investigar em portugal

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I n v e s t i g a r P o e m r t u g a l Rui Calças O construtor de identidades musicais Museu do Chiado As obras de Columbano Bordalo Pinheiro Os gostos ainda se discutem WEEKEND

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Reportagem de LÚCIA CRESPO para o Jornal de Negocios| Quinta-Feira, 30 de Dezembro de 2010 | Weekend

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Page 1: Investigar em Portugal

I n v e s t i g a r

P oe m r t u g a l

Rui CalçasO construtor de identidades musicais

Museu do ChiadoAs obras de Columbano Bordalo Pinheiro

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Destaque

Re g r e s sa Po r t u

Muito se tem falado dos cientistas que partem. E os que regressam?Porque é que o fazem? Como olham para Portugal? Alguns asseguram que oPaís está a ficar no mapa internacional da investigação. Ou, como diz MiguelSoares, passámos do nada para algo. Ainda que as cores políticas continuema pesar. E que se abandone a ciência mesmo quando se tem sucesso

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Parecem estudantes Erasmus de uma qualquer universida-de,alifala-seeminglês,éalínguadetodos,estãoemPortugal,maspodiamestarnumqualqueroutropaís.Louros,morenos,emgeral novos, nacasados 30 anos, falamde festas e de con-certos.Umabatabrancaali,outraacolá,afinalsãocientistas.Estão no Instituto Gulbenkian daCiência(IGC), em Oeiras,espaçomulticulturalque,assim,àprimeiravista,contrariaatão falada “fuga de cérebros “no País. Porque regressam osportugueses? E porque vêm os estrangeiros? São investiga-dores móveis, abelhas culturais, cientistas do mundo. Portu-gal está a ficar na rota da Ciência, asseguram. Ou, como dizMiguelSoares,passámosdonadaparaalgo.Aindaqueseaban-done aciência... mesmo quando se temsucesso.

Juntámos quatro coordenadores do programa de investi-gaçãoemneurociênciasdaFundaçãoChampalimaud.CarlosRibeiro,SusanaLima,MartaMoita,RuiCosta.Têmcurrícu-lofeitoempaísescomoÁustriaeEstadosUnidosefalam,ago-ra, sobre o estado da ciência em Portugal. Porque regressa-ram? “Aperguntanão deveriaser‘porque é que os investiga-doresportuguesesestãoavoltaraPortugal’,massim‘porqueéquehámaisestrangeirosaentrarnoPaís”,atira,deimedia-to,Susana.“Nãoéanacionalidadequeinteressa.Portugalestáaficarnomapainternacional(dainvestigação)”,afiançaMar-ta.“Háumcerto‘boom’,umaenergiadecomeço,umambien-teestimulante”,continua.“Euquesouumportuguêsquenun-caviveuemPortugalnão‘regressei’aopaís.Vim,simplesmen-te,portertidoumaboaoferta.Hácincoanosnãoviria,agoraestou aqui”, diz Carlos Ribeiro. “E a quantidade de jornalis-tas que se interessamporeste tema?” salientaRui

O cientista António Coutinho bate à porta. Vem dar a suaboanova.“Pelaprimeiravez,oInstitutoGulbenkiandaCiên-cia– que temumaparceriacomaFundação Champalimaud– teve três mil citações naimprensa”, regozija-se aquele queé o directordo IGC.

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LÚCIA CRESPO [email protected]

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“O problema são as instituiçõese as lideranças das mesmasque são ainda muito fracas.Dependem, em muitos casos,de ‘cores políticas’. Noutroscasos, as instituições são àimagem de um indivíduo oude um grupo de indivíduos,o que as torna também muitofrágeis”, comenta Miguel Soares.

continuaçãoNosúltimosmeses,foramváriososinvestigadorespor-

tuguesesquereceberamprémiosoubolsasinternacionais.MiguelSoares,doIGC,MiguelPrudêncio,doInstitutodeMedicinaMolecular (IMM)deLisboa,eHenriqueSilvei-ra, do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT),por exemplo, receberam bolsas de investigação no valorde100mildólares(76mileuros),financiadaspelaFunda-ção Bill& MelindaGates parainvestigaramalária.

Osnomessucedem-seeasnotíciastambém.“Seispor-tugueses vão ganharaté dois milhões de euros numabol-sadadapeloConselhoEuropeudeInvestigação”,noticiouo “Público”. Por outro lado, há mais prémios para a ciên-cia.MariadoCarmoFonseca,directoradoIMM,recebeuoPrémioPessoa.LuísaFigueiredo,investigadoradomes-mo instituto, conquistou o Prémio Crioestaminal 2010.MiguelGodinhoFerreira,doIGC,foioprimeirovencedordo Prémio Simbiontes, no valorde 10 mileuros.

Eoquepensamestesinvestigadores?“Portugalestáefec-tivamente mais atractivo paraos cientistas do que háunsanosatrás.Issoénotórioqueremtermosdonúmerodecien-tistasnacionaiseestrangeirosqueoptampordesenvolvera

suaactividadeeminstituiçõesnacionais,quernaquantida-de e qualidade daprodutividade alcançadas, queraindanadivulgação que hoje é feitado trabalho científico que se fazporcá”, apontaMiguelPrudêncio. “Semdúvida. Passámosdonadaparaalgo.Essealgoaindanãoé,emgeral,deumní-vel muito elevado ou porventuraexcelente, mas existe (éalgo)”consideraMiguelSoares.

Catalisadores“OGovernoteminvestidocadavezmaiseminvestigaçãoedesenvolvimento (e esse esforço estáaseracompanhadopelosectorprivado).Osinstitutossãoavaliadosregularmen-te, premeia-se aexcelência, criaram-se os laboratórios deEstadoquesãofinanciadosdeumaformamaisregularees-truturante, criaram-se os programas Ciência2007 e 2008e,maisrecentemente,oWellcomeII,queoferecemcontra-tos de cinco anos ajovens investigadores”, traçaLuísaFi-gueiredo,vencedoradoPrémio Crioestaminal. “AprópriaUniãoEuropeia,preocupadacomo‘braindrain’paraosEs-tadosUnidos,crioualgunsprogramasqueincentivamains-talação de jovens cientistas naEuropa(como Marie Curie

MIGUEL PRUDÊNCIOInvestigador do Instituto de MedicinaMolecular de Lisboa (IMM). Recebeuuma bolsa da Fundação Bill & MelindaGates, no âmbito do programa GrandChallenges Exploration, para desen-volver uma vacina contra a malária.

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Regressodos cientistaspode seraparentesucesso

Até que ponto se poderáfalarem “fugade cérebros” num País emqueastaxasderetornodoscientistasformadosnoestrangeiroatésãoelevadas?Aindaassim,oregressodoscientistasaoPaísdeori-gemnão previne, necessariamente, o chamado desperdício de cé-rebros ou “brain drain” interno, reflecte Ana Delicado, investiga-doradoInstitutodeCiênciasSociais(ICS)daUniversidadedeLis-boa, no seu trabalho de pós-doutoramento “O retorno dos cére-bros: regresso e reintegração dos investigadores portugueses emmobilidade”, artigo desenvolvido entre 2007e 2009.

Se,numaprimeirafase,ainvestigadorainquiriuoscientistasex-patriados, numasegundafase tentou compreenderas motivaçõesdos investigadores “regressados”: aqueles que realizaramo douto-ramento numauniversidade estrangeirae regressaram, depois, aPortugal.“Aindaque,comotípicodeumpaíssemi-periférico,oritmodesaídasdeinvestigadoresnacionaissupereodeentradasdeinves-tigadoresestrangeiros–Portugalcontinuaaser,sobretudo,umpaísde saída– é certo que umagrande parte dos investigadores portu-guesesqueprocuraramformaçãopós-graduadaforadopaístemre-gressadoaPortugaleconseguidoreintegrar-senosistemacientífi-co nacional”, refere. “Há, efectivamente, umatendênciade regres-so:29%(3.200)dosdoutoradosnosistemacientíficoportuguêsob-tiveramo doutoramento no estrangeiro – segundo o Inquérito aosDoutorados2006doMinistériodaCiência.Essevalor,3.200,apro-xima-se donúmerodebolsasdedoutoramentonoestrangeiroen-

tre 1994e 2008, cercade 3.800 – segundo aFundação paraaCiên-ciaeTecnologia(FCT).Ouseja,muitosdosqueestudamnoestran-geiroacabam,efectivamente,porvoltar”,salienta.Estes“cientistasmóveis”são,namaioria,absorvidospelosectoruniversitáriopúbli-co,muitoscolocadosemcentrosdeinvestigaçãouniversitáriossobaformadebolsasdepós-doutoramento.

“Este aparente ‘sucesso’ na reintegração no sistema científicoportuguêsexplica-se,sobretudo,pelofactodeamaioriadosinves-tigadores que partiram para o estrangeiro, em especial nas déca-dasde70e80,teremumcontratopréviocomumainstituiçãopor-tuguesa, pelo que o regresso estavaassegurado”, apontaainvesti-gadora. “Nas gerações mais jovens é frequente a ‘saída sem rede’,semumaligação aumainstituição àqualregressar, suportadaporbolsasdoEstadoportuguês.Nestecaso,areintegraçãonosistemacientífico português faz-se por duas vias principais de regresso: oconviteporumainstituiçãoportuguesae,maisfrequentemente,acandidatura a uma posição de investigação (na maioria dos casosumabolsade pós-doutoramento)”.

Entre1994e2009,aFCTconcedeu 5.328bolsasdepós-douto-ramento.Estasbolsastêmumefeitocolateral:operigodearrasta-rem situações de algumaprecariedade. “No caso dos investigado-res que saíram ‘sem rede’ e ainda não estão integrados numa car-reira,nasuamaioriabolseirosdepós-doutoramento,érecorrentea referência à insatisfação com a situação profissional, nomeada-

mente a ausência de direitos sociais, ainstabilidade de emprego e aimprevisi-bilidade na continuação na actividadecientífica”, refere AnaDelicado.

Muitos destes cientistas “sem rede”,com bolsas ou contratos temporários,vão transitando entre instituições, ou-tros passaram mesmo por situações dedesemprego.Váriosnãodescartamahi-pótese de voltar a sair do País, outrosequacionam abandonaraciência.

“Nestecaso,poderádizer-sequeoin-vestimentofeitonaformaçãonoestran-geiroseperdeequeosbenefíciosdamo-bilidade internacional são postos emcausa pela reintegração no país de ori-gem”, enfatiza a investigadora. “O rein-gresso no sistema é apenas o primeiropasso no processo de reintegração doscientistas ‘móveis’. É a actividade quedesenvolvem e as condições de carreiraqueencontramnoPaísqueditamoefec-tivoaproveitamentodoretornodos‘cé-rebros”, concluiAnaDelicado.

O reingresso no sistema é apenas o primeiro passo no processo de reintegraçãodos cientistas “móveis”. É a actividade que desenvolvem e as condições de carreiraque ditam o efectivo aproveitamento do retorno dos “cérebros” ao País de origem

ANA DELICADOInvestigadora do Instituto de CiênciasSociais (ICS), da Universidade de Lisboa,é autora do artigo “O retorno dos‘cérebros’: regresso e reintegraçãodos investigadores portuguesesem mobilidade”.

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Legenda da fotografia das páginas 4 e 5:Investigadores principais no Programa de Neurociênciasda Fundação Champalimaud1. CARLOS RIBEIRO 2. SUSANA LIMA3. MARTA MOITA 4. RUI COSTA

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InternationalReintegrationgranteEMBOinstallationgrant)”,acrescentaacientista. “Portugal estámais atractivo tambémporquehácadavezmaisiniciativasprivadasqueinvestemepre-meiamaciência:FundaçãoChampalimaud,osprémiosCrioes-taminal,Pfizer,Bial,etc”,assinala.

“Finalmente, mas não menos importante, estáaqualidadedosinvestigadores.Amaioriadosactuaischefesdelaboratóriojápassaramporlaboratórioseuniversidadesdetoponoestran-geiro e ‘importaram’ aquilo que láaprenderam”, consideraacientistaLuísaFigueiredo.

De acordo Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológi-co Nacional(IPCTN) de 2009, divulgado no finalde Novem-bro, adespesaeminvestigação e desenvolvimento (I&D) emPortugalultrapassouos2791milhõesdeeurosem2009,mais10% que no ano anterior. Segundo dados do Ministério daCiência,TecnologiaeEnsinoSuperior(MCTES),entre2008e 2009 a despesa total em investigação passou de 1,55 para1,71%doPIBeonúmerodeinvestigadorescresceude7,2para8,2 investigadores por mil activos. No total, existem 45 909investigadores em Portugal, aindaque grande parte exerçaasuaactividade através de bolsas de investigação.

Combatervícios antigosMashávíciosqueperduram.“Oproblemasãoasinstituiçõeseasliderançasdasmesmasquesãoaindamuitofracas,nosenti-doquedependem,emmuitoscasos,de‘corespolíticas’.Emou-troscasos,raros,politicamenteisentos,asinstituiçõessãoàima-gemdeumindivíduooudeumgrupodeindivíduos,oqueastor-natambém muito frágeis”, comentaMiguel Soares. “Háquecombateros ‘amiguismos”, salientaRui Costa. “Járejeitámoscandidaturas de grandes amigos em prol de pessoas que nemconhecíamos. É umaquestão de educação e ética”, sublinha.Mas não é umassunto fácil, todaagente conhece todaagentenestepaíspequeno”,dizMartaMoita.

“SeéumfactodequeháhojeumposicionamentoperanteaCiênciaque esteve ausente do discurso dos nossos governan-tesdurantemuitotempo,averdadeéqueexistemlacunasen-treodiscursoeapráticaquetêmdesercolmatadas,nomeada-mente no que diz respeito àregularidade daaberturade con-cursos parafinanciamento de projectos, ao cumprimento dosprazosdefinanciamentodasinstituiçõeseàefectivacriaçãodecarreirasdeInvestigação”,anotaMiguelPrudêncio.“OGover-nodeualgunspassosnosentidodacriaçãodumacarreiradein-

vestigação ao instituiraposição de Investigadorao abrigo dosprogramasCiência2007eCiência2008.Oproblemaresidenacompletaindefiniçãonoquerespeitaaofuturodestasposiçõese, em boaverdade, do futuro do financiamento científico emPortugal”,acrescenta.“Oproblemadacarreiradeinvestigaçãoéumdosquemaispreocupamuitosinvestigadoresquegosta-riamdedispordealgumaestabilidadequelhespermitaconso-lidarasuaposição nacomunidade científicae garantiracom-petitividade internacional. Não se tratade passarcheques embranconemdecriarposiçõespermanentesquenãoestejamsu-jeitasaqualquerescrutínio”,atiraocientista.

“Éumaprofissãomuitoexigenteecompoucaremuneraçãoreal e talvez existapouco entendimento do seuvalornasocie-dade.Oabandonoconstata-seprincipalmenteentreasmulhe-resque,numasociedadecomoanossa,têm‘terror’deseteremde confrontarmais tarde ou mais cedo com equação ‘carreiraversusfamília’.Nãotemdeserassim.Hámecanismosparacom-baterissoaváriosníveis,masanossasociedadeeosnossosdi-rigentes não têm (ainda) essavisão. É triste mas é assim. Emconclusãoabandona-seaciênciamesmoquandosetemsuces-so,concluiMiguelSoares.

“A pergunta não deveria ser ‘porque é que osinvestigadores portugueses estão a voltar a Portugal,mas sim porque é que há mais estrangeiros a entrarem Portugal”, aponta Susana Lima.

“Eu que sou um português que nunca viveu emPortugal não ‘regressei’ ao País. Vim, simplesmente,por ter tido uma boa oferta. Há cinco anos não viria,agora estou aqui”, diz Carlos Ribeiro.

LUÍSA FIGUEIREDOInvestigadora do Instituto de MedicinaMolecular. É a vencedora do PrémioCrioestaminal 2010 pelo trabalhodesenvolvido sobre a doença do sono.Recebeu uma bolsa da OrganizaçãoEuropeia de Biologia Molecular (EMBO).

Miguel Baltazar

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MIGUEL SOARESInvestigador do Instituto Gulbenkian deCiência (IGC) recebeu, tal como MiguelPrudêncio, uma bolsa da FundaçãoBill & Melinda Gates, no valorde 100 mil dólares, para desenvolverum novo tratamento da malária.

Pedro Elias