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Era inverno. Ventava muito. Lá fora, as ruas permaneciam desertas e o vento forte se fazia ouvir. Enquanto isso, lá dentro, aqueles que podiam buscavam um jeito de se abrigar.
***
Às tardes, ela cuidava do irmão. Tinha um jeito muito doce e o costume de o ninhar com cafunés e afagos. De vez em quando, contudo, soltava um riso meio calado e dava um tapa um tanto forte nas costas do irmão. O pequeno estranhamente sorria. Estavam entediados. Nessas horas, ele prontamente se levantava e ia até a mesa da sala.
Lá, abria a gaveta e pegava o baralho. A irmã já se animava. Os dois automáticos se sentavam no tapete e começavam a reconstruir a cidade de cartas. Os papéis se transformavam, aos poucos, em prédios e praças, em ruas agitadas e em antigos caminhos. Havia ainda uma cartada final, o jogo não terminava assim. A mais velha sempre escondia a última carta fora das construções. O que resta é o que diz, sorria. Era uma adivinhação.
Um dia, algo aconteceu, a carta de baralho sorriu para a irmã. Ela emudeceu. Soltou a carta. O vento se fez e a cidade desmoronou.
Quando o turbilhão de vento quente finalmente cessou, as cartas haviam desaparecido. No começo, a irmã ainda correu em direção ao mar de ventos para quem sabe salvar alguma carta. Logo, em seguida, desistiu e apenas observou as cartas serem engolidas por aquele misterioso sol de ar.
O irmão permaneceu imóvel. Olhos presos em um grande nada. E somente após os ares se acalmarem, piscou; deu alguns passos; agachou-se; e pegou, embaixo da pequena mesa, a última carta. O que resta é o que diz, ela repetiu ao ver as mãos do irmão. Ele hesitou. E, sem ver a imagem, rasgou a carta em pedaços. Brigaram. Pela primeira vez, em suas vidas, eles brigaram. Ofegantes, desistiram do confronto. Ela possuía seis pedaços; ele, os três restantes. A irmã, nessa hora, se afastou e reconstruiu com as suas migalhas a imagem que queria rever.
Os corpos, de repente, começaram a flutuar. Os irmãos voavam na sala, enquanto todos os móveis permaneciam no chão. Apenas a carta mal formada flutuava junto a eles. Apenas os três eram feitos de algo mais leve do que o ar.
Isso se fez, até o momento em que os corpos tocaram o teto, pois, logo em seguida, caíram. Não de volta ao chão como o esperado, e sim para o teto. A casa subitamente se invertia.
Eles se desculparam pela briga, estavam confusos. A mais velha entregou o seu último pedaço ao pequeno. A carta flutuante permanecia a espera dos dois. Ela perguntou se, dessa vez, ele queria ir junto. Com um aceno, concordou.
Os dois tatearam pelas paredes uma maneira de alcançarem a carta. No teto, onde agora caminhavam, não existiam móveis para escalarem. A irmã, então, teve a ideia. Colocou o pequeno nos ombros e o desejou coragem. Ele se aproximou da carta e, sem pensar duas vezes, a preencheu com os pedaços restantes. Lá estava o desenho risonho da mulher.
TUDO QUE O VENTO DERRUBOU- AR texto de Carlos Bressanilustração de Paulo de Medeiros
este conto faz parte do livroCosturando contos narrados
produzido pelo ...mínimo diário!
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