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Escola Superior de Propaganda e MarketingPublicidade e Propanganda2015/2
Isabel Vieira Lopes
A influncia do surgimento da internetna compra de obras de arte por leilo
O tubaro de 12 mil pixels
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LOPES, Isabel Vieira. O tubaro de 12 mil pixels:a influncia do surgimento da internet na compra de obras de arte por leilo.
So Paulo: Escola Superior de Propaganda e Marketing, 2015, 79 pginas
Este trabalho tem por objeto de estudo as casas leiloeiras que comercializam obras de arte pela internet. A questo que
nortear a discusso : qual a a influncia do surgimento da internet no processo de compra de obras de arte por leilo para
os consumidores? Com o objetivo de responder essa problemtica, esse estudo se utilizar de uma pesquisa bibliogrfica
com um referencial terico formado por Lipovetsky (2007 e 2015), Barbosa (2004) e Benjamin (2012) para entender a
evoluo da sociedade de consumo e o consumo esttico na contemporaneidade, e Thompson (2010 e 2012), Benhamou-
Huet (2008) e Lamour (2014) para compreender como funcionam os mercados de arte fsico e online, principalmente os
leiles pela internet. Ainda, foi realizada uma pesquisa quantitativa e entrevistas com cinco consumidores e um questionrio
quantitativo com trinta indivduos que compram arte em leiles online o consumo de arte, buscando extrair informaes
sobre os pontos levantados durante o projeto para possibilitar uma concluso consistente sobre o assunto deste estudo.
Consumo; mercado de arte; plataformas digitais; sociedade contempornea.
RESUMO
PALAVRAS-CHAVE:
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Lista://de figuras/
Figura 01 Evoluo de preo do merccado global de Fine Art 7
Figura 02 Leilo Paddle8 30
Lista://de tabelas/
Tabela 01 Diferenas entre os leiles online e offline 32
Tabela 02 Aspectos da compra de obras de arte online 41
Lista://de grficos/
Grfico 01 Motivaes para a compra de arte 37
Grfico 02 - Preferncia por experincia de compra 40
Grfico 03 - Vantagens da compra de obra de arte pela internet 42
Grfico 04 - Desvantagens da compra de obra de arte pela internet 43
Grfico 05 - Impactos do surgimento da internet na compra 46
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1 O PROJETO1.1 Contextualizao1.2 Objeto de estudo1.3 Problema1.4 Objetivos1.5 Objetivos especficos1.6 Metodologia1.7 Referencial terico
6-11 12-21
2 COMO O CONSUMOCHEGOU ONDE ESTAMOS
2.1 Introduo ao captulo2.2 Senta que l vem histria:
a evoluo do consumo2.3 O consumo esttico de hoje2.5 Sntese do captulo
22-33
3 VAMOS COMPRAR ARTE!
3.1 Introduo ao captulo3.2 Organizando o mercado3.3 As casas leiloeiras3.3 O leilo em pixels3.5 Sntese do captulo
34-47
4 OKEI, A INTERNET CHEGOU,MAS O QUE MUDOU?
4.1 Introduo ao captulo4.2 Metodologia de pesquisa4.3 Anlise dos resultados4.3.1 O consumo de arte4.3.2 A compra de arte pela internet
4.4. Sntese do captulo
48-51
5 FIM DE LEILO: ASCONSIDERAES FINAIS
6 ANEXOS
6.1 Questionrio guia de entrevistaem profundidade
6.2 Questionrio quantitativo6.3 Questionrio dos respondentes6.3.1 Entrevistado 01 Fbio
6.3.2 Entrevistado 02 Joo6.3.3 Entrevistado 03 Bruno6.3.4 Entrevistado 04 Adriano6.3.5 Entrevistado 05 Maurcio6.4 Resultado dos questionrios
quantitativos
52-73 74-79
7 BIBLIOGRAFIA
7.1 Livros7.2 Artigos
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Ao orientador e colega Caio Marchi, pelo rigor e
companheirismo
A todos os professores, que me ensinaram a raciocinar e
refletir o universo, e que me inspiram a seguir a belssimacarreira acadmica
Aos colegas e amigos, por darem leveza vida
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1.1 Contextualizao1.2 Objeto de estudo1.3 Problema1.4 Objetivos1.5 Objetivos especficos1.6 Metodologia1.7 Referencial terico
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7Introduo
1. INTRODUO
1.1 Contextualizao
vlido para o incio deste projeto explicar a relevncia
do estudo do mercado de arte. Isto porque, conforme aponta
Severino, inicia-se o projeto com uma apresentao onde
se expor sinteticamente [...] qual foi a gnese do problema
(SEVERINO, 2007.p.130). Deste modo, em um primeiro
momento falaremos sobre o mercado da arte e, em seguida,
falaremos sobre as vendas onlinedeste setor.
Explicar a importncia do estudo do mercado da arte
signica entender a sua histria. Isto porque sempre houve
um mercado para a arte, desde a venda de imagens de deuses
para a Grcia Antiga at os dias de hoje (BOLL, 2011). Nesta
poca mais antiga, a arte no era uma propriedade privada
e sim uma ferramenta dos deuses, que se manifestavam sob
a forma de templos, esculturas e altares. Mesmo com esta
importncia religiosa, no entanto, j haviam alguns poucos
colecionadores polticos, como reis egpcios. Este cenrio, deacordo com o autor, comeou a mudar apenas aps a ascenso
de Roma ao poder, quando na era imperial era importante que
todo indivduo educado e rico tivesse uma coleo de arte
em casa. Essa produo somente acelerou com a queda do
imprio romano e a ascenso da Igreja no poder, mas ainda
sim nesta poca a [...] produo artstica era to inuenciada
por ela que era difcil dizer que havia um mercado mercado
de arte1(BOLL, 2011, p.14).
Neste sentido, foi com o incio dos questionamentos
sobre a Igreja que os artistas gradualmente foram se separando
dela e um incipiente mercado comeava a se formar a partir
do sculo XV, quando surgiram os primeiros leiles sob o
controle do Estado, principalmente na Frana e depois na
Holanda, e quando as obras de arte eram adquiridas tambm
por meio de agentes e negociantes. Estes leiles cresceram
rapidamente ao redor da Europa, principalmente aps o
surgimento das duas maiores casas leiloeiras da poca e at os
dias de hoje: Sothebys em 1744 e Christies em 1766, ambas
em Londres (BOLL, 2011).
FIGURA 01 Evoluo de preo do mercado global de
Fine art (1761-2004)
Fonte: BERNHARD apud RESCH, 2011
1Original: [...] the production of artwas so heavily inuenced by theChurch that it would be difcult tosay that there was an art market(BOLL, 2011, p.14)
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8Introduo
O restante da evoluo do mercado da arte pode ser
melhor observado com o grco da gura 01, proposto pelo
pesquisador Bernhard e focado no estudo de Fine Art, isto, toda a arte feita unicamente pelo seu valor esttico e sem
utilidade prtica. O grco dividido em quatro perodos,
dos quais o primeiro se estabelece entre 1761 e 1840, onde
o movimento de expanso do mercado lateral por conta da
forte inuncia do Estado e da Igreja (RESCH, 2011), que
manteve o volume de obras estvel.
De acordo com o autor, este cenrio passa a mudar
de 1840 at a Primeira Guerra Mundial, quando houve um
aumento do valor de arte atravs da ascenso da classe mdia,
que comeou a se interessar pela coleo artstica. Neste
momento comeavam a surgir no mercado um maior nmero
de colecionadores e negociantes, interessados na compra e
venda de obras de arte.
Essa ascenso, no entanto, sofreu uma queda entre
1840 e a Segunda Guerra Mundial, devido aos resultados da
Primeira Guerra Mundial, inao e s crises econmicas
que surgiram dela e abalaram a economia. Este perodo dequeda do mercado se encerra em 1950 e a partir de ento o
mercado volta gradualmente a crescer, com a globalizao e
com o reaquecimento da economia, ascenso que permanece
constante at os dias de hoje.
Estas vendas vieram majoritariamente dos leiles
de arte, que em 2013 j representavam 47% do mercado,
impulsionados por uma alta dos preos e pelo desenvolvimento
do mercado chins (TEFAF, 2014). Nesse mesmo ano,
as vendas online de arte em 2013 chegaram a somar 2.5
bilhes, com uma estimativa de que at 2020 este mercado
possa somar at 10 bilhes (TEFAF, 2014).Neste sentido, notando o potencial crescimento
da venda de arte online, vlido evidenciarmos algumas
vantagens da sua venda, que de acordo com uma pesquisa
do instituto Hiscox (2004), so a possibilidade encontrar
novas obras com mais facilidade, a diversidade de material
encontrado online e o ambiente menos intimidador para
compra, j que podendo encontrar o que precisam com
facilidade e sem se sentirem intimidados com o ambiente das
galerias, 65% dos compradores de arte acabam se declarando
extremamente satisfeitos com suas compras e 45% dos que
ainda no zeram uma compra onlinedisseram que no futuro
o fariam (HISCOX, 2014).
Assim, considerando todos os dados anteriormente
citados e analisados, possvel reconhecer a crescente
importncia do mercado da arte na economia global,
destacando uma grande oportunidade para o mercado online,
cujas vendas e reputao esto aumentando cada vez mais. inegvel que, na busca pelo melhor modelo de negcio, e
considerando o grande alcance e inuncia que o digital tem
na vida das pessoas, as galerias vo continuar explorando as
plataformas digitais, tornando o mercado onlineum pertinente
tema de anlise e estudo.
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9Introduo
1.2 Objeto de estudo
Conforme sugere Severino, procura-se nestemomento [...] delimitar, circunscrever o tema-problema
(SEVERINO, 2007, p.130). O objeto de estudo deste projeto
o leilo de arte online, a principal forma de venda de arte
(em questo de rentabilidade e reputao) at hoje. Unindo
um potencial grupo de compradores em um mesmo tempo e
espao, os leiles so eventos responsveis pelos repetidos
recordes de preo alcanados neste mercado. As principais
casas leiloeiras, de acordo com Boll (2011), so a Christies
e a Sothebys, lderes de mercado responsveis por dois
teros das obras vendidas em todo o mundo. Ambas possuem
plataformas de vendas de leilo online, e junto a outras casas
exclusivamente online, como a Paddle8 e a The Auction
Room, suas vendas esto projetadas a chegar em 10 bilhes
at 2020.
1.2 Problema
Conforme sugere Severino, este tpico fundamental
para expor de maneira tcnica e objetiva como o tema est
problematizado, de modo a obter [...] uma ideia muito
clara do problema a ser resolvido (SEVERINO, 2007,
p.131). Apesar do mercado da arte primeira vista parecer
rigorosamente tradicional, podemos perceber que ele vem se
abrindo gradualmente para o meio online, no s em termos
de vendas como tambm de propagao do conhecimento
sobre esta esfera percebida pelo pblico leigo como de alta
complexidade. Am de compreender como a esfera digital
inuencia um mercado originalmente to tradicional, nosquestionamos qual a inuncia do surgimento da internet
no processo de compra de obras de arte por leilo para os
consumidores?
1.3 Objetivo geral
A delimitao dos objetivos de pesquisa importante
para demonstrar quais so [...] os resultados que precisam
ser alcanados para que se construa toda a demonstrao
(SEVERINO, 2007, p.130), entendendo por demonstrao
o problema anteriormente denido. O principal objetivo de
pesquisa, nesse sentido, analisar qual a a inuncia do
surgimento da internet no processo de compra de obras de
arte por leilo para os consumidores.
1.4 Objetivos especfcos
Aps a denio do objetivo principal da pesquisa,
torna-se importante denir os [...] objetivos intrnsecos da
pesquisa, pertinentes ao tema e vinculados ao desenvolvimento
do raciocnio (SEVERINO, 2007, p.131). So eles:
1. Entender a evoluo da sociedade de consumo e o
consumo esttico na contemporaneidade
2. Compreender como funcionam os mercados de arte
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10Introduo
fsico e online, principalmente os leiles pela internet
3. Compreender a inuncia do surgimento da internet no
processo de compra de obras de arte por leilo para osconsumidores atravs de entrevistas em profundidade
e uma pesquisa quantitativa com consumidores de
arte por leilo online
1.5 Metodologia
Nesta etapa, conforme sugere Severino, [...] devem ser
anunciadas as fontes (empricas, documentais, bibliogrcas)
com que o pesquisador conta para a realizao da pesquisa
e os procedimentos metodolgicos e tcnicos que usar
(SEVERINO, 2007, p.131). A metodologia deste trabalho
parte de uma pesquisa sobre a sociedade de consumo e da
dinmica do mercado da arte atravs de pesquisa bibliogrca,
quantitativa e qualitativa, visando [...] apreender o que os
sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam
(SEVERINO, 2007, p.124), atravs de um roteiro pr-denido
com questes que orientem as discusses e visem levantarinformaes que podem ser quanticadas e processadas com
recursos estatsticos (LIMA, 2008).
Para Severino (2007), a pesquisa bibliogrca [...]
aquela que se realiza a partir do registro disponvel, decorrente
de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como
livros, artigos, teses etc (SEVERINO, 2007, p.122). Esta
uma metodologia importante para a sustentao terica
do trabalho, pois permite o contato com diferentes estudos
analticos. Neste sentido, para este estudo, a seleo de autores
foi feita com base nos diferentes temas a serem estudados.
Dentre outros autores, foram utilizados para a primeira etapadeste trabalho os autores Zygmunt Bauman, Lvia Barbosa e
Gilles Lipovetsky, que analisam a sociedade contempornea.
J na segunda parte deste projeto, onde analisamos como
funcionam os mercados de arte fsico e online, com foco nos
leiles de arte, utilizamos como autores os pesquisadores
Don Thompson, Xavier Greffe e Catherine Lamour, alm de
diferentes teses e artigos sobre o assunto.
Na terceira etapa deste estudo sero realizadas cinco
entrevistas em profundidade com compradores de obras de
arte por leilo onlineno Brasil e uma pesquisa quantitativa
com o mesmo pblico, onde levantaremos e analisaremos
com 30 respondentes os aspectos positivos e negativos desta
plataforma, a inteno de compra pela internet, as diferenas
que existem entre o leilo presencial e onlinee outros pontos
que foram compreendidos e analisados ao longo deste
projeto, a m de validar o impacto do surgimento da internet
na compra de obras de arte por leilo online.
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11Introduo
1.7 Referencial terico
BARBOSA, Lvia; CAMPBELL, Colin (orgs). Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: FGV, 2006
BARBOSA, Lvia. Sociedade de consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Lquida. So Paulo: Zahar, 2012
LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal.So Paulo: Companhia das Letras, 2007.
LAMOUR, Catherine. Grandes e pequenos segredos do mundo da arte. So Paulo: Tinta negra, 2014
THOMPSON, Don. O tubaro de 12 milhes de dlares. So Paulo: Bel Comunicao, 2012
GREFFE, Xavier. Arte e mercado. So Paulo: Iluminuras, 2013
BOLL, Dirk. Art for sale.New York: Hatje Cantz, 2011
LEHDONVIRTA, Vili. Virtual consumption. Finland, 2009
LOMBARDI, Monica. Social media and contemporary art market. Italia, 2009
THOMPSON, RJ. The changing art market in the digital age. Warren, 2014
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2.1 Introduo ao captulo2.2 Senta que l vem histria: a evoluo do consumo2.3 O consumo esttico de hoje2.5 Sntese do captulo
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Como o consumo chegou onde estamos 13
1.1 Introduo ao captulo
O presente captulo tem por objetivo entender a evoluo
da sociedade de consumo e o consumo esttico na
contemporaneidade. Para tanto, com base em uma pesquisabibliogrca que contemplar diferentes autores, este captulo
ser dividido em dois momentos de reexo, com o objetivo
de facilitar a compreenso dos temas discutidos ao longo
deste projeto. So eles: a sociedade de consumo e o consumo
esttico. Os principais autores utilizados para se aprofundar
no estudo da sociedade contempornea so Bauman (2005),
Lipovetsky (2007 e 2015), Barbosa (2004), e Benjamin
(2012).
2.2 Senta que l vem histria: as transformaes do
consumo
Para compreendermos os impactos de uma
transformao nas dinmicas de consumo, parece importante
em primeiro lugar conhecermos as diferentes fases que esta
sociedade de consumo passou ao longo de sua histria para
entendermos a sua evoluo ao longo do tempo. De acordocom Barbosa (2004), esta sociedade de consumo surgiu a
partir do revisionismo sobre a Revoluo Industrial, ocorrida
na segunda metade do sculo XVIII na Inglaterra. Com a
consolidao do sistema fabril, da urbanizao, do grande
desenvolvimento tecnolgico e com a substituio da fora
de trabalho humana por mquinas para agilizar a produo
e diminuir o custo das mercadorias, o indivduo neste
perodo observou a intensicao da demanda de consumo
e a substituio das produes artesanais pela produo em
srie de carros, sabonetes e vrios outros bens de consumo.
De acordo com Campbell (2011), essa revoluo tambm
foi responsvel por trazer novos signicados e novas formas
para a produo de bens, como a produo em massa e ovalor simblico dos bens de consumo. Esta nova forma de
consumir, para Barbosa (2004), substituiu gradualmente um
consumo meramente familiar para se tornar um consumo mais
individual, j que at ento as famlias eram responsveis
pela produo do que consumiam e todo o estilo de vida
desses diferentes grupos eram regulados pelas leis sunturias,
que separavam por segmentos sociais o que cada um deveria
consumir. Para a autora,
Essa relao de dependncia entre statuse estilo de vida e de independncia emrelao renda inteiramente rompida nasociedade contempornea individualistae de mercado. Nesta, a noo deliberdade de escolha e autonomia nadeciso de como queremos viver e, maisainda, a ausncia de instituies e decdigos sociais e morais com sucientepoder para escolherem por e para ns sofundamentais (BARBOSA, 2011, p.21).
Deste modo, Barbosa nos mostra como a sociedade
mudou com a Revoluo Industrial, passando de uma sociedade
marcada por um estilo de vida constitudo de diferentes regras
de comportamento para uma maior autonomia e liberdade de
escolha de como cada sujeito quer viver. Assim, aos poucos,
a produo de mercadorias em srie e a busca por novas
formas de aquecer a demanda naturalmente zeram com que
o capitalismo se expandisse, e nem a renda e a posio social
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Como o consumo chegou onde estamos 14
pareciam ser uma barreira slida para o consumo, j que
neste momento no h mais uma pirmide social em que os
consumidores em sua base se inspiravam no topo da cadeia,
mas sim uma multiplicidade de grupos sociais, em que a
inspirao est por todos os lados (BARBOSA, 2004)Mas como podemos compreender melhor a
evoluo deste consumo? Lipovetsky (2007) prope um
aprofundamento deste assunto ao analisar a transformao
da sociedade de consumo atravs de quatro fases, que
investigaremos neste momento em mais profundidade. A
primeira delas, que comea no nal dos anos 1880 e vai at o
incio da Segunda Guerra Mundial, marcada pelo momento
em que pequenos mercados locais deram lugar a grandes
mercados nacionais, possveis dentre outras inovaes, pelas
estradas de ferro, o telefone e o telgrafo, que colaboraram
para o aumento da produo, da distribuio e do comrcio de
diferentes bens de consumo, que foram se espalhando pelas
cidades e pelas diferentes camadas sociais. Essa produo
era to expressiva que Lipovetsky (2007) traz diferentes
nmeros para comprov-la, como o fato de que, diariamente,
uma nica mquina nos Estados Unidos, ao nal de 1880, era
capaz de produzir 120 mil cigarros, 2 milhes de caixas defsforo mais de 220 mil sabonetes.
Mesmo assim, no bastou uma profuso de produtos
circulando pelo mercado para serem construdas as bases
do consumo massicado. Lipovetsky (2007) explica que o
capitalismo de consumo tambm faz parte de uma construo
social e cultural, atravs no s da busca pela margem de
lucro nos produtos comercializados como tambm pelo
estabelecimento de estratgias de propaganda e marketing,
j que de acordo com o autor, at 1880 os produtos ainda
eram annimos e as marcas nacionais pouco numerosas.
Assim, para rentabilizar seus produtos e aumentar o uxo de
produo, essas novas indstrias como a Procter&Gamble,
a Kodak e a Coca-Cola comearam a fazer cada vez maispublicidade em torno de suas marcas, investindo mais de um
milho de dlares nesta nalidade.
Esse aparecimento e crescimento das marcas atravs
da publicidade transformou a relao do consumidor com
os varejistas da poca, pois os sujeitos passaram a se tornar
cada vez mais independentes dos comerciantes e a julgar
os produtos por suas marcas e no apenas nas palavras
dos vendedores (LIPOVETSKY, 2007). Nesta poca, de
acordo com as palavras complementares de Semprini, elas
[as marcas] s tem que cumprir funes relativamente
simples. Elas nomeiam, elas identicam, elas diferenciam
(SEMPRINI, 2006, p.27).
Essa incipincia do surgimento das marcas mudou
aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, quando elevou-
se a produo industrial e deu-se incio segunda fase do
consumo, marcada em 1950 por um grande crescimento
econmico e pela produtividade do trabalho. Lipovetsky(2007) denomina esta fase como a de consumo de massa ou da
abundncia, j que nesta poca o consumo aumentava cerca
de 10,3% ao ano em volume (BENJAMIN, 2012) e atingia
todas as classes sociais. Ainda segundo Lipovetsky (2007),
H algo mais na sociedade de consumoalm da rpida elevao do nvel de vidamdio: a ambincia de estimulao dosdesejos, a euforia publicitria, a imagemluxuriante das frias, a sexualizao
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Como o consumo chegou onde estamos 15
dos signos e dos corpos. Eis um tipo desociedade que substitui a coero pelaseduo, o dever pelo hedonismo, apoupana pelo dispndio, a solenidadepelo humor, o recalque pela liberao, aspromessas do futuro pelo presente. [...] todaa cotidianidade impregnada de imaginrio
de felicidade consumidora, de sonhosde praia, de ludismo ertico, de modasostensivamente jovens (LIPOVETSKY,2007, p.35).
nesta poca, ainda, que as primeiras discusses
sobre reduzir o ciclo de vida dos produtos comercializados
surgem para tir-los de moda rapidamente e substitu-
los por outros para manter a produo tona. No a toa
que Benjamin (2012) aponta que neste perodo a produo
fordista2 se acirrou e os modos de produo padronizados e
repetitivos se ampliaram para manter o uxo de fabricao
constante, criando em grande escala o que Lipovetsky (2007)
chama de [...] a vontade crnica dos bens mercantis, o vrus
da compra, a paixo pelo novo, um modo de vida centrado
nos valores materialistas (LIPOVETSKY, 2007, p.36), e o
consumo atrelado aos desejos ajudou a construir a viso de
que os objetos eram capazes de impressionar e serem fontes
de prestgio. Veblen acrescenta discusso a sua viso sobrecomo o consumo visto como uma atividade carregada de
signicado, voltando-se para a armao da vinculao a
um grupo e, ao mesmo tempo, ao desejo de ascenso social
(VEBLEN apud GUERRA, 2011, p.24). Para ele, algumas
pessoas vo se submeter a um nvel considervel de privao
em termos de conforto ou necessidades bsicas da vida para
conseguir consumir em exagero3(VEBLEN apud GUERRA,
2011, p.32), como a privao de algumas refeies para a
compra de uma pea de roupa ou do endividamento atravs
da compra crdito de algum bem de consumo.
Assim, com essa crescente oferta de produtos, a
indstria comeou a precisar educar as pessoas para incentiv-
las ao consumo, passando a associar seus produtos comdiferentes imagens de sonho e de desejos (BARBOSA, 2004).
Com seu uso cada vez mais saturado, o consumo pouco a
pouco passou a ser central na sociedade. Polon (2012) explica
esse fato ao armar que a alta demanda produtiva modicou
o modo como o consumo interage com o modo de vida das
pessoas (LEBOW apud POLON, 2011). Em suas palavras,
A economia altamente produtiva necessita
que faamos do consumo o nosso modo devida; que convertamos a compra e uso deprodutos em rituais; que busquemos nossasatisfao espiritual, a satisfao de nossoego no consumo. Ns precisamos que ascoisas sejam consumidas, queimadas,atualizadas e descartadas a uma taxasempre cada vez maior (LEBOW apudPOLON, 2011 p.4)
Neste sentido, o autor explica como o consumo virou
um ritual em busca da satisfao do nosso ego, pois com a
diversidade crescente de mercadorias, os indivduos passama ser inseridos na sociedade com base no que consomem e o
capitalismo acaba impulsionando o consumo como meio de
diferenciao social, que nos mostra como o desenvolvimento
das esferas urbanas e industriais criam uma camada social
cada vez mais numerosa e sedenta pelo consumo, que passa a
se massicar e a se generalizar (SOMBART apud GUERRA,
2011).
2O fordismo um modelo deorganizao do trabalho humanoorganizado por Henry Ford que fezsaltar o lucro do mercado norte-americano de 2 para 250 milhesde dlares atravs da produo emmassa, da criao de uma linha demontagens e da automatizao dasfbricas (SANTOS, 2009).
3Original: "People will undergo a
very considerable degree of privationin the comforts or the necessaries oflife in order to afford [] wastefulconsumption"
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Como o consumo chegou onde estamos 16
A fase que se segue uma continuao deste consumo
marcado pelo desejo: o hiperconsumo, que se inicia em
1975 e segue at o nal do sculo XIX. Marcada pela [...]
mercantilizao moderna das necessidades e orquestrada
por uma lgica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional(LIPOVETSKY, 2007, p.41), esta fase engloba o consumo
com vistas satisfao emocional, corporal, sensorial e
esttica, com os bens de consumo tendo um papel fundamental
na liberdade, na vivncia de experincias e na qualidade de
vida individual. Neste perodo, as marcas deixam de fazer
publicidade atrelada somente s funcionalidades dos seus
produtos e passam a considerar as experincias afetivas
e sensoriais de cada indivduo. De acordo com o autor,
a sociedade deixa, neste momento, de comprar produtos
padronizados e o consumo passa a se diferenciar de acordo
com idade, gostos e identidades culturais singulares para
valorizar a diferena, a experincia e o individualismo.
Converge neste sentido a armao de Barbosa
(2004) de que nesta poca a publicidade deixa de falar apenas
dos benefcios funcionais do produto e surgem anncios
que, para Barbosa, falam sobre sonhos, aventuras, amizades
e romances, j que a imagem criativa das marcas quefaz a diferena na compra, fazendo com que elas precisem
convencer seus pblicos de que [...] seus produtos so
aqueles que melhor material lhes do para os seus daydreams
(BARBOSA, 2004, p.55). Lipovetsky (2007), traz como
exemplo para ilustrar este momento um adolescente que
pauta suas escolhas na vontade de diferenciar-se de seus pais,
armando gostos e preferncias que denem o seu estilo. Este
exemplo nos mostra como a compra de uma marca vivida
como a expresso de uma identidade e como, exibida essa
marca em pblico, os indivduos reconhecem nela uma parte
de sua personalidade, marcando o hiperconsumo como uma
fase em busca da individualidade e do consumo pela imagem
da marca.Esta busca pela individualidade de maneira exacerbada
e o aumento exponencial do consumo de diferentes bens se
relacionam com o que o socilogo polons Zygmunt Bauman
chama de sociedade lquida, aquela em que
[...] as condies sob as quais agem seusmembros mudam num tempo mais curto doque aquele necessrio para a consolidaodos hbitos e rotinas, das formas de agir. Avida lquida, assim como a sociedade, nopodem manter a forma ou permanecer emseu curso por muito tempo (BAUMAN,2005, p.7).
O cerne da discusso do socilogo que a sociedade de
consumo passa a vender a satisfao de desejos que nunca
sero totalmente supridos, pois o constante surgimento de
novos bens de consumo renovam os desejos do consumidor,
como se o mercado de consumo fosse [...] a verso do sculo
XX (reconhecidamente mutante) do sonho do Rei Midastornado realidade. O que o mercado toca, no importa o
que seja, transforma-se em mercadoria (BAUMAN, 2005,
p.117). Esta pluralidade de bens de consumo, para Bauman
(2005), pode tornar permanente a insatisfao e provoca
novas necessidades, desejos e vontades constantemente,
caracterstica tpica do hiperconsumismo proposto por
Lipovetsky e que se estende ao capitalismo e ao consumo
esttico, que ser contextualizado no tpico seguinte deste
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Como o consumo chegou onde estamos 17
projeto. Segundo Bauman, sem a repetida frustrao dos
desejos, a demanda pelo consumo se esvaziaria rapidamente,
e a economia voltada para o consumidor perderia o gs
(BAUMAN, 2005, p.107).
Estas caractersticas, segundo o autor, dariam origem sndrome consumista, apontada por Bauman como
[...] uma questo de velocidade, excesso e desperdcio
(BAUMAN, 2005, p.110), em que a sociedade de consumo
marcada pelo excesso de desejos que nunca sero totalmente
saciados. Isto porque o mercado no sobreviveria caso os
consumidores se apegassem s coisas (BAUMAN, 2005,
p.48). Esta discusso do autor nos remonta s discusses
presentes ao nal da segunda fase do consumo proposta por
Lipovetsky em questo obsolescncia programada dos bens
de consumo que eram produzidos com o objetivo de gerar
novos desejos e de, consequentemente, fomentar a produo
das indstrias e do consumo.
2.3 O consumo esttico de hoje
com base neste hiperconsumo marcado pelo desejo
e pelo consumo lquido que se estabelece, na segunda metadedo sculo XIX, a quarta fase do consumo (LIPOVETSKY,
2015), posterior e complementar ao capitalismo
hiperconsumista: o capitalismo artista, marcado por um
boom esttico sustentado pelo capitalismo do hiperconsumo
e caracterizado pela inao da estetizao dos mercados de
consumo e das indstrias, em que dominam os imperativos
do estilo, da beleza e do espetculo e em que a arte se torna
um instrumento de legitimao das marcas e das empresas no
capitalismo. Haja visto os diferentes pontos de contato com o
consumo de arte propostas pelo autor, trataremos a partir de
ento deste tpico em maiores detalhes.
Segundo Lipovetsky (2015), o capitalismo artista
esse sistema que produz em grande escala bens e servioscom ns comerciais, mas impregnados de um componente
esttico-emocional que utiliza a criatividade artstica tendo em
vista a estimulao do consumo mercantil e do divertimento
de massa (LIPOVETSKY, 2015, p.68). Assim, atravs da
sua insero como estratgia de marketing e comunicao das
empresas, focalizadas nos gostos estticos e afetivos dos seus
consumidores como forma de intensicar a gerao de sonhos,
prazeres e emoes que surgiram no hiperconsumismo, este
capitalismo artista permite a integrao e a generalizao da
ordem do estilo, da seduo e da emoo nos bens destinados
ao consumo mercantil (LIPOVESTKY, 2015, p.47), atravs
da criao de beleza, emoo e entretenimento para conquistar
seus consumidores. Exemplos desta interseco so o que
Lamour (2014) chama de museu fora dos muros, em que
a arte e a esttica se espalham e se encontram pela cidade,
em metrs, cartazes de rua, nibus, praas e restaurantes em
monumentos histricos. Neste sentido, o capitalismo artistacria valor econmico por meio do valor esttico, ligando
esta esfera material sensibilidade e ao imaginrio, mas
sem deixar de funcionar como um sistema regrado pelas
lgicas nanceiras e do marketing. Isso se observa, segundo
Lipovetsky (2015), em todas as indstrias culturais, como
a moda, o luxo e a arte, da qual nos aprofundaremos neste
instante.
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Como o consumo chegou onde estamos 18
Atestada pela magnitude dos investimentos dos
colecionadores e pelo aumento crescente dos preos das
obras de arte (BENJAMIN, 2012), do aumento da produo
e da reprodutibilidade das obras de arte, cada vez mais ela
aparece como uma mercadoria. Conforme as palavras deBenjamin, a arte sempre foi, por princpio, reprodutvel.
[...] Tal imitao foi praticada igualmente por discpulos,
para exerccio da arte; por mestres, para difuso das obras;
e nalmente, por terceiros, vidos de lucros (BENJAMIN,
2012, p.13). Isto signica que at a reproduo tcnica
antiga, datada do surgimento da xilogravura, da estampa em
cobre e da litograa, ainda na Idade Mdia. (BOLL, 2011). O
que vemos hoje em dia, no entanto, no apenas uma questo
da reprodutibilidade das obras de arte e sim do seu valor
econmico, j que as obras so julgadas muito mais pelos
seus resultados comerciais do que pelas suas caractersticas
puramente estticas. Como discorre Lipovetsky,
A idade romntica da arte cedeu o passoa um mundo no qual o preo das obras mais importante e mediatizado do que ovalor esttico: hoje o preo mercantil eo mercado internacional que consagram oartista e a obra de arte. o tempo da artbusiness, que v triunfar as operaesde especulao, de marketing e decomunicao (LIPOVETSKY, 2015,p.46)
Assim, a dinmica esttica passou cada vez mais a
incorporar os mecanismos nanceiros e mercantis, regidos
pelas leis das empresas e da economia de mercado. Hoje
em dia, de acordo com Kotler (2008), at os museus devem
ser administrados como verdadeiras empresas, buscando
aumentar suas fontes de rentabilidade e aumentar seus
nmeros de visitantes. Lipovetsky tambm aponta para o
crescimento exponencial dos museus nas ltimas dcadas.
Antes de 1920, haviam 1200 museus nos Estados Unidos.
J no incio de 1980 haviam mais de 8 mil, impulsionadospela expanso das grandes cidades e tambm da vontade de
pequenas cidades em quererem ter seus prprios museus como
sinal de armao de identidade e como centro de atrao
turstica e comercial. Nesta poca, as bienais, as feiras, os
sales e as galerias de arte tambm praticamente dobraram
de tamanho, abrigando centenas de exposies e artistas
incipientes que buscam seu espao neste mercado bilionrio
e cada vez mais globalizado, marcando o que o autor chama
de hyperart, um mercado superabundante e proliferante, em
que [...] se apagam as distines entre arte, negcio e luxo
(LIPOVETSKY, 2015, p.58).
Essa superabundncia de obras de arte circulando
pelo mercado de modo crescente nos remete s discusses
de Benjamin sobre como essa reproduo acirrada da obra
de arte fez com que ela perdesse o seu carter nico, sua
quintessncia, sua aura. Isto porque a reproduo permite
colocar uma cpia da obra original em lugares que ela noestaria (BENJAMIN, 2012). Conforme explica o autor, a
catedral abandona seu lugar para encontrar sua recepo no
estdio de um amante das artes; o coral que foi executado
em uma sala ou a cu aberto se deixa ouvir em um quarto
(BENJAMIN, 2012, p.21). Mesmo assim, a obra de arte
reproduzida torna-se cada vez mais a reproduo de uma obra
de arte voltada para a reprodutibilidade (BENJAMIN, 2012,
p.35), isto , conforme o autor explica atravs da fotograa, de
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uma simples chapa fotogrca possvel produzir diferentes
cpias sem que ela perca a sua autenticidade. Com isso,
crescem as oportunidades de exposio das obras e de sua
venda, caracterstica que de acordo com Lipovetsky (2015)
o que importa a partir deste momento, tornando-se uma artevoltada busca pelo lucro e pelo sucesso, passando [...] a se
tornar um mundo econmico como os outros, adaptando-se
s demandas do pblico e oferecendo produtos sem risco de
obsolescncia rpida (LIPOVETSKY, 2015, p.21).
Neste sentido, foi a vez no mais dos locais de arte
se expandirem, mas sim dos preos das obras que eram
comercializadas, evidenciando uma lgica inacionista
do capitalismo artista e marcando a arte como dominada
tambm pelas lgicas do superlativo e da hiperacelerao.
Os lances milionrios em leiles de arte e em galerias foram
multiplicados seis vezes entre 2005 e 2008, alcanando picos
inigualados em que
[...] os recordes de vendas so o tempotodo superados por novos recordes maisestrondosos ainda, em que os lances nosleiles soam cada vez mais altos. Preosto assombrosos que permitiriam a umDamien Hirst ser classicado entre ascinquentas maiores fortunas da Inglaterra(LIPOVETSKY, 2015, p.59).
Assim, para o autor, galerias de arte, casas leiloeiras e feiras
se tornam cada vez mais empresariais, tendo que multiplicar
suas vendas, promover polticas de promoo e diversicao
dos servios nanceiros e buscar organizadores de exposies,
peritos e conselheiros de colecionadores para ajudar a manter
a multiplicao das vendas crescente. Deste modo, como
acrescenta Boll (2011), os intermedirios do mercado tem um
papel fundamental em criar a ponte entre os sistemas artsticos
e econmicos, mantendo entre si uma harmonia.
Mas por que as vendas do mercado de arte
aumentaram? Alm da sua reprodutibilidade, que apesar deter causado questionamentos em autores como Benjamin
(2012) sobre a autenticidade e a aura das obras diante a sua
multiplicao, inevitavelmente possibilitou o seu alcance a
um pblico maior, atualmente se estabelece um crescimento
no nmero de colecionadores e especuladores dos fundos de
investimento que esto atrados pela velocidade da expanso
econmica positiva destas obras, que circulam cada vez mais
rpido pelo mercado. Uma obra que antes demorava vinte
ou trinta anos para reaparecer em uma galeria ou leilo, hoje
leva menos de dez anos (BOLL, 2011). Ainda, um outro fator
para o disparo do mercado de arte o crescimento do nmero
de artistas, dinmica que ocorre desde o sculo XIX com
a promoo social dos artistas. De acordo com Lipovetsky
sobre esta evoluo do artista no mercado,
A primeira era da igualdade tornoupossvel a entronizao dos artistas na
esfera da elite social, na sociedade dossales, no Tout-Paris: engalanados denovos prestgios, reconhecidos comoguras de grandeza moral e intelectual,e at como magos, guias inspirados,os artistas frequentam ento os salesmundanos em que so admitidos em pde igualdade, ascendem altura de herisliterrios e se tornam clebres, a ponto deserem erguidas esttuas a eles, como aospolticos (LIPOVETSKY, 2015, p.122).
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Essa ascenso social do artista, nesse sentido, foi possvel com
a queda da soberania da Igreja nas artes em sculos passados,
pois os artistas passaram a se desvincular da produo
sagrada e a investir em produes prprias, como a pintura de
paisagens e de natureza morta. Na era moderna, esta nova arteserve de contrapeso alienao da vida cotidiana e da secura
dos saberes cientcos.
Mesmo assim, como o resto, o amor arte no
escapa das malhas da sociedade da velocidade e do efmero
(LIPOVETSKY, 2015, p.61). Os artistas querem se realizar,
exprimir e criar sem os moldes das atividades prossionais
tradicionais, num impulso narcsico de visibilidade, de
reconhecimento e de celebridade, reforado segundo
Lipovetsky pelas mdias e pelo surto de individualizao
iniciado no hiperconsumismo. De acordo com o autor, o
desejo de ser um artista no est mais to ligado a um sonho
romntico de viver inteiramente para a sua arte mesmo que
em condies contrrias riqueza capitalista, [...] e sim ao
projeto de carreira orientado pela ideia da fortuna rpida e
do xito social: ser cantora, como Madonna, ou jogador de
futebol, como Zidane, e rico como eles (LIPOVETSKY,
2015, p.117). Mas esta busca parece cada vez mais acelerada,como j nos indicaria Bauman (2005), haja visto que tudo
para agora. No basta esperar para alcanar o estrelato. Este
intervalo, entre o incio da carreira e a fama, devem ser cada
vez mais curtos para que se alcance uma respeitabilidade
quase imediata (LIPOVETSKY, 2015).
Neste sentido, no mais tanto a experincia elitista
da venerao e do recolhimento esttico da produo e
comercializao da obra de arte que interessa e sim o lucro,
o estmulo ao consumo atravs de prazeres passageiros,
imediatos e incessantemente renovados. Ao passo que as artes
antes j foram estabelecidas e conhecidas como artes rituais,
artes populares e tradicionais, artes religiosas e de elites, hoje,
de acordo com o autor, busca-se a comercia lizao de uma obraque proporcione satisfao fcil e imediata a consumidores
motivados pela busca do prazer ou da diverso. Assim, como
reete Lipovetsky (2015), o capitalismo transesttico difunde
a arte na vida comum e faz do preo das obras e do ganho dos
artistas o prprio marco de sucesso.
No entanto, em contradio ao pensamento de
Benjamin (2012) de que este carter comercial das obras fariam
com que elas perdessem a sua autenticidade, Lipovetsky traz
a reexo de que as tenses existentes entre o marketing e
a arte no so insuperveis, pois a arte continua tendo um
grande valor esttico e cultural para a sociedade. Conforme
ele reete,
O que justica no considerar as obrascomerciais como arte propriamente dita?Sua falta de qualidade e de criatividade?Mas nem a originalidade nem mesmo ovalor esttico so condiessine qua nonde uma obra de arte. Um romance ruimno deixa de ser um romance; e umacanoneta popular, uma obra musical.O prprio rap, to depreciado devidoa seus ritmos barulhentos e suas letrasgrosseiras, pode ser considerado umaobra legtima de arte. (LIPOVETSKY,2015, p.75).
Ainda, conforme nos trouxe Boll (2011), as obras de arte
quase sempre tiveram um carter comercial. Os pintores
do sculo XVII em Roma, por exemplo, como nos traz
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Lipovetsky (2015), j possuam um pensamento econmico
para suas obras, produzindo pequenos quadros que poderiam
ser colocados nos alforjes dos cavalos dos viajantes que
passavam pela cidade e desejavam comprar uma obra e
no tinham como carreg-la. Ainda, conforme traz o autor,grandes pintores desta poca, como Caravagio e Poussin,
sempre aceitaram encomendas e se preocuparam com o preo
de venda de suas obras.
As reexes de Bauman acerca da sociedade lquida
acrescentam esta discusso sobre o carter comercial das
obras de arte na medida em que, se os indivduos se apegassem
aos bens materiais que consomem, a produo iria parar e o
mercado cessaria. Assim, no a toa que as obras de arte
circulam cada vez mais rpido por entre as galerias e as casas
leiloeiras, como vimos anteriormente. A compra de uma obra
no cessa o desejo de um colecionador vido pelo consumo
porque novas obras so inseridas no mercado a cada instante,
reacendendo a frustrao pelo desejo e pela demanda citadas
pelo autor.
Deste modo, [...] em um piscar de olhos, os
ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em
incapacidades (BAUMAN, 2005, p.7), ou seja obras de arte,servios e at habilidades pessoais envelhecem rapidamente
e se tornam obsoletas na medida em que novas surgem no
mercado, apenas esperando um novo consumidor saciar seu
desejo que logo ser retomado em um ciclo inndvel.
Assim, conhecendo a evoluo da sociedade do
consumo e tendo formadas as bases do consumo esttico e
as diferentes problemticas da expanso da arte ligada s
esferas econmicas, bem como o consumo cada vez mais
guiado pela sociedade lquida proposta por Bauman (2005),
que passaremos a compreender como funcionam os mercados
de arte fsico e online, principalmente os leiles pela internet
2.4 Sntese do captulo
Ao longo desta etapa do projeto conhecemos com
Barbosa (2004) as origens da sociedade de consumo como
atreladas ocorrncia da Revoluo Industrial na Inglaterra.
Nos aprofundamos nesta evoluo a partir da proposta de
diviso do consumo em quatro perodos por Lipovetsky
(2007). A primeira delas marcou a passagem dos mercados
locais para grandes mercados nacionais e a difuso de bens de
consumo de maneira massante. A segunda fase foi marcada
por um crescimento do modelo de produo fordista fabril e do
desenvolvimento das propagandas para a criao e evoluo
das marcas. A terceira fase amplia este consumo massicado
ao torn-lo inerente aos desejos, s experincias e busca
pela individualidade atravs dos bens materiais e dos servios
que as marcas oferecem, se desdobrando no que Lipovetsky
(2015) denomina capitalismo esttico, a quarta fase do
consumo. nesta poca que os setores industriais passam aser dominados por um boom esttico e pela artealizao de
bens cotidianos, em que o mercado de arte se expande cada
vez mais com o crescimento dos colecionadores, do desejo
de ser artista e da produo de obras de arte, marcando um
consumo cada vez mais lquido e efmero, com a constante
gerao de desejos insaciveis e colocando em xeque as
questes levantadas por Benjamin (2012) sobre a perda da
aura das obras de arte com a sua reprodutibilidade tcnica.
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3.1 Introduo ao captulo3.2 Organizando o mercado3.3 As casas leiloeiras3.3 O leilo em pixels3.5 Sntese do captulo
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3.1 Introduo ao captulo
Neste segundo momento da pesquisa compreenderemos
como funcionam os mercados de arte fsico e online,
principalmente os leiles pela internet. Para facilitar acompreenso dos temas discutido, o captulo se dividir em
dois momentos de reexo: a compreenso da dinmica do
mercado de arte fsico e online, e o mercado de leiles de arte
digital. Os principais autores utilizados para se aprofundar
neste estudo so Thompson (2010 e 2012), Benhamou-Huet
(2008) e Lamour (2014), alm de diferentes teses e artigos
sobre o assunto.
3.2 Organizando o mercado
Antes de nos aprofundarmos nas particularidades do
mercado da arte, vlido o dimensionarmos com base em
seu tamanho nanceiro. Como dito anteriormente, mesmo
que com pequenas oscilaes, o mercado de arte vem
crescendo desde 1960, com a globalizao e o reaquecimento
da economia aps o nal da Segunda Guerra Mundial,
que impulsionaram a venda de obras (RESCH, 2005).Financeiramente, de acordo com um estudo da TEFAF
(2014), este setor bilionrio e somou 51 bilhes de euros
em 2014, um crescimento de 7% com relao a 2013 e de
150% com relao ltima dcada. E de onde todo este valor
provm? Segundo o mesmo estudo, os pases que lideram as
vendas de obras de arte so os Estados Unidos, a China e o
Reino Unido, que juntos em 2014 somam cerca de metade
do volume de vendas em valor da parcela do mercado de
obras de arte que custam mais de 1 milho. Na internet
este setor tambm representativo e alcanou 3 bilhes em
vendas, com uma expectativa de que at 2020 ele chegue a
10 bilhes, validando o que Lipovetsky (2015) arma de
que o mercado da arte contempornea dominado pelaslgicas do superlativo e da hiperacelerao (LIPOVETSKY,
2015, p.60), j que com o aumento da demanda, do nmero
de colecionadores e da multiplicao dos especuladores e dos
fundos de investimento atrados pelo retorno nanceiro das
obras de arte, este mercado cresce aceleradamente.
Mas como a arte e a economia se aproximaram gerando
todo este valor em obras de arte comercializadas por todo o
mundo? Existem diferentes formas de se vender uma pea
de arte, mas de acordo com diferentes estudos, este mercado
se organiza fundamentalmente em dois nveis distintos:
o primrio e o secundrio, que possuem caractersticas e
objetivos distintos, conforme entenderemos a seguir.
Em primeiro lugar, para Robertson (2005), o setor
primrio aque le que abriga obras que nunca apareceram
antes no mercado, isto , nunca foram compradas ou
vendidas (ROBERTSON, 2005). Este mercado abriga boa
parte dos artistas e o excesso de oferta em detrimento dabaixa procura o torna bem competit ivo para os artistas ,
alm de manter os preos das obras baixos (THROSBY,
1994). vlido notar que neste mercado so os prprios
artistas os responsveis por buscar galerias e exposies
para promoverem seus trabalhos e, por ser altamente
competitivo, envolve um alto risco na negociao de suas
obras, visto que h pouca informao sobre os artistas
e suas peas, o que faz com que muitos negociantes e
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galerias tenham que operar com margens de lucro baixas
ou negativas (RESCH, 2005)
Na contramo deste mercado est o nvel secundrio,
aquele em que as obras j circularam no mercado, esto
se tornando conhecidas e seus preos esto aumentando(ROBERTSON, 2005). Este reaparecimento das obras acontece
porque quando uma obra vendida, h grandes chances
dela eventualmente reaparecer no mercado7(RESCH, 2011,
p.4), j que muitos colecionadores mantm o giro das obras
como forma de investimento nanceiro. Thompson (2012)
acrescenta explicao do aumento dos preos das obras o
fato de que quando um artista est em alta, no se aplica o
conceito econmico de oferta e procura. Se o artista consegue
criar peas sucientes para expor simultaneamente em vrias
galerias e feiras de arte, o zum-zum maior em torno dele eleva
os preos (THOMPSON, 2012, p.59). Isto signica que a
realizao de exposies em galerias e feiras, e as menes
em diferentes veculos especializados fazem com que os
artistas quem mais valorizados e despertem o interesse dos
colecionadores.
Fazem parte deste nvel artistas estabelecidos que
conseguiram passar do mercado primrio para o secundrioatravs da representao por alguma galeria ou da compra de
uma obra por um museu pblico, negociantes e colecionadores
pblicos e privados (THOMPSON, 2010). Como complementa
Throsby (1994), poucos so os artistas que fazem parte do
mercado secundrio e o nmero de compradores em geral
ainda menor, em virtude da alta dos preos de galerias, que
controlam sua volatilidade (THROSBY, 1994). Ainda, ao
contrrio do mercado primrio, os artistas neste setor no
participam das vendas. o comerciante quem oferece as obras
revenda para colecionadores, galerias e casas de leilo, e
o curador quem exibe as obras que alcanaram os maiores
preos em um leilo. Uma outra diferena fundamental para
o mercado primrio que agora h mais informaes sobre osartistas e suas obras disposio dos interessados, o que torna
este mercado muito mais previsvel e com muito menos risco
envolvido em suas negociaes (RESCH, 2005).
com este cenrio em mente e compreendendo
a diviso do mercado da arte entre os nveis primrio e
secundrio, que nos atentamos a identicar e entender os
principais participantes deste setor. Em seus estudos, Resch
(2005) identicou que ele se divide entre dois polos: o dos
artistas e o dos colecionadores, com diferentes intermedirios
permeando-os, como os negociantes, os crticos de arte e as
galerias, participantes que conheceremos a seguir.
O primeiro deles o colecionador, que age tanto
como comprador quanto como vendedor de obras de arte
(CHONG, 2005), ao revend-las no mercado secundrio em
galerias ou leiles. Ele pode ser tanto um indivduo fsico,
que em sua maioria no possui grande conhecimento sobre
arte, mas visitam museus e galerias com frequncia, alm decontratarem negociantes e conselheiros para lhes ajudarem
em suas compras (LIPOVETSKY, 2015), quanto instituies
privadas. Suas motivaes para a compra de obras de arte
podem ser, conforme aponta Resch (2005) e Boll (2011),
a inspirao que a arte trs, o vcio em colecionar objetos,
o investimento nanceiro e a manifestao do status social
atravs da criao de museus e galerias prprias para mostrar
suas aquisies ao pblico (RESCH, 2005).
4Original: When a work is sold thereis a chance that it will eventuallyreappear on the market (RESCH,2011, p.41)
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Quem ajuda estes colecionadores em suas compras
so os negociantes, que agem como empreendedores e so
prossionais que ajudam colecionadores, museus e galerias
em suas aquisies, frequentemente participando de leiles.
Este intermedirio tambm pode trabalhar junto aos artistase ajud-los a vender suas obras para os colecionadores,
geralmente recebendo uma comisso de 50% do valor da
obra (CHONG, 2005), mas mesmo assim, como acrescenta
Resch (2005), estes agentes em geral trabalham apenas para
o mercado secundrio, tendo pouco contato com artistas que
nunca venderam obras de arte anteriormente, valendo-se notar
que eles representam cerca de 53% do volume de vendas
de obras de arte (TEFAF, 2014). O trabalho do negociante
para um colecionador que procura obras de um determinado
artista consiste em descobrir em sua rede de contatos quem
possui peas deste artista, persuadindo estes indivduos
venda das obras que possuem (RESCH, 2005). Assim, se um
colecionado procura uma obra de Picasso, o agente procura
todos os colecionadores e galerias que possuem obras do
artista para adquir-las para seu colecionador.
Este interesse dos colecionadores por um artista
especco pode ser oriundo das menes dos crticos dearte, que so o elo de comunicao entre o artista e seu
pblico (CHONG , 2005) . Em geral so art istas, curadores
e historiadores de arte que escrevem em blogs pessoais,
jornais ou revistas especializadas no mercado artstico,
e que frequentemente escrevem artigos em catlogos de
galerias e casas leiloeiras. Neste sentido, os crticos de
arte tem uma proximidade muito grande com negociantes,
artistas e feiras de arte, ajudando estes intermedirios em
seu crescimento (RESCH, 2005).
Assim, os crticos de arte ajudam no desenvolvimento
das galerias, que de acordo com Thompson (2012), so
verdadeiras fortalezas que selecionam quem vai aparecer e
quem no vai no mercado. O trabalho delas organizar seusartistas e promov-los atravs de colecionadores, crticos de
arte e curadores de museus. Para isso, em geral as galerias
organizam exposies regulares e abertas ao pblico com
entre 5 e 25 artistas que elas representam, em que todas as
obras podem ser adquiridas e at mesmo alugadas por um
certo perodo (RESCH, 2005). Para obter lucro com as
vendas, as galerias se apoiam principalmente no mercado
primrio, dividindo o valor da venda, em geral, igualmente
entre o artista e a galeria. Mesmo assim, por tratar-se de
um mercado formado fundamentalmente por artistas novos,
muitas galerias acabam tendo que buscar alternativas para no
sarem no prejuzo, j que os custos de promoo so caros
e os descontos, para incentivar a venda das peas, so altos
(RESCH, 2005). Uma outra forma das galerias obter lucro
participar do mercado secundrio atravs da representao de
colecionadores, em que a galeria compra obras de arte em seu
nome, e tambm atravs da compra de obras de baixo valorque ela possa revender. Em alguns casos, a galeria tambm
participa de leiles para proteger o preo das obras do artista
que ela representa, como forma de manter seus artistas
valorizados no mercado (RESCH, 2005).
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3.3 As casas leiloeiras
Neste ponto podemos passar a analisar as casas
leiloeiras, que so foco deste estudo. O principal objetivo
delas, de acordo com a Sothebys, identicar, analisar evalidar obras de arte com o suporte de especialistas, estimular
o interesse pela compra atravs de tcnicas prossionais de
marketing e unir compradores e vendedores atravs do leilo8
(RESCH, 2005, p.49). Benjamin-Houet (2008) complementa
que as tcnicas de marketing utilizadas pelas casas leiloeiras,
alm de estimular o interesse dos colecionadores, tambm so
responsveis por fazerem os preos das obras aumentarem. 9
De acordo com Robertson (2011), as casas leiloeiras
podem ser divididas em quatro nveis distintos. So eles as
casas alpha, que representam as lderes de mercado Sothebys
e Christies10, as betas, seguidoras de mercado com alcance
internacional, como a Bonhams11, as gammas, que possuem
alcance nacional e as deltas, que so as casas leiloeiras
regionais. vlido notar que estas casas leiloeiras constituem
um importante intermedirio do mercado da arte, j que como
dito anteriormente elas representaram 47% do volume das
vendas deste mercado em 2014 (TEFAF, 2014).Mas como acontecem esses leiles? De acordo com
Thompson (2010), eles so um verdadeiro show, em que o
maior desao das casas leiloeiras manter a animao dos
compradores. Para isso, elas se valem de catlogos, eventos
exclusivos de visualizaes prvias das obras e outras tcnicas
de marketing e comunicao (THOMPSON, 2010, p.3). O
advento leilo em si tambm deve manter uma energia alta
durante todo o seu processo para que as compras sejam bem
sucedidas. O leiloeiro, que nunca identicado pelo nome,
faz parte da psicologia do leilo, isto , dos efeitos e das
caractersticas que a dinmica do leilo provoca no indivduo,
e tem um papel fundamental nele, pois por cerca de duas
ou trs horas, ele deve ser persuasivo, evitando repetir osmesmos gestos ou frases [...]. Ele criar variaes em seus
movimentos e em seu tom de voz, produzindo mais excitao
em relao a um determinado item que, talvez, nem mereceria
tanta ateno (THOMPSON, 2010, p.6). interessante notar
que, segundo Thompson (2010), este entretenimento do leilo
consiste em atingir 90% dos indivduos que no tem inteno
alguma de adquirir alguma obra, enquanto os outros dez por
cento se concentram em seus lances.
Compreendido o papel do leiloeiro, podemos
entender como que o evento em si acontece. Em casas como
a Christies e a Sothebys, encontram-se desde representantes
de museus at agentes a servios de colecionadores e
milionrios, que representam quase dois teros das obras de
arte contempornea vendidas neste ambiente (THOMPSON,
2010). Estes colecionadores so motivados, em parte, pelo
grupo ao qual desejam integrar, como indivduos que querem
se tornar parte de um grupo de grandes colecionadores oumembro da diretoria de algum museu renomado.
O evento em si tem incio com a entrada do leiloeiro e
a apresentao do primeiro lote ao pblico, onde ele descreve
a obra e a mostra aos presentes. Ele escolhe um preo para
a sua abertura e concentra-se em obter ofertas que possam
ating-lo, tanto de modo presencial com os indivduos que
esto ali presentes quanto por telefonemas ou lances vindos
da internet. Neste processo, o comprador tem pouco tempo
5To identify, evaluate and appraiseworks of art through its internationalstaff of specialists, to stimulatepurchasers interest throughprofessional marketing techniques,and to match sellers and buyersthrough the auction process(SOTHEBYS apud RESCH, 2005,p.49).
6
Casa leiloeira fundada em 1744em Londres. Com alcance mundial,ela lder de vendas junto com aChristie`s e possui escritrios portodo o mundo, inclusive em SoPaulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte,Florianpolis, Campo Grande e MatoGrosso do Sul, atuando em diferentesreas, como a artstica, a vincola e ade agronegcio (SOTHEBY'S, 2015,disponvel em ww w.sotheby's.com).7Casa leiloeira fundada em 1766 queproduz mais de 450 eventos por ano
em mais de 80 categorias, como arte,jias e vinho. Ela possui cerca de 50escritrios ao redor do mundo, masnenhum no Brasil (CHRISTIE'S,2015, disponvel em www.christies.com).
8
Casa leiloeira fundada em 1793,que produz mais de 400 eventos porano em 60 categorias distintas e quepossui escritrios em todo o mundo(BONHAMS, 2015, disponvel emwww.bonhams.com)
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Vamos comprar arte! 27
para avaliar a obra e efetuar seu lance antes de algum outro
indivduo (ZIMMERMANN, 2011). Este comportamento,
conforme aponta Zimmermann (2011) e Thompson (2010)
em seus estudos, aumenta a competitividade do leilo e torna
quase insignicante o valor esttico da obra, valendo-se muitomais da rivalidade e da competio, pois o leiloeiro treinado
para colocar um indivduo contra o outro e encoraj-los a
no desistirem (THOMPSON, 2010). Conforme acrescenta
Zimmermann, aproximadamente 93% dos colecionadores j
aumentaram seus lances somente para aumentar suas chances
de ganhar (ZIMMERMANN, 2011).
O leilo de arte traz contigo diferentes particularidades
no que concerne sua psicologia. Em primeiro lugar, vlido
notar que 98% dos leiles alcanam preos cerca de 15%
maiores do que em sites de varejo, talvez simplesmente pelo
processo de compra ser mais envolvente (ZIMMERMANN,
2011). Estas e diferentes atitudes que acontecem ao longo
do leilo parecem ter diferentes motivos e so divididas para
Zimmermann (2011) entre os efeitos relacionados ao leilo
em si e aqueles ligados diretamente aos seus resultados.
Dentro dos efeitos relacionados ao leilo esto a percepo de
propriedade, a presso do tempo, o efeito de estar chamandoateno dos presentes no evento e o sentimento de rivalidade.
A primeira delas, a percepo de propriedade, est
relacionada sensao de que ser o indivduo com o maior
lance em um leilo o torna vencedor do item em questo,
mesmo sem t-lo ganho, j que ele pode ser afetado por [...]
crenas probabilsticas sobre os resultados do leilo. Nos
leiles, isso se refere ao fenmeno de que o indivduo com
o maior lance pode perceber um aumento na expectativa
[subjetiva] de ganhar o leilo12 (ZIMMERMANN, 2011,
p.7).
Esta sensao pode ser inuente no aumento dos lances
e ser afetada por outros efeitos, como a presso do tempo.
Isto porque, nos leiles, os participantes usualmente tempouco tempo para avaliar a pea e tomar uma deciso sobre
se dar um novo lance, j que os apostadores so altamente
estimulados e impossibilitados de pensar claramente, e como
as decises precisam ser tomadas rapidamente, os apostadores
continuam apostando13 (KU apud ZIMMERMANN, 2011,
p.7). Para efeitos de dimenso deste comportamento, de acordo
com o autor, o tempo estimado do leilo de um item de 5
minutos, o que aumenta a presso para seu m. Durante estes
lances, em geral os apostadores acabam achando que esto
chamando muito mais ateno do pblico do que realmente
esto. Isto porque os espectadores acabam inuenciando o
comportamento humano atravs da sua presena no evento.
(ZIMMERMANN, 2011).
Podendo ser tanto indivduos que no esto
participando do leilo quanto apostadores, chamar a ateno
dos presentes, em combinao com a presso do tempo e
o desejo por ganhar o item em questo, faz com que umoutro sentimento se desperte: o da rivalidade, que conforme
levanta Garcia (2013), est relacionado busca pela
proteo da superioridade individual frente comparao
social que acontece durante o leilo. Esta competitividade
inuenciada pelo fato de que, como aponta Wolf (2006),
os participantes do leilo frequentemente o discutem em
termos de ganhadores e perdedores. Assim, entrando numa
espcie de febre do leilo, os apostadores so tomados por
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um sentimento de irracionalidade que os leva a aumentarem
seus lances (WOLF, 2006).
Todos estes efeitos acabam repecurtindo em sensaes
relacionadas aos resultados do leilo. Conforme aponta
Thompson (2010) em seus estudos, arrependimentos, mgoase desgostos so sentimentos que os leiloeiros entendem e
exploram (THOMPSON, 2010, p.10), j que os apostadores
podem se arrepender por perder uma obra de arte que eles
pensaram que poderiam possuir. Por outro lado, a vitria
tambm pode trazer decepes. De fato, como aponta o autor,
a cada oito compradores bem sucedidos, ao menos um deles
se surpreende com o valor que ter que desembolsar pelo
item que ganho (THOMPSON, 2010). Como complementa
o autor,Esta sensao bem familiar s pessoasque adquiriram sua primeira casa e, namanh seguinte, acordaram em pnico:Com quanto me comprometi?. A casade leiles reassegura a realizao dacompra, mesmo se no solicitada. Paratanto, o comprador pode receber umaligao de um especialista da casa deleiles, no dia seguinte, felicitando-lhepela aquisio. O especialista rearma asua sbia aquisio, alm de ressaltar quea obra adquirida estar altura de suas
expectativas (THOMPSON, 2010, p.15)
No entanto, este tipo de arrependimento parece pouco comum
e as casas leiloeiras os consideram de pouca importncia
(THOMPSON, 2010). Comprar em casas leiloeiras
prestigiadas tambm minimiza estes efeitos, como explica
o autor, j que os apostadores levam em considerao a
reputao e a tradio das marcas na hora da compra, podendo
dizer que compraram um quadro de Picasso na Christies ou
um Francis Bacon na Sothebys, por exemplo (THOMPSON,
2010).
Mas todas essas implicaes aparecem no leilo
online tambm? Aps a compreenso da congurao do
mercado de arte, dos principais intermedirios e agentes destesetor e das particularidades e caractersticas dos leiles, tanto
no modo como eles acontecem quanto em suas implicaes
psicolgicas, passamos agora a compreender as caractersticas
particulares do leilo online, oriundo do surgimento e da
expanso da internet em todo o mundo.
3.4 O leilo em pixels
Apesar de parecer o primeiro modelo de leilo distncia,
o modelo onlinefoi precedido pelos leiles que aconteciam
atravs do correio em 1870 nos Estados Unidos, em que os
apostadores enviavam suas apostas atravs de cartas. Hoje,
muitos destes leiles deixam de acontecer por este sistema
analgico e passam a integrar o sistema digital, a partir do
surgimento da internet, que representou uma inovao to
disruptiva na sociedade que, para Castells (2003), ela
considerada fundamental. Em suas palavras,
A internet o tecido de nossas vidas. Sea tecnologia da informao hoje o quea eletricidade foi na Era Industrial,em nossa poca a Internet poderia serequiparada tanto a uma rede eltricaquanto ao motor eltrico, em razo desua capacidade de distribuir a forada informao por todo o domnioda atividade humana (CASTELLS,2003, p.7).
9Original: [...] probabilistic beliefs
about the outcome of a situation.In auctions, this refers to thephenomenon that the current highbidder in an auction may perceive anincrease in the expected [subjective]probability of winning the auction(ZIMMERMANN, 2011, p.7).
10Original: Bidders are highlyaroused and unable to think clearly,and since decisions need to be madequickly, bidders keep bidding (KUapud ZIMMERMANN, 2011, p.7).
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Neste sentido, natural que, com atividades econmicas,
sociais e polticas agora sendo estruturadas na internet, os
leiles onlinepaream ser um sucesso em vendas, com casas
internacionais exclusivamente onlinetendo mais de 100% de
lucro anual e com este mercado somando 1 bilho de dlaresem 2013 (HISCOX, 2015).
Mas quais as diferenas da dinmica do leilo
tradicional para o online? Para observ-las, exploramos
a dinmica de funcionamento das casas leiloeiras
exclusivamente onlinePaddle8 e The Auction Room, citadas
ao longo dos estudos da Hiscox (2014 e 2015). A primeira
delas, a Paddle8, de acordo com o report da Hiscox (2015),
foi fundada em 2011 e possui escritrios nos Estados Unidos
e em Londres. Ela se foca no mercado mediano, que possui
como ticket mdio $1.000 e $100.000 a cada compra e lucrou
mais de $50 milhes, enquanto o volume de apostadores
quadruplicou com relao ao ano anterior. A casa realiza
leiles de arte, peas de design, relgios e joias em leiles
temticos semanais e leiles benecentes em parceria com
diferentes instituies, com todas as peas sendo validadas por
experts e instituies parceiras. A Paddle8 ainda se foca em
solucionar os problemas dos leiles onlineque preocupam osconsumidores (conforme conhecemos acima) desenvolvendo
uma plataforma intuitiva e fcil de usar (HISCOX, 2015).
Seguindo o mesmo princpio de funcionamento da Paddle8
encontra-se a The Auction Room, fundado em 2013 em
Londres. A principal vantagem competitiva desta casa
a oferta de tecnologia atravs de excelentes fotograas e
apresentaes das obras a serem leiloadas, mais uma vez
focando em resolver os problemas levantados pelo estudo da
Hiscox (2014). Assim como a Paddle8, ela tambm se foca no
mercado mediano e autentica as suas obras com especialistas
no setor (HISCOX, 2014).
Participar de um leilo onlineparece relativamente
mais simples do que um leilo tradicional. Isso porque, emprimeiro lugar, h a eliminao das barreiras geogrcas dos
leiles tradicionais, permitindo que pessoas de diferentes
partes do mundo possam participar de qualquer leilo, o que
gera uma sensao de convenincia (ARIELY e SIMONSON,
2010). Vaz (2011) complementa sobre este ponto que o
conceito geogrco no tem mais o mesmo signicado que
nossos pais e avs costumavam conhecer [...]. Na economia
digital, as distncias [se] limitaram a um clique (VAZ, 2011,
p.80). Assim, a internet permitiu que muitos indivduos
participem de eventos que eles provavelmente perderiam
se no fosse online, seja por problemas de mobilidade, seja
por conta dos altos custos que podem estar envolvidos com
viagens, hospedagens e entradas nos leiles (SYNOVATE,
2009). Este distanciamento tambm produz um sentimento
de conforto ao parecer ser bem menos intimidante do que
frequentar uma casa de leilo fsica, pois como aponta uma
pesquisa da Hiscox (2014), o mundo da arte frequentemente percebido como exclusivo e inacessvel a novos compradores,
e 40% dos indivduos sentem que comprar pela internet
mais confortvel.
Assim, o consumidor convidado a entrar
com seu login, que em geral pode ser tanto atravs do
preenchimen to de um cadas tro quanto atravs de sua
conta no Facebook. A partir de ento, ele livre para
explorar os diferentes leiles que esto acontecendo,
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uma dinmica repetida em todos as casas leiloeiras que
citaremos adiante neste captulo.
FIGURA 02 LEILO PADDLE 8
Fonte: Paddle814
Na pgina de um item leiloado normalmente constam todas asinformaes acerca do artista e da obra, como as dimenses,
a descrio, o material usado, o histrico do artista e outras
obras do mesmo. Mesmo com pequenas variaes entre os
sites, a dinmica de disposio de informaes dos itens
leiloados basicamente a mesma. Deste modo, os sites
permitem aos indivduos encontrarem muito mais facilmente
dados sobre artistas e obras antes de participarem do evento,
a possibilidade de poderem encontrar novos artistas de todo o
mundo e a diversidade de obras, artistas e leiles disponveis
na internet (HISCOX, 2014). Assim, quando interessados por
uma obra no consumo tradicional, os indivduos precisam se
deslocar sicamente at uma loja e encontrar o produto para
ter acesso a ele, a seu preo e sua descrio. Na internet, estabarreira geogrca praticamente inexiste, pois o consumidor
est a poucos cliques de distncia de uma innidade de
produtos, alm de fotos, vdeos e, possivelmente, comentrios
de outras pessoas que j compraram aquele produto e deram
sua opinio sobre o mesmo (VAZ, 2011). De fato, conforme
o estudo da Hiscox, a principal vantagem dos leiles online
para os seus participantes a possibilidade de encontrar obras
de arte e artistas que no seriam facilmente encontrados em
espaos fsicos como as galerias, os museus e as casas de
leilo (HISCOX, 2014).
Estas casas online tambm dispem de imagens
em alta resoluo e zoom expandido, que permitem aos
indivduos observarem os mnimos detalhes de cada item.
Isto acontece porque eles em geral se preocupam com as
diferenas que podem aparecer entre o objeto exposto na
internet e aquele que receberem em suas casas, o que gera
dvidas quanto a sua autenticidade, j que os apostadorestem receio de comprar uma pea que seja falsa, seja por
receio da procedncia da mesma ou por falta de conana
em uma casa de leilo (HISCOX, 2015). No entanto, como
aponta o estudo da Hiscox (2014), as casas leiloeiras hoje
em dia possuem recursos para minimizar estes danos, como
a publicao de imagens em alta resoluo com zoom extra
e imagens em 3D para melhor vericao dos detalhes
da obra, alm de projees em alta realidade para que os
11Disponvel em https://paddle8.com/work/yoshitomo-nara/77202-dream-ing-in-the-fountain/. Acesso em19/08/2015.
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indivduos possam projetar as obras na parede de sua casa e
veric-la (HISCOX, 2015).
Essas novas tecnologias transformaram o modo
como os indivduos interagem com os produtos na internet
e reforam a saturao de imagens e smbolos reetidas porBarbosa (2004) como um meio de incentivo ao consumo
frente profuso de bens disposio dos indivduos.
Isto porque, ao passo que no consumo tradicional temos a
presena fsica dos mesmos, ou seja, em que possvel
tocar, manusear e experimentar o objeto, na internet estas
diversas manifestaes visuais, verbais e sonoras que as
novas tecnologias permitiram desenvolver fazem com que
os indivduos tenham que car abertos imaginao e criem
fantasias diversas a respeito dos objetos (BAIRON e KOO,
2012), como no caso da experimentao de um culos atravs
de realidade aumentada, em que possvel atravs do recurso
da cmera de dispositivos mveis como celulares, tablets e
computadores, projetar a imagem de um culos no rosto do
indivduo interessado em comprar um novo. Estas discusses
remetem ao hiperconsumo proposto por Lipovetsky
(2007), em que as marcas passam a considerar experincias
afetivas e sensoriais dos consumidores em seus esforos decomunicao, como uma maneira de estimul-los s compras.
Mas, retornando dinmica dos leiles online, como
as casas garantem que o indivduo receber seu dinheiro de
volta caso a obra no seja o que ele esperava? Este um
dos receios dos apostadores em leiles online de acordo
com o estudo da Hiscox (2015). Para o instituto, as casas
leiloeiras devem fornecer um perodo de garantia de 30
dias para devoluo, o que para 70% das pessoas indica
um importante fator decisivo na participao de um leilo
online(HISCOX, 2015).
Alm da barreira do espao, a barreira do tempo
tambm dissolvida com os leiles pela internet, que tem
uma durao atpica aos leiles tradicionais. Ao passo queestes duram apenas um dia, os leiles onlinepodem durar
uma semana inteira e esto disponveis 24 horas por dia
(BECHERER, 2004), permitindo lances assncronos e dando
aos apostadores um tempo maior para reetir sobre seus
atos (ARIELY e SIMONSON, 2010). Mesmo assim, como
acrescenta Ockenfels (2002), muitos lances de ltima hora
acontecem nestes eventos e cerca de 86% dos participantes
deste tipo de leilo j foram vtimas de problemas de conexo,
o que os levou perda do item.
Neste sentido, ao longo do leilo onlineo apostador
pode enfrentar os mesmos sentimentos de um leilo
tradicional, como a possessividade por um item, a ansiedade
da competio frente a presena de outros indivduos e a
excitao em aumentar seus lances para vencer (ARIELY e
SIMONSON, 2003). No entanto, os leiles onlineguardam
uma maior liberdade do indivduo em escolher se este deseja
ou no entrar em um determinado leilo, podendo explorardiferentes itens e realizar diversas pesquisas antes tomar a
deciso de realizar um lance, algo que no acontece nos leiles
tradicionais, em que os consumidores so levados a tomar
decises rpidas e possuem informaes advindas somente
dos catlogos do evento (ARIELY e SIMONON, 2003).
Toda essa profuso de atividades realizadas na internet
para a compra de obras de arte por leilo contribui para o
uxo constante e exponencial de informaes que circulam
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por todo o mundo em instantes (BAIRON e KOO, 2012),
uma caracterstica inerente da sociedade lquida proposta
por Bauman (2005), em que as informaes trafegam rpido
pela sociedade e se dissipam na mesma velocidade com
que vieram. Lemos (2002) exemplica essa crescente deinformaes explicando como ela afeta o modo de interao
dos indivduos com a internet:
No navegamos a rede como assistimosTV, ouvimos rdio ou lemos jornaise revistas. Ligar a TV ver televiso,ligar o rdio ouvir emisses, mas e ainternet? No sabemos o que o internautaest fazendo: ele pode estar em um chatcom algum do Sri Lanka, navegandoum site americano, lendo um jornal
russo, ouvindo uma rdio francesa e tudoao mesmo tempo. Nas mdias de massaexiste um foco sensorial privilegiado[...] sendo o uxo da informaounidirecional. No ciberespeao no. Estepossibilita a simultaneidade sensorial eo uxo bidirecional da informao [...]alm da interatividade. Talvez McLuhanestivesse certo: entramos na era daretribalizao do mundo (LEMOS, 2002,p.123)
Deste modo, conseguimos entender como a viso de Lemosse aplica ao consumo de arte por leiles online, diante das
diferentes dinmicas que se consolidam em torno desta
atividade para torn-la uma facilidade aos colecionadores
interessados.
TABELA 01 Semelhanas e diferenas entre os leiles
ofinee online
OFFLINE ONLINE
LocalizaoEspaos fsicos das casasleiloeiras
Websitesna internet
Durao Um dia De um dia a uma semana
Disponibilidade de informao Catlogos e eventos pr leiloDisponveis no site da casaleiloeira ou atravs de sitesde busca como o Google
Presso do tempo AltaAlta somente no nal doperodo do leilo
Autenticidade da obra
Participantes podem vericar
as obras pessoalmente duranteo leilo ou em eventos prleilo
Participantes podem usarrecursos onlinecomo fotos
em alta resoluo e em3D, alm de projees emrealidade aumentada
Possessividade com o itemleiloado
Presente
Sentimento dearrependimento
Presente
Sentimento de estarchamando ateno do pblicoem demasia
Presente
No presente por conta dousual anonimato possvelpelas casas leiloeirasexclusivamente online
No quadro acima traamos as principais diferenas entre os
leiles tradicionais e os exclusivamente online, com base
na viso dos autores Ariely e Simonson (2003), Thompson
(2010) e Zimmermann (2011), alm dos estudos da Hiscox
(2014;2015). Nele, organizamos os principais pontos
compreendidos ao longo deste captulo de uma maneira que
nos permite visualmente perceber as particularidades de cada
modalidade de leilo.
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Deste modo, entendemos que, ao passo que em ambas
as modalidades os indivduos enfrentam a posessividade com
o item leiloado e um possvel sentimento de arrependimento
da vitria ou da perda do mesmo, os leiles onlineromperam
as barreiras de espao e tempo dos leiles tradicionais epossuem dinmicas diferentes com relao disponibilidade
de informaes sobre artistas e obras leiloadas, presso do
tempo ao longo do leilo, aos mecanismos de vericao da
autenticidade de uma obra e ao sentimento dos indivduos de
estarem chamando ateno do pblico em demasia. neste
sentido que temos consolidadas as bases para a realizao da
terceira etapa deste projeto, onde vericaremos os diferentes
pontos levantados ao longo desta discusso atravs de uma
pesquisa qualitativa com diversos colecionadores de obras
que consomem em leiles exclusivamente online.
3.5 Sntese do captulo
Ao longo deste captulo compreendemos a diviso do
mercado da arte entre o primrio e o secundrio. Entendemos
as caractersticas dos principais agentes e intermedirios deste
setor, como os crticos, os colecionadores, as galerias de arte eas casas de leilo, nas quais nos aprofundamos em discutir as
suas caractersticas e a dinmica de funcionamento dos seus
eventos, alm de conhecer as principais implicaes do leilo
na psicologia do consumidor. A partir de ento passamos a
compreender os leiles online e suas principais diferenas
frente o leilo fsico, principalmente nos termos de sua
dinmica. Por m, conhecemos as principais casas de leilo
exclusivamente onlineinternacionais e nacionais, validando
a preocupao destas em solucionar os problemas que os
estudos recorrentes da Hiscox (2014 e 2015) apontaram como
interferncias na compra de obras de arte nas plataformas
digitais, como a falta de informao, o receio em receber
obars diferentes do esperado, a preocupao com o transportee com a devoluo das obras. Deste modo, temos as bases
para compreender em maior profundidade os impactos do
surgimento da internet nos leiles de arte onlineatravs de
uma pesquisa qualitativa com colecionadores deste setor.
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4.1 Introduo ao captulo4.2 Metodologia de pesquisa4.3 Anlise dos resultados4.3.1 O consumo de arte4.3.2 A compra de arte pela internet4.4. Sntese do captulo
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Okei,a internet chegou, mas o que mudou? 35
4.1 Introduo ao captulo
Em seu livro Metodologia do trabalho cientco (2010),
Severino explica que a cincia se constitui da aplicao de
diferentes tcnicas e mtodos de investigao, tanto sobrea natureza quanto sobre os prprios indivduos. Neste
captulo, compreender a inuncia do surgimento da internet
no processo de compra de obras de arte por leilo para os
consumidores atravs de 5 entrevistas em profundidade e
uma pesquisa quantitativa com 30 consumidores de arte por
leilo online
4.2 Metodologia de pesquisa
Com o objetivo de compreender a inuncia do
surgimento da internet no processo de compra de obras de
arte por leilo para os consumidores, esta pesquisa ser
dividida em duas etapas. A primeira delas a realizao de 5
entrevistas em profundidade, com indivduos que compram
ou j compraram obras de arte por leilo online, selecionados
aleatoriamente atravs da rede social Facebook em grupos
especializados em compartilhar conhecimentos e obras de
arte. A tcnica em questo vale-se de uma interao entre
pesquisadores e pesquisado, visando [...] apreender o que os
sujeitos pensam, sabem, representam, fazem e argumentam
(SEVERINO, 2007, p.124) e, conforme Lima (2008)
complementa, podem averiguar fatos, identicar a opinio de
diferentes pessoas sobre um assunto, identicar e interpretar
a ao de pessoas em diferentes aspectos.
Esta entrevista ser do tipo focalizada, que, nas
palavras de Manolita Lima (2008), se prope a explorar um
tema bem denido e delimitado. Conforme ela complementa,
O contato se expressa livremente
sobre o assunto investigado, embora,quando eventualmente divaga ouse desvia dos aspectos trata- dos, oentrevistador possa interferir sobre ocurso da comunicao na tentativa deres- gatar o objeto da discusso. Naprtica, observa-se a existncia de umroteiro oculto, previamente construdo,em que o pesquisador tem o cuidado deenumerar os tpicos relevantes sobreo tema/problema tratados e, em funodos objetivos da pesquisa e do domniosobre o assunto revelado pelo contato,o pesquisador vai formulando ao longoda entrevista as questes que julgarrelevantes e pertinentes (LIMA, 2008,p.119)
Neste sentido, trabalharemos com um roteiro pr-denido
que orientar as discusses com os entrevistados, explorando
a fundo a compra de obras de arte por leiles online. Estas
entrevistas foram realizadas entre os dias 18 de Setembro
e 24 de Setembro, atravs do meio online em conversas
pelo Facebook, por conta do distanciamento fsico dos
respondentes que mais consomem arte em leiles online.
A partir deste estudo, conseguimos obter uma
viso aprofundada do impacto da internet no consumo, no
consumo de arte e nos leiles online, alm de conhecermos as
principais vantagens e desvantagens deste modelo de compra
e as mudanas deste para o leilo presencial. A segunda parte
desta pesquisa compe-se da realizao de uma pesquisa
quantitativa, orientada pelo raciocnio hipottico-dedutivo,
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Okei,a internet chegou, mas o que mudou? 36
priorizando informaes que podem ser quanticadas,
coletadas e processadas com recursos estatsticos (LIMA,
2008). Realizaremos este quest