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  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    Escola Superior de Propaganda e MarketingPublicidade e Propanganda2015/2

    Isabel Vieira Lopes

    A influncia do surgimento da internetna compra de obras de arte por leilo

    O tubaro de 12 mil pixels

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    LOPES, Isabel Vieira. O tubaro de 12 mil pixels:a influncia do surgimento da internet na compra de obras de arte por leilo.

    So Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2015, 79 pginas

    Este trabalho tem por objeto de estudo as casas leiloeiras que comercializam obras de arte pela internet. A questo que

    nortear a discusso : qual a a influncia do surgimento da internet no processo de compra de obras de arte por leilo para

    os consumidores? Com o objetivo de responder essa problemtica, esse estudo se utilizar de uma pesquisa bibliogrfica

    com um referencial terico formado por Lipovetsky (2007 e 2015), Barbosa (2004) e Benjamin (2012) para entender a

    evoluo da sociedade de consumo e o consumo esttico na contemporaneidade, e Thompson (2010 e 2012), Benhamou-

    Huet (2008) e Lamour (2014) para compreender como funcionam os mercados de arte fsico e online, principalmente os

    leiles pela internet. Ainda, foi realizada uma pesquisa quantitativa e entrevistas com cinco consumidores e um questionrio

    quantitativo com trinta indivduos que compram arte em leiles online o consumo de arte, buscando extrair informaes

    sobre os pontos levantados durante o projeto para possibilitar uma concluso consistente sobre o assunto deste estudo.

    Consumo; mercado de arte; plataformas digitais; sociedade contempornea.

    RESUMO

    PALAVRAS-CHAVE:

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    Lista://de figuras/

    Figura 01 Evoluo de preo do merccado global de Fine Art 7

    Figura 02 Leilo Paddle8 30

    Lista://de tabelas/

    Tabela 01 Diferenas entre os leiles online e offline 32

    Tabela 02 Aspectos da compra de obras de arte online 41

    Lista://de grficos/

    Grfico 01 Motivaes para a compra de arte 37

    Grfico 02 - Preferncia por experincia de compra 40

    Grfico 03 - Vantagens da compra de obra de arte pela internet 42

    Grfico 04 - Desvantagens da compra de obra de arte pela internet 43

    Grfico 05 - Impactos do surgimento da internet na compra 46

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    1 O PROJETO1.1 Contextualizao1.2 Objeto de estudo1.3 Problema1.4 Objetivos1.5 Objetivos especficos1.6 Metodologia1.7 Referencial terico

    6-11 12-21

    2 COMO O CONSUMOCHEGOU ONDE ESTAMOS

    2.1 Introduo ao captulo2.2 Senta que l vem histria:

    a evoluo do consumo2.3 O consumo esttico de hoje2.5 Sntese do captulo

    22-33

    3 VAMOS COMPRAR ARTE!

    3.1 Introduo ao captulo3.2 Organizando o mercado3.3 As casas leiloeiras3.3 O leilo em pixels3.5 Sntese do captulo

    34-47

    4 OKEI, A INTERNET CHEGOU,MAS O QUE MUDOU?

    4.1 Introduo ao captulo4.2 Metodologia de pesquisa4.3 Anlise dos resultados4.3.1 O consumo de arte4.3.2 A compra de arte pela internet

    4.4. Sntese do captulo

    48-51

    5 FIM DE LEILO: ASCONSIDERAES FINAIS

    6 ANEXOS

    6.1 Questionrio guia de entrevistaem profundidade

    6.2 Questionrio quantitativo6.3 Questionrio dos respondentes6.3.1 Entrevistado 01 Fbio

    6.3.2 Entrevistado 02 Joo6.3.3 Entrevistado 03 Bruno6.3.4 Entrevistado 04 Adriano6.3.5 Entrevistado 05 Maurcio6.4 Resultado dos questionrios

    quantitativos

    52-73 74-79

    7 BIBLIOGRAFIA

    7.1 Livros7.2 Artigos

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    Ao orientador e colega Caio Marchi, pelo rigor e

    companheirismo

    A todos os professores, que me ensinaram a raciocinar e

    refletir o universo, e que me inspiram a seguir a belssimacarreira acadmica

    Aos colegas e amigos, por darem leveza vida

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    1.1 Contextualizao1.2 Objeto de estudo1.3 Problema1.4 Objetivos1.5 Objetivos especficos1.6 Metodologia1.7 Referencial terico

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    7Introduo

    1. INTRODUO

    1.1 Contextualizao

    vlido para o incio deste projeto explicar a relevncia

    do estudo do mercado de arte. Isto porque, conforme aponta

    Severino, inicia-se o projeto com uma apresentao onde

    se expor sinteticamente [...] qual foi a gnese do problema

    (SEVERINO, 2007.p.130). Deste modo, em um primeiro

    momento falaremos sobre o mercado da arte e, em seguida,

    falaremos sobre as vendas onlinedeste setor.

    Explicar a importncia do estudo do mercado da arte

    signica entender a sua histria. Isto porque sempre houve

    um mercado para a arte, desde a venda de imagens de deuses

    para a Grcia Antiga at os dias de hoje (BOLL, 2011). Nesta

    poca mais antiga, a arte no era uma propriedade privada

    e sim uma ferramenta dos deuses, que se manifestavam sob

    a forma de templos, esculturas e altares. Mesmo com esta

    importncia religiosa, no entanto, j haviam alguns poucos

    colecionadores polticos, como reis egpcios. Este cenrio, deacordo com o autor, comeou a mudar apenas aps a ascenso

    de Roma ao poder, quando na era imperial era importante que

    todo indivduo educado e rico tivesse uma coleo de arte

    em casa. Essa produo somente acelerou com a queda do

    imprio romano e a ascenso da Igreja no poder, mas ainda

    sim nesta poca a [...] produo artstica era to inuenciada

    por ela que era difcil dizer que havia um mercado mercado

    de arte1(BOLL, 2011, p.14).

    Neste sentido, foi com o incio dos questionamentos

    sobre a Igreja que os artistas gradualmente foram se separando

    dela e um incipiente mercado comeava a se formar a partir

    do sculo XV, quando surgiram os primeiros leiles sob o

    controle do Estado, principalmente na Frana e depois na

    Holanda, e quando as obras de arte eram adquiridas tambm

    por meio de agentes e negociantes. Estes leiles cresceram

    rapidamente ao redor da Europa, principalmente aps o

    surgimento das duas maiores casas leiloeiras da poca e at os

    dias de hoje: Sothebys em 1744 e Christies em 1766, ambas

    em Londres (BOLL, 2011).

    FIGURA 01 Evoluo de preo do mercado global de

    Fine art (1761-2004)

    Fonte: BERNHARD apud RESCH, 2011

    1Original: [...] the production of artwas so heavily inuenced by theChurch that it would be difcult tosay that there was an art market(BOLL, 2011, p.14)

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    8Introduo

    O restante da evoluo do mercado da arte pode ser

    melhor observado com o grco da gura 01, proposto pelo

    pesquisador Bernhard e focado no estudo de Fine Art, isto, toda a arte feita unicamente pelo seu valor esttico e sem

    utilidade prtica. O grco dividido em quatro perodos,

    dos quais o primeiro se estabelece entre 1761 e 1840, onde

    o movimento de expanso do mercado lateral por conta da

    forte inuncia do Estado e da Igreja (RESCH, 2011), que

    manteve o volume de obras estvel.

    De acordo com o autor, este cenrio passa a mudar

    de 1840 at a Primeira Guerra Mundial, quando houve um

    aumento do valor de arte atravs da ascenso da classe mdia,

    que comeou a se interessar pela coleo artstica. Neste

    momento comeavam a surgir no mercado um maior nmero

    de colecionadores e negociantes, interessados na compra e

    venda de obras de arte.

    Essa ascenso, no entanto, sofreu uma queda entre

    1840 e a Segunda Guerra Mundial, devido aos resultados da

    Primeira Guerra Mundial, inao e s crises econmicas

    que surgiram dela e abalaram a economia. Este perodo dequeda do mercado se encerra em 1950 e a partir de ento o

    mercado volta gradualmente a crescer, com a globalizao e

    com o reaquecimento da economia, ascenso que permanece

    constante at os dias de hoje.

    Estas vendas vieram majoritariamente dos leiles

    de arte, que em 2013 j representavam 47% do mercado,

    impulsionados por uma alta dos preos e pelo desenvolvimento

    do mercado chins (TEFAF, 2014). Nesse mesmo ano,

    as vendas online de arte em 2013 chegaram a somar 2.5

    bilhes, com uma estimativa de que at 2020 este mercado

    possa somar at 10 bilhes (TEFAF, 2014).Neste sentido, notando o potencial crescimento

    da venda de arte online, vlido evidenciarmos algumas

    vantagens da sua venda, que de acordo com uma pesquisa

    do instituto Hiscox (2004), so a possibilidade encontrar

    novas obras com mais facilidade, a diversidade de material

    encontrado online e o ambiente menos intimidador para

    compra, j que podendo encontrar o que precisam com

    facilidade e sem se sentirem intimidados com o ambiente das

    galerias, 65% dos compradores de arte acabam se declarando

    extremamente satisfeitos com suas compras e 45% dos que

    ainda no zeram uma compra onlinedisseram que no futuro

    o fariam (HISCOX, 2014).

    Assim, considerando todos os dados anteriormente

    citados e analisados, possvel reconhecer a crescente

    importncia do mercado da arte na economia global,

    destacando uma grande oportunidade para o mercado online,

    cujas vendas e reputao esto aumentando cada vez mais. inegvel que, na busca pelo melhor modelo de negcio, e

    considerando o grande alcance e inuncia que o digital tem

    na vida das pessoas, as galerias vo continuar explorando as

    plataformas digitais, tornando o mercado onlineum pertinente

    tema de anlise e estudo.

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    9Introduo

    1.2 Objeto de estudo

    Conforme sugere Severino, procura-se nestemomento [...] delimitar, circunscrever o tema-problema

    (SEVERINO, 2007, p.130). O objeto de estudo deste projeto

    o leilo de arte online, a principal forma de venda de arte

    (em questo de rentabilidade e reputao) at hoje. Unindo

    um potencial grupo de compradores em um mesmo tempo e

    espao, os leiles so eventos responsveis pelos repetidos

    recordes de preo alcanados neste mercado. As principais

    casas leiloeiras, de acordo com Boll (2011), so a Christies

    e a Sothebys, lderes de mercado responsveis por dois

    teros das obras vendidas em todo o mundo. Ambas possuem

    plataformas de vendas de leilo online, e junto a outras casas

    exclusivamente online, como a Paddle8 e a The Auction

    Room, suas vendas esto projetadas a chegar em 10 bilhes

    at 2020.

    1.2 Problema

    Conforme sugere Severino, este tpico fundamental

    para expor de maneira tcnica e objetiva como o tema est

    problematizado, de modo a obter [...] uma ideia muito

    clara do problema a ser resolvido (SEVERINO, 2007,

    p.131). Apesar do mercado da arte primeira vista parecer

    rigorosamente tradicional, podemos perceber que ele vem se

    abrindo gradualmente para o meio online, no s em termos

    de vendas como tambm de propagao do conhecimento

    sobre esta esfera percebida pelo pblico leigo como de alta

    complexidade. Am de compreender como a esfera digital

    inuencia um mercado originalmente to tradicional, nosquestionamos qual a inuncia do surgimento da internet

    no processo de compra de obras de arte por leilo para os

    consumidores?

    1.3 Objetivo geral

    A delimitao dos objetivos de pesquisa importante

    para demonstrar quais so [...] os resultados que precisam

    ser alcanados para que se construa toda a demonstrao

    (SEVERINO, 2007, p.130), entendendo por demonstrao

    o problema anteriormente denido. O principal objetivo de

    pesquisa, nesse sentido, analisar qual a a inuncia do

    surgimento da internet no processo de compra de obras de

    arte por leilo para os consumidores.

    1.4 Objetivos especfcos

    Aps a denio do objetivo principal da pesquisa,

    torna-se importante denir os [...] objetivos intrnsecos da

    pesquisa, pertinentes ao tema e vinculados ao desenvolvimento

    do raciocnio (SEVERINO, 2007, p.131). So eles:

    1. Entender a evoluo da sociedade de consumo e o

    consumo esttico na contemporaneidade

    2. Compreender como funcionam os mercados de arte

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    10Introduo

    fsico e online, principalmente os leiles pela internet

    3. Compreender a inuncia do surgimento da internet no

    processo de compra de obras de arte por leilo para osconsumidores atravs de entrevistas em profundidade

    e uma pesquisa quantitativa com consumidores de

    arte por leilo online

    1.5 Metodologia

    Nesta etapa, conforme sugere Severino, [...] devem ser

    anunciadas as fontes (empricas, documentais, bibliogrcas)

    com que o pesquisador conta para a realizao da pesquisa

    e os procedimentos metodolgicos e tcnicos que usar

    (SEVERINO, 2007, p.131). A metodologia deste trabalho

    parte de uma pesquisa sobre a sociedade de consumo e da

    dinmica do mercado da arte atravs de pesquisa bibliogrca,

    quantitativa e qualitativa, visando [...] apreender o que os

    sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam

    (SEVERINO, 2007, p.124), atravs de um roteiro pr-denido

    com questes que orientem as discusses e visem levantarinformaes que podem ser quanticadas e processadas com

    recursos estatsticos (LIMA, 2008).

    Para Severino (2007), a pesquisa bibliogrca [...]

    aquela que se realiza a partir do registro disponvel, decorrente

    de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como

    livros, artigos, teses etc (SEVERINO, 2007, p.122). Esta

    uma metodologia importante para a sustentao terica

    do trabalho, pois permite o contato com diferentes estudos

    analticos. Neste sentido, para este estudo, a seleo de autores

    foi feita com base nos diferentes temas a serem estudados.

    Dentre outros autores, foram utilizados para a primeira etapadeste trabalho os autores Zygmunt Bauman, Lvia Barbosa e

    Gilles Lipovetsky, que analisam a sociedade contempornea.

    J na segunda parte deste projeto, onde analisamos como

    funcionam os mercados de arte fsico e online, com foco nos

    leiles de arte, utilizamos como autores os pesquisadores

    Don Thompson, Xavier Greffe e Catherine Lamour, alm de

    diferentes teses e artigos sobre o assunto.

    Na terceira etapa deste estudo sero realizadas cinco

    entrevistas em profundidade com compradores de obras de

    arte por leilo onlineno Brasil e uma pesquisa quantitativa

    com o mesmo pblico, onde levantaremos e analisaremos

    com 30 respondentes os aspectos positivos e negativos desta

    plataforma, a inteno de compra pela internet, as diferenas

    que existem entre o leilo presencial e onlinee outros pontos

    que foram compreendidos e analisados ao longo deste

    projeto, a m de validar o impacto do surgimento da internet

    na compra de obras de arte por leilo online.

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    11Introduo

    1.7 Referencial terico

    BARBOSA, Lvia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006

    BARBOSA, Lvia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004

    BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Lquida. So Paulo: Zahar, 2012

    LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal.So Paulo: Companhia das Letras, 2007.

    LAMOUR, Catherine. Grandes e pequenos segredos do mundo da arte. So Paulo: Tinta negra, 2014

    THOMPSON, Don. O tubaro de 12 milhes de dlares. So Paulo: Bel Comunicao, 2012

    GREFFE, Xavier. Arte e mercado. So Paulo: Iluminuras, 2013

    BOLL, Dirk. Art for sale.New York: Hatje Cantz, 2011

    LEHDONVIRTA, Vili. Virtual consumption. Finland, 2009

    LOMBARDI, Monica. Social media and contemporary art market. Italia, 2009

    THOMPSON, RJ. The changing art market in the digital age. Warren, 2014

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    2.1 Introduo ao captulo2.2 Senta que l vem histria: a evoluo do consumo2.3 O consumo esttico de hoje2.5 Sntese do captulo

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    Como o consumo chegou onde estamos 13

    1.1 Introduo ao captulo

    O presente captulo tem por objetivo entender a evoluo

    da sociedade de consumo e o consumo esttico na

    contemporaneidade. Para tanto, com base em uma pesquisabibliogrca que contemplar diferentes autores, este captulo

    ser dividido em dois momentos de reexo, com o objetivo

    de facilitar a compreenso dos temas discutidos ao longo

    deste projeto. So eles: a sociedade de consumo e o consumo

    esttico. Os principais autores utilizados para se aprofundar

    no estudo da sociedade contempornea so Bauman (2005),

    Lipovetsky (2007 e 2015), Barbosa (2004), e Benjamin

    (2012).

    2.2 Senta que l vem histria: as transformaes do

    consumo

    Para compreendermos os impactos de uma

    transformao nas dinmicas de consumo, parece importante

    em primeiro lugar conhecermos as diferentes fases que esta

    sociedade de consumo passou ao longo de sua histria para

    entendermos a sua evoluo ao longo do tempo. De acordocom Barbosa (2004), esta sociedade de consumo surgiu a

    partir do revisionismo sobre a Revoluo Industrial, ocorrida

    na segunda metade do sculo XVIII na Inglaterra. Com a

    consolidao do sistema fabril, da urbanizao, do grande

    desenvolvimento tecnolgico e com a substituio da fora

    de trabalho humana por mquinas para agilizar a produo

    e diminuir o custo das mercadorias, o indivduo neste

    perodo observou a intensicao da demanda de consumo

    e a substituio das produes artesanais pela produo em

    srie de carros, sabonetes e vrios outros bens de consumo.

    De acordo com Campbell (2011), essa revoluo tambm

    foi responsvel por trazer novos signicados e novas formas

    para a produo de bens, como a produo em massa e ovalor simblico dos bens de consumo. Esta nova forma de

    consumir, para Barbosa (2004), substituiu gradualmente um

    consumo meramente familiar para se tornar um consumo mais

    individual, j que at ento as famlias eram responsveis

    pela produo do que consumiam e todo o estilo de vida

    desses diferentes grupos eram regulados pelas leis sunturias,

    que separavam por segmentos sociais o que cada um deveria

    consumir. Para a autora,

    Essa relao de dependncia entre statuse estilo de vida e de independncia emrelao renda inteiramente rompida nasociedade contempornea individualistae de mercado. Nesta, a noo deliberdade de escolha e autonomia nadeciso de como queremos viver e, maisainda, a ausncia de instituies e decdigos sociais e morais com sucientepoder para escolherem por e para ns sofundamentais (BARBOSA, 2011, p.21).

    Deste modo, Barbosa nos mostra como a sociedade

    mudou com a Revoluo Industrial, passando de uma sociedade

    marcada por um estilo de vida constitudo de diferentes regras

    de comportamento para uma maior autonomia e liberdade de

    escolha de como cada sujeito quer viver. Assim, aos poucos,

    a produo de mercadorias em srie e a busca por novas

    formas de aquecer a demanda naturalmente zeram com que

    o capitalismo se expandisse, e nem a renda e a posio social

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    Como o consumo chegou onde estamos 14

    pareciam ser uma barreira slida para o consumo, j que

    neste momento no h mais uma pirmide social em que os

    consumidores em sua base se inspiravam no topo da cadeia,

    mas sim uma multiplicidade de grupos sociais, em que a

    inspirao est por todos os lados (BARBOSA, 2004)Mas como podemos compreender melhor a

    evoluo deste consumo? Lipovetsky (2007) prope um

    aprofundamento deste assunto ao analisar a transformao

    da sociedade de consumo atravs de quatro fases, que

    investigaremos neste momento em mais profundidade. A

    primeira delas, que comea no nal dos anos 1880 e vai at o

    incio da Segunda Guerra Mundial, marcada pelo momento

    em que pequenos mercados locais deram lugar a grandes

    mercados nacionais, possveis dentre outras inovaes, pelas

    estradas de ferro, o telefone e o telgrafo, que colaboraram

    para o aumento da produo, da distribuio e do comrcio de

    diferentes bens de consumo, que foram se espalhando pelas

    cidades e pelas diferentes camadas sociais. Essa produo

    era to expressiva que Lipovetsky (2007) traz diferentes

    nmeros para comprov-la, como o fato de que, diariamente,

    uma nica mquina nos Estados Unidos, ao nal de 1880, era

    capaz de produzir 120 mil cigarros, 2 milhes de caixas defsforo mais de 220 mil sabonetes.

    Mesmo assim, no bastou uma profuso de produtos

    circulando pelo mercado para serem construdas as bases

    do consumo massicado. Lipovetsky (2007) explica que o

    capitalismo de consumo tambm faz parte de uma construo

    social e cultural, atravs no s da busca pela margem de

    lucro nos produtos comercializados como tambm pelo

    estabelecimento de estratgias de propaganda e marketing,

    j que de acordo com o autor, at 1880 os produtos ainda

    eram annimos e as marcas nacionais pouco numerosas.

    Assim, para rentabilizar seus produtos e aumentar o uxo de

    produo, essas novas indstrias como a Procter&Gamble,

    a Kodak e a Coca-Cola comearam a fazer cada vez maispublicidade em torno de suas marcas, investindo mais de um

    milho de dlares nesta nalidade.

    Esse aparecimento e crescimento das marcas atravs

    da publicidade transformou a relao do consumidor com

    os varejistas da poca, pois os sujeitos passaram a se tornar

    cada vez mais independentes dos comerciantes e a julgar

    os produtos por suas marcas e no apenas nas palavras

    dos vendedores (LIPOVETSKY, 2007). Nesta poca, de

    acordo com as palavras complementares de Semprini, elas

    [as marcas] s tem que cumprir funes relativamente

    simples. Elas nomeiam, elas identicam, elas diferenciam

    (SEMPRINI, 2006, p.27).

    Essa incipincia do surgimento das marcas mudou

    aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, quando elevou-

    se a produo industrial e deu-se incio segunda fase do

    consumo, marcada em 1950 por um grande crescimento

    econmico e pela produtividade do trabalho. Lipovetsky(2007) denomina esta fase como a de consumo de massa ou da

    abundncia, j que nesta poca o consumo aumentava cerca

    de 10,3% ao ano em volume (BENJAMIN, 2012) e atingia

    todas as classes sociais. Ainda segundo Lipovetsky (2007),

    H algo mais na sociedade de consumoalm da rpida elevao do nvel de vidamdio: a ambincia de estimulao dosdesejos, a euforia publicitria, a imagemluxuriante das frias, a sexualizao

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    Como o consumo chegou onde estamos 15

    dos signos e dos corpos. Eis um tipo desociedade que substitui a coero pelaseduo, o dever pelo hedonismo, apoupana pelo dispndio, a solenidadepelo humor, o recalque pela liberao, aspromessas do futuro pelo presente. [...] todaa cotidianidade impregnada de imaginrio

    de felicidade consumidora, de sonhosde praia, de ludismo ertico, de modasostensivamente jovens (LIPOVETSKY,2007, p.35).

    nesta poca, ainda, que as primeiras discusses

    sobre reduzir o ciclo de vida dos produtos comercializados

    surgem para tir-los de moda rapidamente e substitu-

    los por outros para manter a produo tona. No a toa

    que Benjamin (2012) aponta que neste perodo a produo

    fordista2 se acirrou e os modos de produo padronizados e

    repetitivos se ampliaram para manter o uxo de fabricao

    constante, criando em grande escala o que Lipovetsky (2007)

    chama de [...] a vontade crnica dos bens mercantis, o vrus

    da compra, a paixo pelo novo, um modo de vida centrado

    nos valores materialistas (LIPOVETSKY, 2007, p.36), e o

    consumo atrelado aos desejos ajudou a construir a viso de

    que os objetos eram capazes de impressionar e serem fontes

    de prestgio. Veblen acrescenta discusso a sua viso sobrecomo o consumo visto como uma atividade carregada de

    signicado, voltando-se para a armao da vinculao a

    um grupo e, ao mesmo tempo, ao desejo de ascenso social

    (VEBLEN apud GUERRA, 2011, p.24). Para ele, algumas

    pessoas vo se submeter a um nvel considervel de privao

    em termos de conforto ou necessidades bsicas da vida para

    conseguir consumir em exagero3(VEBLEN apud GUERRA,

    2011, p.32), como a privao de algumas refeies para a

    compra de uma pea de roupa ou do endividamento atravs

    da compra crdito de algum bem de consumo.

    Assim, com essa crescente oferta de produtos, a

    indstria comeou a precisar educar as pessoas para incentiv-

    las ao consumo, passando a associar seus produtos comdiferentes imagens de sonho e de desejos (BARBOSA, 2004).

    Com seu uso cada vez mais saturado, o consumo pouco a

    pouco passou a ser central na sociedade. Polon (2012) explica

    esse fato ao armar que a alta demanda produtiva modicou

    o modo como o consumo interage com o modo de vida das

    pessoas (LEBOW apud POLON, 2011). Em suas palavras,

    A economia altamente produtiva necessita

    que faamos do consumo o nosso modo devida; que convertamos a compra e uso deprodutos em rituais; que busquemos nossasatisfao espiritual, a satisfao de nossoego no consumo. Ns precisamos que ascoisas sejam consumidas, queimadas,atualizadas e descartadas a uma taxasempre cada vez maior (LEBOW apudPOLON, 2011 p.4)

    Neste sentido, o autor explica como o consumo virou

    um ritual em busca da satisfao do nosso ego, pois com a

    diversidade crescente de mercadorias, os indivduos passama ser inseridos na sociedade com base no que consomem e o

    capitalismo acaba impulsionando o consumo como meio de

    diferenciao social, que nos mostra como o desenvolvimento

    das esferas urbanas e industriais criam uma camada social

    cada vez mais numerosa e sedenta pelo consumo, que passa a

    se massicar e a se generalizar (SOMBART apud GUERRA,

    2011).

    2O fordismo um modelo deorganizao do trabalho humanoorganizado por Henry Ford que fezsaltar o lucro do mercado norte-americano de 2 para 250 milhesde dlares atravs da produo emmassa, da criao de uma linha demontagens e da automatizao dasfbricas (SANTOS, 2009).

    3Original: "People will undergo a

    very considerable degree of privationin the comforts or the necessaries oflife in order to afford [] wastefulconsumption"

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

    16/79

    Como o consumo chegou onde estamos 16

    A fase que se segue uma continuao deste consumo

    marcado pelo desejo: o hiperconsumo, que se inicia em

    1975 e segue at o nal do sculo XIX. Marcada pela [...]

    mercantilizao moderna das necessidades e orquestrada

    por uma lgica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional(LIPOVETSKY, 2007, p.41), esta fase engloba o consumo

    com vistas satisfao emocional, corporal, sensorial e

    esttica, com os bens de consumo tendo um papel fundamental

    na liberdade, na vivncia de experincias e na qualidade de

    vida individual. Neste perodo, as marcas deixam de fazer

    publicidade atrelada somente s funcionalidades dos seus

    produtos e passam a considerar as experincias afetivas

    e sensoriais de cada indivduo. De acordo com o autor,

    a sociedade deixa, neste momento, de comprar produtos

    padronizados e o consumo passa a se diferenciar de acordo

    com idade, gostos e identidades culturais singulares para

    valorizar a diferena, a experincia e o individualismo.

    Converge neste sentido a armao de Barbosa

    (2004) de que nesta poca a publicidade deixa de falar apenas

    dos benefcios funcionais do produto e surgem anncios

    que, para Barbosa, falam sobre sonhos, aventuras, amizades

    e romances, j que a imagem criativa das marcas quefaz a diferena na compra, fazendo com que elas precisem

    convencer seus pblicos de que [...] seus produtos so

    aqueles que melhor material lhes do para os seus daydreams

    (BARBOSA, 2004, p.55). Lipovetsky (2007), traz como

    exemplo para ilustrar este momento um adolescente que

    pauta suas escolhas na vontade de diferenciar-se de seus pais,

    armando gostos e preferncias que denem o seu estilo. Este

    exemplo nos mostra como a compra de uma marca vivida

    como a expresso de uma identidade e como, exibida essa

    marca em pblico, os indivduos reconhecem nela uma parte

    de sua personalidade, marcando o hiperconsumo como uma

    fase em busca da individualidade e do consumo pela imagem

    da marca.Esta busca pela individualidade de maneira exacerbada

    e o aumento exponencial do consumo de diferentes bens se

    relacionam com o que o socilogo polons Zygmunt Bauman

    chama de sociedade lquida, aquela em que

    [...] as condies sob as quais agem seusmembros mudam num tempo mais curto doque aquele necessrio para a consolidaodos hbitos e rotinas, das formas de agir. Avida lquida, assim como a sociedade, nopodem manter a forma ou permanecer emseu curso por muito tempo (BAUMAN,2005, p.7).

    O cerne da discusso do socilogo que a sociedade de

    consumo passa a vender a satisfao de desejos que nunca

    sero totalmente supridos, pois o constante surgimento de

    novos bens de consumo renovam os desejos do consumidor,

    como se o mercado de consumo fosse [...] a verso do sculo

    XX (reconhecidamente mutante) do sonho do Rei Midastornado realidade. O que o mercado toca, no importa o

    que seja, transforma-se em mercadoria (BAUMAN, 2005,

    p.117). Esta pluralidade de bens de consumo, para Bauman

    (2005), pode tornar permanente a insatisfao e provoca

    novas necessidades, desejos e vontades constantemente,

    caracterstica tpica do hiperconsumismo proposto por

    Lipovetsky e que se estende ao capitalismo e ao consumo

    esttico, que ser contextualizado no tpico seguinte deste

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

    17/79

    Como o consumo chegou onde estamos 17

    projeto. Segundo Bauman, sem a repetida frustrao dos

    desejos, a demanda pelo consumo se esvaziaria rapidamente,

    e a economia voltada para o consumidor perderia o gs

    (BAUMAN, 2005, p.107).

    Estas caractersticas, segundo o autor, dariam origem sndrome consumista, apontada por Bauman como

    [...] uma questo de velocidade, excesso e desperdcio

    (BAUMAN, 2005, p.110), em que a sociedade de consumo

    marcada pelo excesso de desejos que nunca sero totalmente

    saciados. Isto porque o mercado no sobreviveria caso os

    consumidores se apegassem s coisas (BAUMAN, 2005,

    p.48). Esta discusso do autor nos remonta s discusses

    presentes ao nal da segunda fase do consumo proposta por

    Lipovetsky em questo obsolescncia programada dos bens

    de consumo que eram produzidos com o objetivo de gerar

    novos desejos e de, consequentemente, fomentar a produo

    das indstrias e do consumo.

    2.3 O consumo esttico de hoje

    com base neste hiperconsumo marcado pelo desejo

    e pelo consumo lquido que se estabelece, na segunda metadedo sculo XIX, a quarta fase do consumo (LIPOVETSKY,

    2015), posterior e complementar ao capitalismo

    hiperconsumista: o capitalismo artista, marcado por um

    boom esttico sustentado pelo capitalismo do hiperconsumo

    e caracterizado pela inao da estetizao dos mercados de

    consumo e das indstrias, em que dominam os imperativos

    do estilo, da beleza e do espetculo e em que a arte se torna

    um instrumento de legitimao das marcas e das empresas no

    capitalismo. Haja visto os diferentes pontos de contato com o

    consumo de arte propostas pelo autor, trataremos a partir de

    ento deste tpico em maiores detalhes.

    Segundo Lipovetsky (2015), o capitalismo artista

    esse sistema que produz em grande escala bens e servioscom ns comerciais, mas impregnados de um componente

    esttico-emocional que utiliza a criatividade artstica tendo em

    vista a estimulao do consumo mercantil e do divertimento

    de massa (LIPOVETSKY, 2015, p.68). Assim, atravs da

    sua insero como estratgia de marketing e comunicao das

    empresas, focalizadas nos gostos estticos e afetivos dos seus

    consumidores como forma de intensicar a gerao de sonhos,

    prazeres e emoes que surgiram no hiperconsumismo, este

    capitalismo artista permite a integrao e a generalizao da

    ordem do estilo, da seduo e da emoo nos bens destinados

    ao consumo mercantil (LIPOVESTKY, 2015, p.47), atravs

    da criao de beleza, emoo e entretenimento para conquistar

    seus consumidores. Exemplos desta interseco so o que

    Lamour (2014) chama de museu fora dos muros, em que

    a arte e a esttica se espalham e se encontram pela cidade,

    em metrs, cartazes de rua, nibus, praas e restaurantes em

    monumentos histricos. Neste sentido, o capitalismo artistacria valor econmico por meio do valor esttico, ligando

    esta esfera material sensibilidade e ao imaginrio, mas

    sem deixar de funcionar como um sistema regrado pelas

    lgicas nanceiras e do marketing. Isso se observa, segundo

    Lipovetsky (2015), em todas as indstrias culturais, como

    a moda, o luxo e a arte, da qual nos aprofundaremos neste

    instante.

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    Como o consumo chegou onde estamos 18

    Atestada pela magnitude dos investimentos dos

    colecionadores e pelo aumento crescente dos preos das

    obras de arte (BENJAMIN, 2012), do aumento da produo

    e da reprodutibilidade das obras de arte, cada vez mais ela

    aparece como uma mercadoria. Conforme as palavras deBenjamin, a arte sempre foi, por princpio, reprodutvel.

    [...] Tal imitao foi praticada igualmente por discpulos,

    para exerccio da arte; por mestres, para difuso das obras;

    e nalmente, por terceiros, vidos de lucros (BENJAMIN,

    2012, p.13). Isto signica que at a reproduo tcnica

    antiga, datada do surgimento da xilogravura, da estampa em

    cobre e da litograa, ainda na Idade Mdia. (BOLL, 2011). O

    que vemos hoje em dia, no entanto, no apenas uma questo

    da reprodutibilidade das obras de arte e sim do seu valor

    econmico, j que as obras so julgadas muito mais pelos

    seus resultados comerciais do que pelas suas caractersticas

    puramente estticas. Como discorre Lipovetsky,

    A idade romntica da arte cedeu o passoa um mundo no qual o preo das obras mais importante e mediatizado do que ovalor esttico: hoje o preo mercantil eo mercado internacional que consagram oartista e a obra de arte. o tempo da artbusiness, que v triunfar as operaesde especulao, de marketing e decomunicao (LIPOVETSKY, 2015,p.46)

    Assim, a dinmica esttica passou cada vez mais a

    incorporar os mecanismos nanceiros e mercantis, regidos

    pelas leis das empresas e da economia de mercado. Hoje

    em dia, de acordo com Kotler (2008), at os museus devem

    ser administrados como verdadeiras empresas, buscando

    aumentar suas fontes de rentabilidade e aumentar seus

    nmeros de visitantes. Lipovetsky tambm aponta para o

    crescimento exponencial dos museus nas ltimas dcadas.

    Antes de 1920, haviam 1200 museus nos Estados Unidos.

    J no incio de 1980 haviam mais de 8 mil, impulsionadospela expanso das grandes cidades e tambm da vontade de

    pequenas cidades em quererem ter seus prprios museus como

    sinal de armao de identidade e como centro de atrao

    turstica e comercial. Nesta poca, as bienais, as feiras, os

    sales e as galerias de arte tambm praticamente dobraram

    de tamanho, abrigando centenas de exposies e artistas

    incipientes que buscam seu espao neste mercado bilionrio

    e cada vez mais globalizado, marcando o que o autor chama

    de hyperart, um mercado superabundante e proliferante, em

    que [...] se apagam as distines entre arte, negcio e luxo

    (LIPOVETSKY, 2015, p.58).

    Essa superabundncia de obras de arte circulando

    pelo mercado de modo crescente nos remete s discusses

    de Benjamin sobre como essa reproduo acirrada da obra

    de arte fez com que ela perdesse o seu carter nico, sua

    quintessncia, sua aura. Isto porque a reproduo permite

    colocar uma cpia da obra original em lugares que ela noestaria (BENJAMIN, 2012). Conforme explica o autor, a

    catedral abandona seu lugar para encontrar sua recepo no

    estdio de um amante das artes; o coral que foi executado

    em uma sala ou a cu aberto se deixa ouvir em um quarto

    (BENJAMIN, 2012, p.21). Mesmo assim, a obra de arte

    reproduzida torna-se cada vez mais a reproduo de uma obra

    de arte voltada para a reprodutibilidade (BENJAMIN, 2012,

    p.35), isto , conforme o autor explica atravs da fotograa, de

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    Como o consumo chegou onde estamos 19

    uma simples chapa fotogrca possvel produzir diferentes

    cpias sem que ela perca a sua autenticidade. Com isso,

    crescem as oportunidades de exposio das obras e de sua

    venda, caracterstica que de acordo com Lipovetsky (2015)

    o que importa a partir deste momento, tornando-se uma artevoltada busca pelo lucro e pelo sucesso, passando [...] a se

    tornar um mundo econmico como os outros, adaptando-se

    s demandas do pblico e oferecendo produtos sem risco de

    obsolescncia rpida (LIPOVETSKY, 2015, p.21).

    Neste sentido, foi a vez no mais dos locais de arte

    se expandirem, mas sim dos preos das obras que eram

    comercializadas, evidenciando uma lgica inacionista

    do capitalismo artista e marcando a arte como dominada

    tambm pelas lgicas do superlativo e da hiperacelerao.

    Os lances milionrios em leiles de arte e em galerias foram

    multiplicados seis vezes entre 2005 e 2008, alcanando picos

    inigualados em que

    [...] os recordes de vendas so o tempotodo superados por novos recordes maisestrondosos ainda, em que os lances nosleiles soam cada vez mais altos. Preosto assombrosos que permitiriam a umDamien Hirst ser classicado entre ascinquentas maiores fortunas da Inglaterra(LIPOVETSKY, 2015, p.59).

    Assim, para o autor, galerias de arte, casas leiloeiras e feiras

    se tornam cada vez mais empresariais, tendo que multiplicar

    suas vendas, promover polticas de promoo e diversicao

    dos servios nanceiros e buscar organizadores de exposies,

    peritos e conselheiros de colecionadores para ajudar a manter

    a multiplicao das vendas crescente. Deste modo, como

    acrescenta Boll (2011), os intermedirios do mercado tem um

    papel fundamental em criar a ponte entre os sistemas artsticos

    e econmicos, mantendo entre si uma harmonia.

    Mas por que as vendas do mercado de arte

    aumentaram? Alm da sua reprodutibilidade, que apesar deter causado questionamentos em autores como Benjamin

    (2012) sobre a autenticidade e a aura das obras diante a sua

    multiplicao, inevitavelmente possibilitou o seu alcance a

    um pblico maior, atualmente se estabelece um crescimento

    no nmero de colecionadores e especuladores dos fundos de

    investimento que esto atrados pela velocidade da expanso

    econmica positiva destas obras, que circulam cada vez mais

    rpido pelo mercado. Uma obra que antes demorava vinte

    ou trinta anos para reaparecer em uma galeria ou leilo, hoje

    leva menos de dez anos (BOLL, 2011). Ainda, um outro fator

    para o disparo do mercado de arte o crescimento do nmero

    de artistas, dinmica que ocorre desde o sculo XIX com

    a promoo social dos artistas. De acordo com Lipovetsky

    sobre esta evoluo do artista no mercado,

    A primeira era da igualdade tornoupossvel a entronizao dos artistas na

    esfera da elite social, na sociedade dossales, no Tout-Paris: engalanados denovos prestgios, reconhecidos comoguras de grandeza moral e intelectual,e at como magos, guias inspirados,os artistas frequentam ento os salesmundanos em que so admitidos em pde igualdade, ascendem altura de herisliterrios e se tornam clebres, a ponto deserem erguidas esttuas a eles, como aospolticos (LIPOVETSKY, 2015, p.122).

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    Como o consumo chegou onde estamos 20

    Essa ascenso social do artista, nesse sentido, foi possvel com

    a queda da soberania da Igreja nas artes em sculos passados,

    pois os artistas passaram a se desvincular da produo

    sagrada e a investir em produes prprias, como a pintura de

    paisagens e de natureza morta. Na era moderna, esta nova arteserve de contrapeso alienao da vida cotidiana e da secura

    dos saberes cientcos.

    Mesmo assim, como o resto, o amor arte no

    escapa das malhas da sociedade da velocidade e do efmero

    (LIPOVETSKY, 2015, p.61). Os artistas querem se realizar,

    exprimir e criar sem os moldes das atividades prossionais

    tradicionais, num impulso narcsico de visibilidade, de

    reconhecimento e de celebridade, reforado segundo

    Lipovetsky pelas mdias e pelo surto de individualizao

    iniciado no hiperconsumismo. De acordo com o autor, o

    desejo de ser um artista no est mais to ligado a um sonho

    romntico de viver inteiramente para a sua arte mesmo que

    em condies contrrias riqueza capitalista, [...] e sim ao

    projeto de carreira orientado pela ideia da fortuna rpida e

    do xito social: ser cantora, como Madonna, ou jogador de

    futebol, como Zidane, e rico como eles (LIPOVETSKY,

    2015, p.117). Mas esta busca parece cada vez mais acelerada,como j nos indicaria Bauman (2005), haja visto que tudo

    para agora. No basta esperar para alcanar o estrelato. Este

    intervalo, entre o incio da carreira e a fama, devem ser cada

    vez mais curtos para que se alcance uma respeitabilidade

    quase imediata (LIPOVETSKY, 2015).

    Neste sentido, no mais tanto a experincia elitista

    da venerao e do recolhimento esttico da produo e

    comercializao da obra de arte que interessa e sim o lucro,

    o estmulo ao consumo atravs de prazeres passageiros,

    imediatos e incessantemente renovados. Ao passo que as artes

    antes j foram estabelecidas e conhecidas como artes rituais,

    artes populares e tradicionais, artes religiosas e de elites, hoje,

    de acordo com o autor, busca-se a comercia lizao de uma obraque proporcione satisfao fcil e imediata a consumidores

    motivados pela busca do prazer ou da diverso. Assim, como

    reete Lipovetsky (2015), o capitalismo transesttico difunde

    a arte na vida comum e faz do preo das obras e do ganho dos

    artistas o prprio marco de sucesso.

    No entanto, em contradio ao pensamento de

    Benjamin (2012) de que este carter comercial das obras fariam

    com que elas perdessem a sua autenticidade, Lipovetsky traz

    a reexo de que as tenses existentes entre o marketing e

    a arte no so insuperveis, pois a arte continua tendo um

    grande valor esttico e cultural para a sociedade. Conforme

    ele reete,

    O que justica no considerar as obrascomerciais como arte propriamente dita?Sua falta de qualidade e de criatividade?Mas nem a originalidade nem mesmo ovalor esttico so condiessine qua nonde uma obra de arte. Um romance ruimno deixa de ser um romance; e umacanoneta popular, uma obra musical.O prprio rap, to depreciado devidoa seus ritmos barulhentos e suas letrasgrosseiras, pode ser considerado umaobra legtima de arte. (LIPOVETSKY,2015, p.75).

    Ainda, conforme nos trouxe Boll (2011), as obras de arte

    quase sempre tiveram um carter comercial. Os pintores

    do sculo XVII em Roma, por exemplo, como nos traz

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    Como o consumo chegou onde estamos 21

    Lipovetsky (2015), j possuam um pensamento econmico

    para suas obras, produzindo pequenos quadros que poderiam

    ser colocados nos alforjes dos cavalos dos viajantes que

    passavam pela cidade e desejavam comprar uma obra e

    no tinham como carreg-la. Ainda, conforme traz o autor,grandes pintores desta poca, como Caravagio e Poussin,

    sempre aceitaram encomendas e se preocuparam com o preo

    de venda de suas obras.

    As reexes de Bauman acerca da sociedade lquida

    acrescentam esta discusso sobre o carter comercial das

    obras de arte na medida em que, se os indivduos se apegassem

    aos bens materiais que consomem, a produo iria parar e o

    mercado cessaria. Assim, no a toa que as obras de arte

    circulam cada vez mais rpido por entre as galerias e as casas

    leiloeiras, como vimos anteriormente. A compra de uma obra

    no cessa o desejo de um colecionador vido pelo consumo

    porque novas obras so inseridas no mercado a cada instante,

    reacendendo a frustrao pelo desejo e pela demanda citadas

    pelo autor.

    Deste modo, [...] em um piscar de olhos, os

    ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em

    incapacidades (BAUMAN, 2005, p.7), ou seja obras de arte,servios e at habilidades pessoais envelhecem rapidamente

    e se tornam obsoletas na medida em que novas surgem no

    mercado, apenas esperando um novo consumidor saciar seu

    desejo que logo ser retomado em um ciclo inndvel.

    Assim, conhecendo a evoluo da sociedade do

    consumo e tendo formadas as bases do consumo esttico e

    as diferentes problemticas da expanso da arte ligada s

    esferas econmicas, bem como o consumo cada vez mais

    guiado pela sociedade lquida proposta por Bauman (2005),

    que passaremos a compreender como funcionam os mercados

    de arte fsico e online, principalmente os leiles pela internet

    2.4 Sntese do captulo

    Ao longo desta etapa do projeto conhecemos com

    Barbosa (2004) as origens da sociedade de consumo como

    atreladas ocorrncia da Revoluo Industrial na Inglaterra.

    Nos aprofundamos nesta evoluo a partir da proposta de

    diviso do consumo em quatro perodos por Lipovetsky

    (2007). A primeira delas marcou a passagem dos mercados

    locais para grandes mercados nacionais e a difuso de bens de

    consumo de maneira massante. A segunda fase foi marcada

    por um crescimento do modelo de produo fordista fabril e do

    desenvolvimento das propagandas para a criao e evoluo

    das marcas. A terceira fase amplia este consumo massicado

    ao torn-lo inerente aos desejos, s experincias e busca

    pela individualidade atravs dos bens materiais e dos servios

    que as marcas oferecem, se desdobrando no que Lipovetsky

    (2015) denomina capitalismo esttico, a quarta fase do

    consumo. nesta poca que os setores industriais passam aser dominados por um boom esttico e pela artealizao de

    bens cotidianos, em que o mercado de arte se expande cada

    vez mais com o crescimento dos colecionadores, do desejo

    de ser artista e da produo de obras de arte, marcando um

    consumo cada vez mais lquido e efmero, com a constante

    gerao de desejos insaciveis e colocando em xeque as

    questes levantadas por Benjamin (2012) sobre a perda da

    aura das obras de arte com a sua reprodutibilidade tcnica.

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    3.1 Introduo ao captulo3.2 Organizando o mercado3.3 As casas leiloeiras3.3 O leilo em pixels3.5 Sntese do captulo

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    Vamos comprar arte! 23

    3.1 Introduo ao captulo

    Neste segundo momento da pesquisa compreenderemos

    como funcionam os mercados de arte fsico e online,

    principalmente os leiles pela internet. Para facilitar acompreenso dos temas discutido, o captulo se dividir em

    dois momentos de reexo: a compreenso da dinmica do

    mercado de arte fsico e online, e o mercado de leiles de arte

    digital. Os principais autores utilizados para se aprofundar

    neste estudo so Thompson (2010 e 2012), Benhamou-Huet

    (2008) e Lamour (2014), alm de diferentes teses e artigos

    sobre o assunto.

    3.2 Organizando o mercado

    Antes de nos aprofundarmos nas particularidades do

    mercado da arte, vlido o dimensionarmos com base em

    seu tamanho nanceiro. Como dito anteriormente, mesmo

    que com pequenas oscilaes, o mercado de arte vem

    crescendo desde 1960, com a globalizao e o reaquecimento

    da economia aps o nal da Segunda Guerra Mundial,

    que impulsionaram a venda de obras (RESCH, 2005).Financeiramente, de acordo com um estudo da TEFAF

    (2014), este setor bilionrio e somou 51 bilhes de euros

    em 2014, um crescimento de 7% com relao a 2013 e de

    150% com relao ltima dcada. E de onde todo este valor

    provm? Segundo o mesmo estudo, os pases que lideram as

    vendas de obras de arte so os Estados Unidos, a China e o

    Reino Unido, que juntos em 2014 somam cerca de metade

    do volume de vendas em valor da parcela do mercado de

    obras de arte que custam mais de 1 milho. Na internet

    este setor tambm representativo e alcanou 3 bilhes em

    vendas, com uma expectativa de que at 2020 ele chegue a

    10 bilhes, validando o que Lipovetsky (2015) arma de

    que o mercado da arte contempornea dominado pelaslgicas do superlativo e da hiperacelerao (LIPOVETSKY,

    2015, p.60), j que com o aumento da demanda, do nmero

    de colecionadores e da multiplicao dos especuladores e dos

    fundos de investimento atrados pelo retorno nanceiro das

    obras de arte, este mercado cresce aceleradamente.

    Mas como a arte e a economia se aproximaram gerando

    todo este valor em obras de arte comercializadas por todo o

    mundo? Existem diferentes formas de se vender uma pea

    de arte, mas de acordo com diferentes estudos, este mercado

    se organiza fundamentalmente em dois nveis distintos:

    o primrio e o secundrio, que possuem caractersticas e

    objetivos distintos, conforme entenderemos a seguir.

    Em primeiro lugar, para Robertson (2005), o setor

    primrio aque le que abriga obras que nunca apareceram

    antes no mercado, isto , nunca foram compradas ou

    vendidas (ROBERTSON, 2005). Este mercado abriga boa

    parte dos artistas e o excesso de oferta em detrimento dabaixa procura o torna bem competit ivo para os artistas ,

    alm de manter os preos das obras baixos (THROSBY,

    1994). vlido notar que neste mercado so os prprios

    artistas os responsveis por buscar galerias e exposies

    para promoverem seus trabalhos e, por ser altamente

    competitivo, envolve um alto risco na negociao de suas

    obras, visto que h pouca informao sobre os artistas

    e suas peas, o que faz com que muitos negociantes e

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    Vamos comprar arte! 24

    galerias tenham que operar com margens de lucro baixas

    ou negativas (RESCH, 2005)

    Na contramo deste mercado est o nvel secundrio,

    aquele em que as obras j circularam no mercado, esto

    se tornando conhecidas e seus preos esto aumentando(ROBERTSON, 2005). Este reaparecimento das obras acontece

    porque quando uma obra vendida, h grandes chances

    dela eventualmente reaparecer no mercado7(RESCH, 2011,

    p.4), j que muitos colecionadores mantm o giro das obras

    como forma de investimento nanceiro. Thompson (2012)

    acrescenta explicao do aumento dos preos das obras o

    fato de que quando um artista est em alta, no se aplica o

    conceito econmico de oferta e procura. Se o artista consegue

    criar peas sucientes para expor simultaneamente em vrias

    galerias e feiras de arte, o zum-zum maior em torno dele eleva

    os preos (THOMPSON, 2012, p.59). Isto signica que a

    realizao de exposies em galerias e feiras, e as menes

    em diferentes veculos especializados fazem com que os

    artistas quem mais valorizados e despertem o interesse dos

    colecionadores.

    Fazem parte deste nvel artistas estabelecidos que

    conseguiram passar do mercado primrio para o secundrioatravs da representao por alguma galeria ou da compra de

    uma obra por um museu pblico, negociantes e colecionadores

    pblicos e privados (THOMPSON, 2010). Como complementa

    Throsby (1994), poucos so os artistas que fazem parte do

    mercado secundrio e o nmero de compradores em geral

    ainda menor, em virtude da alta dos preos de galerias, que

    controlam sua volatilidade (THROSBY, 1994). Ainda, ao

    contrrio do mercado primrio, os artistas neste setor no

    participam das vendas. o comerciante quem oferece as obras

    revenda para colecionadores, galerias e casas de leilo, e

    o curador quem exibe as obras que alcanaram os maiores

    preos em um leilo. Uma outra diferena fundamental para

    o mercado primrio que agora h mais informaes sobre osartistas e suas obras disposio dos interessados, o que torna

    este mercado muito mais previsvel e com muito menos risco

    envolvido em suas negociaes (RESCH, 2005).

    com este cenrio em mente e compreendendo

    a diviso do mercado da arte entre os nveis primrio e

    secundrio, que nos atentamos a identicar e entender os

    principais participantes deste setor. Em seus estudos, Resch

    (2005) identicou que ele se divide entre dois polos: o dos

    artistas e o dos colecionadores, com diferentes intermedirios

    permeando-os, como os negociantes, os crticos de arte e as

    galerias, participantes que conheceremos a seguir.

    O primeiro deles o colecionador, que age tanto

    como comprador quanto como vendedor de obras de arte

    (CHONG, 2005), ao revend-las no mercado secundrio em

    galerias ou leiles. Ele pode ser tanto um indivduo fsico,

    que em sua maioria no possui grande conhecimento sobre

    arte, mas visitam museus e galerias com frequncia, alm decontratarem negociantes e conselheiros para lhes ajudarem

    em suas compras (LIPOVETSKY, 2015), quanto instituies

    privadas. Suas motivaes para a compra de obras de arte

    podem ser, conforme aponta Resch (2005) e Boll (2011),

    a inspirao que a arte trs, o vcio em colecionar objetos,

    o investimento nanceiro e a manifestao do status social

    atravs da criao de museus e galerias prprias para mostrar

    suas aquisies ao pblico (RESCH, 2005).

    4Original: When a work is sold thereis a chance that it will eventuallyreappear on the market (RESCH,2011, p.41)

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    Quem ajuda estes colecionadores em suas compras

    so os negociantes, que agem como empreendedores e so

    prossionais que ajudam colecionadores, museus e galerias

    em suas aquisies, frequentemente participando de leiles.

    Este intermedirio tambm pode trabalhar junto aos artistase ajud-los a vender suas obras para os colecionadores,

    geralmente recebendo uma comisso de 50% do valor da

    obra (CHONG, 2005), mas mesmo assim, como acrescenta

    Resch (2005), estes agentes em geral trabalham apenas para

    o mercado secundrio, tendo pouco contato com artistas que

    nunca venderam obras de arte anteriormente, valendo-se notar

    que eles representam cerca de 53% do volume de vendas

    de obras de arte (TEFAF, 2014). O trabalho do negociante

    para um colecionador que procura obras de um determinado

    artista consiste em descobrir em sua rede de contatos quem

    possui peas deste artista, persuadindo estes indivduos

    venda das obras que possuem (RESCH, 2005). Assim, se um

    colecionado procura uma obra de Picasso, o agente procura

    todos os colecionadores e galerias que possuem obras do

    artista para adquir-las para seu colecionador.

    Este interesse dos colecionadores por um artista

    especco pode ser oriundo das menes dos crticos dearte, que so o elo de comunicao entre o artista e seu

    pblico (CHONG , 2005) . Em geral so art istas, curadores

    e historiadores de arte que escrevem em blogs pessoais,

    jornais ou revistas especializadas no mercado artstico,

    e que frequentemente escrevem artigos em catlogos de

    galerias e casas leiloeiras. Neste sentido, os crticos de

    arte tem uma proximidade muito grande com negociantes,

    artistas e feiras de arte, ajudando estes intermedirios em

    seu crescimento (RESCH, 2005).

    Assim, os crticos de arte ajudam no desenvolvimento

    das galerias, que de acordo com Thompson (2012), so

    verdadeiras fortalezas que selecionam quem vai aparecer e

    quem no vai no mercado. O trabalho delas organizar seusartistas e promov-los atravs de colecionadores, crticos de

    arte e curadores de museus. Para isso, em geral as galerias

    organizam exposies regulares e abertas ao pblico com

    entre 5 e 25 artistas que elas representam, em que todas as

    obras podem ser adquiridas e at mesmo alugadas por um

    certo perodo (RESCH, 2005). Para obter lucro com as

    vendas, as galerias se apoiam principalmente no mercado

    primrio, dividindo o valor da venda, em geral, igualmente

    entre o artista e a galeria. Mesmo assim, por tratar-se de

    um mercado formado fundamentalmente por artistas novos,

    muitas galerias acabam tendo que buscar alternativas para no

    sarem no prejuzo, j que os custos de promoo so caros

    e os descontos, para incentivar a venda das peas, so altos

    (RESCH, 2005). Uma outra forma das galerias obter lucro

    participar do mercado secundrio atravs da representao de

    colecionadores, em que a galeria compra obras de arte em seu

    nome, e tambm atravs da compra de obras de baixo valorque ela possa revender. Em alguns casos, a galeria tambm

    participa de leiles para proteger o preo das obras do artista

    que ela representa, como forma de manter seus artistas

    valorizados no mercado (RESCH, 2005).

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    3.3 As casas leiloeiras

    Neste ponto podemos passar a analisar as casas

    leiloeiras, que so foco deste estudo. O principal objetivo

    delas, de acordo com a Sothebys, identicar, analisar evalidar obras de arte com o suporte de especialistas, estimular

    o interesse pela compra atravs de tcnicas prossionais de

    marketing e unir compradores e vendedores atravs do leilo8

    (RESCH, 2005, p.49). Benjamin-Houet (2008) complementa

    que as tcnicas de marketing utilizadas pelas casas leiloeiras,

    alm de estimular o interesse dos colecionadores, tambm so

    responsveis por fazerem os preos das obras aumentarem. 9

    De acordo com Robertson (2011), as casas leiloeiras

    podem ser divididas em quatro nveis distintos. So eles as

    casas alpha, que representam as lderes de mercado Sothebys

    e Christies10, as betas, seguidoras de mercado com alcance

    internacional, como a Bonhams11, as gammas, que possuem

    alcance nacional e as deltas, que so as casas leiloeiras

    regionais. vlido notar que estas casas leiloeiras constituem

    um importante intermedirio do mercado da arte, j que como

    dito anteriormente elas representaram 47% do volume das

    vendas deste mercado em 2014 (TEFAF, 2014).Mas como acontecem esses leiles? De acordo com

    Thompson (2010), eles so um verdadeiro show, em que o

    maior desao das casas leiloeiras manter a animao dos

    compradores. Para isso, elas se valem de catlogos, eventos

    exclusivos de visualizaes prvias das obras e outras tcnicas

    de marketing e comunicao (THOMPSON, 2010, p.3). O

    advento leilo em si tambm deve manter uma energia alta

    durante todo o seu processo para que as compras sejam bem

    sucedidas. O leiloeiro, que nunca identicado pelo nome,

    faz parte da psicologia do leilo, isto , dos efeitos e das

    caractersticas que a dinmica do leilo provoca no indivduo,

    e tem um papel fundamental nele, pois por cerca de duas

    ou trs horas, ele deve ser persuasivo, evitando repetir osmesmos gestos ou frases [...]. Ele criar variaes em seus

    movimentos e em seu tom de voz, produzindo mais excitao

    em relao a um determinado item que, talvez, nem mereceria

    tanta ateno (THOMPSON, 2010, p.6). interessante notar

    que, segundo Thompson (2010), este entretenimento do leilo

    consiste em atingir 90% dos indivduos que no tem inteno

    alguma de adquirir alguma obra, enquanto os outros dez por

    cento se concentram em seus lances.

    Compreendido o papel do leiloeiro, podemos

    entender como que o evento em si acontece. Em casas como

    a Christies e a Sothebys, encontram-se desde representantes

    de museus at agentes a servios de colecionadores e

    milionrios, que representam quase dois teros das obras de

    arte contempornea vendidas neste ambiente (THOMPSON,

    2010). Estes colecionadores so motivados, em parte, pelo

    grupo ao qual desejam integrar, como indivduos que querem

    se tornar parte de um grupo de grandes colecionadores oumembro da diretoria de algum museu renomado.

    O evento em si tem incio com a entrada do leiloeiro e

    a apresentao do primeiro lote ao pblico, onde ele descreve

    a obra e a mostra aos presentes. Ele escolhe um preo para

    a sua abertura e concentra-se em obter ofertas que possam

    ating-lo, tanto de modo presencial com os indivduos que

    esto ali presentes quanto por telefonemas ou lances vindos

    da internet. Neste processo, o comprador tem pouco tempo

    5To identify, evaluate and appraiseworks of art through its internationalstaff of specialists, to stimulatepurchasers interest throughprofessional marketing techniques,and to match sellers and buyersthrough the auction process(SOTHEBYS apud RESCH, 2005,p.49).

    6

    Casa leiloeira fundada em 1744em Londres. Com alcance mundial,ela lder de vendas junto com aChristie`s e possui escritrios portodo o mundo, inclusive em SoPaulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Florianpolis, Campo Grande e MatoGrosso do Sul, atuando em diferentesreas, como a artstica, a vincola e ade agronegcio (SOTHEBY'S, 2015,disponvel em ww w.sotheby's.com).7Casa leiloeira fundada em 1766 queproduz mais de 450 eventos por ano

    em mais de 80 categorias, como arte,jias e vinho. Ela possui cerca de 50escritrios ao redor do mundo, masnenhum no Brasil (CHRISTIE'S,2015, disponvel em www.christies.com).

    8

    Casa leiloeira fundada em 1793,que produz mais de 400 eventos porano em 60 categorias distintas e quepossui escritrios em todo o mundo(BONHAMS, 2015, disponvel emwww.bonhams.com)

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    Vamos comprar arte! 27

    para avaliar a obra e efetuar seu lance antes de algum outro

    indivduo (ZIMMERMANN, 2011). Este comportamento,

    conforme aponta Zimmermann (2011) e Thompson (2010)

    em seus estudos, aumenta a competitividade do leilo e torna

    quase insignicante o valor esttico da obra, valendo-se muitomais da rivalidade e da competio, pois o leiloeiro treinado

    para colocar um indivduo contra o outro e encoraj-los a

    no desistirem (THOMPSON, 2010). Conforme acrescenta

    Zimmermann, aproximadamente 93% dos colecionadores j

    aumentaram seus lances somente para aumentar suas chances

    de ganhar (ZIMMERMANN, 2011).

    O leilo de arte traz contigo diferentes particularidades

    no que concerne sua psicologia. Em primeiro lugar, vlido

    notar que 98% dos leiles alcanam preos cerca de 15%

    maiores do que em sites de varejo, talvez simplesmente pelo

    processo de compra ser mais envolvente (ZIMMERMANN,

    2011). Estas e diferentes atitudes que acontecem ao longo

    do leilo parecem ter diferentes motivos e so divididas para

    Zimmermann (2011) entre os efeitos relacionados ao leilo

    em si e aqueles ligados diretamente aos seus resultados.

    Dentro dos efeitos relacionados ao leilo esto a percepo de

    propriedade, a presso do tempo, o efeito de estar chamandoateno dos presentes no evento e o sentimento de rivalidade.

    A primeira delas, a percepo de propriedade, est

    relacionada sensao de que ser o indivduo com o maior

    lance em um leilo o torna vencedor do item em questo,

    mesmo sem t-lo ganho, j que ele pode ser afetado por [...]

    crenas probabilsticas sobre os resultados do leilo. Nos

    leiles, isso se refere ao fenmeno de que o indivduo com

    o maior lance pode perceber um aumento na expectativa

    [subjetiva] de ganhar o leilo12 (ZIMMERMANN, 2011,

    p.7).

    Esta sensao pode ser inuente no aumento dos lances

    e ser afetada por outros efeitos, como a presso do tempo.

    Isto porque, nos leiles, os participantes usualmente tempouco tempo para avaliar a pea e tomar uma deciso sobre

    se dar um novo lance, j que os apostadores so altamente

    estimulados e impossibilitados de pensar claramente, e como

    as decises precisam ser tomadas rapidamente, os apostadores

    continuam apostando13 (KU apud ZIMMERMANN, 2011,

    p.7). Para efeitos de dimenso deste comportamento, de acordo

    com o autor, o tempo estimado do leilo de um item de 5

    minutos, o que aumenta a presso para seu m. Durante estes

    lances, em geral os apostadores acabam achando que esto

    chamando muito mais ateno do pblico do que realmente

    esto. Isto porque os espectadores acabam inuenciando o

    comportamento humano atravs da sua presena no evento.

    (ZIMMERMANN, 2011).

    Podendo ser tanto indivduos que no esto

    participando do leilo quanto apostadores, chamar a ateno

    dos presentes, em combinao com a presso do tempo e

    o desejo por ganhar o item em questo, faz com que umoutro sentimento se desperte: o da rivalidade, que conforme

    levanta Garcia (2013), est relacionado busca pela

    proteo da superioridade individual frente comparao

    social que acontece durante o leilo. Esta competitividade

    inuenciada pelo fato de que, como aponta Wolf (2006),

    os participantes do leilo frequentemente o discutem em

    termos de ganhadores e perdedores. Assim, entrando numa

    espcie de febre do leilo, os apostadores so tomados por

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    Vamos comprar arte! 28

    um sentimento de irracionalidade que os leva a aumentarem

    seus lances (WOLF, 2006).

    Todos estes efeitos acabam repecurtindo em sensaes

    relacionadas aos resultados do leilo. Conforme aponta

    Thompson (2010) em seus estudos, arrependimentos, mgoase desgostos so sentimentos que os leiloeiros entendem e

    exploram (THOMPSON, 2010, p.10), j que os apostadores

    podem se arrepender por perder uma obra de arte que eles

    pensaram que poderiam possuir. Por outro lado, a vitria

    tambm pode trazer decepes. De fato, como aponta o autor,

    a cada oito compradores bem sucedidos, ao menos um deles

    se surpreende com o valor que ter que desembolsar pelo

    item que ganho (THOMPSON, 2010). Como complementa

    o autor,Esta sensao bem familiar s pessoasque adquiriram sua primeira casa e, namanh seguinte, acordaram em pnico:Com quanto me comprometi?. A casade leiles reassegura a realizao dacompra, mesmo se no solicitada. Paratanto, o comprador pode receber umaligao de um especialista da casa deleiles, no dia seguinte, felicitando-lhepela aquisio. O especialista rearma asua sbia aquisio, alm de ressaltar quea obra adquirida estar altura de suas

    expectativas (THOMPSON, 2010, p.15)

    No entanto, este tipo de arrependimento parece pouco comum

    e as casas leiloeiras os consideram de pouca importncia

    (THOMPSON, 2010). Comprar em casas leiloeiras

    prestigiadas tambm minimiza estes efeitos, como explica

    o autor, j que os apostadores levam em considerao a

    reputao e a tradio das marcas na hora da compra, podendo

    dizer que compraram um quadro de Picasso na Christies ou

    um Francis Bacon na Sothebys, por exemplo (THOMPSON,

    2010).

    Mas todas essas implicaes aparecem no leilo

    online tambm? Aps a compreenso da congurao do

    mercado de arte, dos principais intermedirios e agentes destesetor e das particularidades e caractersticas dos leiles, tanto

    no modo como eles acontecem quanto em suas implicaes

    psicolgicas, passamos agora a compreender as caractersticas

    particulares do leilo online, oriundo do surgimento e da

    expanso da internet em todo o mundo.

    3.4 O leilo em pixels

    Apesar de parecer o primeiro modelo de leilo distncia,

    o modelo onlinefoi precedido pelos leiles que aconteciam

    atravs do correio em 1870 nos Estados Unidos, em que os

    apostadores enviavam suas apostas atravs de cartas. Hoje,

    muitos destes leiles deixam de acontecer por este sistema

    analgico e passam a integrar o sistema digital, a partir do

    surgimento da internet, que representou uma inovao to

    disruptiva na sociedade que, para Castells (2003), ela

    considerada fundamental. Em suas palavras,

    A internet o tecido de nossas vidas. Sea tecnologia da informao hoje o quea eletricidade foi na Era Industrial,em nossa poca a Internet poderia serequiparada tanto a uma rede eltricaquanto ao motor eltrico, em razo desua capacidade de distribuir a forada informao por todo o domnioda atividade humana (CASTELLS,2003, p.7).

    9Original: [...] probabilistic beliefs

    about the outcome of a situation.In auctions, this refers to thephenomenon that the current highbidder in an auction may perceive anincrease in the expected [subjective]probability of winning the auction(ZIMMERMANN, 2011, p.7).

    10Original: Bidders are highlyaroused and unable to think clearly,and since decisions need to be madequickly, bidders keep bidding (KUapud ZIMMERMANN, 2011, p.7).

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    Neste sentido, natural que, com atividades econmicas,

    sociais e polticas agora sendo estruturadas na internet, os

    leiles onlinepaream ser um sucesso em vendas, com casas

    internacionais exclusivamente onlinetendo mais de 100% de

    lucro anual e com este mercado somando 1 bilho de dlaresem 2013 (HISCOX, 2015).

    Mas quais as diferenas da dinmica do leilo

    tradicional para o online? Para observ-las, exploramos

    a dinmica de funcionamento das casas leiloeiras

    exclusivamente onlinePaddle8 e The Auction Room, citadas

    ao longo dos estudos da Hiscox (2014 e 2015). A primeira

    delas, a Paddle8, de acordo com o report da Hiscox (2015),

    foi fundada em 2011 e possui escritrios nos Estados Unidos

    e em Londres. Ela se foca no mercado mediano, que possui

    como ticket mdio $1.000 e $100.000 a cada compra e lucrou

    mais de $50 milhes, enquanto o volume de apostadores

    quadruplicou com relao ao ano anterior. A casa realiza

    leiles de arte, peas de design, relgios e joias em leiles

    temticos semanais e leiles benecentes em parceria com

    diferentes instituies, com todas as peas sendo validadas por

    experts e instituies parceiras. A Paddle8 ainda se foca em

    solucionar os problemas dos leiles onlineque preocupam osconsumidores (conforme conhecemos acima) desenvolvendo

    uma plataforma intuitiva e fcil de usar (HISCOX, 2015).

    Seguindo o mesmo princpio de funcionamento da Paddle8

    encontra-se a The Auction Room, fundado em 2013 em

    Londres. A principal vantagem competitiva desta casa

    a oferta de tecnologia atravs de excelentes fotograas e

    apresentaes das obras a serem leiloadas, mais uma vez

    focando em resolver os problemas levantados pelo estudo da

    Hiscox (2014). Assim como a Paddle8, ela tambm se foca no

    mercado mediano e autentica as suas obras com especialistas

    no setor (HISCOX, 2014).

    Participar de um leilo onlineparece relativamente

    mais simples do que um leilo tradicional. Isso porque, emprimeiro lugar, h a eliminao das barreiras geogrcas dos

    leiles tradicionais, permitindo que pessoas de diferentes

    partes do mundo possam participar de qualquer leilo, o que

    gera uma sensao de convenincia (ARIELY e SIMONSON,

    2010). Vaz (2011) complementa sobre este ponto que o

    conceito geogrco no tem mais o mesmo signicado que

    nossos pais e avs costumavam conhecer [...]. Na economia

    digital, as distncias [se] limitaram a um clique (VAZ, 2011,

    p.80). Assim, a internet permitiu que muitos indivduos

    participem de eventos que eles provavelmente perderiam

    se no fosse online, seja por problemas de mobilidade, seja

    por conta dos altos custos que podem estar envolvidos com

    viagens, hospedagens e entradas nos leiles (SYNOVATE,

    2009). Este distanciamento tambm produz um sentimento

    de conforto ao parecer ser bem menos intimidante do que

    frequentar uma casa de leilo fsica, pois como aponta uma

    pesquisa da Hiscox (2014), o mundo da arte frequentemente percebido como exclusivo e inacessvel a novos compradores,

    e 40% dos indivduos sentem que comprar pela internet

    mais confortvel.

    Assim, o consumidor convidado a entrar

    com seu login, que em geral pode ser tanto atravs do

    preenchimen to de um cadas tro quanto atravs de sua

    conta no Facebook. A partir de ento, ele livre para

    explorar os diferentes leiles que esto acontecendo,

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    uma dinmica repetida em todos as casas leiloeiras que

    citaremos adiante neste captulo.

    FIGURA 02 LEILO PADDLE 8

    Fonte: Paddle814

    Na pgina de um item leiloado normalmente constam todas asinformaes acerca do artista e da obra, como as dimenses,

    a descrio, o material usado, o histrico do artista e outras

    obras do mesmo. Mesmo com pequenas variaes entre os

    sites, a dinmica de disposio de informaes dos itens

    leiloados basicamente a mesma. Deste modo, os sites

    permitem aos indivduos encontrarem muito mais facilmente

    dados sobre artistas e obras antes de participarem do evento,

    a possibilidade de poderem encontrar novos artistas de todo o

    mundo e a diversidade de obras, artistas e leiles disponveis

    na internet (HISCOX, 2014). Assim, quando interessados por

    uma obra no consumo tradicional, os indivduos precisam se

    deslocar sicamente at uma loja e encontrar o produto para

    ter acesso a ele, a seu preo e sua descrio. Na internet, estabarreira geogrca praticamente inexiste, pois o consumidor

    est a poucos cliques de distncia de uma innidade de

    produtos, alm de fotos, vdeos e, possivelmente, comentrios

    de outras pessoas que j compraram aquele produto e deram

    sua opinio sobre o mesmo (VAZ, 2011). De fato, conforme

    o estudo da Hiscox, a principal vantagem dos leiles online

    para os seus participantes a possibilidade de encontrar obras

    de arte e artistas que no seriam facilmente encontrados em

    espaos fsicos como as galerias, os museus e as casas de

    leilo (HISCOX, 2014).

    Estas casas online tambm dispem de imagens

    em alta resoluo e zoom expandido, que permitem aos

    indivduos observarem os mnimos detalhes de cada item.

    Isto acontece porque eles em geral se preocupam com as

    diferenas que podem aparecer entre o objeto exposto na

    internet e aquele que receberem em suas casas, o que gera

    dvidas quanto a sua autenticidade, j que os apostadorestem receio de comprar uma pea que seja falsa, seja por

    receio da procedncia da mesma ou por falta de conana

    em uma casa de leilo (HISCOX, 2015). No entanto, como

    aponta o estudo da Hiscox (2014), as casas leiloeiras hoje

    em dia possuem recursos para minimizar estes danos, como

    a publicao de imagens em alta resoluo com zoom extra

    e imagens em 3D para melhor vericao dos detalhes

    da obra, alm de projees em alta realidade para que os

    11Disponvel em https://paddle8.com/work/yoshitomo-nara/77202-dream-ing-in-the-fountain/. Acesso em19/08/2015.

  • 7/24/2019 Isabel Lopes 2015-2

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    indivduos possam projetar as obras na parede de sua casa e

    veric-la (HISCOX, 2015).

    Essas novas tecnologias transformaram o modo

    como os indivduos interagem com os produtos na internet

    e reforam a saturao de imagens e smbolos reetidas porBarbosa (2004) como um meio de incentivo ao consumo

    frente profuso de bens disposio dos indivduos.

    Isto porque, ao passo que no consumo tradicional temos a

    presena fsica dos mesmos, ou seja, em que possvel

    tocar, manusear e experimentar o objeto, na internet estas

    diversas manifestaes visuais, verbais e sonoras que as

    novas tecnologias permitiram desenvolver fazem com que

    os indivduos tenham que car abertos imaginao e criem

    fantasias diversas a respeito dos objetos (BAIRON e KOO,

    2012), como no caso da experimentao de um culos atravs

    de realidade aumentada, em que possvel atravs do recurso

    da cmera de dispositivos mveis como celulares, tablets e

    computadores, projetar a imagem de um culos no rosto do

    indivduo interessado em comprar um novo. Estas discusses

    remetem ao hiperconsumo proposto por Lipovetsky

    (2007), em que as marcas passam a considerar experincias

    afetivas e sensoriais dos consumidores em seus esforos decomunicao, como uma maneira de estimul-los s compras.

    Mas, retornando dinmica dos leiles online, como

    as casas garantem que o indivduo receber seu dinheiro de

    volta caso a obra no seja o que ele esperava? Este um

    dos receios dos apostadores em leiles online de acordo

    com o estudo da Hiscox (2015). Para o instituto, as casas

    leiloeiras devem fornecer um perodo de garantia de 30

    dias para devoluo, o que para 70% das pessoas indica

    um importante fator decisivo na participao de um leilo

    online(HISCOX, 2015).

    Alm da barreira do espao, a barreira do tempo

    tambm dissolvida com os leiles pela internet, que tem

    uma durao atpica aos leiles tradicionais. Ao passo queestes duram apenas um dia, os leiles onlinepodem durar

    uma semana inteira e esto disponveis 24 horas por dia

    (BECHERER, 2004), permitindo lances assncronos e dando

    aos apostadores um tempo maior para reetir sobre seus

    atos (ARIELY e SIMONSON, 2010). Mesmo assim, como

    acrescenta Ockenfels (2002), muitos lances de ltima hora

    acontecem nestes eventos e cerca de 86% dos participantes

    deste tipo de leilo j foram vtimas de problemas de conexo,

    o que os levou perda do item.

    Neste sentido, ao longo do leilo onlineo apostador

    pode enfrentar os mesmos sentimentos de um leilo

    tradicional, como a possessividade por um item, a ansiedade

    da competio frente a presena de outros indivduos e a

    excitao em aumentar seus lances para vencer (ARIELY e

    SIMONSON, 2003). No entanto, os leiles onlineguardam

    uma maior liberdade do indivduo em escolher se este deseja

    ou no entrar em um determinado leilo, podendo explorardiferentes itens e realizar diversas pesquisas antes tomar a

    deciso de realizar um lance, algo que no acontece nos leiles

    tradicionais, em que os consumidores so levados a tomar

    decises rpidas e possuem informaes advindas somente

    dos catlogos do evento (ARIELY e SIMONON, 2003).

    Toda essa profuso de atividades realizadas na internet

    para a compra de obras de arte por leilo contribui para o

    uxo constante e exponencial de informaes que circulam

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    Vamos comprar arte! 32

    por todo o mundo em instantes (BAIRON e KOO, 2012),

    uma caracterstica inerente da sociedade lquida proposta

    por Bauman (2005), em que as informaes trafegam rpido

    pela sociedade e se dissipam na mesma velocidade com

    que vieram. Lemos (2002) exemplica essa crescente deinformaes explicando como ela afeta o modo de interao

    dos indivduos com a internet:

    No navegamos a rede como assistimosTV, ouvimos rdio ou lemos jornaise revistas. Ligar a TV ver televiso,ligar o rdio ouvir emisses, mas e ainternet? No sabemos o que o internautaest fazendo: ele pode estar em um chatcom algum do Sri Lanka, navegandoum site americano, lendo um jornal

    russo, ouvindo uma rdio francesa e tudoao mesmo tempo. Nas mdias de massaexiste um foco sensorial privilegiado[...] sendo o uxo da informaounidirecional. No ciberespeao no. Estepossibilita a simultaneidade sensorial eo uxo bidirecional da informao [...]alm da interatividade. Talvez McLuhanestivesse certo: entramos na era daretribalizao do mundo (LEMOS, 2002,p.123)

    Deste modo, conseguimos entender como a viso de Lemosse aplica ao consumo de arte por leiles online, diante das

    diferentes dinmicas que se consolidam em torno desta

    atividade para torn-la uma facilidade aos colecionadores

    interessados.

    TABELA 01 Semelhanas e diferenas entre os leiles

    ofinee online

    OFFLINE ONLINE

    LocalizaoEspaos fsicos das casasleiloeiras

    Websitesna internet

    Durao Um dia De um dia a uma semana

    Disponibilidade de informao Catlogos e eventos pr leiloDisponveis no site da casaleiloeira ou atravs de sitesde busca como o Google

    Presso do tempo AltaAlta somente no nal doperodo do leilo

    Autenticidade da obra

    Participantes podem vericar

    as obras pessoalmente duranteo leilo ou em eventos prleilo

    Participantes podem usarrecursos onlinecomo fotos

    em alta resoluo e em3D, alm de projees emrealidade aumentada

    Possessividade com o itemleiloado

    Presente

    Sentimento dearrependimento

    Presente

    Sentimento de estarchamando ateno do pblicoem demasia

    Presente

    No presente por conta dousual anonimato possvelpelas casas leiloeirasexclusivamente online

    No quadro acima traamos as principais diferenas entre os

    leiles tradicionais e os exclusivamente online, com base

    na viso dos autores Ariely e Simonson (2003), Thompson

    (2010) e Zimmermann (2011), alm dos estudos da Hiscox

    (2014;2015). Nele, organizamos os principais pontos

    compreendidos ao longo deste captulo de uma maneira que

    nos permite visualmente perceber as particularidades de cada

    modalidade de leilo.

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    Vamos comprar arte! 33

    Deste modo, entendemos que, ao passo que em ambas

    as modalidades os indivduos enfrentam a posessividade com

    o item leiloado e um possvel sentimento de arrependimento

    da vitria ou da perda do mesmo, os leiles onlineromperam

    as barreiras de espao e tempo dos leiles tradicionais epossuem dinmicas diferentes com relao disponibilidade

    de informaes sobre artistas e obras leiloadas, presso do

    tempo ao longo do leilo, aos mecanismos de vericao da

    autenticidade de uma obra e ao sentimento dos indivduos de

    estarem chamando ateno do pblico em demasia. neste

    sentido que temos consolidadas as bases para a realizao da

    terceira etapa deste projeto, onde vericaremos os diferentes

    pontos levantados ao longo desta discusso atravs de uma

    pesquisa qualitativa com diversos colecionadores de obras

    que consomem em leiles exclusivamente online.

    3.5 Sntese do captulo

    Ao longo deste captulo compreendemos a diviso do

    mercado da arte entre o primrio e o secundrio. Entendemos

    as caractersticas dos principais agentes e intermedirios deste

    setor, como os crticos, os colecionadores, as galerias de arte eas casas de leilo, nas quais nos aprofundamos em discutir as

    suas caractersticas e a dinmica de funcionamento dos seus

    eventos, alm de conhecer as principais implicaes do leilo

    na psicologia do consumidor. A partir de ento passamos a

    compreender os leiles online e suas principais diferenas

    frente o leilo fsico, principalmente nos termos de sua

    dinmica. Por m, conhecemos as principais casas de leilo

    exclusivamente onlineinternacionais e nacionais, validando

    a preocupao destas em solucionar os problemas que os

    estudos recorrentes da Hiscox (2014 e 2015) apontaram como

    interferncias na compra de obras de arte nas plataformas

    digitais, como a falta de informao, o receio em receber

    obars diferentes do esperado, a preocupao com o transportee com a devoluo das obras. Deste modo, temos as bases

    para compreender em maior profundidade os impactos do

    surgimento da internet nos leiles de arte onlineatravs de

    uma pesquisa qualitativa com colecionadores deste setor.

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    4.1 Introduo ao captulo4.2 Metodologia de pesquisa4.3 Anlise dos resultados4.3.1 O consumo de arte4.3.2 A compra de arte pela internet4.4. Sntese do captulo

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    Okei,a internet chegou, mas o que mudou? 35

    4.1 Introduo ao captulo

    Em seu livro Metodologia do trabalho cientco (2010),

    Severino explica que a cincia se constitui da aplicao de

    diferentes tcnicas e mtodos de investigao, tanto sobrea natureza quanto sobre os prprios indivduos. Neste

    captulo, compreender a inuncia do surgimento da internet

    no processo de compra de obras de arte por leilo para os

    consumidores atravs de 5 entrevistas em profundidade e

    uma pesquisa quantitativa com 30 consumidores de arte por

    leilo online

    4.2 Metodologia de pesquisa

    Com o objetivo de compreender a inuncia do

    surgimento da internet no processo de compra de obras de

    arte por leilo para os consumidores, esta pesquisa ser

    dividida em duas etapas. A primeira delas a realizao de 5

    entrevistas em profundidade, com indivduos que compram

    ou j compraram obras de arte por leilo online, selecionados

    aleatoriamente atravs da rede social Facebook em grupos

    especializados em compartilhar conhecimentos e obras de

    arte. A tcnica em questo vale-se de uma interao entre

    pesquisadores e pesquisado, visando [...] apreender o que os

    sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam

    (SEVERINO, 2007, p.124) e, conforme Lima (2008)

    complementa, podem averiguar fatos, identicar a opinio de

    diferentes pessoas sobre um assunto, identicar e interpretar

    a ao de pessoas em diferentes aspectos.

    Esta entrevista ser do tipo focalizada, que, nas

    palavras de Manolita Lima (2008), se prope a explorar um

    tema bem denido e delimitado. Conforme ela complementa,

    O contato se expressa livremente

    sobre o assunto investigado, embora,quando eventualmente divaga ouse desvia dos aspectos trata- dos, oentrevistador possa interferir sobre ocurso da comunicao na tentativa deres- gatar o objeto da discusso. Naprtica, observa-se a existncia de umroteiro oculto, previamente construdo,em que o pesquisador tem o cuidado deenumerar os tpicos relevantes sobreo tema/problema tratados e, em funodos objetivos da pesquisa e do domniosobre o assunto revelado pelo contato,o pesquisador vai formulando ao longoda entrevista as questes que julgarrelevantes e pertinentes (LIMA, 2008,p.119)

    Neste sentido, trabalharemos com um roteiro pr-denido

    que orientar as discusses com os entrevistados, explorando

    a fundo a compra de obras de arte por leiles online. Estas

    entrevistas foram realizadas entre os dias 18 de Setembro

    e 24 de Setembro, atravs do meio online em conversas

    pelo Facebook, por conta do distanciamento fsico dos

    respondentes que mais consomem arte em leiles online.

    A partir deste estudo, conseguimos obter uma

    viso aprofundada do impacto da internet no consumo, no

    consumo de arte e nos leiles online, alm de conhecermos as

    principais vantagens e desvantagens deste modelo de compra

    e as mudanas deste para o leilo presencial. A segunda parte

    desta pesquisa compe-se da realizao de uma pesquisa

    quantitativa, orientada pelo raciocnio hipottico-dedutivo,

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    Okei,a internet chegou, mas o que mudou? 36

    priorizando informaes que podem ser quanticadas,

    coletadas e processadas com recursos estatsticos (LIMA,

    2008). Realizaremos este quest