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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPSCURSO DE DIREITO
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
ISABELA MORGADO DE SOUZA
Itajaí (SC), junho de 2010
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALICENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPSCURSO DE DIREITO
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
ISABELA MORGADO DE SOUZA
Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Professor MSc. Carlos Roberto da Silva
Itajaí (SC), junho de 2010
AGRADECIMENTO
A Deus, que sempre caminha ao meu lado,
iluminando meus passos.
À minha pequena Laurinha, alegria de todos os dias,
luz das nossas vidas.
À minha família, base de tudo. Pelo companheirismo
ímpar e por toda felicidade que sinto quando estou
com vocês.
Ao meu orientador, Carlos, por todo apoio e atenção,
e, principalmente, pela amizade.
DEDICATÓRIA
À minha mãe, por sempre lutar por nós. Pelo amor
incondicional, atenção integral e entrega total. Sem
você nada disso seria possível. Essa vitória também
é sua.
Ao Pedro, amor da minha vida. Com você encontrei
meu equilíbrio e me tornei mais segura. Hoje, meu
sorriso é mais largo e meus olhos brilham mais.
Obrigada por tornar meus dias tão especiais. Somos
nós, para sempre.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), junho de 2010.
Isabela Morgado de SouzaGraduanda
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Isabela Morgado de Souza, sob o título
O poder de investigação criminal do Ministério Público, foi submetida em 09 de junho
de 2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Carlos
Roberto da Silva, orientador e presidente da banca, e Débora Cristina Freytag
Scheinlmann, examinadora, e aprovada.
Itajaí (SC), junho de 2010.
Professor MSc. Carlos Roberto da SilvaOrientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antonio Augusto LapaCoordenação da Monografia
ROL DE CATEGORIAS
Rol de categorias que a autora considera estratégicas à
compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.
Inquérito policial
“O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter
administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de
provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo
precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas
também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer após o cometimento
do crime”1.
Investigação criminal
“[...] seqüência de atos preliminares direta ou indiretamente voltados à produção e à
colheita de elementos de convicção e de outras informações relevantes acerca da
materialidade e autoria de um fato criminoso”2.
Ministério Público
“O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais e individuais indisponíveis”3.
Polícia Judiciária
“[...] visa investigar infrações penais e suas respectivas autorias. É a chamada
polícia repressiva. A atividade investigatória da Polícia Judiciária materializa-se no
1 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.143.
2 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.54.
3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
inquérito policial. A polícia judiciária da União é exercida com exclusividade pela
polícia federal (art. 144, §1º, IV, da CF). Nos Estados e no Distrito Federal, a
incumbência da repressão é das polícias civis (art. 144, §5º, da CF)”4.
4 ISHIDA, Válter Kenji. Processo penal. São Paulo: Atlas, 2009. p.42.
viii
SUMÁRIO
RESUMO....................................................................................................................10
INTRODUÇÃO...........................................................................................................11
CAPÍTULO 1
MINISTÉRIO PÚBLICO.............................................................................................14
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.......................................14
1.1.1 Origem da instituição....................................................................................14
1.1.2 O Ministério Público nas Constituições brasileiras...................................19
1.2 A INSTITUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.....................................................23
1.2.1 Definição e organização................................................................................23
1.2.2 Princípios institucionais e garantias...........................................................26
1.3 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO.................................32
CAPÍTULO 2
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL......................................................................................38
2.1 INQUÉRITO POLICIAL........................................................................................39
2.1.1 Polícia judiciária..............................................................................................39
2.1.2 Características e procedimentos...................................................................41
2.2 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL.................48
ix
2.2.1 Fase pré-processual........................................................................................48
2.2.2 Judicialização do procedimento administrativo..........................................53
2.3 OUTROS TIPOS DE INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS..........................................58
CAPÍTULO 3
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO....................................62
3.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS.................................................................62
3.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS..................................................................70
3.3 PANORAMA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.........................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................82
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS...................................................................87
ANEXOS....................................................................................................................90
x
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade
de o Ministério Público conduzir, por autoridade própria, investigações criminais. De
início, estuda-se a instituição ministerial. Faz-se uma análise da evolução do
Ministério Público desde as origens distantes até sua atual definição. Abordam-se os
princípios e garantias que norteiam o órgão e seus membros, bem como as funções
que lhes foram outorgadas pela Constituição Federal vigente. Na seqüência, a
pesquisa passa a tratar da investigação criminal, utilizando, como padrão, o inquérito
policial. Fala-se da polícia judiciária, das características do procedimento e do modo
como se dá sua tramitação, com enfoque na atuação do Ministério Público.
Comenta-se, igualmente, sobre outros tipos de investigações criminais. Por fim,
discute-se acerca do poder de investigação criminal do Ministério Público. Expõem-
se os argumentos contrários e favoráveis à questão, e, ainda, a forma como o
Supremo Tribunal Federal tem se posicionado frente ao problema.
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto o poder de
investigação criminal do Ministério Público.
O seu objetivo é pesquisar, à luz da Constituição Federal
vigente, a possibilidade de o representante ministerial conduzir, diretamente,
investigações criminais, visando obter elementos que embasem a propositura da
ação penal.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do Ministério
Público. Promove-se a análise da evolução histórica da instituição, desde as origens
remotas na França, passando por todas as Constituições brasileiras, até sua atual
definição. Trata-se, então, dos princípios e garantias assegurados ao órgão e a seus
representantes, destacando, no caso destes, as garantias de vitaliciedade,
inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. Por último, detalham-se as funções
institucionais que foram outorgadas pela Carta vigente ao Ministério Público.
No Capítulo 2, tratando de investigações criminais. Para melhor
compreensão do tema, utiliza-se, como padrão de investigação, a exercida nos
autos do inquérito policial. Aborda-se, dessa forma, a polícia judiciária, responsável
pela condução do procedimento. Na seqüência, comentam-se as características
desse procedimento e o modo como se dá sua tramitação, com especial atenção à
atuação do Ministério Público. Ao final, citam-se outros tipos de investigações
criminais.
No Capítulo 3, tratando da discussão acerca do poder de
investigação criminal do Ministério Público. Passa-se a apresentação dos principais
argumentos contrários e favoráveis à prática de atos de investigação, em
procedimentos de natureza penal, pelos membros ministeriais. Expõe-se, por fim, o
panorama no Supremo Tribunal Federal.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre o poder
de investigação criminal do Ministério Público.
Para a presente monografia foram levantados os seguintes
problemas:
Qual o âmbito de atuação do Ministério Público no ordenamento
jurídico brasileiro?
No que consiste a investigação criminal?
O Ministério Público tem legitimidade para conduzir investigações
criminais?
E levantadas as seguintes hipóteses:
O Ministério Público atua em defesa da sociedade, funcionando como
guardião de seus direitos. Na esfera penal, apresenta-se como titular,
de forma privativa, da ação penal pública e, no campo cível, é
responsável pelo inquérito civil e a ação civil pública.
A investigação criminal consiste num conjunto de atos que buscam
elucidar a ocorrência de um crime, comprovar sua materialidade e
indicar um possível autor.
Os membros do Ministério Público têm legitimidade para presidir
investigações criminais.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação5 foi utilizado o Método Indutivo6, na Fase de Tratamento de Dados o
5 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
6 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.
13
Método Cartesiano7, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente8, da Categoria9, do Conceito Operacional10 e da Pesquisa
Bibliográfica11.
7 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-26.
8 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.
9 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.
10 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.
11 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.
14
Capítulo 1
MINISTÉRIO PÚBLICO
O objetivo do presente estudo acadêmico, como já
mencionado, é, em síntese, pesquisar acerca da legitimidade do Ministério Público
em conduzir investigações criminais.
Deste modo, para o desenvolvimento do tema, faz-se
necessário, inicialmente, a conceituação da instituição, bem como a análise da
evolução constitucional de suas funções e dos princípios e garantias que regem o
órgão.
1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1.1.1 Origem da instituição
A atual estrutura do Ministério Público é resultado de sua
evolução histórica, e, portanto, salutar o estudo das raízes remotas dessa instituição.
Muito se discute acerca das origens do Ministério Público. Há
opiniões diversas entre os pesquisadores do tema, “alguns as vêem há mais de
quatro mil anos, no ‘magiaí’, funcionário real do Egito; outros buscam os primeiros
traços da instituição na Antiguidade clássica, na Idade Média, ou no direito
canônico”12.
Nesse sentido, Silva13 considera a história do Ministério Público
sob dois aspectos: indiretos ou imprecisos e diretos ou precisos. Agrupa em
12 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.37-38.
13 SILVA, Octacílio Paula. Ministério Público. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.4-6.
15
imprecisos os fatos que indicam o surgimento do órgão em Roma ou na Grécia, ou,
ainda, na Itália. Já, quanto às origens mais precisas, afirma que foram constatadas
na França, nos fins do século XVIII e nos primórdios do século XIX, nas pessoas dos
comissários do rei, primeiras figuras do Ministério Público encontradas nos textos
constitucionais.
Do mesmo modo, pondera Tourinho Filho14:
Em que pese a dificuldade em estabelecer, com precisão, a época do aparecimento da instituição (alguns autores reportam-se aos Magiaí, do Egito, encarregados de acusar criminosos; outros aos Thesmotetis gregos, cuja função era similar; outros, aos Éforos, de Esparta, aos Gastaldi, da Lombardia, ou Gemeiner Anklager, do direito germânico, cuja função era a de acusar se o particular não o fizesse – daí o nome 'acusador comum' –, aos Procuratores Caesaris, ao Vindex Religionis, do direito canônico), muitos autores se inclinam a admitir sua procedência francesa, sem embargo de alguns antecedentes mais remotos, por ter-se apresentado na França com caráter de continuidade.
Fato é que essa característica de permanência faz com que a
França seja considerada, pela maioria dos doutrinadores, como o berço do
Ministério Público, dentre eles Sauwen Filho15:
[...] é fora de dúvida e os autores, de um modo geral, a exceção de algumas autoridades italianas que com compreensível nacionalismo pretenderam carrear a seu país as glórias da criação do Parquet, são unânimes em apontar a França como o berço do Ministério Público.
E, ainda, Mendes16:
[...] parece mais seguro afirmar que a Instituição, em seus contornos mais precisos, tem suas origens diretas na França dos fins do século XVIII e início do XIX, nas pessoas dos comissários do rei, que são as primeiras figuras do Ministério Público encontradas nos textos constitucionais.
14 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.351.
15 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.38.
16 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.994.
16
Apesar do caráter de continuidade com que se apresentou na
França, o que se verifica é que a evolução da instituição se deu de forma lenta.
A ordenança de 25 de março de 1302, de Felipe IV, é apontada
como o primeiro texto de lei a trazer sinais das funções exercidas pelos membros
ministeriais. Surgidos da união dos procuradores e dos advogados do rei, tinham,
inicialmente, o dever de defender os interesses do soberano, os quais se
confundiam, à época, com os do próprio Estado.
Para Sauwen Filho17:
[...] é certo que, como instituição, o Ministério Público surgiu na França, tendo inclusive até data precisa, 25 de março de 1302, quando Felipe, o Belo, através de sua conhecida ordonnance, reuniu tanto seus procuradores, encarregados da administração de seus bens pessoais, quanto seus advogados, que lhe defendiam os interesses privados em Juízo e que, em conjunto, eram conhecidos pelo nome genérico de les gens du roi, numa única instituição. Com o correr do tempo, a instituição deixou de zelar apenas pelos interesses privados do soberano, passando a exercer funções de interesse do próprio estado. [...].
Prevista desde 1302, a instituição do Ministério Público
somente veio a ser definida de forma mais detalhada nos texto napoleônicos, “em
especial, o Código de Instrução Criminal e Lei de 20 de abril de 1810 que lhe
conferiu o importante papel de promotor da ação penal”18.
Sobre a evolução do Ministério Público, Mazzilli19 elucidou o
assunto nos seguintes termos:
A evolução do Ministério Público na França foi lenta. Michele-Laure Rassat levantou um decreto de 1790, que deu vitaliciedade aos agentes do Ministério Público; todavia, outro decreto do mesmo ano dividiu as funções do Ministério Público entre dois agentes: um comissário do rei e um acusador público. O primeiro, nomeado pelo rei e inamovível, tinha por única missão velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados; era ele, ainda, que recorria das decisões dos tribunais. O acusador público, por sua vez, era eleito
17 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.38.
18 FERRAZ, Antonio Augusto Mello de Camargo (Org.). Ministério Público: instituição e processo. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. p.38.
19 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.4-5.
17
pelo povo, com o só encargo de sustentar a acusação diante dos tribunais. O verdadeiro papel de um e de outro era, porém, muito limitado, tendo havido vários retrocessos na época. Costuma-se mencionar que a Revolução Francesa estruturou mais adequadamente o Ministério Público, enquanto instituição, ao conferir garantias a seus integrantes. Foram, porém, os textos napoleônicos que instituíram o Ministério Público que a França veio a conhecer na atualidade, daí vindo a ser difundida a instituição para diversos Estados.
Mazzilli20 argumenta, ainda, citando Garraud, que o “Ministério
Público se revelou primeiro por sua ação e, quando as ordenanças francesas dele
se ocuparam, a instituição já está em pleno exercício”.
Em verdade, a instituição do Ministério Público, de caráter
permanente em princípio na França, foi adotada por muitas legislações européias,
dentre elas a portuguesa, e, por meio das Ordenações, passou a integrar
ordenamento jurídico brasileiro.
Na época em que o Brasil foi descoberto, vigoravam em
Portugal, desde o ano de 1446, as Ordenações Afonsinas, as quais foram
substituídas, já em 1521, pelas Ordenações Manuelinas, seguindo-se das Filipinas.
O regime jurídico adotado por Portugal era, então, adotado por suas colônias21.
Com as Ordenações Afonsinas surgiu a figura do Procurador
da Justiça, com funções de tutelar quem reclamasse ajuda e defender o interesse de
todos. Nas palavras de Sauwen Filho22:
O cargo de Procurador do Rei, como função regular e a prerrogativa de ‘chamar à Casa do Rei’ as pessoas que tinham questões com o monarca surgiu somente durante o reinado de Dom Afonso III, pelo diploma de 14 de janeiro de 1289, sem contudo, ainda, em magistratura instituída, [...] Mais tarde, tendo se evidenciado no reino a necessidade de se estabelecer uma instituição que apoiasse os vassalos que reclamassem justiça e ainda que defendessem o interesse geral, surgiu a figura do Procurador da Justiça, regulada no Título do Livro I das Ordenações Afonsinas, publicadas entre 1446 e 1447, onde constavam os deveres do ofício nestes termos: “E veja e
20 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.4.
21 SILVA, Octacílio Paula. Ministério Público. São Paulo: Sugestões Literárias, 1981. p.6-7.22 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de
direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.103.
18
procure bem todos os feitos da justiça e das Viuvas e dos Orphãos e Miseráveis Pessoas, que a nossa Corte vierem”.
Sauwen Filho23 prossegue falando das Ordenações
Manoelinas, as quais trouxeram às legislações o Procurador dos Feitos da Coroa e
da Fazenda, somando-se, por fim, às Ordenações Filipinas, o Procurador de Justiça
e o Solicitador de Justiça, todos defensores não só do monarca, mas também do
Estado, a saber:
As Ordenações Manoelinas estabeleciam a existência na Casa da Suplicação de Lisboa de um Procurador dos Feitos da Coroa e um Procurador dos Feitos da Fazenda. Tal disposição seguia o modelo clássico do Parquet francês, onde as ‘gentes do rei’, no alvorecer da instituição, deixaram de defender apenas os interesses privados do monarca, mas a essa função somaram a defesa dos interesses do Estado, e onde muito certamente as Ordenações Manoelinas foram buscar inspiração para normatizar o congênere lusitano. As Ordenações Filipinas acrescentaram a esses órgãos do Ministério Público português, para funcionar junto à Casa de Suplicação, mais dois: um Promotor de Justiça e um Solicitador de Justiça.
Nas legislações brasileiras, os primeiros indícios da atuação do
Ministério Público foram vistos em 07 de março de 1609, sob o império das
Ordenações Filipinas, quando o Regimento da nossa primeira Relação, criada para
a Bahia, instituiu o cargo de Procurador dos Feitos da Coroa, Fazenda e Fisco e o
de Promotor de Justiça, competindo a este último velar pela integridade da
Jurisdição Civil contra os invasores da Jurisdição Eclesiástica24.
Apesar da menção em 1609, o Ministério Público, no período
do Brasil-Colônia e Brasil-Império, não é tido como instituição, com garantias e
independência de seus membros, vez que, segundo Mazzilli25, “o procurador-geral
ainda centralizava o ofício”, e os promotores públicos não passavam de “meros
agentes do Poder Executivo”.
23 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.105.
24 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.112.
25 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.11.
19
Foi com o passar dos anos e com a evolução dos textos
constitucionais que o Ministério Público foi ganhando cada vez mais espaço e
importância na legislação brasileira, mostrando-se, hoje, como instituição essencial à
justiça, com autonomia e independência funcional.
Para compreensão do papel que exerce atualmente o
Ministério Público no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessário o estudo do
órgão ao longo das Constituições Federais, o que se passa a fazer.
1.1.2 O Ministério Público nas Constituições brasileiras
Nas duas primeiras Constituições, quais sejam, as de 1824 e
1891, quase nada se falou sobre o Ministério Público. O primeiro texto constitucional
se limitara a falar que cabia ao procurador da Coroa e Soberania Nacional acusar
nos crimes em que a Câmara dos Deputados não fosse competente. E o segundo,
tratou da escolha do Procurador-Geral da República pelo Presidente da República.
Nos estudos de Mazzilli26:
Da primeira Constituição, a do Império (25-3-1824), vale evocar seu art. 48, dispositivo esse situado no Capítulo do Senado: 'No juízo dos crimes, cuja acusação não pertence à Câmara dos Deputados, acusará o procurador da Coroa e Soberania Nacional'. A primeira Constituição republicana (de 24-2-1891) dispôs sobre a escolha do procurador-geral da República, pelo presidente da República, dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 58, §2º, dispositivo inserto na Seção 'Do Poder Judiciário'); por sua vez, o §1º do art. 81 cometeu ao procurador-geral da República a proposição de revisão criminal em favor do réu.
A Constituição que inaugurou a definição de Ministério Público
como instituição foi a de 1934, a qual colocou o órgão ministerial em capítulo à
parte, denominado “Dos órgãos de cooperação nas atividades governamentais”.
Ainda, determinou a forma de ingresso na carreira – por concurso – e assegurou aos
membros garantias como a estabilidade e inamovibilidade27.
26 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.13
27 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.139-140.
20
Nesse sentido, Mendes28 lista as inovações trazidas pela
Constituição de 1934 ao ordenamento jurídico brasileiro:
Diferentemente da primeira Carta republicana, a Constituição de 1934 deu ao Ministério Público foros de Instituição, incluindo-o entre os órgãos de cooperação nas atividades governamentais, assegurando estabilidade aos seus membros, impondo a exigência do concurso para ingresso na carreira e conferindo ao Presidente da República não somente o poder de livre escolha e demissão do Procurador-Geral da República, mediante aprovação do Senado Federal, como também o de nomear livremente os Chefes do Ministério Público no Distrito Federal e nos Territórios.
Nota-se que, apesar de não estar vinculado a qualquer dos
poderes, cabia, discricionariamente, ao Presidente da República a nomeação e
demissão do Chefe do Ministério Público.
No que concerne à organização dos Ministérios Públicos, previu o constituinte de 1934 uma distinção entre o Federal e os Estaduais, conforme Sauwen Filho29:
[...] Ministério Público Federal, deveria ser entendido o conjunto de órgãos de seu ofício, atuantes não só na área de abrangência dos interesses da União, bem como na do Distrito Federal e Territórios, distinguindo-o dos estaduais, prescrevendo lei federal para organizar aqueles e leis para estes.
Assim, lei federal cuidaria do Ministério Público na União,
Distrito Federal e Territórios, e leis locais, do Ministério Público nos Estados.
A Constituição seguinte, de 1937, outorgada no governo de
Getúlio Vargas, trouxe grande retrocesso às garantias até então conquistadas pelo
Ministério Público.
Seu texto se restringiu a falar sobre a escolha do Procurador-
Geral da República e o quinto constitucional. Consoante Mendes30:
28 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.995.
29 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.139.
30 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.995.
21
Com a Carta de 1937, o Ministério Público sofre novo revés, limitando-se o seu texto a dispor sobre a escolha do Procurador-Geral da República, e a afirmar, no art. 105, que 1/5 dos lugares nos tribunais superiores seria preenchido por advogados ou membros do Ministério Público, em lista tríplice organizada pelo Tribunal de Apelação.
Foi com a Constituição de 1946, conhecida por redemocratizar
o país, que o Ministério Público ocupou espaço inédito até então; com título próprio
(Título III – Do Ministério Público), firmou-se como instituição independente dos
demais poderes do Estado.
A Carta, em relação à organização funcional do Ministério
Público, retomou as orientações do legislador de 1934: ingresso por meio de
aprovação em concurso, bem como garantias de estabilidade e inamovibilidade.
Acerca de outras disposições trazidas pelo texto constitucional
de 1946, colhem-se ensinamentos de Mazzilli31:
Previu-se a organização do Ministério Público da União (art. 125) e dos Estados (art. 128); a escolha do procurador-geral da República, dentre pessoas que preenchessem os mesmos requisitos de ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 126); cometeu-se à instituição a representação da União (art. 126, parágrafo único); fixaram-se as regras de ingresso na carreira sob concurso, asseguraram-se as garantias de estabilidade e inamovibilidade (art. 127), bem como instituiu-se o princípio de promoção de entrância a entrância (art. 128). [...].
Conforme aponta Sauwen Filho32, “o Parquet continuou e
continuaria, ainda por muitos anos, dependente do Poder Executivo, por força da
nomeação e demissão discricionária de seu chefe”. Isso tanto na esfera federal,
quanto na estadual. Situação que viria se agravar durante os anos que se seguiram
à Revolução de 1964.
Advinda do golpe militar de 1964, a Constituição de 1967
incluiu o Ministério Público em seção no capítulo do Poder Judiciário, trazendo
significativo retrocesso à instituição.
31 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.14.
32 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.153.
22
Entretanto, foram mantidas as regras anteriormente vigentes,
acrescentando-se, aos membros do Ministério Público, a disciplina da aposentadoria
e dos vencimentos da Magistratura da época.
Após novo golpe, uma junta militar decretou a Carta de 1969,
sob a forma de “Emenda Constitucional nº 1”, reformando alguns pontos do texto
constitucional de 1967.
A maior mudança, novamente, foi na localização do Ministério
Público na redação constitucional, e, assim, no seu papel no ordenamento jurídico
brasileiro: deixou a esfera do Poder Judiciário para integrar o capítulo “Do Poder
Executivo”.
Por sua vez, constatou-se um aumento das atribuições do
Procurador-Geral da República, o qual continuava a ser nomeado e exonerado pelo
Presidente da República, sem, contudo, necessitar de aprovação pelo Senado.
Sobre o assunto, interessante observação faz Sauwen Filho33:
Embora reduzida à condição de mero órgão auxiliar do Poder Executivo que lhe deu a Emenda Constitucional nº 1, privada do tratamento constitucional autônomo que lhe dispensara as Cartas democráticas de 1934 e 1946, a Instituição conheceria no regime da Emenda outorgada notável crescimento das atribuições de seu chefe, talvez em razão do papel que o regime autoritário lhe reservara ou, como sugere Nigro Mazzilli, em razão de sua nomeação e demissão livre pelo Presidente da República.
No geral, para o mencionado autor, “o novo Texto
Constitucional [...] praticamente repetiu a Carta anterior ao tratar a Instituição”34.
No ano de 1988, foi promulgada a Constituição Federal
democrática, que redesenhou o Ministério Público em novo patamar jurídico, e que
será detalhadamente analisada nos próximos tópicos.
33 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.162.
34 SAUWEN FILHO, João Francisco. Ministério Público brasileiro e o Estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p.160.
23
1.2 A INSTITUIÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
1.2.1 Definição e organização
A instituição do Ministério Público, como dito, foi se tornando
cada vez mais relevante para o ordenamento jurídico brasileiro, e, atualmente, a
Constituição Federal, em seu artigo 127, dispõe que o órgão é: “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais
indisponíveis”35.
Para Mazzilli36, o Ministério Público:
É órgão do Estado (não do governo, nem do Poder Executivo), dotado de especiais garantias para desempenhar funções ativas ou interventivas, em juízo ou fora dele, em defesa dos maiores interesses da coletividade, como o combate ao crime, a fiscalização dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, a defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio público e social. Em suma, zela por interesses indisponíveis ou de larga abrangência social.
A Carta vigente devolveu ao órgão ministerial a independência
já conquistada em 1946, inserindo-o no título IV (Da organização dos poderes), no
capítulo IV, denominado “Das funções essenciais à justiça”, não subordinando o
Ministério Público a qualquer dos Poderes do Estado. Pelo contrário, atribuiu aos
membros e à instituição garantias especiais, as quais asseguram que o órgão
cumpra suas funções sem a interferência dos demais Poderes.
Nesse sentido, ensina Moraes37:
A Constituição atual situa o Ministério Público em capítulo especial, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua total autonomia e independência e ampliando-lhe as funções, sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade.
35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
36 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.37.37 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1675.
24
No entanto, mais importante que a localização do Ministério
Público no texto constitucional foram as garantias e funções a ele confiadas.
De acordo com Mazzilli38, o fato de ter a Lei Maior elevado o
Ministério Público à instituição, conferiu-lhe o status de órgão, quase de um quarto
poder, in verbis:
Optou o constituinte de 1988 por conferir elevado status constitucional ao Ministério Público, quase o erigindo a um quarto Poder, ao dar-lhe garantias especiais e ao desvinculá-lo dos Capítulos do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário.
Já, ao classificar a instituição como permanente, assegurou-se
que o Ministério Público não fosse abolido pelo poder constituinte derivado. O que
demonstrou ainda mais a força dada ao órgão ministerial.
No que concerne às atribuições, cabe ao Ministério Público
zelar pela ordem jurídica, pelo regime democrático e pelo interesse público, atuando,
em síntese, quando houver indisponibilidade de interesse, ou, mesmo havendo
disponibilidade, seja conveniente à coletividade.
Mazzilli39, com muita competência, esclarece sobre os
interesses tutelados pelo órgão ministerial:
[...] o Ministério Público: a) ou zela para que não haja disposição de interesse que a lei considera indisponível (p. ex., o direito à vida, à liberdade, à educação, à saúde); b) ou, nos casos de indisponibilidade relativa, zela para que a disposição do interesse seja feita em conformidade com as exigências da lei (p. ex., a fiscalização da venda de bem de incapaz); c) ou zela pela prevalência do bem comum, nos casos em que não haja indisponibilidade do interesse, nem absoluta nem relativa, mas esteja presente o interesse da coletividade como um todo na solução da controvérsia (p. ex., a defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, se houver extraordinária dispersão dos lesados ou se for necessário assegurar o funcionamento de todo um sistema econômico, social ou jurídico).
38 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.66.39 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.71.
25
As funções institucionais do Ministério Público estão listadas no
artigo 129 do texto constitucional, e serão, no último tópico deste capítulo,
amplamente analisadas.
Antes, porém, necessário conhecer a estrutura da instituição,
bem como os princípios e as garantias que norteiam o órgão, conforme se passa a
fazer.
A Constituição Federal, em seu artigo 128, dispõe que a
instituição do Ministério Público abrange o Ministério Público da União e os
Ministérios Públicos dos Estados. Subdivide, ainda, o Ministério Público da União,
que compreende os Ministérios Públicos Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito
Federal.
O mesmo dispositivo legal prevê que o chefe do Ministério
Público da União é o Procurador-Geral da República, e que os Ministérios Públicos
dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios têm por chefe o Procurador-Geral
de Justiça.
Sobre a chefia do Ministério Público da União e dos Estados,
leciona Nucci40:
O primeiro é chefiado pelo Procurador-Geral da República, nomeado pelo Presidente da República, dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e cinco anos, após aprovação do nome pelo Senado Federal, por maioria absoluta, com mandato de dois anos, permitida a recondução (art. 128, §1º, CF). O segundo (incluído neste o Ministério Público do Distrito Federal) é chefiado pelo Procurador-Geral de Justiça, cujo nome emergirá de lista tríplice, dentre integrantes da carreira, escolhido pelo Governador, para mandato de dois anos, permitida uma recondução (art. 128, §3º, CF).
Vê-se, pois, que os chefes da instituição continuam sendo
escolhidos por representantes do Poder Executivo, com a diferença de que, agora, a
nomeação e destituição do Procurador-Geral da República pelo Presidente
necessitam de aprovação do Senado.
40 NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.554-555.
26
O texto constitucional também determinou que a
regulamentação de cada Ministério Público fosse feita por meio de leis
infraconstitucionais. E desta maneira, obedecendo à norma, foram editadas: a Lei nº
8.625/93 – Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, que trata de normas gerais
para a organização do Ministério Público dos Estados, e a Lei Complementar nº
75/93 – Lei Orgânica do Ministério Público da União, a qual traz disposições
referentes ao Ministério Público da União.
Aos Ministérios Públicos dos Estados, cabe a elaboração de
sua própria lei complementar, sempre obedecendo aos princípios básicos impostos
pela Constituição Federal.
Apesar dessa divisão feita pela Constituição, no que se refere
às garantias e atribuições, os dispositivos são comuns aos Ministérios Públicos da
União e dos Estados, não havendo qualquer distinção entre eles, como se verificará
a seguir.
1.2.2 Princípios institucionais e garantias
A Constituição Federal enumera, em seu artigo 127, parágrafo
1º, os princípios institucionais que norteiam o Ministério Público, quais sejam,
unidade, indivisibilidade e independência funcional.
O princípio da unidade implica, segundo Oliveira41, na
“integralidade do órgão ministerial, a impedir o seu fracionamento enquanto
instituição pública, sem prejuízo, por óbvio, da distribuição operacional de suas
atribuições“.
A unidade, no entanto, não se aplica entre membros de
Ministérios Públicos diversos, ou seja, não há que se falar nesse princípio quando se
tratar de um representante do Ministério Público de Santa Catarina e outro do
Ministério Público Federal, por exemplo.
41 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 6. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.387.
27
Tem-se, assim, que os membros de um mesmo Ministério
Público atuam “como parte de um todo indivisível”, representantes deste órgão
uno42.
Acerca do referido princípio institucional, bem define Moraes43:
A unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral, ressalvando-se, porém, que só existe unidade dentro de cada Ministério Público, inexistindo entre o Ministério Público Federal e os dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro, nem entre os diversos ramos do Ministério Público da União.
Por sua vez, o princípio da indivisibilidade permite que
diferentes membros de um mesmo Ministério Público atuem em um único processo,
obedecendo, é claro, às prescrições legais.
Esta possibilidade é justificada por Tourinho Filho44:
Os membros do Ministério Público são considerados juridicamente uma só pessoa. A função, diz-se, absorve a personalidade de cada um de seus membros. Aquele que age ou fala não o faz em seu nome, mas em nome de toda a Instituição. [...].
Percebe-se, assim, que os princípios da unidade e
indivisibilidade estão intrinsecamente associados, uma vez que, sendo a instituição
ministerial una, seus representantes podem substituir-se a qualquer tempo, nos
limites da lei.
O princípio da independência funcional visa resguardar a
liberdade dos membros do Ministério Público, para que possam agir de acordo com
seu entendimento. Nas palavras de Mendes45, “torna cada membro do ‘Parquet’
vinculado apenas à sua consciência jurídica, quando se trata de assunto relacionado
com a sua atividade funcional”.
42 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.356.
43 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.1679
44 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.356.
45 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.996.
28
Neste norte, ensina Lenza46:
Trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do Ministério Público não se submetem a qualquer poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringe-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo Chefe da Instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional. Tanto é que o art. 85, II, da CF/88 considera crime de responsabilidade qualquer ato do Presidente da República que atentar contra o livre exercício do Ministério Público.
Mesmo que na esfera administrativa exista sim hierarquia, em
respeito à independência funcional, nem mesmo o chefe da instituição pode obrigar
um membro a decidir de maneira diversa da que o fez. Assim entende Mazzilli47:
Sob o aspecto administrativo, devem os membros do Ministério Público acatar as decisões dos órgãos da administração superior. Assim, a solução de conflito de atribuições, a revisão de promoção de arquivamento de inquérito civil ou inquérito policial, a imposição de medidas disciplinares – são decisões que obrigam ao atendimento. Mas nenhum procedimento ou manifestação podem impor os órgãos de administração superior ao membro da instituição no tocante ao exercício das funções institucionais, sempre que o ato dependa da decisão e da convicção deste último, o qual é garantido por irrestrita independência funcional. [...].
Além dos princípios institucionais já mencionados, a
Constituição Federal também previu garantias ao Ministério Público, as quais podem
ser divididas, para melhor compreensão, em garantias institucionais e garantias dos
membros.
De acordo com Moraes48, “as garantias constitucionais do
Ministério Público foram-lhe conferidas pelo legislador constituinte, objetivando o
pleno e independente exercício de suas funções, [...]”.
Sendo essas garantias essenciais ao regular exercício das
funções do Ministério Público e de seus representantes, estuda-se, de forma
detalhada, cada uma delas.
46 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.606.47 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.72.48 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1702.
29
As garantias institucionais foram assim classificadas por
tratarem de matéria relativa à instituição do Ministério Público como um todo.
Dispostas no texto constitucional, precisamente nos parágrafos
2º e 3º do artigo 127, são garantias institucionais: a autonomia funcional e
administrativa, bem como a autonomia financeira.
A autonomia funcional marca a independência do Ministério
Público, e assegura, consoante Lenza49, que “o membro do Ministério Público não se
submeterá a nenhum outro ‘poder’ (Legislativo, Executivo ou Judiciário), órgão,
autoridade pública etc. [...]”.
Corroborando com essa idéia, Moraes50:
Autonomia funcional significa que os membros do Ministério Público, no cumprimento dos deveres funcionais, submetem-se unicamente aos limites determinados pela Constituição, pelas leis e por sua própria consciência, não estando subordinados a nenhum outro Poder, isto é, nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Legislativo, nem ao Poder Judiciário.
Por sua vez, a autonomia administrativa permite ao Ministério
Público a gestão da própria instituição, respeitada a limitação legal, possibilitando ao
órgão decidir sobre a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, além
da política remuneratória e dos planos de carreira.
Sobre o tema, trata Lenza51:
Prevista no art. 127, §2º, a autonomia administrativa consiste na capacidade de direção de si próprio, autogestão, auto-administração, um governo de si. Assim, o Ministério Público poderá, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira, enfim, sua organização e funcionamento.
Com a possibilidade de auto-administração, o texto
constitucional determinou, igualmente, que o Ministério Público terá autonomia
49 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.607.50 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1685-1686.51 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.607.
30
financeira, assegurando ao órgão a capacidade de elaborar a própria proposta
orçamentária e administrar seus recursos.
Nesse sentido, colhem-se ensinamentos de Moraes52:
[...] possui o Ministério Público autonomia financeira, consistente na capacidade de elaboração de sua própria proposta orçamentária e da gestão e aplicação dos recursos que lhe forem destinados, na lei orçamentária, a prover as atividades e seus serviços.
Por fim, a Lei Maior cuidou das garantias dos membros do
Ministério Público.
Visando resguardar a liberdade funcional dos representantes
da instituição e, assim, o efetivo cumprimento das suas funções, foram asseguradas,
no artigo 128, parágrafo 5º, inciso I, as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e
irredutibilidade de subsídios.
Vê-se que os membros do Ministério Público têm as mesmas
garantias dos juízes, reconhecendo, a Constituição Federal, a importância da
instituição estudada no presente trabalho.
Mendes53 explica as razões pelas quais foram estabelecidas
mencionadas garantias, a saber:
A relevância da sua atividade para o regime republicano democrático indica a necessidade de preservar o membro do Ministério Público de temores e de perseguições, que lhe inibam o exercício funcional conseqüente e responsável. [...] Note-se que essas garantias servem de escudo para o membro do Ministério Público, mas têm por finalidade derradeira acautelar o tom de autonomia com que o constituinte desejou marcar a Instituição. [...].
O membro do Ministério Público adquire a vitaliciedade no
cargo depois de decorridos dois anos de exercício, o chamado estágio probatório.
Sendo vitalício, o representante não pode perder o cargo, salvo por sentença
transitada em julgado.
52 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.1687
53 MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p.997.
31
A inamovibilidade implica a proibição de remoção ou promoção
do membro ministerial sem sua autorização ou solicitação.
Contudo, essa regra não é absoluta, uma vez que,
excepcionalmente, por motivo de interesse público, poderá ser o representante
removido unilateralmente.
Nas palavras de Moraes54:
Uma vez titular do respectivo cargo, o membro do Ministério Público somente poderá ser removido ou promovido por iniciativa própria, nunca ex officio de qualquer outra autoridade, salvo em uma única exceção constitucional por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público, por voto da maioria absoluta de seus membros, assegurada ampla defesa.
E, finalmente, é assegurada aos membros do Ministério Público
a irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do artigo 39, parágrafo 4º, e
ressalvado o disposto nos artigos 37, X e XI, 150, II, 153, III, 153, parágrafo 2º, I,
todos da Constituição Federal, impedindo-se qualquer tentativa de mitigação do
exercício livre de suas funções.
Sobre a forma de pagamento feita aos membros do Ministério
Público, trata Mazzilli55:
Na sistemática da EC n. 19/98, subsídio é a remuneração exclusiva, fixada em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou de outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI, da Constituição.
Todas essas garantias foram conferidas à instituição e a cada
membro do Ministério Público para que, com liberdade e independência,
desempenhem suas funções, sobre as quais se passa a falar.
54 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p.1704
55 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.98.
32
1.3 FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
As funções do Ministério Público, para Mazzilli56, resumem-se
em promover a aplicação e execução das leis, no zelo de interesses sociais ou
individuais indisponíveis, difusos e coletivos.
O mesmo autor57, ao analisar os casos em que a instituição
intervém, conclui que o Ministério Público exerce atividade administrativa, vez que
executar leis não caracteriza atuação legislativa nem jurisdicional, a saber:
Analisando suas principais funções institucionais, vemos que todas têm natureza administrativa: incumbências como promover a ação pública ou opinar como custos legis não são atividades jurisdicionais (atuar junto ao Judiciário não significa prestar jurisdição) nem legislativas (fiscalizar ou promover a observância das leis não se confunde com a atividade de sua elaboração).
Feitas essas considerações preliminares sobre a atuação do
Ministério Público, seguem-se as funções descritas no artigo 129 da Constituição
Federal.
A primeira trazida pelo texto constitucional é a promoção, de
forma privativa, da ação penal pública.
A partir dessa função, na esfera penal, o Ministério Público
passa a representar o Estado-Administração, expondo ao Estado-Juiz a pretensão
punitiva58.
Além disso, é função do Ministério Público na área criminal,
requisitar diligências investigatórias e instaurar inquérito policial, quando entender
conveniente, sempre indicando os fundamentos jurídicos.
O estudo detalhado sobre essas atribuições de âmbito criminal
será feito no próximo capítulo, em espaço destinado ao inquérito policial e ação
penal, razão pela qual se passa à próxima função institucional.
56 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.206.
57 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.66.58 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p.159.
33
A Constituição Federal determina que cabe ao Ministério
Público zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias a sua garantia.
Desta forma, estabeleceu o constituinte que o órgão ministerial
cuidasse dos direitos assegurados pela Carta, conferindo ao Ministério Público a
“tarefa do defensor do povo”59.
Sobre o tema, Mazzilli60, utilizando-se da Lei Complementar nº
75/93 – Lei Orgânica do Ministério Público da União –, explica que:
É função institucional do Ministério Público zelar pelo efetivo respeito: a) dos Poderes Públicos, dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações, previstos na Constituição e na lei, relativos à comunicação social; b) dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação, bem como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade; c) dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública à efetiva garantia aos direitos do cidadão.
Por sua vez, Tourinho Filho61, valendo-se das disposições da
Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei nº 8.625/93, sustenta que a
instituição ministerial deve fiscalizar a administração direta e indireta e, ainda,
terceiros que ajam em nome do Poder Público, para que não ofendam qualquer
direito constitucional. Diz que é dever do Ministério Público:
Exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal
e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhes o respeito: a) pelos
poderes estaduais e municipais; b) pelos órgãos da Administração
Pública estadual ou municipal, direta ou indireta; c) pelos
concessionários e permissionários de serviço público estadual ou
59 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.214.
60 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.215.
61 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.353-354.
34
municipal; d) por entidades que exerçam outra função delegada do
Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública.
Para possibilitar a defesa dos direitos constitucionais pelo
órgão ministerial, o constituinte também previu instrumentos de atuação: dispôs,
como função constitucional, que compete ao Ministério Público promover o inquérito
civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
O inquérito civil, criado pela Lei da Ação Civil Pública, nº
7.347/85, tinha, em princípio, o intuito de coletar provas para a propositura da
competente ação civil pública. Hoje, entende-se que o procedimento teve seu objeto
estendido, destinando-se a colher elementos necessários à propositura de qualquer
ação civil da área de atuação ministerial62.
Nos estudos de Mazzilli63:
[...] é o inquérito civil um procedimento investigatório prévio, instaurado, presidido e eventualmente arquivado pelo Ministério Público, tendo como escopo a coleta de elementos de convicção necessários para embasar a ação civil pública ou viabilizar outras formas de atuação a seu cargo.
Como o membro do Ministério Público conduz diretamente o
inquérito civil, ele direciona a investigação da maneira como entende mais
proveitosa e acompanha a colheita de todo material probatório, o que possibilita, ao
final, maior certeza na decisão pelo arquivamento ou prosseguimento do feito.
A ação civil pública, por sua vez, é o mecanismo processual
utilizado pelo órgão ministerial para, em juízo, defender os interesses que tutela.
Essa função faz da instituição “intérprete do interesse social”64.
Sobre o assunto, ensina Moraes65:
62 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.139.63 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.139.64 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.354.65 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1717.
35
O inquérito civil e a ação civil pública foram criados pela Lei nº 7.347/85, com a finalidade de efetivar a responsabilização por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e como salienta Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “o texto constitucional alargou o alcance desses instrumentos. Por um lado, estendeu-se à proteção do patrimônio público em geral, dando, pois, à ação civil pública, âmbito análogo ao da ação popular (v. art. 5º, LXXIII). Por outro lado, tornou meramente exemplificativa uma enumeração que era taxativa. Note-se que a regra constitucional se refere a outros interesses difusos e coletivos”.
Decorre da função de presidir a investigação cível, outra
atribuição do Ministério Público listada na Constituição, a possibilidade de expedir
notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los.
Sobre esse instrumento de atuação ministerial, de maneira
sintetizada, expõe Mazzilli66:
A lei assegura ao Ministério Público: a) a expedição de notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não-comparecimento injustificado, a requisição de condução coercitiva; b) a requisição de informações, exames e perícias de autoridades federais, estaduais ou municipais, ou dos respectivos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional; c) a requisição de informações e documentos de entidades privadas.
Ao tratar desse tema, alguns doutrinadores, dentre eles
Mazzilli67 e Moraes68, defendem, em razão das vantagens já referidas, que o
Ministério Público também poderia produzir provas em procedimentos criminais,
conduzindo, desta forma, a própria investigação. Essa discussão, no entanto, será
trabalhada no último capítulo deste estudo, dedicado exclusivamente ao tema.
Prosseguindo a análise do texto constitucional, tem-se que é
função do Ministério Público exercer o controle externo da atividade policial,
também, na forma da lei complementar.
66 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.145.67 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.144-
145.68 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1737.
36
O controle exercido pela instituição é dirigido à atividade-fim da
polícia, a qual se relaciona com a atuação do Ministério Público, como, por exemplo,
a investigação de infrações penais.
A respeito, citando Walter Paulo Sabella, Mazzilli69 manifesta sua opinião:
[...] seria um erro supor que o controle a ser desempenhado pelo Ministério Público devesse alcançar “toda e qualquer atividade da polícia, preventiva ou repressiva, inclusive as atividades-meio, simplesmente ordinatórias do funcionamento interno dos órgãos policiais, como centros de competência, dos segmentos civil ou militar”. É, pois, sob o aspecto da atividade policial, vista como fornecedora de elementos para a formação da opinio delictis do órgão do Ministério Público, que se destina a imposição de um sistema de controle ministerial.
A Lei Orgânica do Ministério Público da União, Lei
Complementar nº 75/93, normatizou os mecanismos de controle a serem utilizados
pelos membros ministeriais, e Tourinho Filho70, resumidamente, cita-os, ensinando
que cabe ao Ministério Público:
Exercer o controle externo da atividade policial, por meio de medidas administrativas e judiciais, podendo, especialmente: a) ter livre ingresso e realizar inspeção em estabelecimentos policiais, em especial nos que abrigarem presos; b) ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária; c) requisitar providências para sanar a omissão indevida ou para prevenir ou corrigir ilegalidade ou abuso de poder; d) representar à autoridade competente para abertura de inquérito sobre omissão ou fato ilícito ocorridos no exercício da atividade policial; e) promover a ação penal por abuso de poder.
É papel do Ministério Público, ainda, a promoção da ação de
inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos
Estados, nos casos previstos na Constituição, bem como a defesa judicial dos
direitos e interesses das populações indígenas.
Por fim, o constituinte encerra o artigo das funções
institucionais regulando que poderá o Ministério Público exercer outras atribuições
69 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.147.70 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.354.
37
que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe
vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
Acerca desse dispositivo, trata Mazzilli71:
A norma de encerramento permite à lei infraconstitucional atribuir-lhe outras funções, como, aliás, já vinha previsto em outro dispositivo constitucional. Nenhuma das atribuições infraconstitucionais que lhe venham, porém, a ser conferidas poderá desviá-lo de sua destinação institucional. Com isso se veda ao Ministério Público não só a defesa de interesses meramente fazendários como a de interesses exclusivamente individuais disponíveis.
Vê-se, pois, que o texto constitucional além de reforçar a idéia
de que o Ministério Público não mais defende os interesses do Estado, possibilitou a
ampliação de suas funções por meio de leis infraconstitucionais.
Feitas essas considerações acerca das funções institucionais
do Ministério Público, faz-se essencial, neste momento da pesquisa, cujo enfoque se
situa na discussão da possibilidade de atuação do Ministério Público nas
investigações criminais, a conceituação de investigação criminal, bem como a
análise de sua regulamentação na legislação brasileira, suas características e
finalidades – assunto tratado no próximo capítulo.
71 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.236.
38
Capítulo 2
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL
Investigação criminal pode ser entendida como a “seqüência de
atos preliminares direta ou indiretamente voltados à produção e à colheita de
elementos de convicção e de outras informações relevantes acerca da materialidade
e autoria de um fato criminoso”72.
Como nem sempre a investigação esgota-se na coleta de
evidências diretamente ligadas ao crime – por exemplo, manchas de sangue,
impressões digitais –, incluem-se, na definição, os atos de investigação
indiretamente ligados, pois, por vezes, é necessário buscar informações não
vinculadas de forma clara ao fato, como diligenciar no sentido de localizar uma
testemunha.
Nessa atividade pré-processual, diversos são os
procedimentos de investigação e os agentes responsáveis por seu desdobramento;
todos com o objetivo de construir “um quadro probatório prévio, justificador da ação
penal, em nome da segurança mínima exigida para a atividade estatal contra alguém
no campo criminal”73.
Das formas de investigação previstas pelo ordenamento
jurídico brasileiro, o principal instrumento, na esfera penal, é o inquérito policial,
atividade específica da polícia judiciária, ou seja, a polícia civil, no âmbito da Justiça
Estadual, e a polícia federal, no caso da Justiça Federal74.
72 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.54.
73 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.142.
74 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.43.
Mencionado procedimento investigatório encontra previsão na
Constituição Federal e capítulo específico no Código de Processo Penal.
Assim, devido a sua importância, será utilizado o inquérito
policial como padrão de investigação criminal, a fim de que se esclareçam as
características e finalidades de um procedimento dessa natureza, bem como o modo
de condução pela autoridade competente.
2.1 INQUÉRITO POLICIAL
2.1.1 Polícia judiciária
A Constituição Federal, em seu artigo 144, dispõe que a
segurança pública é dever do Estado, e atribui à polícia a tarefa de preservar a
ordem pública, a incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Enumera, ainda, como órgãos policiais: a polícia federal, a
polícia rodoviária federal, a polícia ferroviária federal, as polícias civis, as polícias
militares e corpos de bombeiros militares.
Coube, nos termos do texto constitucional, à polícia federal a
tarefa de apurar infrações penais praticadas contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, bem como exercer, com exclusividade, as funções
de polícia judiciária da União.
Por sua vez, as polícias civis exercem as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, ressalvadas a competência da União e
infrações militares.
O Código de Processo Penal utiliza-se de nomenclatura
abrangente: denomina polícia judiciária à atividade realizada pela polícia federal, em
âmbito nacional, e pela polícia civil, na esfera estadual. Denominação que será
empregada no presente trabalho.
40
Essa polícia, diferentemente da militar que exerce atividade
ostensiva, tem atribuições investigatórias, realizando diligências para apurar o ilícito
penal já cometido. Nesse sentido, ensina Nucci75:
[...] O nome polícia judiciária tem sentido na medida em que não se cuida de uma atividade policial ostensiva (típica da Polícia Militar para a garantia da segurança nas ruas), mas investigatória, cuja função se volta a colher provas para o órgão acusatório e, na essência, para que o Judiciário avalie no futuro.
Com entendimento similar, Tourinho Filho76 explica que:
[...] enquanto a Polícia de Segurança visa impedir a turbação da ordem pública, adotando medidas preventivas, de verdadeira profilaxia do crime, a Polícia Civil intervém quando os fatos que a Polícia de Segurança pretendia prevenir não puderam ser evitados... ou, então, aqueles fatos que a Polícia de Segurança nem sequer imaginava pudessem acontecer...
A investigação das infrações dá-se, mais comumente, nos
autos do inquérito policial, procedimento administrativo presidido, exclusivamente,
pela autoridade policial: delegado federal, no âmbito da polícia federal ou delegado
de polícia, na civil.
Sobre a presidência do inquérito policial, afirma Tourinho
Filho77 que:
[...] a competência para a realização de inquéritos policiais é distribuída a autoridades próprias, de acordo com as normas de organização policial dos Estados. Todos os Estados são divididos em municípios e em cada um deles o Estado mantém um número variável de Delegados para aí exercerem suas funções. [...] Tratando-se de infração de alçada federal (art. 109 da CF), a competência é dos Delegados Federais, que exercem suas atividades dentro de áreas maiores, denominadas seções ou subseções, abrangentes de vários municípios.
75 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 145.
76 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.64.
77 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.68.
41
A autoridade policial, diferentemente dos representantes do
Ministério Público que são considerados agentes políticos, tem as mesmas garantias
de qualquer servidor público, não possuindo as prerrogativas de inamovibilidade ou
vitaliciedade.
Uma vez entendida a presidência do inquérito policial, passa-se
ao estudo desse instrumento investigatório.
2.1.2 Características e procedimento
O inquérito policial pode ser definido como um procedimento
administrativo – conjunto de diligências – conduzido pela polícia judiciária,
objetivando elucidar as infrações penais e sua autoria.
Nas palavras de Nucci78:
O inquérito policial é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a colheita de provas urgentes, que podem desaparecer após o cometimento do crime.
A partir da finalidade precípua do inquérito, decorrem as
características de seu procedimento, conforme segue.
O inquérito deve ser escrito, não havendo possibilidade de
investigação verbal. Nos termos do artigo 9º do Código de Processo Penal, todas as
peças serão, num mesmo procedimento, “reduzidas a escrito ou datilografadas e,
neste caso, rubricadas pela autoridade”79.
É, também, sigiloso, qualidade por vezes necessária à
elucidação dos fatos ou exigida pelo interesse da sociedade (artigo 20 do Código de
Processo Penal).
78 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 143.
79 BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 3.931, em vigor a partir de 1 de janeiro de 1942.
42
Para Mirabete80, o sigilo, no inquérito policial, é:
[...] qualidade necessária a que possa a autoridade policial providenciar as diligências necessárias para a completa elucidação do fato sem que se lhe oponham, no caminho, empecilhos para impedir ou dificultar a colheita de informações com ocultação ou destruição de provas, influência sobre testemunhas etc. [...].
Registre-se, todavia, que esse sigilo não se estende ao
advogado, o qual pode ter acesso aos autos, mesmo sem procuração. Entendimento
já firmado pelo Supremo Tribunal Federal, através da súmula vinculante nº 1481, com
a seguinte redação:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
O inquérito policial pode ser classificado, ainda, como
inquisitivo, uma vez que ao agente infrator não é permitida a ampla oportunidade de
defesa, como a produção de provas, oferecimento de recursos ou apresentação de
alegações82.
Consoante Demercian83, “o caráter inquisitivo do inquérito
policial confere à autoridade policial a discricionariedade de deferir ou não eventuais
diligências requeridas pelo ofendido ou pelo próprio investigado”.
Para Tourinho Filho84 a ausência do contraditório se justifica
porque não há acusado no inquérito policial, não se configurando, igualmente, esse
procedimento como processo, in verbis:
[...] É verdade que o inc. LV do art. 5º da CF dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
80 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.78.81 SÚMULA VINCULANTE. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em 14/03/2010.82 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p.167.83 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2001. p.71.84 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.69-70.
43
geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os recursos a ela inerentes”. Nem por isso se pode dizer seja o inquérito contraditório. Primeiro, porque no inquérito não há acusado; segundo, porque não é processo. [...] Embora o inquérito seja um procedimento administrativo, não tem caráter punitivo. Assim, a expressão “acusados em geral” não se estende aos “indiciados”.
O inquérito policial obedece também à característica da
oficiosidade, haja vista que, diante da notícia de qualquer crime de ação penal
pública incondicionada, a autoridade policial tem o dever de instaurar o competente
procedimento investigativo.
De acordo com Capez85, a oficiosidade:
[...] Significa que a atividade das autoridades policiais independe de qualquer espécie de provocação, sendo a instauração do inquérito obrigatória diante da notícia de uma infração penal (CPP, art. 5º, I), ressalvados os casos de ação penal pública condicionada e de ação penal privada (CPP, art. 5º, §§4º e 5º).
Uma vez instaurado, o inquérito não poderá, em qualquer
hipótese, ser arquivado pela autoridade policial, regra que decorre da qualidade de
indisponibilidade desse procedimento86.
Por fim, vale destacar que o inquérito policial não é
indispensável ao oferecimento da denúncia, pois o órgão acusador poderá formar
sua convicção com base em outros elementos probatórios. Configura-se, dessa
maneira, como peça meramente informativa.
Sobre essa questão, Tourinho Filho87 conclui que:
[...] desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) tenha em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao oferecimento da denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente dispensável [...].
85 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.69.86 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2001. p.78.87 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.69.
44
E, dessa forma, por ser mero procedimento informativo, os
vícios por acaso existentes nessa fase não acarretam nulidades processuais, isto é,
não atingem a fase seguinte da persecução penal: a ação penal88.
Quanto ao procedimento, o inquérito policial tem seu rito
regulado pelo Código de Processo Penal, é, pois, a forma de investigação mais
comumente adotada na área criminal.
Pode ser iniciado de cinco modos: de ofício, quando a
autoridade policial tiver conhecimento de uma infração de ação penal pública
incondicionada; por provocação do ofendido, no caso da própria vítima comunicar o
ilícito; ou por delação de terceiro, quando qualquer pessoa informar à autoridade
sobre infração de iniciativa do Ministério Público. Ainda, pode ser instaurado por
requisição da autoridade competente – juiz ou membro do Ministério Público – e pela
lavratura do auto de prisão em flagrante, nas situações em que o agente é
encontrado em qualquer dos casos descritos no artigo 302 do mencionado Diploma
Legal89.
Destaca-se que a autoridade policial somente agirá de ofício
nos delitos de ação penal pública incondicionada, necessitando, nos demais, de
autorização da vítima, consoante ensina Nucci90:
[...] em se tratando de ação pública condicionada e de ação privada, o inquérito somente pode iniciar-se igualmente se houver provocação do ofendido (representação para a ação pública condicionada; requerimento para a ação privada) ou do Ministro da Justiça (requisição).
De qualquer das maneiras narradas, chegando a notícia-crime
ao conhecimento da autoridade policial, o delegado deve proceder, em regra,
conforme descrito no artigo 6º do Código de Processo Penal. Adotará, no entanto,
somente as diligências condizentes com o ilícito penal que pretende solucionar.
88 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.71.89 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 151-152.90 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 152.
45
Sobre essa discricionariedade, trata Tourinho Filho91:
[...] p. ex., se A, verbalmente, calunia B, instaurando o inquérito é evidente que a Autoridade Policial limitar-se-á àquelas diligências indicadas nos incisos III (ouvida de testemunhas), IV (maiores esclarecimentos da vítima), V (interrogatório do indiciado), eventualmente no inciso VIII (identificação dactiloscópica), na segunda parte do inciso VI (acareação) e, por último, no inciso IX (informações sobre a vida pregressa).
Dispõe o Código de Processo Penal que, como primeira
diligência, a autoridade policial se dirigirá ao local e cuidará para que não se alterem
o estado e conservação das coisas, a fim de que a perícia criminal possa conhecer
fielmente a situação e produzir o competente exame.
No momento deve, também, apreender os objetos e todas as
provas que servirem à elucidação do ocorrido. Os objetos acompanharão os autos
do inquérito (artigo 11 do Código de Processo Penal).
A autoridade policial ouvirá o ofendido, se possível. Para
Tourinho Filho92, “o sujeito passivo do crime, de regra, é quem melhor poderá
fornecer à Autoridade Policial elementos para o esclarecimento do fato”, ressalta,
contudo, que suas palavras têm valor probatório relativo, em razão de seu interesse
no feito.
Nesse sentido, importante se faz, igualmente, o interrogatório
do infrator, o qual, apesar de ser ouvido em procedimento sem contraditório, tem
preservado seus direitos e garantias constitucionais: direito ao silêncio, à integridade
física preservada, podendo constituir, inclusive, advogado para acompanhar a
investigação93.
No tocante ao interrogatório do acusado, Nucci94 observa:
91 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.84.
92 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.86.
93 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.159.
94 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.160.
46
Com a edição da Lei 10.792/2003, os arts. 185 a 196 sofreram alterações, embora muitas dessas modificações sejam aplicáveis somente ao processo e não à fase do inquérito. Exemplos: não é obrigatória a presença de defensor no interrogatório feito na polícia (art. 185, CPP), nem tampouco há o direito de interferência, a fim de obter esclarecimentos (art. 188, CPP), pois tais disposições dizem respeito ao direito à ampla defesa, que não vigora na fase inquisitiva do inquérito.
A autoridade policial poderá, ainda, necessitando a
investigação, proceder a reconhecimento de pessoas e coisas e a acareação, bem
como determinar a realização de exame de corpo de delito ou quaisquer outras
perícias. Esses exames periciais, por óbvio, são feitos quando há ocorrência de
infrações que deixam vestígios.
Por fim, cabe ao delegado identificar o infrator, bem como
juntar, aos autos, folha de antecedentes criminais, e informar acerca da vida
pregressa do agente.
Depois de apreciados os elementos probatórios, a autoridade
policial decidirá pelo indiciamento ou não do suposto criminoso.
Sobre esse ato, Nucci95 assevera que:
Indiciado é a pessoa eleita pelo Estado-investigação, dentro da sua convicção, como autora da infração penal. Ser indiciado, isto é, apontado como autor do crime pelos indícios colhidos no inquérito policial, implica um constrangimento natural, pois a folha de antecedentes receberá a informação, tornando-se permanente, ainda que o inquérito seja, posteriormente, arquivado. Assim, o indiciamento não é um ato discricionário da autoridade policial, devendo basear-se em provas suficientes para isso. [...].
Existindo, pois, provas que apontem o agente como possível
autor do delito, é dever da autoridade policial promover ao indiciamento.
Ao final, o inquérito policial deve ser concluído pelo delegado,
com a apresentação do relatório final.
95 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.157.
47
Nessa peça, o responsável pela investigação deverá informar
tudo o que foi feito na presidência do procedimento, de maneira a apurar ou não a
materialidade e autoria do ilícito penal96.
Nos estudos de Tourinho Filho97:
Esse relatório não encerra, não deve nem pode encerrar qualquer juízo de valor. Não deve, pois, a Autoridade Policial, no relatório, fazer apreciações sobre a culpabilidade ou antijuridicidade. E se o fizer? Haverá mera irregularidade, sem qualquer conseqüência. Deverá limitar-se a historiar o que apurou nas investigações. Por outro lado, se por quaisquer circunstâncias outras testemunhas deixaram de ser ouvidas, poderá a Autoridade Policial, no relatório, indicá-las, mencionando o lugar onde poderão ser encontradas (CPP, art. 10, §2º).
O procedimento criminal tem prazo para ser concluído. Na
justiça comum – estadual – a regra é de 30 dias, quando o réu estiver solto, e de 10
dias, quando se encontrar preso (artigo 10 do Código de Processo Penal).
Na prática, no entanto, essa norma dificilmente é cumprida,
conforme explica Nucci98:
[...] em face do acúmulo de serviço, torna-se inviável o cumprimento do referido prazo, motivo pelo qual a autoridade policial costuma solicitar dilação ao juiz, ouvindo-se o representante do Ministério Público. Em suma, quando o indiciado está solto, termina não existindo prazo certo para o término da investigação, embora sempre haja o controle judicial do que está sendo realizado pelo polícia. Quando o indiciado está preso em flagrante ou preventivamente, deve ser cumprido à risca o prazo de dez dias (art. 10, CPP), pois há restrição ao direito fundamental à liberdade. [...].
Já na justiça federal, o prazo é de 15 dias, estando preso o
acusado, podendo ser prorrogado por mais 15, nos termos do artigo 66 da Lei nº
5.010/66. Se solto, o prazo segue a regra dos 30 dias99.
96 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.170.
97 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.105.
98 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.162.
99 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p.46.
48
Concluído o inquérito policial, nos crimes de ação penal
privada, os autos serão remetidos ao juízo competente, onde aguardarão a iniciativa
da vítima, ou, a pedido, serão entregues ao requerente mediante traslado, conforme
artigo 19 do Código de Processo Penal.
Se a infração penal investigada for de titularidade do Ministério
Público, os autos serão encaminhados para conhecimento do representante
ministerial, responsável pela promoção da ação penal, que passará a atuar
diretamente no procedimento da forma como se verá a seguir.
2.2 ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO INQUÉRITO POLICIAL
2.2.1 Fase pré-processual
A forma privativa com que o Ministério Público detém a
promoção da ação penal demonstra a grande responsabilidade que a Constituição
Federal delegou ao órgão, como já mencionado.
Isso porque, “o simples ajuizamento da ação penal contra
alguém provoca um fardo à pessoa de bem, não podendo, pois, ser ato leviano,
desprovido de provas e sem um exame pré-constituído de legalidade”100.
Em vista disso, foi dada ao Ministério Público a faculdade de,
após analisar o procedimento investigatório, denunciar ou não o agente sujeito da
investigação. O que implica na ponderação preliminar de cada situação, antes da
apreciação pelo Poder Judiciário.
O membro do Ministério Público, por muitos doutrinadores, é
considerado parte imparcial no processo. Sobre o tema, trata Mazzilli101:
[...] Hoje, contudo, longe de ser visto como um simples acusador público, obrigado a acusar a qualquer preço, ao contrário, o órgão do
100 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.144.
101MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.207.
49
Ministério Público, detendo em mãos a titularidade da ação penal, acabou constituindo um primeiro fator da própria imparcialidade judicial dos julgamentos, já que possibilita, com sua iniciativa, o princípio da inércia da jurisdição.
Verdade é que essa característica favorece, ao mesmo tempo,
à sociedade e ao réu: aquela vê segurança jurídica no órgão acusador, já este não
passa pelo constrangimento de ser injustamente processado.
Assim, encerradas as investigações policiais e remetidos os
autos do inquérito policial ao Ministério Público, poderá, o titular da ação penal,
adotar como caminhos: a) requerer o retorno dos autos à polícia judiciária para a
continuidade da investigação; b) promover a declinação de competência; c) requerer
o arquivamento; d) oferecer denúncia.
Nessa fase, o representante ministerial deve analisar
cuidadosamente todos os elementos de prova contidos no procedimento
investigatório, a fim de formar sua convicção e dar ao caso a solução mais
adequada.
Sobre essa avaliação probatória feita pelo membro do
Ministério Público, trata Mendroni102:
Terminada a coleta das evidências, as quais sempre podem ser complementadas até o início do Processo, incumbe ao Promotor de Justiça o trabalho de seleção. Trata-se de um trabalho subjetivo de separar, associar, deduzir e considerar aquelas que sejam mais e menos importantes, para então obter uma visão global e em seguida estar em condições de sacar uma conclusão para dar início ou não a um Processo criminal.
Destaca que, além de seu próprio convencimento, o
representante ministerial deve tentar antecipar a decisão judicial em relação às
provas já existentes. Mendroni103 explica que o titular da ação penal:
[...] deve adiantar um pensamento mais ou menos assim: Com as evidências que disponho até agora e eventualmente com outras que
102 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Curso de investigação criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira Ltda., 2002. p.74.
103 MENDRONI, Marcelo Batlouni. Curso de investigação criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira Ltda., 2002. p.88.
50
porventura possa obter durante o processo, poderei contar com a possibilidade de que o Juiz chegue a uma conclusão equivalente à minha? Deve-se ordenar e tornar claras e evidentes as conclusões no seu conjunto, transportando-se-as assim tal e qual o pensamento de uma cabeça à outra, - do Promotor ao Juiz, de forma a impedir distorções ou conclusões diferentes do entendimento projetado.
Nesse sentido, vislumbra-se a primeira providência citada, da
qual se pode valer o membro do Ministério Público ao receber os autos do inquérito
policial: requisitar a complementação das diligências investigatórias.
Assim, o representante ministerial determinará a remessa do
procedimento, indicando à autoridade policial, de preferência de forma clara e
direcionada, as diligências a realizar, as quais, uma vez requisitadas, devem ser
cumpridas, conforme disposto no artigo 13, inciso II, do Código de Processo Penal.
A possibilidade de requisição é, inclusive, função institucional,
listada no artigo 129 da Constituição Federal, como já mencionado.
Para Tourinho Filho104, “requisitar é exigir legalmente”, e, sobre
a intenção da norma prevista no Código de Processo Penal, acrescenta que: “no art.
13, II, o legislador criou para a Autoridade Policial o dever de realizar as diligências
requisitadas pelo Juiz ou pelo Ministério Público e silenciou, como não podia deixar
de ser, quanto à possibilidade de indeferir tais requisições”.
Se, no entanto, os dados fornecidos pela autoridade
requisitante forem vagos, ou a ordem for manifestamente ilegal, caberá à autoridade
policial demonstrar a total impossibilidade de obedecer à diligência, solicitando, no
primeiro fato, novas informações105.
Como segunda hipótese, pode o representante ministerial, ao
estudar o inquérito policial, entender que não é competente para apreciar o ilícito ali
exposto. Nessa situação, irá requerer a declinação de competência.
Nucci106 lembra que, no tocante à competência, em síntese:
104 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.74.
105 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.74-75.
106 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
51
Elege-se, como parâmetro, o lugar do crime, pois é o local onde a sociedade sofreu o abalo decorrente do cometimento da infração penal. Excepciona, às vezes, esse parâmetro a natureza da matéria discutida no processo (militar ou eleitoral) ou a prerrogativa de função (foro privilegiado). Por outro lado, quando não se souber (ou for duvidoso) o lugar do delito, pode-se optar pelo foro do domicílio ou residência do réu. Eleito um (lugar da infração) ou outro (domicílio do réu), havendo mais de um juiz, segue-se o critério da distribuição (sorteio aleatório entre as Varas ou magistrados). Excepciona-se a distribuição, devendo o processo seguir para juiz certo em caso de conexão ou continência ou mesmo de prevenção.
Por exemplo: o promotor de justiça da Comarca de Itajaí
recebeu um inquérito policial, instaurado pela polícia civil do município, que apura
um crime ambiental. No decorrer da investigação, verificou-se que, na verdade, o
delito ocorreu em terras de marinha, sendo assim, pela natureza da matéria, é a
Justiça Federal competente para julgamento. No caso, constatando essa situação, o
promotor deverá requerer a declinação de competência.
Por sua vez, quanto ao arquivamento do inquérito policial –
outra possibilidade dos representantes do Ministério Público –, tem-se que este será
pleiteado quando o membro entender que não há suporte probatório mínimo para a
promoção da ação penal, seja pela ausência de indícios de autoria ou pela falta de
prova da materialidade da infração107.
Podem, ainda, outras causas motivarem o arquivamento do
inquérito, como, por exemplo, a presença de uma causa extintiva da punibilidade, a
falta de condição de procedibilidade, como a representação do ofendido108...
Nos crimes de ação penal pública incondicionada, o pedido de
arquivamento cabe, exclusivamente, aos membros do Ministério Público,
responsáveis pela promoção, de forma privativa, dessa ação.
Nas palavras de Tourinho Filho109, somente o Ministério Público
“poderá requerer ao Juiz seja arquivado o inquérito, e, caso o Magistrado acolha as
Revista dos Tribunais, 2008. p.311.107 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2001. p.84.108 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 2. ed. São
Paulo: Atlas, 2001. p.84.109 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.106.
52
razões invocadas por ele, determiná-lo-á. Do contrário, agirá de conformidade com o
art. 28 do CPP”.
Em verdade, a decisão pelo arquivamento ou prosseguimento
de determinado procedimento criminal – em crimes de ação penal pública
incondicionada, repete-se – cabe, unicamente, ao órgão ministerial. O que se
confirma com o seguinte fato: quando o representante do Ministério Público, de
maneira fundamentada, requer o arquivamento do inquérito policial ao juiz, e este
entende de forma diversa, os autos são remetidos ao Procurador-Geral, o qual dará
“a palavra final e incontrastável a respeito”, vez que, se concordar com o
arquivamento, o magistrado será obrigado a acatá-lo110.
Consoante, explica Moraes111: “tendo o Ministério Público
requerido o arquivamento no prazo legal, não cabe ação privada subsidiária, ou a
título originário (CPP, art. 29; CF, art. 5º, LIX), sendo essa manifestação irretratável,
salvo no surgimento de novas provas”.
Se, contudo, o Procurador-Geral encontrar razão nas palavras
do magistrado, pode ele próprio denunciar, ou designar outro representante do
Ministério Público para oferecer a denúncia em seu nome. Trata-se de delegação112.
O controle exercido pelo Poder Judiciário em relação aos
crimes de ação penal pública é explicado por Nucci113:
[...] tendo em vista que a ação penal, como regra é pública, regida pelo princípio da obrigatoriedade, o controle é feito pelo Judiciário. Trata-se de atuação administrativa e não jurisdicional, portanto anormal. Logo, não cabe ao promotor, embora seja o titular da ação penal, a exclusiva deliberação acerca do oferecimento de denúncia ou do arquivamento do inquérito. Deve submeter o seu pedido ao juiz que, analisando o material recebido e as razões invocadas pelo órgão acusatório, pode acatá-lo ou não.
110 MAZZILLI, Hugo Nigro. Introdução ao Ministério Público. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p.131.111 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed.
São Paulo: Atlas, 2006. p.1717.112 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 144.113 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 175.
53
Já nos delitos de ação penal pública condicionada à
representação, a vontade da vítima, ou de seu representante legal – quando for o
caso –, é determinante para o prosseguimento da investigação, e também para o
arquivamento. Manifestando o ofendido interesse em encerrar o procedimento
investigatório, assim terá que agir o membro ministerial, em razão da falta de
condição de procedibilidade para propositura da ação penal, como já comentado.
Tratando-se de delito de ação penal privada, segundo Tourinho
Filho114, “não há que excogitar-se de arquivamento: arquivado será se a pessoa com
o direito de queixa deixar de intentar a ação penal”. Para o autor, se houver um
pedido de arquivamento, este equivale à renúncia.
Por fim, pode o representante ministerial entender que já
possui elementos suficientes para a propositura da denúncia, dando início, assim, à
ação penal – próximo instituto a ser estudado.
2.2.2 Judicialização do procedimento administrativo
De posse das informações que provam a existência de um
crime – materialidade –, e indícios de autoria, o membro do Ministério Público,
representante do Estado, utilizando-se de seu direito de ação, ingressará perante o
Poder Judiciário, a fim de ver punido o agente infrator.
Assim, a ação penal pode ser conceituada, consoante Nucci115,
como “o direito do Estado-acusação ou do ofendido de ingressar em juízo,
solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de
direito penal ao caso concreto”.
Na sua aplicação, a ação penal é dividida com base na
titularidade de seu exercício, indicada no artigo 100 do Código Penal, sendo
114 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.106.
115 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 183.
54
classificada como: pública, promovida pelo membro do Ministério Público, e privada,
exercida pela própria vítima.
A regra é a ação penal pública; que se subdivide, ainda, em:
incondicionada, quando proposta sem necessidade de qualquer autorização, e
condicionada, quando dependente de representação do ofendido ou requisição do
Ministro da Justiça.
Tendo em vista a proposta do presente estudo, dar-se-á ênfase
à ação penal pública incondicionada, sem deixar, ao final, de comentar sobre a
atuação da instituição na ação penal privada.
Começa-se, pois, pelos princípios que regem a ação penal
pública incondicionada, quais sejam: oficialidade, indisponibilidade, legalidade ou
obrigatoriedade, indivisibilidade e intranscendência116.
O princípio da oficialidade decorre do pressuposto de que a
ação penal pública incondicionada é proposta pelo Ministério Público, órgão oficial
do Estado117.
Por pertencer o direito ao Estado, não pode o membro
ministerial dispor da ação, caracterizando, desta forma, a qualidade de
indisponibilidade, conforme ensina Tourinho Filho118:
[...] por não lhes pertencer, não podem os órgãos do Ministério Público dela desistir, transigindo ou acordando, pouco importando seja ela incondicionada ou condicionada. Entre nós, o art. 42 do CPP, às expressas, veda a desistência da ação penal pública: “O Ministério Público não poderá desistir da ação penal”.
Sobre o princípio da obrigatoriedade, em Nucci119, tem-se que,
“havendo prova suficiente colhida no inquérito policial ou procedimento equivalente,
deve o Ministério Público oferecer denúncia”.116 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.123.117 ISHIDA, Válter Kenji. Processo penal. São Paulo: Atlas, 2009. 58.118 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.124.119 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p. 185.
55
Impende destacar, contudo, que tanto o princípio da
indisponibilidade, quanto o da obrigatoriedade, foram amenizados com a vigência da
Lei nº 9.099/95, que prevê alternativas para resolução dos conflitos de forma menos
burocrática, possibilitando, ao membro do Ministério Público, a utilização dos
benefícios da conciliação e transação penal, bem como da suspensão condicional
do processo.
Nesse norte, Ishida120:
Existe uma exceção ao princípio da indisponibilidade: a suspensão condicional do processo. Oferecida e aceita a suspensão, a indisponibilidade do direito ao jus puniendi fica mitigada (abrandada), permitindo a extinção da punibilidade pelo cumprimento das condições.
E, ainda, Mazzilli121:
A legitimação privativa do Ministério Público na promoção da ação penal agora há de conviver com a mitigação do princípio da obrigatoriedade, expressamente trazida pela Constituição de 1988. Admite-se, pela primeira vez, que juizados especiais sejam competentes para a conciliação em infrações penais de menor potencial ofensivo, bem como permite-se a transação ‘nas hipóteses previstas em lei’. Tanto numa hipótese como noutra, é imprescindível a deliberação do Ministério Público sobre se aceita a conciliação ou a transação, pois que é titular privativo da pretensão punitiva.
A característica de indivisibilidade determina que todos os que
praticaram ou concorreram de qualquer forma para a prática delituosa devem ser
responsabilizados, não podendo escolher, o representante ministerial, qual agente
irá denunciar122.
Por fim, o princípio da intranscendência na ação penal pública,
reforça a idéia de que a sanção criminal não deve passar da pessoa do réu. Dispõe,
assim, “que a ação penal é proposta apenas em relação à pessoa ou às pessoas a
quem se imputa a prática da infração”123.
120 ISHIDA, Válter Kenji. Processo penal. São Paulo: Atlas, 2009. 58.121 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
p.213.122 ISHIDA, Válter Kenji. Processo penal. São Paulo: Atlas, 2009. 58.123 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.128.
56
A ação penal pública se inicia por meio da denúncia.
Instrumento definido por Tourinho Filho124 como:
[...] ato processual por meio do qual o Representante do Ministério Público leva ao conhecimento do Juiz, respaldado em provas colhidas no inquérito ou em outras peças de informação, a notícia de uma infração penal, diz quem cometeu e pede seja instaurado o respectivo processo em relação a ele.
O marco inicial da ação penal dá-se, pois, com o oferecimento
da denúncia, independentemente do recebimento feito pelo juiz125.
De acordo com o artigo 41 do Código de Processo Penal, a
denúncia deve conter, em síntese, a exposição do fato criminoso, a qualificação do
acusado, bem como a classificação do crime, e, quando necessário, o rol de
testemunhas.
Desta maneira, ao narrar o ilícito penal, o membro do Ministério
Público deve se atentar para a configuração do crime – tipo penal –, sem esquecer
de descrever as circunstâncias que possam influir na caracterização da infração,
como por exemplo, a ocorrência de uma qualificadora.
Para Nucci126:
A exposição do fato criminoso com todas as circunstâncias diz respeito à narrativa do tipo básico (figura fundamental do delito) e do tipo derivado (circunstâncias que envolvem o delito na forma de qualificadoras ou causa de aumento). É dever do órgão acusatório promover a imputação completa, embora possa deixar de lado as circunstâncias genéricas de elevação de pena.
O representante ministerial deve, ainda, ao narrar os fatos, fixar
a relação entre o ocorrido e o pretenso culpado, identificando, claramente, contra
quem recai a acusação. Apresentará, se possível, a qualificação completa do
denunciado.
124 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.155.
125 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.187.
126 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.217.
57
Em não sendo possível a identificação do infrator em razão da
falta de dados, pode valer-se, o membro do Ministério Público, da descrição de
sinais que possam caracterizá-lo127.
No tocante à classificação do crime, exige-se a indicação do
dispositivo legal que tipifica a conduta delituosa, o que, no entanto, não vincula o
juiz, que poderá dar-lhe definição jurídica diversa. Nas palavras de Capez128:
O juiz só está adstrito aos fatos narrados na peça acusatória (CPP, arts. 383 e 384). [...] O demandado defende-se dos fatos a ele imputados, não da sua tipificação legal. Por isso, a classificação jurídica da conduta pode ser alterada até a sentença (quer por aditamento da peça inicial – CPP, art. 569 –, quer por ato do juiz – CPP, arts. 383 e 384).
Quanto ao rol de testemunhas, tem-se que é facultativo.
Se na ação penal pública a instituição atua como parte na
relação processual, na ação penal privada exerce, em síntese, a fiscalização da lei,
conforme ensina Tourinho Filho129:
Na ação penal privada (privada em sentido estrito e privada personalíssima), exerce ele não só a função de fiscal do princípio da indivisibilidade da ação, nos termos dos arts. 48, 45 e 46, §2º, do CPP, como também a de custos legis (CPP, arts. 500, §2º, e 600, §2º), notadamente se se tratar de crime de alçada privada, cometido por meio da imprensa (Lei nº 5.250, de 9-2-1967, art. 40, §2º). Tratando-se de crime de ação privada subsidiária da pública (CPP, art. 29), funciona ele como interveniente adesivo obrigatório (CPP, art. 564, III, d, última parte).
A intervenção do Ministério Público se mostra de suma
importância também às causas de ação penal privada.
127 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.160.
128 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p.127.129 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.353.
58
Para Nucci130, a ausência do Ministério Público em qualquer
ato, nas ações públicas, é hipótese de nulidade absoluta, enquanto que, nas ações
privadas, de nulidade relativa.
Feitas as considerações sobre o inquérito policial e a atuação
do Ministério Público em procedimentos dessa natureza, passa-se a citar outras
formas de investigação criminal.
2.3 OUTROS TIPOS DE INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS
Além do inquérito policial, diferentes procedimentos
administrativos são instaurados com o fim de apurar ilícitos penais. A atividade
investigatória, portanto, não é exercida com exclusividade pela polícia judiciária.
No âmbito do Poder Executivo, outros órgãos são responsáveis
pela investigação criminal; o que também ocorre nos Poderes Legislativo e
Judiciário. Veja-se.
A Receita Federal do Brasil realiza, no exercício de suas
funções, diligências investigatórias e operações que objetivam mais do que a
constituição de um auto de infração, a repressão a determinados delitos131.
Sobre o trabalho desse órgão, subordinado ao Ministério da
Fazenda, Streck e Feldens132 comentam:
São conhecidas, por exemplo, as “barreiras” montadas a reprimir o contrabando e o descaminho (art. 334 do CP). A própria “representação fiscal para fins penais” dirigida ao Ministério Público investe-se de conteúdo investigatório, bastando recordar que não raramente veicula informações atinentes a operações financeiras do contribuinte-investigado, as quais, visando a comprovar a materialidade do delito de sonegação fiscal (Lei nº 8.137/90), apenas logram ser obtidas no âmbito de um procedimento que, por haver sido conduzido pela Receita, chama-se “fiscal”.
130 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.228.
131 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.93.
132 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.93-94.
59
Os autores citam, ainda, o Banco Central e o Conselho de
Coordenação de Atividades Financeiras (COAF), como responsáveis por
investigações criminais.
O Banco Central, dentro de suas atribuições, efetua “diligências
que, para além de instruir o procedimento administrativo, terão como destinatário o
Ministério Público, para que proceda criminalmente contra os investigados”133.
E o Conselho de Coordenação de Atividades Financeiras,
igualmente, realiza investigações, atuando como “órgão do Governo, responsável
pela coordenação de ações voltadas ao combate à ‘lavagem’ de dinheiro”134.
Tourinho Filho135 faz, também, referência ao INSS, autarquia
federal que investiga infrações no âmbito de sua atuação, como, por exemplo, a falta
de repasse pelas empresas das contribuições descontadas de seus empregados.
Informações que são remetidas ao Ministério Público.
Por sua vez, no Poder Legislativo, está legalmente prevista a
investigação por Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI).
Na Constituição Federal136, o artigo 58, parágrafo 3º, determina
que essas Comissões possuem poderes próprios das autoridades judiciais, além dos
previstos nos regimentos das respectivas casas. E, quanto à sua concepção, dispõe
que:
[...] serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
133 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.94.
134 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.94.
135 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.67.
136 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
60
Dentre os vários poderes delegados à Comissão, colhe-se o
disposto no artigo 36, inciso II, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados137:
Art. 36. A Comissão Parlamentar de Inquérito poderá, observada a legislação específica: II - determinar diligências, ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de órgãos e entidades da administração pública informações e documentos, requerer a audiência de Deputados e Ministros de Estado, tomar depoimentos de autoridades federais, estaduais e municipais, e requisitar os serviços de quaisquer autoridades, inclusive policiais.
Acerca das Comissões Parlamentares de Inquérito, trata
Tourinho Filho138:
[...] como o nome está a indicar, procedem a investigações de maior vulto, e, caso a Comissão constate a existência de crime da alçada da Justiça Comum, pode o órgão do Ministério Público, com base naqueles inquéritos parlamentares, praticar o ato instaurador da instância penal, isto é, oferecer denúncia.
Quanto ao Poder Judiciário, caberia destacar que “compete a
ele próprio – e jamais à Polícia – a investigação de magistrados envolvidos em
práticas criminosas”139.
De acordo com a Lei Orgânica Nacional da Magistratura – Lei
Complementar nº 35/79 –, havendo indícios da prática de crime por parte de um juiz,
a autoridade deverá remeter os autos ao Tribunal ou órgão especial competente
para julgamento, para o prosseguimento da investigação (artigo 33).
No tocante à atuação do Ministério Público, além do inquérito
civil citado no capítulo anterior, há previsão legal, na Resolução nº 13, de 02 de
outubro de 2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, de procedimento de
natureza criminal, presidido pelo membro ministerial.
137 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Resolução nº 17. Brasília: 1989.
138 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.67.
139 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.98.
61
Nos termos da Resolução140, artigo 1º, o denominado
Procedimento Investigatório Criminal:
[...] é instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, e terá como finalidade apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.
O procedimento funciona como qualquer outro instrumento de
investigação: pode ser instaurado de ofício pelo representante ministerial, ou por
meio de provocação (artigo 3º), devendo, a instauração, ser comunicada ao chefe do
Ministério Público a que pertencer o membro.
Estão entre as providências que o representante ministerial
poderá adotar na condução do Procedimento Investigatório Criminal, listadas no
artigo 6º da aludida Resolução141:
I – fazer ou determinar vistorias, inspeções e quaisquer outras diligências; II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades, órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; III – requisitar informações e documentos de entidades privadas, inclusive de natureza cadastral; IV – notificar testemunhas e vítimas e requisitar sua condução coercitiva, nos casos de ausência injustificada, ressalvadas as prerrogativas legais; [...] VIII- realizar oitivas para colheita de informações e esclarecimentos; IX – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública; X – requisitar auxílio de força policial.
A investigação tem noventa dias para ser concluída,
permitidas, por meio de decisões fundamentadas do condutor do procedimento,
prorrogações sucessivas por igual período (artigo 12).
O artigo 3º da Resolução ressalta que o representante do
Ministério Público, responsável pela presidência do procedimento investigatório,
poderá prosseguir no feito desde a instauração até o oferecimento da denúncia ou
promoção de arquivamento em juízo.
140 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 13, de 02 de outubro de 2006.141 CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Resolução nº 13, de 02 de outubro de 2006.
62
Eis aí a atribuição, cuja legitimidade, é objetivo da presente
pesquisa: tem o representante da instituição poder para conduzir, diretamente,
investigações criminais destinadas a propiciar-lhe subsídios ao eventual
oferecimento de denúncia?
Com o objetivo de buscar a solução desse problema, no
próximo capítulo, passa-se ao exame dos argumentos favoráveis e contrários à
possibilidade de investigação pelo órgão ministerial.
63
Capítulo 3
INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
A matéria é, sem dúvida, controversa. Questiona-se, à luz da
Constituição Federal vigente, a possibilidade jurídica de o Ministério Público
desenvolver, por autoridade própria, atos de investigação criminal, com o objetivo de
apurar a existência de uma infração penal e sua respectiva autoria, utilizando-se
desses elementos para a deflagração da ação penal.
O assunto comporta diversas visões, gerando discussões
acirradas entre os estudiosos.
Nesse capítulo serão apresentados os principais argumentos
contrários e favoráveis à investigação pelo órgão ministerial, expondo-se,
igualmente, o posicionamento do Supremo Tribunal Federal frente ao problema.
3.1 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS
Para melhor compreensão do tema da pesquisa, antes de se
proceder ao estudo minucioso dos argumentos acerca do poder de investigação
criminal do Ministério Público, destacam-se algumas proposições incontestáveis
sobre a atuação da instituição em procedimentos administrativos, delimitando,
sobremaneira, o objeto da discussão.
Primeiro. O Ministério Público não pretende obter a presidência
do inquérito policial. Quando se refere a investigações criminais, a instituição visa à
instauração de procedimento administrativo próprio; como, por exemplo, o
procedimento investigatório criminal, mencionado no capítulo anterior.
64
A intenção do órgão ministerial é ilustrada por Assis142,
Procurador Regional da República:
[...] O Ministério Público quer, por exemplo, não dar trabalho à Polícia quando ele, por si mesmo, pode obter aquilo que seja necessário e suficiente a uma instrução penal. Então, eu recebo da Receita um dossiê mostrando que houve um crime tributário: para que eu preciso ‘esquentá-lo’, enviando para um delegado que está cheio de inquéritos necessários e que vai colocá-lo lá na fila até que, odiando isso, faça um relatório dizendo o que, de antemão, já estava pronto? E esse relatório é o que santifica uma investigação! Quem quer isso? O Ministério Público precisa da Polícia, mas naquilo em que ela é boa, que é a investigação em si, produzir prova técnica, fazer investigação de campo. [...].
Não resta dúvida de que o inquérito policial é dirigido e
presidido exclusivamente pela autoridade policial competente. Não buscam os
membros ministeriais a titularidade desse instrumento policial, até porque “se o
inquérito fosse conduzido pelo Ministério Público já não mais se poderia qualificá-lo
como ‘policial’, senão que teria outra designação (procedimento administrativo,
procedimento criminal, etc.)”143.
Segundo. Não se discute, igualmente, a possibilidade de o
Ministério Público requisitar abertura de inquéritos policiais e a realização de
diligências investigatórias. Pode, inclusive, o representante ministerial acompanhar
os atos de investigação desempenhados pela polícia, exercendo, dessa forma, o
controle da atividade policial.
Terceiro. Quanto à necessidade do inquérito policial, é
incontroverso o fato de que a denúncia pode ser embasada por qualquer peça de
informação, desde que presentes materialidade do delito e indícios de autoria.
Configura-se, pois, dispensável o procedimento administrativo instaurado pela
polícia.
Feitas essas considerações iniciais, passa-se ao problema.
142 COMBATE AO CRIME: Revista do Núcleo Criminal da Procuradoria Regional da República da 1ª região. Ano 2, nº 4. janeiro/maio de 2009.
143 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.79-80.
65
Considerando o novo panorama constitucional instaurado com
a promulgação da Constituição Federal vigente, é ilícito ao Ministério Público
promover, por autoridade própria, em procedimento de sua competência,
investigações penais destinadas à colheita de elementos para o oferecimento de
denúncia?
Comumente, são dois os argumentos utilizados pelos
opositores ao poder de investigação criminal do Ministério Público: a) monopólio da
polícia na atividade investigatória; b) ausência de fundamento legal a respaldar a
investigação pelo órgão ministerial.
Para os que defendem o monopólio da polícia, a Constituição
Federal144 foi clara ao dispor que a atividade investigatória deve ser exercida,
exclusivamente, pela polícia judiciária. Servem-se, para tanto, do artigo 144,
parágrafo 1º, inciso IV, e parágrafo 4º, in verbis:
Artigo 144. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
Concluem que só a polícia possui legitimidade para presidir
investigações de natureza criminal. Excepcionalmente, outras formas de
investigação seriam admitidas, desde que legalmente previstas.
De acordo com Tucci145, citando o Editorial do Boletim do
IBCCrim, quanto à competência para investigação criminal, “o deslocamento dela
para outros órgãos somente ocorre diante da expressa previsão constitucional e/ou
legal, em hipóteses absolutamente excepcionais”. Faz referência às Comissões
Parlamentares de Inquérito, e à investigação pelo próprio Poder Judiciário em casos
de crimes praticados por seus membros.
144 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
145 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.40.
66
Esse pensamento deriva do princípio da legalidade, segundo o
qual os agentes públicos somente podem fazer o que a lei determina. Esse princípio
é explicado por Calabrich146:
Como decorrência do Estado Democrático de Direito e dos direitos fundamentais neste ineludivelmente insculpidos, ao Estado só compete atuar quando legalmente autorizado para tanto. Trata-se do princípio da legalidade estrita ou administrativa, segundo a qual o administrador somente estará juridicamente autorizado a agir quando a lei assim o expressamente previr.
Dentro desse raciocínio, os opositores à investigação pelo
Ministério Público se utilizam das funções institucionais listadas pela Constituição
Federal, para apontar que foi adotado um critério diferenciado em matéria de
investigações preparatórias: o texto admitiu a promoção da investigação cível e
silenciou quanto à criminal. Veja-se.
Dentre as atribuições previstas no artigo 129 da Lei Maior, não
foi dado ao membro ministerial o poder de presidir investigações criminais. Quando
se trata de questões penais, fala-se em requisitar diligências e instauração do
competente inquérito policial.
Adepto desse entendimento, Tucci147 explica que:
[...] enquanto a uma dessas importantes instituições (Polícia Judiciária) incumbe a instauração da informatio delicti, efetuando a atividade investigatória respeitante à prática de infração penal, e respectiva autoria; à outra (Ministério Público) é concedido, pela Carta Magna de nossa República Federativa, o poder de determiná-las, mediante requisição, e de fiscalizá-las, visando à consecução de resultado útil à formação da opinio delicti.
E, reforçando a idéia de divisão de atividades, o autor148
continua:
146 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.108.
147 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.29.
148 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.30.
67
[...] os referenciados regramentos constitucionais determinam, destacadamente, os campos de atuação de cada uma dessas instituições estatais atuantes na persecutio criminis, distinguindo entre a atividade investigatória, atribuída à Polícia Judiciária, e a dela provocatória e supervisora, concedida ao Ministério Público.
Já, em relação à esfera cível, a Constituição foi expressa ao
estabelecer que compete ao representante ministerial promover o inquérito civil e a
ação civil pública.
Para Nucci149, o legislador previu “a possibilidade do promotor
elaborar inquérito civil, mas jamais inquérito policial”. A exclusão da investigação
criminal das funções do Ministério Público teria sido, então, proposital.
Nesse sentido, Tucci150 reportando-se, novamente, ao Editorial
do Boletim do IBCCrim, ressalta que:
O texto é claro e expresso ao indicar, como função institucional
ministerial, a promoção da ação penal pública, do inquérito civil e da
ação civil pública. Quanto ao inquérito policial, limita-se a atribuir ao
Ministério Público a requisição de sua instauração. Nesse particular,
não tem lugar a regra de hermenêutica dos poderes implícitos. [...].
Da mesma forma, já se pronunciou o Supremo Tribunal
Federal, conforme mencionado na obra de Nucci151, a saber:
A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129). De outro modo, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF, (na realidade, cuida-se do inciso VII), segundo o qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo da atividade policial (RE 205.473-AL, 2ª T., rel. Carlos Velloso, 15.02.1998, v.u., RTJ 173/640).
149 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.146.
150 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.39-40.
151 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.148.
68
Para os que se opõem à investigação pelo Ministério Público,
não existe legislação específica disciplinando essa atividade, uma vez que “os
dispositivos da LC 75/93 e Lei 8.625/93 tratam de investigações ligadas ao exercício
da ação civil pública, outra atribuição constitucional do MP”152.
Em matéria criminal haveria, apenas, a Resolução nº 13, de 02
de outubro de 2006, do Conselho Nacional do Ministério Público, mencionada no
capítulo anterior. E, assim, a investigação pelo órgão ministerial desrespeitaria o
princípio da reserva legal.
Além desses argumentos, os opositores à tese de investigação
pela instituição acatam o fato de ser o membro ministerial parte no processo penal.
Fala-se em excesso de poder, imparcialidade na colheita de provas e desequilíbrio
entre autor e réu na ação penal.
Nesse norte, Lima153, advogado e ex-corregedor-geral da
Polícia Civil do Distrito Federal, acredita que:
[...] Certamente o Ministério Público, nessa condição de parte, tenderia a selecionar as provas de sua tese acusatória, apenas, desprezando outras, quem sabe, de interesse da Defesa. Haveria um extraordinário desequilíbrio na lide, ficando o cidadão à mercê do Estado-Acusação poderosíssimo, com uma gigantesca máquina dirigida pelo acusador apenas para provar a culpa do seu suspeito, este inteiramente entregue à misericórdia Divina, por razões óbvias.
Com entendimento similar, Nucci154:
Note-se que, quando a polícia judiciária elabora e conduz a investigação criminal, é supervisionada pelo Ministério Público e pelo Juiz de Direito. Este, ao conduzir a instrução criminal, tem a supervisão das partes – Ministério Público e advogados. Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si a investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal.
152 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.125.
153 REVISTA JURÍDICA CONSULEX. Consulex. Ano VII, nº 159, de 31 de agosto de 2003.154 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p.147.
69
Alega-se que o procedimento presidido pelo representante do
Ministério Público não sofreria o mesmo controle que o conduzido pela autoridade
policial.
Isso porque o inquérito policial está sob a supervisão do juiz: é
ele quem delibera sobre o pedido de dilação de prazo para conclusão das
diligências, e para ele são dirigidos os autos com o relatório final.
É controlado, também, pelo investigado, vez que o advogado
tem acesso aos autos (artigo 7º, XIV, Lei nº 8.906/94), pelo Ministério Público, que
pode acompanhar todas as suas fases (artigo 129, VII, CF), e pelas corregedorias
de polícia155.
Os opositores destacam, ainda, que a autoridade policial não
pode, em qualquer circunstância, determinar o arquivamento dos autos do inquérito.
Cumpre à polícia somente coletar os elementos de informação, não devendo “sobre
eles emitir um juízo de valor”156.
Sobre o papel exercido pela autoridade policial nos
procedimentos criminais, Lima157 ensina que:
Cabe ao delegado de polícia conduzir as investigações e reunir nos autos as provas que encontrar nas suas pesquisas, tendo como único objetivo apurar a verdade dos fatos, manter equilibrado bom senso e eqüidistâncias das partes, inspirando-se na figura do magistrado ao proceder sua tarefa, isto é, com absoluta imparcialidade. [...].
No caso de investigações presididas pelo Ministério Público,
acreditam que o representante – condutor do procedimento – selecionaria as provas
de modo a atingir um fim pré-determinado: inocência ou culpa do investigado.
155 REVISTA JURÍDICA CONSULEX. Consulex. Ano VII, nº 159, de 31 de agosto de 2003.156 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
2009. p.106.157 REVISTA JURÍDICA CONSULEX. Consulex. Ano VII, nº 159, de 31 de agosto de 2003.
70
Nucci158, mencionando Sérgio Marcos de Moraes Pitombo,
aponta “o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes
estabelecido”, e, ainda, questiona a forma de controle desses procedimentos:
Procuradores da República e Promotores de Justiça necessitam dos serviços das autoridades policiais, para levar avante o pretenso procedimento preparatório, que venham a iniciar. Polícia Judiciária, havida por inconfiável, os secundando, não obstante fiscalizada e corrigida, de maneira externa, pelo Ministério Público. Mais, ainda, a dúvida de quem faria o controle interno, do mencionado procedimento administrativo ministerial, operacionalizado pela polícia judiciária, a mando e comando dos Procuradores da República e Promotores de Justiça. [...] Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. [...].
Completam, os que se opõe à investigação ministerial, que
seriam os próprios condutores que decidiriam pelo arquivamento do procedimento, o
que, segundo Lima159, instalaria “uma verdadeira ditadura do Ministério Público, com
sério comprometimento ao princípio da obrigatoriedade da ação penal”. Afirma que
há:
[...] possibilidade do promotor investigante produzir prova favorável a um culpado, intencionalmente ou não, resultando em pedido de arquivamento do procedimento investigatório; se o juiz não concordasse, caberia ao próprio Ministério Público decidir o caso. [...].
Na visão dos opositores, sintetizada por Juarez Tavares, na
obra de Nucci160:
É inconcebível que se atribua a um órgão do Estado, qualquer que seja, inclusive ao Poder Judiciário, poderes sem limites. A democracia vale, precisamente, porque os poderes do Estado são limitados, harmônicos entre si, controlados mutuamente e submetidos ou devendo submeter-se à participação de todos, como exercício indispensável da cidadania.
158 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.148.
159 REVISTA JURÍDICA CONSULEX. Consulex. Ano VII, nº 159, de 31 de agosto de 2003.160 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 5. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2008. p.148.
71
Por fim, defende-se que as autoridades policiais, ao
conduzirem investigações criminais, “assim como os membros do Ministério Público,
atuam, normalmente, com zelo e diligência”. E que, no tocante a investigações
dessa natureza, somente a polícia, “a tanto estruturada, reúne as condições
indispensáveis à sua efetivação”161.
Analisados os argumentos contrários ao poder de investigação
criminal do Ministério Público, passa-se aos pontos favoráveis.
3.2 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS
Os defensores do poder de investigação criminal do Ministério
Público iniciam seu raciocínio desconstruindo o argumento de que a atividade
investigatória seria de exclusividade da polícia.
Para eles, o legislador constitucional, ao utilizar a qualidade de
“exclusividade” no artigo 144, parágrafo 1º, inciso IV, teve somente a intenção de
demarcar as tarefas de cada órgão policial.
Além disso, destacam que a Constituição Federal quis
diferenciar as funções de “apurar infrações penais” e “polícia judiciária”. As funções
de polícia judiciária serviriam para auxiliar o Poder Judiciário na consecução de seus
fins, e seriam, assim, as únicas de exclusividade da polícia.
Streck e Feldens162 sustentam essa idéia nos seguintes termos:
Logicamente, ao referir-se à “exclusividade” da Polícia Federal para exercer funções de “polícia judiciária da União”, o que fez a Constituição foi, tão-somente, delimitar as atribuições entre as diversas polícias (federal, rodoviária, ferroviária, civil e militar), razão pela qual reservou, para cada uma delas, um parágrafo dentro do mesmo art. 144. Daí porque, se alguma conclusão de caráter exclusivista pode-se retirar do dispositivo constitucional seria a de que não cabe à Polícia Civil “apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas” (art.
161 TUCCI, Rogério Lauria. Ministério Público e investigação criminal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.86-87.
162 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.92-93.
72
144, §1º, I), pois que, no espectro da “polícia judiciária”, tal atribuição está reservada à Polícia Federal.
No mesmo sentido, manifestou-se, recentemente, o Supremo
Tribunal Federal163:
A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, §1º, inciso IV, da Constituição da República – que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público – tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentro os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. Incumbe, à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. (STF. HC 89.837 DF. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação 20/10/2009).
Além do quê, a conclusão de que a polícia detém o direito
único à investigação criminal vai de encontro ao poder que possuem outros
organismos públicos para presidirem investigações da mesma natureza. Atribuições
estas expressamente estabelecidas pela Constituição Federal, conforme citado
anteriormente.
Superado o óbice do monopólio policial, os que sustentam a
legitimidade do Ministério Público passam a provar que a atividade investigatória,
além de ser compatível com a finalidade ministerial, encontra previsão legal. Veja-
se.
O texto constitucional, ao tratar das funções institucionais do
Ministério Público, teria formado um rol meramente exemplificativo de suas
atribuições.
Isto porque, o artigo de lei se encerra dispondo que é lícito à
instituição “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
163 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.
73
com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria
jurídica de entidades públicas”164.
Para Streck e Feldens165:
A norma constitucional sob apreço qualifica-se como uma cláusula de abertura – legalmente concretizável – ao exercício, pelo Ministério Público, de “outras funções”, as quais, entretanto, haveriam de estar submetidas às seguintes três condicionantes: a) proveniência legal da função (limitação formal); b) compatibilidade da função legalmente conferida com a finalidade institucional do Ministério Público (limitação material afirmativa); c) vedação de qualquer função que implique a representação judicial ou a consultoria jurídica de entidades públicas (limitação material negativa).
Os autores, de pronto, afastam qualquer hipótese de relação
do tema – promoção de investigação criminal – com eventual representação judicial
ou consultoria de entidades públicas. Caberia, portanto, analisar se a função está
legalmente prevista e se há compatibilidade com as finalidades do Ministério
Público166.
Cita-se, então, a Lei Complementar nº 75/93167 (Lei Orgânica
do Ministério Público da União), a qual estabelece que “para o exercício de suas
atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua
competência: V - realizar inspeções e diligências investigatórias” (artigo 8º).
E, ainda, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, nº 8.625/93168:
Art. 26 - No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá: I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los: a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei; b) requisitar informações, exames
164 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 7 ed. São Paulo: Saraiva2009.
165 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.82.
166 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.82.
167 CONGRESSO NACIONAL. Lei Complementar nº 75. Brasília: 1993.168 CONGRESSO NACIONAL. Lei Orgânica Nacional do Ministério Público nº 8.625. Brasília: 1993.
74
periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior. II - requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie; [...].
Os defensores do poder de investigação criminal do Ministério
Público acreditam que os aludidos dispositivos autorizam os membros a realizem
inspeções e diligências investigatórias em todos os procedimentos de sua
competência, incluindo-se aí os de natureza penal.
Nas palavras de Calabrich169:
Não há nada, nem na LC 75/93 nem na Lei 8.625/93, que estabeleça que as atribuições investigatórias limitam-se à colheita de elementos para a propositura de uma ação civil pública. Muito diversamente disso, o art. 26, I, da Lei 8.625/93 é peremptório ao prever a possibilidade de instauração, pelo Ministério Público, de inquérito civil e de outros procedimentos administrativos, abrangendo, com isso, todo e qualquer procedimento, de natureza criminal ou não, necessário ao exercício de suas funções institucionais. [...].
Haveria, desse modo, previsão legal expressa a declinar os
atos de investigação criminal que o Ministério Público pode praticar.
Quanto à condição de compatibilidade, deve-se analisar se a
prática de diligências investigatórias pelo representante ministerial está relacionada
a um fim para o qual a instituição esteja constitucionalmente legitimada170.
Ora, o legislador constitucional, como primeira função, atribuiu
ao Ministério Público a promoção, de forma privativa, da ação penal pública. Em
sendo assim, a atividade investigatória é claramete compatível com a finalidade do
órgão.
Dessa maneira, concluem Streck e Feldens171:
169 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.125.
170 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.85.
171 STRECK, Lenio Luiz; FELDENS, Luciano. Crime e Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.85.
75
Resulta nítida a relação meio-fim exsurgente do cotejo dos dispositivos legal (art. 8º, V, da LC nº 75/93, congruente à dicção do art. 26 da Lei nº 8.625/93) e connstitucional (art. 129, I, da CRFB), a dar acolhida, portanto, à terceira – e última – das condicionantes impostas pelo art. 129, IX, da Constituição.
Aliada a esse entendimento, está a teoria dos poderes
implícitos, que se explica na lição de Lenza172:
[...] segundo a teoria dos poderes implícitos, quando o texto constitucional outorga competência explícita a determinado órgão estatal, implicitamente, pode-se interpretar, dentro de um contexto de razoabilidade e proporcionalidade, que a esse mesmo órgão tenham sido dados os meios necessários para a efetiva e completa realização dos fins atribuídos.
Nesse sentido, a outorga de poderes explícitos pressupõe a
titularidade dos instrumentos necessários para tornar efetivo o desempenho da
função.
A dita teoria é utilizada pelo Ministro Celso de Mello173 para
fundamentar o poder de investigação criminal do Ministério Público, in verbis:
[...] entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a instauração, pelo próprio Ministério Público, de investigação penal, atribuição que lhe é reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, e que permite, ao Ministério Público, adotar as medidas necessárias tanto ao fiel cumprimento de suas funções institucionais quanto ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas, diretamente, pela própria Constituição da República. (STF. HC 89.837 DF. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação 20/10/2009).
Os adeptos da idéia de investigações criminais conduzidas
pelo Ministério Público continuam, em sua defesa, contrapondo os argumentos
levantados pelos opositores. Ressaltam os benefícios resultantes da autonomia dos
membros ministeriais e a eficiência de um procedimento por eles conduzido,
conforme segue.
A autonomia do Ministério Público é, pois, de suma importância
à investigação. Seus representantes, que gozam das garantias de inamovibilidade, 172 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p.612.173 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.
76
vitaliciedade e independência funcional, têm liberdade e segurança para atuarem em
quaisquer procedimentos, inclusive, os que envolvam pessoas muito influentes e
integrantes da polícia.
O que não acontece com as autoridades policiais, que, por não
disporem dessas prerrogativas, estão sujeitas “a pressões e desmandos de
governantes do momento”174.
A respeito do tema, Calabrich175 assevera que:
A independência funcional do membro do Ministério Público permite a eficiência de investigações sobre determinados fatos que, em virtude da qualidade de pessoas envolvidas ou interessadas, direta ou indiretamente, poderiam não ser adequadamente apurados (ou sequer apurados), por ingerências diretas ou veladas sobre a atividade persecutória da polícia. Essas ingerências podem tanto recair sobre o delegado que preside as investigações quanto sobre um superior hierárquico ao qual esta autoridade policial está subordinada – o que, de qualquer forma, comprometeria o resultado de seu trabalho. [...].
Continua, o referido autor, exemplificando as investigações de
difícil desenvolvimento quando comandadas pela polícia. Cita aquelas relacionadas
a ilícitos praticados por políticos e por altas autoridades, por empresários com
elevado poder econômico, bem como por outras autoridades policiais176.
Nesses casos, então, alcançaria maior eficácia a investigação
presidida e dirigida inteiramente pelos membros do Ministério Público, que não
sofreriam qualquer retaliação em virtude de suas ações.
O Procurador da República, Valtan Furtado, citado pelo
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello177, analisa os resultados
concretos do exercício da investigação criminal pelo Ministério Público:
174 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.90.
175 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.133-134.
176 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.134.
177 BRASÍLIA. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.
77
A prática tem demonstrado como é relevante a atividade investigatória do MP no campo criminal, seja no combate a abusos na função policial, seja na apuração de crimes como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, fraude contra o sistema financeiro e corrupção, sendo o famoso caso do desvio de recursos no TRT de São Paulo apenas um dos inúmeros em que se revelou fecunda a condução de investigações no âmbito interno do MP. (STF. HC 89.837 DF. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação 20/10/2009).
Outra vantagem da investigação feita pelo próprio titular da
ação penal pública, está no fato de que o membro poderá desde logo “conhecer as
provas e informações que são produzidas, evitando a produção de provas que não
interessem à formação de seu convencimento”178.
O representante ministerial, então, ao tomar conhecimento do
ilícito penal, traça uma estratégia de investigação a partir das provas que reputa
importantes ao caso, concluindo, em menor tempo, o procedimento.
Para Valtan Furtado, reproduzido, novamente, no voto do
Ministro Celso de Mello179:
Possibilitar ao MP a condução direta de investigações criminais atende ao art. 37, ‘caput’, da CF, pois agrega eficiência a determinadas investigações, de acordo com a influência que o investigado possa exercer, o tipo de investigação (por exemplo, coleta e análise de documentos), a necessidade de formular um juízo direto e objetivo sobre os fatos, ou ainda por questão de ganho de tempo (por exemplo, em casos em que falta apenas uma informação para formar a ‘opinio delicti’ sobre o objeto de uma representação oriunda de órgão fiscal, o MP pode obter o dado faltante expedindo um ofício ou ouvindo uma testemunha, com ganho de tempo e na formação de sua convicção. (STF. HC 89.837 DF. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação 20/10/2009).
Além disso, participando, o membro do Ministério Público, da
colheita de provas – desde a inquirição dos envolvidos à determinação de exames
periciais –, terá melhores condições de firmar seu convencimento e decidir pela
acusação ou não do investigado.
178 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.134-135.
179 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.
78
MAZZILLI conclui que, na prática, “possibilita-se o ajuizamento
de ações mais bem aparelhadas e instruídas” 180.
Para os defensores do poder de investigação criminal do
Ministério Público, a direção do procedimento pelo próprio acusador não
compromete, em nada, as garantias do investigado, nem implica na seleção
tendenciosa de provas.
Destacam que a imparcialidade que é exigida dos
representantes da instituição está ligada à impessoalidade, conforme ensina
Calabrich181:
A nota da “imparcialidade”, no processo penal, tem o sentido de que, mesmo na condição de órgão legitimado para acusação, cabe ao Ministério Público zelar pelo fiel cumprimento da lei (função custos legis, ou fiscal da lei), sempre de modo impessoal (desvinculado de interesses de ordem pessoal, que, a rigor, se houver, deveriam ser causa de suspeição ou impedimento do membro do MP). A imparcialidade do Ministério Público, nesses termos, associa-se à idéia de (a) impessoalidade; e (b) desvinculação apriorística de pretensões acusatórias ou absolutórias. A despeito de ser parte, sua função precípua é a defesa da lei e da Constituição, podendo e devendo, por esse mesmo fundamento, por exemplo, promover o arquivamento de um inquérito policial [...] ou pedir a absolvição de um acusado que verifique ser inocente [...].
Lição que reflete o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça182, o qual já firmou posição no sentido de que a imparcialidade cobrada do
membro ministerial no processo penal em nada atrapalha a presidência das
investigações que o antecedem, a saber:
STJ Súmula nº 234 - Membro do Ministério Público - Participação na Fase Investigatória - Impedimento ou Suspeição - Oferecimento da Denúncia. A participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.
180 MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p.217.
181 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.126-127.
182 SÚMULA DO STJ. Disponível em: http://www.dji.com.br. Acesso em 21/04/2010.
79
Quanto às garantias constitucionais, ao investigado por
procedimento instruído pelo Ministério Público é assegurado, dentre outros, o direito
ao silêncio, à integridade física e moral, bem como à constituição de advogado –
limitações comuns a todos os procedimentos investigatórios.
Dentro desse raciocínio, diferentemente do que afirmam os
opositores à idéia de investigação pela instituição, não se vislumbra prejudicada a
garantia do contraditório pelo simples fato de ser a investigação conduzida pelo
próprio representante ministerial.
Isso porque, nenhuma investigação, nessa fase preliminar,
comporta referido princípio. Os elementos obtidos servem apenas para o
recebimento da denúncia, devendo toda prova ser reproduzida em juízo, aí sim, sob
o crivo do contraditório.
Corroborando, o Código de Processo Penal determina que o
juiz não poderá fundamentar sua decisão exclusivamente em informações colhidas
durante a investigação (artigo 155).
O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello183,
defende a inaplicabilidade do contraditório na fase pré-processual, ressaltando que a
investigação pelo órgão ministerial não traz qualquer lesão ao suspeito:
[...] a meu ver, a instauração de mera investigação penal, por iniciativa e sob a responsabilidade o Ministério Público, nenhum gravame impõe à esfera de direitos e ao “status libertatis” do investigado, eis que, a este, assegurar-se-á, sempre, o efetivo respeito às garantias do contraditório, da bilateralidade do juízo e da plenitude de defesa, uma vez promovida, “in judicio”, a fase processual da persecução penal. (STF. HC 89.837 DF. Relator Ministro Celso de Mello. Publicação 20/10/2009).
Por último, os estudiosos analisam que é uma tendência dos
ordenamentos jurídicos contemporâneos atribuírem à instituição do Ministério
Público funções de investigação criminal, como ocorre, principalmente, na Europa
continental184.
183 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.184 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC nº 89.837. Publicado em 20/10/2009.
80
Nesse sentido, Calabrich185 descreve que, na legislação
portuguesa, é o órgão ministerial que conduz a atuação das autoridades policiais, a
saber:
Em Portugal, segundo seu Código de Processo Penal, compete ao Ministério Público a direção do inquérito (art. 53), cabendo à polícia coadjuvá-lo nessa atividade. A prática de atos investigatórios pela polícia se dá por delegação do MP (art. 270). Prescreve o art. 55 do CPPP que “compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícia dos crimes e impedir quando possível as suas conseqüências, descobrir os seus agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova”. A atuação das autoridades policiais, entretanto, efetiva-se sob a orientação do Ministério Público, órgão com o qual mantém uma relação de dependência funcional (art. 56 do CPPP).
O aludido autor186 cita, ainda, o papel exercido pela instituição na legislação alemã:
Na Alemanha, é o Ministério Público (Staatsanwaltschaft) o encarregado das investigações necessárias à elucidação de um ilícito penal. O procedimento preliminar ou de investigação (vorvefahren ou ermittlungsverfahren) é conduzido pelo MP, que para tal mister é auxiliado pela polícia. Além da polícia, em questões fiscais ou administrativas são dotados de atribuição investigatória os agentes administrativos. [...].
Defende-se, pois, que os ordenamentos jurídicos mais
modernos, os quais servem de referência para os pesquisadores do direito em todo
o mundo, já aderiram à idéia de investigações criminais presididas diretamente pelo
Ministério Público.
Esses os argumentos favoráveis à investigação criminal pela
instituição.
Vistos os principais pontos da discussão, segue o cenário atual
do problema no Supremo Tribunal Federal.
185 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.77-78.
186 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.76.
81
3.3 PANORAMA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
No Supremo Tribunal Federal, a apreciação do tema teve como
marco principal o julgamento, iniciado no ano de 2003, do Inquérito nº 1968 (DF), o
qual tinha como objeto a possibilidade de o Ministério Público presidir investigações
criminais.
No caso, o então deputado Remi Trinta, proprietário de uma
clínica em São Luís/MA, foi acusado da prática de estelionato, por suposta fraude
contra o Sistema Único de Saúde (SUS).
A denúncia foi baseada unicamente em investigação criminal
conduzida pelo Ministério Público. Assim, encontrava-se em julgamento o
recebimento da inicial acusatória oferecida nos autos do inquérito187.
Cinco ministros proferiram seus votos: foram favoráveis à
investigação pelo Ministério Público, os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Ayres
Britto e Eros Roberto Grau; e contrários, os Ministros Marco Aurélio Mello e Nelson
Jobim188.
Contudo, não houve o julgamento definitivo da questão. A
discussão restou prejudicada com a extinção do mandato do deputado, que não se
reelegeu nas eleições de 2006.
O assunto passou a ser arduamente debatido, também, em
controle concentrado de constitucionalidade. Calabrich189 explica:
[...] o Partido Liberal ajuizou, na data de 22.07.2003, a ADIn 2943-6 pugnando pela suspensão da eficácia dos dispositivos [...] da LC 75/93 e da Lei 8.625/93. Mais recentemente, a Adepol ajuizou a ADIn 3.806 (distribuída em 10.10.2006), argüindo a inconstitucionalidade da Resolução 13 do CNMP, que regulamentou os procedimentos de investigação criminal pelo MP. Semanas depois, em 19.12.2006, a OAB ajuizou a ADIn 3.836, também questionando a constitucionalidade da citada Resolução.
187 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.117-118.
188 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.118.
189 CALABRICH, Bruno. Investigação criminal pelo Ministério Público: fundamentos e limites constitucionais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p.117.
82
Dentre as ações declaratórias de inconstitucionalidade que
tramitam no Supremo Tribunal Federal, aponta-se, como principal, a nº 3.806,
ajuizada pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, que tem como relator
o Ministro Ricardo Lewandowski.
Na ação, em síntese,
A Adepol alega a inconstitucionalidade dos artigos 7º, I, II e III; 8º, incisos I, II, IV, V, VI, VII e IX; 38, I, II e III e 150, I, II e III, todos da Lei Complementar (LC) nº 75, de 20 de maio de 1993, que dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. A entidade impugna, também, o artigo 26, inciso I, alíneas a, b e c, da Lei 8.625/1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Por fim, pede que seja declarada a inconstitucionalidade total da Resolução nº 13/2006, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que regulamenta a investigação criminal pelo Ministério Público (MP)190.
Até o momento, nenhuma das ações que discutem o poder de
investigação criminal do Ministério Público foi julgada.
Presumem-se os votos de alguns dos Ministros em vista de
decisões já proferidas sobre a questão, como no caso do Inquérito nº 1968 e,
principalmente, em sede de habeas corpus.
No entanto, hoje, não é possível determinar, de forma precisa,
a opinião da Corte Suprema sobre o tema.
190 NOTÍCIAS STF. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em 19/04/2010.
83
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho acadêmico promoveu o estudo sobre o
poder de investigação criminal do Ministério Público, analisando, especificamente, a
possibilidade jurídica de o membro ministerial conduzir, por autoridade própria,
procedimento preliminar de natureza penal, cujos atos destinam-se à colheita de
provas para oferecimento de denúncia.
De início, para melhor compreensão do papel exercido pela
instituição, fez-se um esboço de seu histórico desde as origens remotas até sua
configuração atual. Apontaram-se, então, os princípios e garantias assegurados ao
órgão e seus membros, bem como as funções que lhes foram outorgadas pelo texto
constitucional vigente.
Verificou-se que a instituição ministerial, surgida na França, no
ano de 1302, e integrada à legislação brasileira, por meio das Ordenações
portuguesas, desde a colonização, sofreu inúmeras mudanças – retrocessos e
avanços – em suas atribuições ao longo das Constituições.
Foi com o advento da Constituição Federal de 1988, que o
Ministério Público firmou-se como órgão fundamental para o ordenamento jurídico
brasileiro, status alcançado, principalmente, em razão das funções que lhe foram
conferidas pela Carta. Passou a integrar o capítulo “Das funções essenciais à
justiça”, sendo classificado como instituição permanente e guardião da ordem
jurídica, do regime democrático e do interesse público.
Quanto às funções, o legislador constitucional outorgou-lhe,
dentre outras, a promoção, de forma privativa, da ação penal pública; a promoção do
inquérito civil e da ação civil pública; o poder de requisitar diligências investigatórias
e instauração de inquérito policial; de expedir notificações em procedimentos
administrativos de sua competência e o controle externo da atividade policial. Por
fim, determinou que o Ministério Público pode exercer outras funções que lhe forem
conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade.
Aos membros ministeriais, foram asseguradas as garantias de
vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios, as quais permitem que
o representante atue com liberdade e segurança, bem desempenhando sua função.
Na seqüência, tratou-se de investigação criminal. Para
exemplificar o modo como se procedem aos atos de investigação, dentre os
inúmeros tipos de procedimento, utilizou-se, como padrão, o inquérito policial. Falou-
se da atuação da polícia judiciária e do Ministério Público em procedimentos dessa
natureza.
Constatou-se que o inquérito policial é um procedimento
administrativo, conduzido pela polícia judiciária – polícia federal, em âmbito nacional,
e polícia civil, na esfera estadual –, que visa apurar a ocorrência de uma infração
penal e sua autoria; é voltado, pois, à colheita de provas que servem de subsídio ao
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.
O procedimento é escrito, sigiloso e informativo. Tem caráter
inquisitivo e é dispensável à propositura da ação penal.
Estudou-se, também, que o representante ministerial, ao
receber os autos do inquérito policial, pode adotar as seguintes providências: a)
requerer o retorno dos autos à polícia judiciária para o prosseguimento da
investigação; b) promover a declinação de competência; c) requerer o arquivamento;
d) oferecer denúncia.
Observou-se, com essa situação, que à instituição do Ministério
Público foi delegada grande responsabilidade, uma vez que é facultado ao membro
ministerial denunciar ou não o investigado. Assim, este deve agir com
impessoalidade e ponderação.
Por último, citaram-se outras formas de investigações
criminais. Ainda no âmbito do Poder Executivo, as presididas pela Receita Federal
do Brasil, pelo Banco Central e pelo INSS. Na esfera do Poder Legislativo, as
Comissões Parlamentares de Inquérito, e no Judiciário, a investigação dos próprios
magistrados envolvidos em práticas delituosas. Destacou-se, também, o
85
Procedimento Investigatório Criminal de presidência do Ministério Público, regulado
pela Resolução nº 13, do Conselho Nacional do Ministério Público.
No terceiro capítulo, entrou-se na discussão acerca do poder
de investigação criminal do Ministério Público. Foram expostos os principais
argumentos contrários e favoráveis à questão, apresentando, ao final, o panorama
no Supremo Tribunal Federal.
Os que se opõem à idéia de investigações criminais
conduzidas diretamente pelo próprio representante ministerial, em síntese,
defendem que: a) o legislador constitucional determinou que a atividade
investigatória fosse exercida exclusivamente pela polícia judiciária; b) não há
previsão legal que legitime os membros ministeriais a conduzirem investigações
dessa natureza; c) haveria excesso de poder, imparcialidade e desequilíbrio entre o
autor da ação penal e o réu.
Por outro lado, os adeptos do poder de investigação criminal do
Ministério Público alegam que: a) a polícia não detém o monopólio da investigação
criminal; b) a atividade investigatória pelo órgão ministerial está prevista nas leis
orgânicas da instituição e é compatível com suas funções; c) o procedimento
presidido pelo representante ministerial apresenta melhores resultados, em menos
tempo; d) essa é uma tendência dos ordenamentos jurídicos modernos.
No Supremo Tribunal Federal, o problema ainda não foi
decidido. Em que pese a existência de inúmeras ações que questionam a
legitimidade de o Ministério Público conduzir investigações criminais, os ministros
ainda não se manifestaram definitivamente sobre o tema.
Concluído o estudo, verificou-se que a proibição da
investigação criminal pelo Ministério Público afronta o conjunto de princípios e
normas constantes da Constituição brasileira.
Ainda que se dê prioridade à polícia judiciária em matéria de
investigações criminais, é inconcebível que um único órgão, no ordenamento jurídico
brasileiro, tenha legitimidade para presidir atos investigatórios dessa natureza.
86
Além do que, o modelo de investigação tradicional, que prega o
monopólio da polícia, está há muito ultrapassado. Antiquado, e com sérios
problemas de eficácia e celeridade, ele reflete o Estado autoritário que se sustentava
no país em décadas passadas.
Esses problemas podem ser percebidos na tabela em anexo, a
qual faz parte do controle externo da atividade policial exercido pelo Ministério
Público Federal, em Itajaí, que aponta a demora na instauração do inquérito policial.
Hoje, com a Constituição Federal de 1988, tem-se um maior
equilíbrio entre os Poderes, de forma a evitar excessos, sendo garantidos, de
maneira mais efetiva, os princípios democráticos e a defesa dos direitos individuais e
coletivos dos cidadãos.
Nesse cenário, a fim de zelar pelo interesse público, vê-se
perfeitamente possível a atuação do Ministério Público em investigações criminais.
Função nitidamente compatível com sua finalidade.
A prática traz segurança jurídica à sociedade e impede, por
vezes, que o investigado sofra o constrangimento de ser injustamente processado,
pois aproxima o titular da ação penal pública de todos os elementos probatórios.
Destacando-se, ainda, que em razão das garantias asseguradas aos seus membros,
o Ministério Público tem maior liberdade para atuar em procedimentos que envolvam
altas autoridades.
Não se fala aqui em tornar regra a investigação criminal pelo
Ministério Público. Nem poderia, uma vez que essa não é a principal função
ministerial, sem contar a falta de estrutura do órgão para tanto. Não se pensa em
suprimir o trabalho da polícia judiciária.
Imagina-se, pois, um modelo de cooperação entre dois
importantes órgãos estatais – Ministério Público e polícia judiciária – a bem da
sociedade, ambos responsáveis pelos atos de investigação criminal e apuração da
verdade real.
87
Esse sistema de colaboração resultaria num processo de maior
qualidade e na aplicação mais rápida da justiça, combatendo, finalmente, de forma
acertada, a criminalidade e o abuso de poder.
Assim, retornando-se às hipóteses inicialmente apresentadas,
constata-se que foram todas confirmadas:
Primeira. O Ministério Público atua em defesa da sociedade,
funcionando, realmente, como guardião dos direitos dos cidadãos. Dentre suas
funções, é titular, de forma privativa, da ação penal pública, e responsável pelo
inquérito civil e a ação civil pública.
Segunda. A investigação criminal consiste no conjunto de atos
que visam esclarecer a ocorrência de um crime, comprovando sua materialidade e
indicando um possível autor.
Terceira. O Ministério Público possui sim, à luz do
ordenamento jurídico brasileiro, legitimidade para presidir investigações criminais.
88
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ANEXOS
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