israel, palestina e a língua do p: (paz), paus e pedras

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m fins de agosto de 2005, o primeiro-minis-tro Ariel Sharon ordenou que as Forças deDefesa de Israel (FDI) evacuassem as colô-

nias israelenses da Faixa de Gaza, pondo fim a 38 anosde ocupação na região. A reação dos palestinos à medi-da não foi uniforme. Enquanto a Autoridade Nacional Pa-lestina (ANP) regozijava-se diante do que julgava ser umprimeiro passo, ainda que tímido, rumo à criação de umEstado palestino, o movimento fundamentalista islâmicoHamas comemorava o que percebia como uma vitóriapolítico-militar contra o ocupante sionista e conclamavaseus militantes a continuar a guerra santa até a libertaçãototal da Palestina para nela construir um Estado teocráti-co. Do lado de Israel, a operação tampouco resultou emuma percepção única. Se muitos israelenses viram a saídade Gaza como um preço a ser pago pela segurança naci-onal, para outros ela representou uma concessão inaceitá-vel ao inimigo e uma capitulação diante do terrorismo.

As razões que levaram Sharon a tomar tal decisão, queresultou em cenas de confronto entre, de um lado, colonos

e judeus fundamentalistas e, de outro, policiais e militaresisraelenses, permanecem abertas a interpretações. Paraalguns, Sharon teria cedido às pressões do governo Bushpara que fizesse uma concessão real aos palestinos, emum momento em que os interesses americanos no OrienteMédio estão cada vez mais comprometidos em razão dofracasso da invasão do Iraque; para outros, Sharon teriase convencido dos custos políticos, militares e econômicosexcessivamente altos da ocupação; há ainda os que achamque o primeiro-ministro teria se dado conta de que a pre-sença de cerca de 10 mil israelenses, protegidos por pe-sado aparato militar, em meio a mais de um milhão depalestinos, resultaria em um foco de tensão constante eviolência crescente, colocando em risco a segurança deisraelenses tanto em Gaza como em Israel; outros aindapercebem na retirada de Gaza uma contrapartida para oadensamento populacional israelense da Cisjordânia e, porfim, não faltam os que vêem na decisão, que não foi ne-gociada com a ANP, uma forma de precipitar uma guerracivil entre esta e o Hamas.

(PAZ), PAUS E PEDRASISRAEL, PALESTINA E A LÍNGUA DO P:

NO MEIO DO CAMINHO

FLÁVIO LIMONCICHISTORIADOR

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A julgar pelo fato de que visões tão díspares tenhamsido consideradas plausíveis, uma coisa parece certa: ocaminho para um acordo de paz entre israelenses e pales-tinos não se tornou menos nebuloso com a retirada deGaza. Até porque persistem, em ambos os lados, impor-tantes forças políticas firmemente contrárias a qualqueracordo. No entanto, mesmo entre aquelas favoráveis aodiálogo, como as atuais lideranças da ANP e partidos isra-elenses como o Trabalhista e o Meretz, os obstáculos aoentendimento não são poucos. É bom lembrar, nesse sen-tido, que os passos mais consistentes dados por israelensese palestinos rumo ao entendimento, os Acordos de Oslo,de 1993, referiam-se mais a procedimentos de negocia-ção do que a conteúdos.

e modo geral, a ANP, os trabalhistas e o Me-retz apontam para a solução do conflito atra-vés do estabelecimento de um Estado pales-

tino ao lado de Israel. Portanto, inspiram-se em últimainstância na Resolução 181 da Organização das NaçõesUnidas (ONU), de 29 de novembro de 1947, que parti-lhava o território do Mandato Britânico na Palestina entreum Estado para os palestinos e outro para os judeus (VerMapa 1). No entanto, se, na conjuntura de 1947-49, ospalestinos não tiveram condições ou desejo de construir eimplementar uma vontade coletiva nacional que viabilizas-se o seu Estado nos termos propostos pela ONU, hoje, emque tal vontade busca consolidar-se através da ANP, a con-juntura é bastante diversa e adversa. Nos quase 60 anosque separam a Resolução 181 dos dias de hoje, o Estadode Israel sofreu profundas mudanças políticas, culturais,sociais e demográficas, defrontou-se com diversos paísesárabes em seis guerras – sendo que com apenas dois,Egito e Jordânia, assinou tratados de paz e estabeleceurelações diplomáticas – e construiu com os palestinos, quetambém passaram por profundas transformações políticas,culturais, sociais e demográficas, uma relação de ressenti-

Mapa 1

1947: RESOLUÇÃO 181 DA ONUDETERMINANDO A PARTILHA DA PALESTINAA Resolução 181, rejeitada pelos palestinos, foi aceita com relutânciapelos sionistas. Embora o princípio da partilha fosse pragmaticamenteconsiderado a única forma de obter apoio internacional à reivindicaçãosionista pelo estabelecimento de um Estado judaico na Palestina, o maparesultante da divisão do antigo Mandato Britânico resultava em doisEstados sem continuidade territorial e, no caso do Estado judaico, comuma grande população árabe.

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mento, receio e ódio mútuos que tornam enormementecomplexa a consecução de um plano de paz inspirado emdois Estados. Entre os diversos entraves que contribuem paradificultar tal plano (como a questão da gestão dos recursoshídricos, a tensão entre as dimensões laica e religiosa doEstado de Israel, as bombas do fundamentalismo islâmicoou a existência de grupos armados palestinos que desafiamo monopólio da força legítima da ANP), o presente texto vaise limitar a discutir apenas três: o problema dos refugiadospalestinos, a questão da Cisjordânia e Jerusalém.

OS REFUGIADOS PALESTINOS

As memórias nacionais israelense e palestina apresen-tam versões antagônicas para a questão dos refugiadospalestinos da Guerra de 1948, denominada por Israel comoGuerra de Independência e, pelos palestinos, como “ACatástrofe”.

A partir da aprovação da Resolução 181, os embatesentre judeus e palestinos no ainda Mandato Britânico naPalestina aprofundaram-se e, no dia 15 de maio de 1948,um dia após a declaração de independência do Estado deIsrael, os exércitos do Egito, Líbano, Síria, Iraque e Jordâ-nia invadiram o país recém-criado, internacionalizando oconflito. Neste, Israel não apenas consolidou sua indepen-dência como aumentou seu território em relação àqueleprevisto pela Resolução 181, ao passo que o território que,segundo esta, caberia aos palestinos foi ocupado por Isra-el, Egito e Jordânia. Jerusalém, que deveria permanecersob jurisdição internacional, foi dividida entre Israel (Jeru-salém Ocidental) e a Jordânia (Jerusalém Oriental e a Ci-dade Velha). (Ver Mapa 2.) A partir da aprovação da Re-solução 181 até o fim da guerra, em 1949, cerca de 700mil palestinos deixaram suas casas no que então passou aser o Estado de Israel, dirigindo-se para a Faixa de Gaza,Cisjordânia e vários países árabes.

Para Israel, a origem de tal êxodo teria sido a orienta-ção dos países árabes para que os palestinos abandonas-

Mapa 2

1949: TERRITÓRIO APÓS O CONFLITO DE 1947-1949O conflito de 1947-1949 resultou no estabelecimento de um Estado paraos judeus que incorporou alguns territórios previstos para os palestinospela Resolução 181 da ONU, ao passo que a Jordânia ocupou a Cisjor-dânia e o Egito ocupou a Faixa de Gaza, regiões que, pela Resolução,também caberiam aos palestinos. A largura de 15km de Israel entreNetanya, cidade judaica às margens do Mar Mediterrâneo, e Tulkarem,cidade palestina da Cisjordânia, tornou-se um dos principais proble-mas de segurança para os israelenses. É impossível entender o conflitoentre israelenses e palestinos sem levar em conta a exigüidade do ter-ritório em disputa. O território israelense possui cerca de 21 mil km², aopasso que a Cisjordânia compreende 5.500km² e Gaza, apenas, 378km².

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sem suas terras de modo a abrir espaço para as opera-ções bélicas. Uma vez destruído Israel, eles voltariam aseus lares e fundariam seu Estado. Conseqüentemente, Is-rael não teria nenhuma responsabilidade pelo êxodo, tam-pouco obrigação de resolver o problema dos refugiados ede seus descendentes, que hoje somam cerca de quatromilhões de pessoas vivendo em condições precárias emdiversos campos de refugiados e países árabes. Já para ospalestinos, Israel teria expulsado à força essas 700 milpessoas e, portanto, teria obrigação de recebê-las, e aseus descendentes, de volta, ou proporcionar algum tipode reparação. Essas duas versões, além de suas implica-ções políticas, possuem forte componente ideológico. Osisraelenses resistem a aceitar responsabilidade, no momen-to mesmo do nascimento de seu Estado e apenas três anosapós o fim do Holocausto nazista, pela implementação deuma operação de limpeza étnica em seu território, ao pas-so que, para os palestinos, a idéia do exílio originado daexpulsão constitui uma das idéias centrais de sua identida-de nacional.

Estudos históricos produzidos nos últimos 20 anos su-gerem, porém, que o êxodo palestino foi resultado deum conjunto de fatores, e não de políticas deliberadas esistemáticas, israelenses ou árabes, de evacuar centenasde milhares de pessoas ao longo de um conflito de desfe-cho incerto. Evacuações de fato ocorreram, como em po-voações como Lydda e Ramle, na estrada entre Tel Aviv eJerusalém, assim como violentas ações dos grupos judai-cos Irgun e Stern contra aldeias árabes como Deir Yassin,na mesma estrada. Se tais ações causaram pânico emoutras aldeias, levando seus habitantes a fugir, em cida-des como Haifa e Jerusalém o êxodo de lideranças polí-ticas e profissionais liberais para Beirute, Damasco e Cai-ro, ainda em 1947, causou espanto aos próprios judeusdo então Yshuv (comunidade judaica na Palestina antesda criação do Estado de Israel), desorientando milharesde palestinos que, como quaisquer civis em meio a ope-

rações bélicas, e diante de um exército considerado ini-migo, buscaram refúgio atrás das linhas consideradasamigas.

O problema dos refugiados palestinos reside menos nasrazões de sua origem do que na recusa israelense a acei-tá-los de volta. Tal recusa teve três razões principais: em1948, havia praticamente tantos árabes quanto judeusdentro das fronteiras do Estado de Israel, inviabilizandodemograficamente seu caráter judaico e representando,na percepção das lideranças israelenses, uma ameaça àsua segurança (após o êxodo, permaneceram em Israelcerca de 150 mil palestinos, 20% da população) e, dadasua exigüidade territorial, Israel viu na não-volta dos refu-giados a possibilidade de apossar-se de suas terras paraabsorver imigrantes judeus.

ara os palestinos, qualquer solução para oconflito que não contemple os refugiados, eque não implique ônus para Israel, é ideoló-

gica e politicamente insustentável. Assim, exigem o direi-to de retorno dos refugiados e seus descendentes às suasterras dentro das fronteiras israelenses, compensações fi-nanceiras a todos ou uma combinação de ambos. ParaIsrael, aceitar a volta dos refugiados implica, como nomomento da sua fundação, uma ameaça demográfica àsua natureza judaica. Em 2000, os judeus representavam78% dos cidadãos israelenses. Em 2050, dados os níveisde fertilidade desiguais entre israelenses judias e árabes eo declínio constante dos fluxos imigratórios para Israel (ofim da União Soviética parece ter produzido a última ondademograficamente relevante de judeus para o país), po-dem representar entre 65% e 73%, ao passo que os ára-bes podem passar de 22% para algo entre 27% e 35%.Embora tais números indiquem uma maioria judaica emIsrael ao longo do século XXI, ainda que declinante, o re-torno dos refugiados palestinos e seus descendentes a co-locaria decisivamente em risco, ao passo que compensa-

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ções financeiras a todos significariam um forte impacto so-bre o orçamento israelense ao longo de vários anos.

Nos Tratados de Oslo, a solução do problema dos refu-giados foi postergada para a fase final das negociações,que acabaram por não ocorrer em razão do colapso doprocesso de paz após o assassinato de Ytzhak Rabin, em1995. Em janeiro de 2001, o então primeiro-ministro is-raelense Ehud Barak, também do Partido Trabalhista, ace-nou com algum tipo de compensação a alguns dos refugi-ados e seus descendentes dentro de um pacote de conces-sões que Yasser Arafat acabou por recusar. No entanto, opróprio Barak não teria como realizar tais concessões: nomês seguinte, foi derrotado por Ariel Sharon em eleiçõespara primeiro-ministro. Com Sharon no governo, o pro-blema não foi mais enfrentado, permanecendo como umdos mais sensíveis do conflito.

CISJORDÂNIA

Para efeito de exposição, a questão da Cisjordânia podeser subdividida em três dimensões:

A relação entre a segurança israelense

e a soberania palestina

O território israelense resultante da guerra de 1948-49, ainda que maior do que aquele previsto pela Resolu-ção 181, apresentava ao menos dois problemas para osplanejadores militares do Estado Maior das Forças de De-fesa de Israel (FDI): extrema exigüidade – cerca de 21milkm² – e largura mínima de 15km entre o Mar Mediterrâ-neo e a Cisjordânia na região central do país. Nesse cená-rio, foram formulados os principais conceitos da doutrinamilitar israelense: atacar primeiro, sempre que houvessepercepção de ameaça; levar o conflito para o território doadversário e realizar o maior progresso possível no maiscurto espaço de tempo, de modo a negociar um cessar-fogo em posição de força. Central nessa doutrina era aidéia de nunca permitir que a guerra fosse lutada em ter-

ritório israelense, pois isso significaria uma ameaça direta,e talvez mortal, às linhas de suprimento, à infra-estruturae à continuidade territorial do país. Tal doutrina foi aplica-da com sucesso na Guerra dos Seis Dias, em 1967. To-mando a iniciativa do ataque em meio a movimentos con-siderados hostis do líder egípcio Gamal Abdel Nasser (fecha-mento dos Estreitos de Tiran, ordem de saída das tropas daONU estacionadas na Península do Sinai desde o fim daGuerra de Suez, em 1956, e posicionamento de exércitosegípcios nesse deserto), em menos de uma semana Israelnão apenas evidenciou a fragilidade dos exércitos árabescomo capturou com relativa facilidade a Península do Sinai,a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, incluindo a totalidade deJerusalém, e as Colinas do Golan (Ver Mapa 3).

À conquista da Cisjordânia seguiu-se a consolidação daidéia de que, fosse qual fosse o futuro político da região,ela jamais poderia abrigar qualquer exército árabe, pas-sando a servir como um escudo territorial de Israel. A basedessa concepção era o Plano Allon, segundo o qual Israeldeveria ocupar uma faixa de terra ao longo do Rio Jordãoe outras áreas estratégicas, interferindo o mínimo possívelnas áreas densamente povoadas por palestinos. Isso permi-tiria que as FDI tivessem tempo hábil de mobilizar e posicio-nar seus reservistas em caso de um ataque combinado depaíses árabes através da Jordânia ao mesmo tempo em quepossibilitava que, no futuro, a região fosse alvo de algumtratado baseado na troca de território por acordos de paz.Até 1977, seguindo a inspiração do Plano Allon, cerca de 5mil israelenses passaram a viver na Cisjordânia ocupada.

A visão de que o Rio Jordão deve ser a fronteira militarleste de Israel (incluindo-se aí o espaço aéreo), ainda quenão a política, é compartilhada por todos os principais de-fensores israelenses da solução do conflito pela via dosdois estados. Os palestinos afirmam que os dispositivos desegurança na Cisjordânia devem ao mesmo tempo garan-tir a inviolabilidade das fronteiras de Israel e preservar aintegridade e soberania de ambos os Estados. Encontrar

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um arranjo político-militar que permita o tênue equilíbrioentre segurança israelense e soberania palestina perma-nece como um desafio.

A polêmica entre sionistas e revisionistas

e a colonização de “Judéia e Samaria”

Nos anos 1930, o movimento sionista cindiu-se em duascorrentes: a tradicional, liderada por David Ben-Gurion eChaim Weizman, e a revisionista, liderada por WladimirJabotinsky (de agora em diante, os primeiros serão referi-dos como sionistas e os segundos como revisionistas).

Os sionistas possuíam uma visão pragmática a respeitode sua luta: cônscios da fragilidade de seus recursos políti-cos, econômicos e militares, buscavam o apoio da Ingla-terra, potência mandatária da Palestina, para sua causa e,conseqüentemente, aceitavam algum tipo de compromis-so territorial com os árabes. Já os revisionistas rejeitavamqualquer tipo de colaboração com a Inglaterra, a quempercebiam como potência colonial a ser combatida, assimcomo qualquer compromisso com os árabes em torno deterritórios. Embora laicos, defendiam que o futuro Estadojudaico deveria conter todos os territórios presentes nanarrativa histórica bíblica. Conseqüentemente, os sionistasaceitaram a Resolução 181 da ONU, mas os revisionistas,já sob a liderança de Menachem Begin, a ela opuseram-se tenazmente. A oposição entre sionistas e revisionistaschegou a ganhar tintas de guerra civil em junho de 1948quando, por ordem de David Ben-Gurion, o navio Altale-na, que trazia armas compradas pelo Irgun na França, nocontexto de guerra contra países árabes e os palestinos, foibombardeado na praia de Tel Aviv. Segundo Ben-Gurion,se tais armas fossem controladas por Menachem Begin,haveria um exército paralelo em Israel e, portanto, umEstado dentro do Estado.

A partir da Guerra dos Seis Dias, Begin e os revisionis-tas reunidos no partido Gahal passaram a defender a ane-xação da Cisjordânia, por eles chamada por seus nomes

Mapa 3

1967: ISRAEL CONQUISTA O SINAI, GAZA,CISJORDÂNIA E O GOLANNa Guerra dos Seis Dias, Israel derrotou com facilidade o Egito, aSíria e a Jordânia. Se, em um primeiro momento, as conquistasterritoriais então alcançadas pareciam fortalecer a segurança dopaís, acabaram por se transformar em palco de fundamentalismosreligiosos e projetos de colonização, dificultando o processo depaz entre israelenses e palestinos.

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bíblicos, Judéia e Samaria, no que encontraram a oposi-ção de sucessivos governos trabalhistas, que basearam suapolítica para a região na concepção geral do Plano Allon.No entanto, quando, em 1977, Begin chegou ao podercom a nova representação partidária dos revisionistas, oLikud, Israel passaria a viver um verdadeiro turbilhão ide-ológico, no qual a Cisjordânia ocupava lugar central. Em-bora tenha assinado os Acordos de Camp David com oEgito, em 1979, devolvendo a Península do Sinai, Begininiciou em 1980 uma série de movimentos com vistas aconsolidar a idéia revisionista da Grande Israel: em 1980,anexou Jerusalém Oriental e a Cidade Velha, declarandoa cidade capital una e indivisível de Israel; em novembrode 1981, anexou as Colinas do Golan e, a partir do mes-mo ano, aprofundou o processo de colonização da Cisjor-dânia. Nas eleições parlamentares desse ano, Begin lide-rou a mais ideologicamente coesa e direitista coalizão degoverno da história de Israel, formada pelo Likud e trêspartidos religiosos: o Partido Nacional Religioso (PNR), oAgudat Israel e o Tami, de judeus religiosos do norte daÁfrica. Tal coalizão, em que Ariel Sharon era o ministro dadefesa, tinha um forte compromisso ideológico com a co-lonização da Cisjordânia.

colonização teve como propósito tornar aCisjordâ-nia de fato, ainda que não de direi-to – pois Begin não teve condições políticas

de anexá-la formalmente –, inseparável do Estado de Isra-el. Assentamentos, muitos deles lembrando subúrbios ame-ricanos, foram construídos em toda a Cisjordânia em áre-as densamente povoadas por palestinos, de modo a mistu-rar populações palestinas e israelenses e, desta forma,impedir futuras negociações que envolvessem a retiradaisraelense da região. Israelenses foram atraídos para aregião através de incentivos, como subsídios para abrirnegócios e habitação mais barata.

Os críticos israelenses à política de colonização afirma-

vam que o adensamento populacional israelense da Cisjor-dânia implicava perda de sua validade estratégica comoescudo territorial, no desvio de recursos públicos que de-veriam ser investidos dentro das fronteiras do país, na trans-formação das FDI em força policial, com fortes impactossobre seu moral e disciplina – o que ficaria comprovadoem 1987 com a intifada, a primeira reação palestina degrandes proporções na Cisjordânia à violência, ao confis-co de terras e às humilhações cotidianas ocasionadas pelacolonização – e na inviabilização de qualquer futuro acor-do entre Israel e os países árabes ou os palestinos queenvolvesse a troca de terra por um tratado de paz. Nãoobstante, a política foi implementada com zelo, inclusivepor governos trabalhistas posteriores que buscaram apoioparlamentar de partidos religiosos comprometidos com acolonização. Como resultado, vivem hoje na Cisjordâniacerca de 250 mil israelenses.

Dentre as várias críticas que se colocam hoje em Israel arespeito da colonização da Cisjordânia – sua imoralidade,sua ilegalidade, a descaracterização das FDI, a incorpora-ção de trabalhadores palestinos à economia israelense, re-baixando os salários de israelenses e minando a ética sionis-ta do trabalho no contexto da crise maior do sionismo socia-lista etc. – a que se refere à questão demográfica é deimportância central. A soma das populações de Israel e dosTerritórios Ocupados em 2000 resultava em uma pequenamaioria judaica, 53% do total. No entanto, de acordo comprojeções moderadas, em 2020 os judeus serão 44% dototal e, em 2050, 35%. Em tal cenário, mantida a ocupa-ção, Israel se verá diante de duas alternativas: instituciona-lizar uma política de apartheid e, desse modo, condenarseu caráter democrático – o que, segundo muitos, já esta-ria ocorrendo –, ou incorporar os palestinos à cidadaniaisraelense, tornando Israel um país binacional. E os israe-lenses dispostos a construir um país binacional, como que-riam Martin Buber e o grupo Brit Shalom na década de1920, permanecem, como então, minoritários.

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O Likud, promotor da política de colonização, não apre-senta respostas a tais desafios, a não ser buscar manter abalança demográfica favorável aos judeus através do estí-mulo à imigração em um mundo em que os motivos deemigração para os judeus são cada vez mais escassos.Para os opositores da colonização, a natureza judaica e ocaráter democrático de Israel exigem a retirada da Cisjor-dânia. O problema é como fazê-lo. Os conflitos ocasiona-dos pela retirada de Gaza dão uma pálida mostra das re-sistências que ocorreriam caso política semelhante fosseimplementada na Cisjordânia.

Nos Acordos de Oslo, em razão da divisão da opiniãopública israelense quanto ao tema, a solução do problemados colonos e das fronteiras definitivas entre Israel e Cisjor-dânia foi deixada para a última fase das discussões. Emjaneiro de 2001, Yasser Arafat recusou a proposta do en-tão primeiro-ministro israelense Ehud Barak de retraçar asfronteiras entre Israel e a Cisjordânia, cabendo aos pales-tinos 95% do território e incorporando a Israel as áreasdensamente povoadas por israelenses, principalmente noentorno de Jerusalém. Na visão dos palestinos, as conces-sões territoriais e políticas que eles deveriam fazer já havi-am feito ao longo das cinco décadas precedentes, caben-do agora a Israel voltar às suas fronteiras de 1967. Mas,como já referido na questão dos refugiados, Barak nãoteria condições de entregar essa oferta.

Os judeus fundamentalistas

O surgimento do fundamentalismo judaico foi um dosdesdobramentos mais surpreendentes da Guerra dos SeisDias. Com a conquista da Cisjordânia, gestou-se, em algu-mas yeshivot (escolas rabínicas), uma nova idéia messiâni-ca segundo a qual a Guerra havia reunido, pela primeiravez na Era Moderna, a trindade entre Eretz Yisrael (Terrade Israel, ou Israel bíblica), o povo de Israel e a Torah,dando início à Era Messiânica. Portanto, a Guerra haviaproporcionado as condições territoriais para o advento da

vinda do Messias, cabendo aos defensores do novo messi-anismo lutar pela incorporação definitiva dos territórios bí-blicos ao Estado de Israel, que dessa forma sacralizava-se(as cidades bíblicas mais importantes para o judaísmo, comoa Cidade Velha de Jerusalém, Hebron e Jericó haviampermanecido sob jurisdição jordaniana em 1949). A visãodo moderno Estado de Israel como elemento constitutivodo processo de redenção messiânica é uma das diferen-ças básicas entre o fundamentalismo judaico e as váriasformas de ortodoxia judaica.

omo os governos trabalhistas do pós-1967 pos-suíam uma visão para os territórios baseadano Plano Allon, logo os fundamentalistas pas-

saram a com eles entrar em conflito. Em 1968, os funda-mentalistas obtiveram uma primeira vitória ao estabelecera colônia de Kiryat Arba, nos arredores de Hebron, cidadede grande importância teológica por nela estar localizadaa Machpela (Tumba dos Patriarcas). Em 1974, diante daresistência governamental em aceitar a presença funda-mentalista na Cisjordânia, foi fundado o Gush Emunim (Blocodos Fiéis), dedicado à colonização ilegal da região. Em1975, após inúmeros confrontos com o primeiro governoYitzhak Rabin (1974-1977), os fundamentalistas conquista-ram uma segunda vitória, ao obter permissão para perma-necer no posto militar de Kadum. Mas a estratégia do Gush

Emunim não era apenas de confronto com o governo. Aosacralizar o Estado, os fundamentalistas abriram caminhopara participar ativamente de sua vida política, articulando-se com o Likud e com o PNR, que até a Guerra dos SeisDias fazia parte das coalizões do Partido Trabalhista e que, apartir de então, migrou para a órbita do Likud com vistas agarantir a presença judaica nos lugares santos.

A partir do governo Begin, o Gush Emunim e outros gru-pos fundamentalistas organizaram dezenas de assentamen-tos na Cisjordânia e conseguiram formar coalizões impor-tantes com os colonos israelenses laicos, contribuindo forte-

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mente para a formação dos interesses e dos votos destes.Criaram também redes educacionais e uma importante bu-rocracia ligada ao Likud, ao PNR e a outros pequenos par-tidos religiosos que, no sistema partidário de Israel, frag-mentado e com coalizões instáveis, possuem grande poderde barganha (Ver o artigo “Por que as tribos de Israel estãoem pé de guerra?”, no nº. 13, Ano IV de Insight Inteligên-

cia). Em tal cenário, o grupo passou a exercer uma influên-cia política muito superior ao seu contingente eleitoral.

Os fundamentalistas foram os primeiros a reagir comviolência aberta aos Acordos de Oslo. Em julho de 1994,o colono Baruch Goldstein, nascido nos Estados Unidos,matou 29 muçulmanos que rezavam na Machpela. Em 4de novembro de 1995, seria a vez de Yitzhak Rabin, velhoopositor dos fundamentalistas, e novamente primeiro-mi-nistro, ser assassinado, desta vez por um militante de umminúsculo grupo chamado Eyal. O assassino, Ygal Amir,filho de imigrantes yemenitas, justificou seu ato afirmandoque, ao assinar os Acordos de Oslo e devolver terra santaaos palestinos, Rabin estaria impedindo a continuação doprocesso de redenção messiânica.

Apesar da comoção causada pelo assassinato de Rabine o fato de constituírem uma parcela pequena da socieda-de israelense, os fundamentalistas continuam exercendopapel central na vida política de Israel. Eles formaram al-guns dos lobbies mais poderosos do país e, através de suasarticulações com os partidos da direita, criaram interessespolíticos e laços ideológicos e de solidariedade com parce-las importantes da sociedade israelense. E não apenas isso:como o assassinato de Rabin evidenciou, e as ameaças demorte a Ariel Sharon, velho aliado tornado inimigo após aretirada de Gaza, reiteram, os fundamentalistas revelam-se dispostos ao uso da violência para garantir o advento daEra Messiânica. Muitos vivem em containers no deserto daJudéia, em condições materiais extremamente difíceis, comum Sidur (livro de rezas) em uma mão e uma metralhado-ra na outra. Com a certeza de estarem inspirados pela luz

divina, dificilmente hesitarão em utilizá-la, caso sejam obri-gados pelas FDI a retirar-se de terra santa para dar lugara um Estado palestino. Este ponto não deve ser subestima-do: o fundamentalismo judaico não é menos violento doque o islâmico, ainda que possivelmente não seja tão or-ganizado do ponto de vista militar. Se atos violentos defundamentalistas judeus têm sido relativamente esporádi-cos, isso se deve largamente ao fato de que o Estado deIsrael, através das FDI, tem agido com bastante firmezapara defender seus interesses, ou seja, a permanência naCisjordânia. No entanto, nos momentos em que se senti-ram desamparados pelo Estado de Israel, judeus funda-mentalistas assassinaram palestinos indefesos e, mesmo,um primeiro-ministro israelense.

problema da ocupação militar e da coloniza-ção da Cisjordânia, tanto por israelenses lai-cos quanto por judeus fundamentalistas, é um

dos mais complexos a obstaculizar o processo de paz. Paraos israelenses, do ponto de vista da segurança nacional, aretirada da Cisjordânia exige como contrapartida que aregião não seja base de nenhum exército árabe. Para ospalestinos, a equação entre garantias de segurança paraIsrael e garantia de sua soberania nacional ainda precisaser construída. Mas é do ponto de vista ideológico que aquestão se mostra mais complexa, pois, para muitos israe-lenses, sair da Cisjordânia significa abrir mão do projetorevisionista da Grande Israel e, mesmo, do advento da EraMessiânica. Mais do que simplesmente uma retirada terri-torial, o futuro da Cisjordânia define o futuro de Israel: seum estado democrático, se um estado militarista, segrega-cionista e com tintas teocráticas. Ao que tudo indica, a so-ciedade israelense ainda está por fazer a sua escolha.

JERUSALÉM

Muito embora os israelenses insistam em dizer que Je-rusalém é a cidade mais sagrada do judaísmo e que ocupa

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apenas o terceiro lugar no ranking da sacralidade territori-al muçulmana – desconsiderando o fato de que o naciona-lismo palestino é também cristão –, do ponto de vista polí-tico a cidade possui significados próximos para os naciona-lismos israelense e palestino. Na disputa por Jerusalém,não há qualquer consideração de segurança ou interesseeconômico envolvido, mas o embate de duas memóriasnacionais, o que a torna, em certa medida, muito maiscomplexa.

Ainda que o sionismo carregue em seu nome uma re-ferência explícita a Jerusalém (Sion é uma das colinas dacidade), em propostas sionistas para a partilha da Palestinaanteriores a 1947 a cidade permanecia pragmaticamentesob controle internacional. Nas primeiras décadas do sé-culo XX, era Tel Aviv, banhada pelo sol do Mediterrâneo,com seus cafés à beira-mar e arquitetura bauhaus, a capi-tal por excelência do novo homem hebreu da Palestina, dosionismo laico e modernizante, socialista e de base agrá-ria. Jerusalém, pelo contrário, era a cidade dos religiososvestidos de preto e das ruas frias, estreitas e escuras. AGuerra de 1948-49, no entanto, marcaria um divisor deáguas nas atitudes sionistas frente a Jerusalém, pois, rejei-tando a internacionalização da cidade proposta pela Reso-lução 181, a Jordânia transformou sua conquista em umde seus principais objetivos. Para a família hachemita jor-daniana, desalojada de seu papel de guardiã de Meca eMedina pela família Saud e instalada em Aman pela Gran-Bretanha, ocupar Jerusalém tinha profunda importânciasimbólica como sinal de prestígio dinástico e orgulho naci-onal árabe. A batalha por levantar o cerco jordaniano aJerusalém Ocidental, de maioria judaica, foi uma das maisferozes da Guerra e foi justamente em seu contexto queevacuações de palestinos foram realizadas em Lydda eRamle. No armistício assinado entre Israel e a Jordânia,em 1949, Jerusalém Ocidental permanecia sob controleisraelense, mas a Cidade Velha – cujos moradores judeusforam expulsos e o acesso ao Muro das Lamentações ve-

dado aos judeus – e Jerusalém Oriental permaneceramsob controle jordaniano. A partir de então, conquistar aCidade Velha e unificar Jerusalém Ocidental e Orientalpassou a ter importância crescente para o nacionalismoisraelense. A volta do exílio passou a ser percebida comoincompleta sem a unificação da capital. Na Guerra dosSeis Dias, Israel ocupou a Cidade Velha e Jerusalém Ori-ental e, em 1980, no governo Bebem, ambas foram for-malmente anexadas a Israel.

ssim como para os israelenses, para os pa-lestinos Jerusalém ocupa centralidade em suaidentidade nacional, fortemente baseada nos

sentimentos de perda da pátria e de desterro. Nesse senti-do, os nacionalismos israelense e palestino encontram umaforte identidade de elementos. Jerusalém, a principal ci-dade da Palestina, foi sendo perdida aos poucos pelos pa-lestinos: primeiro, como sede do poder imperialista britâ-nico, após o fim do Império Otomano; a partir de 1949,como cidade controlada em sua porção oriental pela famí-lia hachemita da Jordânia e ocidental por Israel; a partirde 1967, como cidade controlada totalmente pelos israe-lenses e, finalmente, como cidade anexada por estes em1980. Portanto, para os palestinos, ter Jerusalém comosua capital simboliza a afirmação de sua autodetermina-ção através da transformação de sua principal cidade nacapital de seu Estado.

O principal obstáculo a um acordo entre as partes noque se refere a Jerusalém é a recusa israelense em parti-lhar a cidade como capital dos dois Estados, insistindo emafirmá-la como a eterna e indivisível capital do povo ju-deu. Mesmo o Meretz, o partido israelense mais ideologi-camente comprometido com a solução do conflito atravésdo estabelecimento de um estado palestino, tem uma posi-ção dúbia com relação a Jerusalém. Em sua plataformaeleitoral de 1996, portanto no calor da morte de Rabin ecom a esperança de que os Acordos de Oslo iriam apro-

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fundar-se sob a liderança de Shimon Peres, o Meretz afir-mava que Jerusalém não seria novamente dividida, masque seu status final seria determinado levando-se em con-sideração seu caráter único em termos religiosos e nacio-nais. A ANP, de seu lado, aceita compartilhar a cidade,ficando Jerusalém Oriental como sua capital e JerusalémOcidental como capital de Israel. No entanto, o crescimentodos fundamentalismos judaico e islâmico acirra a disputapela cidade, colocando em jogo não memórias nacionais,mas promessas divinas. O que torna a questão ainda maiscomplexa.

A PAZ É POSSÍVEL?

No cenário descrito, é possível construir dois EstadosNacionais lado a lado, garantindo a ambos segurança,soberania, exclusivismo jurídico-político, monopólio legíti-mo da força, maiorias demográficas estáveis, e o fazer deforma circunscrita ao que cada Estado define como sendoa sua nação?

Em 2003, um grupo de intelectuais, políticos, militarese acadêmicos israelenses e palestinos reuniu-se na cha-mada Iniciativa de Genebra. A Iniciativa partia do pressu-posto de que uma das razões para o fracasso de Oslo eraa ausência de compromissos claramente definidos, desdeo início das negociações, a respeito do resultado final dasmesmas: a criação de um Estado palestino na Cisjordânia eGaza, divisão de Jerusalém como capital dos dois Estados,formas de reparação aos refugiados palestinos, arranjos desegurança etc. A Iniciativa, que conciliava visões até entãoantagônicas, evidenciava que havia, e há, israelenses e pa-lestinos dispostos a um diálogo franco, aberto e corajoso.

O desafio que se coloca é o de ampliar o número deisraelenses e palestinos dispostos a um tal diálogo. Para tal,a crítica que a Iniciativa de Genebra fazia a Oslo pode servista, justamente, como a força de Oslo. Combinando gra-dualismo e custos crescentes para o abandono das nego-ciações, a estratégia de Oslo baseava-se na idéia de que

israelenses e palestinos deveriam primeiro acordar as áreasde consenso, como a autonomia palestina e cooperaçãoeconômica, deixando para o fim problemas onde o dis-senso era maior, como o dos refugiados, Jerusalém, oscolonos e o status final da ANP. O fundamento da estraté-gia era simples: o não-acordo sobre a totalidade destespontos não inviabilizaria ganhos em áreas em que o con-senso era possível. A crítica: as áreas em que o consensonão fosse alcançado poderiam ficar indefinidamente emaberto, mantendo latentes as condições para o retorno doconflito. Tal risco, realmente existente, era no entanto con-traposto por uma percepção de grande sensibilidade polí-tica: se em uma situação de conflito os lados maximizamsuas posições, em uma de distensão, de ganhos crescentespara ambos, as posições tenderiam a amenizar-se, redu-zindo a própria dimensão de problemas à primeira vistainsolúveis, de reivindicações à primeira vista excludentes.

himon Peres afirmou, à época de Oslo, que maisimportante do que a assinatura de líderes políti-cos em tratados não testados pela realidade se-

ria tornar as sociedades em conflito parceiras comprometi-das com um processo de entendimento. É impossível saberse, caso Rabin não tivesse sido assassinado, Oslo resultariaem uma parceria entre israelenses e palestinos. Mas parececlaro que o conflito só será resolvido se essa parceria forconstruída. E isto não se faz de uma hora para outra. Então,fica a aposta: se as sociedades israelense e palestina foremcapazes de construir novas hegemonias políticas que reto-mem a concepção geral de Oslo, possibilitando a constru-ção da confiança mútua, o abrandamento das posições e oisolamento de fundamentalistas e maximalistas de todos ostipos, elas podem surpreender o mundo, superando, comcriatividade histórica e conceitual, um conflito que parececondenado a perpetuar-se indefinidamente.

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