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Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar humano Livro 7 Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

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  • Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia ebem-estar humano

    Livro 7

    Projeto Perspectivas doDesenvolvimento Brasileiro

    O projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro foi concebido tambm para dar concretude aos sete eixos temticos do desenvolvimento brasileiro, estabelecidos mediante processo intenso de discusses no mbito do programa de fortalecimento institucional em curso no Ipea. O conjunto de documentos derivados deste projeto o seguinte:

    Desafios ao Desenvolvimento Brasileiro: contribuies do conselho de orientao do Ipea

    Trajetrias Recentes deDesenvolvimento: estudos de experincias internacionais selecionadas

    Insero Internacional Brasileira Soberana

    Macroeconomia para o Desenvolvimento

    Estrutura Produtiva e Tecnolgica Avanada e Regionalmente Integrada

    Infraestrutura Econmica, Social e Urbana

    Sustentabilidade Ambiental

    Proteo Social, Garantia de Direitos e Gerao de Oportunidades

    Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia

    Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    Livro 1:

    Livro 2:

    Livro 3:

    Livro 4:

    Livro 5:

    Livro 6:

    Livro 7:

    Livro 8:

    Livro 9:

    Livro 10:

  • Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar humano

    Livro 7

  • Governo Federal

    Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica Ministro Samuel Pinheiro Guimares Neto

    PresidenteMarcio Pochmann

    Diretor de Desenvolvimento InstitucionalFernando Ferreira

    Diretor de Estudos e Relaes Econmicas e Polticas InternacionaisMrio Lisboa Theodoro

    Diretor de Estudos e Polticas do Estado, das Instituies e da DemocraciaJos Celso Pereira Cardoso Jnior

    Diretor de Estudos e Polticas Macroeconmicas Joo Sics

    Diretora de Estudos e Polticas Regionais, Urbanas e AmbientaisLiana Maria da Frota Carleial

    Diretor de Estudos e Polticas Setoriais, de Inovao, Regulao e InfraestruturaMrcio Wohlers de Almeida

    Diretor de Estudos e Polticas SociaisJorge Abraho de Castro

    Chefe de GabinetePersio Marco Antonio Davison

    Assessor-chefe de Imprensa e ComunicaoDaniel Castro

    URL: http://www.ipea.gov.br Ouvidoria: http://www.ipea.gov.br/ouvidoria

    Fundao pbl ica v inculada Secretar ia de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, o Ipea fornece suporte tcnico e institucional s aes governamentais possibilitando a formulao de inmeras polticas pblicas e programas de desenvolvimento brasi leiro e disponibi l iza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus tcnicos.

  • Braslia, 2010

    Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar humano

    Livro 7

  • Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ipea 2010

    ProjetoPerspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    Srie Eixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro

    Livro 7 Sustentabilidade Ambiental

    VolumeSustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversidade, economia e bem-estar humano

    Organizadores/EditoresAlbino Rodrigues AlvarezJos Aroudo Mota

    Equipe TcnicaJos Celso Cardoso Jr. (Coordenao-Geral)Albino Rodrigues Alvarez (Coordenao)Jos Aroudo Mota (Coordenao)Adriana Maria Magalhes de MouraAdriano Santhiago de OliveiraAdroaldo Quintela SantosAntenor Lopes de Jesus FilhoArtur Henrique da Silva SantosBruno Milanez

    As opinies emitidas nesta publicao so de exclusiva e de inteira responsabilidade dos autores, no exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada ou da Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica.

    permitida a reproduo deste texto e dos dados nele contidos, desde que citada a fonte. Reprodues para fins comerciais so proibidas.

    Sustentabilidade ambiental no Brasil : biodiversidade, economia e bem-estar humano / Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. Braslia : Ipea, 2010.640 p. : grfs., mapas, tabs. (Srie Eixos Estratgicos do

    Desenvolvimento Brasileiro ; Sustentabilidade Ambiental ; Livro 7)

    Inclui bibliografia.Projeto Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro.ISBN 978-85-7811-054-3

    1. Desenvolvimento Sustentvel. 2. Meio Ambiente. 3. Biodiver-sidade. 4. Poltica Ambiental. 5. Bem-Estar Social. 5. Brasil. I. Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada. II. Srie.

    CDD 304.20981

    Ernesto Gomes EstevesEustquio Jos ReisFeruccio BilichGeraldo Sandoval GoesGesmar Rosa dos SantosGustavo LuedemannHabib Jorge Fraxe NetoHiplito Gadelha RemgioIgor Ferraz da FonsecaJefferson Lorencini GazoniJoo Paulo VianaJorge Hargrave Gonalves da SilvaJos Domingos Gonzlez MiguezJos Gustavo FeresJos Maria ReganhanJos Oswaldo Cndido Jr.Jos Renato CasagrandeJuliana Simes SperanzaJlio Csar RomaMarcel BursztynMarcelo Teixeira da SilveiraMaria Bernadete Gomes Pereira Sarmiento GutierrezNilo Luiz Saccaro Jr.Patrcia da Silva PegoPatrcia Faga Iglecias LemosPaulo Safady SimoPaulo Srgio MuouahYuri Rugai Marinho

  • SUMRIO

    APRESENTAO..................................................................................9

    AGRADECIMENTOS...........................................................................13

    INTRODUOSUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: CONCEITOS, REFLEXES E LIMITES .........17

    PARTE.ISUSTENTAbIlIDADE.AMbIENTAl.NO.bRASIl:.bREvES.DIAGNSTICOS

    CAPTUlO.1O ESTADO DA BIODIVERSIDADE PARTE 1: GENES E ESPCIES ..................51

    CAPTUlO.2O ESTADO DA BIODIVERSIDADE PARTE 2: BIOMAS BRASILEIROS .............75

    CAPTUlO.3ENERGIA E MEIO AMBIENTE NO BRASIL: OFERTA INTERNA E PADRO DE CONSUMO ENERGTICO ....................................................................129

    CAPTUlO.4O PAGAMENTO PELO CONSUMO DE GUA PROVENIENTE DE UNIDADES DE CONSERVAO: O CASO DO DISTRITO FEDERAL .................................179

    CAPTUlO.5ANLISE MATRICIAL DE MANEJO DE RECURSOS RENOVVEIS: UMA SUGESTO METODOLGICA PARA A CONCESSO DE FLORESTAS ...........193

    PARTE.IIPOlTICAS.PblICAS.E.MEIO.AMbIENTE.NO.bRASIl

    CAPTUlO.6DIREITO AMBIENTAL BRASILEIRO: PRINCPIOS E LIMITES DE IMPLANTAO ...................................................................................209

    CAPTUlO.7A.lEI.DE.CRIMES.AMbIENTAIS.FRENTE..EvOlUO.DO.DIREITO..AMbIENTAl:.SANES.vERSUS.INCENTIvOS..................................227

  • CAPTUlO.8RECURSOS COMUNS E SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL: UMA DIMENSO POLTICA ......................................................................247

    CAPTUlO.9O LICENCIAMENTO AMBIENTAL FEDERAL COMO INSTRUMENTO DE POLTICA AMBIENTAL NO BRASIL ......................................................... 263

    CAPTUlO.10O USO DO PODER DE COMPRA PARA A MELHORIA DO MEIO AMBIENTE: O PAPEL DA ROTULAGEM AMBIENTAL ....................291

    CAPTUlO.11A AUDITORIA AMBIENTAL COMO INSTRUMENTO DE POLTICAS PBLICAS NO BRASIL: ANLISE E PERSPECTIVAS .....................................327

    CAPTUlO.12O SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAO DA NATUREZA: REALIDADE E PERSPECTIVAS ...........................................359

    CAPTUlO.13IMPACTOS DAS MUDANAS CLIMTICAS SOBRE O PADRO DE USO DA TERRA NO BRASIL ..............................................................................385

    CAPTUlO.14PRODUO DE ETANOL E SEUS IMPACTOS SOBRE O USO DA TERRA NO BRASIL ...............................................................................................413

    PARTE.IIIMUDANAS.GlObAIS:.RESPOSTAS.bRASIlEIRAS.

    CAPTUlO.15AS TRANSFORMAES DA PAISAGEM E AS ALTERAES BIOGEOQUMICAS ..............................................................441

    CAPTUlO.16CONVENES SOBRE CLIMA, MATRIZ ENERGTICA MUNDIAL E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL .......................................................455

  • CAPTUlO.17MUDANAS CLIMTICAS E REPERCUSSES NO BRASIL: PERSPECTIVAS E DESAFIOS ......................................................................475

    CAPTUlO.18O PROTOCOLO DE QUIOTO E O MECANISMO DE DESENVOLVIMENTO LIMPO: REGULAMENTAO NO BRASIL ...................................................485

    CAPTUlO.19UMA.vISO.GERAl.DA.UTIlIZAO.DO.MECANISMO.DE..DESENvOlvIMENTO.lIMPO.SETORIAl:.PERSPECTIvAS..PARA.O.DESENvOlvIMENTO.SUSTENTvEl.bRASIlEIRO................497

    CAPTUlO.20PERSPECTIVAS DE REGULAMENTAO DO MERCADO DE CARBONO NO BRASIL ........................................................................537

    CAPTUlO.21O COMRCIO INTERNACIONAL E A SUSTENTABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NO BRASIL ..................................................................565

    CAPTUlO.22DESAFIOS DA SUSTENTABILIDADE NA CONSTRUO ..............................615

    CAPTUlO.23NOVAS PERSPECTIVAS PARA A GERAO DE EMPREGOS VERDES NO BRASIL ..................................................................................623

    NOTAS.bIOGRFICAS......................................................................639

  • APRESENTAO

    com imensa satisfao e com sentimento de misso cumprida que o Ipea entrega ao governo e sociedade brasileira este conjunto amplo, mas obvia-mente no exaustivo de estudos sobre o que tem sido chamado, na institui-o, de Eixos Estratgicos do Desenvolvimento Brasileiro. Nascido de um grande projeto denominado Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro, este objetivava aglutinar e organizar um conjunto amplo de aes e iniciativas em quatro grandes dimenses: i) estudos e pesquisas aplicadas; ii) assessoramento gover-namental, acompanhamento e avaliao de polticas pblicas; iii) treinamento e capacitao; e iv -ra plenamente com a publicao desta srie de dez livros apresentados em 15 volumes independentes , listados a seguir:

    Conselho de Orientao do Ipea publicado em 2009

    Livro 2 Trajetrias Recentes de Desenvolvimento: estudos de experi-ncias internacionais selecionadas publicado em 2009

    Livro 3 Insero Internacional Brasileira Soberana

    - Volume 1 Insero Internacional Brasileira: temas de pol-tica externa

    - Volume 2 Insero Internacional Brasileira: temas de eco-nomia internacional

    Livro 4 Macroeconomia para o Desenvolvimento

    - Volume nico Macroeconomia para o Desenvolvimento: cresci-mento, estabilidade e emprego

    Livro 5 Estrutura Produtiva e Tecnolgica Avanada e Regional-mente Integrada

    - Volume 1 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-

    - Volume 2 Estrutura Produtiva Avanada e Regionalmente Inte-grada: diagnstico e polticas de reduo das desigualdades regionais

  • Sustentabilidade.Ambiental.no.brasil:.biodiversidade,.economia.e.bem-estar.humano10

    Livro 6 Infraestrutura Econmica, Social e Urbana

    - Volume 1 Infraestrutura Econmica no Brasil: diagnsticos e perspectivas para 2025

    - Volume 2 Infraestrutura Social e Urbana no Brasil: subsdios para uma agenda de pesquisa e formulao de polticas pblicas

    Livro 7 Sustentabilidade Ambiental

    - Volume nico Sustentabilidade Ambiental no Brasil: biodiversi-dade, economia e bem-estar humano

    Livro 8 Proteo Social, Garantia de Direitos e Gerao de Oportunidades

    - Volume nico Perspectivas da Poltica Social no Brasil

    Livro 9 Fortalecimento do Estado, das Instituies e da Democracia

    - Volume 1 Estado, Instituies e Democracia: repblica

    - Volume 2 Estado, Instituies e Democracia: democracia

    - Volume 3 Estado, Instituies e Democracia: desenvolvimento

    Livro 10 Perspectivas do Desenvolvimento Brasileiro

    Organizar e realizar tamanho esforo de reflexo e de produo editorial apenas foi possvel, em to curto espao de tempo aproximadamente dois anos de inten-so trabalho contnuo , por meio da competncia e da dedicao institucional dos servidores do Ipea (seus pesquisadores e todo seu corpo funcional administrativo), em uma empreitada que envolveu todas as reas da Casa, sem exceo, em diversos estgios de todo o processo que sempre vem na base de um trabalho deste porte.

    , portanto, a estes dedicados servidores que a Diretoria Colegiada do Ipea primeiramente se dirige em reconhecimento e gratido pela demonstrao de esprito pblico e interesse incomum na tarefa sabidamente complexa que lhes foi confiada, por meio da qual o Ipea vem cumprindo sua misso institucional de produzir, articular e disseminar conhecimento para o aperfeioamento das polticas pblicas nacionais e para o planejamento do desenvolvimento brasileiro.

    Em segundo lugar, a instituio torna pblico, tambm, seu agradecimen-to a todos os professores, consultores, bolsistas e estagirios contratados para o projeto, bem como a todos os demais colaboradores externos voluntrios e/ou servidores de outros rgos e outras instncias de governo, convidados a compor cada um dos documentos, os quais, por meio do arsenal de viagens, reunies, seminrios, debates, textos de apoio e idas e vindas da reviso editorial, enfim puderam chegar a bom termo com todos os documentos agora publicados.

  • Apresentao 11

    Estiveram envolvidas na produo direta de captulos para os livros que tratam explicitamente dos sete eixos do desenvolvimento mais de duas centenas de pessoas. Para este esforo, contriburam ao menos 230 pessoas, mais de uma centena de pesquisadores do prprio Ipea e outras tantas pertencentes a mais de 50 instituies diferentes, entre universidades, centros de pesquisa, rgos de governo, agncias internacionais etc.

    A Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal) slida parceira do Ipea em inmeros projetos foi aliada da primeira ltima hora nesta tarefa, e ao convnio que com esta mantemos devemos especial gratido, certos de que os temas do planejamento e das polticas para o desenvolvimento temas es-tes to caros a nossas tradies institucionais esto de volta ao centro do debate nacional e dos circuitos de deciso poltica governamental.

    Temos muito ainda que avanar rumo ao desenvolvimento que se quer para o Brasil neste sculo XXI, mas estamos convictos e confiantes de que o material que j temos em mos e as ideias que j temos em mente se constituem em ponto de partida fundamental para a construo deste futuro.

    Boa leitura e reflexo a todos!

    Marcio Pochmann Presidente do Ipea

    Diretoria ColegiadaFernando Ferreira

    Joo SicsJorge Abraho

    Jos Celso Cardoso Jr.Liana Carleial

    Mrcio WohlersMrio Theodoro

  • AGRADECIMENTOS

    A extraordinria multiplicao da espcie humana, aliada a uma no menos acentuada elevao nos padres de consumo, com todas as consequncias ima-ginveis sobre o ritmo de explorao dos recursos naturais, fez que, na atuali-dade, a preocupao com a forma de insero do homem na produo de sua existncia e no entorno natural no possa mais ser esquecida quando se discute o processo de desenvolvimento econmico e social.

    Reflexes como essa esto na raiz da opo do Ipea em eleger a sustentabi-lidade ambiental como um dos eixos do desenvolvimento, a ser necessariamente tomada em conta, integrada, para que se prossiga na busca do grande objetivo de desenvolver o Brasil, fornecendo condies dignas de vida para seus cidados bus-carem a realizao de todo o seu potencial como seres humanos.

    A integrao da sustentabilidade ambiental no contexto econmico no tarefa fcil. Por muito tempo, restries dessa ordem no foram levadas a srio, no s no pas. Vista como mais um empecilho ao dinamismo econmico que se desejava imprimir, sendo que a nsia por taxas de crescimento cada vez maiores tomada como um fim em si mesma, a preocupao de carter ambiental necessita, ainda, de alicerces mais slidos para constituir-se como campo que possa opinar e orientar de forma autnoma decises de polticas pblicas, econmicas e sociais. Por outro lado, campo marcado por profunda e seminal transdisciplinariedade.

    Com isso em vista, o presente livro pretende apresentar um cardpio de pos-sibilidades temticas e metodolgicas, se no com pretenses fundadoras da rea na instituio, pelo menos como um diagnstico inicial das possibilidades investi-gativas de que o Ipea dispe para, nos prximos anos, intensificar sua participao tambm nesse campo novo, promissor e inescapvel para os fins que persegue.

    Este livro foi obra coletiva que reflete as ponderaes anteriores. Nominar-se-o agora os colaboradores que o tornaram possvel.

    A introduo, Sustentabilidade ambiental: conceitos, reflexes e limites, foi obra de Jos Aroudo Mota e Jefferson Lorencini Gazoni. Nela se delineiam as grandes perspectivas que inspiram o todo do compndio.

    A Parte I, Sustentabilidade ambiental no Brasil: breves diagnsticos, explo-ra, em um rol antes exemplificativo que exaustivo, o diagnstico das possibi-lidades do territrio brasileiro frente questo da sustentabilidade ambiental. O captulo 1, O estado da biodiversidade parte 1: genes e espcies, teve autoria dos bilogos Joo Paulo Viana, Nilo Luiz Saccaro Jr., Habib Jorge Fraxe Neto

  • Sustentabilidade.Ambiental.no.brasil:.biodiversidade,.economia.e.bem-estar.humano14

    e Jlio Csar Roma. O captulo 2, O estado da biodiversidade parte 2: biomas brasileiros, completa a temtica em questo a partir do estudo de Jlio Csar Roma, Joo Paulo Viana, Habib Jorge Fraxe Neto e Nilo Luiz Saccaro Jr. O captulo 3, Energia e meio ambiente no Brasil: oferta interna e padro de consu-mo energtico, foi obra de Antenor Lopes de Jesus Filho, Gesmar Rosa dos Santos e Gustavo Luedemann, explorando a instigante questo dos potenciais nacionais quando da constituio de sua matriz energtica. J o captulo 4, O pagamento pelo consumo de gua proveniente de unidades de conservao: o caso do Distrito Federal, resultou do esforo de Jos Aroudo Mota, Marcel Bursztyn, Feruccio Bilich, Marcelo Teixeira da Silveira e Jos Oswaldo Cndido Jr. Fechando esta primeira parte, encontra-se o texto Anlise matricial de manejo de recursos reno-vveis: uma sugesto metodolgica para a concesso de florestas, constituindo-se no captulo 5, da lavra de Geraldo Sandoval Goes, Jos Aroudo Mota, Marcelo Teixeira da Silveira e Jefferson Lorencini Gazoni.

    Discutidas algumas vertentes dos potenciais nacionais, a Parte II, Polticas pblicas e o meio ambiente no Brasil, centra-se na atuao do homem brasileiro diante da questo que empolga todo o livro; o local para analisar-se o arcabou-o jurdico j constitudo, alguns instrumentos de poltica correntes, bem como questes que se ligam utilizao da terra.

    O captulo 6, Direito ambiental brasileiro: princpios e limites de implantao, foi produzido por Patrcia Faga Iglecias Lemos e Ernesto Gomes Esteves. J Yuri Rugai Marinho encarregou-se do captulo 7, A lei de crimes ambientais frente evoluo do direito ambiental: sanes versus incentivos. O captulo 8, Recursos comuns e sustentabilidade ambiental: uma dimenso poltica, deriva do empenho de Igor Ferraz da Fonseca. O conjunto de textos que tratam de instrumentos de poltica ambiental inaugura-se com o captulo 9, O licenciamento ambiental federal como instrumento de poltica ambiental no Brasil, fruto do trabalho de Jos Maria Reganhan e Jos Aroudo Mota. Adriana Maria Magalhes de Moura e Jos Aroudo Mota compuseram o captulo 10, O uso do poder de compra para a melhoria do meio ambiente: o papel da rotulagem ambiental. de Adriana Maria Magalhes de Moura tambm o captulo 11, A auditoria ambiental como instrumento de polticas pblicas no Brasil: anlise e perspectivas. Jefferson Lorencini Gazoni e Jos Aroudo Mota colaboraram no captulo 12, O Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza: realidade e perspectivas. Fechando o segundo grande bloco, encontram-se os captulos 13, Impactos das mudanas climticas sobre o padro de uso da terra no Brasil, e 14, Produo de etanol e seus impactos sobre o uso da terra no Brasil, ambos oriundo da cooperao entre Jos Gustavo Feres, Eustquio Jos Reis e Juliana Simes Speranza.

    O conjunto final de textos, constituindo a Parte III, Mudanas globais: respostas brasileiras, trata do problema ambiental de um ponto de vista mais global, das gran-

  • Agradecimentos 15

    des transformaes que experimentamos, dos acordos que buscam equacion-las, dos compromissos que o Brasil assume crescentemente e de algumas tcnicas que se desenvolvem para mitigar possveis efeitos deletrios das transformaes globais.

    A Parte III inicia-se com o captulo 15, As transformaes da paisagem e as alteraes biogeoqumicas, cujo autor Gustavo Luedemann. O captulo 16, de Adroaldo Quintela Santos, Artur Henrique da Silva Santos e Patrcia da Silva Pego, denomina-se Convenes sobre clima, matriz energtica mundial e desenvolvimento sustentvel. Explorando ainda mais o tema da mudana, o captulo 17, Mudanas climticas e repercusses no Brasil: perspectivas e desafios, foi elaborado em conjunto por Jos Aroudo Mota e Jefferson Lorencini Gazoni. O captulo 18, O Protocolo de Quioto e o mecanismo de desenvolvimento limpo: regulamentao no Brasil, da auto-ria de Jos Domingos Gonzles Miguez, Adriano Santhiago de Oliveira e Gustavo Luedemann. J Maria Bernadete Gomes Pereira Sarmiento Gutierrez a autora do captulo 19, Uma viso geral da utilizao do mecanismo de desenvolvimento limpo setorial: perspectivas para o desenvolvimento sustentvel brasileiro.

    Aproximando-nos do fim do compndio, encontramos o captulo 20, Perspectivas de regulamentao do mercado de carbono no Brasil, s possvel graas ao comprometimento dos que o elaboraram: Jos Renato Casagrande, Hiplito Gadelha Remgio e Habib Jorge Fraxe Neto. O captulo 21, O comrcio inter-nacional e a sustentabilidade socioambiental no Brasil, coube a Bruno Milanez e Jorge Hargrave Gonalves da Silva. Fechando a obra, muito agradecemos a Paulo Safady Simo, autor do captulo 22, Desafios da sustentabilidade na construo, e a Paulo Srgio Muouah, do captulo 23, Novas perspectivas para a gerao de empregos verdes no Brasil.

    Estamos certos de que, somente com o generoso emprstimo de talento, conhecimento e esforo dos autores, oriundos tanto dos quadros do Ipea como da colaborao de pessoal bastante qualificado de diferentes setores da sociedade brasileira, foi possvel compor o volume que agora trazido divulgao. Espera-se continuar contando com essa qualidade de contribuio para estimular o desenvolvimento brasileiro em bases ambientalmente sustentveis.

    Os Editores

  • INTRODUO

    SUSTENTAbIlIDADE.AMbIENTAl:.CONCEITOS,..REFlEXES.E.lIMITES

    1.INTRODUO

    Com o advento da sociedade fordista,1 caracterizada como o processo de produ-o e de consumo em massa no mundo, surge uma notria preocupao com as questes ambientais. Porm, fatores decorrentes deste processo, como industria-lizao, concentrao espacial, modernizao agrcola, crescimento populacional e urbanizao, compuseram os principais pontos de presso e de conscientizao humana sobre a problemtica ambiental global.

    A humanidade encontra-se em um perodo de grandes desafios. O aumen-to de bem-estar, proporcionado pelo vigoroso crescimento econmico mundial ocorrido no sculo XX, ameaado por alteraes ambientais ocorridas, em gran-de parte, pelas externalidades das prprias aes humanas. O momento exige imediata ateno, pois so vigorosas as transformaes a enfrentarem-se neste sculo. Neste contexto, este estudo analisa as relaes entre o desenvolvimento econmico e a sustentabilidade ambiental.

    Assim, este trabalho est estruturado em 12 sees. Inicialmente, discu-te-se o funcionamento dos sistemas ambientais, suas dinmicas, suas escalas, seus ciclos e suas retroaes. analisada tambm a questo dos limites e da auto-organizao desses sistemas, em que a sustentabilidade ambiental est inserida. Em seguida, estudam-se as relaes do homem com o ambiente natural, nas quais so apresentadas informaes acerca da evoluo dos im-pactos ambientais das atividades humanas. Ainda so discutidas a evoluo do conceito e dos critrios de desenvolvimento sustentvel e suas interaes com o sistema econmico.

    1. O fordismo caracteriza-se como uma nova forma de organizao da produo e do trabalho. A ideia de Henry Ford era fabricar o modelo T por um preo relativamente baixo, de modo que ele fosse comprado em massa. A fim de obter sucesso no negcio, o fordismo se apoiou em cinco pontos de transformao, resgatados do mtodo cientfico de produo em vigor poca: produzir em massa; racionalizar as tarefas dos operrios; instituir o sistema de produo em linha; criar a padronizao de componentes para o sistema de produo; e automatizar o sistema produtivo.

  • Sustentabilidade.Ambiental.no.brasil:.biodiversidade,.economia.e.bem-estar.humano18

    2.O.SISTEMA.TERMODINMICO.DA.NATUREZA

    O meio ambiente funciona como um sistema aberto, o qual recebe constantes insumos, que so processados e transformados em produtos (figura 1). De modo simples, assim que funciona um sistema (MOTA, 2004; BOULDING, 1992; LOVELOCK, 1997, 2006; KATZ; KAHN, 1987; BERTALANFFY, 1975).

    FIGURA 1Modelo.simplificado.de.um.sistema

    InputProcessamento

    Output

    Fonte e elaborao prprias.

    O input refere-se organizao de entrada de insumos para o siste-ma. Isso ocorre porque nenhum sistema autossuficiente, necessita sempre de entrada de energia, de importao de energia de seu ambiente externo. Um sistema aberto est constantemente trazendo energia do ambiente, os animais e os vegetais sobrevivem devido troca constante desta. Do mesmo modo, as atividades econmicas e humanas precisam importar energia do meio ambiente, pois vivem por sua causa.

    O processamento refere-se energia que entra no sistema e submetida transformao para uma nova forma de energia. A natureza transforma vrios in-sumos em novos materiais, os quais so teis para a sobrevivncia da natureza. Do mesmo modo, as atividades econmicas e humanas, a fim de suprirem suas ne-cessidades, transformam a energia dos recursos naturais por meio de uso intensivo.

    O output concerne ao produto gerado pelo processamento do sistema, repre-senta a sada do sistema, em que sua produo retorna para alimentar novamente este, isto , retorna como input para fazer que o sistema continue a trabalhar.

    Um sistema aberto no trabalha somente em funo dessas trs fases, precisa de mecanismos de anlise de seu equilbrio e de sua perenidade no tempo. Desse modo, mais trs conceitos so importantes para ajudar no entendimento do fun-cionamento de um sistema.

    A entropia est relacionada com o nascimento, o crescimento e a morte de um sistema. Os organismos do meio ambiente se desgastam e tendem a morrer; por isso, imprescindvel que os sistemas adquiram, em seus inputs, insumos de boa qualidade. O processo entrpico impe-se em todos os seres vivos e as ativi-dades econmicas, contribuindo para o desgaste da manuteno da vida na Terra.

  • Sustentabilidade.Ambiental:.conceitos,.reflexes.e.limites 19

    A homeostase um conjunto de elementos autorreguladores de um sistema aberto que permite manter o estado de equilbrio do meio ambiente. O excesso de energia entrpica conduz o sistema a no mais suportar o estado de equilbrio inicial, levando-o para um novo ponto de equilbrio ou para a sua completa dete-riorao. Os sistemas naturais so autossustentveis e se desagregam medida que as atividades econmicas e humanas interferem em seu meio ambiente.

    O feedback refere-se ao mecanismo de retroalimentao de um sistema aber-to, em que informaes so emitidas de modo a manter o sistema em equilbrio. Quando o feedback de um sistema interrompido, seu estado de equilbrio desa-parece e a entropia domina seus mecanismos de retroalimentao, conduzindo-o ao perecimento. Energia de baixo aproveitamento, tais como dejetos industriais, excesso de poluio e outros tipos de lixo, constitui-se em excesso de inputs que os sistemas abertos no tm possibilidade de absorver.

    Essas caractersticas so chamadas de funcionais, pois regulam o funcio-namento de um sistema aberto. A figura 2 apresenta o fluxo de um sistema aberto com suas principais funes, em que cinco elementos so demonstrados. A entrada de insumos (input); o mecanismo de processamento (processamento); a produo do sistema como sada do que foi processado (output); o equilbrio do sistema (homeostase); a medida de irreversibilidade do sistema (entropia); e o esquema de retroao (feedback).

    FIGURA 2Caractersticas.funcionais.de.um.sistema.aberto

    Caractersticasfuncionais

    EntropiaHomeostasia

    OutputInput Processamento

    Retroalimentao

    Fonte e elaborao prprias.

    Assim, a termodinmica comanda os mecanismos de troca de matria e energia nos sistemas naturais e econmicos. Das contribuies de Clausius2

    2. Em seus experimentos, Clausius concluiu que o calor no pode passar de um corpo mais frio, por si s, para um corpo mais quente, j que a energia precisa de trabalho para sua transformao.

  • Sustentabilidade.Ambiental.no.brasil:.biodiversidade,.economia.e.bem-estar.humano20

    (1888 apud GLEISER, 1997) s modernas aplicaes das leis da termodinmica3 (SCHRODINGER, 1944 apud SCHNEIDER; KAY, 1997; FABER; NIEMES; STEPHAN, 1995; GEORGESCU-ROEGEN, 1993; EHRLICH; EHRLICH; HOLDREN, 1993), h um consenso de que a perda de energia do sistema global do planeta Terra originada da exagerada explorao econmica dos ativos natu-rais e da luxria contida nas funes de bem-estar da sociedade mundial.

    3.A.DINMICA.DOS.SISTEMAS.SOCIOAMbIENTAIS

    As questes socioambientais so aspectos inerentes ao funcionamento do sistema terrestre: primeiro, a compreenso de que a Terra um sistema singular, est aberta para a troca de energia e matria; e segundo, atualmente as atividades econmicas e humanas so capazes de promover profundas transformaes no sistema global em uma escala complexa, interativa e evidentemente acelerada. As questes socioambientais devem, necessariamente, ser abordadas de um pon-to de vista sistmico. Entretanto, um dos maiores entraves verificados quanto s polticas pblicas tem sido a carncia de conhecimentos sobre o funcionamento dos sistemas socioambientais.

    A palavra sistema deriva do grego systema () que significa, lite-ralmente, colocar junto. Um sistema pode ser entendido como um conjunto de elementos em interao dinmica, organizado em funo de um objetivo (ROSNAY, 1975). Cabe observar que um sistema sempre maior que a soma de suas partes, pois as relaes que criam condies contextuais diferentes neste sistema devem, igualmente, ser consideradas.

    No caso dos sistemas socioambientais, constitudos por uma grande variedade de componentes e interaes, o sistema considerado tambm complexo. Seus elementos esto, geralmente, organizados em nveis hierr-quicos internos e seu comportamento no linear; ou seja, os efeitos das interaes entre os elementos no provocam variaes constantes no sistema, cujo funcionamento est relacionado com a combinao de suas retroaes, seus fluxos e seus reservatrios.

    Nesse sentido, os conceitos de sustentabilidade apresentados na lite-ratura tambm variam bastante. A sustentabilidade est relacionada com (...) a habilidade do sistema em manter sua estrutura (organizao) e fun-o (vigor), com o passar do tempo, em face de stress externo (resilincia) (COSTANZA, 1992). A sustentabilidade

    3. A Primeira Lei da Termodinmica, ou Lei da Conservao, anuncia que matria e energia no podem ser criadas ou destrudas, mas somente transformadas. A Segunda Lei da Termodinmica, ou Lei da Entropia, anunciada como uma medida quantitativa da irreversibilidade.

  • Sustentabilidade.Ambiental:.conceitos,.reflexes.e.limites 21

    (...) uma relao entre sistemas econmicos dinmicos e sistemas ecolgicos maio-res, tambm dinmicos e que, no entanto, modificam-se mais lentamente, de tal forma que a vida humana pode continuar indefinidamente (...), uma relao na qual os efeitos das atividades humanas permanecem dentro de limites que no de-terioram a sade e a integridade de sistemas auto-organizados que fornecem o con-texto ambiental para essas atividades (NORTON, 1992).

    De modo similar, o conceito de capacidade de suporte faz interao pri-mria com o de resilincia: enquanto este est relacionado com a capacidade de regenerao dos ecossistemas, aquele se refere quantidade de populaes que o ecossistema suporta, sem comprometer os direitos de acesso e usufruto das futu-ras geraes, sejam humanas ou residentes em hbitats naturais.

    Em uma pesquisa acerca das transformaes no sistema global e suas relaes com as atividades humanas, Steffen et al. (2004) afirmam que as mudanas nas relaes existentes entre o ambiente natural e as atividades hu-manas se intensificaram nos ltimos sculos e esto promovendo complexas e profundas mudanas globais sem precedentes na histria do planeta. im-portante observar que estas ltimas, que vm ocorrendo e se intensificando, afetam todos os ecossistemas.

    Entende-se que os sistemas socioambientais so autorregulados, ou seja, uma parte da sada (output) reenviada entrada do sistema (input). A inten-sidade, a direo e a combinao das retroaes provocadas por uma transfor-mao ou de uma ao repercutem sobre os sistemas de formas diversas. Se os efeitos destas promovem a acelerao na transformao em relao ao estado anterior, esta retroao chamada de positiva (positive feedback), ou seja, os efeitos so cumulativos. De outra forma, se a variao no sistema menor que a anterior, a retroao considerada negativa (negative feedback) e tende a conduzir o sistema estabilidade (BERTALANFFY, 1975; ROSNAY, 1975). A figura 3 mostra o comportamento terico de um sistema socioambiental em retroao negativa.

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    FIGURA 3Modelo.de.sistema.socioambiental.em.retroao.negativa

    !

    NascimentosPopulaohumana bitos

    Taxa denatalidade

    Taxa derecuperao

    Taxa dedegradao

    Taxa demortalidade

    Regenerao Recursosnaturais

    disponveis

    Degradao

    Recursos naturais disponveis

    Consumo

    c

    t

    Fonte e elaborao prprias.

    Ao estudar as variaes nos sistemas ambientais, Bertalanffy (1975) concluiu que estas apresentam notveis caractersticas e que (...) estas va-riaes podem ocorrer porque o sistema vivo acha-se inicialmente em um estado instvel e tende para um estado estvel. Tais so, em termos gerais, os fenmenos de crescimento e desenvolvimento.

    necessrio compreender que a biota no fornece somente benefcios diretos humanidade, como o suprimento de alimentos e combustveis, mas tambm provedora dos processos essenciais vida no planeta. Neste senti-do, tem havido especial ateno quanto perda de biodiversidade; entretan-to, Levin (1998) questiona esta postura afirmando que nem todas as espcies possuem a mesma importncia para a manuteno dos processos-chave para o funcionamento desses sistemas. Pode-se entender que ainda h carncia de conhecimentos acerca dos complexos processos que envolvem a sustentabili-dade dos ecossistemas. Para Wilson (1997), cada espcie nica e intrinseca-mente valiosa, da a profundidade terica e prtica dos modelos sistmicos e de desenvolvimento sustentvel. Porm, est implcito que se a natureza criou porque a criao tem uma funo utilidade de sustentao para os demais componentes dos ecossistemas.

    4.A.QUESTO.DOS.lIMITES.E.DA.AUTO-ORGANIZAO

    Em geral, a resposta desses , geralmente, realizada de forma gradual. Entretanto, diversas pesquisas tm mostrado que esta mudana gradual dos estados dos ecos-sistemas tem sido interrompida por uma rpida e drstica mudana para novos

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    e contrastantes estados. Recentes estudos sugeriram que a perda de resilincia geralmente um dos aspectos que promovem a modificao do ecossistema4 para um estado alternativo (SCHEFFER et al., 2001).

    A resilincia definida por Holling (1973) como a magnitude de dis-trbios que o sistema pode experimentar antes que salte a um estado diferente com diferentes controles em estrutura e funo. Folke et al. (2004) a definem como () a capacidade de um sistema em absorver distrbios e se reorganizar enquanto se modifica apenas para manter essencialmente sua funo, estrutura, identidade, e retroaes. As pesquisas, cada vez em maior nmero e qualidade, tm destacado que os ecossistemas proporcionam servios ambientais, os quais necessitam de qualificao e quantificao quanto s suas interaes e contribui-es aos nveis de bem-estar dos seres humanos.

    Sobre esse aspecto, vrios so os casos apresentados pela literatura. Em uma investigao sobre a inesperada e catastrfica morte do ecossistema do recife das Ilhas Mentawaii, localizadas a sudoeste de Sumatra, na Indonsia, no leste equatorial do Oceano ndico, no fim de 1997, Abram et al. (2003) identificaram que alteraes comuns no Oceano ndico (upwelling) elevaram os nutrientes do fundo para a superfcie, especialmente os de nitrognio e fsforo. Ao mesmo tempo, chuvas na Indonsia haviam se reduzido dramaticamente e incndios, geralmente provocados por queimadas, produziram uma concentrao de fu-maa sobre o sudeste da sia, que, com a chuva, aumentou as concentraes de ferro e fsforo na superfcie da gua.

    Esses fatores colaboraram para a formao de uma grande mar vermelha constituda de phytoplankton que se estendeu ao longo das ilhas; com isso, o grande crescimento desta mar foi sustentado pelos altos nveis de nutrientes presentes. Com a liberao de toxinas pelos phytoplancton, os peixes e outros se-res que habitavam o coral morreram e, com sua oxidao, o coral de aproximada-mente 500 quilmetros foi levado rapidamente morte por asfixia. No caso do coral das Ilhas Mentawaii, a retroao positiva do sistema levou-o a romper com seu comportamento habitual (objetivo) e a saltar a um novo estado (catstrofe).

    Estudando a consequncia dos incndios em duas reas de alta floresta na Ama-znia, Cochrane et al. (1999) identificaram que nas ltimas dcadas os incndios acidentais afetaram aproximadamente 50% das reas estudadas, causando maior prejuzo que as destruies provocadas intencionalmente pelo homem. Os autores concluram que os incndios florestais produzem retroaes positivas, tornando-as cada vez mais suscetveis a novos incndios. Alm disso, verificaram que o uso da terra e das prticas anteriores mudou e que o fogo na alta Floresta Amaznica tem a

    4. Um ecossistema formado por uma comunidade distinta de espcies que interagem entre si e com os fatores fsico-qumicos que compem o ambiente natural.

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    capacidade de transfigurar grandes reas de floresta tropical em capoeira ou savana. Os efeitos destas transformaes no clima regional, na biodiversidade e na economia tendem a ser extremos. Estas transformaes, sugerem os autores, levaro alguns anos para ocorrer, mas tendem a ser irreversveis sob as condies climticas atuais.

    Ao revisar a literatura sobre o assunto, Folke et al. (2004) selecionaram 48 estudos. Os tipos de ecossistemas em que foram identificadas as mudanas bruscas de estado foram divididos em cinco grandes grupos: ecossistemas de gua doce (lagos temperados, lagos tropicais, lagos rasos e alagados); ecossiste-mas marinhos (recifes de coral, florestas marinhas, lagunas rasas, guas costeiras e cadeias alimentares marinhas); ecossistemas florestais (florestas temperadas e florestas tropicais); savanas e gramados; e ecossistemas rtico e subrtico.

    5..O.EMERGENTE.DESENvOlvIMENTO.SUSTENTvEl:.UM.CONCEITO..EM.CONSTRUO

    O desenvolvimento sustentvel, como forma alternativa de desenvolvimento, foi delimitado por uma evoluo conceitual que h muito antecedeu e sub-sidiou bastante os trabalhos da Comisso Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD).5 Os primeiros estudos cientficos sobre o tema vieram a aparecer a partir do sculo XVIII. Thomas Robert Malthus consi-derado o primeiro economista a sugerir existncia de limites ao crescimento derivado da escassez dos recursos.

    A teoria malthusiana sugere que o crescimento descontrolado da popula-o geomtrico, enquanto a disponibilidade dos recursos necessrios cresce aritmeticamente. Malthus baseou sua teoria em termos de limites no supri-mento de reas agricultveis de qualidade e do resultante decrscimo na taxa de retorno da produo agrcola. Dessa forma, ele apontou uma reduo do supri-mento per capita de alimentos. Neste cenrio, a populao humana seria forada a se reduzir a um nvel de subsistncia, cessando seu crescimento (MEBRATU, 1998). A teoria malthusiana de limites do crescimento pode ser considerada uma das precursoras do atual conceito de desenvolvimento sustentvel.

    Ao final da Segunda Guerra Mundial, a melhoria econmica e social se tor-nou uma das maiores preocupaes dos governantes que, por meio das poderosas relaes coloniais, estenderam este conceito s naes pobres do mundo. Segundo Haris (2000), o desenvolvimento econmico, com suas correlaes sociais e ins-titucionais, ocupou grande parte da produo terica e poltica, assim como da disputa entre capitalismo e comunismo durante a Guerra Fria.

    5. O relatrio denominado Our Common Future, publicado em 1987 pela CMMAD, o documento que amplamente divulgou o conceito at hoje mais adotado de desenvolvimento sustentvel.

  • Sustentabilidade.Ambiental:.conceitos,.reflexes.e.limites 25

    A importncia das questes ambientais no cenrio poltico internacional intensificou-se a partir da segunda metade da dcada de 1960. A crena no desen-volvimento econmico continuado acarretou um significativo questionamento de muitos debates sobre os perigos da poluio e do uso irrestrito dos recursos naturais, posteriormente com sucessivas crises de escassez de recursos, especifica-mente do petrleo no incio da dcada de 1970 (DIEGUES, 1995; BRSEKE, 2003). Estes e outros fatos promoveram uma densificao das discusses acerca dos modelos de desenvolvimento fundamentados no uso irrestrito dos recursos naturais, considerados abundantes at ento.

    6.DOS.lIMITES.DO.CRESCIMENTO.AO.DESENvOlvIMENTO.SUSTENTvEl

    No entendimento de Bursztyn (2001), nos rebeldes anos 1960, comeam a pro-liferar alertas, vindos da Universidade, quanto insensatez do modo como o avas-salador avano das cincias vinha se transformando em tecnologias e processos produtivos ameaadores perenidade da vida.

    Em 1972, realizou-se a Conferncia da Organizao das Naes Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, em que foram examinadas a questo ambiental de maneira global para a busca de solues para problemas existentes e a definio de estratgias referentes a esta problemtica. Naquele perodo, reuniu-se em Roma um grupo liderado por Meadows para analisar a crise ambiental que es-tava se expandindo e os conflitos entre as interpretaes modernas e ps-modernas da histria que, para Tryzna (1995), foram o cerne das divergncias sobre a questo dos limites do crescimento. Finalmente, os ps-modernistas fundadores do chamado Clube de Roma, uma associao internacional informal de aproximadamente uma centena de cientistas, executivos, estudantes e autoridades, produziram um impor-tante documento denominado The limits to growth (MEADOWS et al.,1972)

    O documento sugeriu que a sociedade industrial estava excedendo a maioria dos limites ecolgicos h pelo menos duas dcadas e enfatizou que seria impossvel a continuidade dessas prticas. Segundo Mitcham (1995), a questo central em rela-o aos limites do crescimento consiste em seu crescimento exponencial, caractersti-ca marcante desde o incio da modernidade frente impossibilidade de continuao ininterrupta. Tal crescimento concerne aos alimentos, produo industrial, ao con-sumo de energia, s emisses de gases poluentes, entre outros exemplos. Desse modo, o Clube de Roma concluiu que a consequncia da continuidade destas prticas oca-sionar, incondicionalmente, a catstrofe, tornando-se esta ento necessria adoo de aes conscientes para criar uma curva de acomodao dos recursos.

    A contundncia das previses catastrficas apresentadas por Meadows et al. (1972) foi duramente criticada por diversos intelectuais, principalmente dos pases menos desenvolvidos economicamente, mas tambm por cientistas mais

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    reconhecidos, como o ganhador do prmio Nobel de Economia, Robert Solow, em 1974. Os discursos concentravam-se na tese proposta por Mahbub ul Haqde de que as sociedades ocidentais, depois de um sculo de crescimento industrial acelerado, fecharam este caminho de desenvolvimento para os pases pobres, jus-tificando esta prtica como uma retrica ecologista. Era neste contexto que se encontravam os principais conflitos nos discursos socioambientais.

    Para esse entendimento, Sachs (1997) os caracterizou como os que pre-viam abundncia (the cornucopians) e os catastrofistas (doomsayers). Estes l-timos previam o Apocalipse caso o crescimento do consumo6 no fosse in-terrompido, levando ao esgotamento dos recursos. A leste, os que previam abundncia argumentavam que as preocupaes ambientais eram inadequadas e atrasariam o processo de desenvolvimento dos pases no industrializados ou em processo de industrializao.

    Nos anos que se seguiram, foram utilizados novos conceitos relacionados ao desenvolvimento sustentvel. Em 1973, Maurice Strong introduziu nas discusses o conceito de ecodesenvolvimento (NOBRE; AMAZONAS, 2002). Da, Sachs (1986) formulou os princpios bsicos desta alternativa de desen-volvimento em 1974 em conjunto com uma equipe multidisciplinar, mo-mento em que abordaram e reelaboraram as questes do ecodesenvolvimento, ampliando e diversificando suas consideraes.

    Foram apresentados os seguintes aspectos interligados e necessrios para atingir o ecodesenvolvimento: satisfao das necessidades bsicas; solidarieda-de com as geraes futuras; participao da populao envolvida; preservao dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e elaborao de um siste-ma social, garantindo emprego, segurana social e respeito a outras culturas e programas de educao.

    Essas consideraes foram reutilizadas no Relatrio Que Faire apresentado no final de 1975 pela fundao Dag Hammarskjold na VII Conferncia Extraor-dinria das Naes Unidas. Entretanto, neste documento, foram utilizados outros termos como um outro desenvolvimento e desenvolvimento sustentado. Mas o termo ecodesenvolvimento passou a receber muita ateno a partir de ento nas reflexes sobre ambiente e desenvolvimento.

    Apesar disso, diversos autores entre eles, Estes (1993), Mitcham (1995) e Tryzna (1995) reconheceram que os passos decisivos para a substi-tuio da ateno aos limites do crescimento para o desenvolvimento sus-tentvel foram promovidos por outros dois importantes documentos: World

    6. necessrio observar que alguns pessimistas malthusianos acreditavam que o esgotamento dos recursos seria consequncia da exploso populacional, desconsiderando as diferentes prticas e capacidades de consumo.

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    Conservation Strategy: living resource conservation for sustainable development, da Unio Internacional para a Conservao da Natureza (UICN) (1980) e Our Common Future: from one Earth to one World the World Commission on Environment and Development (BRUNDTLAND, 1987).

    Segundo Tryzna (1995), a mais expressiva colaborao conceitual foi pro-vida pela UICN que, em relaes de trabalho com o World Wildwife Fundation for Nature (WWF) e o Programa Ambiental das Naes Unidas, formulou a Estratgia de Conservao Mundial (UICN, 1980). Foi o maior avano at ento na tentativa de discutir de forma integrada ambiente e desenvolvimento sob a tica da conservao. Outro aspecto importante relacionado IUCN e ao Relat-rio Que Faire o aparecimento indito do termo desenvolvimento sustentvel, muitas vezes creditado ao Relatrio Brundtland.

    O documento da IUCN (1980) pode ser visto como uma proposta de es-tratgia voltada principalmente para subsidiar a elaborao de polticas pblicas em um enfoque conservacionista. Este definiu desenvolvimento como (...) a modificao da biosfera e a aplicao dos recursos humanos, financeiros, re-cursos vivos ou no-vivos para satisfazer as necessidades humanas e melhorar a qualidade de vida da humanidade (IUCN, 1980, seo 3, 3o). Ainda afirmou que, para o desenvolvimento ser considerado sustentvel, se devem levar em conta fatores sociais, econmicos e ecolgicos. Logo, o crescimento econmico deve ser harmnico s outras dimenses ambientais, mas no necessariamente cessar, como sugeriu Meadows et al. (1972).

    O termo conservao foi lanado e conceituado como (...) o gerenciamen-to do uso humano da biosfera de forma que ela proporcione o melhor benefcio sustentvel para as presentes geraes, enquanto mantm o potencial para prover as necessidades e aspiraes das futuras geraes (IUCN, 1980, seo 1, 4o).

    7.CONCEITOS.E.CRITRIOS.DE.DESENvOlvIMENTO.SUSTENTvEl

    O crescente interesse internacional pela questo do desenvolvimento sustentvel culminou em 1983, em uma encomenda de um relatrio pela Assembleia das Naes Unidas CMMAD, presidida por Gro Harlem Brundtland e Mansour Khalid. A equipe foi composta por 22 membros internacionais, entre os quais ministros de Estado, cientistas e diplomatas.

    O relatrio dessa comisso, assinado por Brundtland (1987) , difundiu o conceito de desenvolvimento sustentvel, que passou a figurar sistematica-mente nas discusses internacionais, servindo como eixo orientador central de pesquisas realizadas por organizaes pblicas e privadas. O desenvolvimen-to sustentvel foi entendido pela CMMAD (1991) como: Um processo de transformao, no qual a explorao dos recursos, a direo dos investimentos,

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    a orientao da evoluo tecnolgica e a mudana institucional se harmonizam e reforam o potencial presente e futuro, a fim de atender s necessidades e aspiraes humanas.

    Diversos autores entre eles, Mebratu (1998) e Brseke (2003) , ao analisarem as repercusses do conceito estabelecido pelo Relatrio Brundtland, observaram que, a partir de ento, este foi interpretado de diferentes formas e recebeu grande aceitao por quase a totalidade das correntes polticas, ticas e cientficas. O relatrio rejeitou o posicionamento do no crescimento dos pases, principalmente os menos desenvolvidos.

    O Relatrio Brundtland reconheceu que para buscar solues para o desenvolvi-mento sustentvel seria imprescindvel tomar conscincia do fato de que os problemas sociais e ambientais so interconectados e reconhecer que as perturbaes ambientais no so restritas a propriedades particulares ou limites geogrficos, que catstrofes experimentadas em uma determinada regio do mundo, consequentemente, afetam o bem-estar de pessoas em todas as localidades e que apenas sobre abordagens susten-tveis do desenvolvimento se poder proteger o frgil ecossistema do planeta e promo-ver o desenvolvimento da humanidade. O documento ainda props algumas medidas a serem adotadas pelas naes: limitao do crescimento populacional; garantia de alimentao em longo prazo; preservao da biodiversidade e dos ecossistemas; dimi-nuio do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias que possibilitem o uso de fontes energticas renovveis; aumento da produo industrial nos pases no industrializados base de tecnologias ecologicamente viveis; controle da urbanizao e integrao entre campo e cidades menores; e satisfao das necessidades bsicas.

    A partir de sua divulgao, intensificaram-se as iniciativas baseadas nos aspectos de ambiente e desenvolvimento em nveis local, nacional e global. Entretanto, Me-bratu (1998) observou que, no nvel local, o impacto destas aes foi, aparentemente, mnimo frente s grandes transformaes globais. Este fato contribuiu para um au-mento da sensao de frustrao e desencanto com o progresso das transformaes.

    Apesar desse aspecto, a influncia do conceito de desenvolvimento susten-tvel manteve-se amparada principalmente no mbito das polticas nacionais e internacionais. O Banco Mundial lanou em 1992 um relatrio sobre desenvol-vimento e meio ambiente, em que deixou clara sua postura neomalthusiana,7 afirmando que, apesar dos conflitos entre crescimento econmico e qualidade ambiental, possvel encontrar caminhos para adequar o modelo de crescimento econmico ao bem comum.

    7. Scardua (2003) observou que no cerne dos debates esto implcitas as teorias malthusianas, referentes a Malhtus, e neomalthusianas, referentes a Ehrlich e Hardin, os quais utilizam o crescimento populacional para explicar ou tentar explicar a histria, dando uma conotao tendenciosa aos acontecimentos sob o ponto de vista dos donos do poder.

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    8..POR.UMA.NOvA.CIvIlIZAO:.A.EvOlUO.RECENTE.E.OS..DESAFIOS.IMEDIATOS

    Logo aps, em 1992, no Rio de Janeiro, ocorreu outro evento de propores glo-bais para discutir a questo sobre desenvolvimento e meio ambiente. Aproximada-mente 40 mil pessoas, incluindo 106 chefes de governos, reuniram-se na Confe-rncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD). O evento resultou na elaborao da Agenda 21, na qual cada pas ficou responsvel em programar aes para atingir os objetivos e as metas estabelecidas.

    Mebratu (1998), ao analisar os resultados do evento, concluiu que o legado mais importante da Conferncia do Rio foi derivado de sua prpria forma de preparao que, em grande parte dos pases, envolveu a participao de diversos segmentos sociais e personalidades. Este processo levou o conceito de desenvolvi-mento sustentvel a todas as partes do mundo, promovendo a reflexo acerca de importantes questes socioambientais.

    Apesar de ainda no se ter atingido o consenso sobre o tema, Sachs o conceituou como sendo:

    O desenvolvimento, distinto do crescimento econmico, cumpre esse requisito, na medida em que os objetivos do desenvolvimento vo bem alm da mera multiplicao da riqueza material. O crescimento uma condio necessria, mas de forma alguma suficiente (muito menos o objetivo em si mesmo), para se alcanar meta de uma vida melhor, mais feliz e mais com-pleta para todos (SACHS, 2000a).

    O pensamento sobre o desenvolvimento sustentvel multidisciplinar e intersetorial. Segundo Estes (1993), tem-se procurado unir especialistas de reas como fsica, biologia, geologia, economia, poltica, sociologia, entre ou-tras , governos, movimentos sociais e comunidades para discutir de forma mais eficaz as complexas relaes socioambientais.

    Apesar dessas consideraes, o capitalismo global destaca-se por sua evi-dente insustentabilidade em relao aos ambientes social e ecolgico; por isso, as relaes sistmicas necessitam de imediata ateno. A difcil previsibilidade do comportamento dos sistemas socioambientais torna imperiosa a precauo no uso dos recursos naturais, pois, neste contexto, o no respeito a este prin-cpio que em geral tem ocorrido com as estruturas econmicas vigentes pode ser entendido como negligncia.

    Em termos integrativos, Sachs (1993, 1997, 2000a) defende que a susten-tabilidade se constitui em um conceito dinmico, no qual esto internalizadas as crescentes necessidades das populaes humanas. Por isso, enfoca a questo por meio de oito dimenses:

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    1. A sustentabilidade social: a partir de uma distribuio mais equnime da renda e dos ativos, pode-se usar um mecanismo de poltica pblica que conduza a um padro estvel de crescimento, assegurando uma me-lhoria substancial dos direitos dos grandes contingentes de populao e uma reduo das atuais diferenas entre os seus nveis de bem-estar.

    2. A sustentabilidade econmica: ser possvel graas ao fluxo constante de investimentos pblicos e privados, alm da alocao e do manejo eficientes dos ativos naturais.

    3. A sustentabilidade ecolgica: mediante a intensificao de usos de pro-cessos que imponham a reduo do volume de substncias poluentes, por meio da adoo de polticas de conservao de energia e de recur-sos, da reciclagem, da substituio por recursos renovveis abundantes e inofensivos e do desenvolvimento de tecnologias capazes de gerar um nvel mnimo de dejetos e de alcanar um mximo de eficincia em termos dos recursos utilizados.

    4. A sustentabilidade cultural: inclue solues especficas que possibili-tem a continuidade cultural, contemplando-se a regio, sua cultura e seu ecossistema.

    5. A sustentabilidade espacial: os problemas ambientais so ocasionados, muitas vezes, por uma distribuio espacial desequilibrada dos assenta-mentos humanos e da concentrao de atividades econmicas; ento, h a necessidade de se criar uma configurao territorial mais equili-brada, de se estabelecer uma rede de reservas da biosfera para proteger a diversidade biolgica e, ao mesmo tempo, ajudar a populao local a manter seu bem-estar.

    6. A sustentabilidade ambiental: relaciona-se capacidade de suporte, resilincia e resistncia dos ecossistemas.

    7. A sustentabilidade poltica nacional: baseia-se na democracia e no res-peito aos direitos humanos, de modo que o Estado implemente um projeto nacional em parceria com todos os agentes ambientais.

    8. A sustentabilidade poltica internacional: consiste na aplicao do prin-cpio da precauo na gesto dos ativos ambientais, assim como garan-tir a paz entre as naes e promover a cooperao internacional nas reas financeira e de cincia e tecnologia.

    Portanto, o conceito de desenvolvimento sustentvel envolve uma nova conscincia dos gestores de polticas pblicas, os quais devem observar os li-mites e as fragilidades dos ecossistemas globais, enfocando o desenvolvimento

  • Sustentabilidade.Ambiental:.conceitos,.reflexes.e.limites 31

    socioeconmico com equilbrio ecolgico, orientando-o para a satisfao das necessidades bsicas e reconhecendo o papel fundamental que a autonomia cul-tural desempenha nas comunidades locais. Na operacionalizao do desenvol-vimento sustentvel, necessrio garantir qualidade de vida para as populaes locais, removendo obstculos polticos e institucionais sua insero social, garantindo sua participao nas estratgias de desenvolvimento, ao mesmo as-segurando a manuteno do estoque de capital natural.

    9.A.vAlORAO.AMbIENTAl.INTEGRADA.DA.bIODIvERSIDADE

    A contaminao do meio ambiente acarreta perdas para os entes da natureza, para as atividades econmicas e para a manuteno ou melhoria do bem-estar humano, pois ocorrem modificaes no processo produtivo, na sade humana, no hbitat natural, na vegetao, no clima, na qualidade do ar, na vida animal, nos monumentos histricos e nas demais belezas da biodiversidade.

    Para Mota (2006), as alteraes ambientais do origem aos impactos cujos efeitos recaem sobre o meio ambiente natural e modificam a cadeia alimentar da natureza e os valores hednicos do capital natural , e s externalidades cujos efeitos positivos ou negativos recaem sobre os seres humanos, melhorando ou piorando seus bem-estares.

    Por isso, o papel do valor dos ativos naturais tem relevncia na mensurao do desenvolvimento sustentvel. A preocupao ambiental j est ratificada por di-versos acordos internacionais e por inmeros entendimentos empresariais de que a conservao/preservao do meio ambiente a mais importante ncora para o desenvolvimento sustentvel. Por outro lado, os consumidores tambm esto de-masiadamente preocupados com a gesto dos ativos da natureza. Isso quer dizer que os ofertantes e demandantes de bens/servios tm clara percepo de que o meio ambiente supridor de matria-prima para as atividades econmicas e humanas.

    Alm disso, o papel do meio ambiente no se restringe somente a manter o fluxo de energia e matria para os entes econmicos e antrpicos, mas tambm para a vida na natureza. Estas percepes ambientais esto embasadas em diversas ncoras tericas, as quais servem de suporte para um melhor entendimento de como a vida de todas as espcies deve se manter em equilbrio. Adicionalmente, observaes cientficas tm demonstrado que o ambiente natural assume para os pases megadiversos so os pases que tm grande diversidade de fauna e flora, com destaque especial para o Brasil papel fundamental de interesse estratgico para as naes detentoras de uma natureza abundante.

    Nesse sentido, os fundamentos de cincias ambientais, sobretudo os que sub-sidiam a valorao ambiental, so de extrema necessidade para a formulao de polticas pblicas. Assim, deve-se conceber o desenvolvimento a partir da premissa

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    de que os critrios de sustentabilidade dos entes da natureza esto implcitos nos custos e nos benefcios da poltica pblica. Por isso, a valorao dos ativos da natu-reza deve ser analisada por meio dos seguintes aspectos (MOTA, 2006):

    1. Pela tica da sustentabilidade biolgica, a valorao subsidia a anlise de como ocorrem os mecanismos de interao entre a matriz de supri-mento do meio ambiente e as atividades econmicas e antrpicas. Essa matriz supre todas as necessidades naturais e humanas por meio de uma cadeia de produo e consumo. Portanto, h nessa interao (ho-mem/natureza) um movimento de simbiose entre todos os seres. Neste contexto, o papel do valor assume dimenso estratgica, uma vez que a natureza tem diversos valores, que dependem do olhar de cada ator. Assim, a valorao apresenta-se como a principal ferramenta de apoio para a mensurao ecolgica/econmica e subsdio na intermediao das transaes entre o homem e o meio ambiente. Se for somente para a vantagem do homem, em tempo finito, no haver natureza. Para Darwin (1859), o homem tem apenas um objetivo: escolher para a sua prpria vantagem; a natureza, pelo contrrio, escolhe para vantagem do prprio ser.

    2. Pelo enfoque da sustentabilidade ecolgica, o conceito de capacidade de suporte internaliza vrios aspectos, tais como padro de vida, igual-dade de distribuio, tecnologia e dimenso ecolgica. O conceito de capacidade de suporte est intimamente ligado ao de capacidade de resilincia. Em estudos de conflitos de uso, esses paradigmas ecolgi-cos tm supremacia sobre os demais conceitos ambientais. O primeiro refere-se quantidade de entes que um ativo ambiental pode suportar, e o segundo relaciona-se com a capacidade de regenerao do ativo ambiental em decorrncia das presses humanas e naturais.

    3. Pela dimenso estratgica, a sustentabilidade da valorao entendida como suporte defesa do capital natural. O uso de um ativo natural superior a sua capacidade, alm de gerar conflito, no resguarda o di-reito de uso das futuras geraes. O capital natural tem uma funo estratgica para os pases e desempenha relevantes servios para o equi-lbrio dos ecossistemas, pois assegura a diversidade biolgica, mantm o fluxo de materiais para as atividades econmicas e antrpicas, fornece informaes cincia e proporciona uma rede de servios como hbitat s populaes nativas e humanas.

    4. Analisada pelo ngulo dos aspectos econmicos, a sustentabilidade da va-lorao til como subsdio estimao de externalidades oriundas de projetos de investimento. Efeitos externos degradam os ativos ambientais,

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    subtraem bem-estares das geraes presentes e comprometem o uso dos recursos naturais pelas geraes futuras. Por seu turno, em conflito de uso, a valorao permite que os custos da degradao sejam internalizados pe-los agentes que usam os ativos naturais, alm de propiciarem indenizaes judiciais aos receptores da degradao ambiental, e pune os infratores pe-los danos causados natureza.

    Esses pontos ajudam no sucesso/fracasso dos projetos de investimentos, pois a utilizao dos recursos da natureza nos planos de investimentos apresenta as seguintes restries ambientais (MOTA; MOTA, 2005):

    1. A primeira restrio refere-se incapacidade de o mercado absorver a de-gradao/exausto dos ativos naturais. verdade que este funciona em funo de um conjunto de fatores, tais como produtos in natura (oriun-dos da natureza), produtos manufaturados, capital intelectual e recursos financeiros e de informao. Porm, ao incorporar os produtos naturais a sua estrutura, o mercado no assimila a contabilidade da degradao do capital natural na matriz de preos dos produtos/servios. Por exem-plo, no preo final de um mvel feito a partir da madeira mogno, capta apenas os custos de feitura deste, mas no internaliza a degradao do patrimnio natural que foi necessrio para sua produo.

    2. A segunda restrio de carter da assimetria da informao. O con-sumidor toma deciso a fim de formar sua cesta de consumo, a qual constituda a partir de um conjunto de informaes fornecido pelo mercado e pela sociedade. Isso o possibilita criar necessidades e revelar e declarar suas preferncias, que so sujeitas a restries de oramento e variveis socioeconmicas, e suas atitudes em relao ao meio ambiente.

    3. A terceira restrio enfoca o problema pela ausncia de informao. Como se sabe, o argumento a favor dos mercados se torna insuficiente, pois os agentes econmicos tm pouco ou nenhum conhecimento de gene e espcies da diversidade biolgica ou dos ecossistemas, impossi-bilitando-os de fazer juzo de valor a respeito dos produtos e servios fornecidos pela natureza.

    Essas restries tm permitido aos governos a insero de vrios instrumen-tos de poltica ambiental, com o objetivo de minimizar os efeitos da degradao do meio ambiente e punir seus degradadores. A proposio inicial foi feita por Pigou (1920), em que sups um sistema de compensao a fim de reparar as ex-ternalidades ambientais, uma vez que estas so geradas a partir de transaes entre os agentes econmicos ou de investimentos feitos pelo poder pblico, tais como: reflorestamento de reas degradadas, que proporcionam melhoria de bem-estar para sua vizinhana; recursos financeiros, materiais e tecnolgicos empregados na

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    preveno de poluio do ar oriunda das indstrias; e avanos na pesquisa cient-fica, que se traduzem em descobertas de alta praticidade e melhoria de produtos e processos industriais, os quais permitem redues de preos para os consumido-res. Essa sistemtica de indenizao de danos ambientais denominada impos-tos de Pigou, os quais so usados para tributar as atividades que so nocivas ao meio ambiente e subsidiar aquelas que geram externalidades positivas.

    Entre os instrumentos de poltica ambiental, destacam-se as ferramentas de va-lorao ambiental. Os mtodos de valorao podem ser classificados em: i) mtodos que se baseiam no mercado de bens substitutos (mtodos do custo de recuperao e/ou reposio, mtodo do custo de controle e mtodo do custo de oportunidade); ii) mtodos de preferncia revelada (mtodos do custo de viagem e de preo hed-nico); iii) mtodos de preferncia declarada (mtodos de valorao contingente e de conjoint analysis); e iv) mtodo de funo efeito que relaciona causa e efeito de fenmenos ambientais por meio de uma funo dose-resposta.

    10.MTODOS.bASEADOS.NO.MERCADO.DE.bENS.SUbSTITUTOS

    O mercado um local onde h uma constante interao de desejos e necessidades dos produtores que buscam maximizar lucros e dos consumidores que maxi-mizam o bem-estar. Concomitantemente, outros entes influenciam a tomada de deciso no mercado, tais como o Estado representado pelos Poderes Executivo, Judicirio e Legislativo, os quais tm a incumbncia de gerir os negcios do pas, promover a justia social e legislar para a defesa do bem comum, respectivamente e as organizaes do terceiro setor que tm desempenhado um papel importante em defesa das diversas formas de vida na Terra. Alm de que essas organizaes tm contribudo com informaes que os agentes de mercado usam em suas to-madas de deciso. Porm, muitos ativos da natureza no tm cotao nos merca-dos tradicionais; por isso, necessrio estimar os preos desses recursos por meio de tcnicas de mercado de bens substitutos.

    Esses bens so representados por aqueles que, havendo um aumento no preo de um bem, acarretam uma elevao da demanda de outro bem, dito subs-tituto. A analogia com os mercados de bens substitutos facilita a estimao de forma simples e objetiva do preo do dano ambiental, pois se entende que, ao se consumir o bem substituto, o consumidor no perde bem-estar em relao ao bem consumido anteriormente.

    10.1.Mtodos.de.preferncia.revelada

    Os mtodos de preferncia revelada baseiam-se na teoria do comportamento do consumidor, a qual fundamenta as escolhas dos consumidores nos mercados eco-nmicos. Podem ser classificados em dois mtodos distintos: o mtodo do custo

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    de viagem o qual avalia o comportamento do consumidor por recreao em ativos naturais e o mtodo de preo hednico que se refere a uma curva de demanda por residncias ou salrios em decorrncia de atributos ambientais.

    10.2.Mtodos.de.preferncia.declarada

    Os mtodos de preferncia declarada baseiam-se nas preferncias dos consumido-res ou usurios de recursos naturais e utilizam mecanismos de eliciar escolhas por meio de tcnicas de questionrios. O primeiro modelo o mtodo de valorao contingente, o qual prope eliciar escolhas a partir do desenho de um mercado hipottico, e o segundo elicia preferncias com base na combinao de diversos atributos socioeconmicos e ambientais.

    10.3.O.mtodo.de.funo.efeito

    O mtodo de funo efeito se refere estimao de uma funo dose-resposta, a qual fornece uma relao de causa e efeito de fenmenos, especialmente os relacionados ao meio ambiente. O mtodo estabelece uma relao entre o impacto ambiental como resposta e alguma causa desse impacto, por exemplo, a poluio como dose.

    A tcnica usada quando a ocorrncia da relao dose-resposta entre alguma causa de danos e efeitos ambientais conhecida. Por exemplo, efeitos da poluio do ar nos gastos com sade, na taxa de mortalidade de uma cidade, no patrim-nio histrico, nos ecossistemas aquticos etc.

    Nesse sentido, no h limites para o desenvolvimento sustentvel, pois se diz que a pesquisa j est no segundo estgio, qual seja, o de mensurar o desenvolvi-mento sustentvel e transform-lo em indicadores.

    O termo indicador origina-se do latim indicare, ou seja, aquilo que reve-la, demonstra, indica, que expressa a tendncia de uma varivel. Um indicador demonstra, por meio de uma taxa, proporo, estatstica, ndice ou constructo, a evoluo de fenmenos dos recursos e ativos naturais.

    Para Atkinson et al. (1999), um indicador deve refletir o comportamento de um fenmeno em um determinado perodo, ser til como sensor para problemas ambientais emergentes, mostrar a tendncia das variveis em anlise em um hori-zonte de tempo, ser de fcil entendimento, suprir as necessidades de seus usurios e ser produzido com a periodicidade desejada. A seguir, algumas das definies encontradas na literatura no que se refere a indicadores ambientais.

    No entendimento da Agncia Ambiental do Reino Unido (2009), os indi-cadores ambientais so medidas do estado e das presses sobre o meio ambiente. O seu objetivo despertar a conscincia sobre o meio ambiente e mostrar o pro-gresso na direo do Desenvolvimento Sustentvel.

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    Para a Agncia de Proteo Ambiental dos Estados Unidos da Amrica do Norte (EPA),

    Os indicadores ambientais so medidas cientficas que traam as condies ambien-tais ao longo do tempo. Os indicadores ajudam a medir o estado dos recursos ar, gua e solo/terra, as presses sobre eles, e os efeitos resultantes na sade ambiental e humana. Os indicadores mostram os progressos no sentido de tornar o ar mais limpo, a gua mais pura e proteger as nossas terras.A Comisso de Desenvolvimento Sustentvel das Naes Unidas afirma que so ne-cessrios indicadores para monitorar o progresso na direo do Desenvolvimento Sus-tentvel de modo a auxiliar os tomadores de deciso e os policy-makers em todos os nveis. Alm dos indicadores econmicos de bem-estar comumente usados, tambm tero que ser considerados indicadores sociais, ambientais e institucionais para chegar a um retrato mais amplo e completo do desenvolvimento da sociedade (EPA, 2009).

    Os indicadores de sustentabilidade so gerados a partir dos insumos forne-cidos pelos ativos naturais e pelas atividades econmicas/antrpicas. Conforme a Segunda Lei da Termodinmica, a Lei da Entropia, o processo econmico considerado como uma transformao contnua de baixa entropia em direo alta entropia, significando que a energia utilizada pela economia em seu processo de produo transformada em novas formas de energia, as quais degradam e exaurem os recursos da natureza (MOTA, 2006). Na avaliao de Faucheux e Nol (1995), a fim de exprimir o impacto das atividades econmicas sobre os mecanismos regulares do meio, quer dizer, sobre o capital natural, h que desen-volver uma bateria de indicadores materiais e energticos.

    Nesse sentido, a literatura recomenda trs critrios bsicos para a elaborao de indicadores ambientais. Quanto pertinncia poltica, um indicador ambiental deve retratar as reais condies dos recursos naturais, das presses exercidas pelas atividades econmicas e humanas no meio ambiente e das respostas que os agentes institucionais expressam em forma de polticas, projetos e demais arranjos participa-tivos. Quanto exatido de anlise, um indicador ambiental deve ancorar-se em fun-damentos tericos, baseados em mtodos cientficos, e sujeitar-se s normas estabele-cidas internacionalmente. Quanto mensurabilidade, um indicador ambiental deve ser formatado em funo de seu custo benefcio e da acessibilidade documentao existente e atender a critrios de regularidade temporal. Januzzi (2001) afirma que os indicadores devem possuir as seguintes propriedades desejveis: i) relevncia (impor-tncia e pertinncia a respeito do fenmeno em anlise); ii) validade (proximidade entre o indicador e o fenmeno); iii) confiabilidade baseada em informaes de boa qualidade com baixo erro de mensurao; iv) cobertura (abrangncia); v) sensi-bilidade (capacidade de refletir mudanas); vi) especificidade (capacidade de refletir mudanas estritamente relacionadas ao fenmeno observado); vii) inteligibilidade

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    (transparncia metodolgica); viii) comunicabilidade (capacidade de ser compreen-dido); ix) periodicidade (capacidade de ser atualizado em um horizonte temporal razovel); x) factibilidade (capacidade de ser obtido a custos mdicos); xi) desagrega-bilidade (capacidade de referir-se a espaos reduzidos e grupos sociais especficos); e xii) historicidade (disponibilidade de sries histricas extensas e comparveis).

    Alm disso, para obterem-se legitimidade social e aceitao como instru-mentos de tomada de decises pelos diversos grupos de interesse envolvidos no processo de formulao e avaliao de polticas pblicas (stakeholders), os indica-dores devem ser de fcil compresso por parte de um pblico mais amplo e refletir necessariamente as aspiraes da comunidade.

    Nos ltimos anos, os gestores de polticas pblicas ambientais tm se depa-rado com a escassez de parmetros que possam ser utilizados na formulao de programas pblicos e na orientao e anlise dessas polticas.

    As decises pblicas so tomadas em funo dos indicadores ambientais disponveis, os quais subsidiam o sistema de planejamento e permitem o acom-panhamento de polticas de governo para o setor ambiental. Dessa forma, um indicador ambiental construdo a partir de trs categorizaes (quadro 1).

    QUADRO 1Categorias.de.indicadores.ambientais

    Categoria Definio

    Por espaoPode ser construdo a partir de necessidades regional, territorial, estadual, municipal e por unidade de conservao ou ecossistema

    Por especificidadePode ser elaborado a partir do grau de acompanhamento que o gestor deseja implementar para reas espec-ficas, tais como monitoramento da poluio do ar, recursos hdricos e florestas e outros recursos naturais

    Por representaoPode ser apresentado de duas formas: qualitativa e quantitativa, as quais so demonstradas por meio de tabelas, quadros, grficos, figuras, mapas e diagramas

    Fonte e elaborao prprias.

    Por outro lado, a experincia da Organizao para a Cooperao Econmica e Desenvolvimento (OCDE) (1993) recomendou a construo de indicadores fundamentados em princpios de causalidade. Essa organizao utiliza 50 indi-cadores ambientais a fim de contemplar a maioria dos problemas ambientais de seus pases-membros. O modelo presso estado resposta (PER) considera que o meio ambiente sistmico, que seus entes esto inter-relacionados, ou seja, sobrevivendo em processo de simbiose.

    Os indicadores de presso (P) descrevem as presses que as atividades econmicas e humanas exercem sobre os ativos naturais, tais como: emis-ses de poluentes e lanamentos de resduos (presses diretas); o impacto do

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    crescimento da populao humana; e os modos de produo e consumo dos recursos naturais (presses indiretas).

    Os indicadores de estado (E) fornecem uma viso geral do estado do meio ambiente e de sua evoluo no tempo. Relacionam-se quantidade e qualidade dos recursos naturais, indicando a situao das diversas categorias de ativos da natureza, tais como flora, fauna, solo, gua e ar.

    Os indicadores de resposta (R) demonstram os nveis de respostas que a so-ciedade sinaliza para os diversos agentes sociais a fim de minimizar os impactos ambientais. Indicam as respostas individuais e/ou coletivas que esto sendo im-plementadas pela sociedade, pelo governo e pelos demais agentes econmicos, com o objetivo de evitar danos ambientais, mitigar efeitos de polticas pblicas e impor limites normativos e/ou econmicos para a explorao dos recursos natu-rais e medidas de precauo visando conservao/preservao destes. O modelo PER pode ser assim sintetizado (figura 4).

    FIGURA 4Fluxo.do.modelo.presso..estado..resposta

    P = Presso I = Informao

    Respostas/Decises

    Presso Estado Resposta

    Informao

    Indicadoresde

    presso

    Indicadoresde

    condio

    Indicadoresde

    resposta

    Agenteseconmicos,

    sociais eambientais

    Condiesdos recursos

    naturais

    Atividadeseconmicase humanas

    P I

    Fonte e elaborao prprias.

    O esforo da OCDE tem sido direcionado para integrar a varivel am-biental nas polticas pblicas setoriais. Na perspectiva do desenvolvimento sustentvel, os esforos direcionam-se para o entendimento dos elos entre o meio ambiente e as cincias econmicas. Assim, a prioridade o desenvol-vimento de indicadores setoriais que possibilitem a avaliao de tendncias e estruturas setoriais por meio da escolha de setores que exeram presso

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    sobre o meio ambiente, melhorem o entendimento entre este e os setores selecionados (avaliao de impactos e externalidades setoriais sobre o meio ambiente) e retratem os aspectos econmicos, polticos e institucionais , esta categoria inclui os gastos e os investimentos ambientais, os instrumentos econmicos e fiscais, a modelagem institucional e as questes de intercmbio.

    Alm disso, outros pases tm elaborado indicadores ambientais. O Canad desenvolveu um conjunto de indicadores por especificidade, em que foram contempladas as categorias atmosfera, gua, biota e recursos eco-nmicos (floresta, agricultura, pesca, uso de gua e energia). Para o caso do Reino Unido, foram includos indicadores referentes biodiversidade, qualidade de vida, atmosfera, terra, gua, aos recursos do mar, agri-cultura, energia, indstria, ao transporte e resduos slidos (PERMAN; MA; MCGILVRAY, 1996).

    11..A.EXPERINCIA.bRASIlEIRA.COM.A.CONSTRUO.DE.INDICADORES..DE.SUSTENTAbIlIDADE

    Com a aprovao da Agenda 21, durante a Conferncia das Naes Unidas reali-zada no Rio de Janeiro em 1992, o governo brasileiro mobilizou vrios segmen-tos da sociedade com o objetivo de construir uma pauta de polticas ambientais sustentveis de acordo com as potencialidades e as vulnerabilidades dos recursos naturais. Os debates nacionais permitiram a definio de seus temas: agricultura sustentvel; cidades sustentveis; infraestrutura e integrao regional; gesto dos recursos naturais; reduo das desigualdades sociais; e cincia e tecnologia para o desenvolvimento sustentvel.

    No tema gesto dos recursos naturais, a estratgia 3 recomenda a identifi-cao de indicadores de sustentabilidade, frisando a necessidade de se definir indicadores que permitam estabelecer os limites de sustentabilidade dos recursos naturais, bem como o monitoramento da qualidade ambiental desses recursos. Implica o levantamento para a qualidade ambiental e sua eventual transformao em indicadores sintticos (NOVAES, 2000).

    A fim de implementar a Poltica Nacional do Meio Ambiente, a Lei no 6.938, de 31 de agosto de 1981, determina em seu Art. 9o a criao do Sistema Nacional de Informaes sobre o Meio Ambiente (Sinima), cujo objetivo sistematizar infor-maes que possam apoiar o processo decisrio na rea ambiental.

    Durante o perodo em que esteve sob a responsabilidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis (Ibama), o Sinima desenvol-veu uma catalogao bibliogrfica, de legislao ambiental e de vdeos, assim como foi estruturada a Rede Nacional de Informaes sobre o Meio Ambiente (Renima), da qual participam rgos estaduais de meio ambiente.

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    Por iniciativa do Ministrio do Meio Ambiente (MMA), foi criado o Pro-grama Nacional de Monitoramento Ambiental Integrado (Monitore), com o objetivo de estabelecer uma nova dinmica de produo de informaes sobre qualidade ambiental, o qual engloba desenvolvimento de padres metodolgicos e de coleta de dados, promoo e difuso de prticas e procedimentos de monito-ramento ambiental, assim como desenvolver padres estatsticos e amostrais para pesquisas regional e nacional sobre qualidade ambiental (RIZZO, 2001). Uma outra contribuio terica foi a criao, pelo MMA, do Programa Nacional de Indicadores de Sustentabilidade (PNIS).

    As tentativas de se elaborar um conjunto de indicadores ambientais para o Brasil passam por vrios problemas, tanto de ordem conceitual quanto de abran-gncia e capacitao de profissionais. Alm de que dois problemas podem ser relatados quanto dificuldade de se construir um indicador global para o meio ambiente. O primeiro refere-se escolha de quais indicadores sero selecionados. O segundo relaciona-se definio de um sistema de ponderao. Alm disso, Tolmasquim (2001) prope que a proposio de um indicador requer (...) iden-tificao e avaliao das variveis necessrias obteno do indicador, o diagns-tico da disponibilidade de dados e a identificao da instituio responsvel por elabor-lo e divulg-lo periodicamente.

    Em recente trabalho publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) (IBGE, 2002, 2008), foi apresentado um rol de indica-dores de desenvolvimento sustentvel para o Brasil. O instituto selecionou 50 indicadores, distribuindo-os em quatro reas temticas: i) social taxa de crescimento da populao, ndice de Gini, esperana de vida ao nascer, escolaridade, densidade inadequada de moradores por dormitrio, coefi-ciente de mortalidade por homicdios etc.; ii) ambiental consumo indus-trial de substncias destruidoras da camada de oznio, uso de fertilizantes, produo da pesca martima e continental, espcies extintas e ameaadas de extino, acesso ao servio de coleta de lixo domstico etc.; iii) econmica produto interno bruto per capita, consumo de energia per capita etc.; e iv) institucional ratificao de acordos globais, gastos com pesquisa e desen-volvimento (P&D) etc.

    Por outro lado, ainda no existe no Brasil nenhuma proposta sistematizada de produo de indicadores de sustentabilidade, calcada na cooperao interinsti-tucional entre os rgos produtores de estatsticas, os responsveis pela gesto da poltica ambiental, os institutos de pesquisa ambiental e a sociedade civil organi-zada, que fornea um retrato do desempenho do Brasil em termos do alcance do desenvolvimento sustentvel.

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    12.CONSIDERAES.FINAIS

    Tal como formulado e difundido entre as naes, o conceito de desenvolvimento sustentvel redigido pelo Relatrio Brundtland um avano do ponto de vista econmico neoclssico, pois enfoca e reala que as futuras geraes tm os mesmos direitos das geraes presentes em suprir suas necessidades (box 1).

    BOX 1O.conceito.de.desenvolvimento.sustentvel

    O desenvolvimento sustentvel aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem as suas prprias neces-sidades. Ele contm dois conceitos-chave: a) o conceito de necessidades, sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a mxima prioridade; b) a noo das limitaes que o estgio da tecnologia e da organizao social impe ao meio ambiente, impedindo-o de atender s necessidades presentes e futuras. Portanto, ao se definirem os objetivos do desenvolvimento econmico e social, preciso levar em conta sua sustentabilidade em todos os pases desenvolvidos ou em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central. Haver muitas interpretaes, mas todas elas tero caractersticas comuns e devem derivar de um consenso quanto ao conceito bsico de desenvolvimento sustentvel e quanto a uma srie de estratgias ne-cessrias para sua consecuo. O desenvolvimento supe uma transformao progressiva da economia e da sociedade.

    Fonte: CMMAD (1991).

    Esses direitos so expostos em termos de necessidades intergeracio-nais; entretanto, as questes de sustentabilidade dos ecossistemas no so enfatizadas textualmente no conceito. Mesmo assim, muitas contribuies tericas tm sido incorporadas no sentido de ampliar o entendimento do desenvolvimento sustentvel, contemplando o papel primordial da simbiose entre os entes da natureza.

    Desse modo, pode-se categorizar a questo da sustentabilidade em trs estgios. No primeiro estgio, que se refere ao conceito de desenvolvimento sustentvel, ainda h espao acadmico para discusso e aprimoramento terico da terminologia, os quais devem contemplar os ativos naturais como o centro do desenvolvimento, invertendo-se os papis que a natureza deve desempenhar na manuteno da vida na Terra, isto , mudar a viso antropocntrica para uma viso biocntrica/ecocntrica.8 No segundo estgio, o qual se refere s ferramentas para mensurar a sustentabilidade, esto includas

    8. O antropocentrismo considera o homem o centro do universo e que a ele so destinadas todas as coisas. O biocen-trismo relaciona-se com a justia biota, que atribui importncia a todos os seres vivos, no considerando o aspecto puramente utilitarista da natureza, ou seja, est centrado no raciocnio moral. O ecocentrismo est baseado na tica da Terra e assume um enfoque sistmico que ajuda a entender como o sistema bitico sobrevive e se modifica, sina-lizando que o valor guiado por essa perspectiva.

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    as contribuies interdisciplinares das Cincias Econmicas, da Biologia, da Ecologia, das engenharias etc., no sentido de se desenvolverem mtodos de valorao ambiental integrada que possibilitem estimar o desenvolvimento sustentvel (box 2).

    BOX 2A.mensurao.do.desenvolvimento.sustentvel

    (...) houve um desenvolvimento da matemtica que permitiu criar modelos com variveis mltiplas para prever o futuro da natureza em funo do comportamento de cada setor do progresso. E, bvio, surgiram as mquinas que permitem manipular esses modelos e inserir neles um outro produto do sculo XX, o acmulo de dados estatsticos. Ento, quan-do se tem um acmulo de dados estatsticos, os modelos matemticos para combin-los e as mquinas de simulao das funes, podemos comear a projetar com rigor o futuro e atuar a percepo e a conscincia do rumo da realidade material provocada pelo homem.

    Fonte: Buarque (2007).

    O terceiro estgio se refere a criao e apresentao de indicadores, cons-tituindo-se no modo pelo qual a sociedade tem conhecimento dos efeitos sobre a biodiversidade das escolhas de critrios, aes, polticas e projetos de desenvolvimento sustentvel.

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    REFERNCIAS

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