou seja, havendo omissão do Poder Público (Executivo/Legislativo) em ado-tar políticas públicas que concretizam os direitos fundamentais expostos na Carta Magna de 1988, poderá o Judiciário impor uma obrigação de fazer ao Estado.

Da mesma forma, poderá o poder jurisdicional exercer o controle do Poder Legislativo, por meio do controle de constitucionalidade das leis ou atos normativos (difuso ou concentrado), incluindo o Plano Pluri Anual

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(PPA), Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA) por terem, todas elas, caráter normativo.

Por outro lado, os não adeptos dessa evolução jurídico-constitucional afirmam que a intervenção do Poder Judiciário no âmbito de planejamento, avaliação e execução de políticas públicas ofende o princípio da separação dos poderes previsto no art. 2º da CF/1988, bem como a reserva do possível. Afirmações estas que não merecem prosperar, senão vejamos.

3.2 A IneXIstêncIA dA ofensA constItucIonAl Ao prIncípIo dA sepArAção dos poderes

Aristóteles, Locke e Montesquieu, revestidos com o manto da ideolo-gia liberal, defendiam o fim do poder absoluto por meio da separação dos poderes de legislar, administrar e julgar.

O Barão Charles de Montesquieu sempre se preocupou, na verdade, em limitar o poder absolutista, ou seja, ele não estava preocupado, no mo-mento da elaboração de sua teoria de separação dos poderes, em limitar os poderes a ponto de impedir, por exemplo, que o judiciário não interferisse em atos de responsabilidade do Executivo/Legislativo, mas sim, repita-se, no fim da opressão monárquica.

Montesquieu (1993, p. 74 e 149):

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura o poder le-gislativo está reunido ao poder executivo, não existe liberdade, pois pode temer-se que o mesmo monarca ou o mesmo senado apenas estabeleçam leis tirânicas para executá-las tiranicamente. [...] Não haverá também liberdade se o poder de julgar não estiver separado do poder legislativo e executivo. Se estivesse ligado ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria o legislador. Se estivesse ligado ao executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.

Não obstante a teoria montesquiana ter deixado um grande legado ao Direito Constitucional brasileiro, o fato é que a limitação do poder, por ela proposta, não se refere à divisão rígida das funções estatais, mas sim ao direito fundamental de primeira geração, qual seja, a liberdade.

Além da separação dos poderes, o liberalismo defendia certa absten-ção estatal, ou seja, queriam que o estado não mais interferisse em assuntos privados dos administrados/súditos.

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O judiciário não era bem visto pelos liberalistas, pois o rei ainda tinha certa influência sobre o mesmo, vez que os juízes ainda eram os indicados pelo monarca.

Segundo Almeida (2011, p. 192):

[...] tanto Locke como Montesquieu conferem visível preponderância ou re-levância ao Poder Legislativo sobre os demais poderes: para o primeiro, o Legislativo seria o poder supremo ao qual o Executivo e o Federativo es-tariam subordinados, ao passo que, para o segundo, a preponderância do Legislativo adviria naturalmente, uma vez que o Judiciário deveria ser nulo e invisível [...]

Ocorre que, diante da nova sistemática de valores, ou seja, agora como um Estado Social Democrático de Direito e não mais aquele exclusi-vamente de Direito e/ou Liberal, o judiciário ficou dotado de certo destaque.

O Poder Judiciário se solidificou, de uma vez por todas, com o neo- constitucionalismo devido às suas características, já citadas anteriormen-te, quais sejam: a) eficácia normativa da Constituição; b) fortalecimento do Judiciário; c) eficácia normativa da jurisprudência; e d) judicialização das políticas públicas/ativismo judicial.

Hamilton apud Silveira (1999, p. 81):

Todo aquele que considerar atentamente os diferentes poderes perceberá que, num governo em que eles estão separados, o judiciário, pela natureza de suas funções, será sempre o menos perigoso para os direitos políticos da Constituição, por ser o menos capaz de transgredi-los ou violá-los.

Nesse sentido, percebe-se a importância de se estabelecer um novo viés hermenêutico à teoria da separação dos poderes estampados no art. 2º da CF/1988.

O Ministro Celso de Mello (STF, 2014, on-line), quando do julgamen-to da ADPF 45, proferiu a seguinte decisão:

[...] parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da pres-tação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais. [...]

Por tudo o que foi dito, impedir com que o Judiciário exerça seu papel de dizer o direito, mesmo em questões relacionadas a políticas públi-

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cas, quando da inércia legislativa e executiva, sob a alegação de ofensa ao princípio da separação de poderes, é deixar de reconhecer o caráter social/garantista com que este princípio é visto hoje, dentro da nova hermenêutica jurídica constitucional. O que vai de encontro ao que estabelece o Estado Social-Constitucional Democrático de Direito.

3.3 teorIA dA reservA do possível X MínIMo eXIstencIAl

Em meados da década de 1970, mais precisamente em 18 de julho de 1972, surge, na doutrina e na jurisprudência alemãs (Bundesverfassungsge-richt), a teoria da reserva do possível (Der Vorbehalt des Möglichen).

A referida teoria, nos termos da jurisprudência alemã, estabelece que o Estado só estará vinculado a realizar as políticas públicas, inclusive as pre-vistas constitucionalmente, mediante uma prévia análise de razoabilidade do ato.

A Corte alemã sempre levou em consideração, no que tange à concei-tuação da reserva do possível, o princípio da razoabilidade e não a questão financeira-orçamentária do Estado.

Sarlet apud Ávila (2013, on-line):

[...] a prestação reclamada deve corresponder ao que o indivíduo pode ra-zoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o estado de recursos e tendo poder de disposição, não se pode falar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável.

A reserva do possível jamais poderá se referir única e exclusivamente à inexistência de recursos financeiros para tentar justificar a impossibilidade de efetivação das políticas públicas, sob pena de descaracterizar o instituto criado pela doutrina alemã.

Nessa perspectiva, é possível notar que o verdadeiro sentido da teoria da reserva do possível se dá em virtude de um juízo de razoabilidade e não devido à ausência de recursos financeiros, conforme difundido no Brasil e conhecido em nossa legislação pátria como reserva do “financeiramente possível”.

Para o Tribunal Federal alemão, a ideia de reserva do possível não relaciona com as possibilidades fáticas, financeiramente falando, mas sim com o que é racional ao indivíduo exigir do Estado. Cabendo à sociedade determinar o que é e o que não é uma pretensão razoável (Falsarella, 2012, on-line).

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A menção de inexistência de recursos financeiros capazes de fazer cumprir o disposto no texto constitucional é a principal argumentação da Administração Pública, evidenciando uma enorme distorção da teoria alemã.

O professor José Joaquim Gomes Canotilho faz a seguinte crítica:

[...] rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível (Vorbehalt des Möglichen) para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vin-culação jurídica.

Durante muito tempo, a reserva do possível se tornou uma forma cô-moda e conveniente de fazer com que a Administração Pública se eximisse de suas responsabilidades.

Ana Paula Barcelos (2002, p. 237-276) diz que:

[...] na ausência de um estudo mais aprofundado, a reserva do possível fun-cionou muitas vezes como o mote mágico, porque assustador e desconhe-cido, que impedia qualquer avanço na sindicabilidade dos direitos sociais.

Ana Paula Barcelos (2002, p. 277-278) ainda divide a reserva do pos-sível em: “fática” e “jurídica”. A reserva do possível fática está relacionada à disponibilidade de recursos, enquanto que a reserva do possível jurídica refere-se à disposição orçamentária para a despesa.

O Estado possui um grande poder arrecadatório. Logo, arguir a au-sência de recursos financeiros (reserva do possível fática) como pressuposto para a não adoção de políticas públicas que garantam os direitos e garantias fundamentais do indivíduo seria uma tremenda irresponsabilidade na gestão dos recursos financeiros auferidos pelo próprio Estado. O que deveria levar os integrantes dos Poderes Executivo e Legislativo, principalmente aquele, a responderem por diversos crimes, entre eles o de responsabilidade.

Ana Paula Barcelos apud Falsarella (2012, p. 6, on-line):

Depois de apresentar a classificação da reserva do possível em fática e jurí-dica, Ana Paula de Barcellos questiona a possibilidade de se alegar a reserva do possível fática, no sentido de ausência total de recursos em caixa, tendo em vista que o Estado tem como arrecadar mais recursos. Todavia, é a pró-pria sociedade a responsável por fornecer os recursos ao Estado. E esse ra-ciocínio leva, de fato, à conclusão de que nunca haverá reserva do possível,

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se entendida como reserva do possível fática, uma vez que o Estado sempre pode obter novos recursos.

É inadmissível que o Estado não mantenha em seu caixa valores su-ficientes para garantir eficácia mínima aos dos direitos e garantias funda-mentais.

Cotidianamente, no Brasil, percebe-se que a teoria adotada é a reser-va do possível fática, ou seja, a reserva do “financeiramente possível”.

Ricardo Lobo Torres (2009, p. 106 e 110):

Como o dinheiro público é inesgotável, pois o Estado sempre pode extrair mais recursos da sociedade, segue-se que há permanente possibilidade fática de garantia de direitos, inclusive na via do sequestro da renda pública! Em outras palavras, faticamente é impossível a tal reserva do possível fática!

Importante destacar que o mínimo existencial, concomitantemente ao estabelecimento de prioridades orçamentárias, é capaz de conviver har-moniosamente com a reserva do possível (Barcellos apud Falsarella, 2012, p. 11).

A propósito, o que seria considerado “mínimo existencial”?

O mínimo existencial está vinculado às necessidades básicas para que o ser humano viva dignamente e possui como cerne o princípio da dig-nidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988).

Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 60) define com maestria a dignidade da pessoa humana:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um com-plexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto con-tra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.

A condição mínima de existência exige do Estado um caráter assisten-cialista, no qual os direitos de 2ª dimensão (saúde, alimentação, trabalho, lazer, segurança, Previdência Social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados etc.) possam ser assegurados, justificando a perspectiva do Estado Social de Direito.

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Celso Antonio Pacheco Fiorillo (2007, p. 67-68) diz:

Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fun-damentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educa-ção, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna.

Já para outros estudiosos, como Vicente Florenzano (2005, p. 47), o mínimo existencial teria relação direta com a previsão do art. 7º, IV, da Constituição Federal, que estabelece um salário-mínimo: “capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimen-tação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social”.

Dentro de todo o contexto apresentado, a Administração Pública não poderá, única e exclusivamente, alegar a ausência de recursos financeiros para justificar o não cumprimento das políticas públicas que efetivem os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, mas sim garantir com que o mínimo existencial seja assegurado e que as referidas políticas públicas sejam analisadas no campo da razoabilidade e ponderação.

O Ministro Celso de Mello (STF, 2014, on-line), quando dos julga-mentos da ADPF 45 e do RE 436996, proferiu as seguintes decisões:

[...] Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político--administrativa – criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabele-cimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência. Cumpre advertir, desse modo, que a cláu-sula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo ob-jetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais (STF, de-cisão monocrática, ADPF 45, Rel. Min. Celso de Mello. J. em 29.04.2004, DJU em 24.05.2004). Embora resida, primariamente, nos Poderes Legisla-tivo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão – por importar em descumprimento dos encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório – mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos so-ciais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinen-

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te à “reserva do possível”. (STF, RE 436996/SP, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 07.11.2005) (grifo nosso)

O Ministro Marco Aurélio (STF, 2014, on-line), no julgamento do RE 356.479-0, se posicionou da seguinte forma:

O Estado – União, Estados propriamente ditos, ou seja, unidades federadas, e Municípios – deve aparelhar-se para a observância irrestrita dos ditames constitucionais, não cabendo tergiversar mediante escusas relacionadas com a deficiência de caixa. Eis a enorme carga tributária suportada no Brasil a contrariar essa eterna lengalenga. (STF, decisão monocrática, RE 356.479-0, Rel. Min. Marco Aurélio, J. em 30.04.2004, DJU em 24.05.2004)

Em alguns casos, é possível perceber que o principal problema na efe-tivação das políticas públicas por parte do Estado não é a mera inexistência, mas sim a execução feita de forma equivocada.

O ilustre Ministro Gilmar Ferreira Mendes (STF, 2014, on-line) tam-bém decidiu que:

Em outros termos, o problema não é de inexistência, mas de execução (ad-ministrativa) das políticas públicas pelos entes federados. Nessa perspectiva, talvez seja necessário redimensionar a questão da judicialização dos direitos sociais no Brasil. Isso porque, na maioria dos casos, a intervenção judicial não ocorre tendo em vista uma omissão (legislativa) absoluta em matéria de políticas públicas voltadas à proteção do direito à saúde, mas em razão de uma necessária determinação judicial para o cumprimento de políticas já estabelecidas. (STF, STA: 238 TO, Rel. Min. Presidente, Data de Julgamento: 21.10.2008, Data de Publicação: DJe 28.10.2008) Assim, ao menos o “mí-nimo existencial” de cada um dos direitos, exigência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, não poderia deixar de ser objeto de aprecia-ção judicial. (STF, STA: 278-6 AL, Rel. Min. Presidente, Data de Julgamento: 22.09.2008, Data de Publicação: DJe 23.09.2008) (grifo nosso)

A propósito, no âmbito da Justiça Federal, muito se noticiou nacio-nalmente o caso da menina Sophia, que, aos 5 (cinco) meses de idade, fora acometida pela síndrome denominada de “Síndrome de Below”, sendo ne-cessária a realização, urgente, de um transplante multiviceral.

Ocorre que o procedimento cirúrgico é muito complexo e, apesar de ser realizado aqui no Brasil, não há aparelhos tecnológicos suficientes que garantam a segurança do paciente durante o transplante. Nesse sentido, os pais da criança começaram uma verdadeira batalha judicial no sentido de fazer com que o Estado arcasse com os custos do procedimento a ser reali-

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zado em um hospital de Miami (EUA) que possui toda a aparelhagem tecno-lógica suficiente para garantir a segurança da criança durante o transplante.

Após o ajuizamento da ação junto à Justiça Federal de São Paulo, no intuito de fazer com que a União/Sistema Único de Saúde (SUS) arcasse com todas as despesas do procedimento cirúrgico, inclusive o transporte, a menina Sophia logrou êxito na demanda e o Poder Judiciário obrigou a União a custear todas as despesas para a realização do procedimento no exterior, calculada em mais de R$ 2 milhões (Schiavoni, 2014, on-line).

A doutora em direito público Ana Paula de Barcellos (2002, p. 245- -246) diz, de forma brilhante, que:

[...] não se pode esquecer que a finalidade do Estado ao obter recursos, para, em seguida, gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qual-quer outra política pública, é exatamente realizar os objetivos fundamentais da Constituição. A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos direitos individu-ais, condições materiais mínimas de existência.

Em suma, nada obsta que o princípio da reserva do possível seja utili-zado como uma forma de justificar a não atuação do ente estatal na imple-mentação de políticas públicas, porém a justificativa não poderá se basear apenas na insuficiência de recursos financeiros, mas sim por meio de uma análise razoável do caso concreto, claro, assegurado, a todo momento, o mínimo existencial como forma de garantir a dignidade da pessoa humana.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

Criado sob o manto ideológico de um Estado Liberal, a teoria da se-paração dos poderes, que a todo o momento se preocupou em libertar o indivíduo das garras do monarca, não poderá servir como argumento no intuito de impedir a atuação jurisdicional na implementação de políticas públicas, devido à evolução do Estado de Direito e/ou Liberal para o Estado Social Democrático de Direito, no qual a garantia dos direitos fundamentais acabaram ganhando uma maior conotação.

Ora, a arrecadação tributária bate recordes todos os anos e a simples banalização do instituto, criado pela jurisprudência alemã, que, original-mente, tinha como premissa básica a razoabilidade ou não em adotar deter-minada política pública, e não a questão financeira-orçamentária do Estado,

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como amplamente adotado pela Administração Pública, não poderá ser uti-lizado única e exclusivamente como justificativa para a não efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Nesse sentido, o princípio da reserva do possível jamais poderá ser utilizado pelo Estado sem antes haver a garantia do mínimo existencial, vez que a sobrevivência digna do indivíduo é obrigação do poder público e princípio fundamental da República Federativa do Brasil, pois está atrelado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/1988), e posteriormente sem o exercício do juízo de razoabilidade sobre a aplicação ou não de determi-nada política pública.

Ciente disso e das garantias postas na CF/1988, o cidadão, caso ne-cessário, recorrerá ao Poder Judiciário, e este será obrigado a dizer, resguar-dar e garantir o direito pleiteado, em homenagem ao princípio da inafas-tabilidade da jurisdição, mesmo que a decisão afete a questões típicas do Legislativo e Executivo.

O raciocínio é simples, o Poder Judiciário apenas fará cumprir aquilo que o Executivo e o Legislativo, sempre pautados pela legalidade, reali-zam ou deveriam realizar principalmente no campo das políticas públicas. Assim, retirar essa característica jurisdicional é aniquilar, de uma vez por todas, a democracia conquistada, a duras penas, pela sociedade.

A propósito, negar as características do constitucionalismo e, tam-bém, do neoconstitucionalismo significa retroceder com o modelo jurídico--constitucional, que durante todo o seu desenvolvimento histórico se mos-trou amplamente progressista.

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Assunto Especial – Textos Clássicos

RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 45-64, maio-jun 2015

O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

Informe al Pleno del Tribunal Constitucional Federal sobre la Cuestión de su Estatus

gERhARD LEIBhOLZJuiz do Tribunal Constitucional Alemão.

Traducido del alemán por Miguel Azpitarte Sánchez.

RESUMEN: Este trabajo recoge el informe que el profesor alemán y juez constitucional Gerhard Leibholz presentó ante el Pleno del Tribunal Constitucional Federal apenas meses después de la fundación de este órgano y con el que se fijaron las líneas maestras de la institución. El trabajo, pese a su eminente perspectiva práctica ofrece con nitidez los fundamentos teóricos que condujeron a reconocer en el Tribunal un órgano jurisdiccional singular, que se situaba en paridad constitucional con el resto de órganos estatales.

PALABRAS CLAVE: Tribunal Constitucional Federal, juez constitucional, órgano judicial, órgano constitucional.

ABSTRACT: This essay is the report delivered by the German professor and constitutional judge Gerhard Leibholz before the Federal Constitutional Court shortly after its foundation, setting the lines of its future development. The essay, although written with a strong practical perspective, offers the theoretical arguments that explain the condition of the Constitutional Court as a special court and the meaning of its constitutional quality.

KEYWORDS: German Constitutional Court, constitutional judge, constitutional quality.

SUMARIO: 1 El Tribunal Constitucional Federal como ente jurídico «sui géneris»; 2 El Tribunal Constitucional Federal como órgano constitucional representativo; 3 La posición constitucional de los miembros del Tribunal Constitucional Federal; 4 Otras consecuencias de carácter fundamental.

1 EL TRIBuNAL CONSTITuCIONAL fEDERAL COMO ENTE JuRÍDICO «SuI GENERIS»

La Ley del Tribunal Constitucional Federal, aprobada en virtud del artículo 94.1 de la Ley Fundamental, dispone en su parágrafo 1 que: “El Tribunal Constitucional Federal es un tribunal autónomo e independiente del resto de órganos constitucionales”. A tenor de este precepto, siguiendo la posición dominante que se fue formando en la comisión parlamentaria1,

1 Véase el informe del parlamentario MERKATZ del «Bundestag», Primer periodo de sesiones, vol. 6, p. 4218 y ss.

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el legislador considera que el Tribunal Constitucional, que solo dicta y solo debe dictar derecho, y al que se le ha dotado con todas las garantías, es el máximo ente jurisdiccional de la Federación. Su incorporación a la vida del Estado debe servir para completar y asegurar el Estado de derecho.

Se hace necesario, sin embargo, asentar esta perspectiva, en tanto que el Tribunal Constitucional, además de constituir un verdadero ente jurisdiccional, es una institución que se eleva sobre el ámbito de la política, dato que lo diferencia del resto de tribunales, incluidos los superiores. En la Constitución de Weimar este hecho todavía quedaba oculto por el modo en que se había articulado el Tribunal Supremo. Sin embargo, hoy ya no es así, después de que la Ley Fundamental de Bonn y la Ley del Tribunal Constitucional Federal le hayan dado a éste competencias que superan con creces las del antiguo Tribunal Supremo, así como las exigencias de los primeros «Juristentage»2, que reclamaban mayor autonomía organizativa para los órganos judiciales.

El Consejo parlamentario y sus distintos órganos también fueron conscientes de este hecho. En sus informes se hablaba de las “amplias consecuencias jurídicas” que habrían de tener las decisiones del Tribunal Constitucional Federal y de su labor como “jurisdicción con acento político”3. En la doctrina, por más que se subraye el especial carácter institucional y jurídico del Tribunal Constitucional Federal4, no se discute que a la justicia constitucional se le “someten cuestiones que afectan a asuntos políticos”5 y que las decisiones del Tribunal Constitucional implican “amplias y extraordinarias consecuencias políticas”6 o que al menos podrían “tener consecuencias políticas”7. Se asume, por tanto, que tras cada litigio constitucional existe una cuestión susceptible de derivar en un grave enfrentamiento en torno al poder8.

2 v Al respecto las actas de la trigésimo tercera sesión del «Deutschen Juristentages», 1925, en especial p. 60 y ss.; y las actas del trigésimo cuarto «Deutshen Juristentages,» 1927, pp. 193-288.

3 Véase DOEMING-FÜSSLEIN-MATZ, “Entstehungsgeschichte der Artikel des Grundgesetzes”, JbÖff, vol. 1, 1951, pp. 665, 669 y ss., en especial el informe del parlamentario ZINN en la séptima sesión de la Comisión sobre protección jurídica, StBer, p. 3 y ss., y el informe citado de MERKATZ, p. 221 y ss.

4 ROEMER, “Das Gesetz über das Bundesverfassungsgericht”, JZ, 1951, p. 193; ARNDT, “Das Bundesverfassungsgericht“, DverwBl, 1951, p. 297; GEIGER, Gesetz über das Bundesverfassungsgericht, 1951, p. XVI y las anotaciones referidas a la posición, tareas y procedimiento del Tribunal Constitucional Federal en el anexo al Boletín del Boletín Oficial, núm. 218, de 9 de noviembre de 1951, p. 3.

5 STRAUSS, Oberste Verfassungsgerichtsbarkeit, 1949, p. 35.6 Por ejemplo, ROEMER, op. cit., p. 193.7 Theodor HEUß con ocasión de la apertura del Tribunal Constitucional Federal el 29 de septiembre de 1951;

confróntese también, ARNDT, op. cit., p. 297.8 LAMMERS-SIMONS, Die Rechtsprechung des Staatsgerichtshofs für das Deutsche Reich, 1929, p. 14;

confrontar, BILFINGER, Verfassungsfrage und Staatsgerichtshof in Zeitschrift für Politi XX, p. 96.

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Esta superposición por encima del ámbito de la política conlleva que, a diferencia de la jurisdicción civil, penal o administrativa, la jurisdicción constitucional se ocupe de disputas con la especial cualidad de lo jurídico-político. El derecho constitucional, al igual, por lo demás, que el derecho internacional, se diferencia en su esencia del derecho civil, penal y administrativo, porque hace de la política el objeto de su ordenación. En definitiva, el derecho constitucional es el derecho de la política en el sentido más específico del término9.

Sin duda, en el fondo del derecho civil, penal y administrativo también laten ciertas decisiones políticas, aunque en última instancia se trata de decisiones prepolíticas, que el legislador introduce en la esfera de la política, al tiempo que las traslada hacia el derecho (pensemos, por ejemplo, en la conformación fundamental del derecho de propiedad, el divorcio, el acceso a la jurisdicción o la supresión de la pena de muerte). Su carácter político es más bien de naturaleza provisional y carecen de fuerza para conformar el derecho civil, penal o administrativo. Sin embargo, es imposible despolitizar el derecho constitucional (y el derecho internacional) o la justicia constitucional (y la justicia internacional). La política es precisamente el material del derecho constitucional, que quiere ordenarla a través del derecho y someterla a control jurídico mediante la jurisdicción constitucional. “It is the political nature of judicial review which gives significance to constitutional litigation and which makes it transcend mere legal proceedings”10.

Este no es el lugar para describir en detalle la esencia material de la política. Pero seguro que quien quiera analizarla y estudiar su relación con el Estado encontrará una contradicción interna entre su estructura ideal y la del derecho11. Contradicción que remite a la dimensión dinámico-irracional de la política, que busca adaptarse al permanente cambio de la relaciones vitales12 mientras que el derecho, por el contrario, tiene una estructura estático-racional, que pretende sujetar la vitalidad de las fuerzas políticas. En

9 Al respecto, sobre todo TRIEPEL, Staatsrecht und Politik, 1927, en especial p. 12. R. SMEND ha llamado a este derecho político derecho de integración, véase su ensayo “Die politische Gewalt im Verfassungsstaat”, en Festschrift für W. Kahl, 1923, vol. 3, p. 19 y su libro Verfassung und Verfassungsrecht, 1928, en especial p. 18. Para SMEND, el Estado consiste en un proceso de constante renovación, por lo que se señala como una teoría de lo político; del mismo modo, BILFINGER, “Betrachtung über politisches Recht”, Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recht und Völkerrecht, vol. 1, 1929, p. 311.

10 R.H. JACKSON, The Struggle for Judicial Supremacy, 1941, p. 311.11 Al respecto TRIEPEL, Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen Staatsrechtslehrer, vol. 6, 1929,

p. 6.12 MANNHEIM, Ideologie und Utopie, 1929, p. 70 y ss.; TRIEPEL, Veröffentlichungen der Vereinigung der

Deutschen Staatsrechtslehrer, op. cit., p. 8 y ss.

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todo caso, la forma esencial del derecho constitucional y de la jurisdicción constitucional es determinada por este conflicto latente entre el continuo movimiento de la política y la eminente voluntad limitadora del derecho, o, dicho de otro modo, el conflicto entre existencialismo y normatividad, o, en un sentido filosófico más amplio, el conflicto entre naturaleza y razón.

Esta relación de tensión, que es inmanente al derecho constitucional y a la justicia constitucional, tiene múltiples variantes. Explica, por ejemplo, la tendencia de la política, aprovechando las lagunas constitucionales, de intentar liberarse de toda articulación jurídica y del control constitucional en forma judicial; del mismo modo, permite comprender por qué allí donde la política no logra deshacerse de la sujeción jurídica, el derecho, en gran medida, tal y como ocurre con el derecho civil, penal y administrativo, se ve obligado a utilizar conceptos generales y fórmulas de amplio alcance, con la correspondiente dificultad que conlleva su uso en casos concretos13. Es por ello también, que cuando el juez constitucional ha de aplicar conceptos y fórmulas ante cuestiones dudosas o situaciones en las que existe disparidad de opiniones, debe estar atento al especial carácter del derecho constitucional y ha de adoptar una decisión que sea ajustada al sentido político objetivo de la Constitución. Su deber será integrar la decisión en el conjunto del orden constitucional. Deja así de tener sentido aquel lema del Tribunal del Estado del Imperio alemán, según el cual “debía decidir con la aplicación del derecho positivo, sin tener en cuenta las consecuencias políticas de su veredicto”14. Más bien al contrario, pues el juez de ese tipo de tribunal ha de ponderar las consecuencias y efectos políticos de su decisión cuando interpreta cláusulas constitucionales de sentido dudoso. “Its great task is one of statesmanship”15, tal y como se dice en los Estados Unidos.

De este modo, es evidente que el juez del más alto tribunal de garan-tías constitucionales debe ir más allá de los conocimientos jurídicos gene-ralmente requeridos, que tradicionalmente prescinden del fenómeno de la política; en verdad, el juez constitucional ha de mostrar comprensión por la esencia de la política y en especial por las fuerzas políticas que actúan en el Estado democrático de derecho. Desde este punto de vista, carece de senti-do poner reparos a un modo de elección singular, que sirve a este fin, tal y como se ha dispuesto en Suiza, los Estados Unidos o la Ley Fundamental16.

13 Tal y como documenta SCHEUNER, “Grundlagen des modernen Staates “ en Recht, Staat und Wirtschaft, III, 1951, p. 135.

14 LAMMERSS-SIMONS, op. cit., vol. 1, p. 352 (Decisión de 17 de diciembre de 1927).15 Véase por ejemplo, B.G. WRIGHT, The Growth of American Constitutional Law, 1942, p. 249.16 Para que este modo de elección provocase una politización del máximo órgano judicial sería necesario que los

órganos llamados a la elección, la pervirtiesen, descalificándola materialmente, de manera que los partidos

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La tensión que late en el derecho constitucional, en tanto que orden jurídico de la política, también se proyecta sobre el derecho procesal constitucional en comparación con el derecho procesal, civil, penal o administrativo. Dado que el derecho que aplica el juez constitucional tiene como objeto la política, los procesos ante el Tribunal Constitucional han de adecuarse a esta particularidad evitando, en especial, establecer en tales procesos condiciones demasiado estrictas.

De este modo, por ejemplo, el proceso ante el Tribunal Constitucional Federal no articula un conflicto entre partes, como ocurre en el derecho procesal civil17. Por ello, la actuación de oficio es el criterio principal para el desarrollo del proceso ante el Tribunal Constitucional Federal, a la vez que es deber del Tribunal investigar la verdad objetiva. Esta es la razón por la que el Tribunal Constitucional Federal puede ir más allá de la prueba aportada por las partes o, en el control de la validez de una ley, tomar en cuenta todas las perspectivas posibles, incluso cuando las partes no se han referido a ellas de manera expresa18. Por la misma razón, el parágrafo 33.2 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal le habilita para fundar su propia decisión sobre los hechos probados en una sentencia firme, cuando esa sentencia se ha dictado tras un procedimiento en el que los hechos se determinaron a través de una investigación de oficio, pudiendo incluso el Tribunal Constitucional (si bien con una mayoría cualificada) anular la declaración de un testigo o el informe de un perito19. Asimismo, se comprende que la mayoría de las veces, las sentencias del Tribunal Constitucional sean declarativas y no de condena20, de ahí que suelan trascender al caso concreto, vinculando de manera general y pro futuro al conjunto de los poderes públicos21. En definitiva, la máxima de derecho procesal civil que limita los efectos de la cosa juzgada a las partes carece de pertinencia en los procesos ante el Tribunal Constitucional.

Ciertamente, las peculiaridades del derecho constitucional y de la justicia constitucional fueron utilizadas en los tiempos de la Constitución

eligiesen a los jueces solo por sus vínculos políticos. Pero como señala con razón SCHEUNER, op. cit., p. 138, la Constitución democrática vive bajo la condición de que los altos órganos no abusen de los poderes que se le atribuyen.

17 En detalle, GEIGER, op. cit.18 Véase el principio 23 de la decisión del Tribunal Constitucional Federal de 23 de octubre de 1951.19 Cfr. § 26.2 BVVerfGG.20 Ya en la Constitución de Weimar, JOEL, ArchÖffR, vol. 77, p. 137, y los autores citados allí en la nota 8.21 En detalle, GEIGER, op. cit., p. 4; ARNDT, op. cit., p. 297; respecto a la Constitución de Weimar, ya en

este sentido, TRIEPEL, Streitigkeiten zwischen Reich und Ländern, 1923, p. 111 y ss.; JERUSALEM, Die Staatsgerichtsbarkeit, 1930, p. 172; en una posición divergente, FRIESENHAHN, “Die Staatsgerichtsbarkeit”, en HDStR, vol. 2, p. 545 y JOEL, op. cit., p. 137.

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de Weimar por aquellas fuerzas que pretendían desmontar las instituciones del Estado de Derecho y favorecer métodos constitucionales autoritarios o totalitarios, en especial desacreditando y llevando al absurdo la dimensión política del Tribunal Constitucional. A este fin se desplegó la tesis de que la diferencia fundamental entre la jurisdicción ordinaria y la jurisdicción constitucional radicaba en que la primera, en el sentido de Montesquieu, limitaba su función jurídica a subsumir hechos concretos bajo las normas existentes, mientras que la justicia constitucional, dada la falta de claridad de la ley constitucional, se ocupaba de la determinación de su contenido, algo que tendría más que ver con la legislación, en concreto, con la legislación constitucional22. A partir de esta premisa resultaba sencillo negarle a la jurisdicción constitucional el carácter de justicia y ver en ella tan solo la política disfrazada de tribunal.

La jurisdicción constitucional, sin duda, es algo distinto a la tarea del juez que en un supuesto concreto debe aplicar una norma, seleccionar entre normas con un ámbito de eficacia distinto, o determinar la nulidad de una norma por contradecir a otra superior. Pero incurre en petición de principio la tesis que sostiene que ya no es actividad judicial la decisión que ha de resolver las dudas o diversidad de criterios aplicativos en torno a una norma constitucional23, pues olvidamos que el juez de lo civil o de lo penal también se ocupa de las dudas que ofrece la norma constitucional o cualquier otra norma24. Para considerar judicial una tarea, carece de relevancia saber si el juez se enfrenta a dudas y discrepancias interpretativas en torno a la ley constitucional u otro tipo de ley, pues se halla en un situación similar cuando fija el contenido de las normas de derecho privado o de derecho penal. Ocurre, sin embargo, que su valoración es diferente de la de un juez constitucional, pues éste tiene por objeto las normas contenidas en la Constitución, que orientan la decisión política y, por tanto, forzosamente han de tener naturaleza política. En cualquier caso, esta diferencia material incorporada en la valoración del juez, no justifica, con la intención de destruir el Estado de derecho, identificar el derecho político y la política, de

22 Esta posición ha sido expresamente defendida por C. SCHMITT, ArchÖffR, núm. 16, p. 167 y ss., p. 186 y ss., 194 y ss.; en Festschrift für das Reichsgericht, 1929, vol. 1, p. 163 y ss.; y en Hüter der Verfassung, 1931, p. 36 y ss., p. 45. Sobre lo inadmisible de una comprensión en la que la jurisprudencia es “subsunción de un hecho bajo una norma”, pueden verse los argumentos en detalle de E. FRIESENHAHN, Über Begriff und Arten der Rechtsprechung, 1950, p. 25 y ss.

23 Consecuentemente, para esta posición, cualquier conflicto entre normas (por ejemplo, entre un reglamento y una ley) obligaría al juez a abandonar el ámbito de la justicia y actuar políticamente al modo de un legislador. Es llamativo que C. Schmitt, en gran medida porque es imposible alegar razón alguna, no ha deducido esta consecuencia ni para el control judicial ni para el caso de una de una contradicción flagrante entre la Constitución y la ley; confróntese Reichsgerichtsfestschrift, vol. 1, 1929, p. 162, 170 y ss.

24 Esto ya era así en tiempos de la jurisprudencia de conceptos.

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manera que todas las normas constitucionales cuyo contenido no es claro se consideren simples reglas políticas, convirtiendo los litigios jurídico-constitucionales en meras disputas políticas. Con la misma lógica, ensayos e informes académicos pretenden desnudar la fuerza vinculante del derecho constitucional y poner en duda su normatividad. Pero no comprendo por qué es una tarea política la interpretación que hace un Tribunal Constitucional de disposiciones constitucionales dudosas, mientras que los informes jurídicos, ensayos académicos y textos docentes que se ocupan de la interpretación de esas mismas disposiciones, suelen tomarlas como vinculantes y exigen que sus trabajos sean estimados como ensayos de naturaleza jurídica.

En realidad, la justicia constitucional es verdadera jurisdicción si se enfrenta a una norma justiciable, esto es, a una disposición verificable, cuyo contenido puede interpretarse en detalle. En los casos en los que el objeto no sea una disposición cuyo contenido quepa esclarecer a través de una interpretación razonable, careceremos de los «rational standards» sobre los que el Tribunal Constitucional Federal ha de basar sus decisiones en cuanto que ente judicial. Por tanto, el Tribunal Constitucional Federal debería rechazar cualquier ampliación de competencias que a priori sea inconciliable con esta labor jurídica. En caso contrario, el Tribunal acabará introduciéndose en el proceso de integración política, convirtiéndose en un defensor político de la Constitución y tomando decisiones políticas que invaden la esfera del Gobierno, del legislador o del poder de reforma. Es bien sabido desde hace más de cien años, que dentro de los «basic principles» de la jurisdicción constitucional no hay lugar para el conocimiento de las disputas puramente políticas25. Éstas, a diferencia de las controversias jurídico-políticas, son aquellas que no se deciden en virtud de reglas, pues se trata de conflictos “sobre la creación de nuevo derecho o la conservación del antiguo; es un enfrentamiento sobre el derecho no bajo el derecho”26. Son “by definition matters which demand the resolution of conflicts of value and the elements of conflicting values are largely imponderable”27. En todo caso, esas cuestiones, incluso si son tratadas en términos justiciables, no pierden su carácter político. Recordemos a estos efectos que en tiempos de

25 En los Estados Unidos, este principio lo utilizó por primera vez el Tribunal Supremo con ocasión de la «Dorr Revolution» in Rhodes Island en el año 1841; confróntese Luther v. Bordin, 7, Howard, 1, 43. Hoy lo encontramos en la decisión Pacific States Telephone and Telegraph Co. C. Oregon, 223, U.S. 118, 150 y en la jurisprudencia ahí citada.

26 Cfr. BRUNS, “Völkerrecht als Rechtsordnung”, Zeitschrift für ausländisches öffentliches Recth und Völkerrecht, vol. 3, primera parte, p. 461. – Sugiere que tales controversias han de ser confiadas a autoridades puramente políticas. TRIEPEL, Festgabe für Kahl, op. cit., vol. II, p. 120 y ss., habla de un acuerdo forzoso en los casos de controversias puramente políticas frente a las controversias jurídico-políticas que ha de resolver un tribunal. TRIEPEL nos da una serie de ejemplos de este tipo de acuerdos forzosos.

27 American Federation of Labor v. American Sahs and Door Co. 334, U.S. 557.

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la Constitución de Weimar se revitalizó y se dio razón a aquella frase de Guizot según la cual en la juridificación de la política, la justicia tiene todo que perder.

Pero no estamos en este supuesto: nos encontramos ante normas claras o ante normas cuyo contenido es determinable a través de la indagación interpretativa, – como ocurre a menudo con los derechos fundamentales –, de manera que pese a su contenido político pueden ser calificadas como disposiciones jurídicas, y por ello debe defenderse la idea de que el Tribunal Constitucional tiene como objeto disputas que resuelve conforme a derecho28. Así, pese a la tendencia de la política para liberarse de todo vínculo, los procesos políticos pueden ser valorados normativamente, quedando la voluntad del legislador sometida a derecho. De este modo, en la articulación de la política a través de su sujeción a disposiciones y principios jurídicos, carece de interés saber si la norma concretamente aplicable subsume en mayor o menor medida un supuesto de hecho o si una norma está en conformidad con otra que le sirve de parámetro. Y tampoco importa conocer si un litigio es abordado por el juez constitucional con una perspectiva cognitiva distinta a la utilizada en una disputa política. Lo decisivo es que en la evaluación de la voluntad del legislador se realiza una interpretación jurídicamente razonable29. Si este es el caso, entonces el juez constitucional está incluso en situación de utilizar los valores inmanentes a la Constitución para completar las llamadas lagunas constitucionales, es decir, resolver aquellos supuestos que no han sido afrontados por el propio constituyente, y que, por tanto, han quedado a la decisión del Tribunal Constitucional.

En cuanto que defensor de la Constitución, el Tribunal Constitucional Federal debe estar atento para no usurpar las competencias que corresponden a las fuerzas políticas, máxima de la que se deriva una autolimitación del juez constitucional en el ejercicio de sus competencias. Como una vez dijo el juez Stone30: “The only check upon our own exercise of power is our

28 Respecto al concepto de controversia jurídica, en detalle E. FRIESENHAHN, op. cit., p. 30 y ss.29 En cierta medida, la decisión del Tribunal Constitucional Federal ya está prejuzgada por el legislador; esta idea

fue defendida en su informe por el parlamentario MERKATZ, op. cit., y fue empleada con especial ahínco por el parlamentario ARNDT en la Comisión sobre asuntos jurídicos y derecho constitucional.

30 En su voto particular en United States v. Butler, 297, U.S. 78 y 79. Los criterios esenciales de este voto particular son hoy un lugar común de la jurisprudencia del Tribunal Supremo. Véase la posición del juez FRANKFURTER en el caso American Federation of Labor v. American, Sash and Door Co. 335, U.S.S. 555, 1948 – Para la evolución actual de la jurisprudencia del Tribunal Supremo, véase C.B.SWISHER, American Constitutional Development, 1943, capítulos 31, 32, 33, 36 y 37.

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own sense of self-restraint”. O como ha afirmado recientemente el juez Frankfurter31: “the indispensable judicial requisite is intellectual humility”.

Tomando esta perspectiva, cuando nos planteemos si el Gobierno, en su calidad de máximo órgano ejecutivo, o las Cámaras, instancias constitucionalmente llamadas a producir la ley, han traspasado sus competencias, hemos de concederles el “benefit of doubt”32. Es por ello que en la jurisprudencia de los Estados Unidos (sin duda en la más reciente)33, así como en la bibliografía académica, siempre se subraya con razón34, que no le corresponde a un Tribunal Constitucional, tal y como podría ser el alemán, controlar decisiones del Gobierno o del Parlamento tomadas en su ámbito de discrecionalidad concedido por la Constitución35. Su condición de órgano políticamente neutral le impide adoptar decisiones guiadas por el parámetro de la proporcionalidad. Y en todo caso carece de competencia para sustituir la ponderación realizada por el Gobierno o el Parlamento36. “For the removal of unwise laws from the statute books appeal lies not to the courts but to the ballot and to the process of democratic government”37. En cambio, si la actuación gubernamental o legislativa ha abusado de su espacio de discrecionalidad incurriendo en arbitrariedad, estamos ante una vulneración jurídica corregible por el Tribunal Constitucional38.

2 EL TRIBuNAL CONSTITuCIONAL COMO óRGANO CONSTITuCIONAL REPRESENTATIVO

A tenor de lo expuesto, cabe sostener que el Tribunal Constitucional Federal es un órgano judicial particular si se compara con la jurisdicción

31 American Federation v. American Sahs and Door Co. 335, U.S. 537.32 Es este también un principio reconocido de modo general en la jurisprudencia del Tribunal Supremo. Un

ejemplo expreso de esta jurisprudencia lo vemos en United States v. Dalawere and Hudson Co. 213, U.S. 366.

33 La contención y pasividad de la mayoría del Tribunal Supremo frente a los activistas ha provocado en los últimos tiempos una caída considerable de la actividad del Tribunal.

34 Cfr. el principio número 8 de la decisión del Tribunal Constitucional Federal de 23 de octubre de 1951. En detalle B. GEIGER, en el texto de acompañamiento al Boletín Oficial de 9 de noviembre de 1951, núm. 218, p. 3; MALLMANN, JZ, 1951, p. 278; ROEMER, op. cit., p. 193; ARNDT, op. cit., 297; JOEL, op. cit., p. 133.

35 Esto responde a la jurisprudencia constante del Tribunal Supremo, véase, por ejemplo, al juez Brandeis en Hamilton v. Kentucky Destilleries and Warehouse Co. 251, U.S. 146, 161.

36 Cfr. HÖPKER-ASCHOFF en el discurso de apertura del Tribunal Constitucional, 1951, p. 21.37 En este sentido el ya citado voto particular del juez Stone, que posteriormente se convirtió en la posición

mayoritaria, American Federation of Labor v. American, Sash and Door Co. 335, U.S., p. 556.38 Esta pregunta, en la doctrina y jurisprudencia alemana, se ha planteado vinculada al significado jurídico del

principio de igualdad, por ejemplo, en la jurisprudencia contencioso-administrativa, vol. 1, núm. 82, p. 265; vol. 2, núm. 42, p. 188 y ss. Para un análisis en detalle de la praxis del Tribunal Supremo del Imperio alemán, véase la exposición general de HESSE, “Der Gleichheitsgrundsatz im Staatsrecht”, ArchÖffR, vol. 77, 1951, p. 168 y ss, 22 y ss. Véase también mi ensayo en Deutschen Verwaltungsblatt, 1951, p. 354 y ss., y el de THOMA en Deutschen Verwaltungsblatt, 1951, p. 457 y ss. Y actualmente, el principio 32 de la decisión del Tribunal Constitucional Federal de 23 de octubre de 1951. También ARNDT, op. cit., p. 287.

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ordinaria. Esta conclusión se hace hoy todavía más evidente al constatar que el Tribunal Constitucional Federal, a diferencia del Tribunal del Estado en tiempos de la Constitución de Weimar, está llamado a resolver, para toda la Federación y de modo vinculante, litigios constitucionales de relevancia práctica en la determinación del contenido de los derechos fundamentales, en especial a través del recurso de amparo. Por otro lado, el grupo de competencias que le ha atribuido la Ley Fundamental y la Ley del Tribunal Constitucional Federal es tan amplio y lo convierte en un tribunal tan poderoso, que actualmente no solo está a la cabeza de la jurisdicción en su calidad de defensor y garante de la Constitución39, sino que al mismo tiempo puede decirse que se convierte en la máxima autoridad dentro de los órganos constitucionales, orillando desde un punto de vista político-constitucional y jurídico-constitucional al «Bundestag», al «Bundesrat», al Gobierno federal y al Presidente de la República.

Se trata de una posición institucional que se deriva tanto de la Ley Fundamental como de la Ley del Tribunal Constitucional Federal. Esta última, en el ya citado parágrafo 1, determina expresamente que el Tribunal Constitucional Federal “es autónomo e independiente del resto de órganos constitucionales”. En un sentido más amplio, la Ley Fundamental ha reconocido el principio de división de poderes (art. 20.2 y art. 92), dando autonomía a toda la jurisdicción en el conjunto del sistema.

Esta autonomía no significa, sin embargo, que el Tribunal Constitucional Federal, en su calidad de ente judicial supremo de naturaleza «sui generis», al ejercer su tarea jurisdiccional específica, deje de realizar funciones que afectan al ámbito de otros órganos estatales. A nadie ha de sorprender esta afirmación si recordamos que la división de poderes tradicional, nunca se ha alcanzado en toda su pureza (tampoco en los Estados Unidos) –, o si tenemos en cuenta la tendencia contemporánea del Estado democrático de partidos, que relaja el sistema de «checks and balances» resultante del principio de división de poderes, llegando incluso a cuestionarlo40.

Por ejemplo, en todos los Estados constitucionales el Gobierno participa en la producción jurídica; basta con pensar en su potestad reglamentaria o en la habilitación dictar normas con rango de ley. Del mismo modo, las

39 El parlamentario ETZEL, de la Comisión para asuntos jurídicos y derecho constitucional ha llamado al Tribunal Constitucional Federal “el más alto órgano de las garantías constitucionales”, Actas del Bundestag 1, mandato electoral, vol. 6, p. 4128. Respecto a la función de los Tribunales constitucionales como defensores de la Constitución, véase HEYDTE, “Stiller Verfassungswandel und Verfassungsinterpretation”, Archiv für Rechts-und Sozialphilosophie, vol. XXXIX, 1951, p. 461 y ss., en especial p. 474.

40 Al respecto, con un acento especial W. WEBER, Spannungen und Kräfte im westdeutschen Verfassungssystem, 1951.

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Cámaras, a las que se le atribuye la potestad legislativa, colaboran en el gobierno y la administración de cualquier Estado constitucional e incluso, ocasionalmente, como ocurre en Inglaterra, en la jurisdicción. Siguiendo esta línea, conviene recordar, por ejemplo, que de acuerdo con la Ley Fundamental de Bonn o la Constitución suiza, las Cámaras legislativas intervienen en la elección de los miembros del Tribunal Constitucional.

No debe sorprender, por tanto, que una verdadera jurisdicción constitucional ejerza también, en sentido amplio, funciones legislativas o de gobierno. Se da tal caso en el conocimiento de las acusaciones contra ministros, parlamentarios o jueces, en el que la decisión del Tribunal Constitucional Federal, siendo un proceso jurídico, desempeña de manera adyacente una función política. Igual sucede cuando, de acuerdo con el artículo 21 de la Ley Fundamental de Bonn, el Tribunal declara inconstitucional un partido político que ataca o quiere sustituir el sistema democrático, o amenaza la existencia del Gobierno. Y lo mismo ocurre si declara la suspensión total o parcial del derecho fundamental recogido en el artículo 8 porque está siendo usado contra el principio democrático. Se trata, en suma, de decisiones que tienen el carácter de actos gubernamentales del más alto nivel político e incluso contienen un elemento normativo, en tanto que habilitan al Gobierno o a su Administración para realizar una actuación determinada.

Por lo demás, las decisiones del Tribunal Constitucional federal en los llamados casos de colisión normativa, donde decide sobre la conformidad con la Constitución de las normas federales o de los «Länder», o aquellos supuestos en los que resuelve el conflicto entre derecho federal y derecho regional, o cuando reconoce eficacia jurídica a un tratado, tienen fuerza de ley y el Ministro de Justicia debe publicarlas en el diario oficial. E incluso si no estamos ante un supuesto de este tipo, las decisiones del Tribunal poseen en términos generales un significado legislativo, en tanto que vinculan a todos los órganos constitucionales de la Federación y de los «Länder», así como a sus tribunales y autoridades (y no solo para el caso concreto, sino también pro futuro en casos iguales o similares – parágrafo 31.1 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal). Lo mismo puede decirse de una sentencia que estima un amparo, pues conlleva una prohibición de que se repita la conducta que ha sido considerada lesiva del derecho fundamental41, o de la decisión del Tribunal Constitucional que en el marco de una tutela cautelar suspende la ejecución de una ley u ordena otras medidas cautelares

41 Respecto al recurso de amparo véase el ensayo de GEIGER en el Deutschen Reichsanzeiger de 13 de febrero de 1951.

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(parágrafo 35 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal)42. Finalmente, la función normativa del Tribunal Constitucional Federal se manifiesta también cuando articula o aplica mediante su reglamento los principios generales del proceso fijados en la ley, logrando que se ajusten a las exigencias de cada caso.

3 LA POSICIóN DE LOS MIEMBROS DEL TRIBuNAL CONSTITuCIONAL fEDERAL

Se han de derivar importantes consecuencias del hecho de que el Tribunal Constitucional Federal sea el máximo órgano jurisdiccional de la Federación, sin duda, un tribunal «sui generis», y a la vez órgano constitucional, es decir, un órgano estatal reconocido directamente en la norma suprema. La más trascendental consiste en negar la condición de funcionarios a los miembros del Tribunal Constitucional Federal. Al igual que los integrantes del Gobierno federal, del «Bundestag» y del «Bundesrat», los del Tribunal son en realidad representantes, que reciben su legitimidad del Parlamento y en última instancia, través de los partidos, del pueblo. A diferencia de un funcionario, nos referimos a un representante cuando alguien, en el marco de un concreto orden competencial, es llamado a responder sobre cuestiones esenciales que afectan a la esencia del conjunto, y lo hace con autonomía y en nombre del pueblo que ha tomado cuerpo en el Estado43. Esa libertad de decisión expresa la esencia de la representación, pues revela que el representante es siempre el titular de determinados valores. De este modo, si los órganos constitucionales fuesen influidos por otros órganos o personas, padecerían una «capitis deminutio» y dejarían de ejercer funciones representativas.

El funcionario, en cambio, se caracteriza por aplicar las indicaciones políticas de una instancia representativa a la que está sometido e infraordenado en el marco de una relación jurídicamente jerarquizada. El funcionario encarna la obediencia; se debe a ella porque está en una especial relación de servicio que le obliga a una singular lealtad y obediencia. Obediencia, lealtad, deber, son las categorías específicas de toda relación funcionarial44, porque aseguran al Estado (antes al monarca) su poder de

42 Véase el principio 39 de la decisión del Tribunal Constitucional Federal de 23 de octubre de 1951. También el Tribunal Constitucional austriaco realiza en cierta medida una función normativa de complemento cuando debe determinar la inconstitucionalidad de una norma jurídica (ley o reglamento); en detalle H. SPANNER, Die richterliche Prüfung von Gesetzen und Verordnungen, 1951, p. 99.

43 SMEND, Politsche Gewalt, op. cit., p. 6, en este contexto ha hablado de la cuestión “que determina y realiza la esencia del Estado”. TRIEPEL afirma que este asunto está relacionado “con los más altos y decisivos fines del Estado”; véase también JERUSALEM, Staatsgerichtsbarkeit, p. 86.

44 Una obligación de obediencia y lealtad como la de los funcionarios no excluye que en determinadas circunstancias puedan controlar si su superior ostenta potestad suficiente para dictar una instrucción determinada: por ejemplo, si tal instrucción es admisible o la ha dictado un órgano competente.

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mando sobre la función pública. Explican así mismo que todo estatuto de función pública esté integrado por el correspondiente régimen disciplinario, llamado a garantizar el efectivo cumplimiento de la lealtad deducida del deber de obediencia. Incluso cuando el funcionario ejerce potestad pública y es llamado a participar en la esfera política, nunca tendrá una capacidad de decisión creativa y vinculante que le permita reclamar para sí carácter representativo, y en última instancia siempre será un servidor, emisario de un tercero.

En los Estados occidentales hallamos desde hace mucho esta distinción fundamental entre órganos constitucionales, caracterizados por su cualidad representativa, y la función pública, sujeta al Estado a través de una especial relación de obediencia y cumplimiento del deber. Se corresponde especialmente con la tradicional división inglesa entre «Masters» (a los que pertenecen por encima de todos, los jueces del «Supreme Court») y los «servants and agents» que obedecen “his orders as to how to carry out their duties”.

No es este el lugar para verificar en qué medida las consecuencias expuestas inciden en la posición y clasificación jurídica del juez (o del profesor universitario)45. Por razones históricas que ahora no voy a detallar, hasta tiempos recientes, los jueces y los profesores alemanes fueron considerados y tratados como funcionarios, aunque en la configuración de su relación funcionarial constitucionalmente garantizada, se tuviera en cuenta su singularidad profesional. En concreto, el principio general por el cual todo funcionario ha de obedecer a su superior, no valía para el juez cuando estaba desempeñando su función jurisdiccional o para el profesor universitario cuando ejercía su libertad de cátedra (y su libertad de método)46. No voy a discutir aquí si esta caracterización responde a un hecho cierto, ni tampoco voy a reflexionar sobre su oportunidad. Lo que me interesa es señalar que la Ley Fundamental de Bonn ha decidido claramente separar al juez de la relación funcionarial general y darle un estatus particular en atención a la naturaleza de su especial situación (art. 98 LF).

En la medida en que el juez ordinario ha sido tradicionalmente funcionario, no sería descartable que el legislador le diese esta consideración al juez constitucional. De cualquier modo, el juez ordinario “funcionarizado”

45 Sobre la oposición entre el juez y el funcionario en términos generales y atento a la tendencia histórica de vincular jurídicamente al funcionario como manifestación del derecho en una sociedad de hombres libres, véase el significativo y detallado estudio de E. ROSENSTOCK, “Der ewige Prozeß des Rechts gegen den Staat”, Zeitschrift für Rechtsphilosophie, vol. 2, 1919, p. 222 y ss. y 229 y ss.

46 Respecto a los profesores, recientemente R. THOMA, Die Lehrfreiheit der Hochschullehrer, 1952.

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se diferencia sustancialmente del juez constitucional porque la cualificación orgánica de aquel se deduce de la Constitución, mientras que la posición orgánica del juez constitucional está reconocida de modo directa en la norma suprema y es, por tanto, representativa. Un órgano estatal derivado directamente de la Constitución nunca puede subsumirse bajo la categoría de la función pública. Quien emprenda esa tarea incurrirá a la fuerza en una contradicción interna; un empeño de ese tipo, incluso si lo adopta el legislador, es un intento «ultra vires», carente de fuerza vinculante por el fracaso que conllevaría la aplicación de las categorías propias de la función pública.

Las disposiciones incapaces de ordenar la realidad política, en última instancia acaban capitulando. Recordemos, por ejemplo, el intento en los tiempos de la Constitución de Weimar de regular el Gobierno de acuerdo con los principios de la función pública, perdiendo de vista la diferencia estructural que existe entre el miembro de un Gobierno parlamentario y el de una monarquía constitucional. En el derecho constitucional alemán prerrevolucionario tenía sentido aplicar los principios de la función pública a los componentes del Gobierno imperial, puesto que en términos jurídicos el Canciller era ante el «Bundestag» solo un plenipotenciario del Rey, asistente del «Kaiser» y por ello sometido a sus órdenes de servicio47, del mismo modo que los representantes de la administración, esto es, los secretarios de estado, estaban sometidos al Canciller y debían obedecer sus instrucciones. Sin embargo, el sistema de gobierno parlamentario, si quiere funcionar, ha de reconocerle al Gobierno capacidad de creación. Solo cuando los miembros de un gobierno parlamentario adoptan sus decisiones bajo un convencimiento libre, están en condiciones de responder por esas decisiones ante el Parlamento y el pueblo. Es ahí donde cobran sentido las específicas cautelas del gobierno parlamentario, como la cuestión de confianza o la moción de censura, que garantizan la homogeneidad entre la mayoría parlamentaria y el Gobierno.

Es obvio que los principios más importantes de la función pública, como el deber de obediencia o el sometimiento a la potestad disciplinaria, no son aplicables a los integrantes de un gobierno parlamentario; si, pese a todo, se pretende tratarlos como funcionarios, se incurrirá en graves inconvenientes prácticos. No en vano, finalmente en 1930 se aprobó una ley especial para los ministros, que dio cuenta de su condición representativa y, en concreto, los excluyó del sometimiento a las instrucciones dadas a

47 No se va a discutir ahora, si, en realidad, las cosas discurrían de otro modo y era en verdad el Canciller quien imponía su voluntad sobre el monarca.

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los funcionarios. Desde entonces nunca más se ha pretendido aplicar a los ministros reglas de la función pública.

En la misma situación se encuentran los miembros del Tribunal Constitucional Federal. En efecto, todos los órganos estatales con cualificación representativa directa, desde un punto de vista jurídico, están a la cabeza de la actividad y no en una posición instrumental, de ahí que tengan su propia autoridad y valor. Es por ello que deberían ser tratados externamente en correspondencia con la cualificación representativa que encarnan. Basta con recordar el tratamiento público que reciben los miembros del Tribunal Supremo de los Estados Unidos o los jueces ingleses de las más altas instancias. Así, por ejemplo, en los Estados Unidos, los nueve jueces del Tribunal Supremo ocupan en el protocolo un lugar junto a la Presidencia y los Presidentes de las dos Cámaras. En Inglaterra, tal y como se comprobó en el reciente sepelio de Jorge VI, las más altas autoridades judiciales se situaron inmediatamente detrás de los miembros de la Casa Real y por delante de los miembros del Gabinete o de los representantes extranjeros. En este sentido, hemos de recordar que el Tribunal Constitucional Federal también desempeña su función de integración política dentro del Estado y del conjunto del pueblo a través de la imagen que deriva de su posición representativa.

Esta idea se recoge correctamente en el artículo 98.2 LF, cuando establece que la relación de servicio de los jueces integrantes de las instancias judiciales más altas sea ordenada por una ley federal específica – algo que en todo caso se refiere también a los miembros del Tribunal Constitucional Federal –. Se trataría, en definitiva, de definir la posición jurídica del juez del Tribunal Constitucional Federal, del mismo modo que se tuvo que enmarcar la posición jurídica del ministro del Gobierno imperial.

En este sentido es necesario dejar claro que de ninguna manera se puede deducir para los miembros del Tribunal Constitucional Federal el típico deber de obediencia que se reconoce a la función pública, del mismo modo que tampoco se aplica a los miembros del Gobierno federal, a los Gobiernos de los «Länder», o a los del Parlamento federal. Y si no hay deber de obediencia, tampoco se da la relación de jerarquía propia de la función pública, de manera que ni el Ministro de Justicia, ni cualquier otra autoridad puede dictar instrucciones u órdenes a un miembro del Tribunal Constitucional Federal, garantía que incluso se extiende a las tareas del juez constitucional fuera de su ámbito competencial. A diferencia del juez ordinario o del profesor de universidad, el miembro del Tribunal

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Constitucional Federal dispone de una libertad plena frente a cualquier otra autoridad.

Los deberes que los miembros del Tribunal Constitucional tienen frente al conjunto de las instituciones resultan en primer lugar de su conciencia y del vínculo de pertenencia a tan alto órgano, pero también de principios no escritos, que a través de su utilización por el Tribunal cobran la legitimidad de la costumbre, y, finalmente, de la “soberanía” del Tribunal para aprobar su reglamento de organización, potestad esta última reconocida implícitamente por el legislador.

Es lógico que la Ley del Tribunal Constitucional Federal no prevea régimen disciplinario alguno para apartar al juez constitucional de su cargo. Igual ocurre en los Estados Unidos, donde un juez del Tribunal Supremo, como el Presidente o el Vicepresidente de la República, solo puede ser removido “on impeachment for, and conviction of treason, bribery, or other high crimes and misdemeanors” (art. II.4). Por eso, cuando la Ley del Tribunal Constitucional Federal estipula que bajo determinadas circunstancias, el Pleno del Tribunal puede habilitar al Presidente de la República para jubilar o destituir a uno de sus miembros, no se trata de un procedimiento disciplinario, sino de un procedimiento autónomo de depuración de responsabilidades típico de un órgano constitucional y que habrá de concretarse en el reglamento de organización. De ahí que el procedimiento dispuesto en el parágrafo 105 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal, incluso si concurren las circunstancias previstas, no tiene por qué ser iniciado, ni la habilitación resultante obliga en sentido estricto al Presidente de la República.

De la especial posición de los integrantes del Tribunal Constitucional Federal se derivan otras consecuencias importantes. Por ejemplo, el parágrafo 12 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal reconoce el derecho de un juez a la dimisión, situación que en realidad se parece más a una renuncia, al estilo de un miembro del Gobierno, que al derecho de un funcionario a ser dispensado de sus obligaciones.

De lo dicho, se deduce también que el miembro del Tribunal Constitucional Federal carece de una obligación de residencia. Por ejemplo, en Suiza se ha prestado atención a esta singularidad hasta el punto de que el juez constitucional goza en Lausana de la misma inmunidad que en Berna48.

48 Sobre el significado de la inmunidad, GIACOMETTI-FLEINER, Schweizerisches Bundesstaatsrecht, 1951, }p. 580 y ss.

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La posición representativa del juez constitucional y la dignidad que acompaña al cargo, explican su sujeción a una serie de incompatibilidades49. Así, por encima de todo, el juez no puede desempeñar otro trabajo y se ha de evaluar, de conformidad con el reglamento de funcionamiento interno, si las actividades lucrativas de naturaleza puramente económica se adecúan a la condición de miembro del Tribunal Constitucional.

Finalmente, la posición singular del juez del Tribunal Constitucional Federal también explica que sus haberes se correspondan con la paridad orgánica del Tribunal respecto al Gobierno o el Parlamento50. En términos prácticos se ha intentado realizar esta idea a través de una ley especial, tal y como ocurre con las remuneraciones de los ministros del Gobierno federal o las dietas de los parlamentarios. Estas asignaciones son idénticas a las de los integrantes del Gobierno federal, pues no se hubiera justificado una remuneración menor ante responsabilidades comparables51. Además, la aplicación subsidiaria de los preceptos generales sobre retribuciones tendría que preverse expresamente por el legislador, como ocurre hoy en la Ley sobre las retribuciones del cargo de miembro del Tribunal Constitucional Federal. Pero ese acto de recepción no transforma la esencia de las asignaciones que corresponden al juez constitucional. Del mismo modo que una ley, un acto de gobierno o un acto administrativo no funcionarizaría al juez constitucional, tampoco han de tratarse sus retribuciones como las de un funcionario.

El retiro del juez constitucional se aleja asimismo de la naturaleza funcionarial. El derecho a una pensión, que nace cumplidos ocho años en el cargo o tras el final del mandato, solo se comprende si se atiende a la especial cualidad constitucional del juez del Tribunal, al margen de cualquier categoría funcionarial. Por último, la regulación especial prevista para los jueces federales en materia de haberes pasivos, será de aplicación al miembro del Tribunal Constitucional solo si se prevé una habilitación expresa del legislador (párrafo 103 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal).

49 Cfr. § 3.3 de la Ley del Tribunal Constitucional Federal. Sobre las disposiciones relativas a las incompatibilidades en el derecho constitucional austriaco, véase SPANNER, op. cit., p. 91; en este caso está especialmente previsto que personas que son funcionarios o empleados de un partido político no pueden pertenecer al Tribunal Constitucional.

50 Cfr. al parlamentario MERKATZ en las actas citadas del Bundestag, op. cit., p. 4223 y ARNDT, DVerwBl., 1951, p. 298.

51 ARNDT, DVerwBl, 1951, p. 298.

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4 OTRAS CONSECuENCIAS DE CARÁCTER fuNDAMENTAL

1. El Tribunal Constitucional Federal, como se ha mostrado en las páginas anteriores, es un órgano constitucional autónomo, en paridad con el Ejecutivo y el Legislativo, y por ello está llamado a desempeñar, junto a su labor jurisdiccional, una función política de integración, lo que explica de forma clara que su relación con el Ministerio de Justicia sea sustancialmente distinta a la de los Tribunales Supremos de la Federación, la Oficina de Patentes o el Tribunal de Cuentas. Así, por ejemplo, el Tribunal Constitucional Federal, en cuanto que órgano constitucional, se relaciona con los otros órganos constitucionales en pie de igualdad y sin intermediación del Ministerio de Justicia.

2. En razón de la autonomía constitucionalmente garantizada del Tribunal, debe asegurársele la suficiencia financiera. Desde un punto de vista práctico, esto significa que el presupuesto del Tribunal ni debe ser preparado o ejecutado por instancias ajenas, ni ha de ser una sección dentro del capítulo previsto para el Ministerio de Justicia. Al igual que ocurre con otros órganos estatales, el presupuesto del Tribunal ha de recogerse en un capítulo específico del Presupuesto General del Estado.

3. Es necesario y deseable la pronta aprobación de un reglamento de organización interna, que ha de asegurar una correcta relación funcional del Tribunal con el Gobierno Federal, el «Bundesrat» y el Presidente de la República52. Del mismo modo que al resto de órganos constitucionales, le compete al Tribunal aprobar su reglamento y es de esperar que el Pleno cumpla cuanto antes esta responsabilidad de naturaleza constitucional.

a) En primer lugar, el reglamento de funcionamiento debe esta-blecer el procedimiento para ordenar los asuntos internos, de manera que el Tribunal esté en la mejor condición posible para desempeñar su tarea bajo normas claras.

b) Además, el reglamento de funcionamiento debe fijar el modo de resolución de los diversos asuntos administrativos53. Ahora bien, en virtud de la especial posición constitucional del Tribunal y de

52 Que el reglamento de funcionamiento, más allá de su importancia técnica, la tiene jurídico-constitucional, ha sido señalado por SCHNEIDER, “Die Bedeutung der Geschäftsordnungen oberster Staatsorgane für das Verfassungsleben”, Festgabe für Smend, 1952, p. 309 y ss.

53 Este también es el caso de Suiza, véase el artículo 11 de la Ley federal sobre la organización jurídica de la Federación. Lo mismo se puede decir para los Estados Unidos, no solo para “the actual determinations of the Court”, sino “aside from administrative matters of the merest routine, every action of the Court is taken on the concurrence of the majority of its members”, cfr. También CH. E. HUGHES, The Supreme Court of the United States, 1947, p. 56 y ss.

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su estructura, el Pleno y solo el Pleno ha de ser la instancia en-cargada de resolver los procedimientos. Por eso, en el Tribunal Constitucional Federal, a diferencia de otros tribunales u orga-nismos, no puede existir “un jefe administrativo”.

En concreto, el Pleno tendrá que decidir qué asuntos administrativos se reserva para su informe y decisión, y cuáles delega en el Presidente y en el Vicepresidente. Por otro lado, se ha de tener claro que el Presidente ejercerá los poderes de representación que le otorgue el reglamento de organización sin recibir instrucciones del Pleno y sin ser responsable ante éste. Y es esa función representativa la que justifica que en la jerarquía estatal se sitúe junto a los Presidentes del «Bundestag» y del «Bundesrat».

En los asuntos que se reserve el Pleno, éste los informará y resolverá por sí mismo54, o bien establecerá comisiones en virtud de una delegación especial que las configure como órganos de apoyo al Pleno. Se trataría, por ejemplo, de comisiones dedicadas a la gestión de la biblioteca, a los asuntos presupuestarios y de gasto, a la publicación de las decisiones, al mantenimiento de la sede, o a las cuestiones de personal. Se podrá precisar el procedimiento de toma de decisión de estas comisiones y la posibilidad de que el Pleno avoque para sí el asunto en determinados supuestos.

Evidentemente, será necesaria una regulación en detalle de los asuntos de personal (funcionarios, contratados, laborales, etc.), al igual que ocurre en los restantes órganos del más alto rango, como por ejemplo, el «Bundestag» o el «Bundesrat». Así, respecto a los asuntos relativos a la selección del personal, sus licencias, etc., el reglamento de funcionamiento debe determinar la competencia del Pleno, de éste con la ayuda de una Comisión, o la delegación en favor del Presidente – con la posible audiencia previa de una comisión funcionarial –.

c) También es materia propia del reglamento de funcionamiento determinar las ulteriores consecuencias derivadas de la auto-nomía presupuestaria del Tribunal. Ha de estipularse quién es responsable de la preparación del presupuesto y de defenderlo ante el Gobierno federal y las comisiones presupuestarias del «Bundestag» y del «Bundesrat».

En conexión con este asunto, el Pleno deberá decidir si no conviene prever en el reglamento de funcionamiento y para los asuntos financieros

54 Debe hacerse notar que en Suiza, el Tribunal Supremo también posee estos poderes administrativos en virtud del artículo 109 de la Constitución Federal y del artículo 7.2 de la Ley federal de organización de 1943.

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ordinarios y de tesorería, una instancia bajo mando directo del Ministerio de Hacienda. Recordemos que ésta ha sido la solución alcanzada en el caso de los Tribunales Supremos.

d) Finalmente, el Pleno debe valorar si, dados los malentendidos que existen en algunos círculos políticos de considerable peso sobre la posición constitucional del Tribunal y sus miembros, sería oportuno que el reglamento de funcionamiento, en cone-xión con la Ley del Tribunal Constitucional Federal, declarase la naturaleza de órgano constitucional del Tribunal y detallase las consecuencias que conlleva. Esto significaría, sobre todo, que el reglamento de funcionamiento descartaría que los miembros del Tribunal fuesen tratados como funcionarios, que el Tribunal no está subordinado al Ministerio de Justicia y que se relaciona de manera directa con el resto de órganos de la Federación.

Karlsruhe, 21 de marzo de 1952.

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Assunto Especial – Estudos Jurídicos

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O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

O Diálogo Constitucional numa Perspectiva Brasileira: um Colóquio Contínuo entre os Três Poderes

The Constitutional Dialogue under a Brazilian View: an Ongoing Colloquy Between the Three Branches

MAThEUS hENRIQUE DOS SANTOS DA ESCOSSIAAluno especial do Mestrado em Direito Processual Civil da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Pós‑Graduando lato sensu em Direito Processual Penal pelo Complexo Damásio de Jesus, Graduado pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV). Advogado. Endereço para correspondência: [email protected].

Submissão: 31.03.2012Decisão Editorial: 04.05.2012

RESUMO: O presente trabalho visa abordar a teoria do diálogo constitucional presente por entre os três Poderes no Brasil. Para tanto, serão estudados autores estrangeiros que tratam do diálogo cons‑titucional, em particular Louis Fisher, Kent Roach e Janet L. Hiebert. Em seguida, serão transpostas as lições dialógicas para o contexto brasileiro por meio da análise da interação entre os Poderes. Primeiro será avaliada a interação entre Executivo e Legislativo, em um cenário de presidencialismo de coalizão. Segundo, será avaliada a interação entre Judiciário e Executivo, diante da dinâmica da composição dos tribunais superiores. E, em terceiro, será avaliada a interação entre Legislativo e Judiciário, com enfoque no poder de reforma investido no primeiro.

PALAVRAS‑CHAVE: Diálogo constitucional; separação de Poderes; ativismo judicial; interpretação constitucional.

ABSTRACT: The following article aims to analyze the constitutional dialogue theory in the brazilian three Branches. Therefore, we will study foreign authors who have written about the constitutional dialogues theory, particularly Louis Fisher, Kent Roach and Janet L. Hiebert. Then, we will apply the dialogical lessons into the brazilian scenario by observing the interaction between the Branches. First, we will evaluate the interaction between the Executive and the Legislative, in a coalition presidential system perspective. Second, we will evaluate the interaction between the Judiciary and Executive, through the minister choices in the superior tribunals. Third, we will evaluate the interaction between the Legislative and the Judiciary, focus on the constitutional amendments.

KEYWORDS: Constitutional dialogues; separation of Powers; judicial activism; constitutional inter‑pretation.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 O diálogo constitucional: uma construção coordenada entre os três Pode‑res; 2 O diálogo entre Executivo e Legislativo no Brasil; 3 O diálogo entre Judiciário e Executivo no Brasil; 4 O diálogo entre Legislativo e Judiciário no Brasil; Considerações finais; Referências.

Ninguém tem a última palavra porque não há última palavra. (Hanna Pitkin)

INTRODuÇÃO

O dimensionamento do papel do Judiciário na defesa dos direitos fun-damentais tem sido tarefa hercúlea. Não é de todo recente que estudiosos se digladiam com o intuito de auferir as reais possibilidades de intervenção desse Poder na concretização dos mencionados direitos. Em busca das jus-tificativas, diversos termos se tornaram usuais em meio acadêmico – ativis-mo judicial, judicialização das políticas públicas, autocontenção judicial, jurisdição constitucional, entre outros –, todos com a intenção de abordar a postura do Judiciário.

Essencialmente no que tange à referida postura de um “Judiciário emancipacionista”, a doutrina tratou de repartir a conduta dos Magistrados em duas hipóteses antagônicas: ou se tem uma Corte ativista, ou se tem uma Corte autocontenciosa. A respeito da primeira hipótese, cumpre transcrever a precisa lição do Professor Luís Roberto Barroso (2009, p. 11), o qual aduz que

[...] a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais am-pla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucio-nais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. Em muitas situações, sequer há confronto, mas mera ocupação de espaços vazios.

Dessa maneira, uma Corte ativista passaria a tomar para si um pro-tagonismo em razão das omissões evidenciadas pelos demais Poderes. Por outro lado, de maneira diametralmente oposta, estaria uma Corte autocon-tenciosa.

Por sua vez, a autocontenção se caracteriza justamente por abrir mais espaço à atuação dos Poderes políticos, tendo por nota fundamental a forte deferên-cia em relação às ações e omissões desses últimos. (Barroso, 2009, p. 11)

Muito embora haja sucessivas tentativas de definir períodos de maior autocontenção ou maior ativismo, cumpre salientar que a mesma Corte é

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capaz de apresentar decisões de maior ou menor abrangência política em um curto espaço de tempo.

Ciente das eventuais condutas do Judiciário, estudiosos quedam por direcionar esforços em busca de teorias democráticas a fim de justificar (ou rejeitar) a última palavra pronunciada pela Corte ou resolvem tratar das eta-pas a serem seguidas na confecção da decisão. No entanto, a grande proble-mática que se insurge e parece não ser tratada com a devida consideração é se o Poder Judiciário é de fato o detentor último da interpretação constitu-cional. Os ensinamentos de Gustavo Binenbojm (2004, p. 49) transcrevem o sentimento majoritariamente compartilhado pela doutrina:

Pode-se dizer que à Corte Constitucional cabe pronunciar a última palavra institucional no âmbito do Estado Democrático de Direito, de vez que suas decisões jurídicas não estão sujeitas a qualquer controle democrático pos-terior. Portanto, sendo o juiz último da autoridade dos demais poderes, o Tribunal Constitucional é o único juiz de sua própria autoridade.

O cenário do constitucionalismo atual estaria circunscrito à proemi-nência do Poder Judiciário, visto que é necessário um amplo esforço para concretizar as Constituições tão extensas e promissoras quanto aos direi-tos fundamentais, sem esmorecer na sustentação dos pilares da democra-cia e da soberania popular. Quanto a esse fenômeno, Oscar Vieira Vilhena (2002, p. 38) esclarece: “São Constituições ‘compromissárias’, que, embora possam guardar certas características de decisão fundamental, no que se re-fere ao regime político e a forma de governo, criam compromissos na esfera econômica e social”.

Diante dessas exigências, seria sugerido um Judiciário pujante, ou “emancipacionista”, como anteriormente indicado. No Brasil, a trilhar os passos do referido constitucionalismo, pesa o fato de existir uma Constitui-ção articulada em meio a uma Assembleia Constituinte, composta de forças antagônicas, cujo produto final sagrou-se um retalho paradoxal ao invés de um projeto harmônico integrativo. A respeito da Constituição de 1988,

verdade que seu resultado não produziu um conjunto de normas amalgama-das por laços sistêmicos, havendo até mesmo partes conflitantes. Em uma sociedade marcada por traços tão fortes de desigualdade social como a tu-piniquim, acrescida das quebradas ontológicas advindas da pós-modernida-de, a procura por liames de conexão se configura como tarefa impossível. (Bonavides; Miranda; Agra, 2009, p. XVIII)

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Numa análise despercebida, poderia parecer que a supremacia da Constituição e da defesa dos direitos fundamentais seriam missões exclusi-vas do Judiciário. Essa exclusividade seria alcançada por elementos institu-cionais já previstos em meio jurídico, tal como o controle de constituciona-lidade, além da atuação desastrosa nos papéis dos demais Poderes. Desse modo, a interpretação constitucional seria um privilégio (ou um dever) que diria respeito apenas ao Poder Judiciário. A respeito dessa hipótese, Luís Ro-berto Barroso (2004, p. 118) assume que “a interpretação pelo Judiciário é final e vinculante para os outros Poderes. Não é incomum que a interpreta-ção judicial venha sobrepor-se à interpretação feita pelo Legislativo – como se passa quando declara uma lei inconstitucional – ou pelo Executivo”.

A assunção de um Judiciário onipotente, a causar sentimentos de ar-repio ou de reverência, não condiz com a real postura evidenciada pela interpretação Constitucional entre os três Poderes. Ainda sem se desprender da suposta altivez da Corte Maior, Gustavo Binenbojm (2004, p. 224) dá sinais de uma postura mais moderada:

Ao Supremo Tribunal Federal compete, como intérprete derradeiro da Lei Maior, dizer o direito constitucional em caráter definitivo. Todavia, no or-denamento jurídico brasileiro, também os Poderes Executivo e Legislativo desempenham papel importante na defesa da supremacia constitucional.

A Corte Constitucional, a qual na realidade jurídica brasileira é atri-buída ao STF, possui a incumbência precípua de defender valores cons-titucionais, bem como as ambições do Constituinte. No entanto, seria de uma soberba imensurável tratar a interpretação constitucional como uma possibilidade única da Corte. O que se sucede, por outro lado, é uma inte-ração entre os Poderes, um verdadeiro “diálogo constitucional”, com visas de afirmar o verdadeiro sentimento da Constituição.

A teoria do Diálogo Constitucional, mais detidamente explicada no capítulo seguinte, foi proposta por Louis Fisher, o qual crê a interpretação constitucional como um processo político. A leitura das normas constitucio-nais estaria além do universo jurídico, com a real necessidade de avaliar os desdobramentos das decisões postas em evidência pelos três Poderes. Antes de adentrar na proposta dialógica, cumpre transcrever a postura de Oscar Vieira Vilhena (2002, p. 228), que dimensiona o papel político posto pelo Judiciário na figura do STF:

[...] foi apenas a partir da ampliação dos agentes legitimados a acessar dire-tamente o Supremo Tribunal Federal, somado à extensa constitucionalização

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de nossa vida política, decorrente do texto de 1988, que o Supremo adquiriu uma função de tamanha relevância em nossa democracia constitucional.

Afirmar isso significa admitir que o Supremo Tribunal Federal é hoje, mais do que nunca, um órgão indubitavelmente político, pois suas decisões têm um profundo e determinante impacto sobre a conduta dos demais Poderes e da população em geral.

1 O DIÁLOGO CONSTITuCIONAL: uMA CONSTRuÇÃO COORDENADA ENTRE OS TRêS PODERES

Muito mais do que uma proposta a respeito do processo de interpre-tação constitucional, o diálogo constitucional representaria uma interação permanente entre os três Poderes. Ao invés de um Judiciário onipotente na construção das normas, haveria uma colaboração recíproca entre ele, o Executivo e o Legislativo. A ideia fundante dessa teoria é fluir o direito constitucional por entre esses três Poderes. Logo no início de sua obra Cons-titutional dialogues: interpretation as political process, Louis Fisher (1988, p. 3) baliza seu entendimento: “The purpose of this book is to show that constitutional law is not a monopoly of the judiciary. It is a process in which all three branches converge and interact with their separate interpretations”.

A perspectiva dialógica, quando comparada às concepções que tra-tam o Poder Judiciário como único responsável pela defesa da Constituição, acaba por contrastar nos agentes responsáveis pela interpretação consti-tucional. Tanto o Legislativo quanto o Executivo possuem a missão de se pronunciar a respeito de decisões constitucionais. “The Supreme Court is not the sole or even dominant agency in deciding constitutional questions. Congress and the President have an obligation to decide constitutional is-sues” (Fisher, 1988, p. 5). Até mesmo a Corte, nas palavras do autor, deseja a partilha dessas funções com outros atores políticos, ao indicar que “‘ul-timate interpreter’ does not mean exclusive interpreter. The courts expect other branches of government to interpret the Constitution in their initial deliberations” (Fisher, 1988, p. 243).

Ao considerar o Poder Judiciário uma instituição política, figurada na postura da Suprema Corte americana, Fisher propôs uma construção coor-denada nesse processo de interpretação constitucional. A construção coor-denada seria a configuração de um permanente colóquio evidenciado entre os Poderes e a própria sociedade, uma vez que se faz presente o elemento político. Dessa maneira, o alcance da Constituição estaria condicionado aos rumos de que essa “conversa”, essa interação viria a conduzir. Nas palavras de Louis Fisher (1988, p. 273):

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No single institution, including the judiciary, has the final word on cons-titutional questions. The courts find themselves engaged in a “continuing colloquy” with political institutions and society at large, a process in which constitutional principle is “evolved conversationally and not perfected uni-laterally”.

Essa teoria que identifica uma maior maleabilidade no processo de interpretação constitucional acaba por obter caminho diverso daqueles que veem a jurisdição constitucional como única hipótese de concretização da Constituição. Ao ser concebido um diálogo constitucional, a suposta hege-monia do Judiciário dá lugar a uma ampla articulação entre os poderes e as forças da sociedade na defesa da supremacia da Constituição. Em obra mais recente, Louis Fisher (2004, p. 153) reafirma essa previsão: “Instead of a hierarchical system, with the Court sitting supremely at the top, the process of making constitutional Law and shaping constitutional values is decidedly polyarchic”.

A teoria do diálogo constitucional também foi abraçada pela doutrina canadense, evidentemente construída sob uma ótica diferente da americana em razão da Charter de 1982. Na obra Charter conflicts: what is the Parlia-ment role?, a autora Janet L. Hiebert (2002, p. 43) dá sinais de resistência à concepção de hegemonia do Judiciário no que tange ao direito constitu-cional, pois “a better way to asses show a bill of rights affects judicial and political power is to think of constitutional judgements as a shared responsa-bility”. A proposta da autora em uma responsabilidade compartilhada entre os Poderes traduz a perspectiva dialógica de Fisher, ao tratar da relevância de cada interpretação posta em evidência por cada Poder.

A peculiaridade da responsabilidade compartilhada canadense, se comparada com o dialogismo americano, residiria na própria estrutura jurídico-constitucional presente em ambos os países. Visto que o Canadá adotou um sistema de governo parlamentarista, o foco de debate indubi-tavelmente recairia entre o Parlamento e a Corte. Por outro lado, com o sistema presidencialista, as relações entre Executivo, Congresso e Suprema Corte seriam mais tensas nos EUA. Além disso, diferenças estruturais na Charter canadense e no Bill of Rights americano permitem salientar outras peculiaridades, tal como a seção 33 da Charter, que prevê o legislative over-ride, melhor compreendido no capítulo 5. A respeito das diferenças, Janet L. Hiebert (2002, p. 47) assume que:

The Canadian version of dialogue differs somewhat from the American con-cept owing largely to the structural differences between the two nations’ bill

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of rights. The Charter’s general-limitation clause in section 1 has encoura-ged judges to place more emphasis on evaluating the reasonableness of the means chosen to pursue a legislative objective rather than on merits of the objective itself. [...] Another significant difference stems from the Charter’s opportunity for explicit disapproval of judicial decisions, in the form of the legislative override in section 33.

A proposta da responsabilidade compartilhada, de Hiebert, busca um relational approach entre o Parlamento e o Judiciário, a partir do confronto entre as decisões e opiniões diversas postas em prática por cada um dos Poderes. Valores constitucionais serão alcançados por meio da interação entre as motivações e divergências apontadas no processo de interpretação constitucional. Tomadas as múltiplas posturas, há de se salientar que:

Thus, a relational approach is informed by the assumption that parliamentary and judicial judgments be guided by a degree of modesty about the superiori-ty of their conclusions and by a respect for the other’s contrary interpretation. Respect is measured by a sincere effort to understand the reasons and motiva-tions that led to a contrary assessment, even if each ultimately disagrees with other. (Hiebert, 202, p. 52)

A proximidade da responsabilidade compartilhada com a lógica do diálogo constitucional reside exatamente neste aspecto – a variedade de posturas. Uma vez decidida certa questão constitucional pelo Judiciário, essa opinião pode ser acolhida ou rejeitada pelo Executivo ou Parlamento. As motivações por detrás de cada decisão se adentrarão em um contínuo colóquio, com o objetivo de consolidar a Constituição. Dessa maneira, vale o alerta da autora canadense, a mencionar que “shared responsibility for interpreting the Charter does not presume consensus” (Hiebert, 2002, p. 55).

Também a tratar de um cenário canadense, o autor Kent Roach busca afirmar o diálogo constitucional presente entre os Poderes em sua obra The Supreme Court on trial: judicial actvism or democratic dialogue. Continua válido o alerta feito anteriormente a respeito das diferenças entre o contexto jurídico canadense e o americano, porém a necessidade de uma interati-vidade prevalece. Segundo Roach (2001, p. 176): “This dialogue between and accountability of each of the branches have the effect of enhancing the democratic process, not denying it”.

O avanço no processo democrático é identificado pelo autor como principal aspecto do diálogo constitucional, uma vez que passa a ser neces-sariamente convocado os Poderes e a sociedade a confrontar suas opiniões. A respeito disso, Kent Roach (2001, p. 241) estabelece que:

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Dialogic theories of judicial review can enhance democracy by requiring legislatures and the public to confront their prejudices and fears. Sometimes they will give in to these ugly forces, but no generally. When they do give in, nothing, not even judicial supremacy, will save the society from itself.

O diálogo, como instrumento democrático, não caminha em direção de uma única e exclusiva resposta correta. Ao contrário, a diversidade por detrás das construções coordenadas representa a possibilidade de reflexão entre valores emergidos por dada ocasião. A virtude da teoria do diálogo constitucional é exposta por Roach (2001, p. 251):

What theories of dialogue between courts and legislatures do achieve, howe-ver, is a process in which all of us in democracy can struggle together for the right answers, without relying on the monologues and concentrated power produced by either judicial or legislative supremacy. The Court can bring to the attention of legislatures and society important values, such as fairness and minority rights, that politicians and bureaucrats would often prefer to ignore, but it need not have the last word should the legislature take responsibility for limiting or overriding the Court’s decisions.

A partir de toda a construção feita, o diálogo constitucional surge como uma alternativa a entender o fenômeno da interpretação constitucio-nal. A tomada de decisões constitucionais se espraia pelos três Poderes, bem como fatores acalentados pela sociedade. Tanto a construção coordenada de Louis Fisher quanto a responsabilidade compartilhada de Janet L. Hiebert indicam uma necessidade de interação e compromisso na concretização das normas constitucionais por todos os agentes políticos.

Por mais que a doutrina do diálogo constitucional fosse concebida com base no Direito norte-americano, as reflexões sobre esse colóquio con-tínuo são possíveis de serem transpostas a um contexto brasileiro. Os papéis do Congresso Nacional, da Presidência da República e do STF, símbolos maiores dos três Poderes, também indicam uma fluidez e interação em suas relações. Bernardo Saadi (2008, p. 49), a respeito da temática, assume que:

Ao STF cabe o dever de zelar pela Constituição. Esse encargo, como se sabe, requer que os princípios constitucionais sejam constantemente sopesados. Todavia, a interpretação constitucional não é tarefa exclusiva do STF, sendo legítima e necessária a atuação dos demais Poderes nesse processo.

Nos próximos capítulos, serão apresentadas formas de diálogo entre os Poderes em contexto brasileiro, as quais denotam o quão necessário para

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o processo democrático a repartição da última palavra constitucional, em contrapartida de um único detentor dessa missão.

2 O DIÁLOGO ENTRE ExECuTIVO E LEGISLATIVO NO BRASIL

Inobstante a teoria do diálogo constitucional possa parecer muito mais direcionada às interações entre Legislativo e Judiciário, visto que tal teoria surgiria como uma alternativa ao judicial review, não há de se minimizar a relevância do desempenho Executivo na interpretação constitucional. As decisões tomadas pelo Legislativo e o Executivo quedam por configurar um colóquio contínuo, o qual permite compreender a dinâmica política atual.

Diversos mecanismos de proximidade entre esses Poderes alimentam um diálogo. A força normativa do Executivo, desmembrada nas hipóteses de edição de medidas provisórias, pedidos de urgência no processo legislativo e iniciativas exclusivas do Presidente, todas rumam numa direção dialógica. Além disso, a conversão do Congresso em um tribunal político em casos de impeachment reforça a indicada interação.

À primeira vista, a análise entre o Executivo e o Legislativo sob uma ótica de diálogo constitucional poderia se resumir às funções atípicas elen-cadas por cada Poder. O colóquio, todavia, não se resume a esse elenco. Evidentemente, tais funções exemplificam, porém não consubstanciam o real fenômeno de interação, qual seja, o presidencialismo de coalizão.

O presidencialismo de coalizão designa um rearranjo institucional do sistema presidencialista de governo. Tal termo indica uma maior proximi-dade entre o Presidente e o Congresso com o intuito de conferir ao primeiro maior governabilidade, ao passo que o segundo teria maior participação na agenda presidencial e no implemento de políticas públicas. Marco Aurélio Sampaio (2007, p. 127), em excelente obra, caracteriza essa dinâmica da seguinte maneira:

Pode-se definir presidencialismo de coalizão como o sistema presidencial de governo em que a governabilidade se dá pela formação de coalizão parla-mentar mais ampla que o partido do presidente, servindo de apoio às políti-cas governamentais, o que é refletido na distribuição das pastas ministeriais e no exercício do poder de agenda legislativa pela presidência da República.

Numa ótica mais cética e também a tratar do presidencialismo de coalizão, cumpre também indicar a postura do Desembargador Kildere Carvalho (2004, p. 33) a respeito do tema:

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De qualquer forma, considerando a realidade política brasileira, o relacio-namento do Presidente com o Poder Legislativo levou ao surgimento de um modelo de presidencialismo denominado de presidencialismo de coalizão, que consiste num complexo sistema de interações políticas entre membros do Executivo, congressistas e líderes partidários, possibilitando que o Presi-dente organize sua base de apoio parlamentar, nomeando para os Ministé-rios políticos indicados pelos partidos políticos, que passam a fazer parte da aliança governamental.

O principal fator a desenhar essa configuração política é o pluralismo partidário. É impossível vislumbrar que, singularmente, um único partido seja apto a guiar a presidência e simultaneamente tenha maioria na Câmara e no Senado. Dessa inviabilidade, a configuração de alianças eleitorais, ain-da que comportem ideologias diversas, surge como indispensável para que se efetive a governabilidade.

Com base no presidencialismo de coalizão, já é de se afastar a supos-ta usurpação de poderes do Executivo ao Legislativo, pois o que há é uma real conexão entre as decisões tomada por cada branche. Nesse caminho, Marco Aurélio Sampaio (2006, p. 109) aduz que

[...] a realidade demonstraria que a dinâmica política não é de prevalência pura e simples do Executivo sobre o Legislativo, mas sobretudo de coopera-ção de ambos na execução de tais diretrizes governamentais, ainda que de modo desigual e com o Legislativo aparecendo como coadjuvante.

Da mesma forma que o Executivo necessita de amplo apoio no Con-gresso a fim de pôr em prática suas ambições governamentais, o Legislativo está presente na configuração do Executivo. Em grande parte como conse-quência das alianças partidárias, a formação das pastas ministeriais tradu-zem o maior ou menor influência de dado partido no governo.

[...] a coalizão política se dá em três momentos distintos, a saber: primeira-mente no momento de aliança eleitoral; a seguir, complementa-se a coalizão na formação do governo; e, por fim, dá-se a sua plena efetividade governa-mental no momento de formulação e implementação da agenda política. (Sampaio, 2007, p. 125)

Esse cenário de presidencialismo de coalizão denota, de maneira con-cisa, a presença de um diálogo constitucional. A dinâmica de cooperação entre os Poderes remete à questão de uma responsabilidade compartilhada. O Presidente possui ampla responsabilidade nas decisões que influem a agenda da Câmara e do Senado, da mesma forma que o Congresso se faz

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presente nas políticas a serem implementadas pelo primeiro. A interação entre esses Poderes traz por desdobramento o melhor alcance de valores constitucionalmente assegurados.

Antes de seguir ao próximo capítulo, cumpre mencionar outro instru-mento de dialogismo constitucional, o qual também se faz imerso na ins-trução de um presidencialismo de coalizão, qual seja, o veto presidencial. É indubitável que esse mecanismo incumbe o Presidente de uma missão tal qual um legislador negativo, com visas de salvaguardar o interesse público ou a constitucionalidade. Tanto a partir de uma justificativa quanto a partir da outra, existe um cenário de diálogo, uma vez que o Poder Legislativo se escora sobre determinadas decisões constitucionais para prosseguir a edi-ção de uma lei ou a eventual derrubada de um veto, enquanto ao vetar o chefe do Executivo perquire outras visões constitucionais. a respeito do veto, Edílson Nobre Júnior (2008, p. 99) assume que, “ademais, cabe ob-servar que, na prática, o veto, cuja natureza é negativa, converteu-se em poderoso instrumento positivo para que o Presidente pudesse demonstrar sua influência na legislação”.

O colóquio existente entre o Legislativo e o Executivo está espalhado em diversos outros instrumentos de interação; no entanto, o presidencialis-mo de coalizão, por delinear um ambiente de proximidade entre tais ramos, e o veto, como instrumento decisório mais contundente, foram tratados na transposição da teoria dialógica no Brasil. No capítulo seguinte, será anali-sado como o diálogo procede entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

3 O DIÁLOGO ENTRE JuDICIÁRIO E ExECuTIVO NO BRASIL

Para tratar do diálogo por detrás do Poder Judiciário e do Poder Executivo, cumpre transcrever a lição narrada pelo professor Luís Roberto Barroso (2009, p. 35):

Tribunais, como os titulares do poder em geral, não gostam de correr o risco de que suas decisões não sejam efetivamente cumpridas. E, portanto, esta é uma avaliação ordinariamente feita por órgãos judiciais, ainda que não seja explicitado. Tribunais não têm tropas nem a chave do cofre. Em muitas situa-ções, precisarão do Executivo, do Congresso ou mesmo a aceitação social para que suas deliberações sejam cumpridas.

Muito embora o eminente jurista desdobre seus esforços em justifica-tivas para uma postura ativista do Judiciário, a transcrição delineia uma real exigência desse último Poder em interagir com os outros dois. Especialmen-

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te no cumprimento de decisões, visto que o STF, por exemplo, “não possui tropas nem a chave do cofre”, uma dinâmica dialógica com o Executivo se manifesta indispensável.

Tendo em mente que a Constituição desempenha uma missão inte-gradora, transcendendo, desse modo, um mero catálogo de direitos ou es-truturação política de dado estado, os papéis do Judiciário e do Executivo exigem uma atuação complementar. Otto Bachof (1994, p. 11), um dos principais autores a abordar o aspecto integrativo constitucional, alerta que “a permanência de uma Constituição depende em primeira linha da medida em que ela for adequada à missão integradora que lhe cabe face à comuni-dade que ela mesma constitui”. Ainda a compreender essa abordagem da Carta Maior, Filomeno Moraes (2004, p. 171) aduz que, “na verdade, aqui e alhures, as constituições são, acima de tudo, instrumentos de governo que limitam, restringem e permitem o controle do exercício do poder político, a sua razão de ser”.

O desempenho da missão integrativa de uma Constituição supera o ideário utópico que outrora regia o direito constitucional. Logo, ao aderir a Carta Magna como instrumento de governo, as normas constitucionais cumprem papel inicial a ser perseguidos na adoção de políticas públicas. Em meio a isso, o colóquio entre os Poderes Judiciário e Executivo teriam por escopo o atendimento de eventuais missões constitucionais.

Exemplo mais emblemático do diálogo constitucional entre Executivo e Judiciário no desempenho das missões constitucionais foi durante o gover-no de Franklin D. Roosevelt, nos EUA. Nos primeiros anos como presidente, Roosevelt se deparou com uma postura conservadora da Suprema Corte americana, a qual rejeitava as suas políticas governamentais com o intuito de contornar as crises acarretadas pelo Crash de 29 e pelo Dust Bowl. Espe-cialmente o New Deal, principal política a ser desempenhada, encontrava demasiada resistência no Judiciário.

Presidential optimism was routed on “Black Monday”, May 27, 1935, when the Supreme Court unanimously struck down the National Industry Recovery Act (NIRA). [...]

Roosevelt’s indignation at the judiciary was further aroused on January 6, 1936, when the Court struck down the processing tax in the Agricultural Adjustment Act. [...] Other decisions in 1936, striking down federal and state laws, provided extra incentives to curb the Court. (Fisher, 1988, p. 210-211)

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Diante da resiliência da Suprema Corte em se posicionar de modo favorável a tais políticas, Roosevelt passou a se mobilizar com o intuito de modificar a composição da Corte e que esta se voltasse em prol de suas im-plementações. FDR chegou até a preparar um “Court Packing Bill”, a qual trazia novos procedimentos de aposentadoria aos Magistrados da Suprema Corte, bem como a expansão para o número de 15 Chiefs of Justice. Toda-via, as eleições de 1936 proporcionaram ampla maioria no Congresso, fato que invariavelmente contribuiria para aprovação do pacote proposto por Roosevelt.

Diante de um cenário de amplo apoio Legislativo, somado a mudan-ça de postura de algum dos membros da Suprema Corte e a nomeação de outros, a propositura do Court Packing Bill perdeu sentido. Por outro lado, com o respaldo do Poder Judiciário, a concretização das missões constitu-cionais e a efetivação dos planos de governo quedaram por configurar uma tarefa muito menos árdua para Roosevelt. Sobre esse alinhamento, Louis Fisher (1988, p. 215) indica

other decisions in 1937 confirmed that the Court had become more accep-ting of New Deal programs. Roosevelt remarked with obvious relish: The old minority of 1935 and 1936 had become the majority of 1937 – without a single new appointment of a justice. [...] Justice Van Devanter stepped down on June 2, 1937, giving Roosevelt his first chance in more than four years to nominate a Justice to the Supreme Court. Other retirements were imminent. Within a matter of months, the need for the court-packing plan had evapo-rated. President Roosevelt would be able to “reorganize” the Court without action on his bill.

A mudança na postura da Suprema Corte em face das políticas a se-rem implementadas por Roosevelt delineia o qual dialógico é a interação entre o Poder Judiciário e o Poder Executivo. Ao conceber a Constituição como um plano a ser executado, as decisões constitucionais entre cada um desses ramos têm o escopo de aperfeiçoar a democracia e ampliar o alcance de dados valores previstos no Texto Maior.

É exatamente a respeito da escolha da composição do STF que é fundado um diálogo constitucional no Brasil. Tal como nos EUA, daí ser necessário extrair algumas lições da interação entre os Poderes na Era Roosevelt, a escolha dos ministros do STF é privativa do Presidente com posterior aprovação por maioria absoluta em sessão fechada no Senado. Embora boa parte do ceticismo resida precisamente no teor da sabatina le-vada a cabo pelos parlamentares ou da ausência de aspectos democráticos

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na seleção presidencial, a perspectiva de atendimento às políticas governa-mentais são levadas em consideração.

A carreira pregressa do futuro ministro, as causas pela qual militou ou o estilo de julgamento, a postura acadêmica, são todos exemplos de carac-terísticas que aproximam ou afastam um potencial ministro da escolha do Presidente. As características citadas concederão indícios de como o minis-tro se portaria no STF e, por conseguinte, a menor ou maior dificuldade que esse criaria em sua atividade na egrégia Corte.

José Aílton Garcia (2005, p. 133) faz o seguinte alerta: “Registre-se também que o atual Presidente Luiz Inácio Lula da Silva obteve a intrigante oportunidade de indicar a maioria dos ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal, durante sua própria gestão”. Não obstante hoje a chefia do Executivo recaia sobre o colo da Presidente Dilma Rousseff, a qual nomeou o Ministro Luis Fux e a Ministra Rosa Maria Weber para o STF, a transcrição do autor é válida. O Ex-Presidente teve a oportunidade de nomear 8 minis-tros, sendo que 6 ainda fazem parte da Corte (BRASIL, disponível na web).

O poder/dever cabido ao Presidente na escolha dos ministros desem-penha papel primordial na consolidação dos projetos governamentais. A nomeação de Magistrados contrários ao projeto político a ser concretiza-do pelo Presidente eventualmente acarretaria em óbices nessa concretiza-ção, em especial diante dos diversos poderes investidos ao STF previstos na Constituição de 1988 – vide súmula vinculante e o controle de consti-tucionalidade concentrado. Logo, a composição do Supremo está inserida em um contexto de dialogismo constitucional, uma vez que o Presidente dispõe do poder de nomeação como instrumento a propiciar maior ou me-nor interação entre o Executivo e o Judiciário. O maior ou o menor diálogo delineará a postura da Corte em face da consolidação da missão integrativa da Constituição.

4 O DIÁLOGO ENTRE LEGISLATIVO E JuDICIÁRIO NO BRASIL

O avanço das teorias adeptas ao judicial review tece suas principais justificativas na interação entre o Legislativo e o Judiciário. Omissões legis-lativas, crise na democracia representativa, fisiologismo partidário exem-plificam, em grande parte, causas para que se suceda a uma proeminência do Poder Judiciário. Diante da suposta paralisia que tormenta o Congresso Nacional, seria o Supremo Tribunal Federal o responsável por abrigar deba-tes de profundos desdobramentos políticos. Martônio Mont’Alverne Barreto Lima (2003, p. 510), a respeito desse contexto, aduz que:

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O descredenciamento dos parlamentares, em especial daqueles que gover-nam, ou seja, os do sistema parlamentarista, cresce cotidianamente, encon-trando adeptos, principalmente, nos juristas defensores da ampliação do controle concentrado de constitucionalidade.

Não se pretende abordar, no presente trabalho, os contornos de even-tual fracasso legislativo (ou se realmente é válida essa acusação) no Brasil, mas sim elucidar aspectos de interação e dialogismo entre os Poderes na concretização das normas constitucionais. O Poder Legislativo é revestido de exuberante importância no que tange à interpretação constitucional, vis-to que é o principal ator na modulação do ordenamento jurídico interno.

Aqueles que defendem o Poder Judiciário como detentor da última palavra constitucional, ou seja, responsável pela mais importante interpreta-ção constitucional, assumem que a mudança de dado entendimento só seria possível com a variação do próprio entendimento jurisprudencial. Uma vez responsável por abrigar o espaço de debate político, o STF, a simbolizar o Poder Judiciário, somente sofreria alterações no entendimento em razão da própria Corte – a qual passou a utilizar método hermenêutico diverso do anterior, por exemplo.

Assumir a possibilidade descrita no parágrafo anterior fecharia os olhos para um dos principais meios de modificação jurisprudencial, que é conferido ao Poder Legislativo. O poder de reforma, transposição do Poder Constituinte, representa uma das ferramentas mais incisivas para a modu-lação da interpretação do Supremo Tribunal Federal. No Brasil, o poder de reforma coincide com o Poder Legislativo, uma vez que o Congresso Nacio-nal é revestido com o Poder Constituído. Nas palavras do Professor Adriano Sant’Anna Pedra (2005, p. 81):

Entre nós, a Constituição conferiu expressamente ao Congresso Nacional, ór-gão instituído, a competência para elaborar emendar a ela própria. Quando da eleição dos congressistas para exercerem o poder legislativo, a Constitui-ção também confere a estes parlamentares o exercício do poder reformador, ambos os poderes constituídos.

Imerso em um contexto dialógico, o poder de reforma quedaria como uma das principais ferramentas de interação entre o Legislativo e o Judi-ciário. A título de ilustração, dois exemplos caracterizam o dialogismo entre esses Poderes. O primeiro trata-se do teto remuneratório para servidores público, previsto no art. 37, XI. O STF, por diversas vezes, assumiu que o teto poderia ser superado, até que com a Emenda Constitucional nº 41/2003

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houve novos contornos a respeito desse dispositivo. O segundo diz respeito à contribuição para o custeio de serviço de iluminação pública, atualmen-te prevista no art. 149-A. Antes dessa previsão, os municípios cobravam a taxa, a qual foi reputada inúmeras vezes inconstitucionais. Em decorrência da inconstitucionalidade, o Poder Constituído superou esse entendimento, criando uma nova espécie tributária por meio da Emenda nº 39/2002.

Conforme toda essa construção, o poder de reforma opera como o principal instrumento de diálogo entre o Legislativo e o Judiciário. Por mais que se haja a ilusão de que o STF detenha a última palavra, a investidura da reforma permite que as decisões por detrás da última palavra sejam reavalia-das tanto em âmbito legislativo quanto judicial. Tudo como um permanente colóquio.

Vale frisar que a possibilidade de emenda se avulta no Brasil muito em função da inexistência de outros mecanismos que promovam o debate entre o Legislativo e o Judiciário, especialmente no tocante ao controle de constitucionalidade. Num cenário eminentemente mais dialógico, há de se discorrer a respeito da section 33 da Charter canadense, a qual prevê o legislative override.

O mecanismo do legislative override trata da possibilidade que o Par-lamento canadense possui em tornar uma lei inconstitucional, após pronun-ciamento da Suprema Corte, em constitucional no prazo de um ano. Essa hipótese seria um meio pelo qual o Poder Legislativo teria para realizar as mudanças necessárias na lei e, por conseguinte, ampliar o debate sobre determinadas temáticas constitucionais. A respeito desse mecanismo, Kent Roach (2001, p. 265) indica que “It allows legislature to reverse a Court decision with an ‘in-your-face’ reply that suggest that the Court wrongly interpreted the constitution or that its decision was simply unacceptable to the majority”.

O grande valia do override reside precisamente na construção de um debate contínuo entre as razões que levaram a Corte apontar dada lei como inconstitucional e, de outro lado, os motivos que tornam o Parlamento a ainda confiar nessa mesma lei. Janet L. Hiebert (2002, p. 63), sobre o papel dialógico que desempenha a sessão 33 da Charter, estabelece que:

Before considering use of the override, Parliament should give serious consi-deration to whether it can revise legislation in a manner that satisfies judicial concerns, without seriously compromising the integrity or effectiveness of the legislative objective.

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Além da própria alternativa de revisão da lei, o override tornaria a Corte a ser mais minuciosa quanto aos futuros efeitos que uma declaração de inconstitucionalidade poderia acarretar. Seria desastrosa, especialmente quanto aos direitos adquiridos, uma declaração pautada em uma interpre-tação imprudente.

Numa visão desatenta, poderia parecer que esse mecanismo conce-beria amplos poderes ao Legislativo a ponto de induzir a uma tirania. Kent Roach (2001, p. 265), ciente dessa iminência, salienta que: “The override can result in legislative tyranny, but it is a tyranny that is explicit for all the world to see and that must be revised when the override expires”. O que o override traduz é um contínuo colóquio entre o Legislativo e o Judiciário, com ambos a tratarem de suas interpretações constitucionais e com ambos a buscar o entendimento nas posturas antagônicas ou convergentes tomadas por cada ramo.

No Brasil, diante da escassez de instrumentos que aprofundem a in-teração entre Legislativo e Judiciário, o poder de reforma queda como o principal meio para o alcance desse diálogo. Poderia citar a previsão de um cenário de interação entre o STF e o Senado no controle difuso, porém, diante da baixa aplicabilidade, a emenda torna-se como o principal meio de evidenciar as decisões constitucionais tomada por cada um desses Poderes.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

O grande clamor acadêmico que prima a existência de um “Judiciário emancipacionista” invariavelmente tende a torná-lo onipotente no campo da interpretação constitucional. Por mais que predomine na doutrina a de-fesa dessa postura ativista, tomá-la como inequívoca não somente arrefece o debate acadêmico, como também não coaduna com a dinâmica atual.

O diálogo constitucional não tenciona contrapor os preceitos ativis-tas, muito menos surgir como uma via dialética à tese do judicial review. Pelo contrário, uma perspectiva dialógica cumpre o importante papel de elucidar os pontos de interação entre os três Poderes, e como essa intera-ção, levada à frente como um colóquio contínuo, surge como indispensável para o atendimento de valores constitucionais e para o aprimoramento da democracia.

Uma construção coordenada ou uma responsabilidade compartilha-da se faz presente em diversos cenários, uma vez que os Poderes confluem de maneira permanente no campo da interpretação constitucional. O pre-

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sidencialismo de coalizão que torna Executivo e Legislativo interligados e propicia um diálogo para o implemento das políticas governamentais, polí-ticas essas também levadas em consideração no processo de nomeação dos ministros de tribunais superiores pelo Presidente. E isso sem contar o poder de reforma, o qual é investido no Poder Legislativo, que permite uma adap-tação da leitura constitucional feita pelo Judiciário.

Exemplificativos e inexaustivos, os exemplos aqui aduzidos indicam que o diálogo constitucional é uma realidade muito mais sensata para abor-dar como se procede a tomada de decisões constitucionais pelos Poderes. Assumir que um único Poder é detentor exclusivo e último da palavra cons-titucional seria atribuir uma missão tormentosa e indubitavelmente falível. A responsabilidade por tornar reais todas as promessas constitucionais não se esgota no bel-prazer decisionista de um poder. Todos compartilham e dialogam para alcançar essas promessas.

REfERêNCIAS

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

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Supremo Tribunal Federal03.06.2014 Segunda TurmaAg‑Rg no Recurso Ord. em Mandado de Segurança nº 32.732Distrito FederalRelator: Min. Celso de MelloAgte.(s): UniãoAdv.(a/s): Advogado‑Geral da UniãoAgdo.(a/s): Lais Pinheiro de MenezesAdv.(a/s): Ana Maria de Freitas Neves

eMentA

CONCuRSO PÚBLICO – PESSOA PORTADORA DE DEfICIêNCIA – RESERVA PERCENTuAL DE CARGOS E EMPREGOS PÚBLICOS (Cf, ART. 37, VIII) – OCORRêNCIA, NA ESPÉCIE, DOS REQuISITOS NECESSÁRIOS AO RECONhECIMENTO DO DIREITO VINDICADO PELA PESSOA PORTADORA DE DEfICIêNCIA – ATENDIMENTO, NO CASO, DA ExIGêNCIA DE COMPATIBILIDADE ENTRE O ESTADO DE DEfICIêNCIA E O CONTEÚDO OCuPACIONAL Ou fuNCIONAL DO CARGO PÚBLICO DISPuTADO, INDEPENDENTEMENTE DE A DEfICIêNCIA PRODuZIR DIfICuLDADE PARA O ExERCÍCIO DA ATIVIDADE fuNCIONAL – INADMISSIBILIDADE DA ExIGêNCIA ADICIONAL DE A SITuAÇÃO DE DEfICIêNCIA TAMBÉM PRODuZIR “DIfICuLDADES PARA O DESEMPENhO DAS fuNÇÕES DO CARGO” – PARECER fAVORÁVEL DA PROCuRADORIA-GERAL DA REPÚBLICA – RECuRSO DE AGRAVO IMPROVIDO – PROTEÇÃO JuRÍDICO-CONSTITuCIONAL E INTERNACIONAL ÀS PESSOAS VuLNERÁVEIS – LEGITIMIDADE DOS MECANISMOS COMPENSATóRIOS QuE, INSPIRADOS PELO PRINCÍPIO fuNDAMENTAL DA DIGNIDADE PESSOAL (Cf, ART. 1º, III), RECOMPÕEM, PELO RESPEITO À ALTERIDADE, À DIVERSIDADE huMANA E À IGuALDADE DE OPORTuNIDADES, O PRóPRIO SENTIDO DE ISONOMIA INERENTE ÀS INSTITuIÇÕES REPuBLICANAS

O tratamento diferenciado em favor de pessoas portadoras de defi-ciência, tratando-se, especificamente, de acesso ao serviço público, tem suporte legitimador no próprio texto constitucional (CF, art. 37, VIII), cuja razão de ser, nesse tema, objetiva compensar, mediante

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ações de conteúdo afirmativo, os desníveis e as dificuldades que afe-tam os indivíduos que compõem esse grupo vulnerável. Doutrina.

A vigente Constituição da República, ao proclamar e assegurar a reserva de vagas em concursos públicos para os portadores de de-ficiência, consagrou cláusula de proteção viabilizadora de ações afirmativas em favor de tais pessoas, o que veio a ser concretizado com a edição de atos legislativos, como as Leis nº 7.853/1989 e nº 8.112/1990 (art. 5º, § 2º), e com a celebração da Convenção Inter-nacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Defi-ciência (2007), já formalmente incorporada, com força, hierarquia e eficácia constitucionais (CF, art. 5º, § 3º), ao plano do ordenamento positivo interno do Estado brasileiro.

Essa Convenção das Nações Unidas, que atribui maior densidade normativa à cláusula fundada no inciso VIII do art. 37 da Constitui-ção da República, legitima a instituição e a implementação, pelo Po-der Público, de mecanismos compensatórios destinados a corrigir as profundas desvantagens sociais que afetam as pessoas vulneráveis, em ordem a propiciar-lhes maior grau de inclusão e a viabilizar a sua efetiva participação, em condições equânimes e mais justas, na vida econômica, social e cultural do País.

hERMENêuTICA E DIREITOS huMANOS – O PRINCÍPIO DA NORMA MAIS fAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QuE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JuDICIÁRIOO Poder Judiciário, no exercício de sua atividade interpretativa, deve prestigiar, nesse processo hermenêutico, o critério da norma mais fa-vorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional de direitos humanos como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), extraindo, em função desse postulado básico, a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana. Precedentes: HC 93.280/SC, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Segunda Turma, sob a Presidência do Mi-

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nistro Teori Zavascki, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso de agravo, nos termos do voto do Relator. Não participou, justificadamente, deste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes.

Brasília, 03 de junho de 2014.

Celso de Mello Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): Trata-se de recurso de agravo interposto pela União Federal contra decisão que, por mim profe-rida, deu provimento ao recurso ordinário deduzido por Lais Pinheiro de Menezes em face de acórdão denegatório de mandado de segurança ema-nado do E. Tribunal Superior do Trabalho.

O acórdão proferido pelo E. TST, objeto do recurso ordinário em questão, acha-se consubstanciado em julgamento assim ementado:

“CONCURSO PÚBLICO – CANDIDATA QUE APRESENTA ENCURTAMEN-TO DE 2,73cm NO MEMBRO INFERIOR DIREITO – ENQUADRAMENTO COMO PNE – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE QUE A DEFICIÊNCIA ACARRETA DIFICULDADES PARA O DESEMPENHO DA FUNÇÃO – DIREI-TO LÍQUIDO E CERTO NÃO EVIDENCIADO – Nos termos do art. 4º, inc. I, do Decreto nº 3.298/1999 (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004), para que a deformidade congênita ou adquirida de membros caracterize a deficiência física para efeito de reserva de vagas, é necessária a comprova-ção de que essa deformidade produza dificuldades para o desempenho das funções do cargo. No caso dos autos, não foi comprovado que o encurta-mento de 2,73cm no membro inferior direito acarrete dificuldades para o desempenho das atribuições administrativas inerentes ao cargo para o qual a Impetrante fora aprovada. Direito líquido e certo de ser mantida na lista dos candidatos portadores de necessidades especiais não evidenciado.

Segurança denegada.”

(MS 3481-92.2013.5.00.0000-AgR/DF, Rel. Min. João Batista Brito Pereira – grifei)

Sustenta-se, em síntese, na presente sede recursal, para efeito da pre-tendida reforma da decisão ora recorrida, que “[...] as provas pré-constituí-das nos autos não demonstram, de plano, o direito líquido e certo alegado

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no writ. Entender de forma contrária ensejaria ampla dilação probatória, inviável nesta sede processual”.

O Ministério Público Federal, em promoção da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, opi-nou pelo provimento do mencionado recurso ordinário em que proferida a decisão ora agravada.

Por não me convencer das razões expostas pela União Federal, sub-meto, à apreciação desta colenda Turma, o presente recurso de agravo.

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator): Entendo não assistir ra-zão à parte ora agravante, eis que a decisão agravada ajusta-se, com integral fidelidade, à diretriz jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal firmou na matéria ora em exame, inexistindo, por isso mesmo, motivo que justifi-que o acolhimento da postulação recursal em causa.

O ato decisório por mim proferido, que constitui objeto da presente impugnação recursal deduzida pela União Federal, está assim ementado:

“Concurso público. Pessoa portadora de deficiência. Reserva percentual de cargos e empregos públicos (CF, art. 37, VIII). Ocorrência, na espécie, dos requisitos necessários ao reconhecimento do direito vindicado pela recor-rente. Atendimento, no caso, da exigência de compatibilidade entre o esta-do de deficiência e o conteúdo ocupacional ou funcional do cargo público disputado, independentemente de a deficiência produzir dificuldade para o exercício da atividade funcional. Pessoa portadora de necessidades especiais cuja situação de deficiência não a incapacita nem a desqualifica, de modo absoluto, para o exercício das atividades funcionais. Inadmissibilidade da exigência adicional de a situação de deficiência também produzir ‘dificulda-des para o desempenho das funções do cargo’. Reconhecimento, em favor de pessoa comprovadamente portadora de necessidades especiais, do direito de investidura em cargos públicos, desde que – obtida prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos dentro da reserva per-centual a que alude o art. 37, VIII, da Constituição – a deficiência não se revele absolutamente incompatível com as atribuições funcionais inerentes ao cargo ou ao emprego público. Incidência, na espécie, das cláusulas de proteção fundadas na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Incorporação desse ato de direito internacional público, com eficácia e hierarquia de norma constitucional (CF, art. 5º, § 3º),

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ao ordenamento doméstico brasileiro (Decreto nº 6.949/2009). Primazia da norma mais favorável: critério que deve reger a interpretação judicial, em ordem a tornar mais efetiva a proteção das pessoas e dos grupos vulneráveis. Precedentes. Vetores que informam o processo hermenêutico concernente à interpretação/aplicação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas portadoras de deficiência (Artigo 3). Mecanismos compensatórios que concretizam, no plano da atividade estatal, a implementação de ações afirmativas.

Necessidade de recompor, pelo respeito à diversidade humana e à igualdade de oportunidades, sempre vedada qualquer ideia de discriminação, o próprio sentido de igualdade inerente às instituições republicanas. Parecer favorável da Procuradoria-Geral da República. Recurso ordinário provido.”

(RMS 32.732/DF, Rel. Min. Celso de Mello)

Tal como fiz consignar na decisão ora agravada, o Ministério Públi-co Federal, em promoção da lavra do eminente Subprocurador-Geral da República Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco, ao opinar pelo provimento do recurso ordinário em questão, assim ementou o seu correto entendimento:

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Reserva de vagas para pessoas com deficiência.

Exigência de que a deficiência dificulte o exercício das atribuições do cargo postulado. Ausência de razoabilidade.” (grifei)

Com efeito, o Parquet, em sua douta e procedente manifestação, bem destacou a ratio subjacente à cláusula inscrita no inciso VIII do art. 37 da Constituição da República, fazendo-o em pronunciamento que transcrevo in extenso:

“O recurso ordinário discorda do entendimento adotado pelo Tribunal a quo, alegando que ‘é razoável, para que candidatos a cargo público possam con-correr às vagas destinadas a deficientes físicos, que se demonstre o compro-metimento de função física e não dificuldades no desempenho das funções’. Salienta que o objetivo da legislação protetiva é ‘compensar as barreiras que o deficiente tem para disputar as oportunidades no mercado de trabalho’. Reafirma, ao final, que a deficiência física da impetrante implica prejuízos à sua saúde e a coloca em situação de desvantagem em relação às demais pessoas.

[...]

Nos termos do art. 37, VIII, da CF, e da jurisprudência da Corte (e.g. RE 676335, Relª a Ministra Cármen Lúcia, DJe 26.03.2013) o deficiente tem direito de acesso aos cargos públicos, desde que devidamente caracterizada

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a deficiência e que esta não seja incompatível com as atribuições do cargo postulado.

Relativamente ao primeiro aspecto, a impetrante comprovou que a deficiên-cia que a acomete se enquadra no art. 4º do Decreto nº 3.298/1999, como reconhecido pelo Tribunal recorrido […].

[...]

Não obstante, o Tribunal Superior do Trabalho entendeu que a candidata não se enquadrava na parte final do art. 4º, I, do Decreto nº 3.298/1999, que assim dispõe:

I – deficiência física – alteração completa ou parcial de um ou mais seg-mentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função fí-sica, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, he-miparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as de-formidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

[…].

Colhe-se do julgado que o Tribunal Superior do Trabalho interpretou a ex-pressão ‘dificuldades para o desempenho de funções’, como embaraço para o desempenho das funções do cargo, como se vê da seguinte passagem do acórdão [...].

[...]

O entendimento adotado pelo TST, contudo, não deve prevalecer.

A expressão ‘desempenho de funções’ diz respeito às funções orgânicas do indivíduo, e, não, às funções do cargo.

A Lei nº 8.112/1990, ao dispor sobre os requisitos básicos para investidu-ra em cargo público, estabelece a compatibilidade entre a deficiência e as funções do cargo como requisito para a investidura no cargo público, e não como requisito para a caracterização da deficiência. É o que se extrai do art. 5º, § 2º, a seguir transcrito:

Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:

§ 2º Às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se ins-crever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso.

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Ademais, a compatibilidade entre a deficiência e as atribuições do cargo é avaliada durante o estágio probatório, nos termos do § 2º do art. 43 do De-creto nº 3.298/1999, momento bem distinto daquele de caracterização da deficiência física.

Enfim, a interpretação adotada pelo Tribunal recorrido, além de mal se aco-modar, data venia, à garantia constitucional de reserva de vagas para defi-cientes, entra em linha de choque com os parâmetros interpretativos estabe-lecidos na Lei nº 7.853/1989, que assim dispõe:

Art. 1º Ficam estabelecidas normas gerais que asseguram o pleno exercí-cio dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiên-cias, e sua efetiva integração social, nos termos desta Lei.

§ 1º Na aplicação e interpretação desta Lei, serão considerados os valores básicos da igualdade de tratamento e oportunidade, da justiça social, do respeito à dignidade da pessoa humana, do bem-estar, e outros, indica-dos na Constituição ou justificados pelos princípios gerais de direito.

[...].

O parecer é pelo provimento do recurso.” (grifei)

Vale referir, ainda, ante a pertinência de seu conteúdo, trecho da decisão que a eminente Ministra Cármen Lúcia proferiu no âmbito do RE 676.335/MG, de que foi Relatora:

“De se enfatizar, pois, que a reserva de vagas determinada pelo inc. VIII do art. 37 da Constituição da República tem tripla função:

a) garantir ‘a reparação ou compensação dos fatores de desigualdade factual com medidas de superioridade jurídica, [verdadeira] política de ação afir-mativa que se inscreve nos quadros da sociedade fraterna que se lê des-de o preâmbulo da Constituição de 1988’, como destacado pelo Ministro Ayres Britto no julgamento do RMS 26.071 (DJ 01.02.2008);

b) viabilizar o exercício do direito titularizado por todos os cidadãos de aces-so aos cargos públicos, permitindo, a um só tempo, que pessoas com ne-cessidades especiais participem do mundo do trabalho e, de forma digna, possam manter-se e ser mantenedoras daqueles que delas dependem; e,

c) possibilitar à Administração Pública preencher os cargos com pessoas qualificadas e capacitadas para o exercício das atribuições inerentes aos cargos, observando-se, por óbvio, a sua natureza e as suas finalidades.” (grifei)

É importante assinalar, neste ponto, que o tratamento diferenciado em favor de pessoas portadoras de deficiência, tratando-se, especificamente, de

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acesso ao serviço público, tem suporte legitimador no próprio texto consti-tucional (CF, art. 37, VIII), cuja razão de ser, nesse tema, objetiva compen-sar, mediante ações de conteúdo afirmativo, os desníveis e as dificuldades que afetam os indivíduos que compõem esse grupo vulnerável (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, p. 490, item nº 13.4.3, 20. ed., 2007, Atlas; Edimur Ferreira de Faria, Curso de Direito Administrativo Posi-tivo, p. 117, item nº I.3.1.a, 6. ed., 2007, Del Rey; Hely Lopes Meirelles, Di-reito Administrativo Brasileiro, p. 496, item nº 3.2, 39. ed., 2013, Malheiros, atualizado por Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho; José dos Santos Carvalho Filho, “Manual de Direito Administrativo”, p. 644/646, 25ª ed., 2012, Atlas, v.g.), cabendo ressaltar, a propósito, por relevante, a lição de Marçal Justen Filho (Curso de Direito Administrativo, p. 877/878, 8. ed., 2012, Forum):

“O art. 37, VIII, da Constituição determina que a lei reservará percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência, defi-nindo os critérios de sua admissão. O tratamento diferenciado em favor de portadores de deficiência poderá contemplar benefícios ou redução de res-trições em face dos demais sujeitos. Essa discriminação positiva é compatível com a Constituição, na medida em que respeite o princípio da proporciona-lidade. Ademais disso, deverá ser assegurada a igualdade objetiva entre os sujeitos portadores de deficiência, estabelecendo-se critérios que permitam a competição igualitária entre eles e a comprovação da sua capacitação para o desempenho das funções inerentes ao cargo. Ou seja, não se admite que o sujeito seja investido no cargo público simplesmente por ser portador de deficiência. Nem seria compatível com a Constituição que a deficiência de que o sujeito fosse portador acarretasse absoluta incompatibilidade com a natureza das funções a serem desempenhadas. [...]. Não se admite a con-tratação de pessoa cuja deficiência a incapacite, de modo absoluto, para o desempenho das atividades inerentes às atribuições dos cargos e empregos. É indispensável identificar o tipo de deficiência e compatibilizá-lo com deter-minado cargo público. Tem-se destacado, por exemplo, o pleno cabimento de portadores de deficiência auditiva exercitarem atividades de informática.” (grifei)

A vigente Constituição da República, ao proclamar e assegurar a re-serva de vagas em concursos públicos para os portadores de deficiência, consagrou cláusula de proteção viabilizadora de ações afirmativas em fa-vor de tais pessoas, o que veio a ser concretizado com a edição de atos legislativos como as Leis nº 7.853/1989 e nº 8.112/1990 (art. 5º, § 2º), tal como reconhecido pelo magistério da doutrina na análise do tema (Roberto Bolonhini Junior, “Portadores de Necessidades Especiais: as principais prer-

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rogativas dos portadores de necessidades especiais e a legislação brasileira”, p. 35/43, 2. ed., 2010, Atlas; Guilherme José Purvin de Figueiredo, “A Pes-soa Portadora de Deficiência e o Princípio da Igualdade de Oportunidades no Direito do Trabalho”, “in” “Advocacia Pública & Sociedade”, Ano I – nº 1, p. 58, 1997, Max Limonad; Maria Aparecida Gugel, “Direito Constitu-cional de ter Reserva de Cargos e Empregos Públicos em Concursos Públi-cos”, “in” “Deficiência no Brasil: uma abordagem integral dos direitos das pessoas com deficiência”, org. de Maria Aparecida Gugel, Waldir Macieira da Costa Filho e Lauro Luiz Gomes Ribeiro, p. 215/217, item nº 3, 2007, Obra Jurídica).

Cabe destacar, por oportuno, a lição do eminente Ministro Joaquim Barbosa a propósito da matéria em exame (“A Recepção do Instituto da Ação Afirmativa pelo Direito Constitucional Brasileiro”, “in” Revista de In-formação Legislativa nº 151, jul/set 2001, p. 143):

“Com efeito, a Constituição Brasileira, em seu artigo 37, VIII, prevê expres-samente a reserva de vagas para deficientes físicos na administração pública. Nesse caso, a permissão constitucional para adoção de ações afirmativas em relação aos portadores de deficiência física é expressa. Daí a iniciativa do legislador ordinário, materializada nas Leis nºs 7.853/1989 e 8.112/1990, que regulamentaram o mencionado dispositivo constitucional.

De fato, a Lei nº 8.112/1990 (Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União) estabelece em seu art. 5º, § 2º que ‘às pessoas portadoras de deficiência é assegurado o direito de se inscrever em concurso público para provimento de cargo cujas atribuições sejam compatíveis com a deficiência de que são portadoras; para tais pessoas serão reservadas até 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas no concurso’.

[...]

Essa outra modalidade de ‘discriminação positiva’ tem recebido o benepláci-to do Poder Judiciário. Com efeito, tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça já tiveram oportunidade de se manifestar favo-ravelmente sobre o tema [...].

[...]

Como se vê, a destinação de um percentual de vagas no serviço público aos deficientes físicos não viola o princípio da isonomia. Em primeiro lugar, porque a deficiência física de que essas pessoas são portadoras traduz-se em uma situação de nítida desvantagem em seu detrimento, fato este que deve ser devidamente levado em conta pelo Estado no cumprimento do seu dever de implementar a igualdade material. Em segundo, porque os deficientes fí-sicos se submetem aos concursos públicos, devendo necessariamente lograr

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aprovação. A reserva de vagas, portanto, representa uma dentre as diversas técnicas de implementação da igualdade material [...].” (grifei)

Há a considerar, ainda, por relevante, a Convenção Internacional das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência assinada em Nova York (2007) e incorporada, formalmente, ao plano do direito positivo interno brasileiro pelo Decreto nº 6.949/2009.

Torna-se digno de nota registrar que essa Convenção Internacional, por veicular normas de Direitos Humanos, foi aprovada pelo Congresso Na-cional pelo Decreto Legislativo nº 186/2008, cuja promulgação observou o procedimento ritual a que alude o art. 5º, § 3º, da Constituição da Repú-blica, a significar, portanto, que esse importantíssimo ato de direito interna-cional público reveste-se, na esfera doméstica, de hierarquia e de eficácia constitucionais.

A Convenção Internacional em referência, ao estabelecer normas des-tinadas a assegurar à pessoa portadora de deficiência (ou portadora de ne-cessidades especiais) o direito de acesso ao trabalho e ao emprego (art. 27), estabelece regras cuja eficácia desautoriza a pretensão recursal da União Federal, ora agravante, eis que a mens que informa a cláusula normativa fundada no inciso VIII do art. 37 da Constituição da República visa a insti-tuir mecanismos compensatórios que traduzam ações afirmativas a serem implementadas pelo Poder Público e que buscam, na realidade, “promover e proteger os direitos e a dignidade das pessoas com deficiência”, corrigin-do “as profundas desvantagens sociais” que afetam tais pessoas, em ordem a tornar efetiva “sua participação na vida econômica, social e cultural, em igualdade de oportunidades, tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos” (Preâmbulo, “y”).

Veja-se, portanto, que o tratamento diferenciado a ser conferido à pessoa portadora de deficiência, longe de vulnerar o princípio da isono-mia, tem por precípua finalidade recompor o próprio sentido de igualdade que anima as instituições republicanas, motivo pelo qual o intérprete há de observar, no processo de indagação do texto normativo que beneficia as pessoas portadoras de deficiência (ou de necessidades especiais), os vetores que, erigidos à condição de “princípios gerais”, informam o itinerário que referida Convenção Internacional estabelece em cláusulas impregnadas de autoridade, hierarquia e eficácia constitucionais (CF, art. 5º, § 3º), como precedentemente já assinalado.

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Importante referir, nesse sentido, a percepção que o Supremo Tribu-nal Federal, em sua jurisprudência, tem revelado a propósito das relações entre o direito interno brasileiro e as convenções (ou tratados) internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º, §§ 2º e 3º), de um lado, e o processo de sua interpretação jurídica, de outro, nos casos em que se evidencie, entre tais fontes do direito, situação de eventual antinomia:

“HERMENÊUTICA E DIREITOS HUMANOS: A NORMA MAIS FAVORÁVEL COMO CRITÉRIO QUE DEVE REGER A INTERPRETAÇÃO DO PODER JU-DICIÁRIO.

– Os magistrados e Tribunais, no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio hermenêutico básico (tal como aquele pro-clamado no art. 29 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a mais ampla proteção jurídica.

– O Poder Judiciário, nesse processo hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha positivada no próprio direito interno do Estado), deverá extrair a máxima eficácia das declarações internacionais e das proclamações constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos e dos grupos sociais, notadamente os mais vulnerá-veis, a sistemas institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade humana tornarem-se palavras vãs.

– Aplicação, ao caso, do art. 7º, nº 7, c/c o art. 29, ambos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à proteção efetiva do ser humano.”

(HC 93.280/SC, Rel. Min. Celso de Mello)

Daí porque se torna relevante observar, para efeito de conferir maior eficácia e preponderância à norma mais favorável à pessoa portadora de deficiência (que é, em essência, um ser integral, não obstante suas necessi-dades especiais), os vetores definidos no art. 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos e Proteção às Pessoas portadoras de deficiência (e aplicáveis ao caso ora em exame), que atribuem plena legitimidade à pre-tensão jurídica que Lais Pinheiro de Menezes, parte ora agravada, deduziu nesta causa, em pleito por mim inteiramente acolhido, destacando-se, em tal contexto, por expressivos, os princípios referentes (1) à dignidade das pessoas, (2) à sua autonomia individual, (3) à sua plena e efetiva participa-

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ção e inclusão na sociedade, (4) ao respeito pela alteridade e pela diferença e aceitação das pessoas portadoras de deficiência, sem qualquer discrimi-nação, como valores inerentes à diversidade humana, e (5) à igualdade de oportunidades.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, nego provimento ao presente recurso de agravo deduzido pela União Federal, mantendo, em consequência, por seus próprios fundamentos, a decisão ora recorrida.

É o meu voto.

segundA turMA eXtrAto de AtA

Ag-Rg no Recurso Ord. em Mandado de Segurança nº 32.732

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Celso de Mello

Agte.(s): União

Adv.(a/s): Advogado-Geral da União

Agdo.(a/s): Lais Pinheiro de Menezes

Adv.(a/s): Ana Maria de Freitas Neves

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou provimento ao agra-vo regimental, nos termos do voto do Relator. Não participou, justifica-damente, deste julgamento, o Senhor Ministro Gilmar Mendes. 2ª Turma, 03.06.2014.

Presidência do Senhor Ministro Teori Zavascki. Presentes à sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo Gustavo Gonet Branco.

Ravena Siqueira Secretária

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Assunto Especial – Ementário

O Papel do Poder Judiciário na Efetivação de Direitos Fundamentais

2964 – Ampliação e melhoria no atendimento a gestantes – dever de assistência – papel do Poder Judiciário

“Ampliação e melhoria no atendimento de gestantes em maternidades estaduais. Dever es-tatal de assistência materno-infantil resultante de norma constitucional. Obrigação jurídico--constitucional que se impõe ao poder público, inclusive aos estados-membros. Configura-ção, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao Estado-membro. Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ 183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da lei fundamental da república (RTJ 185/794-796). A questão da reserva do possível: reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197). O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas institu-ídas pela Constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possí-vel na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao Estado. A teoria da ‘restrição das restrições’ (ou da ‘limitação das limitações’). Caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas, especialmente na área da saúde (CF, arts. 196, 197 e 227). A questão das ‘escolhas trágicas’. A colmatação de omissões in-constitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito. Controle jurisdicional de legitimidade da omissão do Estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibi-ção de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal em tema de implementação de políticas públicas delineadas na Constituição da república (RTJ 174/687, RTJ 175/1212-1213, RTJ 199/1219-1220). Possibilidade jurídico-processual de utilização das astreintes (CPC, art. 461, § 5º) como meio coercitivo indireto. Existência, no caso em exame, de relevante interesse social. Ação civil pública: instrumento processual adequado à prote-ção jurisdicional de direitos revestidos de metaindividualidade. Legitimação ativa do Minis-tério Público (CF, art. 129, III). A função institucional do Ministério Público como ‘defensor do povo’ (CF, art. 129, II). Doutrina. Precedentes. Recurso de agravo improvido.” (STF – RE 581352-AgR – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – J. 29.10.2013 – Acórdão Eletrônico DJe-230 – Divulg. 21.11.2013 – Public. 22.11.2013)

2965 – Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e deficiente – constitucio-nalidade dos requisitos estabelecidos pelo legislador – modificações fáticas que tornaram a matéria inconstitucional

“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida

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por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 e a declaração de constitucionalida-de da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo’. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei nº 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entre-tanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram--se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Parale-lamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei nº 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei nº 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei nº 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola; a Lei nº 9.533/1997, que autoriza o Poder Execu-tivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de ren-da mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decor-rente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de incons-titucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.” (STF – RE 567985 – Rel. Min. Mar-co Aurélio – TP – Rel. p/ Ac. Min. Gilmar Mendes – J. 18.04.2013 – Acórdão Eletrônico DJe-194 – Divulg. 02.10.2013 – Public. 03.10.2013)

2966 – Dever do Poder Judiciário de intervir para efetivar direitos fundamentais – juris-prudência do STF pacificada

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional. Di-reito à educação. 3. Centro de educação em condições precárias. Revolvimento do acer-vo fático-probatório e da legislação infraconstitucional aplicável à espécie. Súmula nº 279. 4. Dever constitucional do Estado. Possibilidade de intervenção do Poder Judiciário em polí-ticas públicas para efetivação de direitos fundamentais. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – ARE 769977-AgR – Rel. Min. Gilmar Mendes – 2ª T. – J. 28.10.2014 – Processo Eletrônico DJe-228 – Divulg. 19.11.2014 – Public. 20.11.2014)

2967 – Dever do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constituição – fiscalização da omissão do administrador

“Recurso extraordinário com agravo (Lei nº 12.322/2010). Manutenção de rede de assistência à saúde da criança e do adolescente. Dever estatal resultante de norma constitucional. Con-figuração, no caso, de típica hipótese de omissão inconstitucional imputável ao município.

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98 ����������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

Desrespeito à Constituição provocado por inércia estatal (RTJ 183/818-819). Comportamento que transgride a autoridade da lei fundamental da república (RTJ 185/794-796). A questão da reserva do possível: reconhecimento de sua inaplicabilidade, sempre que a invocação dessa cláusula puder comprometer o núcleo básico que qualifica o mínimo existencial (RTJ 200/191-197). O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituí-das pela constituição e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legiti-mar o injusto inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao poder público. A teoria da ‘restrição das restrições’ (ou da ‘limitação das limitações’). Caráter cogente e vinculante das normas constitucionais, inclusive daquelas de conteúdo programático, que veiculam diretrizes de políticas públicas, especialmente na área da saúde (CF, arts. 6º, 196 e 197). A questão das ‘escolhas trágicas’. A colmatação de omissões in-constitucionais como necessidade institucional fundada em comportamento afirmativo dos juízes e tribunais e de que resulta uma positiva criação jurisprudencial do direito. Controle jurisdicional de legitimidade da omissão do poder público: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proi-bição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes do Supremo Tribunal Federal em tema de implementação de políticas públicas delineadas na Constituição da república (RTJ 174/687, RTJ 175/1212-1213, RTJ 199/1219-1220). Existência, no caso em exame, de relevante in-teresse social. Recurso de agravo improvido.” (STF – ARE 745745-AgR – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – J. 02.12.2014 – Processo Eletrônico DJe-250 – Divulg. 18.12.2014 – Public. 19.12.2014)

2968 – Laicidade do Estado – inexistência de crime em aborto de feto anencéfalo

“Estado. Laicidade. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. Feto anencéfalo. Interrupção da gravidez. Mulher. Liberdade sexual e reprodutiva. Saúde. Dignidade. Autodeterminação. Direitos fundamentais. Crime. Inexistência. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Pe-nal.” (STF – ADPF 54 – TP – Rel. Min. Marco Aurélio – J. 12.04.2012 – Acórdão Eletrônico DJe-080 – Divulg. 29.04.2013 – Public. 30.04.2013)

2969 – Omissão do Estado que frustra direitos fundamentais – necessidade de controle jurisdicional – designação de defensor público para prestar serviços de assistência judiciária em comarca não atendida

“Agravo de instrumento. Embargos de declaração recebidos como recurso de agravo. Defen-soria pública. Implantação. Omissão estatal que compromete e frustra direitos fundamentais de pessoas necessitadas. Situação constitucionalmente intolerável. O reconhecimento, em favor de populações carentes e desassistidas, postas à margem do sistema jurídico, do ‘di-reito a ter direitos’ como pressuposto de acesso aos demais direitos, liberdades e garantias. Intervenção jurisdicional concretizadora de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, inciso LXXIV, e art. 134). Legitimidade dessa atuação dos juízes e tribunais. O papel do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela constitui-ção e não efetivadas pelo poder público. A fórmula da reserva do possível na perspectiva da teoria dos custos dos direitos: impossibilidade de sua invocação para legitimar o injusto

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inadimplemento de deveres estatais de prestação constitucionalmente impostos ao estado. A teoria da ‘restrição das restrições’ (ou da ‘limitação das limitações’). Controle jurisdicional de legitimidade da omissão do estado: atividade de fiscalização judicial que se justifica pela necessidade de observância de certos parâmetros constitucionais (proibição de retrocesso social, proteção ao mínimo existencial, vedação da proteção insuficiente e proibição de excesso). Doutrina. Precedentes. A função constitucional da defensoria pública e a essen-cialidade dessa instituição da república. Thema decidendum que se restringe ao pleito de-duzido na inicial, cujo objeto consiste, unicamente, na ‘criação, implantação e estruturação da defensoria pública da comarca de Apucarana’. Recurso de agravo provido, em parte. Assiste a toda e qualquer pessoa – especialmente àquelas que nada têm e que de tudo ne-cessitam – uma prerrogativa básica essencial à viabilização dos demais direitos e liberdades fundamentais, consistente no reconhecimento de que toda pessoa tem direito a ter direitos, o que põe em evidência a significativa importância jurídico-institucional e político-social da Defensoria Pública. O descumprimento, pelo Poder Público, do dever que lhe impõe o art. 134 da Constituição da República traduz grave omissão que frustra, injustamente, o direito dos necessitados à plena orientação jurídica e à integral assistência judiciária e que culmina, em razão desse inconstitucional inadimplemento, por transformar os direitos e as liberdades fundamentais em proclamações inúteis, convertendo-os em expectativas vãs. É que de nada valerão os direitos e de nenhum significado revestir-se-ão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apoiam – além de desrespeitados pelo Poder Público ou transgredidos por particulares – também deixarem de contar com o suporte e o apoio de um aparato institucional, como aquele proporcionado pela Defensoria Pública, cuja função precípua, por efeito de sua própria vocação constitucional (CF, art. 134), consiste em dar efetividade e expressão concreta, inclusive mediante acesso do lesado à jurisdição do Esta-do, a esses mesmos direitos, quando titularizados por pessoas necessitadas, que são as reais destinatárias tanto da norma inscrita no art. 5º, inciso LXXIV, quanto do preceito consubstan-ciado no art. 134, ambos da Constituição da República. O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cum-prir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. Precedentes (ADI 1.458-MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.). Doutrina. É lícito ao Poder Judiciário, em face do princípio da supremacia da Constituição, adotar, em sede jurisdicional, medidas destinadas a tornar efe-tiva a implementação de políticas públicas, se e quando se registrar situação configuradora de inescusável omissão estatal, que se qualifica como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência (ou insuficiência) de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. Precedentes. Doutrina. A função constitucional da Defenso-ria Pública e a essencialidade dessa Instituição da República: a transgressão da ordem cons-titucional – porque consumada mediante inércia (violação negativa) derivada da inexecução

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de programa constitucional destinado a viabilizar o acesso dos necessitados à orientação jurídica integral e à assistência judiciária gratuitas (CF, art. 5º, LXXIV, e art. 134) – autoriza o controle jurisdicional de legitimidade da omissão do Estado e permite aos juízes e Tribunais que determinem a implementação, pelo Estado, de políticas públicas previstas na própria Constituição da República, sem que isso configure ofensa ao postulado da divisão funcional do Poder. Precedentes: RTJ 162/877-879, RTJ 164/158-161, RTJ 174/687, RTJ 183/818-819, RTJ 185/794-796, v.g. Doutrina.” (STF – AI 598212 ED – 2ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – J. 25.03.2014 – Acórdão Eletrônico DJe-077 – Divulg. 23.04.2014 – Public. 24.04.2014)

2970 – Salário-maternidade – tutela antecipada – possibilidade de concessão – preserva-ção dos direitos fundamentais

“Processual civil. Previdenciário. Salário-maternidade. Tutela antecipada de ofício concedi-da no acórdão. Admissibilidade em hipóteses excepcionais. 1. Trata-se, na origem, de Ação Declaratória com pedido de condenação ao pagamento de salário-maternidade movida por trabalhadora rural diarista. O acórdão confirmou a sentença de procedência e, de ofício, determinou a imediata implantação do mencionado benefício. 2. As tutelas de urgência são identificadas como reação ao sistema clássico pelo qual primeiro se julga e depois se implementa o comando, diante da demora do processo e da implementação de todos os atos processuais inerentes ao cumprimento da garantia do devido processo legal. Elas regulam situação que demanda exegese que estabeleça um equilíbrio de garantias e princípios (v.g., contraditório, devido processo legal, duplo grau de jurisdição, direito à vida, resolução do processo em prazo razoável). 3. No caso concreto, o Tribunal se vale da ideia de que se pre-tende conceder salário-maternidade a trabalhadora rural (boia-fria) em virtude de nascimento de criança em 2004. 4. O Superior Tribunal de Justiça reconhece haver um núcleo de direitos invioláveis essenciais à dignidade da pessoa humana, que constitui fundamento do Estado Democrático de Direito. Direitos fundamentais correlatos às liberdades civis e aos direitos prestacionais essenciais garantidores da própria vida não podem ser desprezados pelo Poder Judiciário. Afinal, ‘a partir da consolidação constitucional dos direitos sociais, a função esta-tal foi profundamente modificada, deixando de ser eminentemente legisladora em prol das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e imple-mentar políticas públicas necessárias à satisfação dos fins constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais’ (REsp 1.041.197/MS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 16.09.2009, grifei). 5. A doutrina admite, em hipó-teses extremas, a concessão da tutela antecipada de ofício, nas ‘situações excepcionais em que o juiz verifique a necessidade de antecipação, diante do risco iminente de perecimento do direito cuja tutela é pleiteada e do qual existam provas suficientes de verossimilhança’ (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência. 4. ed. São Paulo, Malheiros, 2006. p. 384-385). 6. A jurisprudência do STJ não destoa em situações semelhantes, ao reconhecer que a determinação de implementação ime-diata do benefício previdenciário tem caráter mandamental, e não de execução provisória, e independe, assim, de requerimento expresso da parte (v. AgRg-REsp 1.056.742/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 11.10.2010 e REsp 1.063.296/RS, Rel. Min. Og Fernandes, DJe de 19.12.2008). 7. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1309137/MG – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – J. 08.05.2012 – DJe 22.05.2012)

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2971 – Superlotação das cadeias – limitação do número de detentos – necessidade de preservação da dignidade humana

“Execução penal. Agravo regimental. Desprovimento de recurso em mandado de segurança. Superlotação de presídio. Limitação do número de detentos por portaria do juiz corregedor. Violação ao princípio da separação dos poderes. Inocorrência. Prevalência da dignidade da pessoa humana. Agravo não provido. Decisão monocrática mantida. 1. A Carta Consti-tucional estabelece como núcleo dos direitos fundamentais a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF). Nesse aspecto, ainda que seja afastada, legalmente, a liberdade como resultado de um processo criminal, tal aspecto não importa, consequentemente, a abdicação da dignidade anteriormente referida, pois atributo inerente a todo ser vivente racional. 2. In casu, constatada pela Vigilância Sanitária a inadequação física e sanitária de habitabilidade, correta se apresenta a limitação do número de detentos em presídio. Ademais, conforme ressaltado pelo Tribunal de origem, a edição de portarias pelo Juiz Corregedor do Presídio Regional de Mafra/SC, vedando o ingresso de novos presos no estabelecimento prisional até o alcance do limite de 150, ainda que extrapolando a capacidade máxima originária de 72 homens e de 15 mulheres, mostra-se razoável e proporcional. Realça-se que, quando da limitação, o referido ergástulo já acolhia 201 detentos. 3. Uma vez provocada, a prestação jurisdicional efetuada pelo Poder Judiciário não implica interferência nas atribuições cons-titucionais do Poder Executivo, pois o sistema de freios e contrapesos assegura a indepen-dência e a harmonia referida no art. 2º da Constituição Federal e concretiza, nas situações autorizadoras, como no presente caso, a dignidade da pessoa humana, meta central da Carta Magna de promoção do bem-estar do homem. 4. O art. 66 da LEP (Lei nº 7.210/1984) de-lega ao Juiz da Execução tarefas de natureza eminentemente administrativa, não apenas no aspecto de fiscalização, mas também de intervenção, se e quando necessário. 5. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-RMS 38.966/SC – 5ª T. – Rel. Min. Jorge Mussi – J. 09.09.2014 – DJe 17.09.2014)

Comentário do IDPA vedação para o ingresso de novos detentos quando a unidade prisional atingisse o limite de 150 detentos motivou a discussão judicial envolvendo o Estado de Santa Catarina e o Ministério Público daquele Estado. Isso porque a limitação de ingresso de detentos foi emanada por ato do Corregedor Auxiliar, membro, portanto, do Poder Judiciário, e não pela autoridade responsável pela administração de estabelecimentos prisionais. Entendeu – acertadamente – o Superior Tribunal de Justiça, ser possível esta limitação, por ato de magistrado, porque atuando na função constitucional de garantir a efetivação de direitos fun-damentais, especialmente para aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade como os que inseridos no sistema prisional.Na ponderação entre a preservação da dignidade daqueles que estavam presos e a segurança pública da sociedade que teria que conviver com presos que não seriam detidos quando inexis-tirem vagas, entendeu-se prevalecer o primeiro.Com efeito, não pode o próprio Estado, à míngua de ações efetivas para aumentar o número de vagas nos presídios, impor a permanência dos que cumprem as sentenças penais condenatórias a uma situação indigna. A omissão na construção de estabelecimentos prisionais adequados, não pode gerar como consequência que presos condenados tenham uma pena maior do que aquela prevista na legislação, porque recolhidos a prisões superlotadas e sem condições de salubridade. Cabe ao Estado assegurar as condições adequadas ao cumprimento das penas privativas de liberdade que impõe, mas dentro de limites razoáveis para seu exercício.Assim, age o magistrado dentro de suas funções constitucionais, observando os pesos e contra-pesos da separação de poderes, para impor condições de dignidade àqueles que se encontram cumprindo penalidades por infrações penais.

Ana Carolina Figueiró LongoMestre em Direito Constitucional pelo IDP

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2972 – Toque de recolher – Juiz da Infância e Juventude – portaria que extrapola os limi-tes do poder normativo

“Estatuto da Criança e do Adolescente. Habeas corpus. Toque de recolher. Superveniência do julgamento do mérito. Superação da Súmula nº 691/STF. Norma de caráter genérico e abstrato. Ilegalidade. Ordem concedida. 1. Trata-se de Habeas Corpus Coletivo ‘em favor das crianças e adolescentes domiciliados ou que se encontrem em caráter transitório dentro dos limites da Comarca de Cajuru/SP’ contra decisão liminar em idêntico remédio proferida pela Câmara Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. 2. Narra-se que a Juíza da Vara de Infância e Juventude de Cajuru editou a Portaria nº 01/2011, que criaria um ‘toque de recolher’, correspondente à determinação de recolhimento, nas ruas, de crianças e ado-lescentes desacompanhados dos pais ou responsáveis: a) após as 23 horas; b) em locais pró-ximos a prostíbulos e pontos de vendas de drogas; e c) na companhia de adultos que estejam consumindo bebidas alcoólicas. A mencionada portaria também determina o recolhimento dos menores que, mesmo acompanhados de seus pais ou responsáveis, sejam flagrados con-sumindo álcool ou estejam na presença de adultos que estejam usando entorpecentes. 3. O primeiro HC, impetrado no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, teve sua liminar in-deferida e, posteriormente, foi rejeitado pelo mérito. 4. Preliminarmente, ‘o óbice da Súmula nº 691 do STF resta superado se comprovada a superveniência de julgamento do mérito do ha-beas corpus originário e o acórdão proferido contiver fundamentação que, em contraposição ao exposto na impetração, faz suficientemente as vezes de ato coator [...]’ (HC 144.104/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 02.08.2010; cfr. Ainda HC 68.706/MS, 6ª T., Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 17.08.2009 e HC 103.742/SP, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 07.12.2009). 5. No mérito, o exame dos consideranda da Portaria nº 01/2011 revela preocupação genérica, expressa a partir do ‘número de denúncias formais e informais sobre situações de risco de crianças e dos adolescentes pela cidade, especificamente daqueles que permanecem nas ruas durante a noite e madrugada, expostos, entre outros, ao oferecimento de drogas ilícitas, prostituição, vandalismos e à própria influência deletéria de pessoas volta-das à prática de crimes’. 6. A despeito das legítimas preocupações da autoridade coatora com as contribuições necessárias do Poder Judiciário para a garantia de dignidade, de proteção integral e de direitos fundamentais da criança e do adolescente, é preciso delimitar o poder normativo da autoridade judiciária estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em cotejo com a competência do Poder Legislativo sobre a matéria. 7. A portaria em questão ultrapassou os limites dos poderes normativos previstos no art. 149 do ECA. ‘Ela contém nor-mas de caráter geral e abstrato, a vigorar por prazo indeterminado, a respeito de condutas a serem observadas por pais, pelos menores, acompanhados ou não, e por terceiros, sob comi-nação de penalidades nela estabelecidas’ (REsp 1046350/RJ, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Za-vascki, DJe 24.09.2009). 8. Habeas Corpus concedido para declarar a ilegalidade da Portaria nº 01/2011 da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Cajuru.” (STJ – HC 207.720/SP – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – J. 01.12.2011 – DJe 23.02.2012)

2973 – Décision nº 2010-613 DC

du 7 octobre 2010(Loi interdisant la dissimulationdu visage dans l’espace public)Le Conseil constitutionnel a été saisi, le 14 septembre 2010, par le président de l’Assemblée nationale et par le président du Sénat, dans les conditions prévues à l’article 61, deuxième alinéa, de la Constitution, de la loi interdisant la dissimulation du visage dans l’espace public.

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LE CONSEIL CONSTITUTIONNEL,Vu la Constitution;Vu l’ordonnance nº 58-1067 du 7 novembre 1958 modifiée portant loi organique sur le Conseil constitutionnel;Le rapporteur ayant été entendu;1. Considérant que le président de l’Assemblée nationale et le président du Sénat défèrent au Conseil constitutionnel la loi interdisant la dissimulation du visage dans l’espace public; qu’ils n’invoquent à l’encontre de ce texte aucun grief particulier;2. Considérant que l’article 1er de la loi déférée dispose: «Nul ne peut, dans l’espace public, porter une tenue destinée à dissimuler son visage»; que l’article 2 de la même loi précise: «I. Pour l’application de l’article 1er, l’espace public est constitué des voies publiques ainsi que des lieux ouverts au public ou affectés à un service public. – II. L’interdiction prévue à l’article 1er ne s’applique pas si la tenue est prescrite ou autorisée par des dispositions législatives ou réglementaires, si elle est justifiée par des raisons de santé ou des motifs pro-fessionnels, ou si elle s’inscrit dans le cadre de pratiques sportives, de fêtes ou de manifes-tations artistiques ou traditionnelles»; que son article 3 prévoit que la méconnaissance de l’interdiction fixée à l’article 1er est punie de l’amende prévue pour les contraventions de la deuxième classe;3. Considérant qu’aux termes de l’article 4 de la Déclaration des droits de l’homme et du citoyen de 1789: «La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui: ainsi, l’exercice des droits naturels de 2 chaque homme n’a de bornes que celles qui assurent aux autres membres de la Société la jouissance de ces mêmes droits. Ces bornes ne peuvent être déterminées que par la loi»; qu’aux termes de son article 5: «La loi n’a le droit de défendre que les actions nuisibles à la société. Tout ce qui n’est pas défendu par la loi ne peut être empêché, et nul ne peut être contraint à faire ce qu’elle n’ordonne pas»; qu’aux termes de son article 10: «Nul ne doit être inquiété pour ses opinions, même religieuses, pourvu que leur manifestation ne trouble pas l’ordre public établi par la loi»; qu’enfin, aux termes du troisième alinéa du Préambule de la Constitution de 1946: «La loi garantit à la femme, dans tous les domaines, des droits égaux à ceux de l’homme»;4. Considérant que les articles 1er et 2 de la loi déférée ont pour objet de répondre à l’apparition de pratiques, jusqu’alors exceptionnelles, consistant à dissimuler son visage dans l’espace public; que le législateur a estimé que de telles pratiques peuvent constituer un dan-ger pour la sécurité publique et méconnaissent les exigences minimales de la vie en société; qu’il a également estimé que les femmes dissimulant leur visage, volontairement ou non, se trouvent placées dans une situation d’exclusion et d’infériorité manifestement incompatible avec les principes constitutionnels de liberté et d’égalité; qu’en adoptant les dispositions déférées, le législateur a ainsi complété et généralisé des règles jusque là réservées à des situations ponctuelles à des fins de protection de l’ordre public;5. Considérant qu’eu égard aux objectifs qu’il s’est assignés et compte tenu de la nature de la peine instituée en cas de méconnaissance de la règle fixée par lui, le législateur a adopté des dispositions qui assurent, entre la sauvegarde de l’ordre public et la garantie des droits cons-titutionnellement protégés, une conciliation qui n’est pas manifestement disproportionnée; que, toutefois, l’interdiction de dissimuler son visage dans l’espace public ne saurait, sans porter une atteinte excessive à l’article 10 de la Déclaration de 1789, restreindre l’exercice de la liberté religieuse dans les lieux de culte ouverts au public; que, sous cette réserve, les articles 1er à 3 de la loi déférée ne sont pas contraires à la Constitution;

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6. Considérant que l’article 4 de la loi déférée, qui punit d’un an d’emprisonnement et de 30 000 € d’amende le fait d’imposer à autrui de dissimuler son visage, et ses articles 5 à 7, relatifs à son entrée en vigueur et à son application, ne sont pas contraires à la Constitution,3 DÉCIDE:Article 1er.- Sous la réserve énoncée au considérant 5, la loi interdisant la dissimulation du visage dans l’espace public est conforme à la Constitution.Article 2er.- La présente décision sera publiée au Journal officiel de la République française. Délibéré par le Conseil constitutionnel dans sa séance du 7 octobre 2010, où siégeaient: M. Jean-Louis DEBRÉ, Président, M. Jacques BARROT, Mme Claire BAZY MALAURIE, MM. Guy CANIVET, Michel CHARASSE, Jacques CHIRAC, Renaud DENOIX de SAINT MARC, Valéry GISCARD d’ESTAING, Mme Jacqueline de GUILLENCHMIDT et M. Pierre STEINMETZ.

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Parte Geral – Doutrina

A Credibilidade do Depoimento da Vítima como Medida Eficaz no Combate à Violência contra as Mulheres

The Credibility of the Statement of Victim as Effective Measure to Combat Violence against Women

PEDRO hENRIQUE MESSIAS E SILvA Acadêmico do Curso de Direito da UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Pesquisador Voluntário Vinculado ao Grupo de Pesquisa “Cidadania, Participação Popular e Políticas Públicas” pela UERN, Diretor Assistente do Projeto de Extensão “Simulação de Or‑ganizações Internacionais” pela UFRN, Diretor Assistente do Projeto de Extensão “UniSim – Simulação Intermundi” pela UNI‑RN.

AURÉLIA CARLA QUEIROgA DA SILvAMestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós‑Graduação da UFRN, Especialista em Direito Processual Civil pela UFCG, Professora de Direito Civil e da Área Propedêutica pela UERN, Coordenadora do Curso de Direito do Núcleo Avançado de Nova Cruz da UERN.

Submissão: 08.12.2014Decisão editorial: 29.04.2015Comunicação ao autor: 24.04.2015

RESUMO: É perceptível que a violência doméstica aflige diuturnamente o País, estimulada por diver‑sas casualidades. Enquanto o Estado se vê inerte à situação, a população se torna refém do medo de crimes, muitas vezes, reincidentes pelos agressores. Apesar dos debates na mídia e acaloradas reivindicações feministas pela garantia de seus direitos fundamentais, é flagrante a reiteração de condutas criminosas, algumas levando a óbito as suas vítimas. Neste sentido, faz‑se oportuno in‑vestigar, por meio do método hipotético‑dedutivo, as causas do déficit de eficácia da lei alusivas à problemática, a partir do estudo teórico na doutrina e legislação vigente, com vistas a encontrar alter‑nativas viáveis para preservar a dignidade humana das mulheres no âmbito da sociedade brasileira. Desta forma, destaca‑se a credibilidade do depoimento da vítima, enquanto testemunha única, e a importância da efetivação de alguns princípios básicos de maior celeridade do processo penal que são ignorados, deveras vezes, dentro dessa perspectiva como medidas eficientes para o combate a todas as formas de violência (física e psicológica), contribuindo, por conseguinte, para uma maior divulgação da Lei Maria da Penha e de sua correta aplicabilidade pelos órgãos competentes.

PALAVRAS‑CHAVE: Violência doméstica; vítima; lei; eficácia.

ABSTRACT: It is noticeable that domestic violence incessantly afflicts the country, stimulated by several casualties. While the state is seen inert to the situation, the population becomes a hostage

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RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 105-118, maio-jun 2015

to fear of crime often repeat by aggressors. Despite the debates in the media and heated feminist demands to guarantee their fundamental rights is flagrant the repetition of criminal conducts, some leading to death their victims. In this regard, it is appropriate to investigate, using the hypothetical‑‑deductive method, the causes of effectiveness deficit of law alluding to the problem, based on the theoretical study in doctrine and current legislation, in order to find viable alternatives to preserve human dignity of women in Brazilian society. Thus, there is the credibility of the victim’s testimony, as the only witness, and the importance of execution of some basic principles of speedier criminal proceedings that are ignored, indeed sometimes within this perspective as effective measures to combat all forms of violence (physical and psychological), contributing therefore to greater aware‑ness of the Maria da Penha Law and its correct applicability by the competent bodies.

KEYWORDS: Domestic violence; victim; law; effectiveness.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A violência doméstica e familiar contra a mulher; 2 Processo de conquista da Lei nº 11.340/2006; 3 Índices de violência contra a mulher após a Lei nº 11.340/2006; 4 Atuação dos juizados especiais de violência doméstica e familiar contra a mulher; 4.1 Das causas de arqui‑vamento dos processos; 4.2 Da insegurança das vítimas quanto à denúncia; 4.3 Da credibilidade da palavra da vítima; Conclusão; Referências.

INTRODuÇÃO

Promulgada em 2006, a Lei nº 11.340, conhecida, popularmente, por Lei Maria da Penha, busca a criação de mecanismos de coibição da violên-cia doméstica e familiar praticada contra a mulher. Desde o início de sua vigência, muito se questiona quanto à efetividade deste dispositivo legal, já que é pífia a parcela de processos que transitam em julgado diante do gigantesco número de denúncias feitas aos órgãos responsáveis pela sua aplicação.

Com o objetivo claro de promover a diminuição dos casos de vio-lência contra a mulher, a Lei Maria da Penha, lamentavelmente, não tem alcançado o seu escopo. Os índices de agressões e homicídios à mulher só tem aumentado nos últimos anos, comprovando que a eficácia da nor-ma não tem atingido o seu ápice, não necessariamente decorrente de má redação do texto vigente, mas sim devido às complicações ocorrentes nas denúncias, nos processos investigativos e na subsequente aplicação das pe-nalidades cabíveis ao agressor.

De tal forma, esta pesquisa busca, por meio do método hipotético--dedutivo, identificar e analisar, com base no levantamento de dados estatís-ticos concretos, a relação firmada entre a vigência da Lei Maria da Penha e a sua interferência direta no que concerne à efetividade das mudanças sociais desejadas, condicionando, por conseguinte, um maior empenho e cobrança do Poder Público e das partes envolvidas.

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RDU, Porto Alegre, Volume 11, n. 63, 2015, 105-118, maio-jun 2015

1 A VIOLêNCIA DOMÉSTICA E fAMILIAR CONTRA A MuLhER

Há quem pense que a violência doméstica e familiar consiste na sim-ples e objetiva violência física contra a mulher, mas não é bem assim. Exis-tem diversos tipos de violência registrados contra a mulher e enquadrados no art. 7º da Lei Maria da Penha, são alguns deles: violência contra a mu-lher, violência de gênero, violência doméstica, violência familiar, violência física, violência moral, violência patrimonial, violência psicológica e vio-lência sexual. A palavra violência deriva do latim violentia, que significa “veemência, impetuosidade”. Mas, na sua origem, está relacionada com o termo “violação” (violare).

Segundo o entendimento do Conselho Nacional de Justiça1 sobre o art. 7º da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher, como o nome sugere, se configura por qualquer ação ou omissão de discriminação, agres-são e/ou coerção contra a mulher, pelo simples fato desta ser mulher – se configura principalmente como violência de gênero também – ocasionando diversos danos e englobando os demais tipos de violência previstos nesse tópico.

A violência familiar, ainda de acordo com esse órgão, se caracteri-za pela violência dentro do contexto das relações familiares, ou seja, tio, primo, irmão, sobrinho, filho, pai, ou até mesmo um amigo que resida na mesma casa que a vítima. Esse tipo de violência interage diretamente com a violência doméstica, que se configura pela violência familiar dentro do âmbito doméstico ou residencial. Segundo aponta Paulo Lôbo2, a Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), que coíbe a violência doméstica con-tra a mulher, cujo art. 5º compreende no âmbito da família “a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”.

Outros tipos de violência citados são a violência física – como o pró-prio nome já diz, aquela que põe em risco a integridade física da vítima – e a violência moral, aquela que busca caluniar, difamar ou injuriar a reputa-ção de outrem. Outrossim, Marilena Chauí entrevê a questão da violência contra as mulheres como produto de uma forte ideologia de dominação masculina que é, impetuosamente, produzida e reproduzida, por gerações sucessivas, tanto por homens como por mulheres, de forma que:

1 Conselho Nacional de Justiça, Formas de violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/pj-lei-maria-da-penha/formas-de-violencia>. Acesso em: 6 dez. 2014.

2 LÔBO, Paulo. Direito civil – Famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 80.

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[...] violência é uma ação que transforma diferenças em desigualdades hie-rárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir. A ação violenta trata o ser dominado como “objeto” e não como “sujeito”, o qual é silenciado e se torna dependente e passivo. Nesse sentido, o ser dominado perde sua autonomia, ou seja, sua liberdade, entendida como “capacidade de autode-terminação para pensar, querer, sentir e agir”.3

Por último, e não menos importante, temos talvez os dois tipos de violência mais perigosos, que são os que deixam marcas profundas, não físicas, mas psicológicas na vítima: a violência sexual e a violência psicoló-gica ou simbólica. A sexual4 se concentra nas ações de obrigação da vítima a manter relação sexual com o agressor, por meio do uso da força, intimi-dação, chantagem, suborno, manipulação, ameaça ou qualquer outro fator coercitivo que não deixe escolha à vítima senão a de se submeter à vontade de outrem.

Já a violência psicológica ou simbólica, por sua vez, consiste quase que em uma governamentalidade de Michel Foucault5, ou seja, o controle ou degradação do indivíduo – no caso, a vítima – por meio da intimidação ou manipulação psicológica, seja por meio de intimidação, ameaça, humi-lhação, isolamento ou qualquer ação prejudicial à sanidade psicológica da vítima, à sua autodeterminação enquanto pessoa e ao seu desenvolvimento pessoal.

2 PROCESSO DE CONQuISTA DA LEI Nº 11.340/2006

A Lei Maria da Penha é fruto de um processo histórico de luta diária das mulheres, em prol da efetivação de seus direitos mais fundamentais, que vinham sendo ignorados ou negligenciados pelos órgãos competentes. A negligência e a omissão começavam pela própria sociedade, que legitima-va, por meio de costumes tradicionais e lastimáveis, a violência causada pe-

3 CHAUÍ, Marilena. Participando do debate sobre mulher e violência. In: FRANCHETTO, Bruna; CAVALCANTI, Maria Laura V. C.; HEILBORN, Maria Luiza (org.). Perspectivas antropológicas da mulher. 4. ed. São Paulo: Zahar, 1985. p. 36.

4 Registra-se que a violência sexual está baseada fundamentalmente na desigualdade entre homens e mulheres. Logo, é característica como qualquer conduta que constranja a mulher a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, acontece quando a mulher é obrigada a se prostituir, a fazer aborto, a usar anticoncepcionais contra a sua vontade ou quando a mesma sofre assédio sexual, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade. (Portal da Mulher TJSE. Definição de violência contra a mulher. Disponível em: <http://www.tjse.jus.br/portaldamulher/definicao-de-violencia-contra-a-mulher>. Acesso em: 6 dez. 2014)

5 FOUCAULT, Michel. A governamentalidade. In: ______. Microfísica do poder. Trad. da transcrição não autorizada de uma lição proferida no Collège de France em 1 de fevereiro de 1978. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 227-293.

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los maridos e companheiros às mulheres. Era um processo discriminatório de exclusão das mulheres enquanto atores sociais detentores de autonomia.

Outrossim, esse contexto social vem mudando nos últimos anos, fruto da participação feminina nos mecanismos de democracia representativa e sua luta contra o déficit representativo e seus reflexos da desigualdade de gênero.

Esse avanço nos mecanismos de representatividade feminina se evi-dencia com os crescentes números nos Serviços Especializados de Atendi-mento à Mulher. De acordo com a Secretaria de Políticas para as Mulheres6, do Planalto, o número de Casas de Abrigo da Mulher chega hoje a 77, número que pode parecer insignificante diante da demanda, mas que apre-senta um crescimento contínuo ao longo dos últimos anos.

Outro dado interessante é o do número de Serviços de Saúde Espe-cializados7 para o Atendimento dos Casos de Violência contra a Mulher, que chega a 249 ao redor do País e conta com equipes multidisciplinares formadas por psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e médicos capa-citados para atenderem os casos de violência doméstica e violência sexual. Esses serviços são gratuitos e fazem parte do Sistema Único de Saúde (SUS).

Mais um dado estatístico importante é o número de Promotorias Es-pecializadas e Núcleos de Gênero do Ministério Público, que chega a 58 no País, cujo dever é fiscalizar os estabelecimentos públicos direcionados à mulher e aplicar as leis voltadas para o embate às desigualdades de gê-nero, tal como a Lei Maria da Penha, além das demais atribuições legais de Promotorias e MP. Por último, o número de juizados/varas oficiais ou adaptadas para o combate à violência doméstica e familiar contra a mulher chega a 101, enquanto a soma do número de postos/núcleos/secções de atendimento à mulher nas Delegacias Comuns e das Deam – Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher englobam 497 instituições8.

6 Secretaria de Políticas para as Mulheres. Disponível em: <https://sistema3.planalto.gov.br/spmu/atendimento/atendimento_mulher.php?uf=TD>. Acesso em: 6 dez. 2014.

7 BRITO, Raquel. Índices de violência contra a mulher seguem alarmantes. Portal SindSaúde Paraná. Disponível em: <http://www.sindsaudepr.org.br/noticias/3006/indices-de-violencia-contra-a-mulher-seguem-alarmantes>. Acesso em: 6 dez. 2014.

8 Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br/acesso-rapido/informacoes/perguntas-mais-frequentes/juizado-de-violencia-domestica-e-familiar-contra-mulher>. Acesso em: 6 dez. 2014.

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O exemplo mais marcante dessa luta pela efetivação de direitos fun-damentais femininos foi a luta de Maria da Penha Maia Fernandes9, bio-farmacêutica que, por duas vezes, sofreu tentativa de homicídio por parte de seu ex-marido, e, após entrar com as denúncias e ver seu processo se iniciar junto ao Ministério Público, esperou cerca de 20 anos até que o caso transitasse em julgado. Fato este que motivou a denúncia da vítima à Corte Interamericana de Direitos Humanos, que julgou procedente a reclamação de negligência e omissão do Estado brasileiro, acreditando que este violou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Desta forma, o País foi sancionado pela citada Corte IDH e foi parcialmente obrigado a legislar sobre o assunto, criando, assim, a Lei Maria da Penha, ou Lei nº 11.340/2006.

3 ÍNDICES DE VIOLêNCIA CONTRA A MuLhER APóS A LEI Nº 11.340/2006

Apesar da vigência da Lei Maria da Penha e da intensificação dos mecanismos protetivos à vítima e punitivos aos agressores, os índices de violência contra a mulher após a promulgação da lei não baixaram. Alguns dados mostram que, pelo contrário, só aumentaram, como é o caso da pes-quisa realizada pelo Ipea que constatou que, entre 2001 e 2006, antes da publicação do texto, a proporção de homicídios contra a mulher era de 5,28 para cada 100 mil mulheres. Esse número, ao contrário do que se pensa, aumentou após essa data, com o decreto da norma, passando a ser de 5,82 homicídios para cada 100 mil mulheres, comprovando que a redução da incidência de atos violentos contra as mulheres não está exclusivamente condicionada aos mecanismos legais punitivos10.

Essa conclusão é ratificada por outra pesquisa, realizada pelo Data-Senado11, que mostra que 30% das mulheres entrevistadas não acreditam que as leis do País são capazes de protegê-las das agressões domésticas, revelando uma crescente insegurança que parte principalmente das vítimas, o que explica até mesmo a dificuldade e o receio na hora de denunciar seus parceiros agressores. Outro dado alarmante é que 18% das mulheres afirma-ram já terem sido vítimas de violência doméstica, e, desse número, 20,7%

9 Maria da Penha Maia Fernandes, biofarmacêutica brasileira que lutou judicialmente durante mais de 20 anos, atingindo êxito no recurso interposto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que seu marido, Marco Antônio Heredia Viveiros, fosse punido por tentativa de assassinato e violência doméstica contra ela.

10 O Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é um órgão do Governo Federal vinculado à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República do Brasil. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/130925_sum_estudo_feminicidio_leilagarcia.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014.

11 DataSenado é o instituto oficial de pesquisas estatísticas do Senado Federal. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/senado/datasenado/pdf/datasenado/DataSenado-Pesquisa-Violencia_Domestica_e_Familiar_contra_a_Mulher.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2014.

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afirmou que não procurou ajuda e nem denunciou o agressor. Para 23% dessas entrevistadas, a denúncia não ocorre pela certeza de impunidade dos agressores, diante do processo punitivo.

Mais dados, do Ligue 180, Central de Atendimento à Mulher, de-monstram que o índice de reincidência das agressões domésticas e familia-res é exorbitante. Cerca de 77% das mulheres que denunciam a agressão por meio dessa central sofrem violência física, psicológica, moral, sexual ou patrimonial diariamente ou semanalmente12.

Tabela 1 – Gráfico demonstrativo dos índices de violência doméstica.

Fonte: Relatório Central de Atendimento Ligue 180 (janeiro a junho de 2014).

4 ATuAÇÃO DOS JuIZADOS ESPECIAIS DE VIOLêNCIA DOMÉSTICA E fAMILIAR CONTRA A MuLhER

A partir do advento da Lei nº 11.360/2006, dispositivo que prevê a mobilizações de ações preventivas, protetivas e punitivas à violência do-méstica e familiar contra a mulher, foram instituídos para julgar tais casos os Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher. Ini-cialmente, com a criação desse tipo de juizado, foi instaurada a primeira vara, ou vara matriz, em Brasília, com competência nas regiões de Brasília, Núcleo Bandeirante e Guará. Com a expansão da ideia e o aumento no índice de casos levados ao Ministério Público, o número de juizados desse

12 Portal Compromisso e Atitude. Dados nacionais sobre violência contra as mulheres. Disponível em: <http:// www.compromissoeatitude.org.br/sobre/dados-nacionais-sobre-violencia-contra-a-mulher/>. Acesso em: 6 dez. 2014.

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tipo aumentou, expandindo para os demais estados do País, e ampliou-se também a competência das varas criminais de primeira instância das demais circunscrições judiciárias, com o objetivo de abranger os demais processos desse contexto familiar, evitando o excesso de burocratização e o empilha-mento de processos dentro de uma vara só.

O funcionamento desse juizado ocorre em semelhança às outras varas comuns. As ofendidas, ou vítimas, devem se dirigir à delegacia, Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher de preferência, para efetuar a de-núncia. Após a análise do caso, alguns procedimentos específicos13 devem ser adotados pelos órgãos responsáveis, sem prejuízo dos procedimentos padrão previstos no Código de Processo Penal, segundo art. 12 da Lei Maria da Penha. De imediato, após ouvir a ofendida, deve se executar o boletim de ocorrência, tomando-se nota do testemunho, se apresentado.

Em seguida, colhem-se todas as provas imediatamente possíveis que possam servir de esclarecimento do fato violento, e, por conseguinte, se remete, no prazo de 48 horas, o pedido ao juiz de proteção imediata à víti-ma. Ao final desta etapa, têm-se os procedimentos de colhimento de provas materiais, como a requisição de alguns exames periciais específicos, tais como o exame de corpo e delito. Por fim, e especificamente nessa ordem, ouve-se, após intimação, o agressor e as possíveis testemunhas – em alguns casos, a única testemunha é a própria vítima –, em sequência é realizada

13 “Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal.

I – ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;

II – colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;

III – remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;

IV – determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;

V – ouvir o agressor e as testemunhas;

VI – ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;

VII – remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.

§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:

I – qualificação da ofendida e do agressor;

II – nome e idade dos dependentes;

III – descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.

§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1o o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida.

§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.” (Brasil, Lei nº 11.340/2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: <http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/95552/lei-maria-da-penha-lei-11340-06#>. Acesso em: 13 dez. 2014)

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a identificação legal do agressor, ou, como se diz, se puxa a ficha criminal do indivíduo e, por fim, remetem-se, dentro do prazo legal, os autos do in-quérito policial ao juiz e ao Ministério Público, iniciando, assim, o devido processo legal dentro da instância judiciária, e não mais policial.

4.1 dAs cAusAs de ArquIvAMento dos processos

Uma grande crítica levantada por quem questiona a eficácia e efeti-vidade da Lei Maria da Penha é o enorme número de arquivamentos dos processos. As causas são diversas, seja pela perda de prazo, pela prescrição do caso ou pela reconciliação das partes, mas é unânime e de conheci-mento geral um fato: a maioria das vítimas que entram com a denúncia se sentem inseguras e, em parte dos casos, acabam por recuar no processo, retirando a denúncia ou até mesmo se recusando a testemunhar contra o acusado, gerando um impasse no andamento do processo e o consequente arquivamento deste.

Outro fator determinante no arquivamento dos processos, que se dá dentro do próprio âmbito familiar, é o fator emocional. Parte das mulheres que denunciam só querem que a violência acabe naquele instante, mo-mento ao qual procuram ajuda, não querendo propriamente a separação do agressor, ou até mesmo o afastamento dele do contexto familiar com a decorrente prisão.

De maio de 2011 a maio de 2013, segundo dados do Ministério Público Federal14, dos cerca de 50.579 processos que entraram junto ao MP, apenas 8.179 tiveram prosseguimento no processo com a acusação ao agressor, ou seja, do total de denúncias realizadas, quase 80% dos casos foram arquivados, provando que a eficácia da Lei Maria da Penha está dire-tamente relacionada e condicionada à voz da vítima, enquanto testemunha, e que a punição desse tipo de crime se torna muito difícil ou quase impro-vável dentro dessa realidade.

4.2 dA InsegurAnçA dAs vítIMAs quAnto à denúncIA

Como alhures evidenciado, parte da impunidade ocorrida nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é decorrente do esta-do de silêncio adotado pela vítima, se calando após a denúncia, ou até mesmo legitimando a conduta do agressor não dando queixa. De acordo

14 Ministério Público da União. Disponível em: <http://www.mpba.mp.br/atuacao/criminal/material/apelacao_lei_maria_penha.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2014.

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com Sónia Reis15, as vítimas não se sentem protegidas pela máquina estatal diante de seus agressores, e, por tal, se calam, na maioria das vezes, dando impedimento na conclusão dos processos ou até mesmo dos inquéritos. As medidas preventivas adotadas pelo Estado são ineficientes, haja vista que muitas, como as de afastamento, “valem o que valem para o agressor”, ou seja, podem ser cumpridas ou descumpridas, gerando insegurança e perigo eminente para as vítimas, que se tornam alvos muito mais frágeis uma vez que já denunciaram o seu agressor.

Há também, dentro da insegurança das vítimas, outro fator determi-nante para a não efetividade concreta com crimes desse tipo, que se con-centra nas relações interpessoais da vítima com o agressor, como o retorno temporário da convivência harmoniosa entre ambos. Acontece que o crime de violência doméstica, por muitas vezes, é temporal, ou seja, acontece naquele instante e em outro instante pode não acontecer.

Desta forma, muitas vezes, após o início do inquérito com a denúncia da vítima já prestada, esta acaba já se encontrando de novo na relação com o seu agressor, acreditando, em muitos casos, que a violência vai parar. Existem, inclusive, as vítimas já separadas do agressor que se sentem inse-guras para realizar a denúncia ou para dar continuidade ao processo, por receio de que, ao dar prosseguimento com a ação, voltem a ser agredidas, ou até mesmo tenham sua vida familiar e profissional prejudicadas.

4.3 dA credIbIlIdAde dA pAlAvrA dA vítIMA

Não é só da insegurança e do silêncio das vítimas que se sustenta o mau andamento dos processos condenatórios. Há também outro problema enfrentado, desta vez pela vítima, quanto à credibilidade dada pelo devido processo legal à sua palavra, enquanto testemunha única.

É relevante frisar que a violência do tipo física, em sua maioria, deixa marcas, que podem ser facilmente detectadas e comprovadas legalmente por exames de corpo e delito e demais exames periciais. Todavia, não é só de violência física que consiste a violência doméstica. Agressões do tipo psicológicas ou morais não deixam marcas visíveis e, portanto, são dificil-mente comprovadas. Considerando o contexto criminológico e burocrático brasileiro, em que perícias e comprovações psicológicas são caras, lentas e incertas, se torna quase que impossível determinar se uma vítima sofreu

15 REIS, Sónia. Entrevista ao Jornal de Notícias. Disponível em: <http://www.jn.pt/PaginaInicial/Seguranca/Interior.aspx?content_id=3244173>. Acesso em: 6 dez. 2014.

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violência que se enquadre na Lei nº 11.360/2006, ou não, de tal forma que, novamente, o crime passe impune.

Reiteradas vezes se assiste na mídia depoimentos de mulheres que foram negligenciadas, ou tiveram a sua denúncia posta em dúvida ao pro-curar por ajuda em delegacias não especializadas16. É inadmissível que um oficial de justiça, da polícia civil, se manifeste contrariamente ou descon-fiadamente à declaração feita pela mulher. Mais absurdo ainda são os casos em que há negligência e desconfiança dentro da própria Deam – Delegacia Especializada ao Atendimento à Mulher.

Uma solução para esse problema, consoante lição de Kenarik Boujikian17, é a expansão da credibilidade da palavra da vítima enquanto testemunha única em casos de violência doméstica e familiar contra a mu-lher, tal qual se adota nos casos de violência sexual, em que a condenação aos crimes sexuais, praticados de forma isolada, tem, na palavra da vítima, o seu alicerce. Se adotada essa medida, com certeza o testemunho desta não seria isento dos critérios de coerência, plausibilidade e verossimilidade, porém, a palavra da vítima deve ter um peso decisório maior, contribuindo, assim, para que a punição a crimes de violência simbólica, que passam muitas vezes impunes, encontre sua eficácia e efetividade.

Não se pode deixar à mercê da comprovação de provas periciais a decisão de casos como esse, que, se negligenciados, podem causar danos ainda maiores, como a consumação do ato máximo de violência contra alguém, a morte. É necessário que se atribua um peso maior a esse tipo de prova testemunhal, dando, assim, como resultado possível, a diminuição no número de processos e no índice de vítimas que não procuram a Justiça por insegurança na hora de prestar queixa.

CONCLuSÃO

Em vista dos dados e argumentos apresentados, percebe-se que o Brasil padece, ainda hoje, de um grave problema quanto à efetividade e à eficácia da Lei nº 11.360/2006, enfrentando desde dificuldades estruturais

16 Verifica-se que a primeira Delegacia da Mulher do Brasil (e do mundo) foi criada na cidade de São Paulo, em agosto de 1985, durante o governo estadual de Franco Montoro, para que policiais do sexo feminino investigassem crimes em que a vítima fosse mulher, incluindo, entre outros, os crimes de estupro e lesão corporal. Sobre o contexto em que surgiram as primeiras delegacias e como as mesmas vêm funcionando e se relacionando com o movimento de mulheres, ver: ARDAILON, Daniele. Estado e mulher: conselhos dos direitos da mulher e delegacias de defesa da mulher. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1989.

17 BOUJIKIAN, Kenarik. Credibilidade da palavra da vítima como prova de violência sexual. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/credibilidade-da-palavra-da-vitima-como-prova-de-violencia- -sexual-por-kenarik-boujikian/>. Acesso em: 6 dez. 2014.

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do Poder Judiciário e órgãos filiados até a própria aceitação e confiança da sociedade quanto a essa norma. É notório que a Lei Maria da Penha é fruto de um processo histórico de luta e reivindicação por mais direitos, represen-tatividade e garantias femininas em geral, não plenamente consolidadas nas bases mais tradicionalistas da sociedade brasileira, posto que, devido à his-toricidade dos fatos, essa lei ainda sofre um processo de renegação, descon-fiança e insegurança por grande parte das vítimas e comunidade em geral.

Desta forma, se conclui que, como tentativas de resolução desta falta de eficácia na resolução desse grave problema social, fazem-se necessárias, e porque não dizer imprescindíveis, a adoção de mudanças imediatas no sistema processual penal voltado para crimes de violência doméstica com a extensão da credibilidade da palavra da vítima enquanto testemunha única e a desburocratização de parte dos processos, que podem levar anos até a decisão – tempo este em que a vítima se encontra indefesa e vulnerável –, e do aumento no número de Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e do número de Delegacias Especializadas ao Atendimento à Mulher.

Além disso, outra medida importante que deve ser adotada pelo Po-der Público, pelos órgãos judiciários, pelos projetos de extensão das uni-versidades e até mesmo por todos os operadores do Direito, como quase uma responsabilidade civil conjunta ou isolada, é a aplicação do princípio da publicidade do direito, ou seja, a maior disponibilização do acesso à informação à população leiga, que não sabe como proceder em casos de violência doméstica.

No mais, as perspectivas para o futuro próximo são a diminuição dos índices de violência doméstica, bem como o crescimento no número de denúncias e processos finalizados, oriundos da maior participação feminina e de sua maior representatividade, que hoje coloca a mulher em posição social quase que privilegiada.

REfERêNCIAS

ARDAILON, Daniele. Estado e mulher: conselhos dos direitos da mulher e delegacias de defesa da mulher. São Paulo: Fundação Carlos Chagas, 1989.

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Artigo elaborado em Natal (RN), 12 de dezembro de 2014.

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Parte Geral – Doutrina

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A Proposta de Cidadania Liberal Multicultural de Will Kymlicka

LARISSA TENFEN SILvAProfessora no Curso de Direito – EDB/IDP, Mestre em Direito.

CLAUDIO LADEIRA DE OLIvEIRAProfessor no Curso de Direito da UnB (DF), Doutor em Direito.

Submissão: 02.12.2014Decisão Editorial: 29.04.2015Comunicação ao autor: 29.04.2015

RESUMO: O artigo teve por objetivo verificar quais são os fundamentos do conceito de cidadania mul‑ticultural desenvolvido por Will Kymlicka e de que forma tal conceito se coadunou com os preceitos de uma teoria liberal e das necessidades de um contexto multicultural. Para tanto, foram analisados os pressupostos de compreensão do significado da teoria liberal e do contexto multicultural para o autor. Em seguida, verificou‑se o significado de diversidade cultural e dos direitos diferenciados. Por fim, partiu‑se para descrição e análise do conceito de cidadania liberal multicultural tal como exposto pelo autor canadense. O artigo foi elaborado mediante pesquisa teórica alicerçada em fontes secun‑dárias, em especial, as principais obras do autor sobre o tema. Com a pesquisa, ficou perceptível a elaboração de um conceito de cidadania diferenciada ou multicultural afirmado a partir dos pres‑supostos de uma teoria liberal e multicultural, dentro dos limites de um Estado nacional, incluindo uma proteção às minorias nacionais e étnicas, por meio de sua inserção e integração na cultura majoritária mediante a cessão de direitos diferenciados que permitem a acomodação e proteção de suas pertenças.

PALAVRAS‑CHAVE: Cidadania multicultural; direitos diferenciados; minorias; Will Kymlicka.

ABSTRACT: The aim of this article is to verify the basic principles of the concept of multicultural citizenship developed by Will Kymlicka, and analyze in which way such concept has appropriated the fundamentals of the liberal theory and the needs of a multicultural context. For that purposed we have analyzed the fundamentals of both the liberal theory and the multicultural context according to the author. Next we have verified the meaning of the cultural diversity and differentiated rights. Finally, we have described and analyzed the concept of multicultural liberal citizenship proposed by the Canadian author. The present article was elaborated through theoretical research based on secondary sources, especially the author´s main publications on the subject. The results evidenced the elaboration of a concept of differentiated citizenship, or multicultural citizenship, based on the premises of a liberal and multicultural theory, within the limits of a national state, including the pro‑tection of national and ethnical minorities, throughout its insertion and integration in the culture of the majority by means of differentiated rights, which allow for the accommodation and protection of its cultural needs.

KEYWORDS: Multicultural citizenship; differentiated rights; minorities; Will Kymlicka.

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SUMÁRIO: Introdução; 1 Pressupostos teóricos; 2 Diversidade cultural e natureza das reivindi‑cações minoritárias; 3 Cidadania diferenciada e a classificação dos direitos de grupo; Conclusão; Referências.

INTRODuÇÃO

O presente artigo tem por objetivo delinear a teoria liberal dos direi-tos de minoria desenvolvida por Will Kymlicka, tendo por fundamento a noção de cidadania diferenciada ou multicultural. Essa última é consubs-tanciada na coexistência de direitos liberais com direitos de grupos (direitos especiais de representação, direitos poliétnicos e direitos de autogoverno) para serem exercidos dentro dos domínios dos Estados pluriculturais, com intuito de combater as injustiças sofridas pelas minorias, protegendo assim a diversidade cultural e a pertença comunitária.

Nesse caminho, a inserção cultural leva o autor a conciliar o mode-lo liberal de justiça com a defesa do multiculturalismo, que reconhece a existência de direitos e liberdades coletivas às minorias étnicas e nacionais, defendendo a compatibilidade entre o liberalismo e o multiculturalismo, algo assim como um multiculturalismo liberal1.

1 PRESSuPOSTOS TEóRICOS

Antes de desenvolver o conceito de cidadania multicultural, Kymlicka parte na especificação dos fundamentos essenciais que justifiquem sua teoria.

O primeiro deles é justamente a escolha pela opção liberal para tra-tar dos problemas multiculturais. Kymlicka parte na defesa do liberalismo contra seus principais críticos, quais sejam, os comunitários, socialistas e feministas, que afirmam que o liberalismo deve ser rejeitado por seu exces-sivo individualismo ou atomismo, uma vez que ignora as manifestações de ser o indivíduo um ser encravado ou situado em regras sociais e relações comunais, caminhando assim para uma teoria liberal de caráter ahistórica e desprendida da realidade social2.

Entretanto, Kymlicka nega tais acusações, alegando que, para os libe-rais modernos, a cultura e o contexto social são valores importantes, o que

1 Cf. CÁMARA, Ignácio Sánchez. Integración o multiculturalismo. Persona y Derecho, Navarra: Universidad de Navarra, n. 49, p. 187, 2003.

2 KYMLICKA, Will. Liberalism, community and culture. New York: Oxford University Press, 1989. p. 9.

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de fato não ocorreu com os liberais da tradição clássica3. Para ele, as carac-terísticas humanas são sim formadas no contexto social, e isto é relevante para a defesa individual das escolhas e liberdades civis.

Esse fato fica melhor demonstrado a partir da noção de vida boa, enquanto segundo elemento importante na sua teoria. Para as contemporâ-

neas correntes liberais, as sociedades não são mais compostas por indiví-duos egoístas, unicamente preocupados com o bem próprio, mas por ho-mens cujos objetivos são também encontrar a vida boa4. Esta noção implica na necessidade de realizar duas pré-condições: a primeira, de o indivíduo conduzir sua vida conforme seus valores internos, de acordo com suas cren-ças, mediante as quais estabelece referências valorativas para sua vida, e a segunda condição é de ser o homem livre para revisar essas crenças e valo-res, examinando-as sob a luz de informações, exemplos e argumentos reti-rados da cultura e do convívio social, sendo necessário, para isso, o acesso à educação e às liberdades individuais para estarem aptos a realizarem boas escolhas.

Assim, é importante ter assegurado às condições culturais para que os indivíduos tenham acesso a diferentes visões sobre vida boa e adquiram habilidades para revisar suas visões a partir das liberdades individuais e condições de sociabilidade5. Desta forma, a liberdade figura como um com-ponente no aprendizado sobre o bem, diante de concepções errôneas que os indivíduos possam ter6. Com isso, o autor não aceita que o modelo de vida boa seja imposto aos indivíduos pela comunidade.

Nesse sentido, fica claro que o papel da cultura e sua defesa, enquan-to terceiro elemento da teoria liberal, ocorre primeiramente pela importân-cia dos contextos culturais na formação das identidades e no sentido de pertença dos indivíduos, mas também, e principalmente, porque é a cultura

3 Idem, p. 10. O autor enfatiza que esta defesa baseada na valorização da cultura já era feita pelos liberais tradicionais, como Mill, durante o período anterior à Segunda Guerra Mundial, cujo bastião maior era a Liga das Nações. Entretanto, após esse período, as demandas minoritárias se obscureceram para os liberais contemporâneos que voltaram sua atenção para os direitos humanos que deram ênfase aos direitos individuais. É dentro desta linha de desprezo aos direitos de minoria e prevalência aos direitos individuais civis que surge, entre a década de 1950-1960 nos Estados Unidos, a tendência da ideologia da color-blind contra a segregação racial (Idem, p. 210-214). Desta forma, como bem explicita Rosas, “o paradigma da libertação passou a assentar na não discriminação dos cidadãos, independentemente de suas afinidades étnicas ou similares. É este paradigma que Kymlicka, influenciado pela experiência do actual Canadá, quer alterar” (ROSAS, João Cardoso. Cidadania liberal e reconhecimento cultural. Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, v. 59, fsc. 1, p. 180, jan./mar. 2003).

4 DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. A teoria dos direitos culturais de minorias de Kymlicka: uma proposta alternativa de justiça no estado democrático de direito. In: SANTOS, Rogério Dultra dos (org.). Direito e política. Porto Alegre: Síntese, 2004. p.144.

5 KYMLICKA, Will. Op. cit., 1989. p. 12-13.6 Idem, p. 18.

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que vai propiciar aos indivíduos os contextos para exercerem suas liberda-des de escolha de concepções de bem e projetos de vida presentes nas so-ciedades que pertencem. A cultura tem seu real valor enquanto base para o exercício da autonomia privada, não sendo por isso valorosa por si mesma.

A noção de cultura societal passa a ser entendida como uma cultura formada tanto por valores e memórias compartilhadas, a partir de histórias e línguas específicas, como por instituições e práticas comuns, nas quais se encontram os significados das vidas individuais e comunitárias dentro de um território7. Isto faz com que uma cultura continue existindo, mesmo quando seus membros são livres para modificar o caráter desta, fornecendo opções válidas para escolhas e seus significados, caracterizando-se como uma precondição de fazer julgamentos inteligentes sobre como conduzir a vida8.

Dessa forma, como explica Rosas, a pertença comunitária passa a ser tida como um bem social primário que não é visto somente como um complemento necessário ao sistema de liberdades juntamente com as opor-tunidades, riqueza e rendimentos para o respeito do cidadão:

O reconhecimento da pertença não pode ser apenas uma conseqüência das condições que asseguram o respeito próprio na sociedade bem ordenada. Tal reconhecimento não deve vir depois, mas antes da definição da justiça e do status da cidadania. É isto que significa considerar a pertença cultural como um bem social primário […]. A introdução da pertença cultural de cada um como um bem social primário deve levar-nos a alterar a identidade formal dos indivíduos para garantir uma distribuição eqüitativa desse bem.9

Nessa defesa liberal das minorias, é bom frisar que, para o autor, a ideia de que as pessoas são entrelaçadas com suas culturas nacionais pode soar a conotações comunitaristas, mas, no entanto, sua teoria apresenta um cunho estritamente liberal, já que sua defesa à cultura não privilegia a tra-dição comunitária, mas sim as escolhas individuais para os membros dessas culturas nacionais que necessitam de liberdade para questionar, revisar e rejeitar as tradicionais maneiras de viver, não permitindo tal teoria infração às liberdades dos membros dos grupos10.

7 Cf. KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías. Trad. Carme Castells Auleda. Barcelona: Paidós, 1996. p. 36 e 112.

8 KYMLICKA, Will. Liberalism, community and culture, p. 165-167.9 ROSAS, João Cardoso. Op. cit., p. 179.10 KYMLICKA, Will. Liberalism and minority rights. An interview. Ratio Iuris, v. 12, n. 2, p. 138, 1999.

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Diante dessas afirmações é que o liberalismo vai requerer direitos de minorias para proteger justamente as culturas, em especial, as minoritárias vulneráveis, com objetivo de assegurar igual acesso a seus indivíduos a um seguro contexto de escolha. E esta garantia é baseada na existência de cir-cunstâncias desiguais pelas quais passam estas comunidades, as quais não têm responsabilidades pelas desvantagens sofridas, não devendo, por isso, arcar com os custos diante das pressões e medidas injustas colocadas pela cultura majoritária11.

Um último elemento necessário à teoria de Kymlicka diz respeito ao princípio da neutralidade, no qual o Estado deve assegurar a existência de uma adequada diversidade de opções culturais aos indivíduos, mediante reconhecimento, proteção e promoção das particularidades culturais12. Ou seja, na visão liberal, o Estado pode promover o bem comum, desde que suas metas políticas respeitem e promovam os interesses dos membros da comunidade. Tais metas são tidas como expressões do processo de combi-nação de preferências individuais que atribuem igual peso às preferências individuais, no sentido de estas não serem valoradas por um padrão públi-co. Isto seria diferente da visão comunitária na qual o bem comum define o jeito de viver da comunidade, havendo um modo público de dar peso às preferências individuais. Para estes, o modo de vida da comunidade forma a base para um ranking de concepções de bem e o peso dado a cada pre-ferência individual depende do quanto ela contribui ou se ajusta ao bem comum13.

Dessa maneira:

A diferença entre as versões liberal e comunitarista de bem comum residiria, então, no fato de que o bem comum liberal está centrado na busca de ga-rantias das capacidades individuais de livre escolha das concepções do bem, exigindo constrangimentos, restrições e limitações aos fins compartilhados, enquanto que o bem comum buscado pelo comunitarista é justamente a promoção destes fins compartilhados, os quais podem constranger e limitar as liberdades individuais de escolher e buscar seus próprios estilos de vida.14

11 KYMLICKA, Will. Liberalism, community and culture, p. 186-187.12 A proteção de uma estrutura sócio-cultural não é incompatível com a defesa da neutralidade e a corroboração

disto está na defesa liberal das liberdades civis, as quais possibilitam o surgimento do valor das diferentes concepções e preferências de vida. O fato é que a valoração e o reconhecimento dessas particularidades culturais devem ocorrer prioritariamente fora do Estado, de preferência no mercado sócio cultural. Cf. COSTA, Sérgio; WERLE, Denílson Luís. Reconhecer as diferenças: liberais, comunitários e as relações raciais no Brasil. In: SCHERER WARREN, Ilse et al. Cidadania e multiculturalismo: a teoria social no Brasil contemporâneo. Florianópolis/Lisboa: Editora da Ufsc/Socius, 2000. p. 89-90.

13 Idem, p. 88-89.14 Idem, ibidem.

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2 DIVERSIDADE CuLTuRAL E NATuREZA DAS REIVINDICAÇÕES MINORITÁRIAS

Para Kymlicka, é necessário que o Estado trate de assegurar e defen-der a diversidade cultural com o estabelecimento de direitos diferenciados aos grupos culturais minoritários. Nesse sentido, sua teoria defende dois modelos amplos de diversidade cultural, quais sejam: as minorias nacionais e minorias étnicas existentes dentro dos Estados pluriculturais15.

As minorias nacionais surgem da incorporação de si a culturas ma-joritárias quando inicialmente desfrutavam autogoverno e estavam territo-rialmente concentradas em um Estado maior. Tais minorias seguem com o desejo de continuar sociedades distintas a respeito da cultura majoritária, exigindo formas de autonomia ou de autogoverno. Nos grupos étnicos ou minorias étnicas, a diversidade surge proveniente da imigração individual e/ou familiar. Esses grupos desejam se integrar à sociedade majoritária, ob-tendo maior reconhecimento de sua identidade étnica, com objetivo de modificar as instituições e leis destas sociedades para que elas sejam mais permeáveis às suas diferenças culturais.

É interessante notar que a imigração e a incorporação das minorias nacionais são as duas fontes mais comuns de diversidade cultural nos Esta-dos Modernos, sendo que tais categorias, por serem amplas, são aplicadas como critério distintivo em vários países nos quais situam os demais grupos culturais entre um ou outro campo. Porém, nem todos os grupos se adaptam a esta classificação, como o caso dos afro-americanos16, dos refugiados-

15 KYMLICKA, Will. Introducción. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003a. p. 25-26. Kymlicka passa a explicar que estas duas modalidades de minorias passam por dois modos de incorporação histórica elaborando para tanto a distinção entre Estados multinacionais e Estados poliétnicos, que formam a noção de Estados pluriculturais. Assim, um Estado multinacional é aquele que contém mais de uma nação, na qual as culturas menores conformam com cultura da maioria. A incorporação das diferentes nações em um só Estado pode ser tanto involuntária, como no caso de invasões e conquistas de uma comunidade cultural por outra, como voluntária, tal como ocorre quando culturas diferentes optam por formar uma federação para benefício mútuo (Idem, p. 26). Um Estado é Poliétnico quando sua diversidade cultural é proveniente da emigração individual e familiar, permitindo estas a manter algumas de suas particularidades étnicas. Estes grupos participam das instituições públicas da cultura dominante e se expressam nas línguas dominantes. E isto não caracteriza assimilação total dos grupos, permitindo que eles mantenham suas práticas e identidades culturais, reconhecendo ainda os direitos de acomodação. (KYMLICKA, Will. Es necesaria una teoría liberal de los derechos de las minorías – Respuesta a Carens, Young, Parekh y Forst. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003d. p. 75-80).

16 KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías, p. 43-44. Eles não são nem imigrantes voluntários, pois foram para a América de maneira involuntária (escravos), e por estarem impedidos de se integrar às instituições da cultura majoritária. Além disso, também não possuem terras naturais na América ou uma língua histórica comum. Tais motivos não permitiram que se integrassem na cultura dominante, nem que mantivessem sua língua ou cultura comum de origem ou que criassem novas formas de associações e instituições culturais.

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-imigrantes-voluntários17 ou minorias que envolvem estilos de vida grupal, tais como os movimentos sociais, as associações voluntárias e mesmo os novos movimentos sociais18.

Para Kymlicka, apesar destes grupos não se encaixarem na divisão entre minorias nacionais e étnicas e de apresentar diferenças entre si, de-vem ser abarcados por sua teoria de maneira indireta, já que existe uma ideia comum a todos eles, que é a carência do acesso à cultura que acarreta injustiças19.

No caminho de uma defesa liberal dos direitos diferenciados para as minorias designadas anteriormente, o autor afirma categoricamente que tais direitos seriam consistentes com os princípios liberais de liberdade, igualda-de e autonomia, e ainda que eles não se descreveriam como direitos cole-tivos, entendidos da forma tradicional como em oposição aos direitos indi-viduais, ou seja, envolvendo a dicotomia entre individualistas e coletivistas sobre a prioridade relativa do indivíduo ou a comunidade20.

A concepção liberal, “parte da ideia de que a origem dos direitos não está na comunidade, mas sim no indivíduo; e aí se encontra o fundamento dos direitos coletivos no direito de todo indivíduo a manter e expressar sua

17 Estes almejavam recriar sua cultura de forma autônoma da dominante, ou ainda as minorias que com o transcurso do tempo se dispersaram ou perderam seu poder e capacidade de se autogovernar.

18 Porém, isto ocorre não porque não ache que as questões que estabelecem estes grupos não sejam importantes, mas porque se tem por suposto que a acomodação das diferenças éticas e nacionalidades é somente um aspecto de uma luta mais ampla que deve ser combatida dentro do Estado-nação. A marginalização desses grupos ultrapassa as fronteiras étnicas e nacionais, ocorrendo nas culturas majoritárias e no Estado-nação, assim como também dentro das minorias nacionais e grupos étnicos. Desta maneira, os direitos das minorias culturais devem ser compatíveis com as justas reivindicações dos grupos sociais que se encontram em situação de desvantagem.

19 No tocante às minorias iliberais, o autor explica que o compromisso liberal de respeito à identidade nacional se deriva justamente dessa permissão no desenvolvimento da autonomia individual. No tratamento com tais minorias iliberais, o objetivo não deveria ser dissolver estas nações não liberais mediante assimilação, mas sim tratar de liberalizá-las, ainda quando não seja possível em todos os casos. E isto para que tais minorias possam converter-se “no tipo de sociedade de cidadãos livres e iguais que o liberalismo se propõe lograr”. No tocante à interferência de terceiros nesses grupos iliberais, o autor explica que são poucas possibilidades de casos de interferências legítimas de terceiros, tanto no caso das minorias nacionais como em países estrangeiros, sendo que em países multinacionais as relações entre as nações majoritárias e minoritárias deveriam se reger sobre negociação pacífica, mediante diálogo com base em princípios fundamentais ou mediante outras bases, como o modus vivendi. No caso de serem as minorias iliberais a maioria, as minorias liberais devem aprender a conviver. Mas os liberais têm o direito e a responsabilidade de manifestar sua desconformidade, com tal situação, tentando promover reformas e seus valores por meio de razões ou exemplos, com o auxílio dos liberais estrangeiros. E isto é diferente de usar coerção, pois incentiva liberalização da cultura iliberal, inclusive com o desenvolvimento de mecanismo internacional para proteção dos direitos humanos, como exemplo da criação de tribunais internacionais de revisão. Porém, o autor aponta uma exceção, tanto no tocante à intervenção federal quanto a países estrangeiros, no caso de haver violação flagrante e sistemática dos direitos humanos, tais como escravidão, genocídio, a tortura e as expulsões massivas. (KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías, p. 136, p. 227-233; KYMLICKA, Will. Es necesaria una teoría liberal de los derechos de las minorías – Respuesta a Carens, Young, Parekh y Forst. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía, p. 82).

20 Idem, p. 57-58 e 71.

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identidade cultural, lingüística e religiosa”21. Por isso, entende que o funda-mento dos direitos coletivos se encontra no indivíduo e não na comunidade e que, por tal motivo, alguns direitos de grupos não são anti-individuais.

Todavia, importante na caracterização dos direitos diferenciados é que eles se baseiam na ideia de que a justiça entre os grupos exige que os membros de grupos diferenciados se concedam direitos diferentes, tais como direito ao território, língua e representação, entre outros22.

Nesse caminho, o autor parte em distinguir os direitos coletivos entre dois tipos de reivindicações que um grupo étnico ou nacional podem fazer: as restrições internas e as proteções externas. As restrições internas dizem respeito a reivindicações de um grupo contra seus próprios membros, tendo por objetivo proteger o grupo do impacto desestabilizador do dissenso in-terno. Tais restrições dizem respeito a relações intragrupais na qual o grupo étnico ou nacional pode pretender usar o poder do Estado para restringir as liberdades civis e políticas básicas de seus próprios membros em nome da solidariedade de grupos.

Já as proteções externas tratam das reivindicações dos grupos contra a sociedade na qual está inserida, tendo por objetivo protegê-los do impacto das decisões externas. Tais proteções implicam em relações intergrupais, isto é, “o grupo étnico ou nacional pode tratar de proteger sua existência e sua identidade específica limitando o impacto das decisões da sociedade que está inserida”23.

Para o autor, uma teoria liberal dos direitos das minorias poderia ser defendida somente na defesa das proteções externas, já que estas promo-vem a equidade entre os grupos, rejeitando assim as restrições internas que limitam os direitos dos membros dos grupos de questionar e rever as au-toridades e práticas tradicionais24. Todavia, é mister esclarecer que as res-trições internas poderão ser aceitas diante das especificidades de um caso concreto25.

21 “[...] parte de que el origen de los derechos no está en la comunidad sino en el individuo; de ahí que encuentre el fundamento de los derechos colectivos en el derecho de todo individuo a mantener y expresar su identidad cultural, lingüística y religiosa.” (TALAVERA, Pedro. Nacionalismo, identidad y pluriculturalidad. Persona y Derecho, Pamplona/Espanha, n. 49, p. 445-506, 2003. p. 487)

22 Idem, p. 71-76.23 “[...] el grupo étnico o nacional puede tratar de proteger su existencia y su identidad específica limitando

el impacto de las decisiones de la sociedad en la que está englobado”. (KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías, p. 59)

24 Idem, p. 60.25 É de se destacar que tanto os direitos poliétnicos, de representação e de autogoverno, sofrem limitações dos

princípios liberais, principalmente do princípio da tolerância, que se caracteriza pelo compromisso com a autonomia individual, na qual os indivíduos devem ter liberdade para valorar e revisar seus fins atuais. Por

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3 CIDADANIA DIfERENCIADA E A CLASSIfICAÇÃO DOS DIREITOS DE GRuPO

A proposta de Kymlicka em repensar a cidadania parte em coadunar na defesa das minorias os direitos individuais (direitos fundamentais e ou humanos) com os direitos diferenciados, uma vez que somente a utilização dos direitos humanos não seria suficiente para proteção das minorias, pois seus princípios são incapazes de dar conta da realidade e dos conflitos da diversidade cultural, tanto no interior de uma sociedade, bem como entre sociedades.

Os direitos humanos, assim definidos como “a constelação de direi-tos políticos e civis individuais que estão formulados nas constituições de-mocráticas ocidentais [...]”26, apesar de possuir um forte caráter individual, permite várias atividades grupais, servindo principalmente para proteção da vida desses grupos. Entretanto, não são suficientes para a eficaz prote-ção, vindo a contribuir para, muitas vezes, piorar a situação grupal, pois a maioria, diante de uma sociedade, acaba invocando os princípios dos direitos humanos para exigir “acesso ao território da minoria, para solapar os principais mecanismos tradicionais políticos de consulta e acomodo e para rechaçar as políticas lingüísticas que tratam de proteger a viabilidade territorial das comunidades minoritárias”27.

No tocante à utilização dos direitos humanos para a defesa das mi-norias no âmbito internacional, também se encontra um déficit nos me-canismos para o cumprimento destes direitos28. Por isso a importância da comunidade internacional em funcionar como um árbitro, como tribunais multilaterais internacionais, para defesa dos direitos humanos e dos direitos

isso, a tolerância estabelece dois tipos de limites aos direitos diferenciados: o primeiro estabelece que uma concepção liberal de direitos de minorias não justifica, exceto em circunstâncias extremas, às restrições internas, e em segundo, mesmo que se coadune melhor com conotação de proteções externas, não pode aceitar decisões que permitam que um grupo oprima ou explore o outro. Estas medidas somente são aceitas como legítimas quando fomentem a igualdade entre os grupos. Em resumo: uma perspectiva liberal exige liberdade dentro do grupo minoritário e igualdade entre os grupos minoritários e majoritários. Nesse sentido, uma concepção liberal de direito das minorias não pode fazer suas todas as reivindicações, já que não justifica nem defende as restrições internas para eleição e revisão dos valores. (Idem, p. 211-218)

26 Idem, p. 104.27 “La mayoría invoca los principios de los derechos humanos para exigir acceso al territorio de la minoría,

para desguazar los tradicionales mecanismos políticos de consulta y acomodo y para rechazar las políticas lingüísticas que tratan de proteger la viabilidad territorial de las comunidades minoritarias.” (KYMLICKA, Will. Derechos humanos y justicia entocultural. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003f. p. 114)

28 Vários são os motivos: dificuldade no modo de codificação dos direitos de minoria no plano internacional, haja vista a existência de vários tipos de minorias com diferentes demandas, dificultando encontrar um denominador comum para tais direitos; por não haver um organismo imparcial para julgar e fazer cumprir tais direitos no plano doméstico, pois se rejeita muitas vezes as cortes supremas dos países como última instância para revisão federal já que geralmente estas optam pela maioria e não pelo direito das minorias. (Idem, p. 117-125)

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das minorias, bem como de incentivar que os grupos minoritários possam criar ou manter seus próprios procedimentos para proteção dos direitos hu-manos dentro de suas comunidades.

É então desta conciliação que surge a cidadania diferenciada. Esta passa a ser caracterizada, principalmente, pelos direitos diferenciados em função do grupo que se compõem das proteções externas que incluem os direitos de autogoverno, os direitos poliétnicos e os direitos especiais de re-presentação. Tais direitos têm a função de ajudar na proteção das minorias contra o poder econômico e/ou político da sociedade que estão inseridas.

Os direitos de autogoverno dizem respeito à necessária autonomia política ou jurídica territorial dos grupos para governar a si mesmos, as-segurando o pleno e livre desenvolvimento de suas culturas e interesses de sua gente. A concessão de tais direitos teria como objetivo impedir a secessão que seria um ato extremo. O federalismo se constituiria no modo de reconhecer as reivindicações de autogoverno e acomodar as minorias nacionais29. Este modelo, como explicita o autor, consiste na repartição de poderes entre o governo central e as subunidades regionais30, nas quais am-bos possuem centros de poderes soberanos em certas áreas onde não pode haver intromissão de competência31.

Tais direitos se aplicam às minorias nacionais presentes nos Estados Multinacionais, caracterizando-se como um tipo de direito de caráter per-manente, já que não tem por objetivo eliminar opressões sofridas pelos gru-pos minoritários.

No que tange aos direitos poliétnicos, estes são medidas específicas em função do grupo de pertença que “tem por objetivo ajudar os grupos étnicos e as minorias religiosas a expressarem sua particularidade e seu or-gulho cultural sem que isto seja obstáculo no êxito de suas demandas frente

29 A defesa que tais direitos devem servir aos anseios das minorias nacionais se justifica no fato de que estas, diferentemente dos emigrantes, foram grupos que formaram sociedades operativas em seus territórios de origem antes de serem incorporados por Estados maiores. Assim, tais grupos têm lutado para manter suas instituições. Por isto exigem direitos linguísticos e autonomia regional para sustentar suas instituições. (KYMLICKA, Will. Es necesaria una teoría liberal de los derechos de las minorías – Respuesta a Carens, Young, Parekh y Forst. In: ______. Op. cit., p. 80)

30 KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías, p. 47.31 KYMLICKA, Will. Nacionalismo minoritario y federalismo multinacional. In: ______. La política vernácula.

Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003e. p. 134. O local no qual se encontram as minorias podem traçar os limites dessas novas subunidades federais de maneira que as minorias nacionais formem uma maioria nestes locais. Desta forma, o federalismo pode oferecer um amplo governo a uma minoria nacional, garantindo sua capacidade de tomar decisões em determinadas esferas sem sofrer rechaço da sociedade global. (KYMLICKA, Will. Ciudadania liberal – Una teoría liberal de los derechos de las minorías, p. 48)

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às instituições econômicas e políticas da sociedade dominante”32. Tais di-reitos não são temporais, pois as diferenças culturais não são algo que se pretende eliminar, sendo justamente o tipo de direito fornecido para integrar mediante adoção de leis que combatam não só a discriminação e os pre-juízos da integração, bem como servem para incentivar a modificação das instituições da cultura dominante para aceitar estas novas culturas. Exemplo disso são os direitos dos judeus e muçulmanos de se eximir da legislação que os obriga a fechar o comércio aos domingos33.

Os direitos especiais de representação são aqueles originados da preocupação nas democracias ocidentais da falta de representatividade no processo político das questões da diversidade e dos grupos desfavorecidos. Na maioria destes países, os legislativos estão dominados por homens bran-cos e de classe média que muitas vezes não padecem ou não representam tais questões culturais34. Isto faz pensar em uma alternativa a esta situação, mediante a utilização da representação legislativa proporcional35, na qual reserva determinado número de assentos para os membros dos grupos mar-ginalizados ou desfavorecidos no foro parlamentar.

Assim, o autor aponta para a importância de soluções políticas para resolução dos problemas que envolvem as minorias, entretanto, ressalta ser necessário pensar a equidade dos direitos diferenciados e procedimentos de tomada de decisão. A equidade nos procedimentos seria justamente escutar e ter em conta os interesses e as perspectivas das minorias, sendo impor-tante para isto os direitos tradicionais de cidadania para que estas possam votar e se apresentar em eleições, organizando politicamente e defendendo publicamente seus critérios. Porém, isto não basta, necessitando cotas de assentos para membros marginalizados36.

Nesse caminho, Kymlicka aponta alguns efeitos positivos das propos-tas de representação proporcional, uma vez que elas permitam e promovam candidaturas mais equilibradas, assegurando a candidatura nos partidos de brancos, negros, homens e mulheres, indígenas e emigrantes, mostrando, durante o processo de resignação de candidatos, as insuficiências do siste-ma tradicional de representação37.

32 “[...] tienen como objetivo ayudar a los grupos étnicos y a las minorías religiosas a que expresen su particularidad y su orgullo cultural sin que ello obstaculice éxito en las instituciones económicas y políticas de la sociedad dominante”. (Idem, p. 53)

33 Idem, p. 135.34 Idem, p. 53.35 Idem, p. 54-55.36 Idem, p. 183-184.37 Idem, p. 186.

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Os direitos à representação caberiam tanto às minorias nacionais, aos grupos étnicos ou ainda a outros tipos de grupos sociais, tais como as mu-lheres, os negros etc., apresentando, porém, caráter temporário, até que as sociedades possam remover as opressões sentidas por estes grupos e não necessitem mais deles.

CONCLuSÃO

De acordo com o exposto, se tem delineada a noção de cidadania diferenciada que se sustenta nos mesmos princípios liberais usados para sustentar uma defesa de uma cidadania tradicional38, em especial, nos prin-cípios de liberdade e igualdade, uma vez que “a liberdade individual está relacionada com a pertença ao próprio grupo nacional e que os direitos específicos em função do grupo fomentam a igualdade entre a minoria e maioria”39.

No entanto, a noção de cidadania diferenciada baseada nos direitos das minorias pretende ser contra a noção de cidadania tradicional, na qual bastam os direitos comuns de cidadania para proteção da pertença cultu-ral, pregando ainda a separação entre Estado e etnicidade; a não proteção do mercado cultural; o não fomento ou proteção a culturas determinadas dentro de uma política de omissão bem intencionada. Todavia, o autor, utilizando destes mesmos princípios liberais, parte para a defesa de uma cidadania diferenciada, na qual pode ajudar a corrigir desvantagens sofridas pelos grupos minoritários, diante do grupo majoritário, sendo que as prote-ções externas e os direitos que a compõem asseguram aos grupos as mesmas oportunidades de viver e trabalhar em sua própria cultura que os membros da classe majoritária40.

É de ressaltar que o autor defende uma ideia de cidadania ainda den-tro dos limites e auspícios do Estado nacional, sendo que as políticas de-mocráticas são políticas realizadas em língua vernácula, ou seja, “quando as pessoas estão disponíveis em participar e deliberar com suas próprias instituições em sua própria língua”41.

38 Idem, p. 174.39 “[...] la libertad individual está relacionada con la pertenencia al propio grupo nacional, y que los derechos

específicos en función del grupo pueden fomentar la igualdad entre la minoría y la mayoría”. (Idem, p. 102)40 Idem, p. 151-153.41 “When people are able to participate and deliberate within their own national institutions in their own

language.” (KYMLICKA, Will. Liberalism and minority rights. An interview. Ratio Iuris, p. 144)

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Dessa forma, fixa-se a defesa de uma cidadania diferenciada de cará-ter liberal e multicultural, dentro dos limites e do julgo do Estado nacional, a qual impõe uma conduta por parte deste que deve velar e proteger seus cidadãos, incluindo como tais as minorias nacionais e étnicas, buscando sua integração na cultura majoritária por meio da cessão de direitos diferen-ciados que permitam a acomodação e proteção de sua pertença.

REfERêNCIAS

CÁMARA, Ignácio Sánchez. Integración o multiculturalismo. Persona y Dere-cho, Navarra: Universidad de Navarra, n. 49, p. 163-183, 2003.

COSTA, Sérgio; WERLE, Denílson Luís. Reconhecer as diferenças: liberais, comunitários e as relações raciais no Brasil. In: SCHERER WARREN, Ilse et al. Cidadania e multiculturalismo: a teoria social no Brasil contemporâneo. Florianópolis/Lisboa: Editora da Ufsc/Socius, 2000.

DELGADO, José Manuel Avelino de Pina. A teoria dos direitos culturais de mi-norias de Kymlicka: uma proposta alternativa de justiça no estado democrático de direito. In: SANTOS, Rogério Dultra dos (org.). Direito e política. Porto Alegre: Síntese, 2004.

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______. Introducción. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, mul-ticulturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003a.

______. El nuevo debate sobre los derechos de las minorías. In: ______. La po-lítica vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003b.

______. El culturalismo liberal: un consenso naciente. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003c.

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______. Es necesaria una teoría liberal de los derechos de las minorías – Res-puesta a Carens, Young, Parekh y Forst. In: ______. La política vernácula. Nacionalismo, multiculturalismo y ciudadanía. Trad. Tomás Fernández Aúz y Beatriz Eguibar. Barcelona: Paídos, 2003d.

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ROSAS, João Cardoso. Cidadania liberal e reconhecimento cultural. Revista Portuguesa de Filosofia, Braga, v. 59, fsc. 1, p. 171-183, jan./mar. 2003.

TALAVERA, Pedro. Nacionalismo, identidad y pluriculturalidad. Persona y Derecho, Pamplona/Espanha, n. 49, p. 445-506, 2003.

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Parte Geral – Jurisprudência

2974

Supremo Tribunal Federal12.08.2014Primeira TurmaAg.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 789.500 – Rio Grande do SulRelator: Min. Luiz FuxAgte.(s): Federação dos Sindicatos de Servidores Municipais do Estado do Rio Grande do Sul – FesismersAdv.(a/s): Carlos Eli Moreira de Campos e outro(a/s)Agdo.(a/s): Município de Porto AlegreProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral do Município de Porto AlegreIntdo.(a/s): Sindicato dos Municipários de Porto Alegre – SimpaAdv.(a/s): Shana Guterres de Souza e outro(a/s)

eMentA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECuRSO ExTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR – CONTRIBuIÇÃO SINDICAL – POSSIBILIDADE – ART. 589 DA CLT – AuSêNCIA DO NECESSÁRIO PREQuESTIONAMENTO – SÚMuLAS NºS 282 E 356 DO STf

1. O prequestionamento da questão constitucional é requisito indis-pensável à admissão do recurso extraordinário.

2. As Súmulas nºs 282 e 356 do STF dispõem, respectivamente, verbis: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando não venti-lada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada” e “o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos decla-ratórios, não podem ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento”.

3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “AGRAVO DE INSTRU-MENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO SINDI-CAL – ART. 589 DA CLT – RETENÇÃO DE 60% DO VALOR DEVIDO AO SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE (SIMPA) – POSSIBILIDADE, DIANTE DA DESISTÊNCIA DO VALOR POR PAR-TE DA ENTIDADE – DEPÓSITO EM JUÍZO DOS 40% REMANESCEN-TES – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PECUNIÁRIO À FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS DO ESTADO DO RS (FESISMERS)”.

4. Agravo regimental desprovido.

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Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 12 de agosto de 2014.

Luiz Fux – Relator Documento assinado digitalmente

relAtórIo

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de agravo regimental interposto pela Federação dos Sindicatos de Servidores Municipais do Es-tado do Rio Grande do Sul – Fesismers contra decisão que prolatei, assim ementada:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – SERVIDOR – CONTRI-BUIÇÃO SINDICAL – RETENÇÃO – POSSIBILIDADE – ART. 589 DA CLT – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – REPERCUSSÃO GERAL NÃO EXAMINADA EM FACE DE OUTROS FUNDAMENTOS QUE OBSTAM A ADMISSÃO DO APELO EXTREMO

1. O prequestionamento da questão constitucional é requisito indispensável à admissão do recurso extraordinário.

2. As Súmulas nºs 282 e 356 do STF dispõem, respectivamente, verbis: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão re-corrida, a questão federal suscitada’ e ‘o ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não podem ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento’.

3. A repercussão geral pressupõe recurso admissível sob o crivo dos demais requisitos constitucionais e processuais de admissibilidade (art. 323 do RIS-TF). Consectariamente, se o recurso é inadmissível por outro motivo, não há como se pretender seja reconhecida “a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso” (art. 102, III, § 3º, da CF).

4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONTRIBUIÇÃO SINDICAL – ART. 589 DA CLT – RETENÇÃO DE 60% DO VALOR DEVIDO AO SINDICATO DOS MUNICIPÁRIOS DE PORTO ALEGRE (SIMPA) – POSSIBILIDADE, DIANTE

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DA DESISTÊNCIA DO VALOR POR PARTE DA ENTIDADE – DEPÓSITO EM JUÍZO DOS 40% REMANESCENTES – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO PECUNIÁ-RIO À FEDERAÇÃO DOS SINDICATOS DE SERVIDORES MUNICIPAIS DO ESTADO DO RS (FESISMERS)’.

5. Agravo desprovido”.

Inconformada com a decisão supra, a agravante interpõe o recurso alegando, em síntese:

“Ocorre que a Recorrente interpôs sim Embargos de Declaração, cadastrados sob o nº 70049689540, no qual a 21ª Câmara Cível ressaltou inclusive que a matéria já havia sido enfrentada afirmando, g.n.:

[...]

Assim, Excelências, é entendimento pacífico que não se exige do órgão jul-gador a menção expressa ao dispositivo legal invocado, mas sim a adoção de tese a respeito da matéria debatida.

[...]

Portanto, apesar de não ter sido expressamente referido os artigos tido por violados, o Tribunal adotou tese no sentido de reconhecer a correção da de-cisão atacada, afastando pois a tese da recorrente de violação à coisa julga-da, versada no art. 5º, XXXVI da CF, fazendo-se impor, em contrapartida, os princípios da celeridade e da economia processual” (fls. 2-3 do documento eletrônico 6).

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): A presente irresignação não merece prosperar.

Em que pesem os argumentos expendidos no agravo, resta eviden-ciado das razões recursais que a agravante não trouxe nenhum argumento capaz de infirmar a decisão hostilizada, razão pela qual a mesma deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

De início, pontuo que, ao contrário do que alegado pela recorrente, o dispositivo constitucional apontado como violado no apelo extremo não fora suscitado nas razões da apelação, tampouco os declaratórios opostos pela agravante provocaram a manifestação do Tribunal a quo a respeito do tema.

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Com efeito, esta Corte já firmou entendimento no sentido de que a in-terposição do recurso extraordinário impõe que o dispositivo constitucional tido por violado, como meio de se aferir a admissão da impugnação, tenha sido debatido no acórdão recorrido, sob pena de padecer o recurso da im-posição jurisprudencial do prequestionamento. Nesse sentido:

“A exigência do prequestionamento não decorre de simples apego a deter-minada forma. A razão de ser está na necessidade de proceder a cotejo para, somente então, assentar-se o enquadramento do recurso no permissivo legal. Diz-se prequestionado determinado tema quando o órgão julgador haja ado-tado entendimento explícito a respeito, contando a parte sequiosa de ver o processo guindado a sede extraordinário com remédio legal para compeli--lo a tanto – os embargos declaratórios. [...]” (RE 128.518, Rel. Min. Marco Aurélio, Plenário, DJ 08.03.1991).

Impende asseverar que a exigência do prequestionamento não é mero rigorismo formal que pode ser afastado pelo julgador a qualquer pretexto. Ele consubstancia a necessidade de obediência aos limites impostos ao jul-gamento das questões submetidas a este Supremo Tribunal Federal, cuja competência fora outorgada pela Constituição Federal, em seu art. 102. Nesse dispositivo não há previsão de apreciação originária por este Pretório Excelso de questões como as que ora se apresentam. A competência para a apreciação originária de pleitos no C. STF está exaustivamente arrolada no antecitado dispositivo constitucional, não podendo sofrer ampliação na via do recurso extraordinário. Por oportuno, trago à colação trecho do voto condutor do AI 140.623-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Tur-ma, DJ 18.09.1992:

“Ora, o fato de não estar explícito na Constituição, não afeta a exigibilidade do prequestionamento como pressuposto do recurso extraordinário. Antiga e firme jurisprudência desta Corte o reputa da própria natureza do recurso extraordinário. Ao julgá-lo, o Tribunal não se converte em terceiro grau de jurisdição, mas se detém no exame do acórdão recorrido e verifica se nele a regra de direito recebeu boa ou má aplicação. Daí a necessidade de que no julgamento impugnado se tenha discutido a questão constitucional posta no extraordinário.”

In casu, dessume-se dos autos que a recorrente furtou-se em preques-tionar, em momento oportuno, o dispositivo constitucional apontado como violado nas razões do apelo extremo, atraindo, inarredavelmente, o óbice da ausência de prequestionamento, requisito essencial à admissão do mes-mo. E tampouco, suscitou a questão em sede de embargos declaratórios no Tribunal de origem. Incidência do óbice erigido pelo enunciado da Súmula

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nº 282/STF, de seguinte teor: ‘É inadmissível o recurso extraordinário, quan-do não ventilada na decisão recorrida, a questão federal suscitada’. Nesse sentido:

“De acordo com a jurisprudência desta Corte, para se ter como prequestio-nada, a matéria deve ter sido trazida nas razões do recurso e abordada no acórdão recorrido, ou, caso omisso o tribunal recorrido, suscitada em embar-gos de declaração. Da mesma forma, para que a ofensa surgida no acórdão recorrido seja considerada prequestionada, deve-se dar ao tribunal recorri-do, via embargos de declaração, oportunidade para manifestar-se acerca da violação apontada” (AI 742.256-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 17.05.2011).

Ex positis, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

eXtrAto de AtA

Ag.Reg. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 789.500

Proced.: Rio Grande do Sul

Relator: Min. Luiz Fux

Agte.(s): Federação dos Sindicatos de Servidores Municipais do Estado do Rio Grande do Sul – Fesismers

Adv.(a/s): Carlos Eli Moreira de Campos e outro(a/s)

Agdo.(a/s): Município de Porto Alegre

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral do Município de Porto Alegre

Intdo.(a/s): Sindicato dos Municipários de Porto Alegre – Simpa

Adv.(a/s): Shana Guterres de Souza e outro(a/s)

Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos ter-mos do voto do relator. Unânime. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 12.08.2014.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Déborah Duprat.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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Parte Geral – Jurisprudência

2975

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Criminal nº 0002511‑48.2011.4.01.3806/MGRelator: Desembargador Federal Ney BelloApelante: Antonio Pinto da CunhaAdvogado: Willian Custodio da Silva e outros(as)Apelante: Heleno João dos SantosAdvogado: Oabi Gebrim JuniorApelado: Justiça PúblicaProcurador: Sergio de Almeida Cipriano

eMentA

PENAL – PROCESSuAL PENAL – uSuRPAÇÃO DE PATRIMÔNIO DA uNIÃO – ART. 2º, CAPuT, DA LEI Nº 8.176/1991 – ExTRAÇÃO ILEGAL DE CASCALhO DIAMANTÍfERO – INÉPCIA DA DENÚNCIA NÃO VERIfICADA – JuSTA CAuSA PRESENTE – ExTINÇÃO DA PuNIBILIDADE – PRESCRIÇÃO – MATERIALIDADE E AuTORIA COMPROVADAS – ERRO DE PROIBIÇÃO NÃO CONfIGuRADO – DOSIMETRIA REfORMADA – APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA

1. A denúncia que descreve os fatos delituosos com todas as suas circunstâncias, de maneira a possibilitar a compreensão da acusação e o exercício de defesa pelo réu, não ofende o art. 41 do Código de Processo Penal.

2. A justa causa para a ação penal está relacionada com a existência de um mínimo de provas que demonstrem indícios de autoria e mate-rialidade do delito, o que se verificou nos presentes autos.

3. Prescrição da pretensão punitiva estatal reconhecida em relação a um dos acusados, ocorrida entre a data de recebimento da denúncia e a publicação da sentença apelada. Redução do prazo prescricional pela metade por força da incidência do art. 115 do Código Penal.

4. Comprovadas a materialidade e a autoria do delito de usurpação de patrimônio da União previsto no art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e do delito ambiental previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998.

5. O contexto probatório é suficiente para demonstrar que o réu não agiu acobertado por erro sobre a ilicitude do fato.

6. Redução da pena-base ao mínimo legal e ajuste nos demais aspec-tos da dosimetria.

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7. Declarada extinta a punibilidade do primeiro apelante, com fun-damento no art. 107, IV, do Código Penal e prejudicada a apelação por ele interposta.

8. Apelação do réu remanescente parcialmente provida.

Acórdão

Decide a Turma, à unanimidade, declarar extinta a punibilidade de Antônio Pinto da Cunha, pela prescrição da pretensão punitiva, e dar par-cial provimento à apelação de Heleno João dos Santos.

Terceira Turma do TRF da 1ª Região.

Brasília, 10 de fevereiro de 2015.

Desembargador Federal Ney Bello Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello (Relator):

Cuida-se de apelações interpostas por Heleno João dos Santos e Antônio Pinto da Cunha contra a sentença prolatada pelo Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Patos de Minas/MG, que os condenou pela prática das condutas descritas no art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55, caput, da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal, aplicando--lhes pena de 02 (dois) anos de detenção, em regime aberto, e 26 (vinte e seis) dias-multa, à razão de um salário mínimo vigente ao tempo dos fatos. A pena privativa de liberdade foi substituída por prestação pecuniária e pres-tação de serviços comunitários.

Narra a denúncia que, no dia 07.07.2010, os réus executaram extra-ção de recursos minerais, bem como exploraram matéria-prima pertencente à União, sem autorização dos órgãos competentes, por meio da constante retirada de cascalho diamantífero no referido local (fls. 03/06).

Na sentença, o Juízo a quo entendeu ser incontroverso que a ativida-de de lavra mineral vinha sendo desenvolvida de forma irregular, conside-rando suficientemente demonstradas a materialidade e a autoria dos delitos imputados na denúncia. Por fim, afastou a tese de erro sobre a ilicitude do fato, uma vez que o réu Heleno, já envolvido em autuação anteriormente

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lavrada, evidentemente conhecia a necessidade de autorização para ativi-dade extrativista (fls. 207/218-v).

Em razões de apelação, o apelante Antônio Pinto da Cunha alega a inépcia da denúncia e ausência de justa causa para propositura da ação penal, assim como que não existem provas da participação do apelante nas práticas delituosas (fls. 280/286).

O apelante Heleno João dos Santos aduz ausência de justa causa para propositura da ação penal, assim como ausência de elementos que comprovem a autoria e a materialidade delitiva. Postula o reconhecimento da extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição, a existência de erro sobre a ilicitude da conduta e, por fim, alega a absorção do delito do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 pelo crime do art. 55 da Lei nº 9.605/1998 (fls. 262/272).

Contrarrazões do Ministério Público Federal às fls. 289/295.

Nesta instância, o MPF manifestou-se pelo não provimento do recur-so de apelação Heleno João dos Santos e pela decretação da extinção de punibilidade do réu Antônio Pinto da Cunha em razão da ocorrência da prescrição.

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ney Bello (Relator):

Inicialmente, reconheço a prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao acusado Antonio Pinto da Cunha, ocorrida entre a data do recebimento da denúncia – 05.07.2011 (fls. 87/88) – e a de publicação da sentença penal condenatória – 05.07.2013 (fl. 219).

Considerando o trânsito em julgado para a acusação; o prazo pres-cricional previsto para as penas fixadas na sentença ser de quatro anos – art. 109, V, do CP; e o fato de o réu possuir mais de 70 (setenta) anos na data da sentença, reduzindo o prazo prescricional à metade – art. 115 do CP –, concluo haver transcorrido o lapso prescricional em 04.07.2013.

Assim, declaro extinta a punibilidade do acusado Antonio Pinto da Cunha pela pena em concreto, com fundamento no art. 107, IV, do CP, julgando prejudicada a apelação por ele interposta.

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Quanto ao recurso interposto pelo acusado Heleno João dos Santos, em que pese a argumentação ali deduzida, merece ser prestigiada a inter-pretação dada pelo magistrado a quo.

Afasto as preliminares de inépcia da inicial e ausência de justa da causa para a ação penal arguidas pelo apelante.

Ocorre que a denúncia preenche os requisitos do art. 41 do CPP, já que descreve os fatos de modo suficiente, apontando objetivamente a conduta praticada pelo réu, permitindo-lhe o exercício do direito de defesa; qualifica-o; classifica corretamente o crime; e apresenta rol de testemunhas.

A justa causa para a ação penal está relacionada com a existência de um mínimo de provas que demonstrem indícios de autoria e materialidade do delito. No presente caso, os fatos narrados na denúncia constituem, em tese, os crimes dos arts. 55, caput, da Lei nº 9.605/1998 e 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, pois além de extrair recurso mineral, o réu explorou matéria--prima pertencente à União sem autorização legal e o contexto probatório inicial era suficiente para dar início à persecução penal.

Do mesmo modo, não há que se falar na ocorrência da preliminar de prescrição da pretensão punitiva estatal em relação ao acusado Heleno João dos Santos, pois entre as causas interruptivas da prescrição previstas no art. 117 do CP não transcorreu lapso superior a 04 (quatro) anos, que é o prazo prescricional previsto para cada uma das penas aplicadas ao acusado.

No mérito, verifico que a denúncia imputa ao acusado a prática dos delitos descritos nos arts. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 e 55, caput, da Lei nº 9.605/1998.

Preceitua o art. 2º da Lei nº 8.176/1991:

Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autori-zação legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título auto-rizativo.

A seu turno, preceituam os arts. 20, IX, e 176 da CF:

“Art. 20. São bens da União:

[...] IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo.”

“Art. 176. As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os po-tenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo,

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para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garanti-da ao concessionário a propriedade do produto da lavra.”

Por sua vez, o art. 55 da Lei nº 9.605/1998, prescreve:

Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a ob-tida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.

Assim, o exercício de lavra irregular, por meio da exploração de mi-nerais, sem autorização dos órgãos oficiais competentes, consubstancia as infrações previstas no art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal.

Este Tribunal possui o entendimento de que os referidos dispositivos tutelam bens jurídicos distintos, pois o art. 2º da Lei nº 8.176/1991 protege a ordem econômica, enquanto o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 tutela o meio ambiente. Confira-se:

PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM SENTIDO ESTRITO – CRIME CON-TRA O MEIO AMBIENTE – ART. 55 DA LEI Nº 9.605/1998 – CRIME DE USURPAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO – ART. 2º DA LEI Nº 8.176/1991 – CONFLITO APARENTE DE NORMAS – INEXISTÊNCIA – 1. O art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 tutela a ordem econômica, definindo crime contra o patrimônio na modalidade usurpação, enquanto o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 tutela a preservação do meio ambiente. 2. Reconhecimento do concurso formal de crimes, ficando claro que a conduta do recorrido sub-sume tanto ao tipo descrito no art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, quanto ao do art. 55 da Lei nº 9.605/1998. 3. Recurso em sentido estrito provido.

(RSE 0003420-81.2011.4.01.3809/MG, Relª Desª Fed. Monica Sifuentes, 3ª T., e-DJF1 p. 94 de 17.01.2014)

Pelo que se depreende da análise dos autos, o réu foi denunciado pela prática dos crimes previstos no art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, visto que extraía recursos minerais sem autorização, permissão, concessão ou licença do órgão competente – De-partamento Nacional de Produção Mineral –, em detrimento do patrimônio da União e da tutela do meio ambiente.

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A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça também é no sentido de que o crime do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 tutela o Patrimônio da União e o delito previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998 objetiva proteger o meio ambiente, sendo possível, no caso em tela, a ocorrência de concurso formal, visto que a extração irregular de recurso mineral atinge mais de um bem jurídico tutelado. Veja-se:

PENAL – PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – FALTA DO NECESSÁRIO PREQUESTIONAMEN-TO – AUSÊNCIA DE ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP – SÚMULA Nº 211 DO STJ – ARTS. 55 DA LEI Nº 9.605/1998 E 2º DA LEI Nº 8.176/1991 – BENS JURÍDICOS DIVERSOS – CONDENAÇÃO EM AM-BOS OS DELITOS – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. O requisito do prequestionamento pressupõe prévio debate da questão pelo Tribunal de origem, à luz da legislação federal indicada, com emissão de juízo de valor acerca do dispositivo legal apontado como violado, o que não ocorreu neste caso. Incidência da Súmula nº 211 do STJ.

2. Não obstante a oposição dos embargos, remanesceu a omissão, no acór-dão recorrido, relativamente à violação da legislação federal.

Registre-se que inexiste, em situações tais, cerceamento ao contraditório, porquanto incumbia ao recorrente alegar violação do art. 619 do Código de Processo Penal.

3. Os crimes tipificados nos arts. 55 da Lei nº 9.605/1998 e 2º da Lei nº 8.176/1991 visam à tutela de bens jurídicos diversos. Enquanto o primeiro delito tem por finalidade a proteção do meio ambiente, quanto aos recursos encontrados no solo e subsolo, o segundo tem por objeto a preservação de bens e matérias-primas que integrem o patrimônio da União, sendo possível a condenação por ambos os crimes.

4. Agravo Regimental não provido.

(AgRg-EDcl-REsp 1263951/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., Julgado em 05.08.2014, DJe 19.08.2014)

PENAL E PROCESSUAL PENAL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – CRIMES AMBIENTAL E CONTRA A ORDEM ECONÔMICA – APARENTE CONFLITO DE NORMAS – INOCORRÊNCIA – BENS JURÍDICOS DISTINTOS – LEIS NºS 8.176/1991 E 9.605/1998 – EN-TENDIMENTO DESTE STJ – SÚMULA Nº 83/STJ – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDE-RAL – APLICAÇÃO – AGRAVO NÃO PROVIDO

1. As Turmas componentes da 3ª Seção têm entendimento firme no sentido de que os arts. 55 da Lei nº 9.605/1998 e 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991

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protegem bens jurídicos distintos: o meio ambiente e a ordem econômica, de forma que não há falar em derrogação da segunda pela primeira, restando ausente o conflito aparente de normas.

2. “O art. 2º da Lei nº 8.176/1991 tipifica o crime de usurpação, como mo-dalidade de delito contra o patrimônio público, consistente em produzir bens ou explorar matéria-prima pertencente à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo, enquanto que o art. 55 da Lei nº 9.605/1998 tipifica o delito contra o meio-ambiente, consubstanciado na extração de recursos minerais sem a competente autori-zação, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida, sen-do induvidosamente distintas as situações jurídico-penais” (HC 35.559/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 05.02.2007).

3. Por outro vértice, a ausência de pronunciamento em torno da questão contida nos dispositivos da legislação federal invocada impede o conheci-mento do recurso especial, pela falta de prequestionamento. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

Ademais, a aceitação, pela jurisprudência deste STJ, do chamado “preques-tionamento implícito” não socorre aos recorrentes.

4. Agravo regimental não provido.

(AgRg-AREsp 137.498/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., Julgado em 19.11.2013, DJe 27.11.2013)

Logo, não há que ser reconhecido, no caso, conflito aparente de nor-mas e consequente incidência do princípio da consunção.

Da análise dos autos constato que a materialidade e a autoria dos delitos descritos no art. 2º da Lei nº 8.176/1992 e no art. 55 da Lei nº 9.605/1998 ficaram comprovadas pelo Boletim de Ocorrência de fls. 12/14 e o laudo pericial de fls. 47/61, que atestam a atividade de lavra de cascalho diamantífero, na Fazenda Charneca, situada na zona rural do Município de Coromandel/MG, bem como o interrogatório do réu (mídia de fl. 204).

Ficou comprovado que o réu explorava sem autorização legal, ma-téria-prima pertencente à União, causando prejuízos ao meio ambiente, incidindo, livre e conscientemente, nas figuras típicas dos arts. 2º da Lei nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº 9.605/1998.

Não procede a alegação de que desconhecia o caráter ilícito de sua conduta. Em seu interrogatório colhido em juízo, é possível constatar que apesar da baixa escolaridade e de afirmar que não possuía conhecimento

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de que o garimpo era ilegal, possuía discernimento suficiente para concluir pelo caráter ilícito do garimpo, tendo em vista o modo como era operado, discretamente e por apenas duas pessoas. Também não apresentou qualquer prova confirmando a afirmação de que era empregado de interposta pessoa.

Dessa forma, mantenho a condenação imposta a Heleno João dos Santos pela prática das condutas típicas previstas nos arts. 2º da Lei nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº 9.605/1998.

Passo ao exame da dosimetria feita na sentença.

O magistrado, ao apreciar as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, fixou a pena-base superior ao mínimo legal: 1 (um) ano e 6 (seis) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa. Por força da aplicação da majorante pelo concurso formal, aumentou a pena em 1/3 (um terço), resul-tando na pena definitiva de 2 (dois) anos de detenção e 26,67 (vinte e seis inteiros e sessenta e sete décimos) dias-multa à razão de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época do fato.

Por considerar presentes os requisitos legais, substituiu a pena pri-vativa de liberdade por duas restritivas de direitos: prestação pecuniária e prestação de serviços à comunidade.

A dosimetria merece reparos.

O Juízo a quo, antes de promover a incidência do concurso formal, não fixou a pena de cada um dos delitos e não apresentou fundamentos jurídicos suficientes para justificar a exasperação da pena-base em patamar acima do mínimo legal. É o que colho do trecho a seguir transcrito:

O modo de operação é usual para esses crimes. De sua FAC (fl. 103) consta registro de instauração de inquérito policial, não havendo, contudo, como levar em conta tal registro para desqualificar os antecedentes do condenado, já que não há certidão de trânsito em julgado de sentença penal condena-tória.

Sem elementos para qualquer referência específica quanto à motivação do crime. As consequências do crime são as ordinárias.

De outra parte, a vítima em nada concorreu para o crime, motivo por que fixo a pena base um pouco acima do mínimo [...] (fl. 217-v).

Verifico da análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, que não há fundamento jurídico para fixar a pena-base de cada um dos delitos acima do montante mínimo legal, pois não podem ser consideradas

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negativas as circunstâncias, como na espécie, que integram a própria estru-tura do tipo penal. Assim, reduzo a pena-base aplicada ao delito de usurpa-ção para 1 (um) ano de detenção e 10 (dez) dias-multa e fixo a pena-base do delito ambiental em 6 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos, em razão da situação econômica do acusado.

Pelo concurso formal, reforma a sentença para aumentar em 1/6 (um sexto) a maior pena privativa de liberdade aplicada, tendo em vista o nú-mero de delitos praticado pelo réu, tornando definitiva a condenação em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo dos fatos.

Mantenho o regime aberto para início do cumprimento da pena, e a substituição da pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos.

Em face do exposto, declaro extinta a punibilidade do acusado Antônio Pinto da Cunha pela ocorrência da prescrição da pretensão pu-nitiva, com fundamento no art. 107, IV, do Código Penal, e dou parcial provimento à apelação do acusado Heleno João dos Santos para minorar a pena-base aplicada e ajustar os demais aspectos da dosimetria, nos termos acima expostos.

É o voto.

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação Cível nº 553332 2009.51.01.024169‑4Nº CNJ: 0024169‑67.2009.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Marcelo Pereira da SilvaApelante: Sergio Nilo da SilvaAdvogado: Juliano Bizzo NettoApelado: União FederalOrigem: Décima Primeira Vara Federal do Rio de Janeiro (200951010241694)

eMentA

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – hORAS ExTRAS E ADICIONAL NOTuRNO – METODOLOGIA DE CÁLCuLO – ARTS. 19, 73 E 75, LEI Nº 8.112/1990 – fATOR 240 – BASE DE CÁLCuLO – VENCIMENTO BÁSICO

1. Estabelecido pelo art. 19 da Lei nº 8.112/1990 o limite máximo de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, e considerando-se que tal período semanal compreende 05 (cinco) dias, tem-se que o total mensal de horas é de [40 horas ÷ 05 dias] x 30 dias/mês = 240 horas/mês, sendo correto o fator empregado pela Administração Pública, razão pela qual, inexistindo regra que autorize a mescla de critérios estatutário e trabalhista, não é admissível o pretendido fator 200 (du-zentos), para fins de apuração da remuneração-hora.

2. Tendo em conta o disposto no art. 73, da Lei no 8.112/1990, veri-fica-se que a base de cálculo das horas extras e do adicional noturno deve ser feito sobre a hora normal de trabalho – o que implica que a base de cálculo é, tão somente, o vencimento básico, descabendo a incorporação de quaisquer gratificações eventualmente percebidas pelo servidor público, por força do disposto no inciso XIV, do art. 37, da Constituição da República (“os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores”), sejam elas de caráter permanente ou transitório.

3. Apelação do Autor desprovida.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas:

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Acordam os membros da 8ª Turma Especializada do Tribunal Regional Fe-deral da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento à apelação do Autor, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 2014.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

relAtórIo

Trata-se de apelação interposta por Sergio Nilo da Silva (fls. 212/220), objetivando a reforma da sentença proferida pelo MM. Juízo da 11ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro (fls. 202/209) que julgou im-procedentes os pedidos deduzidos na inicial, relacionados ao cálculo de horas extras e adicional noturno com base em divisor (200) inferior ao apli-cado pela Administração (240) e na incidência sobre gratificações da Lei Delegada nº 13/1992 e da Lei nº 10.404/2002, bem como à prorrogação do horário de incidência do adicional noturno, condenando o Autor nas custas e em honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspendendo, contudo, a execução eis que o autor litiga sob o pálio da gratuidade de justiça.

Aduziu o Apelante, em síntese, que a Ré “insiste em utilizar divisor para fins de apuração da remuneração-hora que não guarda congruência com a Jornada de Trabalho Semanal atualmente instituída em Lei”, e pros-seguiu afirmando que por esta razão “a Recorrida vem calculando erronea-mente a remuneração-hora que servirá de base para quantificar o adicional por serviço extraordinário e o adicional noturno a serem percebidos em contracheque pelo Recorrente”, destacando que a “Administração Pública deveria utilizar como divisor para fins de apuração da remuneração-hora o valor-base de 200 (duzentos) e não de 240” (fl. 218, com grifos no original).

Assim, requereu a reforma do julgado para que seja “assegurado ao ora Recorrente o recebimento das quantias correspondentes a soma dos valores que não foram pagos corretamente a título de adicional de hora extraordinária e diferenças de adicional noturno, incluindo-se, ainda, na apuração das verbas devidas, as Gratificações Permanentes criadas pela Lei Delegada nº 13/1992 e pela Lei nº 10.404/2002” (fl. 220).

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O recurso foi recebido no duplo efeito (fl. 222), tendo sido apresenta-das contrarrazões às fls. 225/226.

A seguir, vieram os autos a esta Egrégia Corte, tendo sido encami-nhados ao Ministério Público Federal, que juntou parecer às fls. 233/235, deixando, todavia, de intervir no feito ante a ausência de interesse público.

É o relatório. Peço dia para julgamento.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

voto

Acerca da metodologia de cálculo a ser empregada no que diz res-peito ao adicional de horas extras e ao adicional noturno, assim dispõe a Lei nº 8.112/1990:

“Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente.

§ 1º O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração.

§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais.” (g.n.)

“Art. 73. O serviço extraordinário será remunerado com acréscimo de 50% (cinquenta por cento) em relação à hora normal de trabalho.” (g.n.)

“Art. 75. O serviço noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor--hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento), computando-se cada hora como cinquenta e dois minutos e trinta segundos.

Parágrafo único. Em se tratando de serviço extraordinário, o acréscimo de que trata este artigo incidirá sobre a remuneração prevista no art. 73.”(g.n.)

Nessa perspectiva, não assiste razão ao Apelante quanto à pretensão de aplicação do divisor de 200 (duzentos) ao invés de 240 (duzentos e quarenta). Com efeito, tendo o referido art. 19 da Lei nº 8.112/1990 esta-belecido o limite máximo de 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, e

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considerando-se que tal período semanal compreende 05 (cinco) dias, tem--se que o total mensal de horas é de:

[40 horas ÷ 05 dias] x 30 dias/mês = 240 horas/mês.

Cabe observar que o regime estatutário é distinto do celetista, no qual os limites máximos de horas de trabalho são, respectivamente, de 44 (qua-renta e quatro) horas semanais, em um período de 06 (seis) dias por semana, conforme dispõem o art. 7º, inciso XIII da Constituição da República e o art. 67 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Frise-se, ainda, que o fator 200 (duzentos), cuja aplicação pretende o Apelante, é obtido pela divisão do limite de 40 (quarenta) horas sema-nais – previsto na Lei nº 8.112/1990 – por 06 (seis) dias de trabalho – limite previsto na CLT. E, nesse aspecto, inexiste regra que autorize a mescla dos critérios estatutário e trabalhista, com vistas a obter fator que a parte repute como pessoalmente mais favorável.

Ademais, tendo em conta o disposto no art. 73, da Lei nº 8.112/1990, anteriormente transcrito, verifica-se que a base de cálculo das horas extras e do adicional noturno deve ser feito sobre a hora normal de trabalho – o que implica que a base de cálculo é, tão somente, o vencimento básico, descabendo a incorporação, a esta base de cálculo, de quaisquer gratifica-ções eventualmente percebidas pelo servidor público, por força do dispos-to no inciso XIV do art. 37 da Constituição da República (“os acréscimos pecu niários percebidos por servidor público não serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos ulteriores”), sejam elas de caráter permanente ou transitório.

Deste entendimento não destoa a jurisprudência, conforme exempli-ficam, dentre inúmeros outros, os acórdãos colacionados a seguir:

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – HORA EXTRA E ADICIONAL NOTURNO – BASE DE CÁLCULO – VEN-CIMENTO BÁSICO – DIVISOR PARA CÁLCULO DA HORA BÁSICA – 240 (DUZENTOS E QUARENTA) HORAS – RECURSO IMPROVIDO – 1. Cuida--se de apelação impugnando sentença que, nos autos de ação de conheci-mento, sob o rito comum ordinário, julgou improcedente a pretensão autoral de pagamento dos valores alusivos ao adicional noturno devido em todos os períodos laborados, compreendidos entre as 22 horas de um dia e as 05 horas do dia seguinte, segundo o divisor de 200 (duzentas) horas mensais, bem assim declarou a prescrição no tocante às parcelas vencidas há mais de 05 (cinco) anos da data da propositura da presente demanda. Determinou o ilustre magistrado de piso que as parcelas em atraso deverão ser corrigidas

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monetariamente de acordo com o Manual de Cálculos do Conselho da Jus-tiça Federal. Não houve condenação ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, em razão da sucumbência recíproca. 2. Não há que se falar, in casu, em consumação do lustro prescricional, posto que os prazos extintivos previstos no Código Civil não se aplicam às relações jurídicas submetidas ao Direito Administrativo, pelo que estariam prescritas apenas as parcelas vencidas há mais de cinco anos da propositura da ação, de acordo com o Decreto nº 20.910/1932. 3. Somente o trabalho prestado dentro do período compreendido entre 22 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte poderá ser considerado para fins de percepção do adicional notur-no. 4. Quanto à base de cálculo para apurar-se o valor da hora extra e do adicional noturno, deve ser considerado o vencimento básico do servidor, sem inclusão das gratificações. O vencimento básico é a retribuição pecu-niária que o servidor percebe pelo exercício de seu cargo. As gratificações constituem vantagens pecuniárias devidas ao servidor (arts. 49 e 61, V e VI, da Lei nº 8.112/1990), e o art. 37, XIV, da Constituição Federal, com a reda-ção dada pela EC 19/1998, proíbe que os acréscimos pecuniários percebi-dos pelo servidor sejam computados para efeito de concessão de acréscimos ulteriores 5. O servidor público trabalha apenas 5 (cinco) dias na semana, e não 6 (seis) dias, como se dá na iniciativa privada, em razão da jornada de trabalho semanal de 44 (quarenta e quatro) horas. Assim, ao dividir as 40 (quarenta) horas semanais por 5 (cinco), e multiplicar o resultado pelos 30 (trinta) dias do mês, obtém-se o valor-base de 240 (duzentos e quarenta), que é o que corretamente vem sendo utilizado pela Administração. Precedente desta C. Turma. 6. Apelação improvida.

(TRF 2ª R., 6ª T.E., AC 201051010161846, Relª Juíza Fed. Conv. Carmen Silvia Lima de Arruda, e-DJF2R 25.03.2014) (g.n.)

SERVIDOR PÚBLICO – HORAS EXTRAS – ADICIONAL NOTURNO – FA-TOR DE DIVISÃO – BASE DE CÁLCULO – No âmbito da Administração Pública Federal, o fator de divisão utilizado para a remuneração da hora trabalhada é obtido com a divisão da jornada semanal de 40 horas (art. 19 da Lei nº 8112/1990) por 5 (e não por 6 dias, como se dá na iniciativa privada, cuja jornada semanal é de 44 horas). Depois, multiplica-se o resultado pelos 30 dias do mês, o que resulta no divisor de 240. Assim, correta a visão admi-nistrativa. Noutro giro, a gratificação percebida pelo servidor não é conside-rada na base de cálculo dos adicionais noturnos e de serviço extraordinário, que incidem apenas sobre o vencimento básico. É proibido que acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor sejam computados para efeito de con-cessão de acréscimos ulteriores. Apelo desprovido.

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(TRF 2ª R., 6ª T.E., AC 200951100052655, Rel. Des. Fed. Guilherme Couto de Castro, e-DJF2R 06.02.2014) (g.n.)

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – HORAS EXTRAS – ADICIO-NAL NOTURNO – APLICAÇÃO DO DIVISOR DE 240 – LEI Nº 8.112/1990, ART. 19 – GRATIFICAÇÕES – LEI DELEGADA Nº 13/1992 – LEI Nº 10.404/2002 – BASE DE CÁLCULO

1. A base mensal em horas do servidor público federal, regido pelo regime jurídico único, é de 240, obtida pela divisão da jornada de 40 horas semanais por 5 dias de trabalho por semana e multiplicado por 30 dias mensais, em observância aos parâmetros da jornada de trabalho estabelecida no art. 19 da Lei nº 8.112/1990 de 40 horas semanais e máximo de oito horas diárias.

2. A fixação de hora extraordinária para servidor público federal não deve ter como parâmetro cálculo fixado para os trabalhadores da iniciativa privada, que desfrutam de 44 horas semanais e 6 dias de trabalho semanal, razão pela qual o fator de divisão a ser utilizado é 240 (TRF 2ª R., AC 200951100052576, 6ª T.Esp., e-DJF2R de 27.04.2011; TRF, Ap-Reex 200771000251792, 4ª T., DE de 08.03.2010).

3. A GDATA não serve como base de cálculo dos adicionais noturnos e de serviço extraordinário, que incidem apenas sobre o vencimento básico do servidor. Tais adicionais, assim como a citada gratificação, constituem vantagens pecuniárias devidas ao servidor (arts. 49 e 61, V e VI, da Lei nº 8.112/1990), e o art. 37, XIV, da CF/1988, com a redação dada pela EC 19/1998, proíbe que os acréscimos pecuniários percebidos pelo servidor se-jam computados para efeito de concessão de acréscimos ulteriores. Ademais, o art. 4º da Lei nº 10.404/2002 estabelece expressamente que “A GDATA será paga em conjunto, de forma não cumulativa, com a Gratificação de Atividade de que trata a Lei Delegada nº 13, de 27 de agosto de 1992, e não servirá de base de cálculo para quaisquer outros benefícios ou vantagens”. (TRF 2ª R., AC 200951010239274, 6ª T.Esp., e-DJF2R de 18.02.2011)

4. Recurso desprovido.

(TRF 2ª R, 8ª T.E., AC 528.157; Rel. Des. Fed. Poul Erik Dyrlund, e-DJF2R 16.02.2012, p. 245/246) (g.n.)

ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – ADICIONAL POR SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO E ADICIONAL NOTURNO – BASE DE CÁLCULO – VENCIMENTO BÁSICO – DIVISOR – OBSERVÂNCIA DA LEI Nº 8.112/1990

1. Todo serviço extraordinário deve ter sua retribuição acrescida do respecti-vo adicional que deverá ser de 50% (cinquenta por cento), tanto para o caso de incidência sobre a remuneração do servidor, como para a contagem com a finalidade de compensação com folgas posteriores.

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2. De acordo com o art. 75 da Lei nº 8.112/1990, o serviço noturno é pres-tado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, e terá o valor-hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento).

3. A carga horária do servidor público federal é dividida entre os 5 (cinco) dias da semana, porquanto assim determinou a lei, ao fixar horário de traba-lho de 40 horas semanais e o máximo de 8 horas diárias de jornada. A fixa-ção de hora extraordinária para servidor público federal não deve ter como parâmetro cálculo fixado para os trabalhadores da iniciativa privada, que desfrutam de 44 horas semanais e 6 dias de trabalho semanal.

4. No caso de servidores públicos que trabalham 05 (cinco) dias por semana, 08 (oito) horas por dia, o fator de divisão da remuneração mensal que deve ser adotado, para fins de apuração do valor da hora normal de trabalho, é 240.

5. No que concerne à base de cálculo para as horas extras e para o adicional noturno, deve ser considerado o vencimento básico, que consubstancia a retribuição pecuniária percebida pelo servidor no exercício do seu cargo.

6. O regime público estatutário, que disciplina o vínculo entre o servidor público e a Administração, não é de natureza contratual, pelo só fato de ine-xistir direito à inalterabilidade do regime remuneratório, sendo passível de modificação quando em desacordo com a ordem constitucional.

7. Apelação desprovida. Sentença confirmada.

(TRF 2ª R., 6ª T.E., AC 506.945, Rel. Des. Fed. Frederico Gueiros, e-DJF2R 27.04.2011, p. 418) (g.n.)

Por conseguinte, não merece qualquer reforma a sentença que julga improcedentes as pretensões deduzidas pelo ora Apelante.

Do exposto, nego provimento à apelação do Autor.

É como voto.

Marcelo Pereira da Silva Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAgravo Legal em Apelação/Reexame Necessário nº 0001741‑58.2005.4.03.6183/SP2005.61.83.001741‑0/SPRelator: Desembargador Federal Toru YamamotoAgravante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: SP159517 Sinval Miranda Dutra Junior e outro

SP000030 Hermes Arrais AlencarAgravada: Decisão de folhasInteressado(a): Batista Conde PatroneAdvogado: SP138904 Adriana Cristina de Carvalho Dutra e outroRemetente: Juízo Federal da 8ª Vara Previdenciária de São Paulo SP > 1ª SSJ > SPVara Anterior: Juízo Federal da 7ª Vara Previdenciária de São Paulo SP > 1ª SSJ > SP

eMentA

DIREITO PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO LEGAL – ART. 557, CPC – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBuIÇÃO – REQuISITOS PREENChIDOS – ATIVIDADE ESPECIAL COMPROVADA – AGRAVO IMPROVIDO

1. A decisão agravada está em consonância com o disposto no art. 557 do CPC, visto que supedaneada em jurisprudência consolida-da do C. STJ e desta E. Corte.

2. O uso de equipamento de proteção individual não descaracteri-za a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somen-te reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC 2000.03.99.031362-0/SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11.2002) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., Julgado em 18.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 458).

3. As razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argu-mento visando à rediscussão da matéria nele contida.

4. Agravo legal improvido.

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Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 23 de fevereiro de 2015.

Toru Yamamoto Desembargador Federal

relAtórIo

Trata-se de agravo interposto pelo INSS em face de decisão mono-crática que, nos termos do art. 557 do CPC, negou seguimento à apelação do INSS, deu parcial provimento à remessa oficial apenas para esclarecer a incidência da correção monetária e juros de mora, e negou seguimento à apelação da parte autora, mantendo no mais a r. sentença, que concedeu aposentadoria por tempo de contribuição à parte autora.

Aduz o agravante que o uso de equipamento de proteção individual (EPI) eficaz desabilita o enquadramento da atividade como especial e que, diante da impossibilidade de conversão dos períodos em especiais, por falta de prova do exercício de atividade insalubre, a parte autora não conta com tempo necessário à obtenção de aposentadoria por tempo de serviço/con-tribuição. Requer a modificação do julgado por meio de juízo de retratação ou, que seja o presente recurso levado em mesa para julgamento colegiado.

É o relatório.

À mesa, para julgamento.

voto

Não procede a insurgência da parte agravante.

A decisão agravada foi proferida em consonância com o art. 557 do Código de Processo Civil, que autoriza o julgamento por decisão singular, amparada em súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal ou dos Tri-bunais Superiores.

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Assentado este entendimento colegiado, os integrantes desta Sétima Turma, com fundamento no art. 557, do CPC, passaram a decidir monocra-ticamente os feitos desta natureza.

Cabe salientar também que, conforme entendimento pacífico desta E. Corte, não cabe alterar decisões proferidas pelo relator, desde que bem fundamentadas e quando não se verificar qualquer ilegalidade ou abuso de poder que possa gerar dano irreparável ou de difícil reparação.

E não está a merecer reparos a decisão recorrida, a qual passo a trans-crever, in verbis:

“[...] De início verifico que o presente caso contém os elementos que per-mitem a aplicação do disposto no art. 557 do Código de Processo Civil, extensível à eventual remessa oficial, a teor da Súmula nº 253 do C. STJ. Isso porque as questões discutidas neste feito já se encontram pacificadas pela jurisprudência, devendo aplicar-se a previsão em comento, tendo em vista julgamentos exarados em casos análogos.

A concessão da aposentadoria por tempo de serviço, hoje tempo de con-tribuição, está condicionada ao preenchimento dos requisitos previstos nos arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/1991.

A par do tempo de serviço/contribuição, deve também o segurado com-provar o cumprimento da carência, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei nº 8.213/1991. Aos já filiados quando do advento da mencionada lei, vige a tabela de seu art. 142 (norma de transição), em que, para cada ano de im-plementação das condições necessárias à obtenção do benefício, relaciona--se um número de meses de contribuição inferior aos 180 (cento e oitenta) exigidos pela regra permanente do citado art. 25, inciso II.

Para aqueles que implementaram os requisitos para a concessão da apo-sentadoria por tempo de serviço até a data de publicação da EC 20/1998 (16.12.1998), fica assegurada a percepção do benefício, na forma integral ou proporcional, conforme o caso, com base nas regras anteriores ao referido diploma legal.

Por sua vez, para os segurados já filiados à Previdência Social, mas que não implementaram os requisitos para a percepção da aposentadoria por tempo de serviço antes da sua entrada em vigor, a EC 20/1998 impôs as seguintes condições, em seu art. 9º, incisos I e II.

Ressalte-se, contudo, que as regras de transição previstas no art. 9º, incisos I e II, da EC 20/1998 aplicam-se somente para a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, e não para a integral, uma vez que tais requisitos não foram previstos nas regras permanentes para obtenção do referido benefício.

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �����������������������������������������������������������������������������������������������������157

Desse modo, caso o segurado complete o tempo suficiente para a percepção da aposentadoria na forma integral, faz jus ao benefício independentemente de cumprimento do requisito etário e do período adicional de contribuição, previstos no art. 9º da EC 20/1998.

Por sua vez, para aqueles filiados à Previdência Social após a EC 20/1998, não há mais possibilidade de percepção da aposentadoria proporcional, mas apenas na forma integral, desde que completado o tempo de serviço/contri-buição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e de 30 (trinta) anos, para as mulheres.

Portanto, atualmente vigoram as seguintes regras para a concessão de apo-sentadoria por tempo de serviço/contribuição:

1) Segurados filiados à Previdência Social antes da EC 20/1998:

a) têm direito à aposentadoria (integral ou proporcional), calculada com base nas regras anteriores à EC 20/1998, desde que cumprida a carência do art. 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/1991, e o tempo de serviço/contribuição dos arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/1991 até 16.12.1998;

b) têm direito à aposentadoria proporcional, calculada com base nas regras posteriores à EC 20/1998, desde que cumprida a carência do art. 25 c/c 142 da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço/contribuição dos arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/1991, além dos requisitos adicionais do art. 9º da EC 20/1998 (idade mínima e período adicional de contribuição de 40%);

c) têm direito à aposentadoria integral, calculada com base nas regras pos-teriores à EC 20/1998, desde que completado o tempo de serviço/contri-buição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e de 30 (trinta) anos, para as mulheres;

2) Segurados filiados à Previdência Social após a EC 20/1998:

– têm direito somente à aposentadoria integral, calculada com base nas re-gras posteriores à EC 20/1998, desde que completado o tempo de serviço/contribuição de 35 (trinta e cinco) anos, para os homens, e 30 (trinta) anos, para as mulheres.

In casu, a parte autora alega na inicial ter trabalhado em atividades especiais no período de 01.10.1965 a 25.03.1976, preenchendo os requisitos para a aposentadoria por tempo de serviço desde o requerimento administrativo em 07.04.1998.

Portanto, a controvérsia nos presentes autos refere-se ao reconhecimento do exercício de atividade especial no período acima citado.

Atividade Especial

A aposentadoria especial foi instituída pelo art. 31 da Lei nº 3.807/1960.

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O critério de especificação da categoria profissional com base na penosida-de, insalubridade ou periculosidade, definidas por Decreto do Poder Executi-vo, foi mantido até a edição da Lei nº 8.213/1991, ou seja, as atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Poder Executivo seriam conside-radas penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico, bastando, assim, a anotação da função em CTPS ou a elaboração do então denominado informativo SB-40.

Foram baixados pelo Poder Executivo os Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979, relacionando os serviços considerados penosos, insalubres ou perigosos.

Embora o art. 57 da Lei nº 8.213/1991 tenha limitado a aposentadoria es-pecial às atividades profissionais sujeitas a condições especiais que preju-diquem a saúde ou a integridade física, o critério anterior continuou ainda prevalecendo, como a seguir se verifica.

De notar que, da edição da Lei nº 3.807/1960 até a última CLPS que ante-cedeu à Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço especial foi sempre definido com base nas atividades que se enquadrassem no decreto baixado pelo Po-der Executivo como penosas, insalubres ou perigosas, independentemente de comprovação por laudo técnico.

A própria Lei nº 8.213/1991, em suas disposições finais e transitórias, esta-beleceu, em seu art. 152, que a relação de atividades profissionais prejudi-ciais à saúde ou à integridade física deverá ser submetida à apreciação do Congresso Nacional, prevalecendo, até então, a lista constante da legislação atualmente em vigor para aposentadoria especial.

Os agentes prejudiciais à saúde foram relacionados no Decreto nº 2.172, de 05.03.1997 (art. 66 e Anexo IV), mas por se tratar de matéria reservada à lei, tal decreto somente teve eficácia a partir da edição da Lei nº 9.528, de 10.12.1997.

Destaque-se que o art. 57 da Lei nº 8.213/1991, em sua redação original, deixou de fazer alusão a serviços considerados perigosos, insalubres ou pe-nosos, passando a mencionar apenas atividades profissionais sujeitas a con-dições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, sendo que o art. 58 do mesmo diploma legal, também em sua redação original, estabe-lecia que a relação dessas atividades seria objeto de lei específica.

A redação original do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 foi alterada pela Lei nº 9.032/1995 sem que até então tivesse sido editada lei que estabelecesse a relação das atividades profissionais sujeitas a condições especiais que preju-diquem a saúde ou a integridade física, não havendo dúvidas até então que continuavam em vigor os Decretos nºs 53.831/1964 e 83.080/1979. Neste sentido, confira-se a jurisprudência: STJ; REsp 436661/SC; 5ª T.; Rel. Min. Jorge Scartezzini; J. 28.04.2004; DJ 02.08.2004, p. 482.

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É de se ressaltar, quanto ao nível de ruído, que a jurisprudência já reconhe-ceu que o Decreto nº 53.831/1964 e o Decreto nº 83.080/1979 vigeram de forma simultânea, ou seja, não houve revogação daquela legislação por esta, de forma que, constatando-se divergência entre as duas normas, deverá pre-valecer aquela mais favorável ao segurado (STJ, REsp 412351/RS; 5ª T., Relª Min. Laurita Vaz; Julgado em 21.10.2003; DJ 17.11.2003; p. 355).

O Decreto nº 2.172/1997, que revogou os dois outros decretos anteriormen-te citados, passou a considerar o nível de ruídos superior a 90 dB(A) como prejudicial à saúde.

Por tais razões, até ser editado o Decreto nº 2.172/1997, considerava-se a exposição a ruído superior a 80 dB(A) como agente nocivo à saúde.

Todavia, com o Decreto nº 4.882, de 18.11.2003, houve nova redução do nível máximo de ruídos tolerável, uma vez que por tal decreto esse nível vol-tou a ser de 85 dB(A) (art. 2º do Decreto nº 4.882/2003, que deu nova reda-ção aos itens 2.01, 3.01 e 4.00 do Anexo IV do Regulamento da Previdência Social, aprovado pelo Decreto nº 3.048/1999).

Houve, assim, um abrandamento da norma até então vigente, a qual consi-derava como agente agressivo à saúde a exposição acima de 90 dB(A), razão pela qual é de se considerar o nível de ruídos superior a 85 dB(A) a partir de 05.03.1997.

Ademais, dispõe o Decreto nº 4.827/2003 (que deu nova redação ao art. 70 do Decreto nº 3.048/1999):

“Art. 1º, § 2º – As regras de conversão de tempo de atividade sob con-dições especiais em tempo de atividade comum constantes deste artigo aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período.”

Destaco, ainda, que o uso de equipamento de proteção individual não des-caracteriza a natureza especial da atividade a ser considerada, uma vez que tal tipo de equipamento não elimina os agentes nocivos à saúde que atingem o segurado em seu ambiente de trabalho, mas somente reduz seus efeitos. Nesse sentido, precedentes desta E. Corte (AC 2000.03.99.031362-0/SP; 1ª T.; Rel. Des. Fed. André Nekatschalow; v.u; J. 19.08.2002; DJU 18.11.2002) e do Colendo Superior Tribunal de Justiça: REsp 584.859/ES, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., Julgado em 18.08.2005, DJ 05.09.2005 p. 458.

No presente caso, da análise do formulário SB-40/DSS-8030 e laudo técnico acostado aos autos (fls. 22/23), e de acordo com a legislação previdenciária vigente à época, o autor comprovou o exercício de atividades especiais no seguinte período:

– 01.10.1965 a 25.03.1976, vez que esteve exposto de maneira habitual e permanente a 91 dB(A) na avaliação do ruído, sujeitando-se aos agentes

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enquadrados no código 1.1.6 do Anexo III do Decreto nº 53.831/1964 e código 1.1.5, Anexo I do Decreto nº 83.080/1979.

Logo, deve ser considerado como especial o período acima indicado, de-vendo o INSS convertê-lo em tempo de serviço comum, para acrescer ao cômputo obtido em 07.04.1998 (fl. 98).

Desse modo, computando-se o período de atividade especial ora reconhe-cido, convertido em tempo de serviço comum, somado aos demais perío-dos considerados incontroversos, conforme resumo de cálculo efetuado pelo INSS em 07.04.1998 (fl. 98) data do requerimento administrativo, perfaz-se 38 (trinta e oito) anos, 09 (nove) meses e 28 (vinte e oito) dias, conforme planilha anexa, o que autoriza a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição integral, na forma dos arts. 52 e 53 da Lei nº 8.213/1991, cor-respondente a 100% (cem por cento) do salário-de-benefício, com valor a ser calculado nos termos do art. 29 da Lei nº 8.213/1991, com redação dada pela Lei nº 9.876/1999.

Desse modo, positivados os requisitos legais, reconhece-se o direito da parte autora a aposentadoria por tempo de contribuição integral, a partir do reque-rimento administrativo (07.04.1998 – fl. 108), momento em que o INSS ficou ciente da pretensão do autor.

E como o benefício foi indeferido administrativamente em 01.07.1998 (fl. 108), não constando dos autos informação sobre recurso administrati-vo pendente de julgamento e, tendo a presente ação sido ajuizada em 08.04.2005, incide no caso a ocorrência da prescrição quinquenal quanto às parcelas anteriores à 08.04.2000. Nesse sentido: (REsp 762893/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª T., DJ 06.08.2007).

No tocante aos juros e à correção monetária, note-se que suas incidências são de trato sucessivo e, observados os termos do art. 293 e do art. 462 do CPC, devem ser considerados no julgamento do feito. Assim, observada a prescrição quinquenal, corrigem-se as parcelas vencidas na forma do Ma-nual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal e, ainda, de acordo com a Súmula nº 148 do STJ e nº 08 desta Corte.

Quanto aos juros moratórios, incidem à taxa de 1% (um por cento) ao mês, nos termos do art. 406 do Código Civil, e art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional; e, a partir de 30.06.2009, incidirão de uma única vez e pelo mes-mo percentual aplicado à caderneta de poupança (0,5%), consoante o pre-conizado na Lei nº 11.960/2009, art. 5º. Adite-se que a fluência respectiva dar-se-á de forma decrescente, a partir da citação, termo inicial da mora au-tárquica (art. 219 do CPC), até a data de elaboração da conta de liquidação.

No que concerne aos honorários advocatícios, verifico que foram fixados conforme entendimento desta Turma, observando-se os termos dos §§ 3º e 4º

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do art. 20 do Código de Processo Civil e o disposto na Súmula nº 111 do C. Superior Tribunal de Justiça, não havendo reparo a ser efetuado.

Anote-se, na espécie, a obrigatoriedade da dedução, na fase de liquidação, dos valores eventualmente pagos à parte autora após o termo inicial assina-lado à benesse outorgada, ao mesmo título ou cuja cumulação seja vedada por lei (art. 124 da Lei nº 8.213/1991 e art. 20, § 4º, da Lei nº 8.742/1993).

Diante do exposto, nos termos do art. 557 do Código de Processo Civil, nego seguimento à apelação do INSS e dou parcial provimento à remessa oficial apenas para esclarecer a incidência da correção monetária e juros de mora, e nego seguimento à apelação da parte autora, mantendo no mais a r. sen-tença, nos termos da fundamentação.

Decorrido o prazo recursal, remetam-se os autos à Vara de origem.

Publique-se. Intime-se.”

De outra parte, as razões recursais não contrapõem tais fundamentos a ponto de demonstrar o desacerto do decisum, limitando-se a reproduzir argumento visando à rediscussão da matéria nele contida.

Impõe-se, por isso, a manutenção da decisão agravada.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo legal interposto.

É como voto.

Toru Yamamoto Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

2978

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoDE publicado em 04.02.2015

Apelação Criminal nº 0002139‑04.2009.404.7002/PR

Relator: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

Apelante: Elaine Patricia da Luz

Advogado: Defensoria Pública da União

Apelado: Ministério Público Federal

eMentA

PROCESSO PENAL – DESCAMINhO – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PuNITIVA – ExTINÇÃO DA PuNIBILIDADE

Considerando que entre a data da sentença condenatória, que inter-rompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, IV, do Código Pe-nal) e a data do presente julgamento já transcorreu lapso temporal superior a quatro anos, impõe-se o reconhecimento da extinção da punibilidade, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, aferida a partir da pena concretamente aplicada.

Decretada, de ofício, a extinção da punibilidade, pela prescrição, res-tando prejudicada a apelação.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decretar, de ofício, extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva e julgar prejudicada a apelação, nos ter-mos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte inte-grante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de janeiro de 2015.

Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Relator

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA �����������������������������������������������������������������������������������������������������163

relAtórIo

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia (fls. 03/04) contra Elaine Patrícia da Luz, imputando-lhe a prática do delito do art. 334, § 1º, alínea d, c/c §2º, ambos do Código Penal.

Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 83/87), pu-blicada em 03.08.2010 (fl. 88), julgando procedente a pretensão punitiva estatal para condenar a ré pela prática do crime do art. 334, caput, c/c art. 29, ambos do Código Penal. A pena privativa de liberdade foi fixada em 01 (um) ano de reclusão, a ser cumprida em regime inicial aberto e substituí-da por uma pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade.

Irresignada, a defesa interpôs Recurso de Apelação (fls. 91/101). Nas razões, sustentou a inépcia da denúncia pela ausência de condição objetiva de punibilidade. Ainda, acusou que o valor iludido foi inferior ao que é con-siderado para a aplicação do princípio da insignificância, o que justificaria a absolvição da ré. Por fim, argumentando que os advogados são profissionais liberais e merecem receber os honorários de forma digna, pugnou pela al-teração do valor arbitrado para o máximo previsto para as ações criminais.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 108/111).

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo desprovimento do recurso (fls.120/124).

Suscitada questão de ordem (fl. 126), a 7ª Turma do Tribunal Regio-nal Federal decidiu dar provimento ao recurso e absolver a ré, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal, aplicando o princípio da insig-nificância.

A partir dessa decisão, o Ministério Público Federal ingressou com Recurso Especial (fls. 137/150). Alegou, em síntese: a) que a habitualidade delitiva impede a aplicação do princípio da insignificância; b) que não se pode aplicar o princípio da insignificância considerando somente o valor que deixará de sofrer execução fiscal, visto que a constituição do crédito não é condição objetiva de punibilidade e, portanto, é preciso considerar outros bens jurídicos tutelados.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 155/160).

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Admitido o recurso (fl. 161), o Superior Tribunal de Justiça decidiu por dar provimento ao pedido para que os autos fossem encaminhados a essa Corte para análise das teses ventiladas pela acusação (fls. 182/184).

Elaine, por sua vez, opôs Agravo Regimental (fls. 190/192), argumen-tando que é devida a aplicação do princípio da insignificância e que as condições pessoais da ré não constituem óbice à aplicabilidade, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Com isso, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça expôs os requisitos da aplicação do princípio da insignificância, encaminhando os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região com a recomendação de que analise as questões suscitadas pelo Ministério Público Federal quanto à vida pregressa do recorrido no cometimento de crimes da espécie versada nos autos (fls. 183-184).

É o relatório. À revisão.

Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Relator

voto

Os fatos ocorreram em 15.12.2007.

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho da denúncia (fl. 3):

“No dia 15 de dezembro de 2007, Elaine Patrícia da Luz transportava, pela BR 277, em Céu Azul/PR, por zona fiscal secundária, no veículo GM/Celta, placas ALQ-6838, as mercadorias estrangeiras oriundas do Paraguai, des-critas à fls. 10/11, por ela adquiridas/recebidas, desprovidas de documento comprobatório de regular importação, internadas em solo brasileiro sem o pagamento de R$ 21.723,64 (vinte e um mil e setecentos e vinte e três reais, com sessenta e quatro centavos – fl. 11), sem as multas legais. O objetivo era a posterior revenda com lucro das mercadorias, conforme natureza e quan-tidades das mesmas.

No entanto, na data e local referidos, no Km 642 na BR 277, policiais rodo-viários federais, em atividades rotineiras, abordaram a denunciada na posse das citadas mercadorias de origem estrangeira, efetuando, por conseguinte, a apreensão das mesmas. Com efeito, o Termo de Lacração de Veículos de fl. 08 encontra-se assinado pela denunciada.

Deste modo, verifica-se Elaine Patrícia da Luz, de maneira livre e consciente, adquiriu/recebeu, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade

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comercial equiparada, mercadoria de procedência estrangeira desacompa-nhada de documentação legal e internada sem o pagamento dos devidos tributos devidos pela importação [...].”

A sentença condenatória foi proferida em 27.07.2010, e foi publicada em 03.08.2010 (fl. 88).

Apenas a ré apelou.

Na sessão de 03.04.2012, esta Turma, apreciando questão de ordem proposta pelo relator, absolveu-a (fls.127), aplicando o princípio da insig-nificância.

Daí a razão em face da qual, conforme mencionado no relatório, foi interposto o recurso especial, que restou provido, tendo os autos retornado a esta Turma em 22.10.2014 (fl. 200).

Pois bem.

Entre 03.08.2010, data da publicação da sentença condenatória, que interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, IV, do Código Penal) e a data deste julgamento (27.01.2015), transcorreu lapso temporal superior a 4 (quatro) anos.

Ora, a ré foi condenada ao cumprimento de pena de reclusão de 1 (um) ano.

Assim sendo, o prazo prescricional aplicável, no caso, é de 4 (quatro) anos.

Confiram-se, a propósito, os seguintes dispositivos do Código Penal:

Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

[...]

V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo supe-rior, não excede a dois;

Art. 110. [...]

§ 1º A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data an-terior à da denúncia ou queixa. (Redação dada pela Lei nº 12.234, de 2010).

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Anoto que, no presente caso, a apelação foi interposta, unicamente, pela defesa.

Impõe-se, portanto, o reconhecimento da extinção da punibilidade, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado, aferida a partir da pena concretamente aplicada.

Ante o exposto, voto por, de ofício, declarar extinta a punibilidade, pela prescrição, restando prejudicada a apelação.

Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 27.01.2015

Apelação Criminal nº 0002139-04.2009.404.7002/PR

Origem: PR 200970020021397

Relator: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

Presidente: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

Procurador: Dra. Ana Luísa Chiodelli Von Mengden

Revisor: Des. Federal Márcio Antônio Rocha

Apelante: Elaine Patricia da Luz

Advogado: Defensoria Pública da União

Apelado: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27.01.2015, na seqüência 37, disponibilizada no DE de 21.01.2015, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública. Certifico, também, que os autos foram encaminhados ao revisor em 09.12.2014.

Certifico que o(a) 7ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epí-grafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu de ofício, declarar extinta a punibilidade, pela prescrição, restando prejudicada a apelação.

Relator Acórdão: Des. Federal Sebastião Ogê Muniz

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Votante(s): Des. Federal Sebastião Ogê Muniz Des. Federal Márcio Antônio Rocha Des. Federal Cláudia Cristina Cristofani

Maria Alice Schiavon Secretária

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoDesembargador Federal Fernando BragaApelação Cível nº 541213/RN (0003781‑88.2011.4.05.8400)Apte.: A. Carlos da Silva – MEAdv./Proc.: Arsênio Celestino Pimentel NetoApdo.: Fazenda NacionalOrigem: 5ª Vara Federal do Rio Grande do Norte (Competente p/ Execuções Penais)Relator: Desembargador Federal Fernando Braga – Segunda Turma

eMentA

TRIBuTÁRIO – APREENSÃO DE MERCADORIAS DE PROCEDêNCIA ESTRANGEIRA – IRREGuLARIDADES NA DOCuMENTAÇÃO fISCAL E CONTÁBIL – NÃO COMPROVAÇÃO DA ORIGEM – PENA DE PERDIMENTO

1. O contribuinte foi autuado por não haver comprovado a regula-ridade do procedimento de importação ou o regular trânsito no país das mercadorias estrangeiras retidas, razão pela qual lhe foi imposta a sanção de perdimento de bens.

2. A discriminação das mercadorias apreendidas na autuação fiscal contém a indicação precisa da respectiva proveniência estrangeira, existindo, não obstante, algumas situações em que não foi possível precisar o país de procedência, o que não exclui a juridicidade do procedimento, eis que, ainda que ofertada oportunidade no âmbito administrativo, a origem não foi devidamente esclarecida pelo con-tribuinte.

3. A documentação colacionada aos autos não se afigura hábil a com-provar a procedência do mercado interno das mercadorias apreendi-das, de molde a afastar a autuação fiscal, eis que tal acervo probatório não abrange o universo do material que fora efetivamente apreen-dido.

4. O auto de infração, mercê da presunção de veracidade e legitimi-dade que o informa, só pode ser desconstituído por prova inequívoca regularmente produzida pelo contribuinte, o que não se deu no caso em tela, sendo de rigor a manutenção da sentença recorrida.

5. Apelação não provida.

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Acórdão

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Re-lator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 03 de março de 2015 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

relAtórIo

O Exmo. Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): Cuida-se de Apelação cível interposta por A. Carlos da Silva M.E., pessoa jurídica de direito privado, contra a sentença prolatada pelo Juiz Federal Substituto da 5ª Vara/RN, que julgou improcedente o pleito formulado.

Em suas razões (fls. 190/194), o apelante defende que a sentença re-corrida se baseou em laudo inconclusivo acerca da origem das mercadorias apreendidas, eis que não atestou de forma cabal a sua proveniência estran-geira.

Averbou, outrossim, a existência de documentação comprovando que os produtos foram adquiridos no país, de firma nacional, emitindo-se nota fiscal e recolhendo-se os impostos devidos.

A União (Fazenda Nacional) respondeu à apelação (fls. 196/197), defendendo a correção da sentença e, em vista disso, pugnando pelo não provimento da apelação.

É o relatório.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Fernando Braga (Relator): Trata-se de Apelação cível interposta por A. Carlos da Silva M.E., contra a sentença prolatada pelo Juiz Federal Substituto da 5ª Vara/RN, que julgou improce-dente o pedido de declaração de nulidade de auto de infração e consequen-te restituição de mercadoria apreendida.

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Em defesa da pretensão recursal, o apelante afirmou, inicialmente, que o Laudo de Exame Merceológico (fls. 15/17) não foi conclusivo quanto à origem/fabricação dos materiais examinados.

Registre-se que, conforme se extrai do Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal de fls. 111/118, o apelante foi autuado por não haver comprovado a regular importação ou regular trânsito no país das mer-cadorias estrangeiras retidas, razão pela qual lhe foi imposta a sanção de perdimento de bens.

A discriminação das mercadorias apreendidas na autuação fiscal, constante às fls. 117/118, contém a indicação precisa da respectiva prove-niência estrangeira, existindo, não obstante, algumas situações em que não foi possível precisar o país de procedência, o que não exclui a juridicidade do procedimento, eis que, ainda que ofertada oportunidade no âmbito ad-ministrativo, a origem não foi devidamente esclarecida pelo contribuinte.

Ressalto, por imperativo, que na referida discriminação de merca-dorias apreendidas não consta a indicação de apreensão de embalagem fechada da marca HW11, que fora objeto do Laudo de Exame Merceológico acima aludido, de molde a fragilizar a sua utilização como razão para de-clarar a nulidade da autuação pretendida.

Ademais, ainda que se considere a validade do laudo aludido, enten-do que a sua confecção só encontra justificativa no que concerne às mer-cadorias cuja proveniência não foi especificada na relação daquelas apre-endidas, que constituiu parcela reduzida do volume arrestado, de molde a justificar o entendimento consagrado na sentença recorrida, expresso nos seguintes termos:

A parte autora pretende obter a liberação de mercadorias apreendidas pela autoridade fazendária em operação de fiscalização, sob a alegação de que, conforme laudo expedido pela Polícia Federal, não foi comprovado que a totalidade da mercadoria era de origem estrangeira, mediante o que concluiu que não está caracterizado o fato gerador do imposto cobrado.

Não é, porém, essa a realidade do caso concreto, pois o mencionado laudo só abrange uma pequena parte dos produtos apreendidos – uma caixa com 50 (cinquenta) DVDs novos e 100 (cem) caixas plásticas para acomodação de DVDs, não contemplando a totalidade daqueles bens, o que já desautori-za a conclusão a que pretende chegar o autor.

A par disso, tem-se mediante a simples leitura dos autos, que a mercadoria apreendida não teve sua origem devidamente comprovada.

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Melhor sorte não merece a afirmação segundo a qual a documenta-ção colacionada aos autos seria hábil a comprovar a proveniência do mer-cado interno das mercadorias apreendidas, de molde a afastar a autuação fiscal, eis que tal acervo probatório não abrange o universo do material que efetivamente fora objeto de apreensão e guarda fiscal, permanecendo válida a conclusão exposta na descrição dos fatos e enquadramento(s) legal(is) do auto de infração, cujos trechos mais relevantes (fl. 113) passo a transcrever:

Foi verificada a documentação apreendida na empresa e a apresentada pelo contribuinte em relação às mercadorias retidas. Confrontando-se as quanti-dades dos produtos relacionados no Termo de Retenção de 11.12.2009 com os estoques dos mesmos produtos constantes no Livro Registro de Inventário em 31.12.2008, mais as aquisições dos produtos constantes nos documentos de venda, no período de 01.01.2009 a 10.12.2009, chegamos aos estoques dos produtos que deveriam ser encontrados no estabelecimento da empresa em 11.12.2009.

Das mercadorias apreendidas apenas os estojo para DVD, da marca plasticpick apresentavam informação de estoque em 31.12.2008, embora no inventário não esteja especificada a marca, mas constatamos que é a mesma descrição constante nas notas fiscais de aquisição dos estojos da marca plasticpick.

Na planilha “Demonstrativo do Estoque, das Entradas, e Saídas dos Produtos Retidos – Controle de Estoque I” são apresentadas para cada pro-duto retido as situações quanto ao estoque existente em 11.12.2009. Na referida planilha fica demonstrado que o estoque dos produtos encontrados e apreendidos na empresa em 11.12.2009, foram adquiridos sem a devida nota fiscal.

Conforme o apurado no demonstrativo referido acima, podemos con-cluir que a empresa comercializava mercadoria adquirida sem documentos fiscais, pois o estoque apurado no levantamento é menor que o estoque de mercadorias existentes na empresa em 11.12.2009. E para alguns dos pro-dutos apreendidos não foi apresentada nenhuma nota fiscal que acobertasse a aquisição da mercadoria.

A sentença recorrida não discrepou da conclusão acima exposta, afirmando que as graves irregularidades na documentação da mercadoria apreendida, apontadas pela fiscalização, bem como a débil escrituração contábil dos estoques de produtos encontrados no estabelecimento autua-do, permitem inferir que havia ali mais mercadoria do que efetivamente declarado.

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Assim, tendo em vista a sua qualidade de ato administrativo, o auto de infração possui presunção de veracidade e legitimidade, que só pode ser desconstituída por prova inequívoca produzida regularmente pelo contri-buinte, o que não se deu no caso em tela, sendo de rigor a manutenção da sentença recorrida.

Posto isso, nego provimento à apelação.

É como voto.

Desembargador Federal Fernando Braga Relator

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Parte Geral – Ementário

Administrativo

2980 – Concurso público – laudo oftalmológico incompleto – entrega tardia – candidato – eliminação – princípio da razoabilidade – violação

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Concurso público. Entrega de laudo oftalmológico incompleto. Entrega tardia da parte faltante do laudo. Eliminação do candidato. Interpretação ampliativa de regra editalícia que acarreta restrição de direitos. Impossibilidade. Princípio da razoabilidade. Violação. Segurança concedida. 1. A entrega tempestiva de laudo médico incompleto e o fornecimento do restante por ocasião do recurso oportunamente manejado não encontra perfeito enquadramento na norma legal em abstrato segundo a qual será eliminado do certame o candidato que deixar de entregar algum exame no local, na data e no horário estabelecidos no edital. 2. Sem a necessária subsunção da hi-pótese fática à regra editalícia, não há que se falar em desrespeito do candidato ao princípio da vinculação ao edital. 3. A Administração, por ser submissa ao princípio da legalidade, não pode levar a termo interpretação ampliativa de regramento que acarreta restrição de direitos. 4. A eliminação de candidato aprovado nas fases anteriores do certame e com comprovada aptidão física e mental é desarrazoada e incompatível com os princípios de direito que regem a matéria, sobretudo o da razoabilidade, configurando rigor inconciliável com a finalidade pública do concurso, que é selecionar os melhores candidatos para o exercício da função pública.” (TJAC – MS 1000965-69.2014.8.01.0000 – (7.591) – TP – Rel. Des. Adair Longuini – DJe 13.01.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO mandado de segurança em epígrafe foi impetrado contra ato supostamente ilegal atribuído ao Procurador-Geral de Justiça do Estado do Acre, na qualidade de presidente da comissão de concurso público para o cargo de promotor de justiça.

Referido ato consistiu na eliminação do impetrante diante da apresentação de laudo oftalmológi-co incompleto, fato este que levou à conclusão de que era inapto para o cargo.

O impetrante afirma que logrou êxito nas provas objetiva e discursiva do certame, obtendo inscri-ção definitiva e foi considerado indicado na sindicância de vida pregressa e investigação social. Posteriormente, foi convocado para o exame de sanidade física e mental, onde foi considerado inapto diante da apresentação de laudo oftalmológico incompleto, faltando a avaliação e a des-crição do campo visual em ambos os olhos.

Alega que apresentou, sem sucesso, recurso contra o resultado do exame à Banca Examinadora, anexando o exame que faltava no laudo oftalmológico, para que fosse juntado e avaliado pela junta médica.

Diante disso, sustenta que a decisão que manteve a sua inaptidão é desarrazoada e despropor-cional, bem como a sua exclusão do concurso, pois apresentou o restante do laudo posterior-mente.

O Procurador-Geral de Justiça e o Estado do Acre, ao apresentarem informações e defesa técni-ca, alegaram que a segurança pleiteada encontra óbice no princípio da vinculação ao edital, já que o instrumento convocatório expressamente exigiu a apresentação do exame oftalmológico completo.

Enfatizaram que o impetrante não foi eliminado em razão de um julgamento a respeito dos exames por ele apresentados, mas, sim, pela apresentação do laudo oftalmológico incompleto.

Na análise do presente mandamus, o Tribunal Pleno do Acre concedeu a segurança, acolhendo os argumentos do impetrante, afirmando que a eliminação deste é desarrazoada e incompatível com os princípios do direito que regem a matéria.

Do voto do Relator, destacamos o trecho que segue:

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“[...] Em última análise, a eliminação do Impetrante da forma em que se deu, é desarrazoada e incompatível com os princípios de direito que regem a matéria, configurando tão somente um ato extremamente rigoroso, hábil apenas a prejudicar a finalidade pública do concurso, que é selecionar os melhores candidatos para o exercício da função pública.Nesse eito, reproduzo o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça, verbis:‘ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA FORMAÇÃO DE OFICIAIS – IDADE MÍNIMA – REGRA EDITALÍCIA – INTERPRETAÇÃO – VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS – NULIDADE – RECUR-SO PROVIDO – 1. A menos de dez dias de completar dezoito anos e já emancipado, o recorrente foi eliminado do concurso para oficial da polícia militar, com fundamento em cláusula do edital, porque não apresentava, na data de publicação, a idade mínima requerida no instrumento con-vocatório. 2. A Lei nº 9.784/1999, que esta Corte tem entendido aplicar-se aos Estados, como o Mato Grosso, que não dispõem de lei própria para disciplinar o processo administrativo, delineia, no seu art. 2º, princípios a serem observados quando da execução dos procedimentos. Portanto, a atividade administrativa deve pautar-se, dentre outros, pelos princípios da razoabilidade, assim entendido como adequação entre meios e fins, e do interesse público, como vetor de orientação na interpretação de qualquer norma administrativa, inclusive editais. 3. No caso ora examinado, o simples cotejo entre a norma legal inserta no texto do art. 11 da Lei Com-plementar Estadual nº 231/2005 e o instrumento convocatório é bastante para afirmar que a restrição editalícia – dezoito anos na data da matrícula no curso de formação – decorreu de mera interpretação da Lei, que limitou a idade para ingresso na carreira militar. Em outras palavras, o que a lei dispôs como ingresso na carreira, foi interpretado pelo edital como data da matrícula no curso de formação. 4. Essa interpretação foi aplicada com tal rigor no caso concreto que, a pretexto de cumprir a lei, terminou por feri-la, porque: (a) desconsiderou a adequação entre meios e fins; (b) impôs uma restrição em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público e, também por isso, (c) não interpretou a lei da forma que melhor garantisse o atendimento do fim público a que se dirige. 5. O ato administrativo de exclusão do impetrante, no contexto em que foi produzido, violou o disposto no art. 2º, parágrafo único, incisos VI e XIII, da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 e, em consequência, feriu direito líquido e certo do impetrante. 6. Recurso provido.’ (RMS 36.422/MT, 1ª Turma, Rel. Min. Sérgio Kukina, J. 28.05.2013, DJe 04.06.2013) (destacamos)

2981 – Improbidade administrativa – dispensa de licitação – irregularidades – sobrepreço – justificável – dolo – inexistência

“Ação de improbidade administrativa. Responsabilização do fornecedor de mercadoria ao Município pela irregularidade do procedimento de dispensa de licitação. Impossibilidade. Sobrepreço da mercadoria justificável. Dolo inexistente. Provimento da apelação. 1. A sen-tença recorrida restou apurado nos autos que o réu Geraldo de Assunção Pereira, na quali-dade de ex-prefeito do Município de São Bento do Norte/RN, e a ré Adeleide Montenegro da Silva Bezerra, secretária de educação do mesmo Município, sem o prévio procedimento licitatório ou sem a realização do devido processo de inexigibilidade da licitação, utilizaram verbas oriundas do FNDE e destinadas a atender o Programa Nacional de Alimentação Esco-lar – Pnae, para adquirir diretamente da ora apelante Francinete Silva dos Santos os produtos alimentícios destinados à merenda escolar, com sobrepreço que totaliza R$ 1.253,24 (um mil, duzentos e cinquenta e três reais e vinte e quatro centavos). 2. Adota-se o entendimento segundo o qual ‘a má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegali-dade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-intenção do administrador’ (STJ, 1ª Turma, REsp 878506, Rel. Min. Luiz Fux, J. 18.08.2009, Publ. DJe 14.09.2009). 3. Na hipótese, não haveria que se exigir da apelante a adoção de medidas de cautela quanto à regularidade do processo de dispensa de licitação. Inexiste evidência de que ela tenha, culposa ou dolosamente, dado causa às irregularidades praticadas pelos gestores municipais. 4. Quanto ao alegado sobrepreço, de R$ 1.253,24 (um mil, duzentos e cinquenta e três reais

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������175

e vinte e quatro centavos), verifica-se que ele não foi apurado com base na realidade concreta do mercado local, mas sim no banco de preços médios da Fundação Getúlio Vargas – FGV, que, ao meu sentir, não pode ser aplicado a uma pequena cidade do interior nordestino, aon-de esse mesmos bens chegam, necessariamente, com um custo maior, seja em razão do frete, seja em razão da pequena quantidade de mercadorias adquirida, em decorrência da falta de escala de mercado. 5. Apelação provida.” (TRF 5ª R. – AC 0004702-81.2010.4.05.8400 – (556070/RN) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães – DJe 18.12.2014)

2982 – Militar – fisioterapia – necessidade – tratamento disponível em hospital militar – tratamento diverso – custeio pela União – impossibilidade

“Administrativo. Militar portador de linfedema. Necessidade de fisioterapia (drenagem linfá-tica). Tratamento disponível em hospital militar. Tratamento com compressão pneumática. Eficácia não comprovada. Pedido de custeio pela União Federal dos tratamentos realizados na ABBR. Descabimento. Descabe o pedido formulado por militar da marinha, portador de linfedema em membro inferior, de custeio, pela União Federal, do tratamento através de drenagem linfática e bota pneumática, junto à Associação Brasileira Beneficente de Rea-bilitação – ABBR, uma vez demonstrado nos autos que o hospital militar dispõe do serviço de fisioterapia que realiza tratamento de drenagem linfática, e que o tratamento através de compressão pneumática não é obrigatório no caso do Autor, mormente por não apresentar eficácia comprovada, e, ainda que reduza o edema, este efeito não é sustentado. Apelação desprovida. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – AC 2010.51.51.012369-0 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcus Abraham – DJe 25.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação em epígrafe foi interposta por um militar reformado da Marinha do Brasil contra sentença que julgou improcedente o pedido de custeio, pela União Federal, de tratamento pela Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação – ABBR (drenagem linfática e bota pneumáti-ca), prescrita por médico militar.

O juízo a quo entendeu que inexiste nos autos elementos que justifiquem o custeio de um tra-tamento cuja eficácia ainda não foi comprovada, principalmente pelo fato de considerável parte dos pacientes responder de forma satisfatória ao tratamento medicamentoso aliado às sessões de drenagem linfática e compressão elástica.

No presente recurso, o apelante reiterou os termos expostos na inicial, enfatizando que tem direi-to ao custeio pela Marinha do Brasil de todo o tratamento na ABBR, que, inclusive, foi indicado pela própria Administração Militar, como último recurso para melhora de sua doença.

A 5ª Turma Especializada do TRF 2ª Região negou provimento à apelação e manteve a sentença com seus próprios fundamentos.

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] Por outro lado, quanto ao tratamento por meio de compressão pneumática, percebe-se, pelo relatório médico da Marinha (fl. 91), que este não é obrigatório no caso do Autor, mor-mente por não apresentar eficácia comprovada, e, ainda que reduza o edema, este efeito não é sustentado.

Nesse contexto, uma vez demonstrado nos autos que o hospital militar dispõe do serviço de fisioterapia que realiza tratamento de drenagem linfática, e que o tratamento através de com-pressão pneumática não é obrigatório no caso do Autor, por não apresentar eficácia comprovada, descabe o pedido autoral de custeio de tais tratamentos, pela União Federal, junto à Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação – ABBR, conforme, acertadamente, decidiu a MMª Juíza de 1º Grau.

Pelo exposto, nego provimento à apelação, para manter a r. sentença.

É como voto.”

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2983 – Órgão público – polícia civil – escolta de presos – legislação estadual de MG – determinação – polícia militar – atribuição

“Administrativo. Polícia civil. Determinação judicial de escolta de presos. Legislação esta-dual. Lei Estadual (MG) nº 13.054/1998. Atribuição da Polícia Militar no Estado de Minas Gerais. Precedentes do STJ. Recurso ordinário provido. I – Consoante disposto no art. 144, § 7º, da CF/1988, ‘a lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsá-veis pela segurança pública’, entre os quais se incluem as Polícias Civil e Militar. II – A Lei Estadual nº 13.054, de 23.12.1998, que dispõe sobre o transporte de preso provisório ou condenado e dá outras providências, estabelece, em seus arts. 1º e 2º, que compete à Polícia Militar a escolta de presos, no Estado de Minas Gerais. III – Assim sendo, no Estado de Minas Gerais inexiste amparo legal para a determinação judicial de escolta de presos, por policiais civis, uma vez que tal incumbência, por força da aludida Lei Estadual, cabe aos policiais militares. Precedentes do STJ (RMS 19.269/MG, Relª Min. Eliana Calmon, 2ª T., DJU de 13.06.2005; AgRg-RMS 39.799/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe de 23.05.2014). IV – Recurso Ordinário provido.” (STJ – RMS 42.987 – (2013/0190746-0) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 24.11.2014)

2984 – Precatório – crédito humanitário – pessoa idosa – lista preferencial – inclusão – créditos alimentícios – preterição – ausência

“Constitucional e administrativo. Precatório. Crédito humanitário. Pessoa idosa. Inclusão em lista preferencial. Ausência de preterição de créditos alimentícios. Ofensa a direito líquido e certo do ente estatal. Inexistência. Resguardada a preferência absoluta do crédito de natureza alimentar, a inclusão de crédito de natureza humanitária (credor idoso ou portador de grave moléstia) em listagem preferencial de pagamento não representa ofensa a direito líquido e certo do ente estatal, pelo contrário, traduz-se em meio de efetivação dos princípios cons-titucionais da dignidade da pessoa humana e da proteção aos idosos.” (TJRO – AgRg-MS 0009489-87.2014.8.22.0000 – TP – Rel. Juiz José Jorge Ribeiro Luz – DJe 07.01.2015)

2985 – Responsabilidade civil do Estado – transbordo de córrego – danos extrapatrimo-niais – compensação

“Apelação cível. Responsabilidade civil. Compensação por danos extrapatrimoniais. Trans-bordo de córrego e inundação motivada pela inação da requerida. Procedência parcial dos pedidos. Insurgência. Descabimento. Insuficiência das obras de prevenção de enchentes. Requerentes que perderam os haveres que guarneciam a residência. Sentimento de desola-ção imanente ao contexto fático. Reparação dos danos patrimoniais e compensação daque-les extrapatrimoniais. Recurso voluntário e reexame necessário desprovidos, determinado, de ofício, a alteração dos juros moratórios e dies a quo da correção monetária.” (TJSP – AC 0021129-28.2005.8.26.0506 – 13ª CDPúb. – Rel. Des. Souza Meirelles – DJe 09.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação interposta pelo Município de Ribeirão Preto contra sentença que o conde-nou a compensar os danos morais sofridos por cada um dos requerentes em R$ 4.976,00, além de danos materiais consistentes em perda de utensílios, roupas e eletrodomésticos, em virtude de inundação da casa na qual residiam, após transbordamento de córrego próximo ao local.

De acordo com os autores, terra, areia e demais detritos se acumulam nos estreitamentos dos córregos e não há medidas eficientes pela apelante para contornar tal situação, minimizando os efeitos das inundações.

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Em suas razões, a apelante sustenta que a situação em questão nada mais é do que força maior, motivo pelo qual os danos não são indenizáveis. Além disso, afirma que está descaracterizado o dano moral, pois a enchente causou mero aborrecimento aos requerentes, logo, não enseja compensação.A 13ª Câmara de Direito Público do TJSP entendeu que a situação em tela caracterizou omissão do Poder Público, pois tinha o dever de agir, porém não o fez, caracterizando a chamada falta de serviço. Ou seja, houve negligência da apelante, já que foi exitosa em evitar as enchentes.Em seu voto, o Relator assim se manifestou:“[...] Admite-se, então, a culpa na modalidade negligência por não ter a Municipalidade sido exitosa em evitar as enchentes, tendo concluído o expert que ‘as obras de combate às enchentes realizadas pela Prefeitura até a data do sinistro, não foram suficientes para por fim às constantes inundações que ocorrem na região dos imóveis dos autores’ (fls. 286).[...]E note-se que, consoante as provas carreadas aos autos, não há que se falar em ocorrência de força maior porquanto, a despeito de inexistir dados de medição do índice pluviométrico horário no local do sinistro, pôde afirmar o perito que ‘a inundação do local ocorre mesmo para uma precipitação previsível, pois quase todo ano se repete nos mesmos locais, ou seja, Av. Jerônimo Gonçalves, Av. Francisco Junqueira e Vila Virgínia’, de sorte que inexiste excludente de respon-sabilidade para a vertente dos autos, restando incontroversa a omissão do Poder Público, bem como o nexo causal.Assim, imperiosa a reparação dos danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Quanto aos primeiros, importa ressaltar que as testemunhas corroboram o perdimento dos pertences, o que também foi relatado pelos requerentes nos Boletins de Ocorrência (fls. 41, 46, 54, 66). Nesse âmbito, cabe pontuar que razoável a alegação de que inexiste prova documental como nota fiscal dos objetos perdidos, vez que tudo foi atingido pela enchente. Logo, como bem ressaltou o MM. Juiz a quo ‘a indenização pelos danos materiais consistentes em perda de utensílios, roupas e eletrodomésticos dos autores’ deverá ser apurada em liquidação.[...]Ainda, malgrado a alegação da apelante, não se pode dizer que o caso dos autos é apto a provo-car tão somente um mero aborrecimento ou dissabor, não ensejando assim violação aos imortais direitos da personalidade.Repare-se e repare-se muito que os autores perderam todos os haveres que guarneciam seus lares, mercê de a enchente ter passado de dois metros de altura nas residências próximas ao córrego. [...]”

2986 – Servidor público – contratação indevida – verbas salariais – percebimento – enri-quecimento ilícito – vedação

“Agravo regimental. Apelação. Administração pública. Contratação indevida. Direito ao percebimento de verbas salariais. Vedação ao enriquecimento ilícito. Agravo desprovido. 1. Mesmo sendo nula a contratação de servidor público por ter sido realizada sem concurso público, ao arrepio da CF/1988, isso não exime a Administração Pública de pagar pelos serviços efetivamente prestados, bem como pelos respectivos depósitos do FGTS. 2. Assim disciplinam as Súmulas nºs 466 do STJ e 363 do TST, reverberadas em diversos julgados do eg. TJMA, a exemplo da Apelação Cível nº 3.512/2010, julgada em 18.05.2010; Apelação Cível nº 2581/2010, julgada em 20.04.2010; Apelação Cível nº 32442/2009, julgada em 18.03.2010; Remessa nº 17.790/2011, julgada em 18.10.2011. 3. Agravo desprovido.” (TJMA – AgRg 51360/2014 – (157937/2014) – Rel. Des. Kleber Costa Carvalho – DJe 23.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESESelecionamos os julgados a seguir no mesmo sentido:“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – NULIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO – AUSÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO – VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍ-CITO DA ADMINISTRAÇÃO – SERVIÇO EFETIVAMENTE PRESTADO – NÃO COMPROVAÇÃO DO

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FATO EXTINTIVO DO DIREITO AUTORAL – Alegação de ausência de direito a férias indenizadas por não ter sido completo o período aquisitivo. Inviabilidade. Direito à verba proporcional, refe-rente aos meses trabalhados, acrescida de 1/3. Honorários advocatícios. Redução. Inviabilidade. Observância aos princípios da equidade, razoabilidade, proporcionalidade e ao preceituado no art. 20 do CPC. Sentença mantida. Conhecimento e improvimento da apelação. Precedentes.” (TJRN, AC 2014.018080-6, 3ª C.Cív., Rel. Des. João Rebouças, DJe 17.12.2014, p. 140) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 155000076336. Acesso em: 5 jan. 2015)“RECURSO DO MUNICÍPIO – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – SERVIDOR PÚ-BLICO CELETISTA – É competente a Justiça do Trabalho para apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, decorrentes de típica relação celetista. Inteligência do caput do art. 114 da Constituição Federal. Recurso que se nega provimento. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE – CONTRATAÇÃO SEM CONCURSO PÚBLICO – SÚMULA Nº 363 DO TST – A ausência de concurso público gera a nulidade do contrato de trabalho, sendo devido ao obreiro, neste caso, somente o pagamento do equivalente aos salários dos dias efetivamente trabalhados e os depósitos do FGTS, a fim de se evitar o enriquecimento ilícito da Administração Pública, que se valeu da força de trabalho do empregado. Recurso que se nega provimento.” (TRT 17ª R., RO 0084000-45.2013.5.17.0141, Rel. Des. Lino Faria Petelinkar, J. 11.09.2014) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 128000077614. Acesso em: 5 jan. 2015)

Ambiental

2987 – Ação civil pública – destinação errônea de resíduos sólidos – lixão – implantação de aterro sanitário – necessidade

“Duplo grau de jurisdição e apelação cível. Ação civil pública. Lixão. Condenação para implantação de aterro sanitário e outras medidas visando à efetivação da política ambiental adequada ao município. Procedência do pedido. Elastecimento dos prazos para implanta-ção das medidas condenatórias. Razoabilidade. Provimento parcial do apelo e da remessa necessária. 1. Inexistentes dúvidas que a destinação errônea de resíduos sólidos acarreta de-plorável e insustentável dano ao meio ambiente. A destinação do lixo em áreas urbanas, pela natureza de serviço essencial, possui repercussão direta no meio ambiente e na saúde geral da população, de modo que é indispensável o município se postar atento no que se refere ao gerenciamento desses resíduos. 2. Tendo tido o apelante oportunidades várias e tempo dantes razoável para a solução do problema ambiental discutido nos autos, não tomando, a tempo, providência para a correção das irregulares detectadas e deflagradoras do ajuizamen-to da presente demanda, escorreita a condenação que lhe é dirigida na origem. 3. No que diz respeito aos prazos para implementação das medidas descritas na sentença impugnada, entendo que, em verdade, alguns merecem alargamento, com vistas à efetivação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, posto que tenho por exíguo o lapso de 10 (dez) dias fixado na decisão apelada e vejo perigo de eventual inoperatividade, notadamente frente ao trâmite burocrático ínsito aos trabalhos administrativos, bem como diante de eventual ris-co de medidas a serem concretizadas de forma afoita e ineficazes. Duplo grau de jurisdição e apelo parcialmente providos.” (TJGO – DGJ 201194237894 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Amaral Wilson de Oliveira – DJe 06.02.2015)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de duplo grau de jurisdição e apelação cível interposta pelo município de Fazenda Nova.O recurso foi interposto em face da sentença da Ação Civil Pública, que julgou procedente o pedido do Ministério Público Federal, o apelado.

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Consta dos autos que o referido município mantém a destinação errônea de resíduos sólidos (lixo).Os lixos, por sua vez, são destinados em áreas urbanas, repercutindo diretamente no meio am-biente e na saúde geral da população.Vale transcrever o teor da r. sentença:“[...] Firme em tais razões, julgo procedente os pedidos contidos na inicial da ação civil pública, confirmando a liminar concedida, para condenar o Município de Fazenda Nova a: (i) de imediato, cesse qualquer ato de queima de resíduos sólidos no local indicado ou em qual-quer outro local, sob pena de multa diária;(ii) No prazo improrrogável de 10 (dez) dias, providencie local adequado para depósito do lixo, em aterro correto, não a céu aberto, devidamente certificado pelas autoridades ambientais, comprovando-se nos autos; (iii) No prazo improrrogável de 10 (dez) dias, destine eventual lixo molhado para compostagem;(iv) No prazo improrrogável de 10 (dez) dias, apresente laudo sobre o local do atual aterro irre-gular bem como propostas de recuperação da área, com a imediata retirada do lixo;(v) reparar o dano ambiental causado no local, retornando ao status quo ante, por intermédio de Projeto Técnico de Recuperação de Área Degradada (Prad), por profissional habilitado, o qual deverá ser analisado, aprovado e acompanhado pela Semarh, abstendo-se de qualquer interven-ção ou atividade que importe degradação ambiental ou intensificação ou agravamento do dano causado na área, no prazo de 60 (sessenta) dias;(vi) no caso dos itens supra, a implantação do aterro sanitário deverá obedecer às normas da Semarh, bem como considerar os termos do TAC, notadamente em sua cláusula nona, reco-nhecendo a situação das famílias desamparadas que se encontram no local realizando atividade de catador de recicláveis, promovendo a separação do lixo seco em material reciclável e não reciclável, absorvendo-as no novo sistema de coleta, consoante fundamentação supra, bem como oficie-se a Secretaria de Assistência Social do município para que acompanhe a situação dessas famílias e, em sendo o caso, ampare-as dentro dos programas legais, expedindo-se cópia ao Ministério Público para conhecimento e, se necessário, providências.Realço que a medida indicada no item supra tem por objetivo a satisfação da pretensão deduzida na ação civil pública, bem como no TAC que a instrui, em sua cláusula nona, ao mesmo tempo em que contempla a função social das pessoas que trabalham com material reciclável, essencial hoje numa sociedade industrializada e de consumo.Quanto à liminar, verifico que em 2012 foi proferida e, até hoje, não foi cumprida, razão pela qual fica mantida na integralidade e os itens de (i) a (iv) indicados terão o valor da multa diária aumentado para R$ 3.000,00, já que R$ 1.000,00 parece que foi pouco para o município, cuja destinação será decidida por este juízo, sem prejuízo da apuração do valor já em débito que acontece por recalcitrância da ré em cumprir determinação judicial.Realço que o prazo dado é mais que suficiente, sendo que a liminar havia conferido o lapso de 90 dias, completamente ignorado, de forma que não pode a ré alegar surpresa ou falta de plane-jamento em algo que já dura mais de dois anos e uma ação com cerca de três anos de trâmite.Destaco que a presente medida não impede a execução de eventual Termo de Ajustamento de Conduta junto ao Ministério Público.Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, mas deixo de fixar os honorários advocatícios.”Inconformado, o apelante alega que antes mesmo do ajuizamento da ação houve formalização de Termo de Ajustamento de Conduta.Continua sustentando que as ações para implementação de política ambiental adequada não estão totalmente satisfeitas, pois demanda de contratação de pessoas especializadas.Sustenta ter sido diminuto o prazo para formalização de todos os procedimentos de política ambiental.O ilustre Relator em seu voto entendeu:“Nesse contexto, entendo que o cumprimento do compromisso firmado dantes com o recorrido pelo apelante não consistia em simplesmente manter a situação degradante de outrora, mas sim, exatamente, envidar esforços para melhoria e modificação do contexto poluidor constatado, o que não ocorrera.

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Em retomada ao que prescreve o Texto Constitucional (CF, art. 225), reputo que tinha a Munici-palidade recorrente a obrigação legal de modificação da conjuntura que inaugurou a propositura da demanda, não sendo legítima a argumentação de crise financeira, logística ou de pessoal especializado para tal proceder, porquanto, como frisado, houve prazos razoáveis de implemen-tação das medidas delineadas no TAC.De fato, como asseverado pelo recorrente, o lixo é problema mundial, mas a pretexto de tal discurso não deve o apelante se furtar da obrigação legal e, antes constitucional, a si dirigida, sob pena de legitimar situação ilegal e, como dito algures, periclitante aos munícipes. Dessarte, por vislumbrar que os danos ambientais decorrentes da destinação de resíduos sólidos de forma incorreta são notórios e complexos, correta, a meu ver, a sentença recorrida, mormente no que pertine às determinações lá constantes. A esse respeito, trago à colação o seguinte aresto desta Corte:AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LIXO URBANO – DESCUMPRIMENTO DO TERMO DE AJUSTE DE CONDUTA (TAC) – CONSTRUÇÃO DE NOVO ATERRO SANITÁRIO COM POLÍTICAS CORRETAS DE RECOLHIMENTO E TRATAMENTO DO LIXO SÓLIDO URBANO – SAÚDE AMBIENTAL E PÚBLICA – No termo de conduta assinado pelos litigantes, ajustou--se que a Municipalidade agravante realizaria todos os atos ali estampados no prazo máximo de 01 (um) ano a contar da concessão da licença de instalação do novo aterro. Desta forma, considerando que o ente público agravante já possui o terreno, devidamente escriturado, recurso financeiro, bem como tempo mais que razoável para a efetivação da obrigação contraída tanto com o Ministério Público quanto com a população de Novo Brasil, não há óbice para o cumpri-mento da ordem judicial atacada. Agravo de instrumento conhecido, porém desprovido.” (TJGO, Agravo de Instrumento nº 217288-63.2014.8.09.0000, Rel. Des. Amaral Wilson de Oliveira, 2ª C.Cív., J. 07.10.2014, DJe 1650 de 15.10.2014)No que diz respeito aos prazos para implementação das medidas descritas na sentença impug-nada, entendo que, em verdade, alguns merecem alargamento, com vistas à efetivação do prin-cípio da razoabilidade e da proporcionalidade, posto que tenho por exíguo o lapso de 10 (dez) dias fixado na decisão apelada e vejo perigo de eventual inoperatividade, notadamente frente ao trâmite burocrático ínsito aos trabalhos administrativos, bem como diante de eventual risco de medidas a serem concretizadas de forma afoita e ineficazes.Para tanto, entendo que devem ser mantidos os prazos que constam apenas nos itens “i” (de imediato) e “v” (sessenta dias) de fl. 120, in verbis:“(i) de imediato, cesse qualquer ato de queima de resíduos sólidos no local indicado ou em qualquer outro local, sob pena de multa diária;(v) reparar o dano ambiental causado no local, retornando ao status quo ante, por intermédio de Projeto Técnico de Recuperação de Área Degradada (Prad), por profissional habilitado, o qual deverá ser analisado, aprovado e acompanhado pela Semarh, abstendo-se de qualquer interven-ção ou atividade que importe degradação ambiental ou intensificação ou agravamento do dano causado na área, no prazo de 60 (sessenta) dias”; (destaquei).Quanto aos demais prazos de implementação das medidas condenatórias dirigidas ao apelante devem ser elastecidos de dez para 60 (sessenta) dias, ficando assim estabelecidos:“(ii) No prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, providencie local adequado para depósito do lixo, em aterro correto, não a céu aberto, devidamente certificado pelas autoridades ambientais, comprovando-se nos autos;(iii) No prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, destine eventual lixo molhado para compos-tagem; (iv) No prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias, apresente laudo sobre o local do atual aterro irregular bem como propostas de recuperação da área, com a imediata retirada do lixo”;Noutro plano, quanto à majoração da multa diária, na forma como procedida na origem, para R$ 3.000,00 (três mil reais), para eventual não cumprimento dos itens “i” a “iv” da ordem mandamental exarada acima, avalio escorreito o valor equalizado, eis que bem delineado e justificado pelo juiz singular, sobretudo levando-se em consideração o longo interregno havido entre a formalização dos compromissos assumidos pelo apelante e a prolação da sentença, sem qualquer prova de efetiva medida saneadora prática e efetiva dos danos ambientais detectados.No mais, permanece inalterada a sucumbência, por reputar que o alargamento nos prazos de cumprimento da ordem mandamental não autorizam o redimensionamento da referida verba, pois ausente modificação substancial da conclusão primeva. Isso posto, dou parcial provimento

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ao apelo e à remessa obrigatória, tão somente para modificar prazos pontuais de implementa-ção das medidas mandamentais fixadas na sentença recorrida, mantendo-se os demais termos condenatórios.É como voto.”Dessa forma, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, deu parcial provimento ao recurso, modi-ficando os prazos de implementação de medidas mandamentais fixadas na sentença.

2988 – Ação popular – bem público – terreno da marinha – patrimônio da União – irre-gularidade formal – inexistência

“Constitucional e administrativo. Ação popular. Bem público. Terrenos de marinha. Patri-mônio da União. Regime de aforamento. Irregularidade formal. Inexistência de contrato de cessão do domínio útil ao município. Inércia da União. Indevida a anulação da licitação promovida para utilização da área para exploração de restaurante. Agravo retido não conhe-cido. Remessa necessária e apelações desprovidas. 1. Agravo Retido não conhecido, vez que não cumprida a forma determinada pelo art. 523 e seu § 1º, do Código de Processo Civil. 2. A presente Ação Popular insurge-se contra a licitação promovida pelo Município do Rio de Janeiro, na pretensa qualidade de titular do domínio útil, inaugurada por meio do Edital CO nº 01/2009, na modalidade de Concorrência Pública, para exploração comercial de res-taurante em área tida como terreno de marinha, situada na Avenida Infante Dom Henrique s/n, Parque do Flamengo, fronteiro às Avenidas Rui Barbosa e Osvaldo Cruz, por não existir contrato de aforamento entre a União e os Réus, pugnando a anulação de ato ilegal e lesivo ao patrimônio do ente federativo. 3. O cerne da controvérsia centra-se em definir se a área em voga é ou não de domínio útil do Município do Rio de Janeiro, o que, em caso positivo, o legitimaria a promover a licitação nesta demanda impugnada. 4. Incontroverso é que o terreno objeto desta demanda é de marinha, portanto, bem imóvel pertencente à União Federal, nos termos do art. 20, VII, da CF, desde a época colonial. Trata-se, portanto, de aquisição originária de propriedade por expressa disposição constitucional. 5. A União Fede-ral pode permitir, através do aforamento, a utilização do domínio útil do bem por terceiros, com a ocupação e a construção nessas áreas, sendo indispensável a competente autorização da Secretaria de Patrimônio da União – SPU, que administra os bens dessa entidade. 6. O Decreto nº 82.855/1978 autorizou a cessão da área descrita, sob regime de aforamento, à empresa Riotur, para fins de construção, no prazo de 2 anos, a contar da data da assinatura do contrato de cessão, de um restaurante, a ser explorado pela cessionária, restando estabe-lecido no art. 3º que a cessionária ficaria isenta do pagamento do preço correspondente ao valor do domínio útil do terreno. Contudo, o contrato de cessão nunca foi firmado. Por outro lado, na época, a Riotur concedeu Termo de Permissão de Uso (nº 326/1978) à empresa Rincão Ltda. referente àquela área, instalando-se no local o restaurante. Anos mais tarde, o Município do Rio de Janeiro assumiu a ‘titularidade’ de utilização do terreno, firmando Termos de Permissão de Uso com outras empresas. 7. A cessão de bens da União, na época de expedição do Decreto autorizativo de aforamento, era regida pelos arts. 125 e 126 da Lei nº 9.760/1946, que estabeleciam que a cessão deveria ser feita mediante termo ou contra-to, no qual expressamente constaria as condições estabelecidas. 8. A ocupação do terreno acabou por se tornar um verdadeiro imbróglio jurídico, podendo-se dizer que a instalação inicial do empreendimento comercial no local deu-se a partir de expressa autorização da União, com consentimento da SPU, através do Decreto nº 82.855/1978, sendo que, com o transcurso do tempo, a ocupação perpetuou-se sem a assinatura do necessário contrato de cessão do terreno, nem entabulada com a Riotur e tampouco com o Município, ficando a área sem a devida formalização do aforamento, conforme dispõe a legislação que rege a ma-

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téria (Decreto-Lei nº 9.760/1946 e Lei nº 9.636/1998). 9. Através do Processo Administrativo nº 0768.007.729/86-14, constata-se que, apenas em 1994, a SPU verificou a inexistência do contrato de cessão aludido no Decreto e, até o ano de 2003, persistiu a discussão acerca da cobrança da taxa de ocupação, se a mesma efetivamente era devida ou não, havendo pareceres em ambos os sentidos. O próprio servidor do SPU afirmou que, no seu entendi-mento, não teria cabimento a cobrança de taxa de ocupação, pois não havia ocupante, mas sim detentor de um direito de aforamento, cujo contrato, por força da deficiência do serviço público não havia sido ainda lavrado. 10. Não prospera a argumentação do Município no sentido de que, por ser sucessor do Estado da Guanabara e da antiga Prefeitura do Distrito Federal, ter-lhe-ia sido concedido o domínio útil do terreno de marinha (este sempre per-tencente à União). Cumprindo ressaltar que evidentemente nenhum Decreto Estadual (por exemplo, o de nº 1.010/1976) possui força normativa para legitimar o Município a gerir a área em voga, não se admitindo pronunciamento de ente estadual sobre bens federais, sendo certo que apenas a União poderia fazê-lo. 11. O Decreto-Lei Federal nº 3.438/1941 (também utilizado como fundamento pelo Município para justificar o seu domínio útil sobre a área) apenas autorizou a Prefeitura do Distrito Federal a representar a União na alienação do do-mínio útil das áreas particulares, os quais deveriam posteriormente, requerer o aforamento junto à Diretoria de Domínio da União. Igualmente não se pode sustentar que a Lei Federal nº 3.752/1960 transferiu o domínio útil dos acrescidos de marinha decorrentes de aterros do antigo Distrito Federal ao Estado da Guanabara, mas tão somente a prerrogativa de represen-tar a União nas alienações a particulares, os quais deveriam regularizar o aforamento através de contrato, imprescindível a sua concretização. 12. Embora se acolha a tese da União e do MPF no sentido de que não houve a imprescindível e formal cessão do domínio útil da área ao Município, sob o regime de aforamento, mediante assinatura do respectivo contrato, não se pode negar que o ente municipal durante todos esses anos (seja por motivos políticos ou sociais) investiu no local, aterrando-o, calçando-o, jardinando-o, conservando-o, bem como realizando inúmeras melhorias visando ao atendimento do interesse público e de toda a coletividade, tal como ocorreu em toda a extensão do Parque do Flamengo. Por outro lado, resta evidente que a União, através da SPU, mostrou-se totalmente omissa e relapsa no que tange ao necessário cuidado sobre o imóvel de sua propriedade, sendo que apenas através desta Ação Civil Pública, ajuizada pelo MPF, é que houve a efetiva intenção de se regulari-zar e formalizar a ocupação do terreno. 13. Muito embora não se reconheça a regularidade do domínio útil exercido pelo Município do Rio de Janeiro sobre o imóvel, não deve ser acolhido o pedido formulado nesta demanda, pois a decisão exarada na Ação Civil Pública nº 2010.51.01.007518-8, acerca da retomada do imóvel pela União, não possui efeitos re-troativos, sendo legítima a ocupação do terreno no período de inércia da União em relação à regularização do aforamento. 14. Remessa Necessária e Apelações desprovidas.” (TRF 2ª R. – AC 2009.51.01.018068-1 – (622817) – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler – DJe 23.01.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Constituição Federal:“Art. 20. São bens da União:[...]VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos.”• Código de Processo Civil:“Art. 523. Na modalidade de agravo retido o agravante requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação.[...]

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§ 1º Não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal.”

2989 – Acidente ambiental – rompimento de poliduto – vazamento de óleo na água – proibição de pesca – ocorrência

“Apelações cíveis. Ação de indenização. Acidente ambiental. Petrobrás. Danos materiais e morais. Rompimento do poliduto e consequente vazamento de óleo nas águas da região. Apelação da requerida. Preliminar de nulidade da sentença. Questão que se confunde com o mérito. Nulidade por cerceamento de defesa. Inocorrência. Produção probatória pleiteada que se torna desnecessária ante a notoriedade do evento. Exegese do art. 130 do CPC. Ausên-cia de culpa da requerida. Responsabilidade objetiva por danos ambientais. Teoria do risco integral. Irrelevância da superveniência de caso fortuito ou força maior. Questão pacificada no STJ. Responsabilidade configurada. Proibição de pesca na região pelo período de seis me-ses. Indenização por danos materiais devida em um salário mínimo vigente à época limitada ao período de 06 meses. Caso concreto onde o autor reconhece o restabelecimento de sua renda anterior por ocasião do decurso da interdição. Compensação do defeso e proporcio-nalidade dos lucros cessantes que importam em indevida inovação recursal, não se podendo conhecer do recurso nesses pontos. Apelo parcialmente conhecido e, na parte conhecida, parcialmente provido. Apelação do autor danos morais. Majoração. Possibilidade. Valor fixa-do em primeiro grau que não atende às diretrizes e parâmetros considerados pelo colegiado. Termo inicial juros de mora alteração. Data do evento danoso. Inteligência do Enunciado da Súmula nº 54 do STJ. Recurso conhecido e provido.” (TJPR – AC 1114764-1 – 10ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Marco Antônio Massaneiro – DJe 30.01.2015)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código de Processo Civil:“Art. 130. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias.”

2990 – Área de preservação permanente – construção em margem de rio – Ibama – de-molição – possibilidade

“Administrativo. Ibama. Construção em Área de Preservação Permanente (APP). Multa com base na Lei nº 9.605/1998 e no Decreto nº 3.179/1999. Legislação posterior ao fato gerador da autuação. Incabimento de irretroatividade da lei. Nulidade parcial do auto de infração. Demolição. Ação civil pública em curso. Honorários advocatícios. I – Trata-se de apelação e de recurso adesivo de sentença que desconstituiu as sanções de multa e demolição de imóvel imposta no Auto de Infração nº 343178/D do Ibama. II – Foi lavrado Auto de Infra-ção pelos fiscais do Ibama contra o autor, em decorrência de construção de imóvel em área considerada de preservação permanente – APP, nas margens do Rio Jaguaribe, no Ceará, fundamentando-se no art. 70 da Lei nº 9.605/1998, art. 51 do Decreto nº 3.179/1999, no art. 2º da Lei nº 4.771/2005 e na Resolução do Conama nº 303/2002, impondo-se uma multa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). III – Restou demonstrado nos autos, que a construção realizada pelo autor foi anterior (1994) à legislação que amparou a pena de multa. Não pode a Lei sancionadora retroagir para regular fatos jurídicos já existentes, em observância ao princípio da legalidade, anterioridade e irretroatividade, não sendo cabível a pena de multa. IV – Já em relação à determinação de demolição da construção, não se pode valer dos princípios da irretroatividade e anterioridade, pois a demolição não é pena, mas medida administrativa destinada a recuperar o meio ambiente, pois o dano se renova dia-

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-a-dia. Contudo, no caso, a demolição da construção com fundamento na responsabilidade civil, é objeto da Ação Civil Pública nº 0000210-75.2007.4.05.8101, que busca a recompo-sição da APP da margem do Rio Jaguaribe. V – Seria incongruente a permanência da pena de demolição aplicada pelo Ibama visto que tal medida é objeto de apreciação em Ação Civil Pública, como forma de evitar decisões conflitantes. VI – Levando-se em conta o disposto no art. 20, § 4º, do CPC , e os critérios estabelecidos no § 3º da mesma norma legal, cabível a condenação do Ibama ao pagamento de honorários advocatícios, no percentual de 5% sobre o valor da causa. VII – Apelação do Ibama improvida. VIII – Recurso Adesivo do autor parcialmente provido, para condenar o Ibama ao pagamento de honorários advocatícios.” (TRF 5ª R. – AC 0000185-57.2010.4.05.8101 – (576440/CE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 12.02.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:“[...] Da análise dos autos, observa-se que o Auto de Infração nº 343178-D (fl. 57), foi lavrado pelos fiscais do Ibama em decorrência de construção de imóvel em área considerada de preser-vação permanente – APP, nas margens do Rio Jaguaribe, no Ceará, fundamentando-se no art. 70 da lei nº 9.605/1998, art. 51 do Decreto nº 3.179/1999, no art. 2º da Lei nº 4.771/2005 e na Resolução do Conama nº 303/2002, impondo-se uma multa no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). A parte autora alega que adquiriu o imóvel que originou a demanda, em 12.02.1994, como fez prova juntando a Declaração de Compra e Venda (fls. 46/47). Também se verifica que a construção/reforma do imóvel que ensejou a infração administrativa ocorreu no ano de 1995, como se observa na documentação acostada (fls. 115/155). Dessa forma, restou demonstrado que a construção foi anterior à Lei nº 9.605/1998 e ao Decreto nº 3.179/99, não podendo a lei sancionadora retroagir para regular fatos jurídicos já existentes, em observância aos princípios da legalidade, anterioridade e irretroatividade, não sendo cabível a pena de multa. Nesse sentido:ADMINISTRATIVO – PESQUISA MINERAL – ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO – NÃO PAGAMENTO DA TAXA ANUAL POR HECTARE – APLICAÇÃO DE MULTA, COM BASE NA LEI Nº 9.314/1996 – IMPOSSIBILIDADE – LEGISLAÇÃO POSTERIOR AO FATO GERADOR DA AUTUAÇÃO – IRRE-TROATIVIDADE DA LEI – NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO1. Pretensão do Apelante de que seja anulado o auto de infração que lhe impôs a cobrança de multa, nos termos do art. 20, II, da Lei nº 9.314, de 14.11.1996, em virtude do não pagamento da taxa anual por hectare. 2. A Lei nº 9.314, de 14.11.1996, que só entrou em vigor sessenta dias após a publicação, em 14.01.1997, não pode retroagir para regular fatos jurídicos já existentes, no caso, para embasar a aplicação de multa ao Apelante, já que foi editada em data posterior à publicação do alvará de autorização de pesquisa mineral (03.06.1996), sendo nulo o auto de infração correspondente.(TRF 5ª R., AMS 78621/RN, Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho (Convocado), DJe 05.06.2008)Já em relação à determinação de demolição da construção, não se pode valer dos princípios da irretroatividade e anterioridade, pois a demolição não é pena, mas medida administrativa destinada a recuperar o meio ambiente.Ressalte-se que na hipótese de recomposição do meio ambiente, não há que e falar em pres-crição da pretensão punitiva, pois o dano se renova dia a dia. Afastada, portanto, a pretendida prescrição.Contudo, deve-se apreciar cada caso concreto para a verificação do cabimento da demolição imposta pela Autarquia Federal. [...]”

2991 – Área de preservação permanente – destruição de floresta – princípio in dubio pro reo – aplicabilidade

“Apelação criminal. Art.38, caput, da Lei nº 9.605/1998. Destruição de floresta. Situação não comprovada. Dúvidas quanto à delimitação da área de preservação permanente. Autoria.

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Ausência de certeza. In dubio pro reo. Absolvição mantida. Não se podendo precisar que os supostos danos ambientais tivessem sido ocasionados pelos réus, tampouco de que os ilícitos tenham sido perpetrados em área de preservação permanente, em respeito ao princípio in dubio pro reo, a absolvição é a medida que se impõe.” (TJMG – ACr 1.0701.09.272822-2/001 – 6ª C.Crim. – Rel. Jaubert Carneiro Jaques – DJe 23.01.2015)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de apelação criminal interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais em face da sentença que veio absolver os acusados da presente ação.

A r. sentença absolveu os acusados com fundamento no art.386, III e VII do CPP, in verbis:

“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reco-nheça:

[...]

III – não constituir o fato infração penal;

[...]

VII – não existir prova suficiente para a condenação.”

Consta dos autos que os acusados foram denunciados, e durante a fiscalização realizada, poli-ciais militares constataram que os mesmos estavam provocando danos em área de preservação permanente.

Foram constatados vários drenos em área situada entre uma vereda e um covoal (local onde ocorrem nascentes) e onde o solo apresenta características hidromórficas.

A drenagem da área se deu para fins de lavoura, no caso, plantio de soja.

O Dr. Edis Milaré faz alusão aos seguintes ensinamentos:

“A Lei nº 12.651/2012 tratou de preservar também as veredas, prevendo a recomposição da vegetação dessas áreas, que afinal, guardam raras porções de áreas encharcadas, em regiões afetadas por clima seco e temperaturas mais elevadas:

‘§ 7º Nos casos de áreas rurais consolidadas em veredas, será obrigatória a recomposição das faixas marginais, em projeção horizontal, delimitadas a partir do espaço brejoso e encharcado, de largura mínima de:

I – 30 (trinta) metros, para imóveis rurais com área de até 4 (quatro) módulos fiscais: e

II – 50 (cinquenta) metros, para imóveis rurais com área superior a 4 (quatro) módulos fiscais.’” (Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 1264-1265)

Portanto, o d. Relator em seu voto entendeu:

“Segundo se extrai das provas constantes nos autos, não há provas seguras de que os drenos tivessem sido implantados em área de preservação permanente.

Francely Aparecida Moreno de Tilio, engenheira florestal responsável pela inspeção da área de propriedade dos réus salientou em juízo que “o ecossistema do local é confuso, não permitindo bem a delimitação exata do que seria APP ou não [...]” (fl.142).

Neste mesmo diapasão, trago à baila o depoimento do geógrafo Salvador Ronaldo da Silveira, que, sob o crivo do contraditório, não soube dizer com precisão se a região drenada encontrava--se em área de preservação permanente, in verbis:

“[...] que na ocasião a área que restou drenada era utilizada para lavoura; que quando fez a vistoria, José Aparecido estava junto; que não dá para fazer estimativa de há quanto tempo a área estava sendo utilizada com dreno; que não teve acesso a levantamento se em alguma ocasião houve autorização para aquele dreno [...] que na ocasião do fato é certeza que já não se possibilitava autorização para essa espécie de dreno [...] que foram pedidas adequações ne-cessárias à regularização da área e posteriormente o depoente não ainda retornou para averiguar se as prescrições foram observadas; que covoais não são áreas de floresta e sim vegetação com feição campestre; que na área de vereda já há vegetação mais alta, com aspecto de floresta; que a fazenda tem um área de floresta ligada à vereda; que esta floresta é na área preservada; que o covoal não está na área de floresta, é o que tecnicamente parece. [...]” (depoimento judicial de fl.143 – grifos nossos)

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Percebe-se, pois, que além de não podermos extrair com precisão onde os drenos foram encon-trados, é possível que estes tenham sido instalados em um covoal, área esta que não é conside-rada floresta, mas sim vegetação com feição campestre. Como bem ponderado pelo Douto Julgador primevo, a prova oral colhida sob o crivo do contra-ditório não é segura quanto à delimitação exata do que seria área de preservação permanente ou não, tampouco se teria havido destruição de floresta. Não é só. A autoria também nos parece demasiadamente duvidosa. Isto porque, segundo os réus, eles já teriam adquirido a propriedade com os drenos, sendo certo que até a data da autuação administrativa, a área era destinada à exploração da lavoura. Confira-se: “[...] que já haviam adquirido a propriedade com aqueles drenos; que então promoveram as adequações necessárias que foram exigidas pelo Estado; que pagaram multa, reconstituíram a vegetação e entupiram os drenos, passando à exploração da lavoura nos moldes em que foram exigidos pelo Estado; que o depoente explorou dessa forma até que foi autuado, tendo adquirido a propriedade em 2000 e é certo que o proprietário anterior já procedia dessa forma; que nunca tiraram o material lenhoso ou alcançaram qualquer espécie de floresta enquanto exploraram a atividade [...]” (depoimento judicial de Vilmar Pereira – fl.145 – grifos nossos). “[...] que já haviam adquirido a propriedade com aqueles drenos; que então promoveram as adequações necessárias que foram exigidas pelo Estado; que pagaram multa depois que fizeram acordo na promotoria [...]” (depoimento judicial de José Aparecido – fl.146 – grifos nossos).O Geógrafo Salvador Ronaldo salientou em juízo que “não dá para fazer estimativa de quanto tempo a área estava sendo utilizada com dreno” (fl. 143).O Policial Militar Marivan Anderson Fernandes também aduziu sob o crivo do contraditório que “não sabe estimar há quanto tempo os drenos estavam instalados” (fl. 144). Verifica-se do cotejo dos elementos probatórios que, embora tivessem sido encontrados alguns drenos na fazenda de propriedade dos denunciados, não podemos afirmar, com absoluta segu-rança, de que estes tivessem sido instalados pelos réus, sendo perfeitamente possível que tais irregularidades tenham sido perpetradas pelo antigo proprietário. Com efeito, havendo elementos para a condenação, mas não sendo estes suficientes, fazendo restar a dúvida, seja no que diz respeito à ocorrência do crime, seja em relação à autoria, penso que a melhor solução será, indiscutivelmente, absolver os denunciados, já que em caso de dúvida, vigora o princípio da presunção de inocência, acompanhado pelo consagrado brocardo do in dubio pro reo. Diante disso, nego provimento ao recurso ministerial.Dessa forma, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais negou provimento ao recurso.

Constitucional

2992 – Ação direta de inconstitucionalidade – lei municipal – vício de iniciativa – separa-ção de poderes – violação

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal de Viana nº 2.564/2013. Vício de ini-ciativa. Procedência. Vício material. Violação à separação de poderes. Eficácia ex tunc da declaração de inconstitucionalidade. 1. A Lei Municipal nº 2.564/2014 impõe a utilização obrigatória do brasão do Município nos equipamentos públicos. 2. Essa lei foi de iniciativa da Casa Legislativa Municipal, sendo que a Constituição Estadual, em seu art. 63, parágrafo único, inciso III, dispõe serem de competência privativa do Chefe do Poder Executivo as leis que disponham sobre organização administrativa do Poder Executivo. 3. A imposição de obrigações e gastos financeiros pelo Poder Legislativo ao Executivo afronta o Princípio da Separação dos Poderes. 4. A teor do disposto no art. 152, inciso II, da Constituição Estadual, é vedada a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������187

créditos orçamentários ou adicionais. 5. Inconstitucionalidade reconhecida.” (TJES – ADIn 0004247-40.2014.8.08.0000 – Rel. Manoel Alves Rabelo – DJe 18.12.2014)

2993 – Ação direta de inconstitucionalidade – órgãos do Poder Executivo – organização administrativa e definição de atribuições – Poder Executivo – competência

“Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Medida cautelar. Fumus boni iures. Periculum in mora. Constituição Estadual (do Estado do Espírito Santo). Iniciativa privati-va do chefe do Poder Executivo. Deferimento da medida liminar. Em tese, a iniciativa de leis que verse sobre organização administrativa e definição de atribuições dos órgãos do Poder Executivo compete, privativamente, ao respectivo Chefe do Poder Executivo, nos ter-mos da Constituição Estadual.” (TJES – ADIn 0019928-50.2014.8.08.0000 – Rel. Annibal de Rezende Lima – DJe 26.11.2014)

2994 – Ação popular – demolição de capela – espaço ecumênico – construção – interesse social – demonstração – danos materiais e morais – inexistência

“Ação popular. Cabimento. Demolição de capela. Sede do departamento de Polícia Fede-ral no Estado do Rio de Janeiro. Construção de espaço ecumênico. Interesse social demons-trado. Segurança pública. Violação do patrimônio histórico e cultura não comprovada. Danos materiais e morais inexistentes. Improcedência dos pedidos mantida. Cinge-se a controvérsia à manutenção da sentença que, nos autos da ação popular, julgou improce-dentes os pedidos ali formulados, ressalvando a necessidade de ser notificada a mitra, com antecedência razoável, da data da demolição da capela do Sagrado Coração de Jesus. Na inicial, o autor pleiteou a concessão de pedidos, com requerimento de antecipação de tu-tela, que consistiam na abstenção da União Federal em praticar qualquer ato comissivo ou omissivo ou de adotar qualquer medida tendente à demolição da Capela Sagrado Coração de Jesus ou agravamento da depredação de seu prédio ou impedir o acesso dos fiéis ao seu interior; que seja assegurada a imediata desobstrução dos acessos externos ao interior da Capela, de modo a assegurar o livre trânsito de fiéis, ministros e demais encarregados de atos religiosos, sem qualquer risco à sua integridade física ou às suas vidas, garantindo a livre prática dos atos e ofícios religiosos católicos de rotina; que seja providenciada a imediata adoção das medidas necessárias e eficazes para proteção e segurança da edifica-ção da parte interna e externa da Capela e sua restauração, de modo a retorná-la ao seu estado original de antes das obras em execução; no ressarcimento de danos materiais em decorrência de obras do complexo imobiliário do Departamento de Polícia Federal e danos morais, em valor a ser arbitrado pelo Juízo. – Inicialmente, no tocante à ação popular, o próprio Magistrado a quo registrou o seu cabimento, ao restar comprovada a qualidade de cidadão do autor e que a preservação pleiteada integra o patrimônio da União, assentando que ‘o autor reputou os atos tendentes à demolição da capela ilegais, porque contrários, a seu ver, a normas constitucionais, a leis federais e municipais, e ao Decreto nº 7.107/2010’ (fl. 260). O Brasil é oficialmente um Estado laico, pois a constituição brasileira prevê a liberdade de crença religiosa aos cidadãos, além de proteção e respeito às manifestações religiosas. Aplicabilidade do art. 5º, inciso VI. Assim, a República Federativa do Brasil dispensa tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, sem qualquer discriminação, inclusive a ausência de crença. E o Decreto nº 7.107/2010, ao se referir ao acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, assim dispôs no art. 7º: ‘Art. 7º A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos

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lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo. § 1º Nenhum edifício, depen-dência ou objeto afeto ao culto católico, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da constituição brasileira’. Do que se depreende dos elemen-tos coligidos nos autos, revela-se, na espécie, a configuração de um interesse social maior consistente no exercício do serviço público de segurança, por parte do Departamento de Polícia Federal, sendo, para tanto, necessária a realização de obras, em seu complexo imobiliário, incluindo a demolição da Capela Sagrado Coração de Jesus. Ademais, vale res-saltar que tal medida não criará obstáculos aos cidadãos de professarem a sua fé, uma vez que, no local hoje destinado exclusivamente aos católicos, será disponibilizado um espaço ecumênico dedicado a todas as religiões, bem como serão preservados os adornos utiliza-dos nas celebrações da religião católica. Como bem registrado pelo Magistrado de piso, ‘há interesse social na pretensão da União de substituir capela vinculada exclusivamente à fé católica por espaço ecumênico que comporte manifestações plurais (sem prejuízo do uso do espaço, em datas previamente agendadas, para ritos próprios de uma única fé): o local deixará de servir a uma única religião para atender aos servidores públicos de todas as fés. O fato de a capela existir no imóvel público desde 1947 não desnatura o título precário da autorização ou permissão de uso, e não impede que o Estado pare de manter um templo em favor de uma única religião (em afronta ao art. 19, I, da Constituição), principalmente no contexto de uma ampla reforma no pátio da Polícia Federal que resultará, dentre outras coisas, em preservação do espaço destinado à prática religiosa de forma não exclusiva e não excludente’ (fl. 262). De outro lado, cumpre ressaltar que não assiste razão ao autor, no que tange à aplicabilidade da Lei Municipal nº 4.041/2005, que prevê a necessidade de autorização judicial para a referida demolição, pois, como bem ressalta o Il, represen-tante do Parquet Federal, ‘a Lei Municipal nº 4.041/2005, ao estabelecer normas para a demolição de igrejas e templos religiosos no Município do Rio de Janeiro, teve como des-tinatários, por óbvio, imóveis particulares situados no Município do Rio de Janeiro. Quan-do muito, se poderia cogitar da abrangência do normativo legal aos templos religiosos situados no interior de prédios públicos titularizados pelo ente municipal, quando, aí sim, seria de duvidosa constitucionalidade por submeter um dos Poderes da República a outro. Todavia, aos bens públicos federais, em razão da independência e autonomia garantida constitucionalmente aos entes federados, a norma municipal não incide, a despeito do que tenta fazer crer o autor popular’. Destarte, embora não se desconhece a importância dos tempos religiosos na sociedade brasileira e o valor sentimental dos que comungam a mes-ma fé e que desejam preservar a Capela, que se encontra localizada nas dependências da Sede do Departamento de Polícia Federal no Estado do Rio de Janeiro, há que se considerar que o imóvel em que se encontra localizada a Capela pertence à União e que os projetos de reforma e modernização do imóvel contemplam um espaço ecumênico aberto a toda e qualquer religião; visando atender ao interesse público, qual seja, a melhoria dos serviços prestados pelo Departamento de Polícia Federal; sendo certo que tais mudanças não im-portam em violação ao patrimônio cultural e/ou histórico. Diante de tal quadro, também não prosperam os pedidos de ressarcimento por danos materiais e morais, ante a inexis-tência de qualquer ato de ilegalidade e/ou abuso de poder que pudesse ensejar tais repara-ções. Remessa e recurso do autor desprovidos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2010.51.01.012399-7 – 8ª T.Esp. – Relª Desª Fed. Vera Lucia Lima – DJe 19.12.2014)

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Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de apelação ajuizada contra sentença que julgou improcedentes os pedidos do autor, os quais consistiam na abstenção da União Federal em praticar qualquer ato comissivo ou omissivo ou adotar qualquer medida tendente à demolição da Capela Sagrado Coração de Jesus, localizada no pátio da Polícia Federal; o asseguramento da imediata desobstrução dos acessos externos ao interior da Capela, assegurando, assim, o livre trânsito de fiéis, ministros e demais encarregados de atos religiosos; ressarcimento de danos materiais em decorrência de obras do complexo imobiliário do Departamento de Polícia Federal e danos morais.O Juízo a quo entendeu que há interesse social na pretensão da União de substituir a capela vinculada exclusivamente à fé católica por um espaço ecumênico que comporte manifestações plurais.

Ao fundamentar sua decisão, o Magistrado ressaltou que o fato de a capela existir no imóvel público desde 1947 não desnatura o título precário da autorização ou permissão de uso, assim, não impede que o Estado pare de manter um templo em favor de uma única religião, afrontando o art. 19, I, da CF/1988, in verbis:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; [...]”

Em suas razões, o apelante sustenta que a demolição causará prejuízo moral dos fiéis católicos que a frequentam, e que os interesses da União Federal não podem justificar a violação dos direitos de uma parcela da população, interessados em ter amplo acesso ao patrimônio histórico e cultural.

Ao analisar o recurso, a 8ª Turma Especializada do TRF 2ª Região negou provimento e manteve a sentença.

Em seu voto, a Relatora citou o seguinte trecho do parecer ministerial:

“[...] No mesmo sentido, merece destaque a parte final do parecer ministerial, que ora incorporo também como razões de decidir:

Tampouco se vislumbra ilegalidade, no que tange a disposições contidas no Decreto nº 7107/2010, que promulgou o acordo firmado entre o Brasil e a Santa Sé. O principal mo-tivo é devido à capela em questão não ser patrimônio da Igreja Católica no Brasil. Muito ao revés, o imóvel integra o patrimônio público federal, consoante confirma a correspondência de fls. 238-240, oriunda da mitra arquiepiscopal do Rio de Janeiro. Na verdade, na aludida corres-pondência a mitra confirma que a referida capela não foi construída, nem nunca foi administrada pela arquidiocese do Rio de Janeiro. Logo, impossível aventar de eventual descumprimento de acordo internacional.

Impende notar, ainda, que no projeto de reforma dos imóveis componentes do departamento de Polícia Federal destinou-se um novo local para a construção de um espaço ecumênico, aberto a toda e qualquer religião, inclusive aos católicos, abrangendo, desse modo, uma coletividade muito maior de pessoas, inclusive de pessoas que não professam qualquer credo, o que mais parece atender aos anseios constitucionais, porque harmoniza a garantia de liberdade religiosa, com a laicidade do estado democrático brasileiro.

A par do carinho e da religiosidade dos frequentadores da capela, o autor popular não logrou êxito em comprovar a importância histórica ou cultural da capela a ponto de obrigar a sua preservação, não se podendo considerar a demolição medida ilegal ou lesiva ao patrimônio histórico ou cultural. Por outro lado, demonstrou a União a necessidade da medida, para maior segurança e melhor estruturação do departamento de Polícia Federal, departamento este que, revela notar, não possui dentre as suas finalidades a propagação de qualquer vertente religiosa (fl. 07 e 07, verso) [...].”

2995 – Arguição de inconstitucionalidade – rodovia federal – pedágio – lei municipal – isenção – inconstitucionalidade

“Arguição de inconstitucionalidade. Administrativo. Pedágio em rodovia federal. Lei munici-pal nº 1.184/2007. Isenção. Separação de poderes. É inconstitucional lei municipal que con-

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fere isenção de pedágio aos condutores de veículos registrados e emplacados na localidade, intrometendo-se indevidamente em concessão de serviços federais. Lei que, de outro lado, impõe à concessionária a construção de via alternativa para afastar a isenção, sob pena de interdição de suas atividades. Interferência indevida em matéria de competência da União (art. 21, XII, e art. 22, XI, da CF). Afetação da relação contratual estabelecida entre o poder concedente federal e a concessionária de serviço público, em ofensa à separação dos pode-res. O Supremo Tribunal Federal já assentou a impossibilidade de interferência dos Estados e Municípios nas relações entre o poder concedente federal e as empresas concessionárias, especificamente no que tange a alterações das condições estipuladas em contrato de conces-são de serviços públicos, sob regime federal, mediante a edição de leis locais (ADI 3729/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe-139 09.11.2007). Incidente acolhido, para declarar a inconstitucionalidade da Lei municipal nº 1.184/2007, de Casimiro de Abreu/RJ.” (TRF 2ª R. – AgInc 2010.51.16.000211-7 – O.Esp. – Rel. Guilherme Couto de Castro – DJe 12.01.2015)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] Há, no caso, indevida interferência na relação jurídica travada entre o poder concedente e a concessionária de serviço público contratada, e certamente afeta o equilíbrio econômico--financeiro do contrato, onerando não apenas as partes contratantes, mas também aos demais usuários da rodovia, a quem, em última análise, serão transferidos os custos de tal benesse.

Na mesma linha, importa acrescentar ainda os seguintes excertos:

‘EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – ESTADO DE SANTA CATARINA – DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA POTÁVEL – LEI ESTADUAL QUE OBRIGA O SEU FORNECIMENTO POR MEIO DE CAMINHÕES-PIPA, POR EMPRESA CONCESSIONÁRIA DA QUAL O ESTADO DETÉM O CONTROLE ACIONÁRIO – DIPLOMA LEGAL QUE TAMBÉM ESTABELECE ISENÇÃO TARIFÁRIA EM FAVOR DO USUÁRIO DOS SERVIÇOS – INADMISSIBILIDADE – INVASÃO DA ESFERA DE COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS, PELO ESTADO-MEMBRO – INTERFERÊNCIA NAS RELAÇÕES ENTRE O PODER CONCEDENTE E A EMPRESA CONCESSIONÁRIA – INVIA-BILIDADE DA ALTERAÇÃO, POR LEI ESTADUAL, DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NO CONTRATO DE CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO LOCAL – AÇÃO JULGADA PROCEDENTE – I – Os Estados-membros não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente local e a empresa concessionária, ainda que esta esteja sob o controle acionário daquele. II – Impossibilidade de alteração, por lei estadual, das condições que se acham formalmente estipuladas em contrato de concessão de distribuição de água. III – Ofensa aos arts. 30, I, e 175, parágrafo único, da Constituição Federal. IV – Ação direta de inconstitu-cionalidade julgada procedente.’ (STF, ADI 2340/SC, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJ-e 10.05.2013)

‘AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR E PRESTAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS DE TELECOMUNICAÇÕES (CF, ARTS. 21, XI, E 22, IV) – LEI Nº 1.336/2009 DO ESTADO DO AMAPÁ – PROIBIÇÃO DE COBRANÇA DE ASSINATURA BÁSICA NOS SERVIÇOS DE TELEFONIA FIXA E MÓVEL – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – FIXAÇÃO DA POLÍTICA TARIFÁRIA COMO PRERROGATIVA INERENTE À TITULARIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, III) – AFASTAMENTO DA COMPETÊN-CIA CONCORRENTE DO ESTADO-MEMBRO PARA LEGISLAR SOBRE CONSUMO (CF, ART. 24, V E VII) – USUÁRIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS CUJO REGIME GUARDA DISTINÇÃO COM A FIGURA DO CONSUMIDOR (CF, ART. 175, PARÁGRAFO ÚNICO, II) – PRECEDENTES – PRO-CEDÊNCIA DO PEDIDO – 1. O sistema federativo instituído pela Constituição Federal de 1988 torna inequívoco que cabe à União a competência legislativa e administrativa para a disciplina e a prestação dos serviços públicos de telecomunicações (CF, arts. 21, XI, e 22, IV). 2. A Lei nº 1.336/2009 do Estado do Amapá, ao proibir a cobrança de tarifa de assinatura básica nos

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serviços de telefonia fixa e móvel, incorreu em inconstitucionalidade formal, porquanto neces-sariamente inserida a fixação da ‘política tarifária’ no âmbito de poderes inerentes à titularidade de determinado serviço público, como prevê o art. 175, parágrafo único, III, da Constituição, elemento indispensável para a preservação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão e, por consequência, da manutenção do próprio sistema de prestação da atividade. 3. Inexiste, in casu, suposto respaldo para o diploma impugnado na competência concorrente dos Estados-membros para dispor sobre direito do consumidor (CF, art. 24, V e VII), cuja in-terpretação não pode conduzir à frustração da teleologia da referida regra expressa contida no art. 175, parágrafo único, III, da CF, descabendo, ademais, a aproximação entre as figuras do consumidor e do usuário de serviços públicos, já que o regime jurídico deste último, além de informado pela lógica da solidariedade social (CF, art. 3º, I), encontra sede específica na cláusula “direitos dos usuários” prevista no art. 175, parágrafo único, II, da Constituição. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.’ (STF, ADI 4478/AP, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe-227 30.11.2011)

[...]

Resta claro, por outro lado, como ressaltado pelo representante do Ministério Público Federal, que, ‘ao pretender legislar sobre o tema, o Município de Casimiro de Abreu acabou por violar não apenas a competência material da União para exploração dos ‘serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros’ (art. 21, XII, e, da Constituição da República Fede-rativa do Brasil), mas também a própria competência privativa da União para legislar sobre ‘trân-sito e transporte’ (art. 22, XI, da Constituição da República Federativa do Brasil)’ (fl. 1.233), e sem que a hipótese se amolde à matéria de interesse predominantemente local, passível de normatização pela municipalidade (art. 30, I, da CF). [...]”

2996 – Direito fundamental – direito à vida – aldeia indígena – água potável – forneci-mento – necessidade

“Constitucional. Aldeia indígena. Fornecimento de água potável. Prevalência do direito à vida. Procedência à ação coletiva. Improvido o apelo. 1. A alegação da parte apelante quan-to à carência superveniente da ação, porque ausente interesse de agir, não merece prosperar. 2. Do constante aos autos, notadamente às fls. 298/313, o fornecimento de água potável às aldeias indígenas era feito de forma insuficiente e irregular. 3. A provisória saída adotada pela Funasa, qual seja, o convênio para fornecimento de água firmado com a Sabesp mostrou--se insuficiente, já que, conforme os ofícios enviados à Sabesp, o reabastecimento somente era feito quando constatada ausência de água nos reservatórios (fl. 298). 4. Ainda que as licitações para a construção de poços estivessem em andamento, fls. 315/329, não pode a Administração Pública usar deste argumento para justificar as irregularidades constatadas no abastecimento. 5. Não se mostra razoável aguardar pela morosa implementação destes poços, já que as populações indígenas em questão encontram-se em evidente necessidade de tal bem, sendo dever do Poder Público fornecê-lo de forma a atender às necessidades mí-nimas dos indígenas. 6. Com razão o eg. Juízo a quo, superior a tudo o fundamental direito à vida, caput do art. 5º da Lei Maior, evidentemente também para as populações indígenas em foco, cujo indefinido aguarde por contratada construção de poços a não mais suportar, por veemente, portanto sem sentido, naquelas regiões delimitadas, não lhe seja assegurado acesso a tão valioso/tão precioso bem. 7. Revela-se ter a Administração Pública incidido em falha lesiva aos interesses das populações indígenas em questão, quando deixou de fornecer com regularidade bem essencial e tão preciso à vida. 8. Irrepreensível a r. sentença, aos limites em que lavrada, não se sustenta a postulação recursal. 9. Improvimento à apelação. Procedência à ação coletiva.” (TRF 3ª R. – AC 0004583-49.2008.4.03.6104/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 09.01.2015)

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Processo Civil e Civil

2997 – Ação de cobrança – taxa condominial – prescrição quinquenal

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Taxa condominial. Prescrição quinquenal. Súmula nº 83/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sen-tido de que o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança de taxas condominiais é de 5 (cinco) anos. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 547.595 – (2014/0172288-2) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 15.12.2014 – p. 1964)

2998 – Divórcio – alimentos – filho menor – binômio necessidade/possibilidade – par-tilha

“Ação de divórcio. Alimentos. Filho menor. Binômio necessidade/possibilidade. Partilha. Ve-ículo financiado. Sentença mantida. Deve ser mantido o valor dos alimentos fixado na sen-tença, uma vez consideradas a necessidade do alimentando e a possibilidade do alimentante, nos termos do art. 1.694, § 1º, do Código Civil. Deve ser partilhado entre os ex-cônjuges o valor da venda de veículo adquirido na constância do casamento sob o regime de comunhão parcial de bens, quando não demonstrado que o pagamento do valor do financiamento para sua aquisição foi efetuado exclusivamente pela virago.” (TJMG – AC 1.0024.11.300198-6/001 – 8ª C.Cív. – Rel. Alyrio Ramos – DJe 15.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de ação de divórcio c/c alimentos e partilha alegando que as partes se casaram e tive-ram um filho. Requereu a decretação do divórcio, a fixação de alimentos em favor do filho menor e a partilha de bens do casal, afirmando a impossibilidade da vida em comum.

O pedido foi julgado parcialmente procedente para decretar o divórcio do casal, estabelecer a guarda do filho para a mãe e regulamentar o direito de visitas do pai; arbitrar os alimentos para o filho no importe de 30% dos rendimentos líquidos do genitor; determinar a partilha dos bens do casal.

O réu apelou, pretendendo a redução da pensão alimentícia, sustentando que não foi observado o binômio necessidade/possibilidade; a autora não demonstrou, nos autos, os seus rendimentos; está arcando com todas as despesas do menor, não obstante a responsabilidade seja de ambos os genitores. Requereu a redução dos alimentos para 10% dos seus rendimentos ou que sejam fixados em valor razoável.

A autora recorreu adesivamente, afirmando que sobre o valor obtido com a venda de um veículo, o réu tem direito apenas à quantia referente às quatro primeiras parcelas do financiamento, tendo em vista que desde agosto de 2011 arcou com o pagamento das prestações.

O TJMG negou provimento ao recurso.

O relator assim se posicionou:

“Assim, não obstante a genitora não ter comprovado os seus rendimentos mensais e as despesas do filho, exceto o valor da mensalidade e do transporte escolar, considero razoáveis os valores apresentados e a pensão alimentícia fixada na sentença.

Por fim, cabe ressaltar que sendo a obrigação de prestar alimentos de ambos os genitores, cabe à mãe custear, também, as despesas de seu filho menor. Todavia, a pensão alimentícia exigida do genitor não tem o objetivo de desonerar a genitora, mas auxiliá-la a proporcionar uma vida digna ao filho.”

Cabe trazer as lições de Luiz Felipe Brasil Santos sobre os alimentos:

“O binômio necessidade-possibilidade vem tratado no § 1º do art. 1.694, em dispositivo que meramente reproduz o art. 400 do Código de 1916. Entretanto, o equacionamento desse binô-mio – em lamentável retrocesso – passa a sofrer o influxo da culpa, qualquer que seja a origem

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da obrigação alimentar, ante o que dispõem o § 2º do mesmo artigo e o art. 1.704 e parágrafo único.5. Reza o § 2º do art. 1.694 que ‘os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia’. Essa estranha regra determina a perquirição de culpa até mesmo em uma ação de alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento jurídico até o presente!Ademais, o conteúdo da culpa aqui é diverso daquele contemplado no art. 1.704, parágrafo único: ‘Se o cônjuge considerado responsável vier a necessitar de alimentos, e não tiver paren-tes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência’. Neste dispositivo, a culpa (arts. 1.572 e 1.573) se configura na grave violação dos deveres matrimoniais (art. 1.566: fide-lidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento, guarda e educação dos filhos; respeito e consideração mútuos) que torne insuportável a vida em comum, o que, na dicção do art. 1.573, poderá decorrer de algum dos motivos lá exemplificativamente mencionados (adultério; tentativa de morte; sevícia ou injúria grave; abandono voluntário do lar durante um ano contínuo; condenação por crime infamante; conduta desonrosa).A previsão do parágrafo único do art. 1.694, porém, é de culpa pelo próprio fato de ser neces-sitado.No que diz com a obrigação alimentar entre parentes, é evidente que essa será a única pers-pectiva da culpa a ser questionada, uma vez que entre parentes não há que falar em quebra de deveres.Entretanto, quando se trata de obrigação alimentar entre cônjuges, ou até mesmo companheiros, a culpa passa a adquirir com o novo Código uma dupla conotação: mantém-se a culpa como decorrência da grave violação de algum dever conjugal e se acrescenta uma nova perspectiva, qual seja a necessidade de investigar se o postulante aos alimentos é ou não culpado pela sua situação de necessidade.Árdua será, sem dúvida, a tarefa do julgador para definir em quais situações alguém poderá ser considerado culpado por sua própria situação de necessidade! Penso que somente em situações extremadas isso poderá ser reconhecido. Assim, v.g., no caso de alguém que perdeu todo o pa-trimônio no jogo. Hipóteses outras, em que se poderia cogitar de culpa indireta, ou muito tênue, certamente não deverão ser aí enquadradas, caso contrário sempre haverá margem para tentar comprovar que, ao fim e ao cabo, em qualquer hipótese, o pretendente aos alimentos terá, em alguma medida, responsabilidade por estar necessitando.De qualquer modo, é de lamentar que, quando a jurisprudência caminhava para abolir o ques-tionamento da culpa entre cônjuges na separação judicial, o novo Código, caminhando na con-tramão, venha a introduzir esse tema até mesmo em demanda alimentar entre parentes e, além disso, acrescentar uma nova perspectiva à investigação da culpa entre cônjuges.6. Complementando e dimensionando o binômio alimentar, o art. 1.695 define em que consiste necessidade (não ter bens, nem poder prover, pelo seu trabalho, à própria mantença) e possi-bilidade (poder fornecer a verba, sem desfalque do necessário ao seu sustento). É regra que reproduz o art. 399 do Código anterior, com supressão do termo parente. E isso pelo fato de que agora, como antes destacado, trata-se aqui não apenas de alimentos entre parentes, como também entre cônjuges e companheiros.Em se tratando de filhos ainda sujeitos ao poder familiar (art. 1.630), tem entendido a jurispru-dência que desfrutam de presunção – relativa, é certo – de necessidade, o que não ocorre com os filhos maiores, que devem justificar e comprovar tal circunstância. Outrossim, com relação a filhos ainda menores, a noção de possibilidade tem sido interpretada de modo mais amplo, tendo em vista o dever de sustento dos pais em relação aos filhos menores, que é o fundamento da obrigação alimentar daqueles para com estes.De regra, tem sido admitido doutrinária e jurisprudencialmente que, enquanto se encontram estudando, mormente em curso superior, os filhos preservam o direito aos alimentos, indepen-dentemente do implemento da maioridade, desde que seja observado um prazo razoável para a conclusão do curso. Maior relevo ainda assumirá esse entendimento, na vigência do novo Código, tendo em vista que a maioridade a partir de agora se implementa aos 18 anos. Incorporando esse entendimento, o Projeto de Lei nº 6.960/2002 pretende incluir um § 3º ao art. 1.694, com a seguinte redação: ‘A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios próprios de sub-

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sistência, necessitando de recursos, especialmente para sua educação.’ Na justificativa, lê-se: ‘No que tange ao § 3º, o que se propõe já vinha sendo indicado pela doutrina de ponta. Na jurispru-dência, igualmente, pacificou-se o entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos, mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da maio-ridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua educação (RT, 698/156; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao meu ver, precisa ficar expresso no novo Código Civil’.7. A extensão e a característica da reciprocidade da obrigação alimentar encontram-se previstas nos arts. 1.696 e 1.697, que repetem, ipsis litteris, o que já dispunham os arts. 397 e 398, do Código de 1916.Assim, a obrigação alimentar, pela ordem, fica limitada, em primeiro lugar, aos ascendentes, depois aos descendentes e, por fim, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (art. 1.697). Observe-se que na linha reta, seja ascendente ou descendente, não há limitação de grau, ao passo que na colateral resta limitada ao grau mais próximo (irmão). Em cada linha, sempre os mais próximos em grau devem ser chamados em primeiro lugar, sendo a obrigação alimentar dos parentes mais remotos subsidiária e complementar. Isto é, vem depois da dos mais próximos e limita-se a completar o valor que por estes possa ser prestado.8. O art. 1.698 introduz regra nova, explicitando o caráter complementar da obrigação alimentar dos parentes mais remotos e deixando claro o conceito de falta de condições do mais próximo, na linha, aliás, do que já o fizera a jurisprudência, e, na sua senda, a doutrina.Entretanto – não obstante as conhecidas características de não solidariedade e divisibilidade da obrigação alimentar – enseja-se agora o chamamento à lide dos demais coobrigados, quando um só deles venha a ser acionado para prestar alimentos. É, ao que parece, mais uma hipótese de intervenção de terceiros, não prevista na legislação processual. O Código outra vez inova aqui, tendo em conta que, justamente face às características já referidas da obrigação alimentar, não se vinha admitindo, de regra, o chamamento do coobrigado ao feito, por não se enquadrar em nenhuma das hipóteses de intervenção de terceiro contemplada na lei de processo.A partir de agora, entretanto, não há mais dúvida de que tal chamamento é possível, o que cer-tamente permitirá que se dê solução mais adequada à lide, quando há vários obrigados a prestar alimentos, definindo-se desde logo o quanto caberá a cada um.” (Os alimentos no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

2999 – Execução – expedição de precatório – trânsito em julgado da sentença

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Execução. Expedição de precatório. Trânsito em julgado da sentença. Ausência de prequestionamento dos preceitos legais supos-tamente contrariados. Divergência jurisprudencial não comprovada. Alegação de ofensa a dispositivos da constituição. Inadequação da via eleita. 1. O requisito do prequestionamento pressupõe prévio debate da questão pelo Tribunal de origem, à luz da legislação federal indicada, com emissão de juízo de valor acerca dos dispositivos legais apontados como vio-lados. Incidência da Súmula nº 282 do STF. 2. Não compete ao STJ analisar suposta ofensa a dispositivos constitucionais, mesmo com a finalidade de prequestionamento, a teor do art. 102, III, da Constituição Federal. 3. O conhecimento de recurso fundado na alínea c do art. 105, III, da Constituição Federal, por divergência jurisprudencial, pressupõe a realização do devido cotejo analítico, demonstrando de forma clara e objetiva a suposta incompatibili-dade de entendimento e a similitude fática entre as demandas, conforme dispõem o art. 541, parágrafo único, do CPC e o art. 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, o que não ocorreu neste caso. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.109.121 – (2008/0279473-7) – 6ª T. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 18.12.2014 – p. 239)

3000 – Juros remuneratórios – limitação – inviabilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Juros remuneratórios. Limitação. Invia-bilidade. Taxa contratada superior à taxa média de mercado. Cobrança abusiva. Não con-

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figuração. Recurso desprovido. 1. Conforme jurisprudência pacífica do STJ, as instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/1933), Súmula nº 596/STF; a estipulação de juros remuneratórios su-periores a 12% ao ano, por si só, não indica cobrança abusiva; são inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591, c/c o art. 406 do CC/2002; é admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a cobrança abusiva (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC ) fique cabalmente de-monstrada, ante as peculiaridades do julgamento em concreto. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 462.026 – (2014/0011544-5) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2129)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que negou provimento ao agravo em recurso especial para permitir a cobrança de juros remuneratórios com base na taxa pactuada.O recorrente, sustentando as mesmas razões expendidas no recurso especial, afirma, em síntese, que “[...] deve-se ressaltar que a agravante em sua inicial requereu a redução dos juros remune-ratórios não só com base no Decreto nº 22.626/1933 (Lei da Usura), mas também em face ao princípio da equidade e boa-fé objetiva e diante da excessiva onerosidade dos juros incidentes no contrato de acordo com o art. 51, inciso IV e § 1º, inciso III, do CDC. Portanto, a supressão do limite constitucional, através da Emenda Constitucional nº 40, não retira a ilegalidade da cobrança das elevadas taxas de juros acima do percentual de 12%, eis que afronta o Código de Defesa do Consumidor, diploma legal que repugna as cláusulas que se mostram excessivamente onerosas para o consumidor”.O STJ negou provimento ao recurso, por entender que os argumentos trazidos nas razões recur-sais não se apresentam suficientes para suplantar os fundamentos lançados na decisão agrava-da, a qual merece ser mantida em sua integralidade.Oportuno trazer as lições de Jaqueline Hamester Dick sobre a taxa de juros:“A taxa de juros, em sentido amplo, é resultante da soma do índice de correção e de juros reais. A utilização do termo juros, em sentido estrito, significa a taxa de juros reais, que representam exclusivamente os ‘frutos civis’, deduzido o índice inflacionário, denominado correção monetária.Sendo assim, a discussão acerca da limitação da taxa de juros contratuais diz respeito à taxa de juros reais, excluída a correção monetária, que consoante disposição expressa do Código Civil, é devida no caso de mora, para evitar o enriquecimento ilícito, tendo em vista que representa mera atualização do valor da moeda, corroída pela inflação.O Código Civil, tanto o revogado como o atual, trata separadamente dos juros e da correção monetária. Portanto, o art. 406 do atual Código Civil ao disciplinar a questão dos juros legais, se refere aos juros reais, sendo devido além destes, a correção monetária, na forma prevista no art. 389 do mesmo diploma.Estabelecia o Código Civil de 1916 que os juros, quando não convencionados, eram de 6% ao ano. Após, o Decreto nº 22.626, de 1933, conhecido como Lei de Usura, limitou a contratação da taxa de juros ao dobro da previsto pelo Código Civil. Assim, pela Lei da Usura a taxa de juros contratual estava limitada a 12% ao ano, sendo nula de pleno direito cláusula que estabelecia taxa de juros superior a 12% ao ano.Com o advento da Lei nº 4.595, de 1964, que dispõe sobre a política e as instituições mo-netárias, bancárias e creditícias, a limitação da taxa de juros para as instituições financeiras passou a ser de competência do Conselho Monetário Nacional, não incidindo mais, aos negócios realizados pelas instituições financeiras, a regra do Decreto nº 22.626, de 1933, que limita em 12% ao ano a taxa de juros contratual.Assim, passou a vigorar no Direito brasileiro um sistema de duplicidade de normas no que se refere a juros: um vigente para as relações entre particulares, e outro vigente para as relações entre instituições financeiras e particulares.O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula nº 596, retrata bem esta duplicidade: ‘As dis-posições do Decreto nº 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos

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cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional. (D. Proc. Civ.)’.Até a entrada em vigor do atual Código Civil, se inúmeras divergências haviam quanto à limi-tação da taxa de juros nos negócios jurídicos envolvendo instituições financeiras, pacífica era a questão da limitação da taxa de juros entre particulares, em face da redação clara do revogado Código Civil, que estabelecia que os juros, quando não pactuados, eram de 6% ao ano, combi-nado com a redação do Decreto-Lei nº 22.626, de 1933, que estabelecia que os juros poderiam ser contratados em, no máximo, 12% ao ano.A Constituição Federal de 1988, ao regular o sistema financeiro, limitou, expressamente, a taxa de juros reais em 12% ao ano, determinando, no entanto, que a vigência do art. 192, que disciplina a matéria, depende de regulamentação por lei complementar.Pois bem, apesar de decorridos aproximadamente quinze anos da aprovação da Constituição Federal, até a presente data não foi aprovada lei complementar destinada a regulamentar o sistema financeiro. Diante de tal lacuna o STF, através da ADIn 4/DF, decidiu que o § 3º do art. 192 tem eficácia condicionada à edição de lei complementar, não tendo, portanto, aplica-bilidade imediata.Com base em tais argumentos, mesmo após o advento da CF de 1988, a taxa de juros a ser pactuada por instituições financeiras continuou sem limitação específica, especialmente, após a aprovação da Emenda Constitucional nº 40 que revogou todos os incisos e parágrafos do art. 192 da CF, dando nova redação ao mesmo.Em face da alteração dada à CF pela Emenda nº 40, de 29 de maio de 2003, foi excluída da mesma a limitação de juros, deixando a matéria de ter previsão constitucional.A redação do novo Código Civil, aliada a revogação da previsão constitucional de limitação de juros, traz à tona novamente a discussão do limite máximo de juros contratuais, justamente por ser imprecisa quanto a taxa legal de juros, no caso de não serem estes pactuados, inclusive nos contratos celebrados entre particulares, sem a participação das instituições financeiras.O novo Código Civil, que entrou em vigor em janeiro, determina em seu art. 406 que os juros moratórios quando não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando pro-vierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.Dita taxa de mora para pagamento de impostos é a Selic, fixada pelo Poder Executivo, através do Banco Central, calculada com base nas operações de compra e venda de títulos públicos. É uma taxa flutuante, composta por índices de correção monetária e juros. Portanto, destoa da idéia do Código Civil, que não mistura correção monetária e juros reais, pois os trata como institutos distintos.A Taxa Selic atualmente alcança os percentuais de 20% ao ano, percentual este que é muito superior ao limite de 12% ao ano, que desde o decreto de 1933 vem sendo aplicado no sistema brasileiro, e inclusive, fora dos patamares adotados na maioria dos países do mundo.Frente a essa onerosidade, inúmeros pronunciamentos surgiram no sentido de que a taxa de juros prevista pelo Código Civil deverá seguir a taxa fixada pelo Código Tributário Nacional, que é de 1% ao mês. Inclusive, foi proposto por juristas reunidos pelo Conselho da Justiça Federal, o seguinte enunciado: ‘Art. 20. A taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja 1% (um por cento) ao mês’, com a seguinte justificativa: ‘A utilização da Taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros superiores a 12% (doze por cento) ao ano’.Em que pese tal enunciado, ainda não se conhecem decisões de Tribunais acerca da taxa de juros, após a vigência do novo Código, sendo que, inclusive, doutrinadores renomados se posi-cionam com cautela acerca do tema.O certo é que, pelos princípios que norteiam o atual Código Civil, não se admitirá, em qualquer hipótese, a lesão contratual, a onerosidade excessiva a uma das partes e o enriquecimento ilícito da outra. A razoabilidade na taxação de juros é medida que se impõe frente aos princípios de boa-fé e equilíbrio das relações contratuais.

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A complexidade da definição da taxa legal de juros, acarreta, por conseqüência, dificuldade em se definir qual a taxa contratual de juros. Duas hipóteses podem advir.” (A taxa de juros no novo Código Civil. Disponível em: http://online.sintese.com)

3001 – Liquidação – valores remanescentes – inexistência

“Embargos de declaração. Recurso especial. Liquidação. Valores remanescentes. Inexistên-cia. Omissão acerca de fato superveniente. Não ocorrência. Matéria irrelevante para o des-linde da controvérsia. Recurso rejeitado.” (STJ – EDcl-REsp 1.308.424 – (2012/0025101-1) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2312)

3002 – Recuperação judicial – juízo falimentar – competência

“Agravo regimental no conflito positivo de competência. Recuperação judicial. Competência do juízo falimentar. Precedentes do STJ. Agravo regimental desprovido. 1. O Juízo universal é o competente para a execução dos créditos apurados nas ações trabalhistas propostas em face da Varig S/A e da VRG Linhas Aéreas S/A (arrematante da UPV), sobretudo porque, no que se refere à arrematação judicial da UPV, ficou consignado em edital, nos termos da Lei nº 11.101/2005, que sua transmissão não acarretaria a assunção de seu passivo. 2. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-CC 129.364 – (2013/0262054-1) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 15.12.2014 – p. 1633)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo regimental interposto em face da decisão que conheceu do conflito para declarar competente o r. Juízo da 1ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro/RJ.

Em resumo, nas suas razões recursais, o recorrente sustenta que uma empresa aérea fora ex-cluída da demanda na sentença dos autos principais, sendo a condenação somente em face de outra empresa aérea sendo que “somente a agravada está na execução, não havendo sucessão tão pouco ofensa da lei, pois a suscitante do conflito não está em recuperação judicial”.

Por fim, requer a reforma da decisão recorrida pra que não seja conhecido o conflito de compe-tência suscitado, bem com o prosseguimento da execução.

O STJ negou provimento ao agravo regimental e o relator aduziu que diante das regras estabele-cidas no art. 60, parágrafo único, e no art.14, ambos da Lei nº 11.101/2005, em se tratando das empresas envolvidas em processo de recuperação judicial, deverão se concentrar no Juízo universal todas as demandas referentes à causa, incluindo, nessa esteira, as relativas às empre-sas sucessora e sucedidas.

Oportuno trazer as lições de Tony Luiz Ramos sobre a recuperação judicial:

“Pensar que a objeção prescindisse de fundamentação daria azo à real contradição no siste-ma: se fosse princípio constitucional o tratamento favorecido para a micro e pequena empresa (art. 170, IX), não se poderia pensar que a Lei estabelecesse critério que simplesmente tornasse impossível ou muito difícil este favorecimento.

Esse é o caso do parágrafo único do art. 72. De fato, se a simples objeção de mais da metade dos credores pudesse restringir o favor legal, independentemente de qualquer fundamentação, estar-se-ia estabelecendo empecilho, no mais das vezes, insuperável à empresa de pequeno porte e à microempresa.

Para se seguir uma interpretação literal do dispositivo, ter-se-ia a seguinte contradição: enquanto que no procedimento regular as objeções seriam submetidas à assembleia e fatalmente teriam de ser fundamentadas para exercerem poder de convencimento; no procedimento opcional, para as pequenas empresas, a simples objeção daria margem à inexorável decretação da quebra.

Outro contrassenso de uma exegese puramente gramatical seria a admissão de mera petição com a objeção simples no plano especial, enquanto que no procedimento regular o credor teria de se fazer presente à assembleia, com todos os custos envolvidos, para fazer valer sua contra-riedade. Não poderíamos admitir uma visão totalmente distante do preconizado na Lei Maior.

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Em resumo, o que pensamos é que qualquer objeção fundada na falta de adequação do pedido de recuperação especial aos requisitos da Lei (os gerais e os especiais do art. 71), se julgada procedente pelo juiz, dá margem por si só à decretação da quebra. Agora, para que as objeções fundadas em razões de natureza econômico-financeiras venham a determinar a convolação em falência, é necessário que tenham relevância e fundamento e que sejam levantadas pelos deten-tores de mais da metade dos créditos quirografários.

Desse modo, o procedimento especial seria simplificado, pois dispensaria a realização da assem-bleia (o objetivo principal do procedimento especial), e guardaria, ainda assim, certa similitude com a recuperação judicial ordinária, permitindo aos credores apresentar objeções fundamenta-das de natureza não jurídica.

Esse é o entendimento que se harmoniza com o espírito geral da Lei e com a interpretação do dispositivo à luz do art. 170, IX, da Constituição Federal.” (O plano de recuperação judicial especial para microempresas e empresas de pequeno porte e as objeções de credores com mais da metade dos créditos. Disponível em: http://online.sintese.com)

3003 – Responsabilidade civil – acidente ferroviário – atropelamento de menor – família de baixa renda – indenização por danos materiais

“Agravo regimental. Recurso especial. Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Atro-pelamento de menor. Família de baixa renda. Indenização por danos materiais. Gratifica-ção natalina. Correção monetária. Termo inicial. Súmula nº 43/STJ. Juros de mora. Súmula nº 54/STJ. Recurso desprovido. 1. Segundo a firme jurisprudência desta Corte, a pensão men-sal devida ao pai do menor de família de baixa renda, deve corresponder a 2/3 (dois terços) do salário mínimo, inclusive gratificação natalina, a contar da data em que a vítima comple-taria 14 anos até a data em que alcançaria 25 anos, quando deve ser reduzida para 1/3 (um terço) do salário mínimo, até o óbito do beneficiário ou a data em que a vítima completaria 65 anos de idade, o que ocorrer em primeiro lugar. 2. No que respeita à correção monetária, tratando-se de dano material, deve ser tomado como termo inicial a data do efetivo prejuízo, nos termos da Súmula 43/STJ. 3- Os juros moratórios são devidos a partir do evento danoso no percentual de 0,5% a.m até a entrada em vigor do Código Civil atual (11.01.2003), quan-do deverão ser calculados na forma do seu art. 406, isto é, de acordo com a Selic. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 831.173 – (2006/0055568-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2014 – p. 2297)

3004 – Usucapião especial urbana – lapso temporal – acessio possessionis

“Usucapião especial urbana. Art. 183 da CF. Lapso temporal. Acessio possessionis. Na usucapião especial urbana não se admite a acessão de posses, a não ser que exista vín-culo familiar entre os possuidores, porquanto a intenção da lei é de favorecer aquele que está fixado no imóvel, possuindo-o com animus domini, pelo período de tempo fixado na lei.” (TJMG – AC 1.0441.07.008583-8/001 – 14ª C.Cív. – Relª Evangelina Castilho Duarte – DJe 10.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETratam os autos de usucapião urbana, ao argumento de ter o autor a posse mansa e pacífica, sem interrupção ou oposição há mais de 5 anos, do imóvel situado em Muzambinho/MG.

Alegou que a área do imóvel não está devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Ressaltou que está configurado o direito à aquisição do domínio da área usucapienda.

Requereu a procedência do pedido.

O TJMG negou provimento ao recurso.

Vale trazer trecho do voto do Relator:

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������199

“De conformidade com o art. 183 da Constituição Federal, que trata da usucapião especial de imóvel urbano, aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

Para que lhe seja concedida a propriedade do imóvel a título originário, a parte deve comprovar a posse ininterrupta, mansa e pacífica, pelo prazo legal, além do requisito referente ao tamanho do imóvel.

Embora o apelante tenha demonstrado as demais condições legais, o requisito referente ao lapso temporal não restou demonstrado nos autos.

É que, no instituto da usucapião especial urbana, não admite a acessão de posses, a não ser que exista vínculo familiar entre os possuidores, porquanto a intenção da lei é de favorecer aquele que está fixado no imóvel, possuindo-o com animus domini, pelo período de tempo fixado na lei.”

Vejamos as lições de Carlos José Cordeiro sobre os requisitos da usucapião:

“Feitas as considerações iniciais sobre o usucapião e ressaltada a importância do instituto, cabe revelar que o Direito brasileiro admite cinco espécies de usucapião, quais sejam: usucapião ex-traordinário, previsto pelo art. 550 do CC; usucapião ordinário, definido no art. 551 do CC; usu-capião mobiliário, descrito nos arts. 618 e 619 do CC, respectivamente nas modalidades ordi-nário e extraordinário; usucapião especial rural ou pro labore, regulado pela Lei nº 6.969/1981, com as alterações dadas pela CF, no art. 191; e usucapião especial urbano, introduzido pelo art. 183 da Lei Maior.

Discriminadas as várias espécies de usucapião, deve-se dizer que não será objeto de estudo a distinção entre os seus diversos tipos, sendo, na verdade, continente de outro tema monográ-fico. Disso, nota-se que fundamentalmente não divergem entre si as cinco formas de usucapir, exigindo-se sempre, dentre outros requisitos, para a sua concessão, coisa hábil, posse, lapso de tempo, animus domini e, em alguns casos, boa-fé e justo título (38).

Por aí, percebe-se que, para ocorrer o usucapião em geral, faz-se necessário o concurso de certos requisitos, que dizem respeito às pessoas a quem interessa (pessoais); às coisas e direitos que podem ser adquiridos desta maneira (reais); à forma por que se constitui (formais); e à qualifi-cação da posse (especiais) (39).

A explicação atinente a cada qual será feita nos tópicos seguintes, quando forem dissecados os requisitos do usucapião em geral. Advirta-se, porém, como anota Antônio Macedo de Campos (40), ‘que capacidade (pessoal) e coisa hábil (real) não estão expressas nos dispositivos referen-tes ao usucapião. Resultam dos princípios gerais de direito’ (41).

6.2 Requisitos pessoais

Os requisitos pessoais são aqueles que têm em vista o possuidor e o proprietário, de forma a abranger a capacidade de cada um, para a ocorrência do usucapião, concebendo-se, assim, a aquisição do domínio por um e perda da propriedade da coisa pelo outro.

Deveras, é regra manifesta que somente podem usucapir as pessoas capazes para possuir (42). Nesse engate, entende Lenine Nequete (43) que são capazes de possuir tanto as pessoas físicas quanto morais, a comunidade hereditária, a pessoa jurídica de direito público e, inclusive, os incapazes, por intermédio de seus representantes. Inclui, ainda, os sucessores legítimos ou testamentários do possuidor, bem como os credores e demais interessados.

Esta assertiva fundamenta-se, especialmente, no art. 162 do CC, uma vez que se permite a alegação da prescrição pela parte a quem aproveita. Ter-se-ia, então, terceiros interessados que seriam ‘todos aqueles que em favor dos quais constitui o possuidor um direito qualquer, que pereceria não se consolidando a propriedade nas mãos deste, v.g., o usufrutuário, o usuário, o fideicomissário em relação ao gravado, o enfiteuta em relação ao senhorio direto, etc.’ (44).

Com relação ao sujeito passivo, para sofrer os efeitos da perda da coisa, basta que ele seja o proprietário. Aí, incluem-se os relativamente incapazes, e excluem as pessoas jurídicas de direito público. Quanto aos primeiros, o art. 169, I, do CC não os abarca quando torna patente que não ocorre prescrição contra os incapazes de que trata o art. 5º, ou seja, os sujeitos absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil. Quanto aos segundos, a CF determina que os bens públicos não serão adquiridos por usucapião (45).

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Em suma, o usucapiente deve ser capaz, mas, em determinados casos, essa faculdade sofre restrições decorrentes de diversos acontecimentos, inclusive familiar, obrigacional, etc.Antônio Ferreira Inocêncio (46) relaciona pessoas e situações jurídicas que não se afinam com o usucapião. Assim, tem-se:‘a) Entre cônjuges, na constância do casamento (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, I), qualquer que seja o regime de bens.b) Entre ascendentes e descendentes, durante o pátrio poder (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, II).c) Entre tutelados e curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela (CC, arts. 553, 619, parágrafo único, e 168, III).d) Em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equipa-radas, contra o depositante, o devedor, o mandante e as pessoas representadas ou seus herdei-ros, relativamente aos bens confiados à sua guarda (CC, arts. 553, parágrafo único, e 168, IV).’Além dessas exceções, o mencionado autor enumera outros casos, aos quais é inaplicável o usucapião.Interessante noticiar que, face à força declaratória de certeza jurídica, é possível ao proprietário intentar o usucapião sobre o seu imóvel, pois não há a menor ilegalidade em que o possuidor, por não ter confiança em seu título dominial, recorra à ação de usucapião (47).A propósito, comenta Celso Agrícola Barbi (48) que ‘não se justificam restrições ao uso da ação declaratória quanto à propriedade de imóveis. Pelo contrário, será de muita utilidade, quando alguém criar incerteza em torno do domínio de um bem dessa natureza, prejudicando seu uso, ou disponibilidade, pelo proprietário também possuidor. Poderá ele mover ação contra o pretenso dono, para ver declarado que é seu o domínio’ (49).6.3 Requisitos reaisOs requisitos reais relacionam-se com as coisas e direitos que podem ser objeto de aquisição por usucapião (res habilis). Desse modo, para ser objeto de usucapião, é mister que a coisa esteja no comércio, não sendo usucapíveis, pois, as que estejam fora do comércio, assim consideradas as insuscetíveis de apropriação e as legalmente inalienáveis, na definição do art. 69 do CC.Anote-se, conforme José Carlos de Moraes Salles (50), ‘haver coisas naturalmente insuscetíveis de apropriação e, consequentemente, de usucapião, como, por exemplo, o ar, a luz natural e as águas livres. De outra parte, há coisas juridicamente inapropriáveis ou inusucapíveis, porque assim declaradas pelo Direito. Como exemplo, [...] os bens públicos de uso comum do povo, os de uso especial e os dominiais ou patrimoniais (art. 66 do CC)’.Confirma-se que as coisas legalmente inalienáveis também não são usucapíveis, posto que elas têm o seu destino fixado por lei, como o bem de família (art. 72 do CC); os imóveis dotais (arts. 293 e 298 do CC); os bens de menores sob pátrio poder ou tutela (arts. 386, 427, VI, e 429 do CC); e os bens dos sujeitos à curatela (arts. 446, 453 e 463 do CC) (51). Deve-se mencionar que a doutrina, hodiernamente, entende que quando a inalienabilidade resulta de ato voluntário de testador ou doador, o bem assim clausulado pode ser objeto de usucapião (52).Quanto aos direitos suscetíveis de usucapião, a doutrina reconhece que somente os direitos reais prescritíveis podem ser adquiridos, assim os que implicam posse dos objetos sobre que recaem, vale dizer, a propriedade, as servidões, a enfiteuse, o usufruto, o uso e a habitação. A propósito, ensina Wolff (53) que ‘sólo puede adquirir-se por usucapión los derechos reales que faculten para la posesión de una cosa o de un derecho: como la propriedad, la superfície, las servidumbres’.Em regra, só podem ser usucapidos os bens do domínio particular, ao passo que os bens pú-blicos não se subordinam a tal incidência, conforme impõe a Súmula nº 340 do STF, pois que ‘desde a vigência do Código Civil, os bens dominiais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião’. Essa orientação do Pretório Excelso foi acompanhada pelo atual Texto Constitucional, como se nota nos seus arts. 183, § 3º, e 191, parágrafo único.A coisa hábil para usucapião é coisa corpórea e tangível (54), sendo indispensável para os imó-veis que estes estejam perfeitamente individuados, com suas precisas características, extensão e confrontações, mesmo porque a posse ad usucapionem não seria compatível com a indetermi-nação dos limites ou de outros aspectos da coisa possuída.Ressalta-se, entretanto, que é crescente o número de julgados que admite posse e usucapião sobre bens intangíveis (incorpóreos) como, v.g., o direito ao uso de linha telefônica (55). Vale

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dizer, também, que, embora no usucapião de imóvel exijam-se certeza e determinação, tem-se admitido usucapião de compossuidores, sobre partes ideais, de imóvel divisível ou não, quando a posse do todo é exercida conjuntamente (56).6.4 Requisitos formaisOs requisitos formais no usucapião devem ser, obrigatoriamente, a posse (ad usucapionem con-tínua e incontestada) e o transcurso de um determinado lapso de tempo, que varia em função do prazo estabelecido em lei.A posse ad usucapionem, segundo o Professor Natal Nader (57), ‘é a que, além dos elementos indispensáveis à configuração da posse, preenche ainda os requisitos exigidos à aquisição da propriedade pelo usucapião. Deve ser sem interrupção, sem oposição e ser exercida com inten-ção de dono, animus domini’.Por posse contínua, ou sem interrupção, deve-se entender a sucessão ordenada de atos posses-sórios, não bastando, pois, o comportamento exterior do agente em face da coisa, em atitude análoga à do proprietário. O usucapiente deve provar que foi diligente na prática de atos posses-sórios, não tendo havido desleixo, descaso ou ausência de cuidados no trato da coisa possuída e que sempre se manteve eficazmente na posse do bem (58).Como esclarece Caio Mário da Silva Pereira (59), ‘o possuidor não pode possuir a coisa em intervalos, intermitentemente, nem tê-la maculada de vícios ou defeitos (vi, clam aut precario)’ (60). Todavia, ainda que a posse tenha sido obtida mediante violência, ou com clandestinidade, haverá possibilidade de seu convalescimento para o efeito de usucapião, desde o momento em que cessarem os mencionados vícios (61).Não retiram na posse ad usucapionem a sua característica de contínua as intermitências oca-sionais e temporárias, provocadas por circunstâncias fortuitas, como, v.g., uma eventual inun-dação. Por outro lado, os atos de posse podem ser praticados por prepostos do possuidor, como, por exemplo, presença física no imóvel, seu cultivo, sua manutenção, etc. (62).A posse ad usucapionem exige que a posse seja mansa e pacífica, sendo conhecida por aqueles contra que o usucapiente invocará o seu direito. Exige-se, também, que a posse seja sem opo-sição, sendo de se ressaltar que somente a impugnação feita por quem tenha legítimo interesse para tanto, como é o caso do proprietário contra quem visa a usucapir, poderá retirar-lhe essa característica, desde que o mesmo logre êxito em sua pretensão (63).Observa José Carlos de Moraes Salles (64) que a oposição deve traduzir ‘medidas efetivas e concretas, identificáveis na área judicial, visando a quebrar a continuidade da posse, opondo à vontade do possuidor uma outra vontade que lhe contesta o exercício daqueles poderes inerentes ao domínio qualificador da posse’.Outra condição da posse ad usucapionem é que ela seja exercida com o ânimo de dono, de ter a coisa para si – animus rem sibi habendi. Conforme Caio Mário da Silva Pereira (65), este requi-sito psíquico é essencial, excluindo todo contato físico com a coisa que não se faça acompanhar de ter a coisa para si, como é o caso do locatário, do comodatário e do usufrutuário, que embora tenham a posse direta da coisa, o que os habilita a invocar os interditos possessórios, lhes falta a intenção de ser dono.Nélson Luiz Pinto (66) assevera que, ‘para caracterizar-se o animus domini, não basta somen-te a vontade (do contrário, admitir-se-ia, assim, para o ladrão que sabe que a coisa não lhe pertence), sendo o elemento característico e identificador da posse ad usucapionem, a causa possessionis, ou o título em virtude do qual se exerce a posse. Logo, se a posse se funda em contrato, não há que se falar em animus rem sibi habendi, salvo se houver, posteriormente, inversão da causa de possuir’ (67).Ainda sobre a posse, deve-se acrescentar que, se o usucapiente vier a perdê-la, deixará de existir um dos requisitos essenciais do usucapião, de modo que não será possível o seu reconhecimento judicial, haja vista que a perda da posse inutiliza o tempo anteriormente vencido.Importante dizer sobre o prazo no usucapião que, em relação aos bens móveis, aquele é menor, em razão da dificuldade de sua individualização e da facilidade de serem transmitidos através da tradição. Revela-se também que os bens móveis têm menor importância econômica do que os bens imóveis, ratificando o lapso temporal mais curto para a aquisição de sua propriedade pelo usucapião.Outra questão que influi no lapso de tempo do usucapião é se este corre entre presentes ou entre ausentes, pois, se o possuidor e o proprietário residem no mesmo Município em que está situado

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o imóvel, o prazo prescricional é menor, do contrário, mais dilatado, em favor das garantias jurídicas (68).6.5 Requisitos especiaisOs requisitos especiais, justo título e boa-fé, acrescentam à caracterização da posse ad usucapionem, na espécie do usucapião ordinário, qualificando esta modalidade de usucapir a propriedade e, consequentemente, reduzindo o lapso de tempo da posse.O conceito do justo título viveu durante muito tempo atrelado ao conceito de boa-fé, porém a doutrina e a jurisprudência têm procurado separá-los, tratando-os como realidades jurídicas autônomas, podendo aparecer juntas ou sozinhas.O justo título é um título hábil, em tese, a transferir o domínio (causa habilis ad dominium transferendum), mas que deixa de operar tal efeito, por ressentir-se de algum vício ou irregula-ridade, que o decurso do tempo (dez ou quinze anos) se encarrega de sanar (69). A boa-fé, por sua vez é a crença do possuidor de que a coisa possuída realmente lhe pertence, ignorando a existência de vício que macule o seu título aquisitivo.O Professor Orlando Gomes (70) define o justo título como o ‘ato jurídico abstrato, cujo fim é habilitar alguém a adquirir a propriedade’, mas que por algumas determinadas causas, como, por exemplo: 1º) a aquisição a non domino; 2º) a aquisição a domino, em que o transmitente ou não gozava do direito de dispor ou transfere por ato nulo de pleno direito; 3º) existência de erro no modo de aquisição, deixa de produzir seu efeito, sendo, portanto, justo título ‘o ato translativo que não produziu efeito, o título de aquisição ineficaz’ (71).A maioria da doutrina coloca como requisito indispensável para a configuração do justo título a transcrição no registro imobiliário, para adquirir-se a propriedade. Nesse sentido, comenta Washington de Barros (72) que ‘a transcrição é ainda outro requisito para que o título havido seja como justo. Sem essa formalidade, inexiste aquisição do domínio. Título não registrado não preenche a condição primacial para que seja havido como justo’.Por outro lado, vem crescendo o entendimento de que a transcrição não é elemento essencial ao justo título, pois que, como elucida Pontes de Miranda (73), ‘a) se o título foi transcrito e houve boa-fé, se transferiu a propriedade, portanto é absurdo exigir-se para o usucapião título justo transcrito e boa-fé; b) se tem confundido na maioria dos acórdãos plano da existência e plano da eficácia, o que se exige é o título habilis ad dominium transferendum, e não o título que haja transferido (se transferiu, tollitur quaestio)’.Porém, o mencionado autor admite o justo título sem transcrição, mas exige que o título tenha efeito erga omnes. Desta forma, ‘não se pode apresentar como título para se adquirir, por usuca-pião contra alguém, escrito particular que não tem efeito erga omnes (74).Entretanto, a doutrina mais recente vem reconhecendo o compromisso de compra e venda como justo título para os efeitos de usucapião ordinário, o que vem repercutindo em vários julgados (75). José Osório de Azevedo Júnior, a esse respeito, conclui que ‘forçoso é admitir o compro-misso como título hábil para gerar usucapião ordinário. Trata-se de um negócio jurídico que, abs-tratamente considerado, leva à aquisição do domínio, pois, negando-se o promitente-vendedor a outorgar a escritura definitiva, a sentença produzirá os mesmos efeitos’ (76).Segundo o Professor Nélson Luiz Pinto (77), não se pode deixar de reconhecer ao compromis-sário-comprador, que quita o preço, o animus domini, a intenção de possuir a coisa como sua, como proprietário, independentemente de estar ou não o instrumento registrado’. As formali-dades legais, inclusive a transcrição, devem ter em vista a interpretação da lei em função da realidade social, adequando os institutos jurídicos aos anseios da coletividade.Dessa forma, conclui o citado professor que ‘não é só o compromisso de compra e venda como qualquer outro documento que retrate uma justa causa possessiones, posse com animus domini, e que possibilitaria ao possuidor futura transcrição desse documento ou substituição por outro definitivo, como é o caso, por exemplo, da promessa de cessão de direitos hereditá-rios, de dação em pagamento, etc., desde que, naturalmente, cumprida a contraprestação do adquirente’ (78).Além do justo título, é indispensável para o usucapião ordinário que o prescribente esteja de boa-fé. Esta, por sua vez, apesar da caracterização dada pelo art. 490 do CC, traz muitas con-trovérsias na doutrina e na jurisprudência.No Direito pátrio, como já se disse na introdução desse tópico, encontram-se autores que sepa-ram ou fundem conceitos de justo título e boa-fé. Porém, como ressalta Nélson Luiz Pinto (79), ‘a separação desses conceitos se faz necessária, principalmente porque o justo título deve ter

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uma existência objetiva, ao lado da boa-fé, para que viabilize o usucapião ordinário previsto pelo art. 551 do CC’.Observa Caio Mário da Silva Pereira (80) que ‘boa-fé é a integração ética do justo título [...] e reside na convicção de que o fenômeno jurídico gerou a transferência da propriedade. Interna-mente, a boa-fé assenta na convicção de não ofender o possuidor um direito alheio [...], ou no erro de entendimento do possuidor que, razoavelmente, se supõe proprietário’. Ressalte-se que o que importa é a ignorância de se estar lesando direito alheio.A boa-fé ou é plena, total, ou não existe. Assim, há de estender-se sem qualquer interrupção du-rante todo o período prescricional, ou seja, deve a boa-fé perdurar durante todo o tempo neces-sário para a aquisição por usucapião, não bastando a sua incidência no momento da aquisição. Esse é o entendimento de Armando Roberto Holanda Leite (81), para quem ‘a superveniência de má-fé impede a consumação do usucapião ordinário, devendo, pois, a boa-fé ocorrer do início ao fim do prazo prescricional.Revela-se, por fim, que no usucapião extraordinário a boa-fé não é tratada como critério objetivo e, por sua vez, não admite prova em contrário. No ordinário, a boa-fé se presume, admitindo, porém, prova em contrário. A prova incumbe a quem a alega. Destarte, no usucapião ordinário milita a presunção iuris tantum de boa-fé em razão do justo título, é o que se nota pela leitura do parágrafo único do art. 490 do CC (82).” (Usucapião. Disponível em: online.sintese.com)

Penal/Processo Penal

3005 – Associação criminosa e concussão – trancamento da ação penal – pretensão – im-possibilidade

“Recurso em habeas corpus. Associação criminosa e concussão. Pretensão de trancamento da ação penal. Alegação de ausência de justa causa, consubstanciada no argumento de que o inquérito policial que deu origem à ação penal foi conduzido pela polícia federal. Improcedência. Atribuições da polícia judiciária que não se confundem com a competência da Justiça Federal. Possibilidade de a polícia federal apurar crimes com repercussão interes-tadual. Inquérito policial instaurado mediante a notícia da ocorrência dos crimes de asso-ciação criminosa e concussão, até para apurar a extensão e complexidade da associação. Ilegalidade. Ausência. Impossibilidade de nulidades do inquérito policial contaminarem a ação penal. Alegações de nulidades decorrentes de a interceptação telefônica ter sido auto-rizada pela Justiça Federal e de utilização de prova emprestada não relacionada às mesmas partes. Encontro fortuito de provas. Admissibilidade. Constrangimento ilegal. Ausência. 1. O trancamento de ação penal pela via eleita é cabível apenas quando manifesta a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a manifesta ausência de provas da existência do crime e de indícios de autoria. 2. As atribuições da Polícia Federal e a competência da Justiça Federal, ambas previstas na Constituição da República (arts. 108, 109 e 144, § 1º), não se confundem, razão pela qual não há falar que a investigação que deu origem à ação penal foi realizada por autoridade absolutamente incompetente. 3. As atribuições da Polícia Federal não se restringem a apurar infrações em detrimento de bens, serviços e interesses da União, sendo possível a apuração de infrações em prol da Justiça estadual. Precedente. 4. No caso, não há ilegalidade na instauração do inquérito policial pela Polícia Federal, realizada com o fim de investigar a prática dos crimes de concussão e associação criminosa pela recorrente e os corréus, até porque, naquela ocasião, apenas se tinham indícios da ocorrência dos crimes apurados, não se sabendo, ao certo, a extensão da associação criminosa ou a complexidade das infrações, elementos que foram apurados justamente com a instauração da investigação em que a recorrente e alguns corréus foram indiciados. 5. É cediço neste Superior Tribunal

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que, não sendo o inquérito policial indispensável à propositura da ação penal e dada sua na-tureza informativa, eventuais nulidades ocorridas na fase extrajudicial não têm o condão de macular a ação penal. Precedentes. 6. Não prosperam as alegações de que é nula a intercep-tação telefônica realizada no inquérito policial originário, autorizada pela Justiça Federal, e de que se cuida da utilização de prova emprestada não relacionada às mesmas partes, pois se trata do fenômeno do encontro fortuito de provas, que consiste na descoberta imprevista de delitos que não são objeto da investigação, admitida pela jurisprudência deste Superior Tri-bunal. 7. Recurso em habeas corpus improvido.” (STJ – RHC 50.011/PE – (2014/0170879-8) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – DJe 16.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de crimes de associação criminosa e concussão, ao ar-gumento da ilicitude das provas que ensejaram a deflagração da ação penal, tendo em vista que a investigação dos crimes de competência do Juízo estadual foi realizada pela Polícia Federal.Consta dos autos que, na investigação originária deflagrada para desvendar esquema de des-vio de verbas públicas federais envolvendo fornecedoras de merenda escolar, a Polícia Federal descobriu que, em 2008, pessoas que trabalhavam na prefeitura se associaram para financiar caixa dois da campanha de reeleição do então prefeito, por meio da extorsão de empresários que mantinham contratos públicos com o município.Foi instaurado novo inquérito policial para investigar os crimes contra a administração munici-pal, tendo como subsídio cópias das interceptações telefônicas realizadas na operação da Polícia Federal, além de termos de declarações dos investigados e documentos emitidos por uma das empresas que mantinham contrato com a prefeitura.A filha do ex-prefeito, assessora e coordenadora da campanha para reeleição, e outros envolvi-dos foram indiciados e denunciados pelo Ministério Público estadual pela prática dos crimes de formação de quadrilha e concussão.A defesa requereu ao STJ o trancamento da ação penal e o reconhecimento da nulidade da in-terceptação telefônica realizada no inquérito policial originário. Alegou a incompetência tanto do juízo que autorizou a medida quanto da autoridade que realizou a investigação.Para a defesa, como não havia conexão com o objeto da operação, os crimes apurados deveriam funcionar apenas como notitia criminis, a fim de autorizar a instauração de nova investigação, na esfera estadual.O nobre magistrado mencionou que não há nada que impeça a investigação dos crimes em tese praticados no município pela Polícia Federal, até porque, naquela ocasião, não se conhecia a ex-tensão da associação criminosa ou a complexidade das infrações, elementos que foram apurados com a instauração do segundo inquérito policial.O Relator mencionou que a jurisprudência do STJ considera que eventuais nulidades ocorridas na fase extrajudicial não são suficientes para prejudicar a abertura da ação penal.Em decisão unânime, a 6ª Turma negou o recurso.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Nesse sentido:‘HABEAS CORPUS – ATOS DE INVESTIGAÇÃO PRATICADOS PELA POLÍCIA MILITAR – INEXIS-TÊNCIA DE NULIDADE – VIA INDEVIDAMENTE UTILIZADA EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO ORDINÁRIO – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA – NÃO CONHECIMENTO – 1. É im-periosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso ordinário. 2. A Constituição da República diferencia as funções de polícia judiciária e de polícia investigativa, sendo que ape-nas a primeira foi conferida com exclusividade à Polícia Federal e à Polícia Civil. 3. In casu, a Polícia Civil, de posse dos elementos informativos obtidos pela agência de inteligência da Polícia Militar, nas palavras do aresto atacado, ‘assumiu a investigação’, instaurando o auto de prisão em flagrante e encaminhando relatório ao juízo, não havendo qualquer ilegalidade a reconhecer nesta via. 4. O inquérito policial não é indispensável à propositura da ação penal, podendo, tanto o Ministério Público, nas ações penais públicas, quanto o particular, nas ações privadas, oferecerem denúncia ou queixa fundamentada em outros elementos de convicção, normalmente

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denominadas, na lei processual, de peças de informação (CPP, arts. 28, 39, § 5º, e 46, § 1º). Aliás, qualquer do povo pode levar tais elementos a conhecimento das autoridades, seja o dele-gado de polícia, seja o membro do Ministério Público. 5. ‘A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é firme na compreensão de que eventuais nulidades ocorridas na fase inquisitorial não têm o condão de tornar nula a ação penal’ (REsp 332.172/ES, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, Julgado em 24.05.2007, DJe 04.08.2008). 6. Habeas corpus não conhecido.’ (HC 256.118/SC, Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 09.06.2014)‘HABEAS CORPUS – QUADRILHA, FALSIDADE IDEOLÓGICA, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA E DELITOS DA LEI DE LICITAÇÕES (ARTS. 288, 297, 317 E 333 DO CÓDIGO PENAL, E 90 E 97 DA LEI Nº 8.666/1993) – PRISÃO PREVENTIVA – PRETENDIDA REVOGAÇÃO – EXTENSÃO DA ORDEM CONCEDIDA EM MANDAMUS IMPETRADO EM FAVOR DE CORRÉU – PREJUDI-CIALIDADE DO WRIT QUANTO AO PONTO – [...] AVENTADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL – PROCEDIMENTO INQUISITORIAL CONDUZIDO PELA POLÍCIA FEDERAL EM RA-ZÃO DA SUSPEITA DE ENVOLVIMENTO DA POLÍCIA ESTADUAL NA ORGANIZAÇÃO CRIMINO-SA – POSSIBILIDADE – DISTINÇÃO ENTRE AS HIPÓTESES DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL – INEXISTÊNCIA DE SUSPEITA DE CRIMES QUE AFETEM BENS, INTERESSES OU SERVIÇOS DA UNIÃO – 1. No início das apurações havia a suspeita de desvio de verbas públicas federais no Município de Presidente Kennedy, o que justificou a deflagração das investigações por parte do referido órgão. 2. Embora no curso do procedimento inquisitorial se tenha constatado que não houve o emprego de verbas federais nos contratos por meio dos quais estaria ocorrendo o desvio de dinheiro público, a condução do feito permaneceu com a Polícia Federal diante da possível participação de policiais civis e militares do Estado na organização criminosa. 3. Embora o procedimento inquisitorial tenha sido levado à cabo pela Polícia Federal, não se está diante das hipóteses de competência da Justiça Federal previstas no art. 109 da Lei Fundamental, motivo pelo qual inexiste qualquer ilegalidade na fixação da competência no Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. 4. A par desse aspecto, não se pode olvidar que o inquérito policial constitui procedimento administrativo de caráter informativo, sendo certo que, ainda que os elementos de convicção tenham sido colhidos por autoridade policial desprovida de atribuição, tal vício não tem o condão de macular as provas nele obtidas, notadamente as decorrentes de medidas cautelares autorizadas pelo Juízo compe-tente para processar e julgar a futura ação penal, exatamente como na hipótese em apreço. [...] 3. Habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão, denegada a ordem.’ (HC 241.889/ES, Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 21.05.2014)Também não prosperam as alegações de que seria nula a interceptação telefônica realizada no inquérito policial originário, autorizada pelo Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, e de que se trata da utilização de prova emprestada não relacionada às mesmas partes, pois, conforme bem salientado no parecer do Ministério Público Federal (fls. 375/377), trata-se do fenômeno do encontro fortuito de provas, que consiste na descoberta imprevista de delitos que não são objeto da investigação.”

3006 – Estelionato – autoria – materialidade – prova – condenação – pena – dosimetria – concurso de agentes – ocorrência

“Estelionato. Réu. Reconhecimento. Art. 226 do CPP. Ausência de formalidades. Validade. Autoria e materialidade. Prova. Condenação. Manutenção. Dosimetria da pena. Anteceden-tes. Condenações por fatos anteriores transitadas em julgado. Circunstâncias do crime. Con-curso de agentes. Desprovimento. I – Deve ser mantida a condenação pela prática do crime de estelionato se as circunstâncias que permeiam os fatos demonstram que o acusado induziu a vítima em erro para obter vantagem ilícita. II – O fato de o réu não ter sido colocado ao lado de outras pessoas no momento do reconhecimento pessoal é incapaz de invalidar a prova, já que, nos termos do inciso II do art. 226 do Código de Processo Penal, esse procedimento não é obrigatório, mas adotado apenas se possível. III – A existência de condenações penais por fato anterior, devidamente transitadas em julgado na folha penal do acusado, justifica a valoração negativa de seus antecedentes penais. IV – O transcurso de prazo superior a 5 (cin-co) anos entre a extinção da punibilidade de condenação penal pretérita e o cometimento

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de novo fato criminoso impede a aplicação da agravante da reincidência, todavia autoriza a valoração negativa dos antecedentes do acusado. V – Constatado que o concurso de agentes facilitou o sucesso da empreitada criminosa, fazendo com que a vítima sequer desconfiasse do intento ilícito dos acusados, correta a análise desfavorável das circunstâncias do crime. VI – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20070111350034 – (827812) – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJe 29.10.2014)

3007 – Pena – crime ambiental – conversão; princípio da insignificância – aplicação – impossibilidade

“Apelação criminal. Art. 29, § 1º, inciso III, e § 4º, inciso I, e art. 32, ambos da Lei nº 9.605/1998. Autoria e materialidade demonstradas. Prova segura para manutenção do decreto condenatório. Penas corretamente fixadas. Regime aberto. Conversão da pena pri-vativa de liberdade por restritiva de direitos. Recurso desprovido.” (TJSP – ACr 0019031-41.2010.8.26.0071 – 6ª CDCrim. – Rel. Des. Antonio Carlos Machado de Andrade – J. 04.12.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de condenação de um homem que mantinha 23 pássaros silvestres em cativeiro pela prática de maus-tratos contra os animais.Consta dos autos que entre as aves havia um curió, espécie ameaçada de extinção. Alguns pássaros estariam machucados e em gaiolas sujas, muitas sem água.A pena fixada foi de um ano de detenção em regime inicial aberto.No recurso, a defesa requereu a absolvição com base no erro de proibição.Mencionou também que seria hipótese de aplicação do princípio da insignificância, por se tratar de matéria para o âmbito da sanção administrativa.Em seu voto, o Relator do recurso destacou que a tese de erro de proibição não poderia prospe-rar, uma vez que o réu já foi processado por infração idêntica, o que demonstra pleno conheci-mento do caráter ilícito de sua conduta.Alegou também que não se trata da possível aplicação do princípio da insignificância, porque referido princípio sequer possui previsão legal, além do que o apelante não se limitou a manter em cativeiro um único pássaro silvestre, mas sim vinte e três aves sem anilha, uma delas em perigo de extinção.Vale trazer trecho do voto do Relator:“Outrossim, é certo que o apelante não se limitou a manter em cativeiro um único pássaro silves-tre, mas sim vinte e três aves sem anilha, uma delas em perigo de extinção.De mais a mais, é certo que a lei criminaliza a conduta do réu, com o intento de proteger o meio ambiente dos abusos e danos, muitas vezes irreparáveis, que vem ocorrendo em todo o país, a denotar a relevância social da conduta do apelante, que produz seus efeitos a longo prazo.De igual modo, o crime de maus tratos restou comprovado pelas declarações dos policiais, assim como pelo ofício do Ibama, no qual consta que as gaiolas onde os pássaros estavam se encontra-vam ‘muito sujas, com muitas fezes, água fétida denotando ausência de limpeza há dias. Além disto, a fêmea de curió apresentava necrose no membro posterior direito (pé) com perda total de sensibilidade, havendo necessidade de amputação da falange denotando uma provável tentativa de retirada de anilha’.”O Tribunal de Justiça de São Paulo negou provimento ao recurso.

3008 – Porte ilegal de arma de fogo – numeração de série suprimida – crime de perigo abstrato – impossibilidade

“Porte ilegal de arma de fogo. Numeração de série suprimida. Crime de perigo abstrato. Cons-titucionalidade. Tipicidade material. Desclassificação para o art. 14 da Lei nº 10.826/2003. Impossibilidade. Causa excludente de ilicitude. Estado de necessidade. Perigo atual. Inocor-

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rência. Condenação. Recurso desprovido. I – No crime de porte de arma, o legislador, obser-vando o princípio da proibição da proteção deficiente, bem como as consequências lógicas dessa conduta, resolveu evitar antecipadamente resultados altamente lesivos dela decorren-tes. Como a morte ou a lesão, que somente podem ser eficientemente protegidos pelo direito penal, de modo que não há se falar em inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Precedentes do STF. II – Certificado em laudo pericial que uma das armas apreendidas com o réu tinha a numeração de série suprimida, não há como se desclassificar a conduta para a prevista no art. 14 da Lei nº 10.826, ainda que as armas sejam de uso permitido. III – A simples alegação do réu de que adquiriu as armas de fogo para sua proteção e de sua em-presa não é apta a atrair a incidência da causa excludente de ilicitude do art. 24 do Código Penal que exige, para sua configuração, dentre outros pressupostos, que o perigo seja atual. IV – Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20120910047623 – (827819) – Relª Desª Nilsoni de Freitas – DJe 29.10.2014)

3009 – Princípio da insignificância – crime ambiental – extração de orquídeas – inaplica-bilidade

“Processual penal. Crime ambiental. Extração de orquídeas do Parque Nacional de Anavi-lhanas. Art. 50-A da Lei nº 9.605/1998. Sentença absolutória. Princípio da insignificância. Ausência do requisito da mínima reprovabilidade da conduta. 1. O Superior Tribunal Justiça já firmou o entendimento no sentido de ser possível a aplicação do princípio da insignifi-cância nos delitos cometidos contra o meio ambiente. Precedentes. 2. Afastado o princípio da insignificância, à vista das circunstâncias da conduta, expressiva quantidade de orquí-deas extraídas, aliada ao fato de um dos denunciados possuir um orquidário, sendo que as plantas foram removidas de unidade de preservação ambiental com finalidade de comércio. 3. Ausência do ‘reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento’, requisito, en-tre outros, consagrado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e observado por esta Turma em julgados precedentes. 4. Recurso em sentido estrito provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0008969-85.2013.4.01.3200/AM – Relª Desª Fed. Monica Sifuentes – DJe 21.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata da aplicação do princípio da insignificância nos crimes ambientais.Consta dos autos que os denunciados extraíram do Parque Nacional de Anavilhanas, que é con-siderado unidade de conservação de proteção integral, 50 (cinquenta) espécimes de orquídeas variadas, sem autorização do órgão competente, para fins de exploração econômica, tendo em vista que os dois réus são proprietários de orquidários.O Ministério Público Federal, por sua vez, alega não ser aplicável o princípio da insignificância, pelo fato de se tratar de crime ambiental, sustentando ainda ser necessário o desestímulo à prática de novas condutas análogas, para que não volte a ocorrer novas ações criminosas/degra-dadoras, especialmente as que visam lucro, como no caso em comento.O nobre Relator, em seu voto, entendeu:“A rejeição da denúncia sobre o argumento da atipicidade é medida excepcional. Em tema de crime ambiental, o princípio da insignificância não deve ser aplicado apenas à vista da quantidade de exemplares de orquídeas extraídas. Assim, deve ser afastada a tese da baga-tela se à vista das circunstâncias da conduta não se reputar preenchido o requisito da mínima reprovabilidade da conduta, como no caso em tela. Por oportuno, cabe salientar a opinião exarada no parecer ministerial:[...] conforme expõe a peça acusatória exordial, foram os recorridos surpreendidos na posse de 50 (cinqüenta) exemplares de orquídeas, retiradas irregularmente e sem autorização do órgão ambiental competente (ICMBio), do interior do Parque Nacional de Anavilhanas, unidade de conservação de proteção integral. A expressiva quantidade de exemplares de orquídeas extraí-

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das da UC pelos Denunciados, aliada ao fato de que o denunciado Willis Silva Souza possuiria um orquidário, inclusive realizando negócios de sucesso na área de paisagismo para grandes empresas, conforme consta em seu termo de declarações de fls. 54/55, e que as plantas foram removidas de uma unidade de preservação ambiental, torna a referida conduta altamente re-provável (fl. 144).Todos esses fatores conjugados levam à conclusão que não se faz presente no caso o ‘reduzidís-simo grau de reprovabilidade do comportamento’, requisito, entre outros, consagrado pela juris-prudência do Supremo Tribunal Federal e observado por esta Turma em julgados precedentes. Ressalte-se, ainda, que a magnitude ou a insignificância da conduta não pode ser inferida ape-nas em função dessa ou daquela quantidade de orquídeas extraídas ou do efetivo dano.Ademais, o direito penal possui também finalidade preventiva, a qual ficaria absolutamente neu-tralizada pelo decreto absolutório, representando verdadeiro estímulo à infração penal, de modo que outros indivíduos também se sentiriam autorizados à mesma prática. Por fim, é de salientar a desproporção entre a conduta e a sanção. O tipo penal prevê sanções brandas, quase sempre passíveis de substituição por penas restritivas de direitos, absolutamente compatíveis com o grau de gravidade da conduta.Assim, é imperiosa a reforma da sentença para afastar a aplicação do princípio da insignifi-cância.Além disso, a denúncia ofertada preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, com a descrição da conduta delituosa, com todas as circunstâncias, a qualificação dos acusados e a classificação do crime, estando devidamente instruída.Presentes a materialidade e indícios de autoria, demonstrados pelos autos de infração, relatórios de fiscalização – parte I e II (fls. 10/20 e 29/39) – e pelas declarações do acusados (fls. 59 e 54/55).O Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento ao recurso.

3010 – Prisão preventiva – pornografia infantil – divulgação pela Internet – presença dos requisitos – possibilidade

“Processual penal. Habeas corpus. Art. 241-B da Lei nº 8.069/1990. Pornografia infantil. Di-vulgação pela Internet. Prisão preventiva. Presença dos requisitos. Ordem denegada. 1. De-monstrada a materialidade do delito tipificado no art. 241-B da Lei nº 8.069/1990 e havendo fortes indícios de sua autoria, justifica-se a custódia cautelar para a preservação da ordem pública, mormente levando em consideração que o acusado, em seu interrogatório na po-lícia, confessou ter tentado relação sexual com um menino de aproximadamente oito anos, demonstrando, tal como dito pelo Magistrado, a total ‘ausência de freios morais’. 2. Hipótese em que, por ocasião da prisão em flagrante em 16.10.2014, foram encontrados na residência do paciente inúmeros arquivos contendo pornografia envolvendo crianças (57.866 arquivos de fotografia digital e 4.103 arquivos de vídeo), havendo fortes indícios de que fazia parte de uma rede nacional de pedófilos, que navegava na Internet de forma anônima, dificultando o rastreamento dos usuários. 3. O acusado, atraído que é pelo desejo de manter relações sexuais com crianças de tenra idade, como mesmo admitiu em seu interrogatório, trabalha em uma instituição que tem como objetivo atender crianças que passam por situações de vulnerabilidade social, o que facilitaria possíveis casos de abuso infantil. 4. A substituição da prisão preventiva do paciente por outra medida cautelar, a exemplo daquelas elencadas no art. 319 do CPP, resta inviável no caso concreto, diante da possibilidade de que, uma vez posto em liberdade, ele pratique novos crimes da mesma natureza, colocando em risco a ordem pública. 5. O fato de o acusado ser primário e possuir residência fixa não inviabiliza o recolhimento preventivo, quando fundado nos requisitos do art. 312 do CPP. 6. Denegação da ordem.” (TRF 5ª R. – HC 0009537-53.2014.4.05.0000 – (5719/PE) – 3ª T. – Relª Desª Fed. Conv. Joana Carolina Lins Pereira – DJe 14.01.2015)

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3011 – Prova – produção antecipada – suspensão do processo – possibilidade

“Processual penal. Habeas corpus. Art. 366 do Código de Processo Penal. Suspensão do processo. Produção antecipada de provas. Decisão fundamentada. Habeas corpus denega-do. 1. A produção antecipada de provas tem caráter excepcional, em face do que deve ser fundamentada pelo Juiz, a teor do Verbete nº 455 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Contudo, não se pode olvidar que o Juiz, na condução da coleta de provas, tem liberdade para avaliar a necessidade de sua produção, conforme os arts. 156 do Código de Processo Penal e 130 do Código de Processo Civil (precedente jurisprudencial deste TRF1). 2. Ordem de habeas corpus denegada.” (TRF 1ª R. – HC 0025851-22.2013.4.01.0000/RO – Relª Juíza Fed. Rosimayre Gonçalves de Carvalho – DJe 29.10.2014)

Trabalhista/Previdenciário

3012 – Equiparação salarial – celetista e servidor estatutário – impossibilidade

“Auxiliar de enfermagem. Isonomia salarial entre empregada da Fugast celetista e servidor estatutário do Município de Porto Alegre para fins de concessão da gratificação de 110%. Impossibilidade. Regimes jurídicos distintos. Indevida a equiparação salarial entre a empre-gada da Fundação Riograndense Universitária de Gastroenterologia – Fugast – e os servidores públicos municipais estatutários, porque pertencentes a regimes jurídicos distintos. Adoção, também, do entendimento firmado na OJ 297 da SDI-1 do TST.” (TRT 4ª R. – RO 0000343-94.2013.5.04.0004 – 7ª T. – Rel. Juiz Conv. Manuel Cid Jardon – DJe 14.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de decisão proferida pelo TRT da 4ª Região não reconhecendo a equiparação salarial entre celetista e servidor estatutário.Importante frisar que, por meio da Resolução nº 194/2014, o TST converteu a OJ 353 da SBDI-1 na Súmula nº 455, com a seguinte redação:“SÚMULA Nº 455 – EQUIPARAÇÃO SALARIAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – ART. 37, XIII, DA CF/1988 – POSSIBILIDADE – (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 353 da SBDI-1 com nova redação). À sociedade de economia mista não se aplica a vedação à equiparação prevista no art. 37, XIII, da CF/1988, pois, ao admitir empregados sob o regime da CLT, equipara-se a empregador privado, conforme disposto no art. 173, § 1º, II, da CF/1988.”Todavia, de acordo com a redação do texto sumulado, a aplicação do inciso XIII do art. 37 permanece:“Art. 37. [...][...]XIII – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; (Redação dada ao inciso pela Emenda Constitu-cional nº 19, de 04.06.1998, DOU 05.06.1998)[...].”Com efeito, a Dra. Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim explica:“O inciso XIII do art. 37, com a nova redação dada pela Emenda nº 19, veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal, do serviço público. O que se visa impedir, com esse dispositivo, são os reajustes automáticos de vencimentos, o que ocorreria se, para fins de remuneração, um cargo ficasse vinculado ao outro, de modo que qualquer acréscimo concedido a um beneficiaria a ambos automaticamente; isso também ocorreria se os reajustes de salários ficassem vinculados a determinados índices, como o de aumento do salário-mínimo, o de aumento da arrecadação, o de títulos da dívida pública ou qualquer outro.

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Não é por outra razão que o Supremo Tribunal Federal, na Súmula nº 681, definiu que ‘é in-constitucional a vinculação do reajuste de vencimentos de servidores estaduais ou municipais a índices federais de correção monetária’.” (Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 534)

3013 – Indenização – dano existencial – descumprimento de normas trabalhistas – cabi-mento

“Danos existenciais. Descumprimento de normas trabalhistas. Além da reparação direta ou material, a inobservância de um direito não necessariamente deságua na obrigação de repa-rar danos, morais ou existenciais, este espécie daquele. Para que não se crie uma verdadeira indústria de reparações pelas frustrações de sonhos e projetos futuros corrompidos pelo des-cumprimento de direitos trabalhistas reparáveis materialmente, é que se torna imprescindível a demonstração de sério e indubitável dano aos valores mais íntimos da pessoa, mesmo que seja a frustração de um sonho ou projeto, ao cabo de instrução processual convin-cente. Inexistente a prova, indevida a reparação postulada.” (TRT 18ª R. – RO 0011879-15.2013.5.18.0101 – Rel. Eugenio Jose Cesario Rosa – DJe 14.11.2014 – p. 94)

Comentário Editorial SÍNTESECuida o acórdão em estudo do pagamento de indenização por dano existencial pelo descumpri-mento de normas trabalhistas.O dano existencial é um instituto, aplicado na doutrina italiana, que chega ao Brasil trazendo grande repercussão na seara trabalhista.Em suma, o dano existencial visa à compensação daquilo que as pessoas deixaram de fazer ou vivenciar. Os juristas brasileiros têm recorrido à doutrina italiana em busca do conceito do instituto, e, embora não seja ainda comum sua aplicação, já há julgados que fazem referência ao termo.O Mestre Amaro Alves de Almeida Neto explica:“Os dispositivos constitucionais que acolhem o princípio da reparabilidade dos danos extrapa-trimoniais (CF/1988, arts. 1º, III, e 5º, V e X) são aptos a admitir a ressarcibilidade do dano existencial.Além da previsão constitucional, no novo Código Civil encontramos a autorização da repara-bilidade do dano existencial nos mesmos permissivos que autorizam a reparabilidade do dano moral, quais sejam, o art. 12, caput: ‘Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei’; o art. 186: ‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’; o art. 927: ‘Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo’; o art. 948: ‘No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações [...]’; e o art. 949: ‘No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido’.Por fim, a jurisprudência confirma a legislação (Súmulas nºs 37 do STJ e 491 do STF).Assim sendo, em conclusão, podemos afirmar que também entre nós, como já consagrado na Itália, um ato, doloso ou culposo, que cause uma mudança de perspectiva no cotidiano do ser humano, provocando uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao seu projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer, deve ser indenizado, como um dano existencial, um dano à existência do ser humano.Sessarego nos propicia uma conclusão brilhante, que não podia deixar de ser citada:‘Uma concepción personalista del derecho, que reivindica el valor de la persona humana como centro y ege del derecho, parte del supuesto de que cualquier daño que se le cause, tenga o no consequencias patrimoniales, no puede dejar de ser adecuadamente reparado. Para ello, debe simplemente tenerse en cuenta su naturaleza de ‘ser humano’. Esta reparación, como se há expressado, se fundamenta, siempre y en cualquier caso, en la propia dignidad de la

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persona’.” (Dano existencial – A tutela da dignidade da pessoa humana. Disponível em: online.sintese.com. Acesso em: 10 dez. 2014)

3014 – Indenização – racismo – ofensas verbais – comprovação – pagamento devido

“Dano moral. Indenização. Racismo. Discriminação. Ofensas verbais. 1. A Convenção nº 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, estabelece como discriminatória ‘toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão’. Da mesma forma, o ordenamento jurídico brasileiro, fundamentado nos valores sociais do trabalho e dignidade da pessoa humana rechaça qualquer conduta que implique discrimina-ção entre as pessoas, destacando-se a Lei nº 9.029/1995, que proíbe práticas discriminatórias no ambiente de trabalho. A nova ordem constitucional, portanto, não admite a prática de atos discriminatórios no ambiente de trabalho ocorrida na espécie, em que o autor não era chamado pelo seu nome, mas de forma alusiva à sua cor, revelando que havia distinção entre os demais trabalhadores e, inclusive, a despersonificação do trabalhador pela diver-sidade de raça. O princípio da função social da empresa impõe ao empregador o dever de zelar pela conduta dispensada por seus representantes aos empregados, a fim de estabelecer padrões de conduta que observem padrões éticos essenciais, como civilidade, respeito e cordialidade. 2. Expedição de ofício ao MPT para apuração da prática de ato discriminatório resultante de preconceito de etnia, raça ou cor, capitulado na Lei nº 9.029/1995.” (TRT 4ª R. – RO 0001505-43.2012.5.04.0301 – 2ª T. – Rel. Des. Marcelo José Ferlin D’Ambroso – DJe 15.10.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO presente caso cuida de um tema de grande repercussão no direito do trabalho: a discriminação racial.Para alguns, uma grande perplexidade ainda existir isso, para outros, infelizmente, atitudes comuns de serem praticadas.Não obstante a constante disciplina ética, moral, preceitos religiosos e de caráter do indivíduo, o racismo ainda faz parte do nosso cotidiano.Felizmente, amparado pela Lei, a nossa CF/1988 considera a prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, garantindo todos os direitos fundamentais do homem.Além disso, preserva em vários dispositivos: a dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erra-dicação da pobreza, marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;a igualdade entre todos; a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, alegando que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei, não será submetido à tortura, nem tratamento desumano ou degradante; a inviolabilidade à intimidade, vida privada ou honra.Para Rúbia Zanotelli de Alvarenga:“Discriminação é o nome que se dá para conduta, ação ou omissão, em que se estabelecem diferenças que violam o direito das pessoas com base em critérios ilegítimos e injustos, tais como a raça, o sexo, a idade, a opção religiosa e sexual, entre outros. Trata-se de um tipo de conduta que vai contra o princípio fundamental de justiça e liberdade.”De acordo com Britto (2004), discriminar significa:Distinguir negativamente, negativando o outro, é isolar, separar alguém para impor a esse al-guém um conceito, uma opinião desfavorável por motivos puramente histórico-culturais, jamais lógicos, jamais racionais, por defecção, por distorção, por disfunção de mentalidade ao longo de um processo histórico-cultural. E isso implica humilhação: humilhar o outro. E o humilhado se sente como que padecente de um déficit de cidadania, de dignidade, acuado pelo preconceito.

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O discriminado se sente como sub-raça ou sub-povo ou sub-gente, falemos, assim, sentindo--se desfalcado não do que ele tem, mas do que ele é. E a sua autoestima fica ao rés do chão. (Britto, 2004, p. 54).” (Direitos da personalidade do trabalhador e poder empregatício. São Paulo: LTr, 2013. p.149)

3015 – IR – programa de demissão voluntária – indenização especial e férias – natureza jurídica – incidência – análise – honorários advocatícios – sucumbência recíproca

“Tributário. Remessa oficial e apelação da União desprovidas. Imposto de Renda sobre férias indenizadas. Não incidência. Imposto de Renda sobre verba denominada indenização esta-bilidade. Não comprovação da natureza indenizatória do montante. Incidência da exação. Honorários advocatícios. Sucumbência igualmente recíproca. Tempestividade do apelo da União. Preliminar rejeitada. A publicação da sentença ocorreu em 31.03.2004, porém a União detém a prerrogativa da intimação pessoal, conforme os arts. 12, 35 e 36 da Lei Com-plementar nº 73/1993, e 23 da Lei nº 11.457/2007, aperfeiçoada com a entrega dos autos à exequente em 05.05.2005. Interposição tempestiva do recurso pela Fazenda Nacional em 06.05.2005. Regra matriz de incidência do Imposto de Renda prevista no art. 153, III, da CF e art. 43 do CTN. Não incide Imposto de Renda sobre montante que não seja produto do capital ou do trabalho ou que não implique acréscimo patrimonial. Indenização estabilida-de. Não há evidência de que referida verba seja proveniente de adesão a plano de demis-são voluntária. Natureza indenizatória não comprovada. Incidência da exação. Honorários advocatícios. Sucumbência igualmente recíproca. Preliminar de intempestividade rejeitada. Remessa oficial e apelação da União parcialmente providas para reconhecer a incidência de Imposto de Renda sobre a verba denominada indenização estabilidade.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0021400-16.2002.4.03.6100/SP – 4ª T. – Rel. Des. Fed. André Nabarrete Neto – J. 22.05.2014 – DEJF 06.06.2014 – p. 454)

Comentário Editorial SÍNTESEIncide Imposto de Renda sobre verbas percebidas pelo empregado por liberalidade do empre-gador? Valores percebidos a título de indenização especial e férias, por conta de programa de demissão voluntária, configuram natureza remuneratória ou compensatória? Em torno dessas questões girou o acórdão em comento.Foi oriundo o acórdão de remessa oficial e apelação interposta pela União contra sentença que julgou procedente o pedido para declarar a inexistência de relação jurídico-tributária que autorize o desconto na fonte do Imposto de Renda sobre as verbas pagas a título de férias e indenização especial, condenando a ré a restituir os valores descontados da parte autora a este título. Alegou a União que o Ato Declaratório Normativo nº 7, de 12.03.1999, esclarece sobre as verbas rescisórias que não são abrangidas pela não incidência de Imposto de Renda (Instrução Normativa SRF nº 165, de 31.12.1998), e que a verba em discussão não possui natureza compensatória, configurando acréscimo patrimonial, portanto, passível da incidência de Imposto de Renda.Ao analisar a questão, o Relator manifestou-se nos seguintes termos:“Inicialmente, cumpre ressaltar que a fazenda nacional deixou de oferecer recurso quanto à tributação das férias indenizadas, ante o disposto no art. 19 da Lei nº 10.522/2002, no Parecer PGFN/CRJ nº 1905/2005 e no Ato Declaratório nº 1, de 18.02.2005. Assim, o debate dos autos trata do Imposto de Renda sobre indenização paga em programa de demissão voluntária (PDV), ora denominada ‘indenização estabilidade’ (fls. 10/12).[...]A regra matriz de incidência dos tributos está prevista na Constituição Federal e quanto ao Im-posto de Renda seu contorno é delimitado pelo art. 153, inciso III, o qual prevê a competência da União para instituir imposto sobre ‘III – renda e proventos de qualquer natureza’. O art. 43 do Código Tributário Nacional define como fato gerador da exação a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica ‘I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da

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combinação de ambos’ e ‘II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acrésci-mos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior’. É possível afirmar, portanto, que o pa-gamento de montante que não seja produto do capital ou do trabalho ou que não implique acrés-cimo patrimonial afasta a incidência do Imposto de Renda e, por esse fundamento, não deve ser cobrado o tributo sobre as indenizações que visam a recompor a perda patrimonial. Outrossim, devem ser consideradas, ainda, as hipóteses de isenção ou não incidência legalmente previstas.In casu, foi trazido aos autos o termo de rescisão do contrato de trabalho (fls. 10/12), no qual se encontra a previsão de pagamento de verba intitulada ‘indenização estabilidade’. Entretanto, não subsiste comprovação alguma de que referido valor tenha sido pago em decorrência de adesão a plano de desligamento voluntário, haja vista que a nomenclatura utilizada nesse tipo de documento não surte efeitos tributários de forma automática. Assim, faz-se necessária a análise fática da situação na qual referido montante foi instituído a fim de se averiguar a sua natureza jurídica e, em conseqüência, se aferir a respeito da incidência ou não do Imposto de Renda.No que concerne a essa matéria, o STJ já se pronunciou, na sistemática do art. 543-C, do CPC e, ao julgar o REsp 1.112.745, representativo da controvérsia, entendeu que os valores pagos por liberalidade do empregador têm natureza remuneratória e, portanto, sujeitam-se à tributação. Ao contrário, sobre as indenizações pagas em contexto de plano de demissão voluntária (PDV) ou aposentadoria incentivada, não deve incidir o Imposto de Renda. É a ementa do julgado:Destarte, sem que haja evidência no sentido de que a verba ‘indenização estabilidade’ tenha sido percebida sob a linha de plano de desligamento voluntário (PDV), conclui-se que o caso dos autos não se subsume no paradigma supracitado, razão pela qual deve ser considerada como liberalidade do empregador, a atrair a incidência da exação.Saliente-se que a redação do art. 45 do CTN e dos arts. 39, inciso XX, e 43, inciso IV, do RIR/1999, invocados pela apelante, bem como do art. 188 do CPC, suscitado pelo autor, não tem o condão de alterar tal entendimento pelas razões já indicadas.”Com base nos argumentos anteriormente colacionados, deu parcial provimento aos recursos, declarando a incidência do Imposto de Renda sobre a verba de “indenização estabilidade”, e por considerar que ambas as partes configuraram respectivamente como vencedora e vencida, declarou sucumbência recíproca com relação aos honorários advocatícios.

3016 – Meio ambiente do trabalho – gestão empresarial assediosa – cobrança de metas abusivas – exposição vexatória – configuração

“Meio ambiente do trabalho. Gestão empresarial assediosa de cobrança de metas abusivas e exposição vexatória dos empregados. Aplicação analógica do Anexo II da NR 17 da Portaria nº 3.214/1978 do MTE, item 5.13, destinada à atividade de telemarketing. Assédio moral organizacional caracterizado. Nexo causal com o adoecimento do obreiro. O assédio moral organizacional vinha sendo estudado passo a passo, em termos doutrinários tão somente, a partir de observações concernentes aos métodos de cobranças de resultados. Passou-se a observar que a relação assediosa na empresa pode, por vezes, transcender o aspecto inte-rindividual e se expressar de modo coletivo, sujeitando todos os trabalhadores de um deter-minado setor, ou mesmo a generalidade dos empregados. As constatações fizeram-se claras, porém, em norma de caráter preventivo baixada pelo Ministério do Trabalho em relação aos trabalhadores e empregadores em telemarketing, categoria que inicialmente se notabilizou pela adoção de gestão assediosa. O conteúdo da Norma Regulamentar em questão é de tal relevância que pode e deve ser aplicada analogicamente em todas as situações em que a metodologia de exercício do poder patronal vier a incidir nas condutas ali vedadas. Trata-se da NR 17, da Portaria nº 3.214/1978 do MTE, em seu Anexo II, item 5.13, cujas diretrizes estão assim vazadas: ‘5.13. É vedada a utilização de métodos que causem assédio moral, medo ou constrangimento, tais como: a) estímulo abusivo à competição entre trabalhado-res ou grupos/equipes de trabalho; b) exigência de que os trabalhadores usem, de forma permanente ou temporária, adereços, acessórios, fantasias e vestimentas com o objetivo de punição, promoção e propaganda; c) exposição pública das avaliações de desempenho dos

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operadores.’ Configurado o assédio moral organizacional pela cobrança de metas abusivas e exposição vexatória dos Empregados, eis que o Réu expunha publicamente os empregados com relação ao cumprimento de metas, colocando nas respectivas mesas bandeiras para os que vendiam mais e bonecos em formato de tartaruga a sinalizar aqueles que não atingiam os objetivos. Inegável, portanto, o nexo causal com o adoecimento obreiro, em face do meio ambiente laboral. O estabelecimento de metas em busca de aumento do lucro das empresas é, até certo ponto, natural no sistema de mercado capitalista. Deve, contudo, pautar-se por critérios justos, claros e objetivos e, em especial, razoáveis, sem exposição do empregado à vergonha ou fragilização de seu estado emocional, respeitando os valores sociais do tra-balho e a dignidade da pessoa humana, princípios consagrados na Constituição de 1988. Recurso da Autora a que se dá provimento, no particular,para declarar que a enfermida-de guarda relação de causalidade com a prestação de serviços em favor do Reclamado.” (TRT 9ª R. – RO 0000632-63.2011.5.09.0002 – Rel. Ricardo Tadeu Marques da Fonseca – DJe 28.10.2014 – p. 163)

3017 – Salário – consulado geral da Itália – fixação em moeda estrangeira – variação cambial – redução do valor nominal recebido em moeda nacional – princípio da irredutibilidade – observação

“Consulado geral da Itália. Salário fixado em moeda estrangeira. Variação cambial. Redução do valor nominal recebido em moeda nacional. Irredutibilidade do salário. A ficha de registro de empregado e a CTPS informam o salário mensal no valor de R$ 6.900,22 (seis mil e nove-centos reais e vinte e dois centavos), em 02.03.2009, com a observação de o salário equiva-ler a dois mil duzentos e três euros e oitenta e quatro centavos. A variação cambial fez com que o valor de seus salários, em reais, sofresse oscilação. Por exemplo, o salário inicial de R$ 6.900,22 (seis mil e novecentos reais e vinte e dois centavos) foi reduzido para R$ 6.518, 95 (seis mil quinhentos e dezoito reais e noventa e cinco centavos) no período de julho a dezembro de 2009 e para R$ 5.800,50 (cinco mil e oitocentos reais e cinquenta centavos) no período de janeiro a abril de 2010, chegando ao valor de R$ 5.049,02 (cinco mil e quarenta e nove reais e dois centavos), em janeiro de 2012. Não se verifica nos recibos de pagamento valores maiores que os R$ 6.900,22 (seis mil e novecentos reais e vinte e dois centavos) contratados, conforme alega o réu como justificativa para a oscilação dos valores pagos, a demonstrar que o autor, de fato, sofreu redução salarial durante o decorrer do contrato. Assim, ainda que o réu demonstrasse ter mantido o pagamento nominal em euros, o que, frise-se, não foi feito, ainda assim o autor faria jus ao recebimento de diferenças salariais, por ter havido indubitável redução salarial desde o momento da contratação. O entendimento se justifica por proteger o empregado das incertezas geradas pela natural oscilação da taxa de câmbio. Recurso do réu a que se nega provimento, no particular.” (TRT 9ª R. – RO 0001781-54.2012.5.09.0004 – Rel. Ubirajara Carlos Mendes – DJe 11.11.2014 – p. 191)

Tributário

3018 – Anulatória de débito fiscal – desembaraço – classificação fiscal – ausência de erro – classificação fiscal da mercadoria importada

“Tributário. Anulatória de débito fiscal. Desembaraço. Classificação fiscal. Ausência de erro classificação fiscal da mercadoria importada. A classificação tarifária deve ser efetuada com

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base nos documentos que certifiquem a ausência de divergência da mercadoria importada descrita pelo importador e a pretendida pela autoridade fiscal. De acordo com os documen-tos acostados aos autos, logrou a apelante comprovar classificação da mercadoria importa-da, nos termos da lei de regência. Condenação em verba honorária fixada, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil. Apelação provida.” (TRF 3ª R. – AC 0003250-93.2007.4.03.6105/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 13.11.2014 – p. 418)

Transcrição Editorial SÍNTESE• Código de Processo Civil:“Art. 20. A sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios. Esta verba honorária será devida, também, nos casos em que o advoga-do funcionar em causa própria. (Redação dada pela Lei nº 6.355, de 1976)[...]§ 4º Nas causas de pequeno valor, nas de valor inestimável, naquelas em que não houver con-denação ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções, embargadas ou não, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)”

3019 – Contribuição para o Funrural – ação ordinária – produtor rural pessoa física – não incidência sobre a comercialização da produção – exigibilidade do tributo nos termos da Lei nº 10.256/2001 – descabimento – inconstitucionalidade declarada pelo STF

“Constitucional e tributário. Contribuição para o Funrural. Ação ordinária. Produtor rural pes-soa física. Não-incidência sobre a comercialização da produção. Exigibilidade do tributo nos termos da Lei nº 10.256/2001. Descabimento. Inconstitucionalidade declarada pelo Supre-mo Tribunal Federal. Inexistência de efeito repristinatório. Pedido procedente. Apelação pro-vida. 1. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos das Leis nºs 8.540/1992 e 9.528/1997 que impunham a Contribuição para o Funrural incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção do empregador rural pessoa física. 2. A Lei nº 10.256/2001 não tornou válida a cobrança da Contribuição para o Funrural porque, ainda que superveniente à Emenda Constitucional nº 20/1998, está fundada na mes-ma base de cálculo considerada inconstitucional. Precedentes desta Corte. 3. Inexistência de repristinação da Lei nº 8.212/1991 de modo a legitimar a cobrança da mencionada con-tribuição sobre a folha de salários. Art. 2º, § 3º, da LINDB. 4. Apelação provida.” (TRF 1ª R. – AC 0011299-62.2012.4.01.3500/GO – Rel. Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa – DJe 19.12.2014)

3020 – Dívida ativa – débitos inscritos – presunção relativa de liquidez e exigibilidade – comprovação de pagamento – guias Darf – extinção do crédito tributário

“Tributário. Débitos inscritos em dívida ativa. Presunção relativa de liquidez e exigibilidade. Comprovação de pagamento. Guias Darf. Extinção do crédito tributário. Art. 156, inciso I, do CTN. 1. O pagamento é a forma usual de extinção do crédito tributário, consistente na entrega ao sujeito ativo da quantia correspondente ao objeto da obrigação, conforme pre-visto nos arts. 156, inciso I, e 157 a 164 do CTN. 2. Segundo expressa dicção do art. 204 do CTN, a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Essa presunção, todavia, é relativa (juris tantum), podendo ser ilidida por meio de prova robusta e inequívoca em contrário. 3. No caso vertente, os débitos inscritos em dívida ativa foram

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previamente quitados nas datas aprazadas, conforme cópias autenticadas das guias de re-colhimento, cujos valores coincidem exatamente com os montantes exigidos pela Fazenda Pública, não havendo sequer equívoco quanto ao preenchimento dos códigos dos tributos e consectários. 4. A alegação de que o sistema informatizado da Receita Federal não reconhe-ceu o pagamento não tem o condão de descaracterizar a robusta prova trazida pela autora. Aliás, houvesse o reconhecimento do adimplemento por parte do sistema de controle, seria desnecessário o ajuizamento da presente ação. 5. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AC 0007814-33.2007.4.03.6100/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Mairan Maia – DJe 14.11.2014 – p. 1446)

Comentário Editorial SÍNTESEIniciamos este comentário passando por um breve conceito sobre a Certidão de Dívida Ativa, que nada mais é que um título executivo extrajudicial que sustenta uma execução fiscal, normatizada pela Lei nº 6.830/1980. A doutrina já é pacífica quanto ao caráter de ato administrativo atribuído à Certidão de Dívida Ativa, tendo em vista que estão nela presentes todos os elementos e pressupostos próprios desta espécie de ato.O Professor Hely Lopes Meirelles já asseverou em seus estudos que ato administrativo é “toda manifestação unilateral de vontade da Administração que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 153). Já o ilustre doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello conceituou como “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas comple-mentares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional” (Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 385).Assim, podemos afirmar que a Certidão de Dívida Ativa é uma declaração do Estado sobre a existência de seu direito creditório em desfavor de um determinado administrado, face à ocorrên-cia do fato gerador da obrigação tributária ou do ilícito que resulte na aplicação da penalidade pecuniária, assim como de outras obrigações de cunho pecuniário, estando sujeita a controle de legitimidade pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do exercício da prerrogativa de autotutela pela própria Administração. Desta forma, fica claro que a Certidão de Dívida Ativa é sim um ato administrativo, sendo dou-trinado pelo regime jurídico administrativo.Sob outra perspectiva, é sabido que a CDA, como título executivo extrajudicial, justifica a pro-positura de uma ação executiva, sendo que qualquer vício que macula este ato administrativo afeta, em tese, diretamente à tramitação desta ação.No acórdão em comento, temos uma ação de conhecimento, processada sob o rito comum or-dinário, ajuizada por uma empresa em face da União Federal, visando à declaração de nulidade da inscrição em dívida ativa nº 80.2.06.088447-62, em vista do pagamento tempestivo dos créditos tributários subjacentes.Regularmente citada, a União Federal contestou o feito.A sentença julgou procedente o pedido e foram fixados honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa.Em apelação, a União Federal pugnou a reforma da decisão.Com contrarrazões, os autos foram remetidos ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que iniciou seu julgamento afirmando que o pagamento é a forma usual de extinção do crédito tributário, consistente na entrega ao sujeito ativo da quantia correspondente ao objeto da obriga-ção, conforme previsto nos arts. 156, inciso I, e 157 a 164 do CTN, senão vejamos:“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:I – o pagamento;[...]Art. 157. A imposição de penalidade não ilide o pagamento integral do crédito tributário.

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[...]Art. 164. A importância de crédito tributário pode ser consignada judicialmente pelo sujeito passivo, nos casos:I – de recusa de recebimento, ou subordinação deste ao pagamento de outro tributo ou de pena-lidade, ou ao cumprimento de obrigação acessória;II – de subordinação do recebimento ao cumprimento de exigências administrativas sem fun-damento legal;III – de exigência, por mais de uma pessoa jurídica de direito público, de tributo idêntico sobre um mesmo fato gerador.§ 1º A consignação só pode versar sobre o crédito que o consignante se propõe pagar.§ 2º Julgada procedente a consignação, o pagamento se reputa efetuado e a importância consig-nada é convertida em renda; julgada improcedente a consignação no todo ou em parte, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.”A Nobre Desembargadora Federal, Mairan Maia, continuou asseverando que o sujeito passivo deve providenciar o pagamento independentemente de cobrança, dentro do vencimento estabe-lecido, nos termos da legislação vigente. Não sendo integralmente pago no prazo, o crédito é acrescido de juros de mora, sem prejuízo das penalidades cabíveis.Destacou ainda que, ocorrendo a extinção do crédito pelo pagamento, extingue-se a relação obrigacional tributária, não havendo mais que se falar em direito da autoridade administrativa em efetuar o lançamento.No entanto ela lembra que, por outro lado, segundo expressa dicção do art. 204 do CTN, a dívida ativa regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez. Essa presunção, todavia, é relativa (juris tantum), podendo ser ilidida por meio de prova robusta e inequívoca em contrário. Confira-se a redação do dispositivo:“Art. 204. A dívida regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez e tem o efeito de prova pré-constituída.Parágrafo único. A presunção a que se refere este artigo é relativa e pode ser ilidida por prova inequívoca, a cargo do sujeito passivo ou do terceiro a que aproveite.”Nesse sentido, a Ilustre Magistrada destacou o seguinte julgado do C. STJ:“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMEN-TO – EXECUÇÃO FISCAL – CERTIDÃO POSITIVA DE DÉBITO COM EFEITOS DE NEGATIVA – CPD-EN – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO A PEDIDO DA FAZENDA NACIONAL – FUNDADA DÚVIDA SOBRE A EXISTÊNCIA DO DÉBITO EXEQUENDO1. A decisão do Tribunal de origem de que as inscrições em Dívida Ativa, no caso concreto, são insuficientes para obstar o indeferimento da CPD-EN levou em consideração peculiaridade do conjunto fático-probatório, referente à pendência de procedimento administrativo no qual se refuta alegado pagamento informado pelo contribuinte, cujo reexame é inviável ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.2. Embora a Certidão de Dívida Ativa goze de presunção de certeza e liquidez, esta presunção pode ser ilidida mediante a comprovação de situação de fato que infirme a exigibilidade do crédi-to a que se refere o título executivo. No caso dos autos, as instâncias ordinárias entenderam que a suspensão do processo de execução requerida pela Fazenda Nacional, para fins de verificação das relevantes alegações expendidas pela excipiente (relativas ao pagamento), mostrou-se sufi-ciente para afastar a presunção de exigibilidade da CDA até a manifestação conclusiva pelo fisco sobre a existência da dívida cobrada. Nesse sentido: EDcl-AgRg-REsp 941.305/PE, de minha relatoria, julgado em 04.06.2009, DJe 17.06.2009.Incidência da Súmula nº 83/STJ.3. Agravo regimental não provido.” (AgRg-Ag 1007141/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 25.08.2009, DJe 03.09.2009)No caso dos autos, a Desembargadora lembra que foram apontados débitos relativos ao Imposto de Renda, nos valores de R$ 690,00 (rendimentos de royalties e aluguéis) e R$ 539,43 (rendi-mentos de trabalho assalariado), acompanhados das respectivas multas de ofício (R$ 517,50 e R$ 404,57), bem assim de outras diferenças a título de multa de mora (R$ 50,47; R$ 36,09; R$ 24,15; e R$ 11,49).Ocorre, no entanto, que tais débitos foram efetivamente quitados nas datas aprazadas, conforme cópias autenticadas das guias de recolhimento, anexadas às fls. 32 e seguintes dos autos, cujos

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valores coincidem exatamente com os montantes exigidos pela Fazenda Pública, não havendo sequer equívoco quanto ao preenchimento dos códigos dos tributos e consectários, conforme se depreende da planilha de relação de débitos apresentada à fl. 73.No entendimento da ilustre Julgadora, a alegação da recorrente, no sentido de que seu sistema informatizado não reconheceu o pagamento, em nada lhe socorre, não tendo o condão de des-caracterizar a robusta prova trazida pela autora. Aliás, houvesse o reconhecimento do adimple-mento por parte do sistema de controle da Receita Federal, seria desnecessário o ajuizamento da presente ação.Inclusive cita neste sentido precedente desta E. Turma:“AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECISÃO QUE DETERMINOU O BLOQUEIO DE ATIVOS FINAN-CEIROS SEM CONSIDERAR O PAGAMENTO PARCIAL DO DÉBITO – AGRAVO PARCIALMENTE PROVIDO1. O MM. Juiz de 1º Grau houve por bem determinar o bloqueio de eventual numerário em nome da executada depositado em instituições financeiras, até o limite do débito executado atualizado.2. Há nos autos tanto o Darf de pagamento do principal, como as telas de sistema que demons-tram a tentativa de utilização dos benefícios da Lei nº 11.941/2009, na modalidade de paga-mento à vista com a utilização de prejuízos fiscais – note-se, não se trata de parcelamento – para a quitação dos consectários legais. E, instada a se manifestar, a Fazenda limitou-se a responder que seu sistema não reconhecia o pagamento – o mesmo sistema cuja inconsistência é o motivo da insurgência da executada.3. Demonstrada a boa-fé da executada quanto ao pagamento, tanto que requereu seu reconhe-cimento por várias vezes, desde 2009, e durante o prazo para a consolidação.4. Não é viável, contudo, nesta sede, determinar a extinção do débito e da execução, em não se sabendo da eventual existência de saldo devedor remanescente.5. Por fim, na gradação do art. 655 do Código de Processo Civil o ‘dinheiro’ figura em primeiro lugar, de modo que o uso do meio eletrônico para localizá-lo é medida ‘preferencial’, como soa o art. 655-A, inexistindo na lei qualquer condicionamento no sentido de que ‘outros bens’ devem ser perscrutados para fins de constrição ‘antes’ do dinheiro (REsp 1269156/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 01.12.2011, DJe 09.12.2011).6. Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar que a exequente acolha o pa-gamento realizado às fls. 106/115 como tendo sido feito nos termos da Lei nº 11.941/2009; promova a inclusão do débito pago no sistema, com os benefícios da citada lei, e abata esse montante da dívida cobrada, informando ao Juízo a eventual existência de saldo devedor.7. Embargos de declaração e pedido de reconsideração prejudicados.” (TRF 3ª R., 6ª T., AI 0011661-34.2012.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Johonsom Di Salvo, Julgado em 14.08.2014, e-DJF3 Judicial 1 Data: 22.08.2014)”A Nobre Desembargadora, para reforçar seu entendimento, destacou o seguinte excerto da de-cisão supra:“Entretanto, é exatamente o fato de não ter havido alocação do Darf utilizado para pagamento do principal da dívida e não ter sido possível a utilização dos prejuízos fiscais para multa e juros, por inconsistências no site, que levou a executada a apresentar sua exceção de pré-executividade. É natural que o sistema da Receita não acuse o pagamento – se o acusasse, não haveria necessi-dade de oposição da executada. Mas, não é o simples fato de a Receita não acusar o pagamento que deve levar o Judiciário a acolher essa alegação.”Entendeu então que, uma vez comprovado o recolhimento integral e tempestivo dos tributos e demais consectários, irreparável o reconhecimento da causa de extinção do crédito estampada no art. 156, inciso I, do Código Tributário Nacional, impondo-se a manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.Assim, diante de todo o explanado, deu provimento à apelação.

3021 – Execução fiscal – créditos inscritos na dívida ativa – prescrição – arts. 219, § 5º, do CPC e 1º da Lei nº 6.830/1980 – tributos sujeitos ao lançamento por homolo-gação

“Tributário. Execução fiscal. Créditos inscritos na dívida ativa. Prescrição. Arts. 219, § 5º, do CPC e 1º da Lei nº 6.830/1980. Tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Prescri-

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ção anterior ao ajuizamento da execução. Súmula nº 409 do STJ. 1. Trata-se de apelação da Fazenda Nacional, interposta em execução fiscal visando à cobrança de créditos inscritos em dívida ativa, tendo a sentença julgado extinto o processo, com fulcro nos arts. 219, § 5º, do CPC e 1º da Lei nº 6.830/1980, pela ocorrência da prescrição (art. 156, V, do CTN). 2. Cobrança do crédito tributário: prescrição em cinco anos, sendo o termo inicial para a contagem do prazo da constituição definitiva do aludido crédito (art. 174, caput, do CTN). 3. Tributos sujeitos ao lançamento por homologação: crédito constituído a partir da entrega da Declaração de Débitos e Créditos Federais – DCTF ou de outra declaração pelo contri-buinte que evidencie o reconhecimento da dívida, ficando dispensada a Fazenda Pública de qualquer outra providência conducente à formalização do valor declarado. Precedentes do eg. STJ (Primeira Turma, AgRg-AREsp 32.131, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.02.2013, e Primeira Seção, sob o rito do 543-C do CPC, REsp 962.379, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28.10.2008). Enunciado nº 436 da súmula do eg. STJ. 4. Constituído o crédito, inicia-se o prazo quinquenal do fisco para a cobrança, cujo marco inicial é a data da entrega do documento declaratório ou a partir do vencimento da obrigação se este for pos-terior àquela data. 5. Créditos constituídos entre 9.1990 e 6.1991. Ajuizamento da ação em 04.07.1997. Lapso prescricional transcorrido anteriormente à propositura da execução fiscal. Incidência da Súmula nº 409 do STJ. Precedente desta Corte (TRF2, Quarta Turma Especia-lizada, AC 2002.5101.516794-5, Rel. Des. Fed. Luiz Antônio Soares, e-DJF2R 10.12.2013). 6. Remessa necessária e apelação não providas.” (TRF 2ª R. – Ap-RE 2010.51.20.003068-4 – (570906) – 3ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro – e-DJF2R 03.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESENo conflito ora comentado, o acórdão cuidou de uma remessa necessária e apelação interposta pela União Federal/Fazenda Nacional contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Nova Iguaçu/RJ, que extinguiu o processo, com fulcro nos arts. 219, § 5º, e 269, IV, ambos do CPC, considerando a ocorrência da prescrição, em face do transcurso do período de 15 (quinze) anos desde o ajuizamento da ação sem que o executado tenha sido citado.A despeito da ilegibilidade da petição inicial da ação executiva e da CDA, compulsando os autos, extrai-se que a presente execução foi proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em 04.07.1997, visando à cobrança dos valores descritos no Discriminativo de Débito Inscrito, decorrentes de tributos não pagos, com vencimentos entre 09.1990 e 06.1991.Insurge-se a Fazenda Nacional, alegando que a paralisação do feito não pode ser imputada a comportamentos de sua autoria, haja vista a intensa movimentação em busca do credor.O Ministério Público se manifestou pelo não provimento do recurso.Ao julgar, o Exmo. Sr. Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro (Relator), que representou o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, iniciou as suas colocações frisando que a hipóte-se em questão refere-se à cobrança pela Fazenda Nacional de créditos inscritos em dívida ativa, que totalizaram, à época do ajuizamento, o montante de R$ 47.117,44.Lembrou o douto Desembargador que a prescrição é a perda do direito de pleitear judicialmente o reconhecimento ou a satisfação de um direito, atingindo não apenas a ação para cobrança do crédito tributário, mas a própria relação material tributária.Neste diapasão, o CTN estabelece que a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, sendo o termo inicial para a contagem do prazo prescricional o da constituição definitiva do aludido crédito (art. 174, caput), senão vejamos:“Código Tributário Nacional:Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”Relativamente aos tributos sujeitos ao lançamento por homologação, o crédito constitui-se a par-tir da entrega da Declaração de Débitos e Créditos Federais – DCTF ou de outra declaração pelo

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contribuinte que evidencie o reconhecimento da dívida, ficando dispensada a Fazenda Pública de qualquer outra providência conducente à formalização do valor declarado.Precedentes do eg. STJ (1ª Turma, AgRg-AREsp 32.131, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 21.02.2013; e 1ª Seção, sob o rito do 543-C do CPC, REsp 962.379, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 28.10.2008).Sobre o tema, o Enunciado Sumular nº 436 do STJ:“A entrega da declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco.”Então o nobre Desembargador destaca que, constituído o crédito, inicia-se o prazo quinquenal do Fisco para a cobrança do montante devido, cujo termo a quo é a data da entrega do docu-mento declaratório ou a partir do vencimento da obrigação se este for posterior àquela data. Iniciado o prazo, somente será interrompido nas hipóteses do parágrafo único do art.174 do CTN, que assim determina:“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.Parágrafo único. A prescrição se interrompe:I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal; (Redação dada pela LCP 118, de 2005)II – pelo protesto judicial;III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”No caso dos autos, os créditos foram constituídos entre os meses de 09/1990 e 06/1991, que correspondem aos termos iniciais do prazo prescricional de cada parcela cobrada.Não obstante, considerando que a presente ação foi ajuizada apenas em 04.07.1997, há que se reconhecer a ocorrência da prescrição, pois entre a data da constituição definitiva dos créditos tributários e a propositura da demanda transcorreu prazo superior aos 5 (cinco) anos previstos nos art. 174 do CTN.Destacou, então, que, extinto o crédito pela prescrição antes do ajuizamento da execução fiscal, incide o disposto no art. 219, § 5º, do CPC, e no Verbete nº 409 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, cuja redação dispõe que, “em execução fiscal, a prescrição ocorrida antes da propo-situra da ação pode ser decretada de ofício”.Para reforçar o seu entendimento, citou julgado desta Corte:“EXECUÇÃO FISCAL – PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA – AÇÃO NÃO FOI PRO-POSTA NO PRAZO DO ART. 174 DO CTN – INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 106 DO STJ[...]2. Contando-se cinco anos a partir do lançamento mais recente, qual seja, 31 de janeiro de 1997, verifica-se que a prescrição ocorreria em 31 de janeiro de 2002. 3. Considerando a data da propositura da demanda, aplica-se ao caso o disposto no art. 174, I, do CTN, antes das modificações introduzidas pela Lei Complementar nº 118/2005, de modo que a prescrição apenas se interromperia pela efetiva citação do executado, o que se torna irrele-vante, nesse caso, pois a pretensão executória já se encontrava prescrita à época do ajuizamento da cobrança, em 3 de abril de 2002.4. Inaplicabilidade das disposições contidas no art. 219, § 1º, do CPC e na Súmula nº 106 do STJ.5. Apelação não provida.” (TRF 2ª R., AC 2002.5101.516794-5, 4ª Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Luiz Antônio Soares, e-DJF2R 10.12.2013)Assim sendo, a sentença não merece reforma, eis que proferida em consonância com a legisla-ção e jurisprudência acerca da matéria, motivo pelo qual o egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento à apelação.

3022 – IR – repetição de indébito – prazo prescricional

“Tributário. Repetição de indébito. Imposto de Renda. Prazo prescricional. LC 118/2005. Imprescritibilidade da ação declaratória e termo inicial quando da declaração de ajuste.

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Falta de prequestionamento. Súmula nº 211/STJ. Indevida inovação recursal. 1. Cuida-se, na origem, de ação de repetição de indébito tributário relativo à incidência de Imposto de Renda sobre os rendimentos de benefício previdenciário pago em atraso. 2. Ao contrário do que afirma o agravante, a sentença de procedência foi reformada pelo Tribunal a quo, em razão do reconhecimento da prescrição integral dos créditos controvertidos, por força da incidência da LC 118/2005. É o que revela a ementa do acórdão recorrido: ‘1. Aplicabili-dade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09.06.2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anteriormente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação [...]. 3. Em razão do reconhecimento da prescrição integral dos créditos, impõe-se a inversão dos ônus sucumbenciais’ (fl. 373). 3. Em julgamento sob o regime do art. 543-C do CPC, o STJ acompanhou a orientação defi-nida pelo STF e assentou que são aplicáveis os ditames da LC 118/2005 às ações ajuizadas após o início da vigência do aludido diploma, ainda que o indébito tributário lhe seja ante-rior (REsp 1.269.570/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 04.06.2012). 4. Não se pode conhecer, entretanto, da matéria debatida no agravo regimental, por repre-sentar indevida inovação recursal, além de não ter sido objeto de prequestionamento (Sú-mula nº 211/STJ). O acórdão recorrido não enfrentou a tese da alegada imprescritibilidade pela natureza declaratória da ação, nem tampouco aquela relacionada à postergação do termo inicial do prazo de prescrição quando os valores tributados na fonte encontram-se sujeitos a posterior ajuste anual. 5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.474.034 – (2014/0201017-1) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 31.10.2014 – p. 644)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo regimental contra decisão que negou seguimento a recurso especial interpos-to contra acórdão assim ementado: “TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA – PRESCRIÇÃO – LC 118/2005 – ÔNUS SUCUMBENCIAIS – INVERSÃO.1. Aplicabilidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09.06.2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anterior-mente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação.2. Hipótese em que o direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos foi atingido pela prescrição.3. Em razão do reconhecimento da prescrição integral dos créditos, impõe-se a inversão dos ônus sucumbenciais. O agravante sustenta que a prescrição declarada pelo Tribunal a quo atin-giu apenas parte do crédito pleiteado na ação de repetição de indébito. Assevera que ‘não estão prescritos, por exemplo, os créditos derivados da declaração de ajuste cujo termo se deu em 30.04.2006’ (fl. 470). Requer a reconsideração do decisum ou a submissão do feito à Turma (fls. 469-471).É o relatório.”O Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamin (Relator), ao analisar o agravo, frisou que na origem, o conflito tratou de ação de repetição de indébito tributário relativo à incidência de imposto de renda sobre os rendimentos de beneficio previdenciário pago em atraso.E iniciou contrariando o agravante, ao afirmar que ao contrário do que afirma o agravante, a sentença de procedência foi reformada pelo Tribunal a quo, em razão do reconhecimento da prescrição integral dos créditos controvertidos. Senão vejamos:“TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA – PRESCRIÇÃO – LC 118/2005 – ÔNUS SUCUMBENCIAIS – INVERSÃO.1. Aplicabilidade dos arts. 3º e 4º da Lei Complementar nº 118/2005, relativamente às ações ajuizadas a partir de 09.06.2005. Extinção do direito de pleitear as parcelas recolhidas anterior-mente aos cinco anos que antecedem a propositura da ação.

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2. Hipótese em que o direito à restituição dos valores indevidamente recolhidos foi atingido pela prescrição. 3. Em razão do reconhecimento da prescrição integral dos créditos, impõe-se a inversão dos ônus sucumbenciais.”No recurso especial, o ora agravante suscitou apenas a existência de dissenso jurisprudencial quanto à questão da aplicabilidade do termo inicial do prazo prescricional, nos moldes da LC 118/2005.Diante de tal fato, o ilustre Ministro destaca que a decisão agravada encontra-se em consonância com jurisprudência pacífica do STJ, ratificada sob o regime do art. 543-C do CPC. Para o Ministro, a irresignação não merece acolhida, dado que em julgamento sob o regime do art. 543-C do CPC, o STJ acompanhou a orientação definida pelo STF e assentou que são aplicáveis os ditames da LC 118/2005 às ações ajuizadas após o início da vigência do aludido diploma, ainda que o indébito tributário lhe seja anterior. Confira-se: “CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTRO-VÉRSIA (ART. 543-C DO CPC) – LEI INTERPRETATIVA – PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA A REPETIÇÃO DE INDÉBITO NOS TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO – ART. 3º DA LC 118/2005 – POSICIONAMENTO DO STF – ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ – SUPERADO ENTENDIMENTO FIRMADO ANTERIORMENTE TAMBÉM EM SEDE DE RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.[...]2. No entanto, o mesmo tema recebeu julgamento pelo STF no RE 566.621/RS, Plenário, Relª Min. Ellen Gracie, J. 04.08.2011, onde foi fixado marco para a aplicação do regime novo de prazo prescricional levando-se em consideração a data do ajuizamento da ação (e não mais a data do pagamento) em confronto com a data da vigência da lei nova (09.06.2005).3. Tendo a jurisprudência deste STJ sido construída em interpretação de princípios constitucio-nais, urge inclinar-se esta Casa ao decidido pela Corte Suprema competente para dar a palavra final em temas de tal jaez, notadamente em havendo julgamento de mérito em repercussão geral (arts. 543-A e 543-B do CPC). Desse modo, para as ações ajuizadas a partir de 09.06.2005, aplica-se o art. 3º da Lei Complementar nº 118/2005, contando-se o prazo prescricional dos tri-butos sujeitos a lançamento por homologação em cinco anos a partir do pagamento antecipado de que trata o art. 150, § 1º, do CTN.4. Superado o recurso representativo da controvérsia REsp 1.002.932/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Luiz Fux, J. 25.11.2009.5. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008. (REsp 1.269.570/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 04.06.2012).Como o Tribunal a quo decidiu que todo o crédito pleiteado fora alcançado pela prescrição, não houve prequestionamento acerca da tributação dos juros. Incide, nesse ponto, o óbice da Súmula nº 211/STJ.Diante do exposto, nos termos do art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso es-pecial.” É certo que o agravante não se insurge contra a orientação pacífica do STJ.No entendimento do nobre Ministro, não se pode conhecer, entretanto, da matéria debatida no agravo regimental, por representar indevida inovação recursal, além de não ter sido objeto de prequestionamento (Súmula nº 211/STJ).O acórdão recorrido não enfrentou a tese da alegada imprescritibilidade pela natureza declarató-ria da ação, nem tampouco aquela relacionada ao termo inicial do prazo de prescrição quando os valores tributados na fonte encontram-se sujeitos a posterior ajuste anual. Assim, com base em todo o exposto, o eg. Superior Tribunal de Justiça conheceu parcialmente do agravo regimental e, nessa parte, negou-lhe provimento.

3023 – IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis Líquidos e Gasosos) – con-sonância da decisão recorrida com a jurisprudência cristalizada no STF

“Direito tributário. Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis Líquidos e Gasosos. Consonância da decisão recorrida com a jurisprudência cristalizada no Supremo Tribunal

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������223

Federal. Recurso extraordinário que não merece trânsito. Acórdão recorrido publicado em 19.12.2013. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do que assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribu-nal Federal. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. Agravo regimental conhecido e não provido.” (STF – AgRg-RE-Ag 814.488 – Rio de Janeiro – 1ª T. – Relª Min. Rosa Weber – J. 04.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão ora comentado, insurge-se contra a decisão agravada, ao argumento de que a viola-ção dos preceitos da Constituição Federal se dá de forma direta. O agravante insiste na afronta ao art. 156, III, da Constituição Federal, alegando que:“[...] a quantidade de combustível envolvida na transação é irrelevante para fins de tributação. O que importa para a caracterização do fato gerador do IVVC é que a venda de combustíveis seja feita ao seu consumidor final, que o adquire para benefício próprio e não com a intenção de revenda.”A senhora Ministra Rosa Weber (Relatora) conhece do agravo regimental ao verificar preenchidos os pressupostos genéricos.Quanto ao mérito, a Ilustre Magistrada, que neste julgamento representa o eg. Supremo Tribunal Federal, afirma nada acolher o agravo.Em sua explanação, cita que, conforme consignado, o entendimento adotado no acórdão re-corrido não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, razão pela qual não há falar em afronta aos preceitos constitucionais invocados no recurso, a teor da decisão que desafiou o agravo, verbis:“Vistos etc.Contra o juízo negativo de admissibilidade do recurso extraordinário, exarado pela Presidência do Tribunal a quo, foi manejado agravo. Na minuta, sustenta-se que o recurso extraordinário reúne todos os requisitos para sua admissão. Aparelhado o recurso na violação do art. 156, III, da Constituição Federal.É o relatório. Decido. Preenchidos os pressupostos extrínsecos. Da detida análise dos fundamentos da decisão denegatória de seguimento do recurso extraor-dinário, bem como à luz das razões de decidir adotadas pelo Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do recurso veiculado na instância ordinária, concluo que nada colhe o agravo. O entendimento adotado no acórdão recorrido não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal, sentido de que a aquisição de combustível em grande quanti-dade diretamente das distribuidoras de petróleo não pode ser considerada venda a varejo, razão pela qual não se divisa a alegada ofensa aos dispositivos constitucionais suscitados. Nesse sentido:“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL – ALEGADA IMPOSSIBILIDADE DE CONHECI-MENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – DEFICIÊN-CIA DAS RAZÕES RECURSAIS POR GENÉRICAS E INESPECÍFICAS – SÚMULAS NºS 356 E 284/STF – IMPROCEDÊNCIA – 1. A matéria constitucional versada no recurso extraordinário foi prequestionada. Em sentido semelhante, é possível compreender a controvérsia constitucio-nal posta ao crivo da Corte. Ausência dos vícios formais elencados. CONSTITUCIONAL – TRI-BUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE VENDA DE COMBUSTÍVEIS A VAREJO – IVVC – VALIDADE – 2. Segundo orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, é desnecessária a prévia existên-cia de lei complementar de normas gerais em matéria tributária como condição para instituição do IVVC. 3. Ainda segundo esta Corte, o tributo só poderia ‘ser cobrado nas vendas feitas pelos revendedores (Postos de Gasolina etc.) aos consumidores finais’ (RE 140.612, Rel. Min. Sydney Sanches, RTJ 181/264). Em sentido diverso, o acórdão recorrido afastou a validade da regra-matriz de incidência tributária, sem distinguir entre as operações de venda a varejo das operações de grande monta aos consumidores. 4. O IVVC e o ICMS são tributos diversos, com regras-matrizes próprias, de modo que não se configura ‘duplicidade de fatos geradores’.

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224 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (RE 254893-AgRg, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 2ª Turma, DJe 30.04.2010)“DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE VENDAS A VAREJO DE COM-BUSTÍVEIS LÍQUIDOS E GASOSOS (ART. 156, INCISO III, DA CF DE 05.10.1988) – 1. O Muni-cípio de Manaus, Estado do Amazonas, ao instituir o Imposto sobre Vendas a Varejo de Combus-tíveis Líquidos e Gasosos (IVV), de que tratava o inciso III do art. 156 da CF de 05.10.1988, em sua redação originária, dispôs no art. 21 e seu parágrafo único da Lei nº 1.990, de 01.12.1988: ‘Art. 21. O Imposto sobre Vendas a Varejo de Combustíveis Líquidos e Gasosos (IVV) incide sobre a venda destes produtos, a varejo, efetuada por qualquer estabelecimento. Parágrafo único. En-tende-se por Venda a Varejo, a efetuada diretamente a consumidor, independente da quantidade, da forma de acondicionamento dos produtos vendidos’. 2. Não pode, porém, ser considerada venda a varejo aquela efetuada diretamente pelas Distribuidoras de Petróleo a ‘Grande Consu-midor’, como é o caso da ‘Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A. – Eletronorte’, que delas adquire, em média mensal, 18.500.000 toneladas de combustível, para consumo próprio em suas usinas térmicas. 3. Conceito de ‘Venda a Varejo’, segundo a doutrina e o Conselho Nacional de Petróleo. 4. Havendo o Tribunal de Justiça do Amazonas deferido Mandado de Segurança à impetrante, para eximi-la do pagamento do IVV, o STF, em sessão plenária, por maioria de votos, não conhecendo do R.E., mantém o aresto recorrido e declara a inconstitucionalidade do art. 21 e seu parágrafo único da Lei nº 1.990, de 01.12.1988, do Município de Manaus, Amazonas. 5. Voto vencido do Ministro Sepúlveda Pertence.” (RE 140612, Rel. Min. Sydney Sanches, 1ª Turma, DJ 08.03.2002)Nesse sentir, não merece processamento o apelo extremo, consoante também se denota dos fun-damentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República. Nego seguimento (art. 21, § 1º, do RISTF).”No entendimento da nobre Ministra Rosa Weber, irrepreensível é a decisão agravada, e as razões do agravo regimental não são aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agra-vada, mormente no que se refere à ausência de ofensa direta e literal a preceito da Constituição da República.Desta forma, o eg. Supremo Tribunal Federal conheceu do agravo regimental, mas lhe negou provimento.

3024 – Pena de perdimento – omissão de mercadorias importadas – verba honorária – redução – apelação parcialmente provida

“Tributário. Apelação. Omissão de mercadorias importadas. Pena de perdimento. Verba honorária. Redução. Apelação parcialmente provida. 1. Trata-se de apelação, em ação or-dinária, objetivando a anulação da decisão proferida em processo administrativo que, con-siderando que houve omissão de declaração de mercadorias importadas, aplicou a pena de perdimento. 2. Uma vez que o escopo do legislador foi punir o importador que tem a intenção de ludibriar a fiscalização aduaneira e, consequentemente, gerar dado ao Erário Público, é preciso se atentar a dois elementos. São eles: (i) a conduta dolosa do agente, e (ii) o efetivo dano aos cofres da União. 3. Em relação à verba honorária, esta Turma tem seguido a orientação do STJ de que a condenação do ente público deve ser apreciada, nos moldes do § 4º do art. 20 do CPC, respeitado o mínimo de 1%. No caso concreto, conside-rada a existência de remessa oficial, entendo que a verba honorária deve ser reduzida para R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 4. Apelação parcialmente provida.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0009861-57.2001.4.03.6110/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Mônica Nobre – DJe 24.11.2014 – p. 450)

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Clipping Jurídico

Surdez unilateral não dá direito a concorrer a vagas reservadas

Candidato com deficiência auditiva em um dos ouvidos – surdez unilateral – não tem direito a concorrer às vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais em concurso público. Com esse entendimento, consolidado pela jurisprudência dos tri-bunais superiores, a 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) deu provimento a agravo de instrumento e reformou decisão de primeira instância que havia assegurado, em medida liminar, o direito de um candidato tomar posse no cargo de Assistente em Administração no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul (IFMS) como portador de necessidades especiais. De acordo com o Relator, Desembargador Federal Jonhsom Di Salvo, o exame pré-admissional consta-tou que o candidato sofre de disacusia neurossensorial moderada na orelha esquerda caso de surdez unilateral, o qual não se enquadra nos termos da legislação atual, como deficiente para concorrer às vagas destinadas a esta categoria. O julgado esclarece que a questão já foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão apresenta jurisprudência do STF, na qual, ao analisar caso semelhante, o Ministro Gilmar Mendes apresentou voto com o seguinte entendimento: ”Decreto nº 3.298/99, que regulamenta a Lei nº 7.853/1989, ao dispor sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, qualificou como deficiência auditiva a perda bilateral, par-cial ou total, de 41 decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz. Jonhsom Di Salvo concluiu que, por si só, a perda auditiva unilateral não é condição apta a qualificar o candidato a concorrer às vagas destinadas aos portadores de deficiência”. O magistrado acrescentou que o en-tendimento atual do Superior Tribunal de Justiça (STJ) segue no mesmo sentido. Nº do Processo: 0013041-24.2014.4.03.0000. Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Policial civil será indenizado por jornada excessiva de trabalho

Decisão da Vara do Juizado Especial Cível e Criminal da Comarca de Jales, determinou que a Fazenda Pública deve indenizar policial civil que trabalhou 24 horas em escala de plantão ininterrupta durante vários meses, entre 2009 e 2014. O valor fixado foi de R$ 14,4 mil. Para o Juiz Fernando Antonio de Lima, por ter sido o autor submetido a jornadas excessivas, teve parte de seus projetos de vida, como lazer, estudos, atividades culturais e religiosas e convívio familiar prejudicados, sendo devida a indenização. “Consideradas as diferenças peculiares do trabalho na iniciativa privada e dos policiais civis, a Constituição Federal rechaça qualquer tentativa de impedir, aos trabalhadores privados, o trabalho em regime de semiescravidão, e o de permitir, aos trabalhado-res públicos, o trabalho em condições desumanas. Todos os trabalhadores são seres humanos. E todos gozam do direito a um mínimo existencial, uma cláusula-princípio constitucional, que proíbe trabalhos extenuantes, que cheguem perto de uma moderna escravidão.” Cabe recurso da decisão. Processo nº 0010798-17.2014.8.26.0297. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Notário pode pedir novo CNPJ ao assumir cartório em caráter originário

Entendimento é que o serviço notarial e de registro é prestado por pessoa física, não tendo o cartório personalidade jurídica própria. A 4ª Turma do Tribunal Regional Fede-ral da 3ª Região confirmou, por unanimidade, decisão da 12ª Vara Federal Cível de São

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226 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – CLIPPING JURÍDICO

Paulo que autorizou a expedição de CNPJ próprio a um notário recém-investido no car-go público, após aprovação em concurso público, em razão da outorga da delegação da função pública no Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas. O notário afirmou que, para viabilizar o exercício de sua função, requereu seu cadastro no CNPJ como responsável pelo exercício do serviço de tabelião, o que foi negado pela Receita Federal sob o argumento de que a inscrição deve ser feita em nome do cartório e não da pessoa física por ele responsável. Na decisão do TRF3, a Desembargadora Federal Monica Nobre, Relatora, explicou que a Constituição Federal dispõe, em seu art. 236, que os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, e que o ingresso na atividade depende de concurso público de pro-vas e títulos. Além disso, consta da Lei nº 8.935/94 que o notário e oficiais de registro são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro e responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos. Dessa forma, a relatora do acórdão entende que o serviço notarial e de registro é prestado por pessoa física, não tendo o cartório personalidade jurídica própria. A desembargadora também constatou que o notário foi investido no cargo público em caráter originário, não possuindo qual-quer vinculação com o notário anterior, sendo que o registro por esse efetuado junto à Receita Federal refere-se à pessoa física e não à serventia. Portanto, “a alegada impos-sibilidade da impetrante realizar novo registro, obrigando-a a utilizar o registro anterior no CNPJ, não encontra amparo legal”, afirmou a desembargadora. Ela citou, ainda, jurisprudência sobre o assunto: “O tabelionato não detém personalidade jurídica, res-pondendo pelos danos decorrentes dos serviços notariais o titular do cartório na época dos fatos. Responsabilidade que não se transfere ao tabelião posterior (STJ, AgRg-REsp 624.975/SC). Ela concluiu que a negativa da autoridade em negar a possibilidade de nova inscrição mostra-se abusiva, tendo em vista a finalidade do cadastro de facilitar o controle e a fiscalização da arrecadação dos tributos devidos, tais como encargos traba-lhistas e previdenciários. Nº do Processo: 0013486-12.2013.4.03.6100. Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Fechamento da Edição: 20�05�2015

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Resenha Legislativa

EMENDA CONSTITuCIONAL

eMendA constItucIonAl nº 88, de 07.05.2015 – dou 08.05.2015A EC altera o art. 40 da Constituição Federal de 1988, relativamente ao limite de idade para a aposentadoria compulsória do servidor público em geral, e acrescenta dispositivo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

LEIS

leI nº 13.112, de 30.03.2015Altera os itens 1º e 2º do art. 52 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, para permitir à mulher, em igualdade de condições, proceder ao registro de nascimento do filho.

leI nº 13.109, de 25.03.2015Dispõe sobre a licença à gestante e à adotante, as medidas de proteção à maternidade para militares grávidas e a licença-paternidade, no âmbito das Forças Armadas.

leI nº 13.107, de 24.03.2015Altera as Leis nºs 9.096, de 19 de setembro de 1995, e 9.504, de 30 de setem-bro de 1997, para dispor sobre fusão de partidos políticos.

leI nº 13.106, de 17.03.2015Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente, para tornar crime vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar bebida alcoólica a criança ou a adolescente; e revoga o inciso I do art. 63 do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 – Lei das Contravenções Penais.

Fechamento da Edição: 20�05�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGO DOuTRINÁRIO

• Responsabilidade Civil do Estado pelos Danos Praticados porApenados Fugitivos de Estabelecimento Penal

Valdirene Silveira Flain Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

O PaPel dO POder JudiciáriO na efetivaçãO de direitOs fundamentais

•O Novo Viés Constitucional do Poder Judiciário na Efetivação das Políticas Públicas e o Con-fronto entre a Teoria da Separação dos Pode-res, Reserva do Possível e o Mínimo Existencial (Thiago Felipe Cardoso) .......................................21

•The Contribution of the Federal Constitutio-nal Court to Democracy and Post-Democracy (Oliver Eberl) .........................................................9

Autor

Oliver eberl

•The Contribution of the Federal Constitutional Court to Democracy and Post-Democracy .............9

thiagO feliPe cardOsO

•O Novo Viés Constitucional do Poder Judiciário na Efetivação das Políticas Públicas e o Con-fronto entre a Teoria da Separação dos Pode-res, Reserva do Possível e o Mínimo Existencial...21

TEXTOS CLÁSSICOS

Assunto

tribunal cOnstituciOnal federal

• Informe al Pleno del Tribunal Constitucional Fe-deral sobre la Cuestión de su Estatus (GerhardLeibholz) .............................................................45

Autor

gerhard leibhOlz

• Informe al Pleno del Tribunal Constitucional Fe-deral sobre la Cuestión de su Estatus....................45

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

direitO cOnstituciOnal

•O Diálogo Constitucional numa Perspecti-va Brasileira: um Colóquio Contínuo entre os Três Poderes (Matheus Henrique dos Santos daEscossia) ..............................................................65

Autor

matheus henrique dOs santOs da escOssia

•O Diálogo Constitucional numa Perspectiva Brasileira: um Colóquio Contínuo entre os TrêsPoderes ................................................................65

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

direitOs fundamentais

•Concurso público – Pessoa portadora de defi-ciência – Reserva percentual de cargos e em-pregos públicos (CF, art. 37, VIII) – Ocorrência, na espécie, dos requisitos necessários ao reco-nhecimento do direito vindicado pela pessoa portadora de deficiência – Atendimento, no caso, da exigência de compatibilidade entre o estado de deficiência e o conteúdo ocupacional ou funcional do cargo público disputado, inde-pendentemente de a deficiência produzir difi-culdade para o exercício da atividade funcional – Inadmissibilidade da exigência adicional de a situação de deficiência também produzir “di-ficuldades para o desempenho das funções do cargo” – Parecer favorável da procuradoria-ge-ral da república – Recurso de agravo improvido – Proteção jurídico-constitucional e internacio-nal às pessoas vulneráveis – Legitimidade dos mecanismos compensatórios que, inspirados pelo princípio fundamental da dignidade pes-soal (CF, art. 1º, III), recompõem, pelo respeito à alteridade, à diversidade humana e à igual-dade de oportunidades, o próprio sentido de isonomia inerente às instituições republicanas hermenêutica e direitos humanos – O princí-pio da norma mais favorável como critério que deve reger a interpretação do Poder Judiciário(STF) ..........................................................2963, 84

EMENTÁRIO

Assunto

direitOs fundamentais

•Ampliação e melhoria no atendimento a ges-tantes – dever de assistência – papel do Poder Judiciário ...................................................2964, 96

•Benefício assistencial de prestação continua-da ao idoso e deficiente – constitucionalidade dos requisitos estabelecidos pelo legislador – modificações fáticas que tornaram a maté-ria inconstitucional ....................................2965, 96

•Dever do Poder Judiciário de intervir para efe-tivar direitos fundamentais – jurisprudência doSTF pacificada ...........................................2966, 97

•Dever do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas instituídas pela Constitui-ção – fiscalização da omissão do administrador ..................................................................2967, 97

•Laicidade do Estado – inexistência de crime em aborto de feto anencéfalo ..........................2968, 98

•Omissão do Estado que frustra direitos fun-damentais – necessidade de controle jurisdi-cional – designação de defensor público para prestar serviços de assistência judiciária em comarca não atendida ...............................2969, 98

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230 �������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Salário-maternidade – tutela antecipada – pos-sibilidade de concessão – preservação dos di-reitos fundamentais ..................................2970, 100

•Superlotação das cadeias – limitação do núme-ro de detentos – necessidade de preservação da dignidade humana ..............................2971, 101

•Toque de recolher – Juiz da Infância e Juventu-de – portaria que extrapola os limites do poder normativo ................................................2972, 102

•Décision nº 2010-613 DC .......................2973, 102

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

cidadania

•A Proposta de Cidadania Liberal Multicultural de Will Kymlicka (Larissa Tenfen Silva e Claudio Ladeira de Oliveira) ...........................................119

dePOimentO da vítima

•A Credibilidade do Depoimento da Vítima como Medida Eficaz no Combate à Violência contra as Mulheres (Pedro Henrique Messias e Silva e

Aurélia Carla Queiroga da Silva) .......................105

Autor

aurélia carla queirOga da silva e PedrO henrique messias e silva

•A Credibilidade do Depoimento da Vítima co- mo Medida Eficaz no Combate à Violência con-tra as Mulheres ..................................................105

claudiO ladeira de Oliveira e larissa tenfen silva e

•A Proposta de Cidadania Liberal Multiculturalde Will Kymlicka ...............................................119

larissa tenfen silva e claudiO ladeira de Oliveira

•A Proposta de Cidadania Liberal Multiculturalde Will Kymlicka ...............................................119

PedrO henrique messias e silva e aurélia carla queirOga da silva

•A Credibilidade do Depoimento da Vítima como Medida Eficaz no Combate à Violência con-tra as Mulheres ..................................................105

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

agravO regimental

•Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo – Administrativo – servidor – Con-

tribuição sindical – possibilidade – Art. 589 da CLT – Ausência do necessário prequestiona-mento – Súmulas nºs 282 e 356 do STF (STF) ................................................................2974, 133

aPreensãO de mercadOrias

•Tributário – Apreensão de mercadorias de pro-cedência estrangeira – Irregularidades na docu-mentação fiscal e contábil – Não comprovação da origem – Pena de perdimento (TRF 5ª R.) ................................................................2979, 168

aPOsentadOria POr temPO de serviçO/cOntribuiçãO

•Direito previdenciário – Agravo legal – art. 557, CPC – Aposentadoria por tempo de serviço/contribuição – Requisitos preenchidos – Ativi-dade especial comprovada – Agravo improvido(TRF 3ª R.) ...............................................2977, 154

descaminhO

•Processo penal – descaminho – prescrição da pretensão punitiva – extinção da punibilidade (TRF 4ª R.) ...............................................2978, 162

servidOr PúblicO

•Administrativo – Servidor público – Horas extras e adicional noturno – Metodologia de cálculo – Arts. 19, 73 e 75, Lei nº 8.112/1990 – fator 240 – base de cálculo – Vencimento básico (TRF 2ª R.) ................................................2976 147

usurPaçãO de PatrimôniO

•Penal – Processual penal – Usurpação de patrimônio da união – Art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991 – Extração ilegal de cascalho diamantífero – inépcia da denúncia não verifi-cada – Justa causa presente – Extinção da puni-bilidade – prescrição – Materialidade e autoria comprovadas – Erro de proibição não configura-do – Dosimetria reformada – Apelação parcial-mente provida (TRF 1ª R.) ........................2975, 138

EMENTÁRIO

Administrativo

cOncursO PúblicO

•Concurso público – laudo oftalmológico in-completo – entrega tardia – candidato – elimi-nação – princípio da razoabilidade – violação ................................................................2980, 173

imPrObidade administrativa

• Improbidade administrativa – dispensa de lici-tação – irregularidades – sobrepreço – justificá-vel – dolo – inexistência ..........................2981, 174

militar

•Militar – fisioterapia – necessidade – tratamen-to disponível em hospital militar – tratamento diverso – custeio pela União – impossibilidade ................................................................2982, 175

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DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������231 ÓrgãO PúblicO

•Órgão público – polícia civil – escolta de pre-sos – legislação estadual de MG – determinação– polícia militar – atribuição ...................2983, 176

PrecatÓriO

•Precatório – crédito humanitário – pessoa idosa – lista preferencial – inclusão – créditos alimen-tícios – preterição – ausência ...................2984, 176

resPOnsabilidade civil dO estadO

•Responsabilidade civil do Estado – transbordo de córrego – danos extrapatrimoniais – com-pensação .................................................2985, 176

servidOr PúblicO

•Servidor público – contratação indevida – ver-bas salariais – percebimento – enriquecimento ilícito – vedação ......................................2986, 177

Ambiental

açãO civil Pública

•Ação civil pública – destinação errônea de re-síduos sólidos – lixão – implantação de aterro sanitário – necessidade ............................2987, 178

açãO POPular

•Ação popular – bem público – terreno da mari-nha – patrimônio da União – irregularidade for-mal – inexistência ....................................2988, 181

acidente ambiental

•Acidente ambiental – rompimento de polidu-to – vazamento de óleo na água – proibição depesca – ocorrência ...................................2989, 183

área de PreservaçãO Permanente

•Área de preservação permanente – construção em margem de rio – Ibama – demolição – pos-sibilidade .................................................2990, 183

•Área de preservação permanente – destrui-ção de floresta – princípio in dubio pro reo –aplicabilidade ..........................................2991, 184

Constitucional

açãO direta de incOnstituciOnalidade

•Ação direta de inconstitucionalidade – lei mu-nicipal – vício de iniciativa – separação depoderes – violação ...................................2992, 186

•Ação direta de inconstitucionalidade – órgãos do Poder Executivo – organização adminis-trativa e definição de atribuições – Poder Exe-cutivo – competência .............................2993, 187

açãO POPular

•Ação popular – demolição de capela – espaço ecumênico – construção – interesse social – de-

monstração – danos materiais e morais – ine-xistência ..................................................2994, 187

arguiçãO de incOnstituciOnalidade

•Arguição de inconstitucionalidade – rodovia federal – pedágio – lei municipal – isenção –inconstitucionalidade ..............................2995, 189

direitO fundamental

•Direito fundamental – direito à vida – aldeia indígena – água potável – fornecimento – ne-cessidade .................................................2996, 191

Processo Civil e Civil

açãO de cObrança

•Ação de cobrança – taxa condominial – pres-crição quinquenal ....................................2997, 192

•Divórcio – alimentos – filho menor – binômionecessidade/possibilidade – partilha ........2998, 192

execuçãO

•Execução – expedição de precatório – trânsito em julgado da sentença ...........................2999, 194

JurOs remuneratÓriOs

• Juros remuneratórios – limitação – inviabilidade ................................................................3000, 194

liquidaçãO

•Liquidação – valores remanescentes – inexis-tência ......................................................3001, 197

recuPeraçãO Judicial

•Recuperação judicial – juízo falimentar – com-petência ...................................................3002, 197

resPOnsabilidade civil

•Responsabilidade civil – acidente ferroviário – atropelamento de menor – família de baixa ren-da – indenização por danos materiais ......3003, 198

usucaPiãO esPecial urbana

•Usucapião especial urbana – lapso temporal – acessio possessionis .............................3004, 198

Penal/Processo Penal

assOciaçãO criminOsa

•Associação criminosa e concussão – tranca-mento da ação penal – pretensão – impossibi-lidade ......................................................3005, 203

esteliOnatO

•Estelionato – autoria – materialidade – prova – condenação – pena – dosimetria – concurso de agentes – ocorrência ...........................3006, 205

Pena

•Pena – crime ambiental – conversão; princí-pio da insignificância – aplicação – impossibi-lidade ......................................................3007, 206

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232 �������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 63 – Maio-Jun/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

POrte ilegal de arma de fOgO

•Porte ilegal de arma de fogo – numeração de sé-rie suprimida – crime de perigo abstrato – impos-sibilidade .................................................3008, 206

PrincíPiO da insignificância

•Princípio da insignificância – crime ambien-tal – extração de orquídeas – inaplicabilidade ................................................................3009, 207

PrisãO Preventiva

•Prisão preventiva – pornografia infantil – divul-gação pela Internet – presença dos requisitos – possibilidade .........................................3010, 208

PrOva

•Prova – produção antecipada – suspensão do processo – possibilidade .........................3011, 209

Trabalhista/Previdenciário

equiParaçãO salarial

•Equiparação salarial – celetista e servidor esta-tutário – impossibilidade ..........................3012, 209

indenizaçãO

• Indenização – dano existencial – descumpri-mento de normas trabalhistas – cabimento ................................................................3013, 210

• Indenização – racismo – ofensas verbais – com-provação – pagamento devido .................3014, 211

ir

• IR – programa de demissão voluntária – inde-nização especial e férias – natureza jurídica – incidência – análise – honorários advocatícios – sucumbência recíproca ........................3015, 212

meiO ambiente dO trabalhO

•Meio ambiente do trabalho – gestão empresarial assediosa – cobrança de metas abusivas – ex-posição vexatória – configuração .............3016, 213

saláriO

•Salário – consulado geral da Itália – fixação em moeda estrangeira – variação cambial – redu-ção do valor nominal recebido em moeda na-cional – princípio da irredutibilidade – obser-vação .......................................................3017, 214

Tributário

anulatÓria de débitO fiscal

•Anulatória de débito fiscal – desembaraço – classificação fiscal – ausência de erro – classifi-cação fiscal da mercadoria importada .....3018, 214

cOntribuiçãO Para O funrural

•Contribuição para o Funrural – ação ordiná-ria – produtor rural pessoa física – não inci-dência sobre a comercialização da produção – exigibilidade do tributo nos termos da Lei nº 10.256/2001 – descabimento – inconstitucio-nalidade declarada pelo STF ....................3019, 215

dívida ativa

•Dívida ativa – débitos inscritos – presunção re-lativa de liquidez e exigibilidade – comprova-ção de pagamento – guias Darf – extinção docrédito tributário ......................................3020, 215

execuçãO fiscal

•Execução fiscal – créditos inscritos na dívida ati-va – prescrição – arts. 219, § 5º, do CPC e 1º da Lei nº 6.830/1980 – tributos sujeitos ao lança-mento por homologação ..........................3021, 218

ir

• IR – repetição de indébito – prazo prescricional ................................................................3022, 220

• IVVC (Imposto sobre Vendas a Varejo de Com-bustíveis Líquidos e Gasosos) – consonância da decisão recorrida com a jurisprudência cris-talizada no STF ........................................3023, 222

Pena de PerdimentO

•Pena de perdimento – omissão de mercadorias importadas – verba honorária – redução – ape-lação parcialmente provida .....................3024, 224

CLIPPING JURÍDICO

•Surdez unilateral não dá direito a concorrer avagas reservadas ................................................225

•Policial civil será indenizado por jornada exces-siva de trabalho .................................................225

•Notário pode pedir novo CNPJ ao assumir cartó-rio em caráter originário ....................................225

RESENHA LEGISLATIVA

emenda cOnstituciOnal

•Emenda Constitucional nº 88, de 07.05.2015 –DOU 08.05.2015 ..............................................227

leis

•Lei nº 13.112, de 30.03.2015 ............................227

•Lei nº 13.109, de 25.03.2015 ............................227

•Lei nº 13.107, de 24.03.2015 ............................227

•Lei nº 13.106, de 17.03.2015 ............................227