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Junho de 2021 55 Revista do BNDES ISSN 0104-5849

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Junho de 2021

55Revista do BNDES

Junho

2021

Editado pelo Departamento

de Comunicação do Gabinete da Presidencia

Junho de 2021

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55Revista do BNDES

Volume 28 | Junho de 2021

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Revista do BNDES ISSN 0104-5849 Publicação semestral editada em junho e dezembro.

Os artigos assinados são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES. É permitida a reprodução parcial ou total dos artigos, desde que citada a fonte.

© 2021

Distribuição gratuita Esta publicação está disponível em formato digital em www.bndes.gov.br/bibliotecadigital.Para assiná-la ou solicitar um exemplar, entre em contato pelo e-mail [email protected].

Av. República do Chile, 100 – CentroRio de Janeiro – RJ – CEP 20031-917Tel.: (21) 2052-7994http://www.bndes.gov.br

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES

Editora de conteúdoAna Cláudia Além

Conselho editorial desta ediçãoAna Paula GoriniDenise AndradeDiego DuqueDulce CorrêaEduardo BizzoJorge Cláudio LimaLeticia BheringLetícia PimentelLuciane MeloPatrícia ZendronPedro MacedoPedro QuaresmaRicardo Martini

PresidenteGustavo Montezano

DiretoresRicardo BarrosÂngela LinsBianca NasserBruno LaskowskyFábio AbrahãoSaulo PuttiniBruno AranhaPetrônio CançadoClaudenir Brito

EdiçãoGerência de Editoração do BNDES

Coordenação editorialFlávia Castellan Braga

Gerência de Editoração Fernanda Costa e Silva

Copidesque e revisão Expressão Editorial

Projeto gráfico Refinaria Design

Revista do BNDES, v. 1, n. 1, 1994- . Rio de Janeiro:Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, 1994- v.SemestralISSN 0104-58491. Economia – Brasil – Periódicos. 2. Desenvolvimento econômico – Brasil

– Periódicos. 3. Planejamento econômico – Brasil – Periódicos. I. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.

CDD 330.05

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SumárioUma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas ____________________________________________ 9

Osmar Cervieri JuniorFernando Nascimento de Oliveira

Estratégias regulatórias de incentivo à inovação, à competitividade e à inclusão financeira no contexto das inciativas do open banking e do Pix ____________________________ 87

Juliana Cabral Coelho Rangel

Desafios para a expansão do acesso ao esgotamento sanitário em áreas rurais isoladas: o uso de tecnologias sociais e a experiência do Programa Cisternas___________________ 113

Maria Julia Alves de PinhoRaquel Silvestrin ZanonAlexandre D’Avignon

Fatos estilizados sobre o financiamento ao setor de água e esgoto no Brasil _______________________________ 161

André Albuquerque Sant’AnnaRomero RochaLetícia Barbosa PimentelMarcelo Miterhof

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

An analysis of the relationship between the BNDES’s methodology for intangible capital valuation and the market value of the evaluated firms

Osmar Cervieri JuniorFernando Nascimento de Oliveira*

* Respectivamente, engenheiro do BNDES e mestre em economia pelo Ibmec-RJ; e economista do Banco Central do Brasil, professor do Ibmec-RJ e doutor em economia pela PUC-Rio. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

Respectively, engineer at BNDES and master in Economics from Ibmec-RJ; and economist at Central Bank of Brazil, professor at Ibmec-RJ and doctor degree in Economics from PUC-Rio. The views expressed in this article are the views of the authors and do not necessarily reflect the opinion of BNDES.

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Osmar Cervieri Junior e Fernando Nascimento de Oliveira

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ResumoO objetivo deste trabalho é investigar a relação entre os resultados obtidos pela Meto-dologia de Avaliação de Empresas (MAE), ferramenta do BNDES para mensuração de capitais intangíveis de empresas, e os respectivos valores de mercado das firmas avaliadas. O modelo econométrico proposto neste estudo utiliza a base de dados da MAE nas variá-veis explicativas e o Q médio de Tobin na variável dependente. Os resultados mostraram que os regressores dos capitais intangíveis relacionados a inovação e responsabilidade so-cioambiental (RSA) apresentam sinal positivo (como esperado), ao passo que o regressor relacionado a estrutura de mercado apresenta sinal negativo, sugerindo um possível viés a ser observado na metodologia. Além de contribuir com uma avaliação da MAE, o presente trabalho oferece à comunidade acadêmica um estudo que relaciona características qualita-tivas de empresas e valor de mercado utilizando a Teoria q de Tobin, até mesmo com novas abordagens de proxies para a variável q.

Palavras-chave: Metodologia de Avaliação de Empresas (MAE). Capitais intangíveis. q de Tobin.

AbstractThe main objective of the current research is to investigate the relationship between the results obtained by Enterprise Evaluation Methodology (MAE), a BNDES tool for measuring companies’ intangible capitals, and the respective market values of evaluated firms. The proposed econometric model uses MAE’s database for the explanatory variables and the Tobin’s median Q for the dependent variable. The results revealed that the regressors of intangible capitals related to innovation and socioenvironmental responsibility show positive sign (as expected), while the regressor related to market structure shows negative sign, which suggests possible bias to be corrected in the methodology. Besides contributing to MAE’s assessment, the present work offers the possibility to relate important qualitative aspects of firms to market value, using Tobin’s q theory, with new approaches to proxies of the q variable.

Keywords: Enterprise Evaluation Methodology (MAE). Intangible capitals. Tobin’s q.

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IntroduçãoNo fim dos anos 2000, o BNDES criou um grupo de trabalho com o objetivo de estruturar uma abordagem que permitisse a seus fun-cionários coletar informações sobre as competências e capacidades das empresas para serem usadas de forma sistemática nas análises das operações de financiamento. Até então, a avaliação dos capitais in-tangíveis dos clientes do BNDES era realizada caso a caso, dependen-do principalmente do conhecimento tácito dos técnicos do Banco.

Como resultado desse grupo de trabalho, foi criada a Metodologia de Avaliação de Empresas (MAE), visando sistematizar a avaliação dos capitais intangíveis dos clientes e, consequentemente, organi-zar o conhecimento tácito sobre esse conjunto de empresas, antes disperso nas diferentes equipes de análise. Pode-se dizer que, por meio da MAE, o BNDES buscou construir uma ponte entre o co-nhecimento acumulado e a prática no que diz respeito a avaliação de aspectos qualitativos de empresas.

A MAE é um instrumento para gestão do conhecimento e supor-te às operações de financiamento, baseado em um roteiro para avaliação de capitais intangíveis, competitividade e estratégia das empresas. Essa metodologia permite uma avaliação qualitativa das empresas da carteira do BNDES com base em um processo colegia-do de análise, considerando aspectos como inovação, responsabi-lidade socioambiental (RSA), governança corporativa, política de recursos humanos, entre outros. O produto final é um relatório es-truturado sobre a empresa avaliada, apresentado a um colegiado do Banco para sua aprovação.

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O engajamento do BNDES com iniciativas relacionadas à avaliação do capital intangível foi fortalecido pela participação do Banco no Novo Clube de Paris1 e pelo intercâmbio de experiências com outras institui-ções de desenvolvimento, públicas e privadas, sobre as melhores práti-cas de captura e sistematização de tais capitais nas organizações.

Adotada entre os anos 2012 e 2018, a MAE foi utilizada pelo BNDES para realizar centenas de avaliações de empresas, em geral de grande porte, com exposição de crédito superior a US$ 100 milhões. Embo-ra esse número represente uma pequena porcentagem dos clientes do Banco, tal metodologia provou ser de grande importância para impulsionar o conhecimento institucional sobre os clientes, bem como sobre seus respectivos setores de atuação.

São grandes os desafios na avaliação do capital intangível das em-presas por parte dos bancos, haja vista a inexistência de uma prá-tica sistemática e amplamente difundida do mercado bancário. No entanto, na teoria de finanças corporativas, o q marginal de Tobin aparece como uma medida bastante utilizada em trabalhos de men-suração do potencial de crescimento futuro das empresas. Assim, assumindo que os aspectos qualitativos intrínsecos aos capitais in-tangíveis também são sinalizadores de potencial de crescimento fu-turo, este trabalho investiga a relação entre a MAE e a Teoria q.

Com base nessa premissa, pretende-se fazer uma análise empírica dos resultados obtidos pela MAE em face da Teoria q. O trabalho utiliza um modelo econométrico de mínimos quadrados ordinários (MQO)

1  O Novo Clube de Paris é uma instituição desenvolvedora de agenda para a economia do conhecimento. O clube reúne acadêmicos, organizações e representantes de governos, com o objetivo de coordenar e contribuir para os esforços mundiais de pesquisa sobre o tema. Realiza anualmente um congresso em Paris, além de publicar uma variedade de artigos e livros. Seu website é http://new-club-of-paris.org/.

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em painel, de modo que, para cada empresa, o Q médio de Tobin (proxy do q marginal de Tobin) é a variável dependente e as métricas da MAE são as variáveis explicativas. O modelo testa a hipótese de que os regressores da metodologia criada pelo BNDES são correlacio-nados com a Teoria q e, portanto, com o valor de mercado.

Uma vez que a variável Q depende do valor de mercado das firmas, os dados da MAE utilizados neste trabalho restringiram-se aos das empre-sas negociadas na B3, consistindo em uma amostra de 56 firmas, que foram submetidas a 94 avaliações, realizadas no período compreendido entre o terceiro trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2018.

Os resultados mostraram que os regressores dos capitais intangí-veis relacionados à inovação e à responsabilidade socioambiental são positivamente correlacionados com o Q de Tobin, confirman-do a expectativa de que o mercado atribui maior valor às empresas proficientes nesses capitais. Como surpresa, o modelo indicou uma correlação negativa para o regressor relacionado à capacidade de resiliência a crises. Nesse ponto, acredita-se em um possível viés de avaliação a ser observado na MAE.

De certa forma, o relatório final da MAE pode ser interpretado como um mensurador de governança da empresa avaliada. Nessa perspectiva, o presente trabalho se aproxima da linha de estudo que relaciona medidas de governança com performance, cuja literatura é muito vasta e já foi objeto de algumas pesquisas no Brasil.2 No

2  Alguns trabalhos realizados no Brasil investigaram a relação entre performance e estrutura de governança, especificamente quanto à dualidade entre os cargos de CEO e de presidente do conselho de administração (CA). Inada (2011) identificou que dualidade e maior inde-pendência no CA estão associadas a uma rentabilidade superior da empresa, aferida pela variação do preço ajustado por proventos. Amaral-Baptista, Klotze e Melo (2011) também verificaram relação positiva entre dualidade e performance, medida pelo retorno sobre o pa-trimônio líquido (ROE), enquanto Silveira, Barros e Famá (2003) encontraram uma relação negativa entre dualidade e retorno operacional próprio sobre o ativo.

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entanto, este trabalho se notabiliza por usar uma base de dados que fornece indicadores exclusivamente qualitativos.

Além de contribuir com uma avaliação dos resultados obtidos pela MAE no período em que esteve em uso (2012 a 2108), o pre-sente trabalho oferece à comunidade acadêmica um estudo que relaciona características qualitativas de empresas e valor de mer-cado, utilizando a Teoria q de Tobin, possibilitando novas formas de se calcular possíveis proxies para a variável q. Assim, busca-se também trazer uma contribuição à pesquisa realizada com a Teo-ria q em finanças corporativas.

O restante deste artigo está estruturado da seguinte forma. A se-gunda seção apresenta a MAE, como ela é aplicada e quais infor-mações são produzidas em seu relatório final. A terceira seção traz uma revisão de literatura sobre a Teoria q de Tobin (1969). A quarta seção descreve os dados utilizados. A quinta seção apresenta o mo-delo econométrico empregado e os resultados obtidos. Por fim, a sexta seção expõe as conclusões.

Metodologia de Avaliação de Empresas (MAE)

Por que analisar aspectos qualitativos?A avaliação de capitais intangíveis de projetos e empresas vai além do escopo das práticas bancárias tradicionais de análise de crédito, que costumam centrar-se em indicadores financei-ros, ativos físicos e garantias formais. No entanto, os aspectos qualitativos de um postulante a financiamento são sinalizadores

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de características importantes para o enfoque de bancos de de-senvolvimento, como o potencial de crescimento sustentável no longo prazo, a capacidade de dar saltos de produtividade e as possibilidades de indução de maiores níveis de competitividade em cadeias ou setores da economia.

A despeito das dificuldades em identificar e interpretar os atribu-tos intangíveis, o BNDES sempre os considerou em suas análises, dado que essa é uma tarefa indissociável da avaliação das externa-lidades dos projetos financiados. Todavia, tais variáveis não eram examinadas de forma sistematizada, com base em uma metodologia única e consolidada.

No fim dos anos 2000, um grupo de trabalho envolvendo técnicos de diversas áreas do Banco foi incumbido de desenvolver um ins-trumento que atendesse a essa necessidade, de forma que, mesmo diante da complexidade conceitual do tema, pudesse simplificar a comunicação para a tomada de decisão executiva. Assim, foi criada a MAE,3 cujos principais objetivos são:

• ampliar o escopo da avaliação de empresas, com a inclusão de parâmetros de natureza qualitativa (intangíveis, competitivi-dade e estratégia da empresa);

• subsidiar as atividades integrantes do processo de concessão de financiamento; e

3  No mesmo trabalho, foi criada a Metodologia de Avaliação de Grupos Econômicos (MAG), aplicada a holdings. No entanto, a MAG não será abordada nesse artigo por dois motivos: (i) as variáveis geradas pela MAE e pela MAG são diferentes, de forma que não poderiam ser diretamente comparadas pelo mesmo modelo econométrico aqui emprega-do; e (ii) até o momento, a MAG realizou um número menor de avaliações do que a MAE, representando uma amostra diminuta para os fins do trabalho empírico aqui realizado.

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• produzir conhecimentos sobre as empresas clientes, consolidan-do-os em uma base de informações sistematizada e gerenciável.

Em virtude da participação em algumas avaliações da MAE, des-taca-se a relação entre o terceiro objetivo e a teoria de Nonaka e Takeuchi (1997) a respeito da criação de conhecimento nas empre-sas, que estabelece quatro formas de conversão desse conhecimento (Figura 1).

Figura 1 • Quatro modos de conversão do conhecimento nas empresas

Fonte: Nonaka e Takeuchi (1997).

Conhecimento tácito

Conhecimento explícito

Conhecimentotácito

(Socialização)Conhecimentocompartilhado

(Externalização)Conhecimento

conceitual

Conhecimentoexplícito

(Internalização)Conhecimento

operacional

(Combinação)Conhecimento

sistêmico

do

em

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Valendo-se dessa taxonomia, é possível afirmar que, antes da MAE, o conhecimento tácito sobre as características qualitativas dos clientes do BNDES ficava disperso nas diferentes equipes de análise, dissi-pando-se quando das movimentações internas dos técnicos e, prin-cipalmente, dos desligamentos e aposentadorias. Com o advento da referida metodologia, o BNDES vem realizando a externalização do conhecimento tácito em conhecimento explícito, ao construir uma base de dados organizada de conhecimento conceitual sobre capitais intangíveis.

A forma de construção e aplicação dessa base de conhecimento con-ceitual será explicada na subseção a seguir.

Aplicação da metodologiaA MAE é aplicada a clientes com elevada exposição perante a car-teira do BNDES, assim considerada quando esta for superior a 0,5% do patrimônio de referência4 do Banco. Tendo por base esse recorte, a análise é atualizada em um prazo máximo de dois anos, ocorrendo antes desse período quando das renovações da classificação de risco de crédito da empresa, e também podendo ser requisitada em ope-rações de financiamento com forte associação a temas estratégicos transversais (inovação, impacto socioambiental e regional).

O principal instrumento5 de aplicação dessa metodologia é o Ques-tionário da MAE, descrito a seguir.

4  O conceito de patrimônio de referência das instituições financeiras foi introduzido pelo Acordo de Basiléia e é implementado no Brasil pelo Conselho Monetário Nacional e regulado pelo Banco Central.

5  Também integra a MAE um segundo instrumento, denominado Padrão de Concor-rência (PdC), que objetiva subsidiar a equipe para o preenchimento do Questionário da MAE. O PdC consiste em um conjunto de fatores determinantes de sucesso competitivo identificados para um dado segmento econômico. No entanto, o PdC não será detalhado aqui, pois o trabalho empírico realizado na seção “Modelo e resultados” utilizou em seu modelo econométrico a classificação de setores da base de dados Economática.

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Questionário da MAE

O Questionário da MAE destina-se à avaliação dos aspectos quali-tativos relevantes da empresa, por meio de 28 questões agrupadas em duas categorias:

• Capitais intangíveis: capital estratégico; capital de relaciona-mento; capital financeiro; capital de governança corporativa; capital socioambiental; capital humano; e capital de proces-sos e inovação.

• Estrutura de mercado e fatores sistêmicos: avaliação da qualida-de da interação da empresa com seu ambiente externo imediato, com os fatores institucionais e mercadológicos que influenciam sua competitividade, como os relacionados a infraestrutura, re-gulação, políticas públicas, rivalidade, clientes e fornecedores.

O preenchimento do Questionário da MAE segue um processo colegiado de avaliação, no qual as respostas a cada uma das 28 questões são dadas com base no enquadramento da empresa em parâmetros escalonados de 1 a 5, em que 1 significa o nível menos desejável e 5, o nível mais desejável. A escala dos parâmetros res-peita as seguintes regras:

• Capitais intangíveis: posição 1 – ausência de práticas mínimas; posição 2 – adoção de práticas mínimas e/ou funcionando inadequadamente; posição 3 – adoção de práticas consolida-das; posição 4 – adoção de melhores práticas consolidadas; posição 5 – adoção de práticas de referência e/ou vanguarda.

• Estrutura de mercado e fatores sistêmicos: posição 1 – a interação entre a empresa e ambiente gera condições muito desfavoráveis de competitividade; posição 2 – a interação entre a empresa e

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ambiente gera condições desfavoráveis de competitividade; posi-ção 3 – não há influência significativa no desempenho da empre-sa em seu ambiente competitivo; posição 4 – a interação com o ambiente gera benefícios e tem resultado positivo sobre o desem-penho da empesa diante da concorrência; posição 5 – a interação com o ambiente gera benefícios e traz impacto muito positivo para o desempenho da empresa, refletindo em possível liderança.

O resultado da aplicação da MAE é consolidado em um relatório executivo que contém as seguintes seções: (i) um resumo gráfico (Figura 2) e um resumo descritivo da avaliação dos capitais intangíveis; (ii) um resumo descritivo sobre a empresa e seu posicionamento com-petitivo; (iii) um resumo descritivo sobre a estratégia da empresa; e (iv) principais aspectos positivos e negativos a serem observados.

Figura 2 • Exemplo de resumo gráfico da nota média obtida em cada capital intangível

Fonte: BNDES (dados internos).

Capital estratégico

Capital financeiro

Capital socioambiental

Capital de governança corporativa

Capital de relacionamento

Capital humano

Capital de processos e inovação

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Esse resumo consiste em um heptágono em que cada eixo se refere a um capital intangível, com escala de 1 a 5. A área hachurada é formada pela união dos pontos representantes das médias das notas atribuídas pela equipe em cada capital intangível. Essa figura, que consta na capa do relatório final, cumpre a função de comunicar, de maneira rápida, uma noção qualitativa global sobre a empresa.

Os capitais intangíveisEsta subseção apresentará os capitais intangíveis avaliados pelo Questionário da MAE. Primeiramente, serão apresentadas duas questões, a título de exemplo, de como a escala de avaliação – de 1 a 5 – é empregada. Em seguida, as demais questões serão comen-tadas de maneira agrupada,6 respectivamente a cada capital a que se referem.

Capital de governança corporativa

A nota final desse capital é a média aritmética simples das notas obtidas em três questões, que versam sobre os seguintes temas: (i) estrutura societária e processo sucessório; (ii) transparência e au-ditoria; e (iii) controle externo da diretoria.

Exemplo de aplicação da escala de 1 a 5 na questão (iii): posição 1 – se a empresa não tem conselho de administração (CA) formal-mente instalado; posição 2 – se a empresa tem CA formalmente instalado, mas este não obedece à quantidade mínima de mem-bros independentes, conforme critério Novo Mercado,7 ou se não

6  As questões não serão reproduzidas ipsis literis em virtude da legislação bancária vigen-te e da classificação de acesso do Questionário da MAE.

7  Segmento especial de classificação do nível de governança corporativa da B3.

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pode ser evidenciada a efetividade de sua atuação; posição 3 – se a empresa tem CA formalmente instalado e este obedece à quanti-dade mínima de membros independentes, conforme critério Novo Mercado (ademais, se o presidente do CA participa, no máximo, de outros dois conselhos); posição 4 – se, além do disposto na posição 3, não há membros comuns entre CA e diretoria e se a empresa tem conselho fiscal formalmente instalado com atuação efetiva; posição 5 – se, além do disposto na posição 4, o CA é for-mado, majoritariamente, por membros independentes com perfil profissionalizado (ademais, se a empresa tem comitês de auditoria e remuneração com atuação efetiva).

Capital de processos e inovação

A nota final desse capital é a média aritmética simples das notas obtidas em três questões, que versam sobre os seguintes temas: (i) eficiência operacional; (ii) sistemas de gestão; (iii) gestão da ino-vação; e (iv) capacitação tecnológica.

Exemplo de aplicação da escala de 1 a 5 na questão (iv): posição 1 – se a empresa não possui infraestrutura dedicada à pesquisa, desen-volvimento e inovação (PD&I), tampouco relações de cooperação nessas atividades com outros agentes; posição 2 – se a empresa não possui infraestrutura dedicada à PD&I, mas participa eventualmen-te de cooperação em PD&I, desenvolvendo projetos relevantes de inovação em cooperação com terceiros (e se, entretanto, os recursos associados, como RH, equipamentos etc., ou seu esforço em PD&I, estão abaixo de seus pares e da média do setor); posição 3 – se a empresa possui infraestrutura dedicada à PD&I ou participa sis-tematicamente de cooperações em PD&I, desenvolvendo projetos relevantes de inovação em cooperação com terceiros (e se, ademais,

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os recursos associados, incluindo esforços de gastos em PD&I, estão condizentes com seus pares); posição 4 – se a empresa possui in-fraestrutura dedicada à PD&I e participa sistematicamente de coo-perações em PD&I, desenvolvendo projetos relevantes de inovação em cooperação com terceiros (e se, ademais, os recursos associados, incluindo esforços de gastos em PD&I, estão em nível superior a de seus pares); posição 5 – se, além do disposto na posição 4, a equipe de PD&I é referência e tem capacidade comprovada de realizar ino-vações para expansão da fronteira tecnológica.

Capital estratégico

O capital estratégico é a avaliado em quatro questões que buscam identificar: (i) se a empresa tem um processo eficaz de elaboração e implementação de planejamento estratégico; (ii) em que grau as estratégias por ela adotadas nos últimos anos têm gerado os benefí-cios esperados; (iii) se a estratégia atual é coerente com o mercado e seu padrão de concorrência, bem como a capacidade da empresa de mobilizar as competências e recursos necessários para viabilização da estratégia no prazo pretendido; e (iv) o nível de diversificação das linhas de negócio, regiões de atuação, portfólio de produtos/serviços, clientes e fornecedores, bem como o risco associado a con-trapartes da empresa, no caso de haver.

Capital de relacionamento

Esse capital também é avaliado por meio de quatro questões, que buscam analisar: (i) a capacidade da empresa de se relacionar com os clientes, manter a fidelização e os mecanismos de relaciona-mento com clientes em constante aperfeiçoamento; (ii) a capaci-dade da empresa de se relacionar com seus fornecedores e garantir suprimento de matéria-prima, principais insumos, utilidades e

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equipamentos; (iii) a experiência da empresa nas principais linhas de negócio e sua reputação, bem como os riscos e benefícios advin-dos de sua imagem; e (iv) os benefícios para a empresa advindos do valor da marca de seus principais produtos e serviços.

Capital socioambiental

Quatro questões avaliam o capital socioambiental, examinando: (i) o compromisso e a estrutura de governança da empresa no to-cante à temática da responsabilidade socioambiental; (ii) o estágio de desenvolvimento da empresa em relação a sua gestão social e ambiental, como o acompanhamento de indicadores, certificações (por exemplo, ISO 14000, SA 8000, OHSAS 18001) etc.; (iii) as práticas de RSA da empresa no ambiente externo, sua articulação com políticas públicas e seu comprometimento com o desenvolvi-mento local/regional; e (iv) a existência de riscos socioambientais, a regularidade ambiental da empresa e a existência de passivos so-cioambientais relevantes não equacionados.

Capital humano

Esse capital é avaliado em três questões, que levam em consideração: (i) a política de RH e seu impacto na atração e retenção de talentos, incluindo avaliação de indicadores (por exemplo, turnover) e instru-mentos, como planos de carreira, capacitação e remuneração; (ii) a qualificação e adequação dos gestores à estratégia da empresa, bem como seu nível de profissionalização; e (iii) a capacidade da empre-sa de promover um ambiente de trabalho motivador, com foco na satisfação do empregado (há pesquisa de clima?) e na melhoria de sua qualidade de vida, saúde e segurança (há canais eficazes para recebimento e tratamento de denúncias e reclamações relacionadas ao ambiente de trabalho?).

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Capital financeiro

As três questões do capital financeiro avaliam: (i) a gestão financeira da empresa, bem como a existência de riscos financeiros não dimen-sionados (experiência em lidar com o aumento do endividamento, capacidade de captação de recursos, evidências de influência nega-tiva do controlador sobre a gestão financeira, descumprimento de covenants, entre outros); (ii) o histórico de liquidez da empresa, bem como sua flexibilidade financeira para obter recursos necessários às operações ou expansões, o perfil e o nível de diversificação de suas fontes de recursos, o histórico de manutenção ou captação de recur-sos, inclusive em situações de estresse, e as alternativas para redução da alavancagem em caso de necessidade; e (iii) a solidez da estrutura patrimonial e a política de distribuição de resultados da empresa, averiguando se tais resultados são consistentes e estáveis ao longo dos anos, compatíveis com a continuidade do negócio e com sua es-tratégia de crescimento (distribuição de dividendos para holdings ou existência de empréstimos intercompanhias que possam apresentar risco para a empresa).

Estrutura de mercado e fatores sistêmicos

A estrutura de mercado, embora não seja um dos capitais intangí-veis inerentes à empresa – aqueles que constituem o resumo gráfico da MAE (heptágono da Figura 2) –, é um capital complementar, abordado em três questões, que avaliam: (i) o grau de resiliência a crises e alterações nos ambientes econômicos e institucional/regu-latório; (ii) o posicionamento da empresa no setor e seu preparo para enfrentar a concorrência; e (iii) a influência da empresa em seu principal mercado de atuação, bem como sua capacidade de fi-xar condições de venda, como preço, prazos, condições de entrega

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e outras especificações cabíveis, e a capacidade da empresa de fixar condições perante os fornecedores, tais como preços de insumos, prazos, condições de entrega e outras especificações cabíveis.

Revisão de literatura

A Teoria q do investimentoConsidere-se uma indústria com as seguintes premissas:8 N firmas idênticas; funções de produção com retornos constantes de escala; mercado de produtos perfeitamente competitivo; e oferta perfeita-mente elástica dos fatores de produção que não o capital.

Os lucros das firmas são uma função decrescente do estoque de ca-pital da indústria K(t) e proporcionais ao capital da firma k(t). As-sim, eles são determinados por:

(1)

em que Π’(•) < 0, de forma que o pressuposto do modelo é o de que existe um custo de ajuste do estoque do capital para as firmas. Tal custo de ajuste é uma função convexa em relação à taxa de mudança do estoque de capital da firma, de forma que C(k̇) satisfaz C(0) = 0, C’(0) = 0 e C(•) > 0. Dessa forma, tais suposições implicam que existe um custo para a firma ajustar seu estoque de capital e tal custo au-menta com o nível de ajuste k̇.

8  A explanação matemática desta seção segue o modelo construído por Summers (1981), Hayashi (1982) e Abel (1982).

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Por simplificação, assume-se que o preço do capital é sempre igual a 1 e a taxa de depreciação é zero. Assim, k̇ = I(t), em que I representa o investimento da firma. Essas sentenças implicam que o lucro da firma no tempo será dado por:

(2)

Assumindo que as firmas buscam maximizar o valor presente do lucro, sua função objetivo será:

(3)

Assumindo a dinâmica da versão discreta do modelo como uma versão contínua, assume-se que o investimento e o estoque de ca-pital em cada momento do tempo estão relacionados pela restrição kt = kt-1 + It. Dado que existem infinitos períodos, existem infinitas restrições, de forma que o lagrangeano do problema de maximiza-ção dos lucros da firma será:

(4)

Do método de Lagrange, λ é o multiplicador associado à restrição que faz a relação entre kt e kt-1. Sendo λ a derivada da função em

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relação ao componente exógeno da restrição, ele dá a dimensão do efeito marginal de um acréscimo em kt no lucro da firma, descon-tado a valor presente (em t = 0).

A partir daqui, definindo-se qt como sendo qt = (1 + r)t λt, qt será o valor de uma unidade adicional de capital para a firma, em unidades monetárias no momento t. Reescrevendo o lagrangeano, tem-se que:

(5)

A condição de primeira ordem para o investimento no período t será, portanto:

(6)

(7)

A interpretação desse resultado é a de que o custo de aquisição de uma unidade adicional de capital é igual ao preço de aquisição do capital (aqui, igual a 1) mais o custo marginal do ajuste do capital. A equação (7) implica que a firma irá investir até o nível em que o custo de aquisição do capital seja igual ao valor do capital.

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O q de TobinA análise de maximização de lucros ora apresentada implica que q contém todas as informações relativas ao futuro que são importan-tes para a decisão de investimento da firma. O valor de q indica de que forma uma unidade adicional de capital afeta o valor presente dos lucros. Assim, a firma irá expandir seu estoque de capital quan-do q for elevado e diminuir quando q for pequeno.

Contudo, há uma interpretação mais completa para o valor de q: uma unidade a mais de capital aumenta os lucros da firma em q, aumentando, por consequência, o valor da firma em q. Dessa forma, pode-se entender q como o valor de mercado de uma unidade de capital. Dada a assunção de que o preço do capital está fixado em 1, q também representa a razão entre o valor de mercado de uma unidade adicional de capital e seu custo de reposição.

(8)

Esse quociente é conhecido como q marginal de Tobin (ou simples-mente q de Tobin). Se q > 1, o mercado atribui ao capital um valor maior do que seu custo de reposição, portanto, a decisão da firma será investir. Se q < 1, o mercado atribui ao capital um valor menor que seu custo de reposição e, nesse caso, a decisão da firma será de não investir.

Introduzido pelos trabalhos de Tobin e Brainard (1968) e Tobin (1969), o quociente de Tobin é bastante conhecido em finanças cor-porativas, apresentando aplicações tanto em trabalhos empíricos e teóricos quanto no processo de decisões de investimento de firmas e

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de investidores de bolsa de valores. Os autores Tobin e Brainard re-velam sua motivação pelo estudo do modelo na seguinte passagem:

Uma das proposições teóricas básicas que motivam o modelo é que a avaliação de mercado do capital, relati-vamente ao custo de reposição dos ativos fixos aos quais representa, é o maior determinante do investimento. O investimento é estimulado quando o valor do capital vale mais no mercado de ações do que o seu custo de produ-ção, e cai quando sua valoração é menor do que o seu cus-to de reposição (TOBIN; BRAINARD, 1968, p. 103-104).

O q marginal e o Q médioPor tratar-se de uma análise relacionada a unidades adicionais de capital, a importância da razão q como determinante de novos in-vestimentos da firma só tem sentido quando se considera seu valor marginal, e esse é o valor a que Tobin e Brainard se referem em seu trabalho seminal. No entanto, o q marginal não é diretamente observável. Para contornar essa impossibilidade, as pesquisas em-píricas consideram o Q médio como uma aproximação do q mar-ginal para realizar seus testes. Assim, o Q médio considera o valor de mercado de todo o capital da firma (numerador) e seu custo de reposição (denominador), sendo expresso da seguinte forma:

(9)

em que VMA representa o valor de marcado das ações da firma, VMD o valor de mercado das dívidas, e VRA é o custo de reposi-ção dos ativos da firma. Segundo Lindenberg e Ross (1981), VRA

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seria definido como o desembolso necessário para a aquisição da capacidade produtiva da firma, a um custo mínimo, com a melhor tecnologia disponível.

Como o q marginal e sua aproximação pelo Q médio não são me-didas idênticas, o uso arbitrário do segundo pode levar a erros. Os trabalhos de Hayashi (1982) e Howe e Vogt (1996) desenvolveram uma relação teórica entre o q marginal e o Q médio ao derivar a equação (9), encontrando uma medida para a diferença entre q e Q. Esses trabalhos mostram que, em um mercado perfeitamente com-petitivo, com retornos constantes de escala, tal diferença é igual zero, ou seja, q = Q.

Formas de se calcular o QO uso de dados reais para o cálculo da variável Q apresenta uma série de dificuldades para as quais alguns autores desenvolveram metodologias específicas. Nesta subseção, abordam-se cinco delas: a metodologia pioneira de Lindenberg e Ross (1981); a metodologia aperfeiçoada de Lewellen e Badrinath (1997); o modelo simplificado de Chung e Pruitt (1994); e dois modelos propostos neste trabalho.

O modelo de Lindenberg e Ross

O método de Lindenberg e Ross (1981) foi o pioneiro na tentativa de aproximar o q teórico do Q médio calculado com base em dados reais. Da equação (9), tem-se Q dado em função de VMA, VMD e VRA. A variável VMA é o valor de mercado do capital próprio da firma. Para obtê-lo, basta multiplicar a quantidade de ações emiti-das pela cotação de mercado. No entanto, as variáveis VMD e VRA apresentam certa dificuldade de mensuração.

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Para estimar VMD, que representa o valor de mercado das dívidas, os autores propuseram adotar o valor contábil para as dívidas de curto prazo e o valor de mercado dos títulos (VMT) para as dívidas de longo prazo, o qual é dado pela seguinte fórmula:

(10)

em que Ti é o prazo até o vencimento do título i, cit é o juro (cupon) pago pelo credor no tempo t, It é a taxa de retorno exigida pelo credor e VFTi é o valor de face do título. Por fim, como a dívida de longo prazo pode ser composta por vários títulos, seu valor é obtido pelo somatório de VMT de todos os títulos.

Na prática, a falta de informações implica que o cálculo de VMT de todos os títulos apresenta muitas dificuldades. Os próprios autores admitem esse fato e assumem simplificações, por exemplo, um mes-mo prazo T e a presunção de que os títulos não sofrem descontos em seu valor de face na colocação a mercado.

A estimativa de VRA, isto é, o valor de reposição dos ativos da fir-ma, é ainda mais difícil. É necessário ajustar os valores contábeis segundo as variações de preços, variações tecnológicas ocorridas du-rante o período de análise e pela depreciação efetiva dos ativos, em substituição à depreciação contábil. Assim, os autores propõem que o valor de reposição dos ativos é dado pela seguinte fórmula:

(11)

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em que AT = ativo total, VRI = valor de reposição de equipamentos e instalações, VHI = valor histórico de equipamentos e instalações; VRE = valor de reposição dos estoques e VHE = valor histórico dos estoques. Para estimar VRI, os autores criam uma equação recursiva que relaciona as os efeitos de variações nos preços dos ativos, de sua tecnologia e da depreciação efetiva econômica.

O modelo de Lewellen e Badrinath

Os autores apresentaram uma crítica ao modelo de Lindenberg e Ross afirmando que a metodologia supõe implicitamente que a fir-ma não subtrai ativos de sua conta de equipamentos e instalações, como se todos os ativos fossem depreciados até o fim. Assim, os investimentos são subavaliados e a depreciação estimada é supera-valiada quando há retiradas. Os autores demonstram que esses dois efeitos acarretam distorções nas estimativas finais. Outra crítica refere-se à escolha arbitrária de um período em que o valor contábil é igual ao valor de reposição dos ativos, com base no qual são feitos os ajustes tecnológicos, de preços e de depreciação.

A fim de contornar essas limitações, Lewellen e Badrinath (1997) propõem o cálculo dos investimentos realizados a cada período, somando-se à variação dos ativos imobilizados (equipamentos e instalações) líquidos, de um ano para o seguinte, a depreciação do período corrente. Essa conta deve ser feita em todos os anos, co-meçando no período atual e retrocedendo até que o somatório dos investimentos seja igual ao valor contábil dos ativos imobilizados brutos na data atual. Com isso, a vida econômica média do ativo imobilizado terá sido estimada e o período inicial não necessitará de um valor arbitrado, pois será dado segundo a vida econômica dos ativos.

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O método de Chung e Pruitt

Os dois modelos de estimação do Q mostrados anteriormente en-volvem problemas de ordem prática, principalmente relacionados à necessidade de se obter muitas informações que, muitas vezes, não estão disponíveis.

Assim, Chung e Pruitt (1994) propuseram um método bastante simplificado, no qual o Q aproximado é definido como segue:

(12)

em que VMA é o valor de mercado das ações negociadas em bolsa, AT é o ativo total (contábil) e D é definido por:

(13)

em que VCPC é o valor contábil dos passivos circulantes, VCAC é o valor contábil dos ativos circulantes, VCE é o valor contábil dos estoques e VCDLP é o valor contábil das dívidas de longo prazo.

A grande vantagem apresentada por esse modelo é que, com exce-ção de VMA, os cálculos envolvem apenas dados contábeis. Assim, a obtenção de Q é feita com base em informações disponíveis nos demonstrativos financeiros das empresas. Em seu trabalho, os au-tores Chung e Pruitt (1994) realizam uma regressão de sua proxy contra o Q calculado por Lindenberg e Ross (1981). Os resultados apresentados são de que pelo menos 96,6% do Q calculado pelo mé-todo Lindenberg e Ross é explicado pelo Q simplificado de Chung e Pruitt, da equação (12).

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A Tabela 1 mostra os resultados obtidos pela regressão MQO para nove anos, realizada por Chung e Pruitt. Nessa regressão, o Q de Lindenberg e Ross e o Q simplificado dos autores são, respectiva-mente, variáveis dependente e independente. Uma correlação per-feita entre as duas variáveis implicaria interceptos em zero e valores de coeficientes de Q e de R² iguais a 1.

Tabela 1 • Comparação entre o Q de Lindenberg e Ross e o Q simplificado

Ano α β R2 Quantidade de firmas

1978 -0,037 0,920 0,993 1.608

1979 -0,046 0,917 0,991 1.556

1980 -0,056 0,926 0,989 1.617

1981 -0,065 0,949 0,990 1.575

1982 -0,073 0,942 0,991 1.584

1983 -0,071 0,945 0,986 1.584

1984 -0,017 0,953 0,974 1.539

1985 -0,010 0,960 0,984 1..378

1987 -0,008 0,993 0,966 1.201

Fonte: Chung e Pruitt (1994, p.3).

Tais resultados atestam a significativa proximidade entre os dois métodos e corroboram a utilização do método de cálculo simplifi-cado proposto por Chung e Pruitt (1994).

Razão valor/ativo

Como foi dito, o q representa a razão entre o valor de mercado de uma unidade adicional de capital e seu custo de reposição. Simplifi-cando essa razão a fim de obter uma fórmula de fácil estimação do

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Q médio, as duas equações a seguir consideram o valor de mercado e o valor da firma fornecidos pela base de dados Economática:9

(14)

(15)

em que VMA é o valor de mercado das ações negociadas em bolsa e EV (enterprise value) é uma média de valor da firma com base em seu valuation.

Para fins da análise empírica realizada na seção “Modelo e resulta-dos”, serão utilizadas três proxies de Q, definidas da seguinte forma: Q1, calculado pelo método de Chung e Pruitt (1994), da equação (12); Q2, calculado pela razão simplificada proposta por este traba-lho na equação (14); e Q3, calculado pela razão simplificada tam-bém proposta por este trabalho na equação (15).

Descrição dos dadosComo mencionado na Introdução, os regressores do modelo são as notas dos capitais intangíveis obtidas pelas empresas avaliadas na MAE, enquanto a variável dependente é o Q de Tobin das respecti-vas empresas. Portanto, o presente trabalho utilizou duas bases de dados: a da MAE, para as notas dos capitais intangíveis; e a Econo-mática, para os respectivos dados financeiros e valores de mercado.

9  Plataforma que contém uma ferramenta para análise de informações financeiras. Disponível em: www.economatica.com.

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Conversão setorialA MAE apresenta uma classificação setorial em três níveis de agregação, em uma lógica de síntese dos cinco níveis existentes na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae). Os níveis da classificação da MAE são: Grande setor (indústria, infraestrutura e serviços); Grupo (11 grupos); e Segmento (48 segmentos).10 Já a base de dados Economá-tica, por sua vez, utiliza um rol de vinte setores econômicos.

Para os fins do presente trabalho, foi criada uma estrutura de clas-sificação setorial própria, mais simples, com apenas oito setores. Dado que a classificação da Economática é de amplo conhecimento do meio acadêmico, o Quadro 1 ilustra o conteúdo dos setores aqui empregados, com base nos setores Economática.

Quadro 1 • Conversão setorial

Setor Setor Economática Setor Setor Economática

Insumos básicos Agropecuária e pesca Manufatura Siderurgia e metalurgia

Mineração Máquinas industriais

Papel e celulose Química

Minerais não metálicos Veículos e peças

Bens de consumo

Comércio Têxtil

Alimentos e bebidas Petróleo Petróleo e gás

Tecnologia da informação

Eletroeletrônicos Telecomunicações Telecomunicações

Software e dados Outros Construção

Infraestrutura pública

Energia elétrica Fundos

Transporte serviços Outros

Fonte: Elaboração própria, com base em dados da Economática.

10  Considerou-se desnecessário, para os fins do presente trabalho, citar os 11 grupos e os 48 setores.

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Seleção da amostraA MAE realizou 134 avaliações, de 89 empresas, no período com-preendido entre o terceiro trimestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2018. No entanto, uma vez que se adotou o método de Chung e Pruitt (1994) para o cálculo do Q de Tobin, que utiliza o valor de mercado da firma, a amostra restringiu-se às empresas listadas na bolsa de valores (B3), resultando em uma base de 56 empresas, que foram submetidas a 94 avaliações da MAE. Sua distribuição pelos setores é apresentada na Tabela 2.

Tabela 2 • Empresas de capital aberto avaliadas pela MAE

Setor N° empresas N° avaliações Média(avaliações/empresas)

Insumos básicos 5 12 2,4

Manufatura 9 14 1,6

Bens de consumo 10 19 1,9

Tecnologia da informação 2 3 1,5

Petróleo 1 2 2,0

Telecomunicações 2 4 2,0

Infraestrutura pública 21 31 1,5

Outros 6 9 1,5

Total 56 94 1,7

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

A maior média de avaliações por empresa (2,4) coube a Insumos bá-sicos, pois trata-se de um setor em que antecipações de atualização da MAE ocorrem com maior frequência, em virtude de os projetos financiados serem fortemente associados a temas transversais de impacto socioambiental e regional, como aqueles ligados à explo-ração de mineração, recursos florestais (papel e celulose), cana-de--açúcar, entre outros.

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Já Infraestrutura pública constitui o setor com maior quantidade de firmas na amostra (21), dada a diversidade de players atuan-tes no país em projetos de energia elétrica (geração, transmissão e distribuição) e modais logísticos (ferrovias, rodovias, portos e aeroportos), cujos montantes de financiamento quase sempre superam o nível mínimo de exposição de crédito que demanda a realização da MAE.

Indicadores financeirosA Tabela 3 utiliza um grupo de dez indicadores financeiros que buscam descrever as empresas da amostra com base em cinco ca-racterísticas importantes: (i) porte (ativo, receita operacional); (ii) rentabilidade (lucro líquido/patrimônio líquido, Ebitda11/re-ceita operacional); (iii) estrutura de capital (passivo/ativo, emprés-timos e financiamentos de longo prazo/passivo); (iv) investimento (Capex12/ativo, Capex/receita operacional); e (v) avaliação de mer-cado (Q de Tobin, valor de mercado).

As variáveis financeiras do tipo estoque (ativo, passivo, patrimô-nio líquido, e empréstimos e financiamentos de longo prazo) são consideradas em 31 de dezembro do ano de realização da avaliação da MAE. Já as variáveis do tipo fluxo (receita operacional, lucro líquido, Ebitda e Capex), são referentes ao acumulado do mesmo ano. Por fim, as variáveis valor de mercado e Q de Tobin são consi-deradas no fim do trimestre de realização da MAE.

11  Ebitda = Earnings before interest, taxes, depreciation, and amortization, em português, lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização.

12  Capex = Capital expenditure, em português, despesas de capital.

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A amostra considera 94 observações, referentes às avaliações rea-lizadas na MAE. Diante desse tamanho de amostra, optou-se por utilizar medidas de posição (máximo, mediano e mínimo) como es-tatísticas descritivas.

Tabela 3 • Indicadores financeiros das empresas da amostra

Tabela 3a • Indicadores de porte (R$ mil)

Setor Ativo Receita operacional

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos

322.696.154 28.918.356 14.919.496 94.633.264 10.152.514 4.599.337

Manufatura 59.961.294 23.760.310 1.267.560 47.282.996 12.829.467 1.326.837

Bens de consumo

83.841.418 14.957.462 4.984.008 120.469.719 13.212.505 1.617.140

Tecnologia da informação

2.662.075 1.848.780 1.564.024 1.908.737 1.611.794 571.590

Petróleo 804.945.000 799.160.000 793.375.000 337.259.805 309.924.403 282.589.000

Telecomu- nicações

101.685.064 52.472.364 28.138.167 40.286.815 27.321.595 17.138.850

Infraestrutura pública

42.145.769 15.300.673 2.329.572 26.744.905 6.512.037 981.168

Outros 33.706.614 10.930.739 6.796.482 11.711.569 3.869.401 1.122.287

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Os números da Tabela 3a revelam que as empresas da amostra são de grande porte, pois observa-se que mesmo as de menor ativo total e re-ceita operacional superam a cifra de R$ 1 bilhão. A exceção fica por conta do setor de tecnologia da informação, no qual predominam em-presas produtoras de softwares, que, via de regra, são de perfil asset light.

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Tabela 3b • Indicadores de rentabilidade (%)

Setor Lucro líquido/ patrimônio líquido

Ebitda/ receita operacional

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 35 4 -10 35 5 -10

Manufatura 235 9 -95 12 5 -10

Bens de consumo

72 8 -36 32 4 -6

Tecnologia da informação

21 16 7 15 14 10

Petróleo -6 -6 -7 -5 -6 -6

Telecomu- nicações

12 9 5 12 10 8

Infraestrutura pública

52 7 -388 47 7 -36

Outros 15 4 -57 18 7 -97

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

A Tabela 3b indica um quadro de lucratividade e rentabilidade bastan-te variado, de modo que os setores de telecomunicações e de tecnologia da informação se destacam por serem os únicos a não terem apresenta-do resultados negativos. Porém, cumpre ressaltar que esses dois setores contribuíram com poucas observações na amostra (apenas sete avalia-ções, de quatro empresas), o que reduz as chances de pelo menos um resultado negativo.A Tabela 3c revela que, em geral, as firmas da amostra apresentam ní-veis moderados de alavancagem financeira. Trata-se de um quadro plena-mente esperado, dado que tais empresas, por terem condições de acesso a financiamento de longo prazo, apresentam níveis saudáveis de endivi-damento. Ressalte-se que o setor de bens de consumo apresentou a maior discrepância entre máximo e mínimo no indicador de empréstimos e fi-nanciamentos LP/ativo, mostrando que há bastante diversidade nas polí-ticas de estrutura de capital entre as dez empresas da amostra.

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Tabela 3c • Indicadores de estrutura de capital (%)

Setor Passivo/ativo Empréstimos e financiamentos LP/ativo

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 76 60 46 53 39 24

Manufatura 98 56 40 42 26 8

Bens de consumo

90 69 40 47 32 2

Tecnologia da informação

54 42 25 22 19 4

Petróleo 69 65 61 44 42 40

Telecomu- nicações

52 43 33 16 12 8

Infraestrutura pública

96 64 30 62 31 11

Outros 72 49 43 34 25 11

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Tabela 3d • Indicadores de investimento (%)

Setor Capex/ativo Capex/receita operacional

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 11 7 3 38 20 11

Manufatura 10 5 2 12 8 3

Bens de consumo

15 6 2 45 5 3

Tecnologia da informação

19 12 10 27 26 14

Petróleo 9 7 5 22 18 15

Telecomu- nicações

15 10 6 38 17 13

Infraestrutura pública

24 7 3 79 20 5

Outros 13 7 0 37 15 1

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

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42 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

A Tabela 3d chama a atenção pela relativa proximidade entre os máximos setoriais do indicador Capex/ativo (com exceção do se-tor de petróleo, significativamente abaixo do restante). Esse qua-dro revela que o nível máximo de investimento realizado pelos setores, proporcionalmente ao ativo total, parece encontrar um teto parecido.

Levantam-se duas hipóteses para explicar essa semelhança: (i) as ga-rantias mais comuns oferecidas por tomadores de financiamentos são baseadas em ativos reais, fazendo com que o Capex financiado esteja sempre limitado a uma determinada proporção do ativo to-tal; e (ii) parte importante do Capex das firmas se deve à reposição da depreciação, que, por sua vez, é proporcional ao ativo total.

Tabela 3e • Indicadores de avaliação de mercado

Setor Q de Tobin Valor de mercado

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 1,340 0,906 0,483 155.878.167 18.783.142 8.400.609

Manufatura 2,044 0,711 0,383 29.396.537 11.495.912 222.631

Bens de consumo

4,914 1,210 0,448 311.165.933 18.546.624 1.025.313

Tecnologia da informação

4,447 2,261 1,419 6.719.947 5.370.882 2.743.070

Petróleo 0,654 0,587 0,536 229.723.289 194.218.914 125.890.345

Telecomu- nicações

1,108 0,804 0,536 69.824.548 38.776.949 16.602.823

Infraestrutura pública

2,571 0,776 0,352 31.780.570 5.992.232 103.598

Outros 1,144 0,759 0,384 21.429.174 8.066.192 1.485.621

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Na Tabela 3e, Bens de consumo e Tecnologia da informação figu-ram destacadamente com elevados Q de Tobin (máximas de 4,9 e

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43R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

4,5, respectivamente), embora esses setores apresentem valores de mercado bastante distintos (máximos de R$ 311 bilhões e R$ 6,7 bilhões, respectivamente). Isso corrobora uma característica geral observada na amostra, qual seja, a ausência de correlação entre por-te e Q de Tobin.

No indicador de valor de mercado, Bens de consumo e Infraestru-tura pública apresentam a maior distância entre máximo e mínimo (diferença de mais de trezentas vezes), revelando um subgrupo bas-tante heterogêneo, nesse quesito, no interior da amostra.

Notas segundo setores econômicosA seguir, são apresentadas as notas dos capitais intangíveis ob-tidas nas 94 avaliações que compõem a amostra, detalhadas pe-los setores econômicos (Quadro 1). No caso do setor de petróleo, uma vez que a Tabela 2 informa que há apenas uma empresa na amostra, adotou-se um procedimento de desidentificação do dado (atribuiu-se “x”), de acordo com a legislação bancária vigente e a regra de controle de acesso da MAE. A exemplo da subseção anterior, foram usadas medidas de posição (máximo, mediano e mínimo) como estatística descritiva.

Capital financeiro (Tabela 4a) é o único capital intangível em que todos os setores apresentaram pelo menos uma empresa com nota máxima (5,0). Esse resultado é um reflexo da boa qualidade da car-teira de crédito do BNDES, que conta com alta participação de em-presas com nível de risco investment grade.

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44 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

Tabela 4 • Notas dos capitais intangíveis da MAE, segundo setores

Tabela 4a • Capitais estratégico e financeiro

Setor Capital estratégico Capital financeiro

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 4,5 4,0 3,3 5,0 3,8 2,5

Manufatura 4,8 4,0 1,5 5,0 4,3 2,0

Bens de consumo 5,0 4,3 2,8 5,0 4,7 2,5

Tecnologia da informação

5,0 4,5 4,0 5,0 4,3 4,0

Petróleo x x x x x x

Telecomunicações 5,0 4,5 4,0 5,0 4,8 4,0

Infraestrutura pública 4,8 3,5 2,5 5,0 3,3 1,3

Outros 4,8 4,0 3,0 5,0 4,0 3,0

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Tabela 4b • Capitais socioambiental e de governança corporativa

Setor Capital socioambiental Capital de governança corporativa

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 4,5 3,9 1,8 5,0 3,5 2,3

Manufatura 4,3 3,1 1,5 5,0 3,3 1,7

Bens de consumo 4,8 3,0 2,5 5,0 4,3 1,0

Tecnologia da informação

3,0 2,8 2,5 4,3 4,0 4,0

Petróleo x x x x x x

Telecomunicações 4,0 3,3 2,5 5,0 4,3 3,3

Infraestrutura pública

5,0 3,0 2,0 4,7 3,7 2,3

Outros 4,0 2,8 2,0 4,7 3,3 3,0

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

O capital socioambiental (Tabela 4b) obteve o menor somatório de medianos e mínimos entre todos os capitais intangíveis, o que pode

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45R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

indicar o maior rigor da MAE nesse capital específico ou apenas um reflexo das características intrínsecas das empresas da amostra. Cumpre salientar que o capital socioambiental foi um dos capitais intangíveis que resultaram em correlação positiva com o Q de Tobin (juntamente com Inovação), como será detalhado na quinta seção, “Modelo e resultados”.

Um segundo destaque da Tabela 4b cabe ao setor Bens de consumo, no Capital governança corporativa, que apresentou o maior intervalo pos-sível entre nota máxima (5,0) e mínima (1,0). Esse perfil heterogêneo se assemelha ao quadro geral das atividades incluídas no setor (Comércio, alimentos e bebidas), no qual empresas com baixos padrões de gover-nança convivem com players bastante avançados nesse quesito.

Tabela 4c • Capitais de relacionamento e humano

Setor Capital de relacionamento Capital humano

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 4,7 4,0 3,0 4,7 3,7 2,3

Manufatura 4,6 3,9 2,0 4,7 4,0 1,0

Bens de consumo 4,8 3,7 2,7 5,0 4,0 2,7

Tecnologia da informação

3,8 3,8 3,6 4,3 4,0 3,0

Petróleo x x x x x x

Telecomunicações 4,3 3,8 3,4 4,3 4,0 3,0

Infraestrutura pública

4,8 3,5 2,3 4,7 3,3 2,0

Outros 4,3 3,8 3,5 4,0 3,7 2,3

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Capital de relacionamento (Tabela 4c) e capital de processos e ino-vação (Tabela 4d) apresentam as maiores notas na coluna Mínimo, indicando que mesmo as empresas menos sofisticadas da amostra cobrem satisfatoriamente os requisitos mínimos desses dois capitais.

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No capital humano (Tabela 4c), o setor Manufatura obteve o segun-do maior intervalo entre nota máxima (4,7) e mínima (1,0), também revelando um quadro heterogêneo entre as firmas.

Tabela 4d • Capital de processos e inovação e estrutura de mercado

Setor Capital de processos e inovação

Estrutura de mercado

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Insumos básicos 4,5 4,0 3,5 4,3 3,7 1,3

Manufatura 4,6 4,0 2,4 4,0 3,4 2,4

Bens de consumo 4,7 3,8 2,7 4,7 3,7 3,1

Tecnologia da informação 4,0 3,8 3,8 4,0 4,0 3,6

Petróleo x x x x x x

Telecomu- nicações 4,0 3,8 3,4 4,0 3,7 3,3

Infraestrutura pública 5,0 3,3 2,0 4,3 3,3 2,8

Outros 3,8 3,3 2,7 3,7 3,5 3,0

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Por fim, estrutura de mercado (Tabela 4d) foi o capital com a distri-buição mais agrupada na categoria Mediano. Como será discutido na quinta seção, “Modelo e resultados”, esse capital intangível resul-tou em correlação negativa com o Q de Tobin.

Diferenças entre empresas de melhor e pior desempenhoA Tabela 5 apresenta, para cada capital intangível, os dez indica-dores financeiros utilizados na subseção “Indicadores financeiros”, detalhando as empresas da amostra em dois conjuntos: as de melhor desempenho na avaliação (maiores notas), integrantes do quarto

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47R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

quartil (Q4), e as de pior desempenho na avaliação (menores notas), integrantes do primeiro quartil (Q1).

Tabela 5 • Diferenças entre empresas de melhor e pior desempenho na MAE

Tabela 5a • Capital estratégico

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,5 4,3 3,5 3,0 1,5

Ativo 309.415.532 28.138.167 1.564.024 804.945.000 11.885.312 1.267.560

Receita operacional

88.274.563 12.292.899 571.590 282.589.000 5.817.487 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

28% 10% -16% 52% 5% -388%

Ebitda/receita operacional

47% 10% -6% 22% 6% -36%

Passivo/ativo 76% 54% 25% 96% 71% 41%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

37% 23% 2% 62% 34% 9%

Capex/ativo 19% 8% 3% 18% 7% 2%

Capex/receita operacional

38% 13% 4% 45% 15% 3%

Valor de mercado

299.056.215 16.602.823 2.418.793 125.890.345 5.603.520 224.000

Q de Tobin 4,028 0,904 0,406 1,760 0,761 0,405

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital estratégico (Tabela 5a), as empresas do grupo Q4 apre-sentam desempenho superior ao das empresas do grupo Q1 nos in-dicadores de lucratividade, valor de mercado e Q de Tobin. Já as firmas do grupo Q1 são mais alavancadas. Nos demais indicadores, não há uma diferença marcante entre os dois grupos.

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48 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

Tabela 5b • Capital financeiro

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,9 4,7 3,3 2,7 1,3

Ativo 309.415.532 28.138.167 1.564.024 804.945.000 20.022.820 1.267.560

Receita operacional

88.274.563 12.292.899 571.590 282.589.000 9.230.369 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

72% 9% -3% 52% 4% -388%

Ebitda/receita operacional

32% 8% -1% 18% 4% -36%

Passivo/ativo 81% 52% 25% 96% 76% 44%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

46% 20% 2% 62% 34% 11%

Capex/ativo 15% 8% 1% 24% 7% 3%

Capex/receita operacional

45% 13% 3% 79% 17% 3%

Valor de mercado

299.056.215 20.794.333 2.932.438 125.890.345 6.713.592 224.000

Q de Tobin 4,462 1,080 0,406 2,571 0,722 0,392

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital financeiro (Tabela 5b), vê-se um quadro geral semelhante ao do capital estratégico (Tabela 5a), ou seja, as empresas do grupo Q4 também superam as do grupo Q1 nos indicadores de lucrativi-dade, valor de mercado e Q de Tobin, ao passo que as do grupo Q1 são mais alavancadas. Porém, na Tabela 5b, as empresas do grupo Q1 apresentam maiores indicadores de investimento.

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49R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

Tabela 5c • Capital socioambiental

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,0 3,8 2,8 2,3 1,5

Ativo 793.375.000 28.918.356 4.873.531 82.315.588 10.930.739 1.267.560

Receita operacional

337.259.805 10.152.514 1.122.287 120.469.719 4.069.090 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

72% 11% -57% 37% 4% -388%

Ebitda/receita operacional

35% 7% -97% 47% 6% -36%

Passivo/ativo 89% 60% 38% 96% 55% 41%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

53% 32% 10% 52% 31% 8%

Capex/ativo 11% 5% 0% 24% 7% 1%

Capex/receita operacional

38% 11% 1% 79% 14% 3%

Valor de mercado

217.724.776 18.002.103 1.909.583 31.780.570 6.004.019 224.000

Q de Tobin 4,221 0,957 0,530 3,690 0,732 0,406

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital socioambiental (Tabela 5c), percebe-se uma nítida dife-rença em relação a porte, quesito em que as empresas Q4 são maio-res que as Q1. Nos indicadores de valor de mercado e Q de Tobin, o conjunto Q4 também é superior. Com relação aos índices de lucra-tividade e alavancagem, não há uma distinção clara.

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50 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

Tabela 5d • Capital de governança corporativa

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,7 4,3 3,0 2,7 1,0

Ativo 101.685.064 28.259.985 6.248.321 804.945.000 19.312.231 1.267.560

Receita operacional

69.220.000 10.224.361 981.168 337.259.805 5.660.298 1.326.837

Lucro líquido/patrimônio líquido

72% 8% -10% 235% 6% -95%

Ebitda/receita operacional

17% 7% -10% 20% 3% -17%

Passivo/ativo 89% 61% 30% 98% 62% 41%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

49% 33% 8% 44% 33% 8%

Capex/ativo 15% 6% 2% 16% 7% 2%

Capex/receita operacional

56% 13% 3% 35% 16% 3%

Valor de mercado

59.065.822 17.708.523 5.980.973 217.724.776 7.734.167 224.000

Q de Tobin 4,221 0,990 0,536 1,223 0,649 0,406

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital de governança corporativa (Tabela 5d), o conjunto de empresas Q4 é superior nos indicadores de lucratividade, valor de mercado e Q de Tobin. Por outro lado, as empresas do grupo Q1 apresentam maiores indicadores de investimento.

Tabela 5e • Capital de relacionamento

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 4,8 4,5 4,2 3,4 3,0 2,0

Ativo 793.375.000 29.624.060 4.873.531 804.945.000 16.773.346 1.267.560

(Continua)

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51R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Receita operacional

337.259.805 12.016.026 2.989.814 282.589.000 7.112.954 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

72% 12% -7% 235% 4% -388%

Ebitda/receita operacional

35% 7% -6% 47% 3% -36%

Passivo/ativo 89% 60% 33% 98% 76% 41%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

53% 36% 2% 62% 34% 9%

Capex/ativo 16% 7% 2% 24% 6% 3%

Capex/receita operacional

38% 13% 3% 79% 13% 3%

Valor de mercado

299.056.215 18.185.724 1.909.583 125.890.345 6.343.523 224.000

Q de Tobin 4,221 0,998 0,530 1,707 0,715 0,543

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital de relacionamento (Tabela 5e), as empresas Q4 são superio-res em porte, lucratividade, valor de mercado e Q de Tobin. Já as empre-sas Q1 apresentam maiores indicadores de alavancagem e investimento.

Tabela 5f • Capital humano

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,3 4,0 3,0 2,7 1,0

Ativo 793.375.000 31.042.796 1.564.024 804.945.000 13.723.518 1.267.560

Receita operacional

337.259.805 14.627.280 571.590 282.589.000 4.883.023 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

235% 9% -7% 37% 7% -388%

(Continua)

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52 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Ebitda/receita operacional

47% 7% -6% 22% 6% -36%

Passivo/ativo 98% 59% 25% 96% 62% 41%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

49% 31% 2% 52% 30% 8%

Capex/ativo 15% 7% 2% 18% 6% 1%

Capex/receita operacional

45% 13% 3% 43% 12% 3%

Valor de mercado

299.056.215 18.422.111 1.909.583 125.890.345 5.603.520 224.000

Q de Tobin 4,221 0,808 0,495 3,690 0,737 0,405

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital humano (Tabela 5f), as firmas do conjunto Q4 superam as do grupo Q1 em porte, lucratividade, investimento, valor de mer-cado e Q de Tobin, enquanto Q1 apresenta maior alavancagem.

Tabela 5g • Capital de processos e inovação

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 5,0 4,3 4,0 3,3 2,7 2,0

Ativo 804.945.000 36.103.735 4.873.531 26.229.516 10.230.001 1.267.560

Receita operacional

337.259.805 17.138.850 1.617.140 21.073.322 4.258.740 1.054.432

Lucro líquido/patrimônio líquido

235% 10% -7% 52% 4% -388%

Ebitda/receita operacional

32% 8% -6% 22% 4% -97%

Passivo/ativo 98% 59% 40% 96% 69% 43%

(Continua)

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

53R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

46% 28% 2% 62% 31% 5%

Capex/ativo 16% 7% 3% 24% 6% 0%

Capex/receita operacional

45% 13% 3% 79% 12% 1%

Valor de mercado

299.056.215 18.185.724 1.909.583 23.116.098 4.570.162 224.000

Q de Tobin 4,221 0,727 0,495 4,462 0,771 0,410

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

No capital de processos e inovação (Tabela 5g), empresas do grupo Q4 são superiores em porte, lucratividade, investimento e valor de merca-do. Já o conjunto Q1 apresenta maiores indicadores de alavancagem.

Tabela 5h • Estrutura de mercado

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Nota MAE 4,7 4,0 3,8 3,3 3,0 1,3

Ativo 804.945.000 29.814.142 1.564.024 59.961.294 18.881.716 1.267.560

Receita operacional

337.259.805 14.627.280 571.590 47.282.996 6.773.453 981.168

Lucro líquido/patrimônio líquido

72% 9% -12% 235% 3% -388%

Ebitda/receita operacional

35% 11% -9% 47% 3% -97%

Passivo/ativo 81% 58% 25% 98% 73% 30%

Empréstimos e financiamentos LP/ativo

53% 30% 2% 62% 30% 11%

Capex/ativo 19% 7% 2% 24% 6% 0%

(Continua)

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(Continuação)

Indicador 4° quartil 1º quartil

Máximo Mediano Mínimo Máximo Mediano Mínimo

Capex/receita operacional

42% 13% 3% 79% 12% 1%

Valor de mercado

299.056.215 20.521.494 2.932.438 17.414.943 6.349.277 224.000

Q de Tobin 4,221 1,043 0,414 1,568 0,703 0,405

Fonte: Elaboração própria, com base no banco de dados da MAE.

Por fim, no capital estrutura de mercado (Tabela 5h), vê-se Q4 su-perando Q1 em porte, lucratividade, investimento, valor de mer-cado e Q de Tobin, ao passo que o conjunto Q1 apresenta maiores indicadores de alavancagem.

Em uma síntese da Tabela 5, nota-se que as empresas que obtiveram maiores notas na MAE (Q4) são as que apresentam desempenho cla-ramente superior nos indicadores de: porte, lucratividade, valor de mercado e Q de Tobin. Trata-se de uma correlação positiva que não surpreende, pois, presumivelmente, empresas com bom desempenho nesses indicadores têm boas notas na avaliação, ainda que não haja uma relação causal decorrente da própria metodologia. Já as empresas que obtiveram menores notas (Q1) são as que apresentam maiores indicadores de alavancagem, o que é digno de nota e enseja futuras in-vestigações. Por fim, os indicadores envolvendo nível de investimento não apontaram diferença relevante entre os grupos Q4 e Q1.

Modelo e resultadosComo dito na Introdução, este trabalho parte da premissa de que as características qualitativas das empresas servem como sinali-zadores de seu potencial de crescimento futuro. Assim, depois da

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explanação sobre a MAE e sua forma de mensuração de aspectos qualitativos das firmas (segunda seção) e da revisão de literatura a respeito da Teoria q e sua relação com a avaliação de mercado da empresa (terceira seção), apresenta-se o seguinte modelo, que busca identificar, de forma empírica, uma ponte entre esses dois temas:

(17)

em que os regressores X1, X2.. . , Xk são as notas dos capitais intan-gíveis obtidas pelas empresas avaliadas na MAE e a variável depen-dente Q de Tobin.

Com esse modelo, o objetivo do trabalho é testar a seguinte hipótese:

(18)

Em outras palavras, o modelo testa a hipótese de que as notas obti-das na avaliação da MAE estão positivamente correlacionadas com os Q de Tobin das respectivas empresas. De forma mais abrangente, o modelo busca identificar uma relação estatística entre caracte-rísticas qualitativas e o valor de mercado das firmas, usando como ferramentas a MAE e a Teoria q.

A variável dependente do modeloA variável dependente da equação (17) é construída segundo meto-dologia utilizada por Campello e Graham (2013), que realizam uma regressão do Q de Tobin observado contra indicadores financeiros da

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firma. Com base na equação obtida, os autores extraem valores pre-vistos de Q, o qual denominam de “Q fundamental”, pois nessa medi-da de valor estariam refletidos os fundamentos econômicos da firma.

Para essa conversão ao Q fundamental, identificado nas tabelas a seguir por “Q_fund”, serão utilizados três modelos de Q de Tobin: o proposto por Chung e Pruitt (1994), da equação (12), identificado por Q1; e os dois modelos alternativos propostos por este trabalho, das equações (14) e (15), identificados por Q2 e Q3, respectivamen-te. Com esses dois novos modelos, busca-se trazer uma contribuição à pesquisa sobre o uso da Teoria q no tema das finanças corporativas.

Por consequência, todas as tabelas da presente subseção estão sub-divididas em três painéis – A, B e C – em que a variável depen-dente Q fundamental (Q_fund) é construída com base em Q1, Q2 e Q3, respectivamente.

A Tabela 6 apresenta as regressões realizadas para obtenção dos três Q_fund que serão utilizados na subseção “Análise principal”, a seguir. Os indicadores financeiros utilizados são: lucro líquido, Capex, receita operacional, ativo circulante e alavancagem, medida pelo quociente entre dívidas de longo prazo e ativo total. Todos os regressores se referem a um e dois trimestres de defasagem em relação à variável dependente. Os resultados foram gerados em re-gressão linear pelo método dos MQO, em painel com efeito fixo.

Os resultados apresentados na Tabela 6 mostram um bom ajuste do modelo conforme verificado na estatística F e nos coeficientes de determinação (todos acima de 75%). Também se observa que os sinais dos 11 regressores foram exatamente iguais nas três equações, embora tenham apresentado p-valor relativamente altos.

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Tabela 6 • Resultados das equações do Q fundamental

Painel A: variável dependente Q1

Painel B: variável dependente Q2

Painel C: variável dependente Q3

C 1,421897 1,420449 1,441855

(0,0000) (0,0000) (0,0000)

Lucro líquido (-1) 2,53E-09 4,61E-09 2,69E-09

(0,3722) (0,1332) (0,3218)

Lucro líquido (-2) 7,60E-10 2,16E-09 8,51E-10

(0,7834) (0,4297) (0,7512)

Capex (-1) 1,77E-09 2,18E-10 1,40E-09

(0,8149) (0,9734) (0,8414)

Capex (-2) -7,91E-09 -8,67E-09 -7,06E-09

(0,2438) (0,1677) (0,2704)

Receita (-1) 1,11E-08 6,93E-09 9,14E-09

(0,1379) (0,3361) (0,2099)

Receita (-2) -1,58E-09 -3,02E-09 -2,94E-09

(0,8252) (0,6586) (0,6742)

Ativo circulante (-1) -7,75E-09 -5,70E-09 -6,75E-09

(0,0021) (0,0128) (0,0056)

Ativo circulante (-2) -2,82E-09 -2,42E-09 -2,43E-09

(0,3410) (0,3817) (0,3795)

Alavancagem (-1) -0,260222 -0,720650 -0,265864

(0,4422) (0,0478) (0,4331)

Alavancagem (-2) -0,730053 -1,073313 -0,706228

(0,0412) (0,0037) (0,0468)

R² 0,766963 0,785494 0,759079

R² ajustado 0,759029 0,778191 0,750876

Estatística F 96,66489 107,5527 92,53998

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

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Análise principalA análise principal utiliza a equação (17) em quatro variantes, iden-tificadas a seguir por Eq1, Eq2, Eq3, e Eq4, em que são testadas qua-tro combinações diferentes de dois tipos regressores: as notas da MAE e a razão Ebit sobre ativo total (ebit_ativo), usado como um indicador de lucratividade futura da firma. Na Eq1 (equação prin-cipal), são utilizados os oito capitais intangíveis da MAE, além do indicador de lucratividade futura (ebit_ativo) para quatro períodos à frente. A Eq2 substitui os oito capitais da MAE por sua média aritmética simples. A Eq3, por sua vez, inclui Q1, Q2 e Q3 como regressores (Tabela 6). Por fim, a Eq4 estende o indicador de lucra-tividade futura (ebit_ativo) até oito períodos à frente.

Como mencionado na subseção “Seleção da amostra”, a base de da-dos tem periodicidade trimestral. A fim de aumentar a eficiência dos estimadores do modelo, as notas da MAE foram repetidas por quatro trimestres seguidos, com base na premissa de que as caracte-rísticas qualitativas das empresas não se alteram significativamente em um intervalo de um ano.

A Tabela 7 apresenta os resultados do modelo, gerados em regressão linear pelo método dos MQO, em painel com efeito fixo.

Tabela 7 • Notas da MAE e Q fundamental, MQO em painel com efeito fixo

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C 0,902005 0,888644 0,920120 0,493939

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0092)

Q1     0,030913  

    (0,0144)  

(Continua)

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(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (1) 0,963278 0,764883 0,683233 0,947372

(0,0006) (0,0078) (0,0114) (0,0000)

Ebit_ativo (2) 0,886577 0,694770 0,727974 1,175654

(0,0021) (0,0075) (0,0083) (0,0002)

Ebit_ativo (3) 0,054796 -0,048249 -0,044349 0,404843

(0,8447) (0,8888) (0,8622) (0,0772)

Ebit_ativo (4) -0,425660 -0,522441 -0,504926 0,023576

(0,0351) (0,0281) (0,0098) (0,8751)

Ebit_ativo (5)       0,038065

      (0,8135)

Ebit_ativo (6)       0,285710

      (0,0062)

Ebit_ativo (7)       0,239978

      (0,0994)

Ebit_ativo (8)       0,158257

      (0,1650)

Estratégico 0,011598   0,007013 -0,014937

(0,2855)   (0,5184) (0,1665)

Relacionamento 0,008576   0,007197 0,019921

(0,7043)   (0,7484) (0,3737)

Socioambiental 0,051046   0,052148 0,065074

(0,0005)   (0,0004) (0,0000)

Governança -0,024580   -0,023265 -0,046450

(0,0713)   (0,0876) (0,0002)

Inovação 0,061678   0,060095 0,128163

(0,0240)   (0,0281) (0,0001)

Humano 0,018576   0,022640 0,011194

(0,2571)   (0,1546) (0,4323)

(Continua)

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60 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Financeiro 0,007888   0,004967 0,038061

(0,6049)   (0,7445) (0,0101)

Mercado -0,067076   -0,073689 -0,039831

(0,0003)   (0,0000) (0,0065)

Média   0,071621    

  (0,0872)    

R² 0,996990 0,996196 0,997065 0,997982

R² ajustado 0,996298 0,995444 0,996376 0,997401

Estatística F 1440,929 1324,337 1447,839 1718,909

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 13,88501 5,671449 14,08626 34,07878

Prob(F_notas) 0,000000 0,000100 0,000000 0,000000

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C0,660874 0,610660 0,717830 0,076875

(0,0042) (0,0081) (0,0017) (0,7720)

Q2     0,063790  

    (0,0011)  

Ebit_ativo (1) 1,327364 1,053094 0,738246 1,363740

(0,0020) (0,0180) (0,0697) (0,0004)

Ebit_ativo (2) 1,117723 0,888188 0,767767 1,532934

(0,0098) (0,0307) (0,0696) (0,0011)

Ebit_ativo (3) 0,375950 0,258739 0,160471 0,799249

(0,4319) (0,6473) (0,7136) (0,0109)

Ebit_ativo (4) -0,659219 -0,769393 -0,827686 0,058221

(0,0442) (0,0366) (0,0069) (0,8333)

Ebit_ativo (5)       -0,146176

      (0,5246)

(Continua)

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(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (6)       0,525539

      (0,0029)

Ebit_ativo (7)       0,390248

      (0,0871)

Ebit_ativo (8)       0,282735

      (0,1532)

Estratégico 0,021724   0,011625 -0,020051

(0,2272)   (0,5119) (0,3025)

Relacionamento -0,001940   -0,001880 0,014418

(0,9508)   (0,9511) (0,6574)

Socioambiental 0,069460   0,071053 0,092103

(0,0017)   (0,0013) (0,0000)

Governança -0,023531   -0,020526 -0,055733

(0,2308)   (0,2876) (0,0021)

Inovação 0,102114   0,095103 0,206707

(0,0211)   (0,0282) (0,0001)

Humano 0,032673   0,041612 0,022456

(0,1904)   (0,0764) (0,2961)

Financeiro -0,006800   -0,014511 0,037060

(0,7788)   (0,5437) (0,1254)

Mercado -0,129717   -0,141144 -0,094288

(0,0000)   (0,0000) (0,0000)

Média   0,078036    

  (0,1818)    

R² 0,993430 0,991774 0,993727 0,995850

R² ajustado 0,991920 0,990148 0,992255 0,994656

Estatística F 657,7883 609,6840 675,2210 834,1256

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 15,68311 4,675987 16,51536 37,65932

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

(Continua)

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(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C0,952454 0,935555 0,970069 0,567438

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0020)

Q3     0,028323  

    (0,0153)  

Ebit_ativo (1) 0,901852 0,721630 0,643441 0,886416

(0,0008) (0,0088) (0,0115) (0,0001)

Ebit_ativo (2) 0,824435 0,650061 0,678219 1,097388

(0,0032) (0,0099) (0,0118) (0,0003)

Ebit_ativo (3) 0,088951 -0,002730 -0,000274 0,417362

(0,7392) (0,9933) (0,9991) (0,0519)

Ebit_ativo (4) -0,401065 -0,487568 -0,472106 0,025278

(0,0382) (0,0318) (0,0113) (0,8612)

Ebit_ativo (5)       0,024675

      (0,8721)

Ebit_ativo (6)       0,272813

      (0,0059)

Ebit_ativo (7)       0,224794

      (0,1038)

Ebit_ativo (8)       0,146279

      (0,1791)

Estratégico 

0,010813   0,006529 -0,014633

(0,3058)   (0,5367) (0,1644)

Relacionamento 0,005024   0,004018 0,015610

(0,8158)   (0,8507) (0,4696)

Socioambiental 0,047587   0,048310 0,060514

(0,0007)   (0,0006) (0,0000)

Governança -0,022469   -0,021726 -0,042976

(0,0808)   (0,0935) (0,0003)

(Continua)

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(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Inovação 0,061001   0,059501 0,124942

(0,0211)   (0,0245) (0,0001)

Humano 0,016285   0,020273 0,009125

(0,3023)   (0,1854) (0,5033)

Financeiro 0,006533   0,003944 0,035325

(0,6535)   (0,7860) (0,0126)

Mercado -0,067061   -0,073255 -0,041781

(0,0001)   (0,0000) (0,0015)

Média   0,062528    

  (0,1177)    

R² 0,997065 0,996285 0,997131 0,998042

R² ajustado 0,996390 0,995551 0,996458 0,997479

Estatística F 1477,697 1356,184 1481,488 1772,186

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 14,24064 5,418258 14,68111 33,17402

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

Os números da Tabela 7 confirmam alguns resultados esperados e revelam uma surpresa. Considerando como sendo resultados consis-tentes os regressores que apresentaram significância estatística13 em todas as equações testadas (Eq1 até Eq4, quando aplicável) nos três painéis (A, B, C), concomitantemente, destacam-se os sinais positivos dos capitais intangíveis inovação e socioambiental e dos regressores ebit_ativo de um e dois períodos à frente. Como surpresa, no entanto, o capital mercado surge com sinal negativo, contrariando a noção inicial de que seria positivamente correlacionado com Q_fund.

13  Admitindo-se p-valor menor do que 0,1.

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Os resultados dos regressores inovação e socioambiental confirmam a expectativa de que o mercado atribui mais valor a empresas pro-ficientes nas características desses dois capitais. Ou seja, são mais valorizadas as firmas bem avaliadas quanto à gestão da inovação, capacitação tecnológica, infraestrutura dedicada a PD&I e sistemas de gestão operacional (questões relativas ao capital de processos e inovação) e também com relação à postura diante do tema da res-ponsabilidade socioambiental, refletida na estrutura de gestão de riscos e passivos socioambientais, na capacidade de obtenção de certificações, capacidade de articulação com políticas públicas e contribuição para o desenvolvimento local e regional (questões re-lativas ao capital socioambiental).

Quanto à surpresa surgida no sinal negativo do regressor mercado, cumpre destacar que essa nota, na MAE, não integra o conjunto de capitais intangíveis inerentes à empresa – aqueles que fazem parte do resumo gráfico dessa metodologia (heptágono da Figura 2) –, consistindo, no entanto, em um capital complementar referente a fatores sistêmicos. Na interpretação destes autores, uma hipótese que explicaria o sinal negativo do regressor mercado reside em uma das três questões que formam a nota desse capital, na qual se exa-mina a capacidade de resiliência a crises e o preparo da empresa para enfrentar alterações no ambiente econômico, institucional e regulatório. Assim, acredita-se em um possível viés de avaliação em favor de empresas que tenham enfrentado períodos desafiadores, nos quais tiveram a oportunidade de demonstrar boa capacidade de superação de crises. Porém, nesses casos, tais adversidades teriam vindo acompanhadas de impactados negativos no valor de mercado dessas empresas.

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Com relação ao indicador de lucratividade futura ebit_ativo, os re-sultados da Tabela 7 demonstram que o poder explicativo desse re-gressores é estatisticamente significativo até um horizonte de seis meses à frente.

Por fim, quanto aos indicadores de ajustes do modelo, foram obti-dos bons resultados nas quatro equações, conforme se verifica nos coeficientes de determinação (todos acima de 99%) e nas estatísticas F, com Prob(F) e Prob(F_notas) iguais a 0,000000 em todos os testes.

Análises de robustezAs quatro tabelas a seguir exploram diferentes análises de robustez, na busca pelo melhor ajuste possível do modelo. Todas as equações continuam utilizando o método de regressão linear por MQO dos dados em painel, com as seguintes especificações: a Tabela 8 realiza um corte transversal; a Tabela 9 utiliza instrumentos em análise de dois estágios – mínimos quadrados em dois estágios (2SLS);14 a Tabela 10 volta ao modelo com efeito fixo, porém com defasagem temporal dos regressores; e a Tabela 11, também com efeito fixo, utiliza apenas dois períodos à frente para o regressor ebit_ativo.

Corte transversal

Mantendo-se o mesmo critério de consistência de resultados da subseção anterior – apenas regressores que apresentaram significân-cia estatística em todas as equações testadas (Eq1 até Eq4, quando aplicável) nos três painéis (A, B, C), concomitantemente –, a análise

14  Sigla em inglês para a expressão two-stage least squares.

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em corte transversal (Tabela 8) apresenta sinal positivo nos regres-sores média e financeiro.

Assim, nesse teste de robustez, a maior parte dos resultados verifica-dos na análise principal não se repetiu. Como é possível perceber, a ausência do efeito fixo parece ter interferido sobremaneira nos coe-ficientes angulares individuais. No entanto, o sinal positivo do re-gressor média, com destaque para sua alta significância estatística (p-valor igual a 0,0000 nos três painéis), sugere que, nessa especifica-ção do modelo, a correlação entre os capitais intangíveis e o valor de mercado foi mais bem observada por um regressor síntese da MAE.

Tabela 8 • Notas da MAE e Q fundamental, MQO em painel em corte transversal

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C-1,477803 -1,032405 0,193773 -1,660329

(0,0000) (0,0006) (0,1261) (0,0000)

Q1     0,895491  

    (0,0000)  

Ebit_ativo (1) 10,23347 11,404670 -1,989416 9,555726

(0,0000) (0,0000) (0,1841) (0,0000)

Ebit_ativo (2) 7,805620 8,447286 0,411965 7,633084

(0,0059) (0,0054) (0,6808) (0,0161)

Ebit_ativo (3) 6,649092 7,071854 -0,015063 7,245958

(0,0047) (0,0058) (0,9891) (0,0115)

Ebit_ativo (4) 6,804992 7,634439 0,594370 7,891837

(0,0046) (0,0030) (0,6921) (0,0131)

Ebit_ativo (5)       0,853446

      (0,4701)

Ebit_ativo (6)       1,603071

      (0,2136)

(Continua)

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67R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (7)       -0,440755

      (0,7129)

Ebit_ativo (8)       -0,078217

      (0,9361)

Estratégico -0,253381   -0,241733 -0,160279

(0,0046)   (0,0016) (0,0401)

Relacionamento 0,049032   0,119422 0,010674

(0,3904)   (0,0074) (0,8434)

Socioambiental -0,106513   0,017238 -0,109178

(0,0000)   (0,4234) (0,0001)

Governança 0,113910   -0,054919 0,150820

(0,0000)   (0,0002) (0,0000)

Inovação -0,057046   -0,050060 0,059156

(0,5311)   (0,0721) (0,4877)

Humano 0,188191   0,133386 0,103321

(0,0015)   (0,0000) (0,0349)

Financeiro 0,225381   0,125278 0,152462

(0,0008)   (0,0002) (0,0121)

Mercado 0,390319   -0,043368 0,373404

(0,0001)   (0,4170) (0,0002)

Média   0,412093    

  (0,0000)    

R² 0.428532 0.367466 0.842633 0.497613

R² ajustado 0.406339 0.357458 0.835991 0.467394

Estatística F 19,30936 36,71565 126,8619 16,46702

Prob(F ) 0.000000 0.000000 0.000000 0.000000

Estatística F_notas 32,26321 47,14035 6,399750 54,09547

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

(Continua)

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68 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C-2,085463 -1,681205 0,221433 -2,257462

(0,0000) (0,0000) (0,0993) (0,0000)

Q2    0,909417  

    (0,0000)  

Ebit_ativo (1) 96,771950 11,400690 -2,207122 9,039773

(0,0000) (0,0000) (0,1653) (0,0001)

Ebit_ativo (2) 7,682106 8,563829 0,063087 7,644057

(0,0097) (0,0090) (0,9526) (0,0214)

Ebit_ativo (3) 6,917059 7,378306 -0,021074 7,630598

(0,0046) (0,0068) (0,9860) (0,0099)

Ebit_ativo (4) 6,526546 7,510552 0,177642 7,749825

(0,0060) (0,0040) (0,9008) (0,0146)

Ebit_ativo (5)       0,855619

      (0,4824)

Ebit_ativo (6)       1,797637

      (0,1115)

Ebit_ativo (7)       -0,251648

      (0,8106)

Ebit_ativo (8)       -0,000332

      (0,9997)

Estratégico -0,158626   -0,237618 -0,062269

(0,0601)   (0,0020) (0,3713)

Relacionamento 0,051226   0,126729 0,026159

(0,4334)   (0,0060) (0,6963)

Socioambiental -0,143627   0,008914 -0,135673

(0,0000)   (0,7197) (0,0000)

Governança 0,099852   -0,051864 0,143694

(0,0003)   (0,0006) (0,0000)

(Continua)

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

69R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Inovação -0,063568   -0,051858 0,058419

(0,5270)   (0,0774) (0,5334)

Humano 0,145065   0,119334 0,038859

(0,0527)   (0,0002) (0,5269)

Financeiro 0,312336   0,125716 0,243243

(0,0000)   (0,0001) (0,0000)

Mercado 0,396003   -0,048259 0,348493

(0,0001)   (0,3689) (0,0004)

Média   0,521115    

  (0,0000)    

R² 0.448808 0.371426 0.853671 0.520244

R² ajustado 0.427402 0.361481 0.847495 0.491386

Estatística F 20,96691 37,34509 138,2187 18,02801

Prob(F ) 0.000000 0.000000 0.000000 0.000000

Estatística F_notas 51,37303 39,08183 5,122312 56,23345

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C-1,355736 -0,803422 0,180997 -1,525732

(0,0000) (0,0094) (0,1601) (0,0000)

Q3    0,890802  

    (0,0000)  

Ebit_ativo (1)9,742709 10,923940 -2,227831 9,043721

(0,0000) (0,0000) (0,1342) (0,0001)

Ebit_ativo (2)7,405235 8,147145 0,306822 7,243809

(0,0104) (0,0083) (0,7550) (0,0247)

Ebit_ativo (3)6,351489 6,981238 0,036263 6,917722

(0,0068) (0,0056) (0,9730) (0,0153)

(Continua)

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70 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (4)6,510781 7,573963 0,643562 7,503907

(0,0066) (0,0028) (0,6562) (0,0176)

Ebit_ativo (5)      0,863116

      (0,4628)

Ebit_ativo (6)      1,544355

      (0,2039)

Ebit_ativo (7)      -0,375999

      (0,7406)

Ebit_ativo (8)      -0,079248

      (0,9302)

Estratégico-0,262974   -0,235813 -0,170469

(0,0019)   (0,0018) (0,0215)

Relacionamento0,075435   0,121732 0,034831

(0,2151)   (0,0067) (0,5601)

Socioambiental-0,110013   0,012974 -0,113219

(0,0000)   (0,5511) (0,0001)

Governança 0,107602   -0,053271 0,145526

(0,0000)   (0,0004) (0,0000)

Inovação -0,081371   -0,050358 0,025467

(0,3597)   (0,0758) (0,7630)

Humano0,141781   0,124758 0,054835

(0,0142)   (0,0000) (0,2364)

Financeiro0,225770   0,127645 0,159853

(0,0004)   (0,0001) (0,0075)

Mercado0,432807   -0,036502 0,420390

(0,0000)   (0,5151) (0,0000)

Média  0,358468    

  (0,0000)    

R² 0.426378 0.354729 0.833141 0.493692

R² ajustado 0.404102 0.344519 0.826098 0.463237

(Continua)

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

71R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Estatística F 19,14021 34,74341 118,2977 16,21072

Prob(F ) 0.000000 0.000000 0.000000 0.000000

Estatística F_notas 19,58157 52,31673 6,514733 30,02880

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

Mínimos quadrados em dois estágios

Com esse teste de robustez, investiga-se uma possível causalidade re-versa, em que os regressores dos capitais intangíveis seriam endóge-nos em relação a Q, ou seja, as notas da MAE seriam função também do valor de mercado. Em termos práticos, essa hipótese supõe que a percepção dos avaliadores a respeito das características qualitativas da empresa estaria influenciada pelo desempenho de suas ações na bolsa de valores (B3), quando da aplicação do questionário MAE.

Tendo em mente essa possível existência de causalidade reversa en-tre os capitais intangíveis e Q, será utilizado o método de dois es-tágios (2SLS) para controlar essa suposta endogeneidade, usando como instrumentos a defasagem de primeira ordem dos regressores.

A Tabela 9 apresenta resultados bastante semelhantes aos verifi-cados na análise principal (Tabela 7), quais sejam: sinais positivos nos regressores inovação, socioambiental e ebit_ativo, e sinal nega-tivo no regressor mercado. Porém, o regressor ebit_ativo apresenta consistência no sinal positivo apenas em um período à frente. Em síntese, esse teste de robustez apresentou o mesmo resultado que o verificado na especificação principal.

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Tabela 9 • Valor da firma e notas da MAE, painel com efeito fixo e instrumentos em mínimos quadrados em dois estágios

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C0,994386 0,986670 1,000171 0,415690

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0024)

Q1    0,036890  

    (0,0263)  

Ebit_ativo (1) 1,113962 0,977591 0,824091 0,909680

(0,0044) (0,0028) (0,0191) (0,0126)

Ebit_ativo (2) 0,643761 0,539425 0,477144 1,037258

(0,0039) (0,0579) (0,0546) (0,0000)

Ebit_ativo (3) -0,212570 -0,276523 -0,336430 0,296153

(0,4869) (0,4300) (0,2373) (0,2419)

Ebit_ativo (4) -0,510620 -0,548264 -0,612942 0,045758

(0,0415) (0,0382) (0,0122) (0,7926)

Ebit_ativo (5)       0,174505

      (0,2489)

Ebit_ativo (6)       0,413119

      (0,0003)

Ebit_ativo (7)       0,331601

      (0,0175)

Ebit_ativo (8)       0,135019

      (0,4184)

Estratégico 0,016361   0,010628 -0,023060

(0,1947)   (0,4032) (0,0026)

Relacionamento 0,000584   0,001582 -0,009368

(0,9785)   (0,9418) (0,5941)

Socioambiental 0,037453   0,038529 0,050059

(0,0323)   (0,0276) (0,0000)

Governança -0,011817   -0,011160 -0,029939

(0,3842)   (0,4156) (0,0081)

(Continua)

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

73R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Inovação 0,072918   0,072081 0,178529

(0,0152)   (0,0157) (0,0000)

Humano 0,016699   0,021760 0,011873

(0,3806)   (0,2314) (0,5559)

Financeiro -0,009799   -0,013598 0,042827

(0,5778)   (0,4521) (0,0000)

Mercado -0,072862   -0,079043 -0,038299

(0,0014)   (0,0004) (0,0243)

Média  0,051251    

  (0,2107)    

R² 0,997555 0,996919 0,997654 0,998751

R² ajustado 0,996749 0,996055 0,996863 0,998229

Estatística F 1237,706 1153,790 1261,956 1915,255

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas

29,02123 3,077542 18,64681 39,61497

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C 0,807330 0,762091 0,838960 -0,011990

(0,0029) (0,0011) (0,0018) (0,9481)

Q2    0,068274  

    (0,0076)  

Ebit_ativo (1)1,551644 1,400625 1,003663 1,286833

(0,0080) (0,0047) (0,0606) (0,0193)

Ebit_ativo (2) 0,729112 0,651683 0,382078 1,295381

(0,0301) (0,1744) (0,3231) (0,0000)

Ebit_ativo (3) 0,059778 0,009510 -0,187482 0,608104

(0,9070) (0,9869) (0,6828) (0,0498)

(Continua)

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74 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (4) -0,775470 -0,783782 -0,982345 0,078506

(0,0559) (0,0573) (0,0099) (0,8037)

Ebit_ativo (5)       0,052007

      (0,8062)

Ebit_ativo (6)       0,795193

      (0,0000)

Ebit_ativo (7)       0,586232

      (0,0042)

Ebit_ativo (8)       -0,064060

      (0,8078)

Estratégico 0,028513   0,016849 -0,032759

(0,1627)   (0,4136) (0,0243)

Relacionamento -0,019706   -0,013962 -0,036929

(0,5105)   (0,6369) (0,1274)

Socioambiental 0,049968   0,050910 0,069002

(0,0710)   (0,0624) (0,0001)

Governança -0,002848   -0,001674 -0,028977

(0,8839)   (0,9316) (0,0604)

Inovação 0,118428   0,113074 0,283012

(0,0165)   (0,0179) (0,0000)

Humano 0,029231   0,039235 0,020512

(0,2995)   (0,1336) (0,4970)

Financeiro -0,033811   -0,042621 0,044509

(0,2255)   (0,1295) (0,0005)

Mercado -0,137766   -0,146691 -0,090520

(0,0001)   (0,0000) (0,0001)

Média   0,043073    

  (0,4618)    

R² 0,994502 0,993079 0,994818 0,997476

R² ajustado 0,992689 0,991138 0,993072 0,996421

(Continua)

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75R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Estatística F 548,7886 511,6363 569,8923 946,1601

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas

29,78784 2,704535 16,58415 31,38307

Prob(F_notas) 0,000000 0,021900 0,000000 0,000000

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C 1,050714 1,037094 1,058871 0,506145

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0002)

Q3     0,033928  

    (0,0290)  

Ebit_ativo (1) 1,038670 0,924128 0,773748 0,846600

(0,0052) (0,0029) (0,0209) (0,0155)

Ebit_ativo (2) 0,586488 0,503593 0,432811 0,956619

(0,0061) (0,0727) (0,0660) (0,0000)

Ebit_ativo (3) -0,165963 -0,217267 -0,277826 0,305714

(0,5664) (0,5119) (0,2985) (0,1846)

Ebit_ativo (4) -0,487846 -0,513249 -0,580694 0,037419

(0,0423) (0,0421) (0,0124) (0,8264)

Ebit_ativo (5)       0,149457

      (0,2856)

Ebit_ativo (6)       0,394646

      (0,0002)

Ebit_ativo (7)       0,310895

      (0,0146)

Ebit_ativo (8)       0,112390

      (0,4822)

Estratégico 0,015145   0,009712 -0,022607

(0,2126)   (0,4295) (0,0029)

(Continua)

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Osmar Cervieri Junior e Fernando Nascimento de Oliveira

76 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Relacionamento -0,004312   -0,002923 -0,014245

(0,8341)   (0,8868) (0,4063)

Socioambiental 0,033797   0,034348 0,045430

(0,0433)   (0,0411) (0,0001)

Governança -0,009724   -0,009844 -0,026415

(0,4417)   (0,4439) (0,0126)

Inovação 0,071863   0,070836 0,173039

(0,0138)   (0,0143) (0,0000)

Humano 0,013988   0,018777 0,009407

(0,4400)   (0,2794) (0,6206)

Financeiro -0,010408   -0,013712 0,039576

(0,5352)   (0,4238) (0,0000)

Mercado -0,072762   -0,078625 -0,041221

(0,0008)   (0,0002) (0,0080)

Média   0,040820    

  (0,2904)    

R² 0,997617 0,996991 0,997705 0,998804

R² ajustado 0,996832 0,996147 0,996932 0,998304

Estatística F 1270,125 1181,610 1290,245 2000,571

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas

33,31511 2,919595 19,93244 38,49552

Prob(F_notas) 0,000000 0,014600 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

Defasagem temporal dos regressores

Nesse teste de robustez, investiga-se novamente a possibilidade de causalidade reversa, em que as notas da MAE seriam endógenas em

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relação a Q (conforme discutido no teste anterior). Para isso, a espe-cificação da Tabela 10 utiliza o modelo principal (Tabela 7) com de-fasagem temporal de um período nos regressores relativos à MAE.

Como resultado, da mesma forma que no modelo principal, obteve--se sinal positivo para os regressores inovação e socioambiental e sinal negativo no regressor mercado. Surpreendentemente, houve sinal ne-gativo no regressor ebit_ativo de quatro períodos à frente, para o qual não foi identificada uma explicação aparente.

No entanto, relaxando-se um pouco o rigor adotado para o critério de consistência de resultado – admitindo-se significância estatística em três equações testadas nos três painéis, concomitantemente –, passam a ser considerados os sinais positivos dos regressores ebit_ativo de um e dois períodos à frente, aproximando-se ainda mais do resultado obtido no modelo principal.

Tabela 10 • Valor da firma e notas da MAE, painel com efeito fixo e defasagem dos regressores

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C 1,029490 0,999322 1,025622 0,412064

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0004)

Q1     0,037897  

    (0,0059)  

Ebit_ativo (1) 0,721457 0,638223 0,470998 0,701636

(0,0071) (0,0256) (0,0628) (0,0019)

Ebit_ativo (2) 0,430099 0,402570 0,271150 0,760603

(0,0502) (0,0910) (0,1958) (0,0002)

Ebit_ativo (3) -0,164786 -0,183140 -0,299964 0,241443

(0,5137) (0,5249) (0,2067) (0,3522)

(Continua)

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78 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Ebit_ativo (4) -0,804815 -0,795000 -0,849481 -0,270954

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0102)

Ebit_ativo (5)       0,403576

      (0,0001)

Ebit_ativo (6)       0,588602

      (0,0000)

Ebit_ativo (7)       0,610759

      (0,0000)

Ebit_ativo (8)       0,208865

      (0,0924)

Estratégico (-1) 0,017381   0,012449 -0,030225

(0,0793)   (0,1794) (0,0000)

Relacionamento (-1) 

-0,017563   -0,015458 -0,027139

(0,3140)   (0,3698) (0,0471)

Socioambiental (-1) 

0,032847   0,034700 0,051333

(0,0033)   (0,0022) (0,0000)

Governança (-1) -0,010376   -0,009164 -0,020525

(0,3535)   (0,4006) (0,0391)

Inovação (-1) 0,084859   0,082335 0,190789

(0,0016)   (0,0016) (0,0000)

Humano (-1) 0,006692   0,013864 0,004864

(0,6202)   (0,2574) (0,7403)

Financeiro (-1) -0,001022   -0,005781 0,043803

(0,9430)   (0,6890) (0,0000)

Mercado (-1) -0,070894   -0,077815 -0,030797

(0,0010)   (0,0002) (0,0670)

Média (-1)   0,049350    

  (0,0946)    

R² 0,997525 0,996830 0,997627 0,998554

(Continua)

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79R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel A: variável dependente Q1_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

R² ajustado 0,996952 0,996199 0,997066 0,998132

Estatística F 1739,788 1578,400 1777,887 2365,813

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 26,76474 9,537546 24,04554 45,50833

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C 0,877019 0,777317 0,891108 -0,006518

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,9628)

Q2     0,071941  

    (0,0005)  

Ebit_ativo (1) 0,991773 0,960417 0,499421 0,980945

(0,0064) (0,0206) (0,1516) (0,0020)

Ebit_ativo (2) 0,609113 0,646785 0,272876 1,068292

(0,0582) (0,0896) (0,3523) (0,0003)

Ebit_ativo (3) 0,047964 0,072022 -0,226513 0,481885

(0,9085) (0,8765) (0,5567) (0,1049)

Ebit_ativo (4) -1,404485 -1,364031 -1,500144 -0,508833

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0083)

Ebit_ativo (5)       0,476382

      (0,0015)

Ebit_ativo (6)       1,114883

      (0,0000)

Ebit_ativo (7)       1,103672

      (0,0000)

Ebit_ativo (8)       0,159652

      (0,5338)

(Continua)

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80 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel B: variável dependente Q2_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Estratégico (-1) 0,029565   0,017714 -0,044178

(0,0671)   (0,2419) (0,0000)

Relacionamento (-1) 

-0,051962   -0,042878 -0,064025

(0,0298)   (0,0595) (0,0030)

Socioambiental (-1) 

0,039851   0,042847 0,072798

(0,0140)   (0,0074) (0,0000)

Governança (-1) 0,003004   0,005414 -0,011225

(0,8561)   (0,7311) (0,4727)

Inovação (-1) 0,139540   0,130621 0,297294

(0,0010)   (0,0010) (0,0000)

Humano (-1) 0,014734   0,029195 0,012692

(0,4798)   (0,1109) (0,5622)

Financeiro (-1) -0,016917   -0,027866 0,044057

(0,4516)   (0,2108) (0,0011)

Mercado (-1) -0,140525   -0,151179 -0,083038

(0,0001)   (0,0000) (0,0002)

Média (-1)   0,043175    

  (0,3026)    

R² 0,994292 0,992701 0,994638 0,996675

R² ajustado 0,992970 0,991247 0,993371 0,995704

Estatística F 751,9947 682,5957 784,6222 1026,894

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 31,41599 7,831863 25,66341 47,80915

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

C1,086902 1,049989 1,086295 0,500059

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0000)

(Continua)

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81R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Q3    0,036036  

    (0,0063)  

Ebit_ativo (1)0,659737 0,598918 0,422477 0,637904

(0,0101) (0,0328) (0,0865) (0,0028)

Ebit_ativo (2)0,403088 0,393479 0,250987 0,714518

(0,0525) (0,0875) (0,1952) (0,0002)

Ebit_ativo (3)-0,136283 -0,142206 -0,261120 0,240886

(0,5619) (0,5957) (0,2322) (0,3018)

Ebit_ativo (4)-0,786926 -0,772351 -0,830736 -0,271828

(0,0000) (0,0000) (0,0000) (0,0089)

Ebit_ativo (5)       0,383660

      (0,0001)

Ebit_ativo (6)       0,577338

      (0,0000)

Ebit_ativo (7)       0,596446

      (0,0000)

Ebit_ativo (8)       0,204074

      (0,1038)

Estratégico (-1) 0,016340   0,011157 -0,029524

(0,0865)   (0,2131) (0,0000)

Relacionamento (-1)

-0,022393   -0,019901 -0,031528

(0,1694)   (0,2143) (0,0195)

Socioambiental (-1)

0,028937   0,030447 0,047029

(0,0054)   (0,0038) (0,0000)

Governança (-1)-0,008300   -0,007832 -0,017382

(0,4273)   (0,4450) (0,0732)

Inovação (-1) 0,083374   0,080717 0,184675

(0,0013)   (0,0013) (0,0000)

(Continua)

Page 82: ISSN 0104-5849

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82 R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

(Continuação)

Painel C: variável dependente Q3_fund

Eq1 Eq2 Eq3 Eq4

Humano (-1)0,004022   0,010979 0,002777

(0,7545)   (0,3453) (0,8411)

Financeiro (-1) -0,001382   -0,005826 0,040551

(0,9193)   (0,6694) (0,0000)

Mercado (-1) -0,070817   -0,077420 -0,033904

(0,0006)   (0,0001) (0,0289)

Média (-1)   0,039070    

  (0,1529)    

R² 0,997586 0,996898 0,997683 0,998602

R² ajustado 0,997027 0,996280 0,997135 0,998194

Estatística F 1784,166 16,12787 1820,935 2446,875

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 26,43030 9,289169 24,56691 47,63533

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

Modelo principal com dois períodos

Por último, a Tabela 11 testa a Eq1 da especificação principal com uma modificação no regressor ebit_ativo, considerando-o apenas em um e dois períodos à frente. Os resultados seguem os mesmos, ou seja, sinal positivo nos capitais inovação e socioam-biental e nos regressores ebit_ativo (1) e (2), e sinal negativo no capital mercado.

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

83R. BNDES, Rio de Janeiro, v. 28, n. 55, p. 9-86, jun. 2021

Tabela 11 • Valor da firma e notas da MAE, painel com efeito fixo (modelo principal com dois períodos à frente)

Painel A:variável

dependente Q1_fund

Painel B:variável

dependente Q2_fund

Painel C:variável

dependente Q3_fund

C 0,887551 0,656840 0,940430

(0,0000) (0,0016) (0,0000)

Ebit_ativo (1) 0,875791 1,190365 0,819584

(0,0017) (0,0059) (0,0020)

Ebit_ativo (2) 0,853031 1,060691 0,792230

(0,0028) (0,0121) (0,0041)

Estratégico 0,010487 0,020297 0,009805

(0,3108) (0,2402) (0,3304)

Relacionamento 0,007918 -0,006115 0,004010

(0,7326) (0,8450) (0,8540)

Socioambiental 0,049858 0,065579 0,046222

(0,0003) (0,0016) (0,0004)

Governança -0,022396 -0,019034 -0,020277

(0,1041) (0,3311) (0,1160)

Inovação 0,059659 0,102038 0,059486

(0,0431) (0,0321) (0,0369)

Humano 0,020918 0,033069 0,018085

(0,2054) (0,1860) (0,2543)

Financeiro0,011124 -0,002227 0,009517

(0,4560) (0,9246) (0,5035)

Mercado-0,067799 -0,129623 -0,067591

(0,0003) (0,0000) (0,0001)

R² 0,996892 0,993175 0,996972

R² ajustado 0,996212 0,991681 0,996310

Estatística F 1465,705 664,8493 1504,432

Prob(F ) 0,000000 0,000000 0,000000

Estatística F_notas 16,05264 18,55263 16,20441

Prob(F_notas) 0,000000 0,000000 0,000000

Fonte: Elaboração própria.

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ConclusãoO objetivo desse trabalho foi investigar a relação empírica entre os re-sultados obtidos pela MAE e o valor de mercado das firmas por ela ava-liadas. Como variáveis explicativas principais, foram utilizadas as notas atribuídas aos capitais intangíveis definidos nessa metodologia. Como variável dependente, empregou-se uma medida construída por meio da Teoria do q marginal de Tobin, segundo a abordagem de Campello e Graham (2013).

A base de dados utilizada restringiu-se às empresas negociadas na B3, consistindo em uma amostra de 56 firmas, que foram submetidas a 94 avaliações, realizadas no período compreendido entre o terceiro tri-mestre de 2012 e o primeiro trimestre de 2018. O modelo empregou o método dos MQO dos dados em painel, com efeito fixo. Dessa forma, foi estabelecido um teste de hipótese, a fim de averiguar se os regresso-res dos capitais intangíveis da MAE são positivamente correlacionados com o valor de mercado das firmas.

Na construção da variável dependente, foram utilizados três métodos de cálculo do Q médio de Tobin (proxy do q marginal de Tobin): o de Chung e Pruitt (1994) e dois modelos alternativos propostos pelo pre-sente trabalho – equações (14) e (15). Assim, todas as equações testadas nesse trabalho foram submetidas a três testes (painéis A, B e C da quin-ta seção, “Modelos e resultados”). Obtidos os resultados, verificou-se que as três formas de calcular o Q produzem resultados semelhantes, o que pode ser interpretado como uma contribuição dos modelos aqui propostos, dada sua simplicidade de cálculo.

Para o teste de hipótese principal, adotou-se o critério de assumir como resultados consistentes aqueles regressores que apresentaram significância estatística em todas as equações testadas nos três painéis,

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Uma análise da relação entre a metodologia do BNDES para avaliação de capitais intangíveis e o valor de mercado das empresas avaliadas

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concomitantemente. Por essa regra, os dados confirmaram alguns re-sultados esperados (correlação positiva) e revelaram uma surpresa (cor-relação negativa).

Em correlações positivas, surgiram os regressores dos capitais intangí-veis inovação e socioambiental, confirmando a expectativa de que o mercado atribui maior valor às empresas proficientes nesses capitais, ou seja, empresas de elevado nível em: (i) gestão da inovação, capacita-ção tecnológica, infraestrutura dedicada a PD&I e sistemas de gestão operacional; e (ii) responsabilidade socioambiental, refletida na estru-tura de gestão de riscos e passivos socioambientais, na capacidade de obtenção de certificações, na capacidade de articulação com políticas públicas e na contribuição para o desenvolvimento local e regional.

Com correlação negativa, obteve-se o regressor mercado. A hipótese que explicaria essa surpresa reside em uma das três questões que for-mam a nota desse capital, na qual se examina a capacidade de resi-liência a crises e o preparo da empresa para enfrentar alterações no ambiente econômico, institucional e regulatório. Assim, acredita-se em um possível viés de avaliação em favor de empresas que tenham enfrentado períodos desafiadores, nos quais tiveram a oportunidade de demonstrar boa capacidade de superação de crises. Porém, nesses casos, tais adversidades teriam vindo acompanhadas de impactados negativos no valor de mercado dessas empresas.

Por fim, com relação aos resultados considerados não consistentes, acredita-se que, no futuro, de posse de uma amostra mais numerosa, a repetição deste estudo poderá trazer relações estatísticas mais con-clusivas. Não obstante, o presente trabalho oferece subsídios para dis-cussões acerca da relevância da MAE como ferramenta de gestão do conhecimento e de avaliação de capitais intangíveis, competitividade e estratégia de empresas.

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Estratégias regulatórias de incentivo à inovação, à competitividade e à inclusão financeira no contexto das inciativas do open banking e do Pix

Regulatory strategies to encourage innovation, competitiveness and financial inclusion in the context of open banking and PIX initiatives

Juliana Cabral Coelho Rangel*

* Advogada do BNDES e pós-graduanda em Direito Digital pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)/Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). Este artigo é de exclusiva responsabilidade da autora, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

Lawyer at BNDES and graduate student in Digital Law at Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) and Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio). The views expressed in this article are the views of the author and do not necessarily reflect the opinion of BNDES.

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ResumoEste artigo pretende abordar, sob a perspectiva das recentes iniciativas do Sistema Brasilei-ro de Pagamentos Instantâneos (Pix) e do Sistema Financeiro Aberto (open banking), como o Banco Central do Brasil busca assumir um novo papel regulatório, por meio da adoção de estratégias de incentivo à inovação, à competitividade e à inclusão financeira, a fim de lidar com um setor financeiro nacional cada vez mais dinâmico, inovador e composto por novos players. A regulação tradicional, que repousa na clássica ideia de comando e controle estatal e que se utiliza da aplicação de sanções aos regulados, já não consegue responder de forma satisfatória às necessidades de um ecossistema financeiro em constante mutação, o que evidencia a premência de mecanismos regulatórios mais flexíveis, descentralizados e abertos ao experimentalismo para promover a almejada reconexão regulatória.

Palavras-chave: Regulação financeira. Desconexão regulatória. Inovação. Pix. Open banking.

AbstractThis article aims to address, from the perspective of the recent initiatives of the Brazilian Instant Payment System (Pix) and the Open Financial System (open banking), how the Central Bank of Brazil seeks to assume a new regulatory role, through the adoption of strategies to encourage innovation, competitiveness and financial inclusion, in order to deal with a national financial sector increasingly dynamic, innovative and composed of new players. Traditional regulation, based on the classic idea of State command and control and which uses the application of sanctions to regulates, is no longer able to provide a satisfactory response to the needs of a constantly changing financial ecosystem, which highlights the urgency of regulatory mechanisms more flexible, decentralized and open to experimentalism to promote the desired regulatory reconnection.

Keywords: Financial regulation. Regulatory disconnection. Innovation. PIX. Open banking.

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Estratégias regulatórias de incentivo à inovação, à competitividade e à inclusão financeira no contexto das inciativas do open banking e do PIX

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IntroduçãoO que mais se escuta nestes últimos anos é como a tecnologia está transformando, com velocidade avassaladora e de maneira difusa, o mundo tal como o conhecemos. O futuro muito distante, de gran-des avanços tecnológicos, retratado por Aldous Huxley há oiten-ta anos, no clássico livro Admirável mundo novo, já não parece, nos dias de hoje, tão fantasioso e inimaginável assim. Pelo contrário, a obra de ficção científica ganha tons proféticos quando comparada aos tempos atuais. Na trama distópica escrita por Huxley, os perso-nagens viajavam frequentemente em “taxicópteros”, com a mesma conveniência e naturalidade com que hoje a sociedade se utiliza de serviços de transporte compartilhados.

Em 2020, a realidade finalmente alcançou o futuro descrito na ficção literária, pois a EmbraerX, divisão da empresa brasileira fabricante de aviões especializada em novas tecnologias, realizou o primeiro voo virtual com seu “taxicóptero”, na verdade um Evtol,1 uma aeronave de motor elétrico projetada para realizar pousos e decolagens na verti-cal, tal como helicópteros, mas com desempenho de avião, dada sua capacidade de reposicionar seus motores. A EmbraerX é uma das oito empresas integrantes do projeto de uma conhecida startup de sucesso, do ramo da economia GIG,2 que pretende implementar um serviço de transporte aéreo compartilhado, sob demanda, já em fase de testes e com início de operações comerciais previstas para o ano de 2023.3

1   Sigla em inglês de electric vertical take-off and landing.

2  Conhecida também como “economia compartilhada” ou “economia dos bicos”, carac-teriza-se pela oferta de serviços por meio de plataformas digitais.

3  Disponível em: https://www.airway.com.br/embraer-faz-primeiro-voo-em-simulador--com-taxi-voador/. Acesso em: 30 nov. 2020.

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Todavia, a implantação do serviço de transporte aéreo compartilha-do, por meio de Evtols, encontra vários desafios, especialmente no que diz respeito às questões regulatórias acerca de inovações tecno-lógicas desse tipo. Como regular viagens tripuladas em veículos elé-tricos voadores, a utilização de plataformas de pouso e decolagem (“vertipontos”) espalhadas pela cidade, as rotas de voo e o trânsito aéreo em áreas densamente povoadas como as grandes metrópoles? E mais, como a regulação desse tipo de tecnologia poderá garantir a eficiência, a segurança dos usuários e das demais pessoas, tarifas justas e a competitividade do setor aéreo? Em suma, como a regula-ção estatal poderá atuar para promover e proteger a inovação e, em última análise, estimular o desenvolvimento econômico?

Como se percebe no caso citado, o impacto das inovações tecno-lógicas entendidas como disruptivas, nos mais diversos setores da economia, provoca também uma ruptura na estrutura legal e de re-gulação existentes, cujo fenômeno foi identificado na doutrina ju-rídica como de “desconexão regulatória” (BRUZZI, 2019). Segundo Bruzzi (2019), a desconexão regulatória ocorre quando há um es-forço para aplicar a regulação existente – seja ela ultrapassada, seja incompatível – à determinada inovação tecnológica que, na verda-de, pode exigir uma adaptação da estrutura regulatória que já existe ou a criação de outra. Para tentar resolver o desafio da reconexão regulatória, o regulador deve ser capaz de identificar a inovação e seu potencial de disrupção para assim buscar os mecanismos ade-quados para regular o segmento específico de mercado em que a inovação se insere, sem desprezar suas características, ecossistema e peculiaridades. Na visão de Baptista e Keller (2016), a regulação também precisa ser inovadora nos casos de situações disruptivas e dosar mecanismos tradicionais com novas abordagens, por exem-plo, de incentivo, de padrões de desempenho, de autorregulação e

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de experimentalismo, considerando os objetivos regulatórios bus-cados em cada caso.

O presente artigo pretende justamente abordar esse desafio de re-conexão regulatória no contexto atual do setor financeiro brasilei-ro, com base na análise de dois recentes projetos capitaneados pelo Banco Central do Brasil (BCB) e que prometem revolucionar o sis-tema financeiro nacional, incentivando, essencialmente, a inovação tecnológica, a competitividade e a inclusão: o open banking e o Siste-ma de Pagamentos Instantâneos, o Pix.

O primeiro tópico do estudo trata do redirecionamento da estra-tégia regulatória do Banco Central do Brasil (BCB) para atingir os objetivos de fomento à inovação, à competitividade e à inclusão fi-nanceira, diante dos iminentes desafios do cenário financeiro atual – de constante disrupção –, composto por novos players e por modelos de negócio ainda sem regulamentação específica. O texto também aborda a questão da desconexão regulatória, visto que os modelos tradicionais de regulação já não conseguem mais produzir os resulta-dos desejados e no tempo adequado, a fim de reduzir riscos sistêmi-cos e de estimular a competição, a inovação e a inclusão financeira.

As seções seguintes do artigo analisam mais detalhadamente os dois principais projetos conduzidos pelo BCB para alavancar o Sistema Fi-nanceiro Nacional do futuro, por meio da adoção de estratégias regu-latórias proativas, flexíveis e descentralizadas: o Pix e o open banking.

Na última seção, são trazidas as conclusões sobre o tema enfrenta-do, ressaltando-se a tentativa de se buscar a reconexão da regulação com a nova realidade – dinâmica e inovadora – do mercado finan-ceiro nacional e a importância da adoção, pelos órgãos reguladores, de mecanismos mais participativos e abertos ao experimentalismo,

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cuja contribuição efetiva dos entes regulados constitui peça-chave para a construção do novo arcabouço regulatório. Ainda, conclui-se que os projetos do Pix e do open banking, além de acelerar o alcance dos objetivos pretendidos pelo BCB, anteriormente citados, serão os responsáveis por uma grande mudança de paradigma no que se refere à oferta de serviços bancários aos usuários.

O BCB e as estratégias regulatórias de incentivo à inovação, à competitividade e à inclusão financeiraNo ano de 2019, dando continuidade ao projeto anterior iniciado com a Agenda BC+ (BCB, [2016]), o BCB lançou a Agenda BC#, com o intuito de concentrar esforços para o incentivo à inovação tecnológica, desenvolvendo questões estruturais, a fim de democra-tizar e modernizar o sistema financeiro brasileiro. Na agenda re-formulada, o BCB destacou cinco dimensões de trabalho de acordo com os objetivos almejados (BCB, [2019a]):

i. inclusão, sob o prisma da universalização e da facilidade de acesso ao mercado financeiro, seja por meio de plata-formas digitais, seja pela simplificação e desburocratização dos procedimentos;

ii. competitividade, no gerenciamento de riscos, na busca pela redução de barreiras de entrada e na disponibilização de instrumentos dotados de inovações tecnológicas que permi-tirão o acesso mais competitivo aos mercados, possibilitan-do, assim, uma melhor precificação;

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iii. educação, cujo foco é investir na educação financeira da so-ciedade para que esta tenha condições de participar de for-ma mais efetiva do mercado financeiro e adquira a cultura de economizar;

iv. sustentabilidade, para o melhor aproveitamento dos recur-sos disponíveis, na integração de variáveis sustentáveis no processo decisório do BCB, além do gerenciamento adequa-do dos riscos socioambientais e climáticos para propiciar a evolução sustentável e a modernização da economia e do sistema financeiro nacional; e

v. transparência, no que diz respeito ao processo de formação de preço, à avaliação de resultados e à busca pela assimetria informacional da população acerca do mercado financeiro e das atividades desempenhadas pelo próprio BCB.

Para a concretização dos propósitos contidos na Agenda BC#, o BCB procurou imprimir um viés regulatório mais flexível, intera-tivo, propositivo e aberto para fomentar não apenas as inovações tecnológicas do setor financeiro, mas também – e, principalmen-te, por intermédio delas – impulsionar a competitividade entre os players, com a participação cada vez mais intensa das denominadas fintechs,4 além de aumentar a inclusão financeira pela acessibilidade mais facilitada ao mercado.

Os órgãos reguladores nacionais caminham, assim, para o redire-cionamento da estratégia regulatória, na tentativa de que o arca-bouço regulatório brasileiro se reconecte com o cenário financeiro

4  De acordo com a Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), o termo – derivado da união das palavras de origem inglesa “financial” e “technology” – é utilizado para definir “aquelas empresas que usam tecnologia de forma intensiva para oferecer produtos na área de serviços financeiros de uma forma inovadora, sempre focada na experiência e necessi-dade do usuário”.

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de constantes e disruptivas mudanças provocadas pelo acelerado avanço tecnológico.

A alteração de paradigma regulatório – da tradicional regulação coercitiva, reativa, do tipo “comando e controle”, para um modelo mais dinâmico, inclusivo, propositivo e aberto5 –, mirando o siste-ma financeiro do futuro, está em linha com o que já vem ocorrendo no Reino Unido, na Austrália, em Singapura e na China.

No contexto das novas abordagens regulatórias nacionais direcio-nadas ao atendimento de demandas disruptivas do ecossistema das fintechs, é possível enumerar, especialmente, as relativas ao Sistema de Pagamentos Instantâneos Brasileiro (Pix), ao open banking, ao sandbox regulatório6 e à regulação das fintechs de crédito.7

5 O conceito de open regulation é explicitado por Feigelson e Silva (2019). De acordo com os autores, na regulação aberta ou open regulation, o órgão regulador busca uma relação de maior proximidade com o mercado, com o governo e outras entidades regulatórias. Trata--se da criação conjunta e interativa da regulação, uma vez que qualquer dos envolvidos pode participar e contribuir para o processo.

6 O citado mecanismo financeiro regulatório é bem definido por Zetzsche e outros (2017, p. 13): “In finance, a regulatory sandbox refers to a “safe space” for experimentation with new approaches involving the application of technology to finance. At the most basic level, the sandbox creates an environment for businesses to test products with less risk of being “punished” by the regulator. In returns, regulators require applicants to incorporate appropriate safeguards”.

7 A Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) 4.656/2018, de 26 de abril de 2018, criou os tipos de Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) e de Sociedade de Crédito Direto (SDC), com o propósito de inserir, formalmente, no âmbito das ins-tituições financeiras, um grupo de empresas que já atuava no mercado desde o início da década de 2010, todavia sem regulamentação específica que lhes proporcionasse condições de operar de maneira eficiente e competitiva, em relação às demais instituições financeiras tradicionais, gerando um ambiente de insegurança jurídica que afugentava investidores e demais agentes de mercado, além de restringir a gama de serviços oferecidos aos usuários. Em 2020, por meio da Resolução CMN 4.792, de 26 de março, a fim de aprimorar as condi-ções de concorrência das fintechs de crédito com os demais players do mercado, autorizou--se a emissão de cartão de crédito por parte das SCD e o financiamento de suas operações com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tor-nando-se, portanto, um canal para viabilizar a execução de políticas públicas. Ademais, as SCD e as SEP poderão ser controladas por fundos de investimentos.

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Recentemente, o BCB, por meio da Resolução BCB 29, de 26 de outu-bro de 2020, definiu as diretrizes para funcionamento de seu sandbox regulatório, isto é, a criação de um ambiente de testes temporário, es-truturado e controlado pelo órgão regulador, com vistas à experimen-tação de inovações financeiras e de pagamento em condições reais. Trata-se de um instrumento que tem sido adotado, com sucesso, em diversos países, como tentativa de solucionar a questão da desconexão regulatória de maneira mais dinâmica e flexível. Além de fomentar a inovação e a competitividade do setor financeiro e de pagamentos, as empresas poderão testar novos produtos, serviços e modelos de ne-gócio inovadores em um ambiente regulatório mais flexível e aberto à experimentação, já que o sandbox tem exigências regulatórias mais brandas e específicas ao modelo de negócio inovador proposto.

Tomados em conjunto, os respectivos normativos legais/regulató-rios, juntamente com a Lei 13.709/2018, de 14 de agosto de 2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD), a qual serve de base para a operacionalização do próprio open banking, e o futuro marco legal das startups,8 comporão a estrutura legal e regulatória que transfor-mará definitivamente o sistema financeiro nacional.

Entretanto, com vistas a delimitar o escopo do presente artigo, con-forme delineado pelo título, a análise mais detida ficará circunscrita

8 O Projeto de Lei Complementar (PLP) 146/2019, o qual objetiva instituir o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, foi aprovado com alterações pelo Senado Federal em 25 de fevereiro de 2021, e, no presente momento, encontra-se na Câmara dos Deputados para novas discussões e aprovação antes da sanção presidencial. Esse projeto de lei complementar apresenta em seu texto, entre outras previsões, a definição de startup, os requisitos mínimos para fins de enquadramento em tal modalidade de tratamento es-pecial, os princípios e diretrizes de atuação da Administração Pública no setor, formas de fomento ao ecossistema de negócios inovador e ao aumento de capital disponível para investimentos em inovação, além de normas sobre licitação e contratação de soluções ino-vadoras pela Administração Pública.

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às estratégias regulatórias no contexto das iniciativas do Pix e do open banking, sem, contudo, ter a pretensão de esgotar o assunto.

O Sistema de Pagamentos Instantâneos Brasileiro (Pix)A Lei 12.865, de 9 de outubro de 2013, introduziu o marco regu-latório do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB) e estabeleceu a competência do BCB para regular o respectivo mercado. Desde então, o setor de pagamentos no país vem passando por constantes mudanças para fazer frente às inovações tecnológicas e, consequen-temente, ao surgimento de novos modelos de negócio ainda sem regulação específica. O referido marco regulatório proporcionou maior segurança e confiabilidade para investimentos em soluções inovadoras apresentadas por instituições não financeiras, da mesma forma em que viabilizou a criação de um ecossistema mais seguro para a prestação de serviços por tais empresas. Esse novo cenário, traduzido no aumento da disponibilidade de serviços de pagamen-to, por intermédio do ingresso de novos agentes em um mercado concentrado como o financeiro, contribuiu de maneira indubitável para aceleração do processo de inclusão financeira no Brasil, que ainda tem uma parcela relevante de pessoas “desbancarizadas”.

Notadamente, já no ano de 2018, BCB, com o objetivo de reunir esforços para a construção de um ecossistema nacional de paga-mentos instantâneos competitivo, eficiente, seguro e inclusivo, iniciou o debate sobre o tema por meio da criação de grupos de trabalho multissegmentados,9 deixando de ser mero agente indu-

9 O GT – Pagamentos Instantâneos contou com a participação de mais de uma centena de entidades, entre fintechs, marketplaces, associações representativas de usuários finais de serviços de pagamento, entidades governamentais, instituições de pagamento e bancárias e infraestru-turas do mercado financeiro e foi criado por meio da Portaria 97.909, de 3 de maio de 2018.

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tor do processo para conduzir as discussões com todos os agen-tes envolvidos no setor. Depois do encerramento das discussões no âmbito dos referidos grupos de trabalho, o BCB divulgou o Comunicado 32.927, de 21 de dezembro de 2018, que definiu os requisitos fundamentais para a implementação do supracitado ecossistema, quais sejam: (i) a governança para estipulação de re-gras; (ii) as formas de participação; (iii) os serviços de conectivi-dade entre os participantes; (iv) a infraestrutura centralizada de liquidação e; (v) o provimento de liquidez para promover a liqui-dação das transações de pagamento instantâneo.

No que se refere à governança na formação das regras, importa ressaltar que o BCB optou por assumir o papel de impulsionar e capitanear o processo de implantação do Sistema de Pagamentos Instantâneos (SPI), adotando uma ótica neutra para a construção de um ambiente mais competitivo, com menores custos, aberto à inovação tecnológica e também incentivador da inclusão e do aces-so a todas as instituições interessadas em participar, ainda que não financeiras.10 Para tanto, o BCB entendeu ser importante a interlo-cução com as empresas e demais agentes envolvidos em tal ecossis-tema para estruturar uma regulação em compasso com os objetivos pretendidos, e, para isso, conta com o apoio de um comitê consul-tivo permanente, composto por representantes de participantes do sistema, usuários finais e provedores de serviço de conexão.

Sobre as formas de participação no sistema de pagamentos instan-tâneos, definiu-se um modelo flexível e aberto, no qual cada parti-cipante poderá decidir a forma de participação (direta, indireta ou como provedor de serviço de iniciação de pagamento), com a inten-

10 Sobre o papel dos órgãos reguladores na construção do ecossistema de pagamentos instantâneos no Brasil, ver Brandt e Lobo (2020, p. 44-45).

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ção de garantir o surgimento de prestadores de serviço inovadores e capazes de suprir as necessidades dos usuários finais, aumentando, assim, a competitividade no setor.

Já quanto à infraestrutura centralizada e única de liquidação dos pagamentos instantâneos, que consiste no conjunto de estrutura tecnológica e de regras para o processamento e a liquidação entre as instituições participantes, o BCB decidiu assumir a responsabilida-de sobre sua operação, com o propósito de assegurar a eficiência do sistema e também sua neutralidade, bem como facilitar a fiscaliza-ção e a prevenção de crimes de lavagem de dinheiro.

Permitiu-se, também, que diversas empresas prestadoras de serviço de conexão entre os participantes e a infraestrutura de liquidação pudessem atuar no ecossistema de pagamento e prestar outros ser-viços, desde que cumpridos determinados padrões técnicos defini-dos pelo BCB.

Ainda, de modo a garantir a liquidação instantânea das transações do ecossistema, em qualquer dia da semana e em qualquer horá-rio, o BCB estabeleceu que, fora do horário de funcionamento do Sistema de Transferência de Reservas (STR) (sistema responsável pela liquidação final de todas as transações financeiras no país), será possível a utilização de saldos mantidos em títulos públicos federais custodiados no Sistema Especial de liquidação e de Custódia (Selic).

Depois da definição dos requisitos do ecossistema de pagamentos instantâneos e, por conseguinte, o norte para uma abordagem regula-tória adequada, a Resolução BCB 1, de 12 de agosto de 2020, instituiu o arranjo de pagamentos denominado Pix, tendo aprovado também seu regulamento, com base na contribuição ativa dos representan-tes dos agentes de mercado. Criado e gerido pelo BCB e em fun-

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cionamento desde o dia 16 de novembro de 2020, o Pix consiste na possibilidade de transferência imediata de recursos entre contas de forma rápida, prática, fácil, segura e disponível para utilização a qual-quer hora do dia, em qualquer dia da semana, diferente das opções de transferências TED e DOC que os usuários até então dispunham. Entre os benefícios que poderão ser auferidos com o Pix, cabe expli-citar o aumento da competitividade e eficiência de mercado, o custo baixo de transação, o fomento à inclusão financeira – com a banca-rização de parcela significativa da população11 –, a maior segurança, a melhor experiência de uso por parte dos consumidores e o incenti-vo à transformação eletrônica do mercado de pagamentos de varejo, facilitando a rastreabilidade e o controle das transações financeiras.

No âmbito do Pix, constata-se que o BCB atua, de maneira abrangen-te, em frentes regulatórias com objetivos diversos.12 Tal órgão exerce o papel de instituidor e definidor das regras procedimentais e de funcionamento da ferramenta. Por outro lado, o BCB também é res-ponsável por desenvolver, operar e gerir as infraestruturas tecnológi-cas para o funcionamento do arranjo de pagamentos. Cada frente de atuação almeja alcançar um objetivo específico e, por isso, utiliza-se de abordagens diversas. A primeira vertente de atuação é importante para coordenar a participação de diversos agentes no processo de construção do ecossistema de pagamentos instantâneos e propiciar o desenvolvimento de um ambiente competitivo e eficiente para a

11 Impulsionados pelo Pix, estima-se que de 25 milhões a 30 milhões de brasileiros in-gressem definitivamente no mundo dos bancarizados. Tal número é semelhante ao esti-mado pela Caixa Econômica Federal no contexto da concessão do auxílio emergencial em razão da pandemia de Covid-19. Ver Menezes (2020).

12 Para mais detalhes, ver a apresentação do Pix feita pelo Banco Central do Brasil: BC# pagamentos instantâneos: um universo de possibilidades. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/conteudo/home-ptbr/TextosApresentacoes/Apresentacao_PIX.pdf. Acesso em: 27 nov. 2020.

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prestação desses serviços de pagamento, o que beneficiará a gover-nança do sistema. Na segunda vertente de atuação, o BCB cuidará da infraestrutura única e centralizada de liquidação das transações do Pix entre as instituições, denominada de Sistema de Pagamen-tos Instantâneos (SPI), e também do Diretório de Identificadores de Contas Transacionais (DICT), que é a base de dados centralizada para identificar os dados das contas dos recebedores. Essa escolha do órgão regulador justifica-se pelo entendimento de que a competição deve se dar no âmbito da prestação dos serviços de pagamento e não da infraestrutura tecnológica. O resultado pretendido pelo BCB é justamente estimular à inovação dos modelos de negócios e a compe-tição no âmbito que mais beneficiará os usuários finais do ecossiste-ma, fomentando, ainda, a inclusão financeira da população.

Evidencia-se, portanto, a intenção, por parte do órgão regulador de afastar-se da regulação mais tradicional – na qual se entende que o Estado deve deter o monopólio do poder e do controle, o que se traduz na clássica exigência de condutas coercitivas aos regula-dos, com aplicação de sanção nos casos de descumprimento – para buscar uma estratégia regulatória mais flexível, caracterizada pela descentralização ou policentrismo, já que considera importante a participação de diversos agentes na construção do ecossistema de pagamentos. A “regulação policêntrica”13 reconhece o papel de cada

13 Goettenauer (2020, p. 175), citando trechos da obra de Julia Black, assim esclarece: “Nessa proposta, a regulação seria uma tentativa prolongada e concentrada, por atores governamentais ou não governamentais, de influenciar o comportamento de terceiros, a fim de alcançar os resultados definidos (BLACK, 2005). Nessa proposta descentralizada, a regulação seria o resultado das interações entre os agentes que atuam no cenário regu-latório e não o resultado de um exercício formal de poder (BLACK, 2005). Assim, ganha sentido especial a análise do contexto de relações em que a regulação acontece e a rede de influência entre os atores em um nível organizacional. Essa ideia distancia-se da concepção de centralidade governamental na regulação, para reconhecer a responsabilidade de cada ator no condicionamento da conduta dos demais, de forma difusa (BLACK, 2005).”

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um dos stakeholders no processo regulatório, cujos resultados decor-rerão justamente das interações com os participantes do meio a ser regulado. Como destaca FERRARI (2019), o conjunto de novas so-luções com o objetivo de resolver problemas enfrentados pela regu-lação estatal tradicional vem sendo chamado de “Nova Governança”. Em outras palavras, no contexto da inciativa do Pix, observa-se uma mudança de postura regulatória reativa para mais proativa, no qual o BCB passa a atuar como verdadeiro agente transformador do Sis-tema Financeiro Nacional (SFN).

O sistema financeiro aberto – open bankingA iniciativa de implementação do sistema financeiro aberto no Brasil, que ocorrerá em quatro fases,14 integra a Agenda BC# do BCB e tem por objetivo tornar o mercado de crédito e de pagamentos mais eficiente, incentivar a inovação, promover a concorrência – por meio da redução de barreiras de entrada no setor e da diminuição da assimetria informacional – e a cidadania financeira, sem descuidar da proteção dos consumidores e da segurança do SFN.

O open banking consiste no compartilhamento padronizado de da-dos, produtos e serviços por instituições financeiras, de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo órgão regulador,

14 Na primeira fase, encerrada em fevereiro de 2021, as instituições participantes dis-ponibilizaram ao público informações padronizadas sobre os seus canais de atendimento e produtos e serviços bancários que oferecem a seus clientes. Neste momento, não houve nenhum compartilhamento de dados de clientes entre as instituições participantes. Na segunda fase, prevista para julho de 2021, de acordo com cronograma do BCB, os usuários já poderão solicitar o compartilhamento, entre as instituições participantes, de seus dados cadastrais, de informações sobre transações em suas contas, de cartão de crédito, bem como de produtos de crédito contratados, Sobre as demais fases de implementação do open banking ver: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/openbanking

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por meio da abertura e da integração de sistemas, com o uso de in-terfaces dedicadas para esse fim (denominadas de APIs – application programming interfaces) e a garantia de utilização segura, ágil e mais conveniente aos seus usuários. Sem a abertura do sistema bancário, os dados oriundos de transações e interações entre clientes e bancos permanecem de uso exclusivo das instituições financeiras.

Em consonância com as disposições contidas na LGPD, o modelo optado pelo BCB para o sistema de open banking brasileiro dá força à tendência de valorização da privacidade individual e coloca o usuário como figura central para seu funcionamento, pois o com-partilhamento dos dados pessoais por meio desse sistema depen-de de prévia e expressa autorização de seu titular. O consumidor assumirá o poder de decidir o destino de seus dados, bem como a forma de sua utilização. Isso quer dizer que o usuário passará a ter a gestão e o controle total sobre seus dados e a liberdade para buscar serviços e produtos mais vantajosos, acirrando a competi-ção entre as empresas do setor e contribuindo para o processo de inclusão financeira.

Para a sustentação e segurança do open banking, a atuação regulató-ria, em linha com a legislação aplicável à proteção de dados, exerce papel de grande destaque no que tange ao estabelecimento de regras e demais requisitos do modelo para a proteção jurídica dos titulares de dados e também dos agentes custodiantes no compartilhamento das informações, de forma a evitar vazamentos, ataques cibernéti-cos ou trocas indevidas de dados.

Os requisitos fundamentais do Sistema Financeiro Aberto ou open banking no Brasil foram divulgados por intermédio do Comunicado DC/Bacen 33.455, de 24 de abril de 2019. Dando seguimento à refe-

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rida iniciativa, depois de concluída a Consulta Pública 73, de 28 de novembro de 2019, o Conselho Monetário Nacional e o BCB divul-garam, em 4 de maio de 2020, a Resolução Conjunta 1, a qual dis-põe sobre a implementação do open banking no país, suas definições, objetivos e princípios, e a Circular 4.015, que disciplina o escopo de dados e serviços do sistema aberto. Tais dados e serviços abrangem informações sobre canais de atendimento, produtos e serviços de contas, operações de crédito e de câmbio, investimentos, serviços de credenciamento em arranjos de pagamento, seguros, previdência complementar, cadastro e transações de clientes, além de serviços de iniciação de transação de pagamento e encaminhamento de pro-posta de operação de crédito.

Cumpre destacar que o sistema de open banking é composto, de for-ma compulsória, pelas instituições financeiras enquadradas nos seg-mentos S1 e S2 pela Resolução 4.553, de 30 de janeiro de 2017, e de forma facultativa, pelas instituições financeiras, de pagamento e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB. A opção do regulador de exigir, nessa fase inicial, a participação de instituições de grande porte no sistema aberto justifica-se pelo fato de que tais empresas, por disporem das maiores bases de dados, de clientes e de volume de operações, atuarão como doadoras de informações, o que vai favorecer o compartilhamento de dados.

No que tange à governança do open banking nacional,15 o BCB ado-tou uma estratégia de autorregulação assistida, ou seja, delegou às próprias instituições participantes do sistema, mediante a celebra-

15 Para aprofundamento do tema relativo à governança da autorregulação do open banking no Brasil, recomendam-se as leituras de Eroles (2019, p. 370-372) e também de Faro (2020, p. 177-180).

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ção de convenção,16 a estipulação das regras de governança, porém, sob sua orientação, controle, aprovação e poder de veto. Da pers-pectiva da portabilidade de dados e da interoperabilidade entre pla-taformas, a abordagem regulatória mais branda adotada pelo BCB mostra-se fundamental para o sucesso do modelo do open banking, já que permite que a pluralidade representativa das instituições par-ticipantes do sistema, no âmbito das respectivas expertises, possam discutir e indicar, de forma mais adequada, o padrão tecnológico e os procedimentos operacionais para a implementação das interfaces de compartilhamento, padrões e certificados de segurança, padro-nização do layout de dados e serviços, repositório de participantes, canais de encaminhamento de demandas de clientes e resolução de disputas. A importância de tal estratégia para regular inovações tec-nológicas também é ressaltada por Baptista e Keller (2016, p. 157):

[...] muitas vezes falta ao regulador a expertise para re-gular, nos moldes tradicionais, as inovações tecnológicas, além de recursos e pessoal. Daí porque buscar a coopera-ção do agente privado parece ser uma estratégia impor-tante a ser combinada com outros instrumentos na busca de desenhos regulatórios adequados.

Portanto, para que o projeto de open banking nacional possa fomen-tar a inovação, a competitividade e a inclusão, além de reduzir a acentuada assimetria informacional observada no setor, o BCB, assim como na iniciativa do Pix, compreendeu que uma regulação centralizada, marcada pela relação verticalizada entre Estado e en-tes regulados, não traria os resultados pretendidos. Dessa forma, op-

16 Conforme previsto no artigo 44 da Resolução Conjunta 1/2020. A Circular DC/Bacen 4.302, de 23 de junho de 2020, disciplina a estrutura inicial responsável pela governança da autorre-gulação do processo de implementação do open banking nacional.

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tou por adotar uma estratégia regulatória policêntrica, ou seja, mais dinâmica, aberta, horizontal e interativa. Nessa nova mudança de paradigma regulatório, a participação e a contribuição dos agentes regulados na normatização de novos modelos de negócio são vitais para o desenvolvimento de um ecossistema financeiro diversificado e favorável ao surgimento e a evolução de novas tecnologias.

ConclusãoO objetivo deste artigo foi abordar, sem a pretensão de esgotar o tema, como novas estratégias regulatórias adotadas pelo BCB, no âmbito das recentes iniciativas do sistema de pagamentos instan-tâneos (Pix) e do sistema financeiro aberto (open banking), buscarão fazer frente ao setor financeiro nacional cada vez mais dinâmico e impulsionado por inovações tecnológicas, assim como pelo sur-gimento de novos players no mercado (fintechs, big techs, empresas varejistas e de telecomunicações, por exemplo).

Estratégias tradicionais de regulação, fundamentadas na clássica ideia de comando e controle estatal, de imposição de sanções em razão de descumprimentos por parte dos regulados, já não conse-guem trazer resultados satisfatórios e no momento adequado, a fim de reduzir os riscos sistêmicos e também para estimular a ino-vação, a competitividade e a inclusão em um setor financeiro em constante mutação.

Portanto, observa-se um redirecionamento da atuação regulatória na tentativa de buscar sua reconexão com a nova realidade dinâ-mica e inovadora do mercado financeiro. Para lidar com esse novo ecossistema, composto por inúmeras fintechs, os órgãos reguladores passaram a adotar mecanismos de regulação mais flexíveis, dinâmi-

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cos, participativos, proativos e abertos ao experimentalismo, tais como a instituição de sandboxes regulatórios, a regulação das fintechs de crédito para atuação no mercado sem necessidade de uma licença bancária, a realização de audiências e consultas públicas, a autor-regulação assistida da governança do open banking, a regulação nos arranjos de pagamento (Pix) e, ainda, a criação de hubs de inovação, como o Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (Lift)17 do BCB e o uso de técnicas de regulação comportamental18 (menos interventiva e que busca estimular determinados comportamentos por parte dos regulados).

Verifica-se que uma abordagem regulatória denominada pela dou-trina de policêntrica, descentralizada ou aberta, na qual se busca a participação e se reconhece a importância da contribuição efetiva dos entes regulados, no âmbito de suas respectivas expertises e res-ponsabilidades, é utilizada para a construção de um novo arcabouço regulatório, em conjunto com o Estado e órgãos reguladores.

As iniciativas do Pix e do open banking, gerando maior oferta de serviços e produtos mais vantajosos, baratos, eficientes e mais aces-síveis aos usuários do sistema financeiro, melhorando suas experiên-cias de uso, denotam os objetivos pretendidos e, consequentemente, a mudança de foco da regulação por parte do BCB. Sob esse novo ponto de vista regulatório, os usuários/consumidores estão em posi-ção de protagonismo, já que, em razão da autodeterminação infor-

17 O Lift Lab é um projeto da Federação Nacional de Associações dos Servidores do Banco Central (Fenasbac), em parceria com o BCB, que reúne instituições bancárias, de pagamento, fintechs e instituições de ensino superior, para desenvolver soluções inovadoras para o SFN. Disponível em: https://www.liftlab.com.br/. Acesso em: 25 nov. 2020.

18 Acerca do tema, ver Ribeiro (2015).

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macional, têm maior poder de escolha quanto ao compartilhamento de seus dados com as instituições desejadas.

A implementação dos projetos do open banking e do Pix, além de acelerar a competição, incentivar a inovação e aumentar a inclusão financeira da parcela da população desbancarizada, provocará, de forma irremediável, uma revolução na forma como os serviços ban-cários são apresentados aos consumidores. Será o início da era do banking as a service (BaaS) (REMOLINA, 2019), em que os produtos e serviços serão disponibilizados por demanda, personalizados con-forme as preferências do consumidor, e, mais adiante, dos bancos como verdadeiras plataformas de serviços (banking as a platform – BaaP19), originando novas formas de intermediação e experiências customizadas para os usuários, o que trará desafios ainda maiores à regulação do sistema financeiro do futuro.

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19 De acordo com Diniz (2020), o banking as a platform consiste em um modelo de negó-cio no qual a instituição financeira oferece serviços digitais de terceiros em seus canais ou plataformas. Os produtos ou serviços ofertados não são apenas financeiros, mas também outras soluções que podem trazer facilidades à experiência de uso e à vida do consumidor.

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e as condições para o fornecimento de produtos e serviços no contexto desse ambiente no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro. [S.l.], [2020d]. Disponível em: https://www.bcb.gov.br/estabilidadefinanceira/exibenormativo?tipo=Resolu%C3%A7%C3%A3o%20BCB&numero=29. Acesso em: 4 dez. 2020.

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Desafios para a expansão do acesso ao esgotamento sanitário em áreas rurais isoladas: o uso de tecnologias sociais e a experiência do Programa Cisternas

Expanding access to sanitation in isolated rural areas: the use of social technologies and the experience of the Cisterns Program

Maria Julia Alves de PinhoRaquel Silvestrin ZanonAlexandre D’Avignon*

* Respectivamente, advogada do BNDES e mestranda do Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ); administradora do BNDES, mestre em Administração pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEAUSP) e especialista em Políticas Públicas pelo IE/UFRJ; professor do Programa de Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do IE/UFRJ, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED) e doutor em Planejamento Energético pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

Respectively, lawyer at BNDES, master’s student of the Program of Public Policy, Strategies and Development from Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ); administrator at BNDES, master in Administration from Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEAUSP) and specialist in Public Policy from IE/UFRJ; professor of the Program of Public Policy, Strategies and Development at IE/UFRJ, researcher at Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED) and doctor in Energy Planning from Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ). The views expressed in this article are the views of the authors and do not necessarily reflect the opinion of BNDES.

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ResumoO Novo Marco Legal do Saneamento Básico do Brasil tem por premissas uniformizar a re-gulação, regionalizar o serviço e ampliar a participação das empresas privadas no setor, com vistas à universalização do atendimento. Em áreas rurais isoladas, que concentram o maior déficit do setor, estudos demonstram que as soluções tradicionais de abastecimento de água e esgotamento sanitário, geridas pelo setor público ou privado, não são as mais adequadas. Este artigo pretende aprofundar essa avaliação, enfocando o esgotamento sanitário, com base na análise do marco legal do saneamento (incluindo a legislação e os planos federais do setor); das soluções disponíveis e bem-sucedidas destinadas a viabilizar o acesso a água e a esgotamento sanitário em regiões remotas; e das políticas públicas que podem servir de inspiração nesse esforço, com destaque para o Programa Cisternas.

Palavras-chave: Saneamento rural. Tecnologias sociais. Cisternas.

AbstractThe New Legal Framework for Basic Sanitation in Brazil has as main premise to expand the participation of private companies in the sector, aimed to the universalization of water and sewage services. In isolated rural regions, studies show that traditional and centralized water supply and sewage solutions, managed by public or private sector, are not the most appropriate. This article intends to deepen this appraisal, focusing on sanitary sewage, from the analysis of the legal framework of sanitation (including the legislation and the federal plans for the sector); available and successful practices aimed at providing access to water and sanitation in remote regions; and public policies that can serve as inspiration in this effort, with emphasis on the Cisterns Program.

Keywords: Rural sanitation. Social technologies. Cisterns.

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IntroduçãoÉ de reconhecimento mundial a importância do saneamento básico, em todas as suas dimensões, para a saúde e a qualidade da vida hu-mana. O Brasil se encontra em uma situação crítica em relação ao atendimento desse serviço, especialmente nos territórios rurais e de povos e comunidades tradicionais.

Os esforços para diminuir esse déficit histórico no país são recen-tes. Somente no ano de 2007 foi criado um marco regulatório para o setor, com a aprovação da Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007, que passou por alterações substanciais recentemente, por meio da Lei 14.026, de 15 de julho de 2020, conhecida como o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, o qual foi amplamente divulgado pela mídia.

As principais premissas do novo marco são criar referenciais na-cionais de regulação do setor, regionalizar o serviço e ampliar a participação das empresas privadas no setor, hoje atendido majo-ritariamente por empresas estatais, em um regime de concorrência pública, de forma a viabilizar a universalização do atendimento de água e esgoto no país até 2033.

A aprovação do novo modelo legal gerou intensos debates. Muito se discute sobre sua adequação aos fins pretendidos. Uma das questões refere-se ao problema das áreas rurais isoladas, que concentram o maior déficit do setor e têm como características a dispersão terri-torial, a baixa densidade populacional e a concentração de pobreza.

Nessas regiões, estudos demonstram que as soluções centralizadas e tradicionais de abastecimento de água e esgotamento sanitário, geridas pelo setor público ou privado, não são as mais adequadas,

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apontando soluções descentralizadas e individuais para viabilizar o atendimento das famílias, com tecnologias já desenvolvidas e tes-tadas, implantadas e geridas preferencialmente com a participação ativa das próprias comunidades.

Este artigo pretende aprofundar essa avaliação, com enfoque no esgotamento sanitário, com base na análise do marco legal do sa-neamento, incluindo a legislação e os planos federais do setor, em especial o Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). Pretende-se ainda abordar as práticas bem-sucedidas destinadas a viabilizar o acesso a água e a esgotamento sanitário em regiões re-motas; e as políticas públicas já implementadas pelo Governo Fede-ral que podem servir de inspiração nessa tarefa, com destaque para o Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas).

ContextualizaçãoA situação do saneamento básico de um país impacta diretamente o desenvolvimento econômico e social. O saneamento influencia as taxas de mortalidade e longevidade da população, com reflexo nos gastos em saúde pública e em outros temas, como escolaridade e pro-dutividade no trabalho. Também reflete em atividades econômicas que dependem de condições ambientais adequadas, como os setores imobiliário e de turismo. Considerando todas as externalidades, es-tudos apontam que o retorno do investimento em saneamento é de 75%, ou seja, a cada R$ 1 mil que se investe no setor, R$ 1.750,00 revertem para a sociedade (FREITAS; MAGNABOSCO, 2018).

No entanto, conforme dados consolidados pelo Instituto Trata Brasil (2021): 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água, problema que atinge 14,3% das crianças e dos adolescentes do país.

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Em relação a esgotamento sanitário, aproximadamente 46% dos bra-sileiros (cerca de cem milhões de pessoas) não têm acesso a coleta de esgoto. Em torno de 3,1% de crianças e adolescentes não têm sani-tário em casa; 36 municípios nas cem maiores cidades do país têm menos de 60% da população com coleta de esgoto. Em 2017, apenas seis das 27 unidades da Federação apresentavam uma proporção de residências com esgotamento sanitário maior que 50% (Distrito Fe-deral, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo e Goiás).

Há diferenças relevantes em nível regional. Na região Norte, 57,5% da população é abastecida com água tratada e apenas 12,3% têm aten-dimento de esgoto; na região Nordeste, esses percentuais atingem 73,9% e 28,3%; no Sul, 90,5% e 46,3%; no Centro-Oeste, 89,7% e 57,7%; e no Sudeste, 91,1% e 79,5% respectivamente (BRASIL, 2020e).

Na área rural, especialmente nos locais em que há baixo adensamen-to populacional e concentração de pobreza, a realidade é mais críti-ca e de solução complexa: quase 60% da população está em situação de atendimento precário ou de falta de atendimento em relação ao abastecimento de água e quase 80% estão na mesma situação em relação ao esgotamento sanitário, conforme metodologia definida pelo PNSR (BRASIL, 2019b).

Marco legal do saneamento básicoO acesso a saneamento básico constitui um direito humano funda-mental e sua universalização consta como o número 6 entre os ob-jetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU): assegurar a disponibilidade e gestão susten-tável de água e saneamento para todos. Entre as metas estabelecidas para esse objetivo até 2030, encontram-se o alcance do acesso uni-versal e equitativo a água potável e segura e a saneamento e higiene

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adequados; o fim da defecação a céu aberto; e o apoio e o fortale-cimento da participação das comunidades locais, para melhorar a gestão da água e do saneamento (ONU, 2015).

No Brasil, o saneamento básico está contemplado entre os direitos sociais à saúde e à moradia digna, previstos no artigo 6º da Consti-tuição Federal de 1988. O artigo 23 estabelece a competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios para pro-mover a melhoria das condições habitacionais e de saneamento bási-co. A prestação dos serviços públicos de saneamento básico compete aos municípios, conforme previsto no artigo 30 da Constituição, que atribui a estes a titularidade da organização e da prestação, direta-mente ou sob regime de concessão ou permissão, dos serviços públi-cos de interesse local. O atendimento às populações indígenas é de competência federal e se dá por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no domínio do Sistema Único de Saúde (SUS) do Ministério da Saúde. Essa ligação direta do saneamento básico com a saúde pública está expressa, ainda, no artigo 200 da Constituição, na seção que trata da saúde, que determina a competência do SUS para participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico, entre outras atribuições.

No mesmo sentido, a Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080, de 19 de setembro de 1990, que criou o SUS) expõe, em seu artigo 3º, que os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do país, tendo como determinantes e condicionantes, entre outros, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente e o acesso aos bens e serviços essenciais. O artigo 6º dessa lei determina que está incluí-da no campo de atuação do SUS a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico.

As Diretrizes Nacionais para o Saneamento Básico estão contem-pladas na Lei 11.445/2007, principal normativo do setor, e em

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suas alterações recentes, promovidas por meio da Lei 14.026/2020 (Novo Marco Legal do Saneamento Básico). Em linhas gerais, essas alterações foram direcionadas à regulação e prestação dos serviços públicos de saneamento básico, tendo por principais objetivos re-gionalizar os serviços de saneamento e aumentar a participação da iniciativa privada no setor.

A Lei 11.445/2007 traz os princípios fundamentais que devem nor-tear os serviços públicos de saneamento básico, entre os quais se destacam: universalização do acesso e adoção de métodos, técnicas e processos que considerem as peculiaridades locais e regionais; e articulação com as políticas de desenvolvimento urbano e regional, de habitação, de combate à pobreza e outras de interesse social rele-vante, destinadas à melhoria da qualidade de vida.

O artigo 3º dessa lei define saneamento básico como

o conjunto de serviços públicos, infraestruturas e insta-lações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de re-síduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas (BRASIL, 2007).

Embora não haja na lei uma definição específica de saneamento rural ou área rural, o mesmo artigo 3º contém a definição de localidades de pequeno porte, que são “vilas, aglomerados rurais, povoados, núcleos, lugarejos e aldeias, assim definidos pelo Instituto Brasileiro de Geo-grafia e Estatística (IBGE)” (BRASIL, 2007).

O referido artigo também traz a definição de sistema individual alternativo de saneamento: “ação de saneamento básico ou de afas-tamento e destinação final dos esgotos, quando o local não for aten-dido diretamente pela rede pública” (BRASIL, 2007). O artigo 5º da lei estabelece que não constitui serviço público a ação de saneamen-

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to executada por meio de soluções individuais, desde que o usuário não dependa de terceiros para operar os serviços.

O artigo 48 determina que a União, no estabelecimento de sua polí-tica de saneamento básico, observará, entre outras diretrizes,

garantia de meios adequados para o atendimento da popu-lação rural, por meio da utilização de soluções compatíveis com suas características econômicas e sociais peculiares;

[...]

adoção de critérios objetivos de elegibilidade e priorida-de, considerados fatores como nível de renda e cobertura, grau de urbanização, concentração populacional, porte populacional municipal, áreas rurais e comunidades tra-dicionais e indígenas, disponibilidade hídrica e riscos sa-nitários, epidemiológicos e ambientais (BRASIL, 2007).

O artigo 49 traz, entre os objetivos da política federal de sanea-mento básico: contribuir para o desenvolvimento nacional, a redu-ção das desigualdades regionais, a inclusão social e a promoção da saúde pública; proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental aos povos indígenas e outras populações tradicionais, com soluções compatíveis com suas características socioculturais; e proporcionar condições adequadas de salubridade ambiental às populações rurais e pequenas comunidades.

A Lei 11.445/2007 é regulamentada pelo Decreto 7.217, de 21 de junho de 2010. No que se refere ao saneamento rural, as disposições do regu-lamento não agregam muito ao já previsto na lei. Já a Lei 14.026/2020 foi recentemente regulamentada pelo Decreto 10.588, de 24 de dezembro de 2020, que trata basicamente do apoio técnico e financei-ro da União para a adaptação dos serviços públicos de saneamento bá-

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sico às disposições dessa lei e da alocação ao setor de recursos públicos federais, incluindo financiamentos com recursos da União ou geridos ou operados por seus órgãos ou entidades. Em relação ao saneamento rural de áreas isoladas com soluções individuais, o decreto confirma as previsões legais. Seu artigo 4º vai além da lei ao incluir, entre as soluções que não constituem serviço público de saneamento básico:

a prestação de serviços realizados por associações comuni-tárias criadas para esse fim que possuam competência na gestão do saneamento rural, desde que delegadas ou autori-zadas pelo respectivo titular, na forma prevista na legislação;

[...]

as ações e os serviços de saneamento básico operados pe-los próprios usuários, por meio de associações comunitá-rias ou multicomunitárias (BRASIL, 2020a).

Dessa forma, as grandes alterações promovidas recentemente na le-gislação, voltadas à regulação e prestação dos serviços públicos de saneamento, não contemplam os sistemas individuais alternativos, quando não demandem operação por terceiros. E esses sistemas, tam-bém chamados de soluções descentralizadas individuais, apresentam--se como os mais adequados para atender ao déficit de atendimento da maior parte das áreas rurais, conforme evidenciado adiante.

Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab)Conforme determinado no artigo 52 da Lei 11.445/2007, a União, sob a coordenação do Ministério das Cidades, formulou o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), em um processo que contou com

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ampla participação social. O Plansab, aprovado pela Portaria Inter-ministerial 571, de 5 de dezembro de 2013, contém uma análise da situação do saneamento básico no Brasil e propõe, em função de ce-nários de planejamento de longo prazo, metas relativas ao saneamen-to no país e macrodiretrizes e estratégias para o alcance dessas metas. Esse plano foi concebido com um horizonte de vinte anos (2014 a 2033), com previsão de avaliações anuais e revisões a cada quatro anos.

Para dar materialidade a suas estratégias, o Plansab propõe a avaliação e a criação de três programas governamentais específicos, quais sejam:

• Saneamento básico integrado: tem o objetivo de financiar iniciativas de implantação de medidas estruturais de abaste-cimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza ur-bana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais, em áreas urbanas, incluindo o provimento de banheiros e unidades hidrossanitárias domiciliares para a população de baixa renda;

• Saneamento estruturante: objetiva financiar medidas estru-turantes para o saneamento básico municipal, visando a me-lhoria da gestão e da prestação pública de serviços, bem como medidas de assistência técnica e capacitação e ações de desen-volvimento científico e tecnológico em saneamento; e

• Saneamento rural: objetiva atender, por ações de saneamento básico, à população rural e às comunidades tradicionais, como as indígenas, quilombolas e as reservas extrativistas, consideran-do o passivo acumulado nesses territórios e suas especificidades.

Sobre o saneamento rural, o Plansab determina como indispensá-vel a elaboração de um modelo conceitual que inclua a concepção de matriz tecnológica apropriada à realidade local, considerando

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aspectos sociais, culturais, econômicos, ambientais e institucio-nais, a participação comunitária, as ações educacionais, os modelos de gestão, entre outros. O programa de saneamento rural também deve estar articulado com outras políticas públicas congêneres, como o Programa Cisternas, do antigo Ministério do Desenvolvi-mento Social (MDS) – atualmente Ministério da Cidadania –, e o Programa Água Doce (PAD), do Ministério do Meio Ambien-te (MMA), e sua gestão operacional deve contar com subsídios de experiências bem-sucedidas de associações e cooperativas comuni-tárias (BRASIL, 2014).

Decorridos os primeiros quatro anos do Plansab, em 2017, a Se-cretaria Nacional de Saneamento (SNS) do Ministério do Desen-volvimento Regional (MDR) procedeu a sua revisão, com ampla participação da sociedade civil e universidades, e submeteu a ver-são revisada a audiências e consultas públicas. Na versão revisada, as premissas mencionadas permanecem válidas (BRASIL, 2019d). Quanto às metas, serão avaliadas neste artigo as que constam no PNSR, por serem específicas ao objeto tratado.

Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR)Atendendo à determinação do Plansab, em 2014, o Ministério da Saúde, por meio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), iniciou o processo de elaboração do PNSR, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A elaboração do PNSR contou com a participação de múltiplos atores do gover-no, sociedade civil e instituições de ensino e pesquisa. O plano foi concluído em 2019 e aprovado por meio da Portaria 3.174, de 2 de dezembro de 2019.

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Conforme descrito no PNSR, este tem por objeto o atendimento da população que vive em áreas rurais, das comunidades tradicionais e dos povos originários, com ênfase nas populações do campo e da floresta e águas, entre as quais: camponeses; povos e comunidades tradicionais; indivíduos residentes em comunidades costeiras e ri-beirinhas, que vivem da pesca artesanal e do extrativismo; e indiví-duos residentes em unidades de conservação (BRASIL, 2019b).

O PNSR determina que o saneamento seja implementado de forma articulada entre os entes federativos e integrado a outras políticas públicas relacionadas à educação, habitação, acesso à terra, saúde, se-gurança pública, segurança hídrica e alimentação (BRASIL, 2019b). Aborda alguns aspectos que devem ser considerados no saneamento rural sustentável, quais sejam:

• Saneamento, agricultura e segurança alimentar e nutricional para o desenvolvimento rural sustentável – o PNSR considera que

a agroecologia pode ser entendida como uma das estra-tégias que fortalecem a política pública de saneamento, com foco na saúde e desenvolvimento social das popula-ções do campo, da floresta e águas e na preservação do meio ambiente (BRASIL, 2019b, p. 47).

• Saneamento e energia limpa para o desenvolvimento rural sus-tentável – objetivo de que sejam utilizadas soluções que “empre-guem a energia limpa, tendo-se em vista os benefícios associados para a população e o meio ambiente” (BRASIL, 2019b, p. 48).

O PNSR avança na análise de bases metodológicas para a definição do conceito de ruralidade. Partindo de dados do IBGE, o PNSR agrupa territórios em setores censitários, para fins de identificar aqueles em que as soluções individuais de saneamento são mais ade-quadas, em função do adensamento e/ou isolamento.

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Figura 1 • Agrupamentos de domicílios rurais brasileiros segundo setores censitários

Brasil

Aglomerações próximas do urbano (códigos 1b, 2 e 4)

Aglomerações mais adensadas isoladas (código 3)

Aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7)

Sem aglomerações, com domicílios relativa-mente próximos de aglomerações ou isolados (código 8)

Urbano(código 1a)

Rural(código 1b a 8)

Fonte: Brasil (2019b, p. 60).

Setores censitários caracterizados por aglomerações próximas do ur-bano (códigos 1b, 2 e 4) podem adotar soluções de saneamento pró-ximas às adotadas nas áreas urbanas. Setores com aglomerações mais adensadas isoladas (código 3) podem ter economia de escala de forma a permitir as mesmas soluções tradicionais. As soluções individuais podem coexistir com soluções coletivas nos setores caracterizados por aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7), que são as

constituídas por aglomerações populacionais distantes umas das outras e também de outras áreas mais adensadas e por aglomerações populacionais dispostas no entorno de um empreendimento rural, sendo este empreendedor o seu único proprietário (BRASIL, 2019b, p. 60).

Os setores caracterizados pela falta de aglomerações, com domicí-lios relativamente próximos de aglomerações ou isolados (código 8), demandam em sua maioria soluções individuais. A lógica que orien-ta a classificação é que

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quanto mais consolidadas as aglomerações, refletindo em maior economia de escala, maior a presença de soluções co-letivas. Por outro lado, quanto mais dispersa a forma de ocu-pação do território, refletindo em domicílios isolados, maior a presença de soluções individuais (BRASIL, 2019b, p. 67).

Conforme a Tabela 1, o setor que representa os territórios sem aglo-merações concentra o maior contingente populacional rural (59,4% dos domicílios e 60,5% da população), considerando os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE.

Tabela 1 • Distribuição dos setores censitários e população residente nas diferentes áreas rurais do Brasil

Agregados de

setores censitários

Setores censitários População Domicílios

Valor

absoluto

% Valor

absoluto

% Valor

absoluto

%

Aglomerações próximas do urbano (códigos 1b, 2 e 4)

22.312 22,9 9.945.562 24,8 2.957.204 26,4

Aglomerações mais adensadas isoladas (código 3)

3.273 3,4 1.291.422 3,2 381.233 3,4

Aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7)

10.717 11,0 4.558.856 11,4 1.210.558 10,8

Sem aglomerações, com domicílios relativamente próximos de aglomerações ou isolados (código 8)

61.175 62,8 24.118.575 60,5 6.643.101 59,4

Total 97.477 100 39.914.415 100 11.192.096 100

Fonte: Brasil (2019b p. 61).

Depois de abordar o conceito de ruralidade e identificar as soluções de saneamento mais adequadas para cada conjunto de territórios, em função do adensamento populacional e isolamento, o PNSR identifica

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o déficit de atendimento dessas soluções. Para essa definição, o PNSR considera com atendimento adequado de abastecimento de água a população com acesso a: rede de distribuição, com ou sem canalização interna, e/ou poço ou nascente, com canalização interna, desde que forneçam água potável sem intermitência prolongada ou racionamen-to; ou cisterna de captação de água de chuva, com canalização interna, que forneça água com segurança sanitária em quantidade suficiente para a proteção à saúde. O fornecimento pelos meios apresentados, mas com intermitência prolongada ou racionamento, ou sem condi-ções sanitárias adequadas, caracteriza o atendimento precário.

No que se refere ao esgotamento sanitário, o programa considera atendimento adequado aquele realizado por meio de coleta domici-liar de esgotos, seguida de tratamento; fossa séptica; e/ou fossa seca, nos casos de indisponibilidade hídrica. Considera atendimento precário a coleta de esgotos não seguida de tratamento; e/ou a fossa rudimentar. O PNSR classifica como “sem atendimento” a popula-ção que não se enquadra em nenhuma das situações mencionadas.

A Tabela 2 apresenta a identificação das características do atendi-mento em relação aos setores censitários mencionados anteriormente.

Tabela 2 • Atendimento e déficit por componente do saneamento para a população residente nas diferentes áreas rurais do Brasil considerando os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE

Componente Área rural: classificação segundo

grupos de setores censitários

Atendimento adequado

Déficit

Atendimento precário

Sem atendimento

(hab.) % (hab.) % (hab.) %

Abastecimento de água

Aglomerações próximas do urbano (códigos 1b, 2 e 4)

5.484.327 55,6 3.549.959 36,0 836.030 8,5

Aglomerações mais adensadas isoladas (código 3)

728.711 56,6 452.602 35,2 106.311 8,3

(Continua)

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(Continuação)

Componente Área rural: classificação segundo

grupos de setores censitários

Atendimento adequado

Déficit

Atendimento precário

Sem atendimento

(hab.) % (hab.) % (hab.) %

Abastecimento de água

Aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7)

2.102.198 46,3 1.423.372 31,3 1.018.890 22,4

Sem aglomerações, com domicílios relativamente próximos de aglomerações ou isolados (código 8)

7.781.219 32,4 7.869.079 32,8 8.374.700 34,9

Total 16.096.455 40,5 13.295.012 33,5 10.335.932 26,0

Esgotamento sanitário

Aglomerações próximas do urbano (códigos 1b, 2 e 4)

3.698.535 37,5 5.326.809 54,0 844.291 8,6

Aglomerações mais adensadas isoladas (código 3)

511.190 39,7 688.331 53,5 88.015 6,8

Aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7)

689.909 15,2 2.863.182 63,0 993.143 21,8

Sem aglomerações, com domicílios relativamente próximos de aglomerações ou isolados (código 8)

3.272.850 13,6 12.617.002 52,5 8.134.142 33,9

Total 8.172.484 20,6 21.495.324 54,1 10.059.591 25,3

Fonte: Adaptado de Brasil (2019b, p. 68).

Os dados levantados no PNSR demonstram que, nas áreas rurais com domicílios dispersos (setor censitário de código 8), predominam as formas de abastecimento de água do tipo poço ou nascente (região Sudeste, 60%; região Sul, 53%; e região Centro-Oeste, quase 70%), ou outra forma de abastecimento (região Nordeste, pouco mais de 50%). Na região Norte, dividem-se, em iguais proporções, os domicí-lios atendidos por poço ou nascente e por outra forma de abasteci-mento de água, correspondendo, juntos, a aproximadamente 95% do total de domicílios. As redes de distribuição correspondem à forma

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de abastecimento de cerca de um quarto dos domicílios das regiões Nordeste e Sul; nas demais regiões, o atendimento domiciliar por redes é reduzido, em torno de 10% (BRASIL, 2019b).

Quanto ao esgotamento sanitário, as fossas rudimentares estão pre-sentes em mais de três quartos do atendimento domiciliar na região Centro-Oeste, em cerca de metade dos domicílios nas regiões Nor-te, Nordeste e Sudeste, e em 60% na região Sul. Destacam-se, nas regiões Norte e Nordeste, as outras formas de escoadouros de esgo-tos em quase metade dos domicílios. A presença de fossas sépticas é maior na região Sul – aproximadamente um terço dos domicílios atendidos (BRASIL, 2019b).

Para definir as estratégias do saneamento rural, o PNSR apoia-se em elementos de integração de três eixos indissociáveis: Gestão dos Serviços; Educação e Participação Social; e Tecnologia. O eixo Ges-tão dos Serviços abrange o planejamento, a regulação, a fiscaliza-ção, a prestação dos serviços e o controle social sobre essas funções. O eixo Educação e Participação Social se relaciona à sensibilização dos usuários sobre seus direitos e deveres; ao apoio técnico e peda-gógico qualificados aos operadores dos serviços; e à qualificação dos gestores técnicos e administrativos. O eixo Tecnologia compreen-de a identificação das soluções, de natureza coletiva ou individual, adequadas às condicionantes ambientais, demográficas, culturais e socioeconômicas. Do ponto de vista econômico, as soluções tec-nológicas devem observar o princípio da acessibilidade financeira, considerando os custos de manutenção e gestão dos serviços.

As estratégias para a implantação das soluções de saneamento nas comunidades incluem “estimular o uso de tecnologia social e sus-tentável de água e esgotamento sanitário e, quando possível, de matéria-prima local, para construção e manutenção dos serviços” (BRASIL, 2019b, p. 139).

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Soluções descentralizadas de esgotamento sanitário ruralConforme demonstrado, o maior déficit de saneamento na área rural encontra-se no setor censitário código 8, caracterizado por áreas menos adensadas e mais isoladas. Esse setor concentra 62,8% do território rural avaliado no PNSR, 59,4% dos domicílios e 60,5% da população. Nessas regiões, 32,8% da população tem atendimen-to precário de água e 52,5%, de esgoto, enquanto 34,9% não têm nenhum atendimento de água e 33,9% nenhum atendimento de es-goto. A solução adequada para essa população é majoritariamente composta por soluções individualizadas, também chamadas de sis-temas descentralizados individuais.

Sistemas descentralizados de tratamento de esgoto “são aqueles que coletam, tratam e fazem a disposição final ou reúso do esgoto em lo-cal próximo a sua geração, diferentemente do que ocorre nos sistemas centralizados tradicionais” (TONETTI et al., 2018, p. 35), representa-dos pelas estações de tratamento de esgoto. Os sistemas descentra-lizados podem ser unifamiliares (ou individuais), que atendem uma família, e os semicoletivos,

que fazem o tratamento de um pequeno agrupamento de casas ou espaços destinados a comércio ou prestação de serviços (exemplo: vilas, igrejas, pequenas escolas, mer-cearias, comércios e galpões rurais), que atendem até 20 pessoas (TONETTI et al., 2018, p. 35).

Esses sistemas apresentam inúmeras vantagens, conforme eviden-ciado em estudo realizado pelo Grupo de Pesquisa Tratamento de Efluentes e Recuperação de Recursos, da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC) da Universidade Estadual de

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Campinas (Unicamp), e pela Câmara Técnica Saneamento e Saúde em Comunidades Isoladas, da Associação Brasileira de Engenharia Sani-tária e Ambiental (Abes), Seção São Paulo,1 apresentado no Quadro 1.

Quadro 1 • Principais vantagens do uso de sistemas descentralizados de tratamento de esgotos

Área Vantagens

Social • Contribuem para a melhoria da saúde da população local• Podem gerar trabalho e renda• Podem ajudar a produzir alimentos, contribuindo com a segurança

alimentar• São adaptáveis aos costumes e à cultura• Normalmente são bem aceitos pela população e entidades fiscalizadoras• Podem ajudar a compor o paisagismo local

Econômico • Os mais simples têm baixo custo de instalação• Consomem pouca energia e insumos externos• Alguns de seus subprodutos têm valor comercial e podem gerar renda

(alimentos, biogás, plantas ornamentais)• Há economia em adubos quando se utiliza o esgoto tratado na

agricultura

Ambiental • Sistemas unifamiliares podem ser compactos• Usam poucos insumos e energia na construção e operação• Reduzem a poluição do solo e corpos hídricos locais• Podem melhorar as condições ecológicas locais• Promovem o reúso de água e de nutrientes localmente

Operacional • Dispensam a construção de rede coletora local e estações elevatórias• Têm boa flexibilidade operacional• Podem ser ampliados ao longo do tempo• Têm baixo consumo de materiais e energia• Em boa parte dos casos, não se cobra pelo tratamento• Não requerem mão de obra especializada• Podem tratar águas cinzas e de vaso sanitário separadamente• São pouco influenciados por desastres naturais

Fonte: Tonetti e outros (2018, p. 37).

O PNSR apresenta as matrizes tecnológicas que devem ser con-sideradas nas soluções descentralizadas para todos os vetores do

1 Ver Tonetti e outros (2018) – a realização desse estudo integra as atividades do Projeto Saneamento Rural, desenvolvido pela FEC/Unicamp, cujo objetivo é promover pesquisa e extensão universitária na área de saneamento rural.

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saneamento rural. São diversas as tecnologias individuais de abaste-cimento de água e esgotamento sanitário estudadas e aplicadas no Brasil e em outros países como solução para o déficit de saneamento em áreas pouco adensadas e isoladas. Em relação ao abastecimento de água, destacam-se as tecnologias sistematizadas e amplamente testadas, com sucesso, no âmbito do Programa Cisternas, que será objeto de análise mais detalhada neste artigo.

No que se refere ao esgotamento sanitário, no âmbito do estudo conduzido por Tonetti e outros (2018), foi elaborado um manual que sistematiza diversas tecnologias disponíveis e que configuram práticas bem-sucedidas, considerando as normas técnicas aplicáveis e os resultados de pesquisas sobre a implantação das tecnologias em comunidades rurais, com detalhamento sobre cada uma delas, incluindo forma e condições de implantação e gestão. A título de ilustração, são identificadas e detalhadas a seguir três dessas tecno-logias sistematizadas por Tonetti e outros (2018).

Fossa secaSolução individual para o tratamento simplificado de dejetos hu-manos para locais com escassez hídrica, já que não utiliza água para descarga. A fossa seca

consiste em um buraco escavado no solo, sobre o qual é construído um piso e uma “casinha” que, além de prote-ger a fossa, aumenta o conforto para o usuário. O buraco que receberá as fezes e a urina pode ou não ser reves-tido. Como opções de revestimento, podem-se empre-gar concreto, alvenaria ou outros materiais disponíveis (TONETTI et al., 2018, p. 68).

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Figura 2 • Esquema de fossa seca

Tela contrainsetos

Tubo paraventilação

Alvenaria

Alvenaria ouescavação

no soloFezes, urina epapel higiênico

Fonte: Tonetti e outros (2018, p. 68).

Círculo de bananeirasTrata-se de uma “vala circular preenchida com galhos e palhada, onde desemboca a tubulação. Ao redor são plantadas bananeiras e/ou outras plantas que apreciem o solo úmido e rico em nu-trientes” (TONETTI et al. , 2018, p. 76). É utilizada para o trata-mento de águas cinzas ou complementar ao esgoto ou águas de vaso sanitário.

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Figura 3 • Esquema de círculo de bananeiras

Palhada

Bananeiras

Terra

Taiobas

Entrada de esgoto

Galhos secos

Fonte: Tonetti e outros (2018, p. 76).

Wetlands ou zonas de raízes ou sistemas alagados construídos (SAC)Constituem unidades de tratamento para águas cinzas ou esgoto doméstico previamente tratado que são compostos por

valas com paredes e fundo impermeabilizados, permi-tindo seu alagamento com o efluente a ser tratado. São pouco profundas (<1m) e possuem plantas aquáticas ou macrófitas que atuam na remoção de poluentes, além de proporcionar a fixação de micro-organismos que degra-dam a matéria orgânica (TONETTI et al., 2018, p. 74).

Além das tecnologias apresentadas, o mesmo estudo sistematiza outras 12 tecnologias adequadas ao esgotamento sanitário rural. Existem inúmeras outras em estudo, análise e implantação por insti-tuições de ensino e pesquisa, organizações da sociedade civil e demais instituições públicas e privadas que atuam no setor de saneamento.

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Figura 4 • Esquema de sistema alagado construído (SAC)

Tubulaçãode entrada

Caixa paracontrole do nível

Plantas(Macró�tas)

Impermeabilização

Nívelda

água

Saída paradisposição

�nalTubulaçãode saída

Fonte: Tonetti e outros (2018, p. 74).

A escolha da tecnologia de esgotamento sanitário mais adequada deve considerar as condições locais, o tipo de esgoto a ser tratado (águas cinzas, águas de vaso sanitário, esgoto doméstico ou misto) e a necessidade de disposição final desse esgoto e do lodo eventual-mente gerado no processo, de acordo com o tipo de solo e a altura do lençol freático (TONETTI et al., 2018).

Devem ser consideradas ainda a gestão adequada e a manutenção dos sistemas, de forma a não causar prejuízos ao meio ambiente e à saúde das comunidades. Essa gestão deve considerar, sempre que possível, o uso agrícola ou florestal dos resíduos do processo.

Outras instituições também atuam em pesquisa, desenvolvimento e implantação dessas tecnologias, com destaque para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Fundação Ban-co do Brasil (FBB). O Banco de Tecnologias Sociais, base de dados

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que contempla informações sobre as tecnologias sociais certifica-das no âmbito do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social,2 disponibiliza informações que abrangem, por exemplo, o problema solucionado, a solução adotada, a forma de envolvimen-to da comunidade, os municípios atendidos e os recursos neces-sários para implementação de uma unidade da tecnologia social.

Entre as tecnologias que constam no referido banco relacionadas ao ODS número 6 e ao tema dos recursos hídricos, pode-se mencionar a “Água limpa – desafio para o desenvolvimento consciente e sus-tentável”, que:

Contempla o abastecimento da população rural com água potável (através da recuperação de vertentes e poços arte-sianos), destino adequado das águas servidas (instalação de sistema de esgotamento sanitário), destino adequado dos dejetos de animais (instalação de esterqueiras) e o destino adequado das embalagens vazias de agrotóxicos (campanhas de recolhimento). As ações estão relacionadas à promoção da qualidade de vida bem como à proteção dos ambientes naturais, em especial, os recursos hídricos (FBB, [201-a]).

Outra tecnologia disponível é o “Banheiro ecológico: saneamen-to descentralizado para comunidades ribeirinhas”, que contempla a implantação do banheiro ecológico, com adaptações especiais, como a deposição de dejetos em recipientes impermeáveis instala-dos acima do solo e fixo por hastes, de modo que o movimento das águas não permita o extravasamento dos dejetos em regiões com alagamentos sazonais. Não requer água para a diluição dos dejetos, apenas para a higienização das mãos (FBB, [201-b]).

2 Disponível em: https://www.fbb.org.br/pt-br/ra/conteudo/banco-de-tecnologias-sociais.

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Esses materiais, assim como os estudos, não só os da FEC/Uni-camp, mas também os da Embrapa, poderiam auxiliar na identifi-cação de soluções já desenvolvidas e com potencial de reaplicação.

Investimentos em soluções individuais de esgotamento sanitárioEstima-se que o custo necessário para a expansão e a reposição de infraestrutura de esgotamento sanitário no país, até 2038, na área rural, seja de R$ 80,19 bilhões para todos os setores censitá-rios, dos quais 92,8% seriam destinados à expansão dos serviços; 34% seriam destinados a soluções individuais (R$ 27,30 bilhões), dos quais R$ 24,92 bilhões se concentrariam no setor censitário código 8.

Tabela 3 • Necessidades de investimentos em soluções coletivas e individuais de esgotamento sanitário segundo metas de curto, médio e longo prazos e agrupamentos de setores censitários rurais do Brasil (R$ bilhões)

Grupos de setores censitários

2019-2023 2019-2028 2019-2038

Coletivo Ind. Total Coletivo Ind. Total Coletivo Ind. Total

Col. Trat. Col. Trat. Col. Trat.

Aglomerações próximas do urbano (códigos 1b, 2 e 4)

6,98 2,01 0,13 9,12 14,56 4,37 0,26 19,20 29,43 10,52 0,38 40,33

Aglomerações mais adensadas isoladas (código 3)

0,62 0,32 0,02 0,96 1,31 0,64 0,05 2,00 2,81 1,48 0,06 4,35

(Continua)

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(Continuação)

Grupos de setores censitários

2019-2023 2019-2028 2019-2038

Coletivo Ind. Total Coletivo Ind. Total Coletivo Ind. Total

Col. Trat. Col. Trat. Col. Trat.

Aglomerações menos adensadas isoladas (códigos 5, 6 e 7)

0,99 0,41 0,57 1,97 1,93 0,93 1,13 4,00 3,91 2,65 1,94 8,50

Sem aglomerações (código 8)

0,43 0,16 7,80 8,39 0,89 0,31 14,57 15,76 1,46 0,63 24,92 27,01

Total 9,02 2,89 8,52 20,44 18,70 6,26 16,01 40,97 37,61 15,27 27,30 80,19

Fonte: Brasil (2019b, p. 193).

Nota: Col. = coleta; Trat. = tratamento; Ind. = individual.

Como visto anteriormente, o setor censitário 8 concentra em torno de 60% do território e da população rural e o maior déficit de atendimento (somente 13,6% da população tem atendimento adequado de esgoto), embora demande, em investimentos, apenas 34% do total previsto, o que confirma inúmeros estudos que apontam que a solução individual (majoritária nesse setor censitário, alcançando mais de 90% dos inves-timentos previstos) apresenta custo inferior às soluções coletivas.

Tecnologias sociaisEntre os sistemas descentralizados, o PNSR estimula o uso de tec-nologias sociais sustentáveis. De acordo com a definição consagrada pelo Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil), tecnologia social é o

conjunto de técnicas, metodologias transformadoras, desenvolvidas e/ou aplicadas na interação com a popu-lação e apropriadas por ela, que representam soluções para inclusão social e melhoria das condições de vida (ITS BRASIL, 2004, p. 26).

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A FBB, instituição com reconhecido histórico de apoio a tecnologias sociais no país, que realiza uma premiação bianual para a identifi-cação, reconhecimento e difusão de tecnologias sociais, e mantém a maior rede de dados sobre tecnologias sociais do país, define tecno-logias sociais como “produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social” (FBB, [20--]). De acordo com a Fundação:

É uma proposta inovadora de desenvolvimento, consi-derando uma abordagem construtivista na participação coletiva do processo de organização, desenvolvimento e implementação. As tecnologias sociais promovem solu-ções para demandas relacionadas à alimentação, educa-ção, energia, habitação, renda, recursos hídricos, saúde, meio ambiente, dentre outras.

As tecnologias sociais podem aliar saber popular, organi-zação social e conhecimento técnico-científico. Importa essencialmente que sejam efetivas e reaplicáveis, propi-ciando desenvolvimento social em escala (FBB, [20--]).

Os conceitos apresentados demonstram que os principais diferen-ciais das tecnologias sociais em relação às demais tecnologias são a participação ativa da comunidade em seu desenvolvimento e apli-cação e o fato de representarem soluções efetivas para os problemas dessas comunidades. Essa apropriação das soluções pelas comunida-des, no caso da implantação de sistemas de esgotamento sanitário, é crucial para o sucesso da ação. Conforme ponderado no estudo realizado pela FEC/Unicamp e a Abes:

É a família beneficiada que sabe das suas reais necessida-des e que conhece a sua realidade ambiental e econômi-

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ca, e por isso ela deve se envolver ativamente na escolha da tecnologia que mais se adeque à sua situação. Nesse processo, a ajuda de técnicos no esclarecimento das dúvi-das e na apresentação das opções viáveis é fundamental; mas a escolha não deveria caber somente aos profissio-nais. Tecnologias implantadas “de cima para baixo” por programas governamentais ou projetos de pesquisa quase sempre são abandonadas pela população ou têm o seu funcionamento muito prejudicado pelo seu desinteresse ou pela falta do conhecimento necessário para a manu-tenção do sistema (TONETTI et al., 2018, p. 41).

O uso de tecnologias sociais no saneamento rural foi consagrado pelo Programa Cisternas, do Governo Federal, que é restrito ao compo-nente de abastecimento de água, conforme detalhado adiante.

Programa CisternasA origem do Programa Cisternas remonta à III Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para Combate à Deser-tificação (COP 3), realizada em 1999, em Recife (PE). Em evento paralelo à Convenção, organizações da sociedade civil se reuniram e fundaram a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). O movimento organizado em torno desse evento foi o ponto de partida para a ela-boração do Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC), proposto para ser executado pela sociedade civil, de maneira descentralizada, pelo paradigma da convivência com o semiárido, respeitando os saberes e a cultura locais (ASA, [20--]).

Tendo como missão fortalecer a sociedade civil na construção de pro-cessos participativos para o desenvolvimento sustentável e a convi-vência com o Semiárido, a ASA desenvolveu, no início do ano 2000,

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o Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido, que hoje abriga todas as ações executadas pela rede, como os programas P1MC, Uma Terra e Duas Águas (P1+2), Cisternas nas Escolas e Sementes do Semiárido (ASA, [20--]).

Desde 2003, o Governo Federal apoia a implementação de tecno-logias sociais de captação e armazenamento de água de chuva exe-cutadas pelas organizações ligadas à ASA. Em 2013, depois de uma década de acúmulo de experiências na execução dessas ações, o Go-verno Federal institui o marco legal do Programa Cisternas, por meio da Lei 12.873, de 24 de outubro de 2013, regulamentada pelo Decreto 9.606, de 10 de dezembro de 2018.

Marco legal do Programa CisternasO Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso da Água (Água para Todos) foi instituído pelo Decreto 7.535, de 26 de julho de 2011, com a finalidade de promover a universalização do acesso à água em áreas rurais, visando a segurança alimentar e nutricional de famílias em situação de vulnerabilidade social. Um de seus eixos é o Programa Cisternas, instituído oficialmente como política pública pela referida Lei 12.873/2013 e pelo Decreto 9.606/2018.

O Programa Cisternas tem por objetivo

promover o acesso à água para o consumo humano e ani-mal e para a produção de alimentos, por meio de imple-mentação de tecnologias sociais, destinado às famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou falta regular de água (BRASIL, 2013a).

Tem como público-alvo famílias rurais de baixa renda, assim con-sideradas aquelas com renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo ou que possua renda familiar mensal de até três sa-

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lários-mínimos ou equipamentos públicos rurais (escolas) atingidos pela seca ou falta regular de água.

Esse programa define zona rural como a “área que abrange qualquer domicílio isolado ou em aglomerado que não esteja localizado em sede de Município ou em perímetro urbano” (BRASIL, 2018a) e tec-nologia social de acesso à água como o

conjunto de técnicas e de métodos aplicados para a cap-tação, o armazenamento, o uso e a gestão da água, desen-volvidos a partir da interação entre o conhecimento local e técnico, apropriados e implementados com a participa-ção da comunidade (BRASIL, 2018a).

Conforme a Lei 12.873/2013, a execução do programa ocorre por meio de parcerias entre o ministério responsável e os entes públicos (estados, municípios, Distrito Federal) ou entidades da administra-ção pública indireta desses entes, bem como com entidades privadas sem fins lucrativos. No primeiro caso, as parcerias são formalizadas mediante convênio, enquanto, no segundo caso, mediante termos de parceria ou termos de colaboração, seguindo a legislação especí-fica aplicável.

Como as ações do programa são descentralizadas, executadas em re-giões isoladas e pouco adensadas, os parceiros, que realizam a gestão da execução em determinado território, utilizam entidades execu-toras locais, responsáveis pela efetiva implantação das tecnologias sociais nas comunidades. A contratação de entidades privadas sem fins lucrativos para a execução do programa está dispensada de lici-tação, desde que as entidades estejam previamente credenciadas no ministério responsável, mediante o atendimento de um conjunto de requisitos, entre os quais, a comprovação de mais de três anos de

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existência, de objeto social compatível com as finalidades do pro-grama e de experiência prévia em ações relacionadas. Em resumo, a implementação tem o desenho mostrado na Figura 5:

Figura 5 • Arranjo institucional para execução do Programa Cisternas

Chamada PúblicaPara a seleção deentidades privadassem fins lucrativos

Formalização de Contrato dePrestação

de Serviços

Adiantamento da 1ªparcela e pagamentos

posteriores portecnologia entregue

Prestação de Contasno SIG Cisternas

(Termo deRecebimento)

Dispensa de Licitação daquelasentidades previamentecredenciadas pelo MDS

(amparado pelo art. 24 da Lei 8.666/96)

Plano de Trabalho com metas detecnologias sociais com metodologia e

valor unitário de referência especificadospelo MDS em Instrução Operacional

Convênio • Estados• Consórcio Público

Termo deParceria

• Entidadesqualificadascomo Oscip

Termo deColaboração

• Organizações da sociedade civil

Ministério do Desenvol-vimento Social

Fonte: Adaptado de Brasil (2018c).

A implementação das tecnologias conta com as seguintes fases:

1) Mobilização social – é o processo de escolha das co-munidades envolvidas e mobilização das famílias que serão contempladas, realizado pela entidade executo-ra com a participação de instituições representativas da localidade.

2) Capacitação – é a fase do projeto que caracteriza as tecnologias implementadas pelo Programa Cisternas como “tecnologias sociais”, afinal, estimula-se o envolvi-mento dos beneficiários por meio da realização de capa-citações específicas. [...]

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3) Implementação – é a fase do projeto que se constrói ou implementa a tecnologia. A mão de obra é escolhida preferencialmente na própria comunidade, barateando, assim, custos, gerando oportunidades de trabalho e mo-vimentando a economia local. As famílias beneficiadas e os pedreiros envolvidos são capacitados pelo próprio Programa. Assim o processo de construção e implemen-tação das tecnologias é realizado em regime de coope-ração, gerando sentimento de pertencimento, o que promove maior sustentabilidade ao equipamento insta-lado (BRASIL, 2019a).

Com o objetivo de uniformizar a execução do programa, a Lei  12.873/2013 prevê que o ministro de Estado responsável por sua execução disponha acerca de modelos de tecnologias sociais apoiadas, valores de referência e instrumentos jurídicos a serem utilizados pelas entidades parceiras e executoras. Nesse sentido, integram o marco legal do programa, além da lei que o instituiu e seu regulamento, uma série de normativos que uniformizam os procedimentos para o credenciamento e a escolha das organizações parceiras e executoras, os modelos de tecnologias sociais apoiadas, incluindo todos os componentes de usos e respectivos valores de re-ferência, e a padronização das minutas dos instrumentos jurídicos a serem utilizados.

O credenciamento das instituições parceiras está normatizado na Portaria 22, de 6 abril de 2020. Os instrumentos jurídicos para exe-cução do programa estão normatizados pela Portaria 365, de 13 de julho de 2020; já a Portaria 2.462, de 6 de setembro de 2018, dispõe sobre a definição dos modelos de tecnologias sociais e respectivos valores de referência no âmbito do Programa Cisternas. Essa porta-

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ria determina que a Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan), responsável pela gestão do programa, especifi-cará, em ato próprio, cada modelo de tecnologia social de acesso à água a ser apoiada pelo programa, com o respectivo valor unitário de referência, definido por estado e atualizado a cada dois anos ou quando necessário, e a descrição detalhada das atividades que en-volvem sua implantação.

O Programa Cisternas conta, ainda, com um manual operativo que descreve e detalha seu funcionamento, bem como com mo-delos padronizados dos documentos utilizados na execução e prestação de contas. A implantação das tecnologias inclui uma etapa de capacitação de pessoas da comunidade em métodos de construção, para possibilitar que a execução das cisternas ocorra com mão de obra local, dinamizando a economia dos territórios. Conta, ainda, com uma etapa de capacitação das famílias benefi-ciadas acerca do correto manuseio e tratamento simplificado da água e sobre os cuidados com as cisternas. Para as cisternas des-tinadas à produção de alimentos, também há uma capacitação sobre práticas agroecológicas de produção. Essas etapas garantem às famílias relativa autonomia na gestão e manutenção das tecno-logias, diminuindo a dependência de governos e/ou prestadores de serviços privados.

Para a gestão e o acompanhamento do programa, são utilizados dois sistemas informatizados: o Sistema de Gestão de Convê-nios (Siconv) e o Sistema de Informações Gerenciais do Programa Cisternas (SIG Cisternas).

O Siconv é o sistema informatizado do Governo Federal utilizado para controle dos convênios, contratos de repasse e termos de cooperação, no

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qual devem ser registrados todos os andamentos relativos aos projetos apoiados, desde a proposição dos referidos instrumentos até a prestação de contas final. O SIG Cisternas é um sistema que deve ser utilizado pelas entidades executoras do programa para o registro de todas as informações relacionadas à execução física das ações, incluindo informações sobre as famílias selecionadas, as capacitações realizadas e tecnologias implanta-das. Nesse sistema, são inseridos os termos de recebimento das tecnologias pelas famílias, que são documentos assinados pelas famílias atestando o recebimento das tecnologias sociais nos termos previstos no programa, contendo dados cadastrais das famílias e das tecnologias, incluindo coor-denadas geográficas e registros fotográficos (BRASIL, 2018c).

Como visto, o marco legal do Programa Cisternas apresenta uma inovação como política pública, na medida em que padroniza todas as etapas de execução das ações: seleção e contratação dos parceiros e executores; implementação das tecnologias; e prestação de contas. Essa padronização minimiza entraves e reduz o tempo necessário para a execução da política, além de garantir maior segurança jurí-dica e transparências às ações.

Resultados do Programa CisternasDesde o início do programa até dezembro de 2020, foram apoiadas as aquisições, com recursos do Governo Federal, de 963.058 cister-nas familiares de água para consumo (1ª água); 165.330 cisternas fa-miliares de água para produção (2ª água); e 7.571 cisternas escolares.3

Avaliações preliminares indicam que, depois da construção do mar-co legal do programa, com a consequente padronização de todas

3 Dados obtidos por meio do Cidadania Data Explorer. Disponível em: https://aplicacoes. mds.gov.br/sagi/vis/data3/data-explorer.php. Acesso em: 27 jan. 2021.

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as tecnologias apoiadas, incluindo especificações técnicas e custos de referência, e dos instrumentos jurídicos utilizados no âmbito do programa, foi possível reduzir consideravelmente o tempo necessá-rio para a execução das ações. Segundo Santana e Arsky:

A partir dos convênios e termos de parceria firmados no âmbito desse novo arcabouço legal, verifica-se que, em sua implementação inicial, essa nova sistemática tem conseguido atender às expectativas, considerando que, de fato, há uma redução substancial no tempo en-tre a formalização dos instrumentos de repasse entre o MDS e seus parceiros e a efetiva contratação e repasse dos recursos para as entidades executoras locais, con-siderado um dos principais gargalos da execução até então. Além disso, a velocidade de execução tem sido substancialmente maior, uma vez que a média de tec-nologias implementadas sob o novo arcabouço legal é duas vezes maior.

Dessa forma, é possível afirmar que o marco legal do programa, instituído a partir da Lei nº 12.873/2013, já é uma conquista social relevante, institucionalizando um modelo de governança da política que fortalece a relação entre Estado e sociedade civil e trazendo inovações im-portantes para a superação de entraves burocráticos, na perspectiva de tornar mais eficiente e eficaz a implemen-tação da política (SANTANA; ARSKY, 2016, p. 224).

Por essa razão, o marco legal do Programa Cisternas foi contem-plado com a nona posição entre as ações premiadas no 20º Con-curso Inovação na Gestão Pública Federal 2015 da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) (BRASIL, 2016). O documento

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apresentado na premiação indica as principais inovações do marco legal do Programa Cisternas, conforme reproduzido no Quadro 2:

Quadro 2 • Principais inovações do marco legal do Programa Cisternas

1. Credenciamentos de entidades aptas a executarem o Programa Cisternas, reconhecendo o papel da sociedade civil organizada na implementação da política pública.

2. Inclusão do inciso XXXIII no artigo 24 da Lei 8.666/1993, para permitir dispensa de licitação na contratação das entidades responsáveis pela implementação de tecnologias sociais de acesso à água.

3. Padronização de editais de chamada pública e de contratos, eliminando negociação e morosidade dos parceiros em relação às procuradorias jurídicas estaduais e centrais de licitação.

4. Autorização, por meio do Decreto 8.038/2013, do adiantamento de até 30% do valor total do contrato, contornando o problema de capital de giro das entidades privadas sem fins lucrativos.

5. Foco nos resultados da política, com a adoção de sistema informatizado para a comprovação do cumprimento do objeto por meio de termo de recebimento com dados detalhados da família e registros fotográficos e coordenadas geográficas da tecnologia.

6. Definição legal e normativa das tecnologias sociais de acesso à água, reconhecendo suas especificidades metodológicas e particularidades de execução diante dos regramentos da administração pública, facilitando também todo o processo de pactuação de metas.

Fonte: Brasil (2016, p. 50).

Em 2017, o Programa Cisternas conquistou o segundo lugar no Prê-mio Internacional de Política para o Futuro 2017 (Future Policy Award), da organização alemã World Future Council (WFC) em parceria com a Convenção das Nações Unidas de Combate à De-sertificação (UNCCD), tendo sido considerada a segunda melhor política pública mundial de combate à desertificação. O prêmio é considerado o “Oscar da política pública” (WFC, 2017).

A Avaliação de Mérito do Programa Água para Todos, quanto a eficácia, eficiência e sustentabilidade, conduzida pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas e fina-lizada em 2018, aponta que um conjunto significativo de estudos

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e avaliações relacionados à implantação do programa e de outras iniciativas de construção de cisternas no país “sugere que o APT atende aos critérios de mérito de relevância social, de eficácia e de efetividade” (RUEDIGER, 2018, p. 4) e reconhece que “as vastas cobertura e capilaridade do programa contribuíram para ampliar o acesso à água e para a mitigação da insegurança alimentar na última década no país” (RUEDIGER, 2018, p. 4). O relatório apon-ta ainda que o programa teve impacto positivo na “melhoria da saúde, de queda da mortalidade por diarreia, de maior segurança alimentar e nutricional e de atenuação dos problemas da seca e da pauperização” (RUEDIGER, 2018, p. 62). E conclui que:

O estudo de estimação de demanda social não atendi-da pelo programa apontou que há, de fato, domicílios a atender nas áreas que já foram prioritárias no programa, seja para primeiro provimento, seja pela necessidade de substituição e reparo das cisternas já disponibilizadas ou construídas. Ademais, há outras áreas rurais do país em que a operação do programa se revela necessária, sobre-tudo, com o componente adicional de disponibilização de solução técnica de esgotamento sanitário. As estima-tivas de demanda a atender podem certamente ser refi-nadas mediante o emprego de outras fontes de dados não disponíveis neste estudo (RUEDIGER, 2018, p. 5).

O sucesso do programa é reconhecido nacional e internacionalmente, suscitando a reflexão a respeito da ampliação de sua execução, com a criação de um marco legal seguindo as mesmas diretrizes para o esgotamento sanitário, de forma a expandir e complementar as ações destinadas à universalização do saneamento básico na área rural, ten-do por alvo famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

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Considerações sobre o apoio do BNDES ao saneamentoO Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) historicamente apoia o setor de saneamento, com uma carteira de crédito relevante contratada no valor de R$ 16 bilhões. Com o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, apoiará a universalização do acesso ao saneamento básico no Brasil, tanto na estruturação de pro-jetos quanto no financiamento a empresas.

O primeiro pilar do apoio do BNDES à expansão do saneamento bá-sico será o financiamento à execução dos projetos. O segundo pilar será sua atuação como estruturador de projetos, na modelagem das operações (BNDES, 2020). O Banco já vem atuando na modelagem de projetos de desestatização de saneamento básico em todo o país, a exemplo dos estados do Rio de Janeiro (concessão de saneamento do estado), Alagoas (concessão de água e esgoto em Maceió) e Espí-rito Santo (parceria público-privada para esgotamento sanitário de Cariacica e Viana).

Em relação ao Programa Cisternas, o BNDES se destaca entre as insti-tuições que destinaram recursos para essa iniciativa: apoiou a constru-ção de mais de 31 mil cisternas desde 2013, por meio do BNDES Fundo Social, com um investimento não reembolsável total de R$ 371 milhões (BNDES, 2017). A última operação do BNDES destinada ao apoio a cisternas, formalizada em 2017, no valor de R$ 100 milhões, além das práticas já adotadas nas operações anteriores, adotou

uma nova metodologia construída em conjunto por MDS, ASA e BNDES em forma de piloto, com o objetivo de potencializar os impactos do apoio do BNDES Fun-do Social. Junto com a implantação da cisterna, serão

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oferecidos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para famílias em situação de pobreza e ex-trema pobreza, de modo que recebam acompanhamento técnico em práticas de manejo produtivo. Isso permiti-rá que os beneficiários sejam elegíveis ao Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais (Programa Fo-mento). Trata-se de um programa de transferência de renda do governo federal, cujo apoio consiste no repas-se, pelo MDS, de recursos financeiros não reembolsáveis destinados à implantação de projeto produtivo.

A estimativa é de que os serviços de Ater sejam ofe-recidos a um terço das famílias apoiadas no Projeto, mantendo-se a metodologia histórica para as demais. Para tanto, foi celebrado o Acordo de Cooperação Técnica entre a União, representada pelo MDS, e o BNDES (BNDES, 2017).

A operação prevê, ainda, uma avaliação de impacto com aleato-rização, conduzida por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade da Ca-lifórnia em Berkeley, com base em um convênio celebrado entre o Ministério da Cidadania – antigo Ministério do Desenvolvimento Social – e o Banco Mundial (BNDES, 2017).

Em outubro de 2020, a Diretoria do BNDES aprovou a proposta de fomento para aplicação de até R$ 30 milhões de recursos não reembolsáveis do BNDES Fundo Social na implantação do Cister-nas nas Escolas, uma ação do Programa Cisternas sob a gestão do Ministério da Cidadania, a ser executada em parceria com a FBB, com previsão de aporte de igual valor pela FBB e/ou outros parcei-ros privados.

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O BNDES já apoiou também a reaplicação de tecnologias sociais voltadas para o esgotamento sanitário rural, com destaque para as fossas sépticas biodigestoras apoiadas em parceria com a FBB. As instituições apoiaram, em conjunto, aproximadamente 1,4 mil fossas sépticas, em um investimento não reembolsável de aproxima-damente R$ 2 milhões, sendo os recursos do BNDES oriundos do BNDES Fundo Social, conforme informado pela equipe do Depar-tamento de Educação e Investimentos Sociais da Área de Gestão Pública e Socioambiental (DEDUC/AGS).

Fica evidente a experiência do BNDES no apoio a tecnologias des-centralizadas individuais, acumulada nos últimos anos, em parcerias estabelecidas com diversas instituições públicas e organizações da sociedade civil com atuação reconhecida no setor. Essa experiência, somada ao protagonismo do Banco no fomento do setor tradicional de saneamento básico, pode ser utilizada na busca de soluções e ar-ticulações de iniciativas para o apoio ao saneamento rural em áreas remotas, à luz do que foi feito no Programa Cisternas.

Considerações finaisConforme apontado neste artigo, o problema do déficit de sanea-mento básico tem ganhado cada vez mais atenção da sociedade bra-sileira e mobilizado organizações públicas e privadas na busca por soluções sustentáveis.

Apesar disso, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico, que teve como principal foco regionalizar e aumentar a participação da ini-ciativa privada na prestação de serviços de saneamento, para que se promova a universalização do acesso, provavelmente não terá o êxito esperado em todas as localidades, uma vez que, entre outras

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questões, não trata de forma adequada a solução para o abasteci-mento de água e esgotamento sanitário em áreas rurais isoladas, que concentram parte significativa desse déficit e exigem soluções mais complexas.

Conforme diagnóstico apresentado no PNSR, a maior parte do dé-ficit do saneamento rural encontra-se em regiões de maior disper-são territorial e as soluções de abastecimento de água e esgotamento adequadas para esses territórios não se relacionam com a forma tra-dicional de prestação desses serviços, demandando, ao contrário, soluções descentralizadas e individuais, representadas preferencial-mente por tecnologias sociais a serem implantadas nas unidades familiares com ampla participação das comunidades beneficiadas.

Considerando que o déficit de saneamento nesses territórios tam-bém está diretamente relacionado à concentração de pobreza, a implantação dessas soluções individuais deve ser custeada principal-mente com recursos governamentais, advindo dos entes públicos das três esferas – União, estados e municípios – bem como por organis-mos internacionais e organizações privadas, com ou sem fins lucrati-vos, que estejam dispostas a contribuir com a causa. O retorno social e econômico é inequívoco e já mapeado em estudos específicos.

O próprio marco legal do saneamento afasta essas soluções indivi-duais, quando não dependam de terceiros para operar os serviços, da concepção de prestação de serviço público de saneamento, ob-jeto de interesse pela iniciativa privada. Por consequência, também não lhes são aplicáveis as restrições previstas no novo marco legal para a alocação de recursos públicos federais, reembolsáveis e não reembolsáveis. Nesse sentido, o Novo Marco Legal do Saneamento Básico não trouxe inovações para a solução do déficit de saneamen-to nesses territórios.

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É grande a complexidade de gerenciar políticas públicas destinadas à implantação de soluções individuais para famílias residentes em locais afastados dos centros urbanos e com baixa densidade demo-gráfica. No entanto, o marco legal do saneamento já aponta o diag-nóstico e sinaliza algumas soluções, com destaque para o PNSR.

O Programa Cisternas, que já respondeu pela implantação de mais de um milhão de soluções individuais destinadas ao abastecimen-to de água no semiárido brasileiro, pode servir como inspiração.

A sistematização das tecnologias apoiadas no âmbito do programa e de todas as etapas, procedimentos e documentos que integram sua implementação, bem como a existência de um sistema de gestão que garante o acompanhamento das ações, incluindo a identificação das pessoas físicas apoiadas e o georreferenciamento dos locais em que residem (SIG Cisternas), proporcionaram ao programa reconheci-mento nacional e internacional.

A criação de um marco legal baseado nas mesmas premissas, es-pecífico para o esgotamento sanitário, ou de um marco legal que conjugue as tecnologias de acesso a água e esgotamento, poderia impulsionar a universalização do saneamento nas áreas rurais iso-ladas. Já existem diversas soluções desenvolvidas e testadas por ins-tituições científicas, empresas públicas e organizações da sociedade civil que podem ser utilizadas como referência.

As etapas de implementação das soluções individuais devem igual-mente incluir a capacitação das famílias beneficiadas acerca do correto manuseio das tecnologias, como previsto no Programa Cis-ternas, de forma que tenham significativa autonomia em relação a governos e/ou prestadores de serviços privados.

O desafio da articulação política e do estabelecimento de parcerias, com a participação da sociedade civil, para implementar soluções

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efetivas que demandam alocação expressiva de recursos públicos e privados para sua implantação, está colocado e requer a atuação ati-va dos diferentes atores, em especial das três instâncias de governo, para buscar sua realização. O BNDES, considerando todo o conhe-cimento e a experiência no fomento ao setor de saneamento e no apoio ao Programa Cisternas e outras tecnologias sociais de esgo-tamento sanitário, pode desempenhar um papel relevante, tanto no desenho quanto na implementação de alternativas para a melhoria do esgotamento sanitário em áreas rurais isoladas do Brasil.

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Fatos estilizados sobre o financiamento ao setor de água e esgoto no Brasil

Stylized facts about the financing of the water and sewage sectors in Brazil

André Albuquerque Sant’AnnaRomero RochaLetícia Barbosa PimentelMarcelo Miterhof*

* Respectivamente, economista do BNDES; professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ); economista do BNDES; e economista do BNDES. Este artigo é de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, a opinião do BNDES.

Respectively, economist at BNDES; professor at Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IE/UFRJ); economist at BNDES; and economist at BNDES. The views expressed in this article are the views of the authors and do not necessarily reflect the opinion of BNDES.

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ResumoEste artigo apresenta fatos estilizados acerca do financiamento ao setor de água e esgoto no Brasil. Utilizando uma base de dados de projetos de prestadores públicos selecionados para descontingenciamento de crédito, foi possível analisar o padrão de financiamento e características específicas do BNDES no financiamento ao setor. Os resultados da análise apontam para uma concentração do crédito no BNDES e na Caixa Econômica Federal, como financiadores capazes de oferecer melhores condições de taxa e, principalmente, prazo. Os projetos financiados pelo BNDES, mesmo quando se consideram o tipo de to-mador, tamanho do investimento e outras características, tendem a apresentar maiores taxas de sobrevivência, bem como são de maior monta e têm tempo menor de execução da obra, o que em parte se justifica pelos distintos perfis de atuação das instituições.

Palavras-chave: Saneamento. Água. Esgoto. Financiamento. BNDES. Caixa Econômica Federal.

Abstract

This article presents stylized facts about the funding of the water and sewage sector in Brazil. Using a dataset of investment projects selected for having credit restrictions lifted by the Federal government, it was possible to analyze the financing pattern and the specific characteristics of the BNDES in financing the sector. The results of the analysis point to a concentration of credit at BNDES and Caixa Econômica Federal, as banks capable of offering better rate conditions and, mainly, loans with longer durations. The projects financed by the BNDES, even when considering the type of borrower, size of the investment and other characteristics, tend to have higher survival rates, as well as being of greater amount and have a shorter execution time, which is justified by the different profiles of the institutions.

Keywords: Sanitation. Water. Sewage. Funding. BNDES. Caixa Econômica Federal.

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IntroduçãoA provisão adequada de água e esgoto é elemento central para a saúde pública (CUTLER; MILLER, 2005a). Estudos mostram que seus efeitos positivos se estendem a diversas esferas da vida, como educação, produtividade do trabalho, valorização imobiliária, en-tre outras (ORTIZ-CORREA; RESENDE FILHO; DINAR, 2016; FREITAS; MAGNABOSCO, 2017). Com efeito, as externalidades positivas da provisão adequada de água e esgoto são muito impor-tantes: estima-se que, em países em desenvolvimento, cada dólar investido no setor produz um retorno de US$ 5 a US$ 28 para a economia (UNESCO, 2015), em virtude da redução de gastos, por exemplo, com saúde pública e ausências no trabalho.

Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu, por meio da Resolução A/RES/64/292, o “direito à água potável e limpa e ao saneamento como fundamentais para o pleno gozo da vida e de todos os direitos humanos” (UN, 2010, p. 2, tradução nossa). A adequada provisão de saneamento, além representar um bem essencial à vida, melhora as condições de saúde e do meio ambiente de onde se vive.

O Brasil tem um déficit crônico de cobertura de saneamento básico. A deficiência é mais grave no que se refere à cobertura de esgoto, já que o percentual de atendimento, em 2019, era de apenas 54,1% da população brasileira. Diante disso, o quadro de prestação desses serviços no país deve ser visto com preocupação, em face tanto do déficit total do acesso aos serviços, quanto das discrepâncias regio-nais (Tabela 1).

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Tabela 1 • Prestação de serviços de saneamento básico à população brasileira (2019)

RegiãoÁgua – índice de atendimento (%)1

Esgoto – índice de atendimento (%)2

Esgoto – índice de tratamento (%)3

Norte 57,5 12,3 22,0

Centro-Oeste 89,7 57,7 56,8

Nordeste 73,9 28,3 33,7

Sudeste 91,1 79,5 55,5

Sul 90,5 46,3 47,0

Brasil 83,7 54,1 49,1

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), disponíveis em: http://www.snis.gov.br/. Notas: 1. População total atendida com abastecimento de água/população total residente nos municípios que contam com abastecimento de água, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 2. População total atendida com esgotamento sanitário/população total residente nos municípios que contam com abastecimento de água, segundo o IBGE. 3. Volume de esgoto tratado/volume de água consumido.

Diante desse quadro ainda grave de subfornecimento de água e, sobretudo, esgoto, as políticas públicas relacionadas à ampliação da oferta de saneamento básico devem privilegiar esforços de primeira ordem. Em particular, a ampliação dos investimentos deve focar na provisão de financiamento de longo prazo (CUTLER; MILLER, 2005b).

Assim, este artigo usa uma base de dados disponibilizada pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA), do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), para identificar certas características dos projetos de prestadores públicos dos serviços de água e esgoto, como a taxa de sucesso na conclusão, o tempo de execução das obras e o tempo de análise pelos financiadores. Essa base contém todos os projetos de investimento selecionados pela SNSA para se beneficiarem de medidas editadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) visando o descontingenciamento dos limites de crédito ao setor público. O artigo ainda identifica alguns

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“fatos estilizados” – conclusões e características que podem ser extraídas das informações contidas na base de dados utilizada – sobre o financiamento aos investimentos em água e esgoto no Brasil, buscando verificar hipóteses e sugerir interpretações para o que foi encontrado.

Uma medida relevante para a ampliação dos investimentos foi a Resolução 3.437, de 22 de janeiro de 2007 (BCB, 2007), do CMN, que permitiu o descontingenciamento de R$ 6 bilhões para inves-timentos em saneamento e foi seguida de outras resoluções, que ampliaram esse valor. Tais medidas permitiram a entes públicos – municípios, estados e companhias estaduais de saneamento básico (Cesb) – ampliar seu limite de crédito para projetos setoriais, me-diante seleção pelo ministério competente. Com isso, viabilizou-se o financiamento de longo prazo de investimentos na ampliação da prestação de serviços de saneamento. Neste artigo, pretende-se ava-liar os efeitos dessa ampliação, decorrente das referidas medidas de descontingenciamento de crédito.

Apesar das deficiências do Brasil no setor de saneamento, as avalia-ções empíricas do impacto das políticas públicas no setor são escassas e recentes. Em relação aos efeitos de mudanças institucionais nessa área, a escassez de referências é ainda maior. Mesmo nesses casos, a maior parte dos trabalhos foca nas consequências da privatização de empresas prestadoras desses serviços. Em outras palavras, falta na lite-ratura um trabalho que enfoque os efeitos de mudanças institucionais sobre os investimentos públicos no setor de saneamento.

Visando preencher essa lacuna, este artigo se organiza em mais quatro seções, além desta Introdução. A próxima seção apresenta o arcabouço institucional do saneamento básico vigente até a edi-ção do chamado novo marco legal do saneamento básico, ou seja, a

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Lei 14.026, de 15 de julho de 2020 (BRASIL, 2020). Na seção seguinte, são apresentados os dados utilizados neste estudo, em especial a lista de projetos selecionados para descontingenciamento de crédito. Essa lista foi gentilmente cedida pela Secretaria Nacional de Saneamento, órgão do MDR. A quarta seção apresenta fatos estilizados sobre o fi-nanciamento do BNDES ao setor. Na quinta seção, são incorporadas algumas análises críticas acerca dos resultados encontrados.

Arcabouço institucional1

As políticas de saneamento básico passaram por diversas mudanças institucionais nos últimos anos (PIMENTEL; CAPANEMA, 2018). Essas alterações começaram com a Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007 (BRASIL, 2007b), que estabeleceu diretrizes nacionais para o setor. Recentemente, essa lei foi alterada, com a aprovação do novo marco legal do setor, dada pela Lei 14.026/2020.

Em relação à estrutura do setor de saneamento no Brasil, o serviço pode ser prestado diretamente pelos municípios ou por meio de concessões às empresas do setor público ou privado. Como men-cionado, a Resolução 3.437/2007 e outras subsequentes do CMN ampliaram consideravelmente os limites de crédito a entes públicos para realizar investimentos no setor, cuja priorização foi feita por seleção de projetos pelo Ministério das Cidades.

Para superar, até 2033, os déficits existentes, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab), em sua revisão quadrienal, realizada em 2018, estabeleceu a necessidade de investimentos de

1  Esta seção baseia-se em Sant’Anna, Martini e Pimentel (2019).

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R$ 27,6 bilhões (a preços de 2019) por ano em abastecimento de água e esgotamento sanitário. No entanto, a média anual de inves-timento, de 2007 a 2019, foi de R$ 13 bilhões (a preços de 2019), bem abaixo do estabelecido.

Um fator relevante é o acesso dos prestadores de serviços a fontes de financiamento de longo prazo, necessárias aos elevados prazos de implantação e maturação dos investimentos no setor. Além disso, o financiamento com condições favoráveis em relação a taxas se justifica pela existência de externalidades sociais associadas, como redução de gastos de saúde, redução de ausências no trabalho, valorização imobiliária, entre outras.

Conforme mencionado, os investimentos necessários para atingir as metas do Plansab estão ainda muito longe de serem alcançados. Não obstante, a partir de 2009, houve um aumento significati-vo no patamar dos recursos investidos, como é possível observar no Gráfico 1. Em 2014, os investimentos atingiram um pico de R$ 15,9 bilhões (a preços de 2019), um crescimento real de 109% em relação a 2007. Com o fim do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e as dificuldades societárias enfrentadas por prestadores privados cujos controladores foram atingidos pela Operação Lava-Jato, os investimentos caíram nos três anos se-guintes. Mas, voltaram a subir em 2018 e 2019, provavelmente em razão das reestruturações de prestadores privados e por conta da retomada do crédito dos bancos públicos.

De todo modo, os investimentos no setor envolvem projetos cujos desembolsos ocorrem ao longo de vários anos depois de sua aprovação pelo financiador. Esse carregamento suaviza os impactos das medidas que tendem a reduzir e também a aumentar os investimentos. Assim, por exemplo, apesar de a primeira resolução do CMN sobre

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descontingenciamento de recursos ser de 2007, o crescimento nos in-vestimentos somente ocorreu a partir de 2009, quando os recursos con-tratados no âmbito do PAC começaram a se refletir em desembolsos.

Gráfico 1 • Investimentos anuais em saneamento básico (R$ bilhões de 2019)

Fonte: Elaboração própria, com base em dados do Snis, disponíveis em http://www.snis.gov.br/.

O PAC foi criado pelo Decreto 6.025, de 22 de janeiro de 2007 (BRASIL, 2007a). Em relação aos setores de água e esgoto, respectivamente, esse programa tinha como objetivos: (i) melhorar e expandir o abastecimen-to de água das áreas urbanas; investir em irrigação, estudos e projetos e revitalização, para ampliar a infraestrutura de abastecimento de água na região Nordeste e em áreas com escassez de água; e (ii) aumentar a cobertura de coleta e tratamento de esgoto, proteger os mananciais, despoluir cursos d’água e tratar os resíduos sólidos.

As dotações destinadas ao saneamento no PAC 1 (vigente de 2007 a 2010) e no PAC 2 (vigente de 2011 a 2014) foram, respectivamente, de R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões. As fontes desses recursos foram repasses do Orçamento Geral da União (OGU), financiamentos do BNDES e da Caixa Econômica Federal (Caixa) e contrapartidas dos estados e municípios beneficiados.

7,57 9,64

13,76 14,33 13,02

14,11 14,21 15,87

13,32 12,62 11,66 13,51

15,52

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019

Recursos onerosos Recursos não onerosos Recursos próprios

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Os projetos do PAC enfrentaram problemas em sua execução. A experiência do BNDES no setor apontas as seguintes razões: (i) ausência de planejamento de médio e longo prazos dos prestadores; (ii) dificuldades em elaborar e implementar projetos; (iii) baixa capaci-dade de execução e acompanhamento dos investimentos; (iv) insuficiência de pessoal nas equipes para a elaboração de grande número de licitações simultaneamente; (v) descontinuidade administrativa; e (vi) dificuldades relativas a obtenção de licenças e deficiências cadastrais de diversas ordens. Esses fatores levaram a significativas alterações do orçamento inicialmente previsto e a atrasos nas execuções das obras.

Ainda assim, houve elevação dos investimentos e consequentemente da provisão dos serviços de abastecimento de água e esgoto em razão do descontingenciamento de crédito propiciado pelo PAC. De 2001 a 2017, as operações de crédito feitas por entes públicos (da administração direta e indireta) foram regulamentadas pela Resolução 2.827, de 30 de março de 2001 (BCB, 2001), do CMN. Tal resolução estabelecia um limite global de R$ 1 bilhão para operações de crédito de qualquer instituição do sistema financeiro nacional com o setor público (excetuando Petrobrás e Eletrobrás). Esse limite, porém, foi rapidamente atingido, retornando a uma situação de restrição de crédito.

A partir de 2007, como forma de possibilitar os investimentos do PAC, o descontingenciamento de recursos passou a ser realizado por meio da inserção de dispositivos na Resolução 2.827/2001, estabelecendo novos limites setoriais. No caso do saneamento, a utilização desses montantes ocorria por meio da seleção de projetos feita pela SNSA. Com isso, possibilitou-se o acesso dos entes públicos a crédito para investimento em projetos de saneamento.

A seleção pela SNSA levava em conta requisitos institucionais e le-gais pelos prestadores, como a regularidade das concessões, no caso

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de delegação da prestação, e a comprovação de regulação dos serviços, entre outros, além de requisitos dos projetos, como o estabelecimento dos itens financiáveis, por exemplo.

Dados

Projetos de saneamentoComo dito na seção anterior, para fazer jus ao descontingenciamento de crédito pela União, os projetos de investimento deveriam ser encaminhados ao então Ministério das Cidades, que fazia uma seleção dos projetos baseados em critérios estabelecidos pela Instrução Normativa 3, de 22 de janeiro de 2008 (e outras que a substituíram). Esse procedimento figurou como elemento central para que os prestadores de serviço em saneamento tivessem acesso a fontes de financiamento de longo prazo, notadamente via Caixa e BNDES.

A listagem com todos os projetos selecionados de 2007 a 2019 foi ce-dida pela SNSA para que esta avaliação fosse realizada. A base de da-dos completa compreende 2.465 projetos, selecionados de fevereiro de 2007 (embora com início dos investimentos anterior, em alguns casos) a setembro de 2019, e contempla informações sobre: agente financeiro responsável pelo crédito, tomador, município, estado e região, situa-ção do contrato, valor do investimento, empréstimo, contrapartida e total desembolsado. Constam ainda as datas de seleção, assinatura do contrato, início e fim das obras. Mesmo empresas privadas, quando to-maram recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), aparecem na lista de projetos cedida pela SNSA.

Com isso, foi possível realizar um diagnóstico bem completo a respeito da evolução do financiamento do investimento em saneamento básico no país nos últimos anos. A próxima seção tratará desse diagnóstico.

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O Mapa 1 apresenta os municípios que fazem parte dessa base de dados. Vê-se que os projetos aprovados em água e esgoto se espalham por todas as regiões do país, embora haja uma concentração maior nos estados do Paraná e São Paulo, responsáveis por 49,7% do total.

Mapa 1 • Municípios que tiveram crédito aprovado para investimentos em abastecimento de água, esgotamento sanitário e saneamento integrado, pelo ano de início do investimento

Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental.

Em relação aos valores de investimento, os projetos financiados por BNDES e Caixa para água, esgoto e saneamento integrado, de 2007 a 2019, somaram R$ 57,2 bilhões, a preços de 2019. Esse valor equi-vale a 41% dos investimentos em água e esgoto extraídos da base de dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis), no mesmo período.2

2  A comparação direta não é adequada, pois os valores contratados só se transformam em desembolso e, consequentemente, em investimentos, nos anos seguintes.

200520062007200820092010201120122013201420152016201720182019Unidade da Federação

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Fatos estilizados sobre financiamento ao investimento em água e esgotoEsta seção apresenta “fatos estilizados” a respeito do financiamen-to a água e esgoto no país.

A base original contém 2.465 projetos selecionados pelo MDR entre 2007 e 2019. Esses projetos se inserem nas seguintes mo-dalidades: abastecimento de água; desenvolvimento institucional; esgotamento sanitário; estudos e projetos; manejo de resíduos só-lidos; manejo de águas pluviais; redução e controle de perdas; e saneamento integrado. Neste trabalho, o foco serão as modalida-des abastecimento de água, esgotamento sanitário e saneamento integrado, que representam 1.689, ou 68,5% do total de projetos selecionados.

No que diz respeito à distribuição dos projetos entre os agentes financeiros, BNDES e Caixa concentram a maior parte dos financiamentos, respondendo, respectivamente, por 20,7% (349 projetos) e 77,9% (1.316 projetos) do total de projetos financiados em água, esgoto e saneamento integrado.3 Com base nessa informação, apresenta-se, a seguir, o primeiro fato estilizado, bem conhecido no setor.

3  Os demais bancos financiadores de projetos que integram a base de dados são: Banco do Estado do Rio Grande do Sul (Banrisul), Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG), Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), BTG Pactual e Banco do Brasil. No total, esses bancos financiaram 24 projetos.

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Fato estilizado 1: o financiamento de longo prazo ao investimento em água e esgoto se concentra em dois bancos públicos – Caixa e BNDESA base de dados permite ainda identificar projetos que foram can-celados ou distratados. Com isso, é possível avaliar a taxa de sobrevi-vência dos projetos por instituição financeira. A Tabela 2 apresenta a distribuição entre projetos sobreviventes – aqui definidos como não cancelados ou distratados na base de dados da SNSA – ou não, por agente financeiro. Como se observa, no agregado, dos 1.689 projetos selecionados, 1.204 (71,3%) sobreviveram.

Tabela 2 • Distribuição entre projetos cancelados e sobreviventes e taxa de sobrevivência, por agente financeiro

Cancelado/distratado Taxa de sobrevivência

Agente financeiro Não (1) Sim (2) Total (3) (4) = (1)/(3)

Banrisul 4 1 5 80,0%

BDMG 4 0 4 100,0%

BNDES 282 67 349 80,8%

BRDE 1 0 1 100,0%

BTG Pactual 12 0 12 100,0%

Banco do Brasil 1 1 2 50,0%

Caixa 900 416 1.316 68,4%

Total 1.204 485 1.689 71,3%

Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pelo MDR.

Quando se compara a taxa de sobrevivência de projetos apoiados pelo BNDES e pela Caixa, a diferença parece significativa.

A fim de testar a hipótese de que projetos apoiados pelo BNDES têm maior probabilidade de sobrevivência, estimou-se um modelo Logit,

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comparando a sobrevivência de projetos financiados pelo BNDES e pela Caixa. Como a modalidade de investimento, as caracterís-ticas do tomador do financiamento e o tamanho do investimento podem afetar a probabilidade de sobrevivência, o modelo esti- mado controlou para essas variáveis. Desse modo, o modelo a ser estimado segue a equação:

em que Ymt é a variável dependente na modalidade m, para o tomador mês t e assume valor 1 para projeto sobrevivente e zero caso contrário.

O coeficiente b1 mede o efeito de o projeto ter sido financiado pelo BNDES. A variável BNDESmt é uma variável binária (dummy) que indica apoio do BNDES para um determinado projeto. A variável X inclui o logaritmo do valor do investimento. As variáveis am e li são, respectivamente, efeitos-fixos de modalidade de investimento e tomador e permitem controlar para variações comuns a todas as modalidades e variações específicas por tomador. Por fim, eit é termo de erro do modelo. Os erros-padrão são agrupados por município, de modo a permitir correlação serial de cada município.

Conforme se observa na Tabela 3, na coluna 1, o modelo Logit con-sidera apenas uma variável binária (dummy) de apoio pelo BNDES (assume valor 1 se o projeto foi financiado pelo BNDES e valor zero, se não). A coluna 2 adiciona o logaritmo do valor total do investi-mento como controle, de modo a lidar com complexidades relacio-nadas ao tamanho do projeto. Na coluna 3, adiciona-se uma variável que controla pela identidade do tomador, uma vez que a capacidade

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de finalizar projetos de investimento pode ser muito distinta de acordo com as competências da empresa de saneamento. Por fim, na coluna 4, são adicionados controles para a modalidade do investi-mento, já que projetos de água podem diferir dos projetos de esgoto ou saneamento integrado.

Os resultados apontam para uma probabilidade maior de um pro-jeto apoiado pelo BNDES não ser cancelado. A razão de probabi-lidade, que se observa na última linha da Tabela 3, aponta que um projeto apoiado pelo BNDES tem uma chance 1,439 maior de so-breviver (de acordo com a coluna 4).

Tabela 3 • Resultados do modelo Logit

(1) (2) (3) (4)

Projeto

sobreviventeProjeto

sobreviventeProjeto

sobreviventeProjeto

sobrevivente

Dummy de BNDES

(0,666 (0,656 (0,404 (0,364

(0,176)*** (0,177)*** (0,213)* (0,219)*

Observações 1.665 1.665 1.665 1.665

Controle Investimento

N S S S

Controle Tomador

N N S S

Controle Modalidade

N N N S

Cluster Município Município Município Municipio

Odds-ratio 1,945 1,927 1,498 1,439

Fonte: Elaboração própria.Nota: Esses resultados são estimados por um modelo Logit, com controles para tamanho do investimento, identidade do tomador, tipo de modalidade. Erros-padrão robusto em parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Com base nesses resultados, pode-se apontar mais um fato estilizado.

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Fato estilizado 2: projetos apoiados pelo BNDES têm maior probabilidade de sobrevivência4

O fato de um projeto sobreviver, no entanto, não é garantia de que chegará até o fim. Assim, a Tabela 4 apresenta a quantidade de pro-jetos que efetivamente foram finalizados, além dos não cancelados, por instituição financiadora.

Tabela 4 • Número de projetos finalizados e não cancelados, por agente financeiro

Finalizados (1) Não cancelados (2)% Finalizados

(3)=(1)/(2)

Banrisul 1 4 25

BDMG 2 4 50

BNDES 213 282 76

BRDE 0 1 0

BTG Pactual 0 12 0

Banco do Brasil 0 1 0

Caixa 456 900 51

Total 672 1.204 56

Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pelo MDR.

Quando se compara o número de projetos executados até o final com os números da Tabela 1, percebe-se que o percentual de pro-jetos efetivamente finalizados que são financiados pelo BNDES é bem superior à média geral: 76% dos projetos cujo crédito vem do BNDES chegaram ao fim, ao passo que a média geral é de 56%.

4  Os projetos não finalizados podem ainda estar em acompanhamento e, futuramente, vir a ser considerados finalizados. Trata-se, portanto, de um corte específico no tempo.

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Fato estilizado 3: entre os sobreviventes, mais projetos financiados pelo BNDES chegaram ao fimMas, tal resultado pode decorrer apenas do fato de os projetos financiados pelo BNDES terem começado antes dos demais. Pode ser que o efeito esteja relacionado apenas às datas de seleção do projeto pelo Ministério das Cidades, ao tempo para assinatura do contrato com a instituição financeira ou ao tempo decorrido até o início da obra.

A fim de examinar tais possibilidades, comparam-se, a seguir, as densidades de projetos por data de seleção, data de assinatura do contrato e data de início da obra. Como Banrisul e BDMG têm, respectivamente, apenas um e dois projetos executados até o final (BRDE, BTG Pactual e Banco do Brasil não têm projetos finaliza-dos), a análise compara projetos apoiados pelo BNDES e pela Caixa.

O Gráfico 2 apresenta gráficos de densidade Kernel para as datas de seleção, de assinatura de contrato e de início da obra para BNDES e Caixa. No primeiro gráfico do Gráfico 2, que apresenta a densidade de projetos por data de seleção, verifica-se maior concentração de projetos financiados pelo BNDES nos anos iniciais da amostra, quando comparados com a densidade dos projetos apoiados pela Caixa. Nos anos finais, praticamente não houve prevalência de projetos financiados pelo BNDES. O segundo gráfico, que apresenta as densidades por data de assinatura do contrato, apresenta padrão bem similar ao primeiro.

Logo, aparentemente, o BNDES conseguiu mobilizar projetos com maior velocidade quando houve o descontingenciamento inicial de crédito, no âmbito do PAC 1. O mesmo parece valer para o PAC 2, visto que há uma concentração de projetos selecionados e contratados

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pelo BNDES antes da Caixa, de 2011 e 2012. No entanto, quando se observa o terceiro gráfico, que remete à data de início da obra, a diferença inicial entre projetos financiados por BNDES e Caixa diminui substancialmente.

Gráfico 2 • Densidades Kernel para as datas de seleção, de assinatura de contrato e de início da obra para BNDES e Caixa

0,005

0,02

0,01

0,025

0

0,015

2004 20102006 20122008 2014 2016 2018 2020

BNDES Caixa

Den

sida

de

Data de seleção

Data de assinatura do contrato

0,005

0,02

0,01

0,025

0

0,015

2004 20102006 20122008 2014 2016 2018 2020

BNDES Caixa

Den

sida

de

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Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pelo MDR.

Diante dessas observações, pode-se tirar alguns aprendizados: (i) a di-ferença de tempo entre a seleção do projeto e a assinatura do contrato não parece relevante entre as duas principais instituições financiado-ras de projetos de saneamento. Isso se observa pela ausência, notável em uma inspeção visual, de diferença nas curvas dos dois primeiros gráficos; (ii) a Caixa parece proporcionar um tempo menor entre as-sinatura do contrato e início da obra, sobretudo no PAC 1. Pode-se observar isso ao comparar o segundo gráfico com o último, no qual a distância entre as curvas de densidade desaparece, sobretudo na pri-meira corcova, que corresponde ao período do PAC 1. Ou seja, os procedimentos internos de análise do BNDES parecem tomar relati-vamente mais tempo.

No entanto, como se viu no Fato estilizado 3, projetos financiados pelo BNDES tendem a alcançar mais o fim da execução do que pro-jetos apoiados pela Caixa. Para conciliar esses resultados, surge uma hipótese a ser testada: o tempo de execução de projetos financiados pelo BNDES é menor do que de projetos apoiados pela Caixa.

Data de início da obra

0,005

0,02

0,01

0,025

0

0,015

2004 20102006 20122008 2014 2016 2018 2020

BNDES Caixa

Den

sida

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O Gráfico 3 apresenta as densidades Kernel relativas aos tempos de execução de obra dos projetos finalizados e apoiados por BNDES e Caixa. Além disso, são apresentadas as médias do tempo de execução: a linha vertical pontilhada refere-se ao tempo médio de execução de obras financiadas pela Caixa (50,2 meses), ao passo que a linha verti-cal sólida se refere aos projetos apoiados pelo BNDES (56,9 meses).

Além da diferença nas médias, as curvas de densidade indicam que há uma concentração de obras com prazo mais longo na Caixa.

Gráfico 3 • Densidade Kernel de tempo de execução de obra em meses, por agente financeiro

Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pelo MDR.

Esses resultados, no entanto, podem estar condicionais a diver-sos fatores, como tamanho do investimento, modalidade (água, esgoto ou saneamento integrado) e tipo de tomador (Cesb, empresa privada ou prestadora municipal). Todos esses fatores podem afetar o tempo de execução de obra, em virtude de di-ferenças de escala, complexidade e capacidade de execução do tomador, por exemplo.

0 9030 12060 150

BNDES Caixa

0,01

0,015

0

0,005Den

sida

de

Tempo de obra

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O Gráfico 3 apresenta as densidades Kernel relativas aos tempos deexecução de obra dos projetos finalizados e apoiados por BNDES eCaixa. Além disso, são apresentadas as médias do tempo de execução:a linha vertical pontilhada refere-se ao tempo médio de execução deobras financiadas pela Caixa (50,2 meses), ao passo que a linha verti-cal sólida se refere aos projetos apoiados pelo BNDES (56,9 meses).

Além da diferença nas médias, as curvas de densidade indicam que háuma concentração de obras com prazo mais longo na Caixa.

Gráfico 3 • Densidade Kernel de tempo de execução de obra em meses, por agente financeiro

Fonte: Elaboração própria, com base em dados internos cedidos pelo MDR.

Esses resultados, no entanto, podem estar condicionais a diver-sos fatores, como tamanho do investimento, modalidade (água,esgoto ou saneamento integrado) e tipo de tomador (Cesb,empresa privada ou prestadora municipal). Todos esses fatorespodem afetar o tempo de execução de obra, em virtude de di-ferenças de escala, complexidade e capacidade de execução dotomador, por exemplo.

Quando se compara o tamanho do investimento, observa-se que o BNDES financia, na média, projetos maiores, independente-mente da modalidade. A Tabela 5 apresenta a diferença entre amédia do logaritmo do investimento, por modalidade.

Tabela 5 • Diferença entre o Ln do Investimento por modalidade e agente financeiro (BNDES e Caixa)

BNDES (1) Caixa (2) Diferença (3) = (2)-(1)

Abastecimento de água 16,27 15,94 -0,329***

Esgotamento sanitário 16,55 16,31 -0,236***

Saneamento integrado 17,23 15,73 -1,498***

Total 16,48 16,13 -0,352***

Fonte: Elaboração própria.Nota: a terceira coluna apresenta a diferença entre o investimento médio, por modalidade financiado por Caixa e BNDES. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1.

Como se observa, na média, os investimentos financiados pelo BNDES são maiores em cerca de 35% e isso independe da modalidade.

Fato estilizado 4: investimentos financiados pelo BNDES são maiores, ainda que para o mesmo tipo de modalidadeA princípio, era de se esperar que investimentos maiores, apesar da possibilidade de ganhos de escala, levassem mais tempo para ter suas obras executadas. A escala poderia reduzir o tempo mar-ginal, porém não o tempo total. Além disso, investimentos maiores

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tenderiam a ocorrer em cidades maiores, nas quais as operações ge-ralmente são mais complexas.

Tendo em vista esse quarto fato estilizado e a diferença no tempo de obra, surge uma indagação crucial: seriam os tempos de execução das obras financiadas pelo BNDES e pela Caixa distintos, uma vez que se controla para variáveis que podem afetar a duração da execução, como tamanho do investimento, modalidade do investimento, características do município foco de investimento e data de início da obra?

Para testar essa hipótese, estima-se a seguinte regressão:

em que BNDESim é a variável binária (dummy) que assume valor igual a 1 quando a obra é financiada pelo BNDES, para a modalidade i (esgotamento, água ou saneamento integrado) e município m e 0 quando é financiada pela Caixa; X é um vetor que contém valor do investimento (em Ln), participação do financiamento no investimento total e data de início da obra. Além disso, são inseridas dummies de modalidade do investimento e município. bBNDES é parâmetro a ser estimado que retoma efeito do BNDES sobre o tempo de execução de obra. Os erros-padrão são “clusterizados” por tipo de tomador, pois pode haver correlação dos erros em municípios operados por um mesmo tomador (por exemplo, a Sabesp atua em vários municípios de São Paulo. Logo, os erros-padrão em municípios paulistas podem ser correlacionados).

A Tabela 6 apresenta os resultados da estimação do efeito do BNDES sobre o tempo de execução de obra em projetos de água e esgoto. Na coluna 1, estima-se a correlação simples entre o tempo

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de obra e o financiamento do BNDES. O coeficiente estimado equivale à diferença simples de médias – 6,7 meses. As colunas 2 e 3 adicionam, respectivamente, o valor do investimento e a parti-cipação do agente financeiro no total investido. Com isso, o coefi-ciente estimado passa a ser significativo e de maior magnitude, de 11,7 a 11,9 meses. As colunas seguintes adicionam, respectivamen-te, a data do início da obra, uma dummy para modalidade e uma dummy para município do projeto. Os resultados permanecem significativos e com importante magnitude: na especificação mais completa, o efeito estimado sobre o tempo de obra é de 17,4 meses, quase um ano e meio a menos. Os resultados permitem apontar mais um fato estilizado.

Fato estilizado 5: investimentos financiados pelo BNDES têm tempo de execução menor que os demaisOs resultados até aqui apontam para a eficácia dos projetos finan-ciados pelo BNDES, relacionada ao fato de serem levados a cabo, te-rem tamanhos maiores e levarem menos tempo para ser executados. Porém, a ideia não é fazer uma comparação direta entre BNDES e Caixa, pois as características do apoio de cada instituição condi-cionam esses resultados. Nesse sentido, a próxima seção aventará algumas hipóteses sobre os resultados encontrados.

Tabela 6 • Efeitos do BNDES sobre tempo de obra (1) (2) (3) (4) (5) (6)

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Dummy de BNDES

-6,667 -11,962 -11,715 -12,219 -12,656 -17,389

(4,926) (3,610)*** (3,451)*** (2,979)*** (2,829)*** (3,885)***

(Continua)

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(1) (2) (3) (4) (5) (6)

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Tempo de obra

Ln do investimento

6,795 6,522 6,371 6,166 7,168

(1,230)*** (1,105)*** (0,941)*** (0,883)*** (1,848)***

% de financiamento no valor do investimento

-21,487 -9,311 -9,799 -20,663

(9,417)** (11,313) (11,242) (18,929)

Data do início de obra

-0,011 -0,011 -0,011

(0,002)*** (0,002)*** (0,004)**

Observações 669 669 669 669 669 669

R-squared 0,012 0,142 0,157 0,245 0,252 0,691

Dummy de modalidade

N N N N S S

Dummy de município

N N N N N S

Cluster Tomador Tomador Tomador Tomador Tomador Tomador

Número de clusters

99 99 99 99 99 99

Fonte: Elaboração própria.Nota: A variável dependente, tempo de obra, é medida em meses. Além da variável binária referente a BNDES, controla-se para valor do investimento, participação do financiamento no investimento total, data de início da obra, modalidade e município da intervenção. Erros-padrão robustos em parênteses. *** p<0.01, ** p<0.05, * p<0.1

Considerações sobre os fatos estilizadosO fato estilizado 1 (“o financiamento de longo prazo ao investimen-to em água e esgoto se concentra em dois bancos públicos: Caixa e BNDES”) converge com o que é verificado no setor, mesmo consi-derando uma desconcentração recente. Pimentel e Miterhof (2021), analisando as demonstrações financeiras de 18 empresas do setor (13 Cesbs e cinco grupos privados), de acesso mais amplo ao crédito,

(Continuação)

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Fatos estilizados sobre o financiamento ao setor de água e esgoto no Brasil

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mostram que, em 2016, apenas esses dois bancos (Caixa e BNDES) respondiam por 46,3% do estoque de dívidas. Em 2019, esse percen-tual caiu para 39,3%, mas essas duas fontes seguem representando a maior parte do estoque de dívida dessas empresas. Essa concentra-ção decorre das condições financeiras ofertadas por esses bancos públicos, em contraste com as demais fontes, em especial o longo prazo e a elevada duração (duration) dos financiamentos.

As fontes públicas também são muito relevantes nas fases de cons-trução dos investimentos, que contém mais risco e, por isso, têm limitações na participação de investidores privados. Não obstante, a avaliação do estoque de dívida das empresas e os desafios futu-ros para os investimentos em saneamento (que precisam mais do que dobrar para atingir os montantes necessários à universalização) apontam para a necessidade de diversificação das fontes.

O mercado de capitais está aumentando os volumes e os prazos ofe-recidos no setor, mas ainda são curtos se comparados aos tempos de implantação e de payback dos projetos. Os riscos associados aos períodos de construção parecem ser ainda um limitador conside-rável. No entanto, o volume de investimentos necessários para se obter, até 2033, a universalização dos serviços de água e esgoto – cerca do dobro do que vem sendo praticado – exige que todas as fontes de recursos se somem, uma vez que nenhuma, isoladamente, será capaz de responder por todo o investimento necessário. Para tal, deve-se considerar as características de cada uma, vis-à-vis ao objeto do investimento.

O fato estilizado 2 (“projetos apoiados pelo BNDES têm maior pro-babilidade de sobrevivência”) parece ser uma decorrência do perfil da carteira. A Caixa opera com valores médios menores. Seu piso para fazer um financiamento é de R$ 500 mil. O BNDES tinha um

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limite mínimo de financiamento direto de R$ 10 milhões (hoje é de R$ 40 milhões). A Caixa ainda tem mais capilaridade, usando sua rede de agências para acessar tomadores com os quais o BNDES não costuma operar. Essa conjunção de fatores leva a Caixa a trabalhar com projetos menores, de municípios pequenos, em geral menos capacitados técnica e financeiramente do que municípios maiores, Cesbs e empresas privadas.

Além disso, vale notar que, ainda que atuem sob requisitos míni-mos de risco de crédito, conceito cadastral, comprovações e do-cumentos relativos ao projeto e à empresa (como licenciamento ambiental e certidões negativas de débitos), os procedimentos operacionais de Caixa e BNDES são diferentes entre si, especial-mente em razão do ticket médio dos financiamentos e do grau de capilaridade de cada instituição.

Esses fatores também parecem ser decisivos para explicar o fato es-tilizado 3 (“entre os sobreviventes, mais projetos financiados pelo BNDES chegaram ao fim”), o fato estilizado 4 (“investimentos fi-nanciados pelo BNDES são maiores, ainda que para o mesmo tipo de modalidade”) e o fato estilizado 5 (“investimentos financiados pelo BNDES têm tempo de execução menor que os demais”).

Aqui não cabe comparar as instituições e seus diferentes processos – pois esses últimos têm suas peculiaridades técnicas e históricas, e sempre podem ser aprimorados –, mas apontar que essas diferenças implicam resultados diferentes quando observadas algumas variá-veis relativas aos projetos. Ademais, também é importante ressaltar que parte dos fatores que influenciam a execução de um projeto e sua taxa de sucesso, por exemplo, são externas aos financiadores, tais como: capacidade técnica e institucional do beneficiário, regulação dos serviços, qualidade dos serviços de engenharia contratados etc.

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