ipea sociedade realidade em preto e branco

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Sociedade - Realidade em preto e branco No país da democracia racial, os negros continuam estudando menos, enfrentando maiores dificuldades para conseguir emprego e recebendo salários menores. A diferença é que a sociedade está mais disposta a levar a sério o problema e buscar uma solução Lia Vasconcelos Neuza Manhães, Silvana Aparecida da Conceição Souza e Maria da Cruz Alves dos Santos não se conhecem, mas têm algo em comum: são negras e estão enfrentando a mesma fila na porta de uma agência de empregos em busca de trabalho. Elas não estão sozinhas. Fazem parte de um quadro trágico e preocupante que reflete as imensas dificuldades enfrentadas pelos negros na sociedade brasileira. O Brasil está longe de ser o país da “democracia racial” e os afrodescendentes ainda são alvo de contínuos processos de preconceito e estereótipo raciais. No mundo do trabalho, por exemplo, a situação do negro é sempre pior do que a do branco. Eles são maioria no grupo dos desempregados, dos trabalhadores informais e, além disso, ganham menos. Num país que tem o passivo da escravidão, abolida há cerca de 150 anos, a diferença de rendimento coloca os afrodescendentes na rabeira do espectro social: em 2003, 8,4% dos negros encontravam-se em condições de extrema pobreza, ante 3,2% dos brancos. Embora mulheres e homens negros representem 44,7% da população brasileira, sua participação chega a 68% entre os 10% mais pobres, segundo dados do Censo 2000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). À medida que se avança em direção aos mais altos estratos de renda, sua presença diminui até atingir apenas 13% entre os 1% mais ricos, situação que permaneceu inalterada ao longo dos anos 90. Apesar de as iniciativas de promoção da igualdade racial terem conquistado cada vez mais destaque e espaço, as ações voltadas para a inserção dos negros no mercado de trabalho ainda são tímidas para enfrentar o tamanho do preconceito existente na sociedade brasileira. “Eu já senti muita discriminação. Ser negro no Brasil é ser lixo. Os negros não têm estudo e têm mais dificuldade para arranjar emprego”, conta a copeira Neuza Manhães, que está desempregada desde o começo deste ano e sustenta sozinha sete pessoas na cidade-satélite de Samambaia, no Distrito Federal. Sua opinião, infelizmente, é confirmada pelos números. A taxa de desemprego, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2003, elaborada pelo IBGE, mostra as variações em função da cor da pele: no grupo com mais de 16 anos de idade, a taxa de desemprego é de 8,7% para os brancos e de 10,7% para os negros. O grau de informalidade também é maior entre os negros. Enquanto 42% dos brancos têm carteira assinada ou são funcionários públicos, entre os negros esse percentual é de 1 / 8

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    No pas da democracia racial, os negros continuam estudando menos, enfrentando maioresdificuldades para conseguir emprego e recebendo salrios menores. A diferena que asociedade est mais disposta a levar a srio o problema e buscar uma soluo

    Lia Vasconcelos Neuza Manhes, Silvana Aparecida da Conceio Souza e Maria da Cruz Alves dos Santosno se conhecem, mas tm algo em comum: so negras e esto enfrentando a mesma fila naporta de uma agncia de empregos em busca de trabalho. Elas no esto sozinhas. Fazemparte de um quadro trgico e preocupante que reflete as imensas dificuldades enfrentadaspelos negros na sociedade brasileira. O Brasil est longe de ser o pas da democracia racial eos afrodescendentes ainda so alvo de contnuos processos de preconceito e esteretiporaciais. No mundo do trabalho, por exemplo, a situao do negro sempre pior do que a dobranco. Eles so maioria no grupo dos desempregados, dos trabalhadores informais e, almdisso, ganham menos. Num pas que tem o passivo da escravido, abolida h cerca de 150 anos, a diferena derendimento coloca os afrodescendentes na rabeira do espectro social: em 2003, 8,4% dosnegros encontravam-se em condies de extrema pobreza, ante 3,2% dos brancos. Emboramulheres e homens negros representem 44,7% da populao brasileira, sua participaochega a 68% entre os 10% mais pobres, segundo dados do Censo 2000, do Instituto Brasileirode Geografia e Estatstica (IBGE). medida que se avana em direo aos mais altos estratosde renda, sua presena diminui at atingir apenas 13% entre os 1% mais ricos, situao quepermaneceu inalterada ao longo dos anos 90. Apesar de as iniciativas de promoo da igualdade racial terem conquistado cada vez maisdestaque e espao, as aes voltadas para a insero dos negros no mercado de trabalhoainda so tmidas para enfrentar o tamanho do preconceito existente na sociedade brasileira.Eu j senti muita discriminao. Ser negro no Brasil ser lixo. Os negros no tm estudo etm mais dificuldade para arranjar emprego, conta a copeira Neuza Manhes, que estdesempregada desde o comeo deste ano e sustenta sozinha sete pessoas na cidade-satlitede Samambaia, no Distrito Federal. Sua opinio, infelizmente, confirmada pelos nmeros. Ataxa de desemprego, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios (Pnad) de2003, elaborada pelo IBGE, mostra as variaes em funo da cor da pele: no grupo com maisde 16 anos de idade, a taxa de desemprego de 8,7% para os brancos e de 10,7% para osnegros. O grau de informalidade tambm maior entre os negros. Enquanto 42% dos brancostm carteira assinada ou so funcionrios pblicos, entre os negros esse percentual de

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    31,4%. Isso significa que menos de um tero dos trabalhadores negros tem acesso a direitostrabalhistas, como dcimo terceiro salrio, adicional de frias, seguro desemprego e benefciosprevidencirios. A situao ainda pior para a mulher negra, j que somente uma em cadaquatro possui algum vnculo formal de trabalho. Na hora da contratao, o que conta aaparncia, e no a qualidade, diz Maria da Cruz Alves dos Santos, trabalhadora domsticadesempregada h dois meses. As dificuldades para se colocar no mercado de trabalho so formadas muito antes do momentoda procura do emprego, especialmente pelas diferenas de acesso educao. Em 2001,10,2% dos brancos e apenas 2,5% dos negros tinham concludo o ensino superior, com umavantagem de quatro vezes para os brancos. A situao j foi pior, porque em 1960 o nmerode brancos com diploma universitrio era 14 vezes superior ao dos negros. No entanto, adistncia voltou a aumentar entre 1991 e 2000, quando o nmero de matriculados nasuniversidades passou de 1,4 milho para quase 3 milhes, mas no houve maior incluso denegros, uma vez que sua participao no sistema caiu ligeiramente, de 19,7% para 19,3%, deacordo com o Relatrio de Desenvolvimento Humano deste ano elaborado pelo Programa dasNaes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que elegeu como tema a igualdade racial. Aquesto da igualdade racial um problema monstruoso. Ao final do segundo grau, os negros jperderam a corrida h muito tempo. As polticas pblicas que existem hoje so pfias, dizSergei Suarez Dillon Soares, pesquisador do Ipea que desenvolveu, em 2000, um estudocomparando as diferentes condies de negros e brancos no mercado de trabalho. Alternativas J que a expanso do nmero de vagas nas universidades no abriu maisespao para os afrodescendentes, surgiram algumas iniciativas para tentar reverter essequadro. Uma delas atinge no s negros mas tambm ndios e estudantes oriundos de escolaspblicas do ensino mdio. o Programa Universidade para Todos (ProUni), proposto peloMinistrio da Educao (MEC), que prev a concesso de bolsas de estudo integrais e parciaisa estudantes de graduao em instituies privadas de educao superior. Em contrapartida,os estabelecimentos que aderirem ao programa ganharo iseno em alguns impostosfederais. Neste ano, 112 mil bolsas foram oferecidas em 1.142 instituies particulares e oprograma pretende oferecer, nos prximos quatro anos, 400 mil bolsas. A segunda iniciativa a to debatida criao de vagas exclusivas para que os estudantesnegros tenham acesso s universidades. No Anteprojeto de Lei da Educao Superior, emtramitao no Congresso Nacional, a escolha dos mecanismos de incluso dos grupos sociaise tnico-raciais de responsabilidade das instituies federais de ensino superior (Ifes), queficariam livres para elaborar e implementar as polticas afirmativas que considerarem maisapropriadas. Tambm foi estabelecido um prazo de dez anos para que as Ifes alcancem ameta de ter pelo menos 50% de suas vagas preenchidas por alunos egressos de escolaspblicas em todos os cursos de graduao. Paralelamente, corre no Congresso outro projeto

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    de lei bem mais rigoroso, prevendo que as Ifes teriam um prazo de 240 dias, aps suapromulgao, para se adequar s novas regras. Valer o projeto que for aprovado em primeirolugar, de acordo com Dborah Silva Santos, consultora do departamento de polticasestratgicas da Secretaria de Educao Superior do MEC. Enquanto a deciso final no sai, algumas universidades tomaram a dianteira e instituram porconta prpria um sistema de cotas. At outubro deste ano, 19 universidades federais eestaduais j tinham institudo o sistema de reserva de vagas. Na Universidade Federal deBraslia (UNB), por exemplo, 384 pessoas entraram por meio das cotas no ano passado. Semdvida, a poltica de cotas contribui para o ingresso na universidade e para a posterior entradano mercado de trabalho, mas deveria ser universalizada de forma a permitir a insero dosnegros em todas as esferas da sociedade, afirma o estudante do segundo ano de PedagogiaEdvaldo Alves da Silva, que entrou na UNB graas ao novo sistema. Conhecimentos Mas nem todos concordam que o sistema de vagas exclusivas seja a melhorforma de facilitar o acesso dos negros ao ensino superior. A Universidade de Campinas(Unicamp) adotou outra estratgia, que conserva o critrio de seleo do vestibular dando umcrdito a mais aos candidatos das minorias raciais - negros e ndios - e aos vindos de escolaspblicas. Os do primeiro grupo recebem dez pontos a mais na nota do exame de seleo, e osdo segundo, 30 pontos. Dessa forma, eles obtm uma vantagem extra na hora de competircom os demais estudantes, porm precisam provar que tm o conhecimento necessrio paraentrar na Unicamp. O sistema de cotas proposto pelo ministrio trata o problema da formaerrada. A forma correta de tratar esse problema seria por meio de uma poltica mais positiva deincentivo para que as instituies aumentem a incluso da forma como acharem melhor. Temmuita gente inteligente na universidade, a universidade que tem de encontrar a melhormaneira de lidar com essa questo, a universidade tem de ter autonomia, diz Carlos Henriquede Brito Cruz, diretor cientfico da Fundao de Amparo Pesquisa do Estado se So Paulo(Fapesp) e reitor da Unicamp at abril de 2005. Para Nelson Fernando Inocncio da Silva,professor da UNB e coordenador do Ncleo de Estudos Afro-Brasileiros da mesmauniversidade, necessrio que seja feito um trabalho para que a sociedade brasileiracompreenda a gravidade da situao. O Brasil signatrio de vrios documentos de combate discriminao, mas no basta assinar documentos. preciso que o pas se comprometa compolticas pblicas que alterem as condies de vida da populao negra, acredita Inocncio daSilva. Entretanto, o acesso a uma educao superior pode no ser suficiente para garantir aconquista de postos mais qualificados no mercado de trabalho. O diploma universitrio noprotege os negros das prticas racistas, alerta Edson Cardoso, coordenador editorial do jornalbimestral Irohin, editado especialmente para os afrodescendentes. De fato, a situaodesfavorvel dos negros no mundo do trabalho no pode ser justificada apenas pelas

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    desigualdades existentes no campo educacional. Essa a concluso de uma pesquisa feitapelo Ipea com o objetivo de explicar as diferenas de rendimentos entre negros e brancos. A idia foi comparar pessoas com caractersticas semelhantes de sexo, idade, educao,endereo e setor de atuao, porm de raas diferentes. O estudo partiu da informaoconcreta de que, em 2003, o rendimento mdio de um homem branco era 594 reais superior aode um homem negro. Dessa diferena, 281 reais se deviam ao menor grau de escolaridade dogrupo negro, porm os 313 reais restantes no tinham nenhuma explicao objetiva, exceto opreconceito racial. Esse valor corresponde a pouco mais da metade, 53% da diferena derendimentos entre negros e brancos. Mesmo com um investimento macio em educao, adiferena de renda entre negros e brancos no vai diminuir muito, porque metade dela explicada pela discriminao sofrida pelos negros, afirma Leonardo Rangel, pesquisador doIpea e autor do estudo. Todo negro que disser que nunca foi discriminado est mentindo, declara o senador PauloPaim (PT-RS), autor do Estatuto da Igualdade Racial, recentemente aprovado no Senado e emtramitao na Cmara. O projeto prope cotas para negros em empresas, em cursos degraduao de universidades pblicas e privadas, no servio pblico, nos partidos polticos e emfilmes publicitrios, programas e anncios de TV. O estatuto prev ainda o direito terra, noqual est includa a titulao de posse para os quilombolas e a criao de conselhos estaduais,municipais e um nacional de defesa da igualdade racial. O preconceito no vai acabar no diaseguinte aprovao do estatuto, mas instrumento fundamental de combate ao racismo,acredita Paim. Enquanto o estatuto no aprovado, o Ministrio Pblico do Trabalho (MPT) tenta fazer a suaparte. Lanou em abril deste ano, em parceria com o Ipea, o programa Igualdade para Todos,que busca promover a admisso de um nmero maior de negros no mercado de trabalho,aproximar as mdias salariais de brancos e negros e criar critrios de ascenso profissionalmais transparentes. Dados levantados pelo MPT e pelo Ipea mostram a baixa admisso denegros e mulheres nas empresas. Em Braslia, por exemplo, entre funcionrios dos cincomaiores bancos privados, apenas 18,7% so negros, enquanto os afrodescendentescorrespondem metade da Populao Economicamente Ativa (PEA) da capital. Ajustamento O programa implementado em etapas. Na primeira, o MPT convoca asprincipais empresas de determinado setor de atividades - neste ano, os bancos - para queprestem informaes sobre seus trabalhadores. A partir da, elaborado um perfil dasdesigualdades em cada instituio, tendo como parmetro a participao de negros e demulheres no total de empregados, a presena de negros e mulheres nos cargos de direo da

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    empresa e as diferenas salariais entre brancos e negros, por sexo. A etapa final do processoconsiste em estabelecer um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre a empresa e oMPT, por meio do qual o empregador se compromete a cumprir, em determinado perodo,metas para cada um dos trs critrios. Se no houver um acordo, as empresas seroacionadas judicialmente. At agora, o MPT j ajuizou, em Braslia, aes civis pblicas contra os bancos Bradesco, Ita,ABN Amro Real, HSBC e Unibanco. Se condenados, os bancos tero de pagar 30 milhes dereais por danos morais e por prticas discriminatrias. A reportagem de Desafios procurou aFederao Brasileira dos Bancos (Febraban), mas a entidade prefere no se pronunciar sobreo assunto. Neste ano, o foco foram os bancos, mas em 2006 empresas de outros setores daeconomia sero analisadas. De forma geral, o empresrio sabe que h discriminao, masno faz nada. Muitas vezes os programas de diversidade das empresas so apenas umaformalidade, afirma Otvio Brito Lopes, vice-procurador-geral do MPT. semelhante aavaliao de Maria Aparecida Silva Bento, diretora executiva do Centro de Estudos dasRelaes do Trabalho e da Desigualdade (Ceert), organizao no-governamental quedesenvolve programas de diversidade em empresas: Fui gerente de recursos humanos emgrandes empresas e posso garantir que os processos de seleo excluem os negros dedeterminados lugares, como cargos de comando e de vanguarda tcnica. Outro passo importante foi a criao da Secretaria Especial de Polticas de Promoo daIgualdade Racial (Seppir). a primeira vez na histria deste pas que um rgo com status deministrio foi institudo para cuidar dessa questo, afirma a ministra Matilde Ribeiro, da Seppir.Uma das principais realizaes do novo rgo do Executivo federal foi a organizao daprimeira Conferncia Nacional de Promoo da Igualdade Racial (Conapir), com o objetivo dereunir representantes do governo e da sociedade para, em conjunto, estabelecerem asdiretrizes do Plano Nacional de Promoo da Igualdade Racial. A conferncia, realizada emjulho deste ano, atraiu aproximadamente 3 mil pessoas e resultou em cerca de 1.000propostas, que sero analisadas por um grupo de trabalho interministerial a ser institudo pelogoverno. A Seppir uma das mais importantes conquistas do movimento negro, mas precisade mais recursos para funcionar, diz Bento, da Ceert, criticando a estrutura e o oramento dorgo, ambos considerados bastante reduzidos. Qualificao Dados do IBGE mostram que existiam, em 2003, 6 milhes de trabalhadorasdomsticas assalariadas no Brasil, sendo 95% mulheres. Desse total, 76% recebiam at umsalrio mnimo e 57,4% eram negras e pardas. Apenas 23% tinham carteira assinada e 57,9%tinham cursado o ensino fundamental, porm no haviam concludo. Para tentar mudar essequadro, foi lanado, em novembro passado, o programa Trabalho Domstico Cidado, dentrodo Plano Nacional de Qualificao (PNQ), que, a partir de 2003, passou a dar ateno especiala segmentos com maiores dificuldades de insero no mercado de trabalho, o que inclui os

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    negros. A iniciativa foi do Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), em conjunto com a Seppir.Por meio do PNQ, em 2004 cerca de 142 mil trabalhadores foram capacitados, sendo que 62%eram negros. Alm da qualificao profissional, o programa Trabalho Domstico Cidado preva elevao da escolaridade, o fortalecimento da auto-organizao das trabalhadorasdomsticas e o desenvolvimento de projetos para interveno em polticas pblicas.Inicialmente, alcanar 350 trabalhadoras em seis estados. Destinado quelas que tm dequatro a sete anos de estudo - o equivalente a 42,7% do universo das trabalhadorasdomsticas -, o projeto dever ser expandido, em parceria com o MEC e as prefeituras, eganhar status de poltica pblica permanente com o objetivo de atingir um nmero maior detrabalhadoras. So iniciativas que ajudam na insero dos negros no mercado de trabalho,mas sabemos que ainda preciso muito mais, afirma Antonio Almerico Biondi Lima, diretor dodepartamento de qualificao do MTE. Apesar de todos os problemas expostos, em 20 de novembro, Dia Nacional da ConscinciaNegra, os negros tiveram tambm motivos para comemorar. Se andarmos um pouco mais paratrs na histria, constatamos que as geraes atuais so menos discriminadas que seus pais eavs. Maurcio Cortez Reis, pesquisador do Ipea, e Anna Risi Vianna Crespo, doutoranda daUniversidade de Princeton, nos Estados Unidos, fizeram essa comparao. Os autoresanalisaram geraes nascidas entre 1922 e 1981 e observaram que a diferena derendimentos entre brancos e negros diminui medida que a gerao mais nova. Verificaramtambm que a diferena salarial entre brancos e negros nascidos na dcada de 50, porexemplo, era de 100%, ou seja, os brancos ganhavam o dobro. J entre os brancos e negrosnascidos na dcada de 60 a diferena salarial havia baixado para 60%. A argumentao dosautores justamente que a reduo das prticas discriminatrias sobre as pessoas que fazemparte de geraes mais novas pode ter desempenhado um papel importante nesse resultado.A diferena de rendimentos foi caindo, aos poucos, ao longo do tempo, diz Reis. Entretanto,ele mesmo alerta que nada garante que as conquistas obtidas at aqui continuaro aacontecer. O estudo mostra uma tendncia, mas seriam necessrias novas anlises paracomprovar que essa tendncia vai permanecer no futuro, afirma. No entanto, os avanos no combate s desigualdades raciais no mundo do trabalho levammuito tempo para provocar mudanas expressivas nas relaes raciais j to estabelecidas earraigadas. O reduzido nmero de aes voltadas especificamente para os negros e aausncia de metas raciais nos principais programas pblicos de emprego, trabalho e rendacomplicam esse quadro. Alm de ampliar a abrangncia e os recursos financeiros dosprogramas em andamento e incluir o recorte racial nas demais polticas pblicas de emprego, imperativo que trs iniciativas sejam conjugadas, na opinio de Nathalie Beghin, pesquisadorado Ipea. Em primeiro lugar, preciso valorizar a comunidade negra destacando seu papelhistrico na construo do Brasil. Em segundo, necessrio incentivar organizaes pblicas eprivadas a implementar planos de correo das desigualdades raciais. Finalmente, precisopressionar, judicial ou extrajudicialmente, as organizaes a diminuir as distncias entretrabalhadores negros e brancos. Isso apenas para comear a mudar o cenrio. difcil, mas

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    no impossvel. Longe da igualdadeO Relatrio de Desenvolvimento Humano Brasil 2005 - Racismo, Pobreza e Violncia, lanadoem novembro pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), derruba omito da democracia racial brasileira. O relatrio, que contou com a participao de 30pesquisadores, faz um levantamento abrangente e esclarecedor de indicadores brasileiros nasreas de desenvolvimento humano, renda, educao, sade, emprego, habitao e violncia econclui que em todas essas esferas os negros esto em posio desfavorvel. Dividida em seiscaptulos, a obra acompanhada de um CD do Atlas Racial Brasileiro, banco eletrnico querene uma ampla srie histrica de dados sociais desagregados por cor/raa, com cerca de100 indicadores sobre o pas, as cinco regies, os estados e o Distrito Federal. O tema dorelatrio se insere na preocupao do Pnud em relao aos grupos vulnerveis. Esperamosque as polticas propostas comecem a ser discutidas pela sociedade, afirma Guilherme Assisde Almeida, um dos principais colaboradores do relatrio e coordenador da unidade de direitoshumanos e cidadania do Pnud. De maneira geral, o relatrio mostra que as diferenas entre brancos e negros apontam emalguns casos uma defasagem de mais de uma gerao. A porcentagem de homens negroscom curso superior completo em 2000, por exemplo, era menor do que a de homens brancosem 1960. A renda per capita dos brancos de 1980 era o dobro da dos negros em 2000. Damesma forma, a taxa de analfabetismo dos negros em 2000 era maior que a dos brancos em1980. Em 2000, os negros apresentavam esperana de vida semelhante dos brancos em1991. O estudo tambm revela que a taxa de homicdio entre os negros o dobro da entre osbrancos. No estado do Rio de Janeiro, os negros so 11,1% da populao, mas representam32,4% dos mortos pela polcia. Para ter uma idia, no ranking do ndice de Desenvolvimento Humano (IDH), o Brasil tem umpadro mediano - estava em 73. lugar em 2002, com ndice de 0,766. A mdia, entretanto,oculta uma realidade perversa de desigualdade entre negros e brancos. Se cada um dessesdois grupos formasse um pas parte, a distncia entre eles seria de 61 posies. A populaobranca teria IDH de 0,814 e ficaria na 44. posio no ranking mundial - semelhante da CostaRica e superior da Crocia. J a populao negra (pretos e pardos) teria IDH mdio de 0,703e ficaria em 105. lugar, equivalente posio de El Salvador e pior do que o Paraguai.Para enfrentar essa profunda desigualdade racial, o relatrio defende a necessidade urgentede implantar no Brasil polticas universalistas e focalizadas, incluindo aes afirmativas. OPnud avalia que as polticas de cotas tm por objetivo minimizar o peso das condiessocioeconmicas no ingresso nas universidades ou no servio pblico, mas ressalva que essetipo de medida apenas uma das formas de implementao de aes afirmativas. Apesar de

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    reconhecer a importncia do estado na luta contra o racismo, o relatrio destaca que esseobjetivo s ser atingido se for adotado pela sociedade brasileira como um todo.

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