inventário digital

147
INVENTÁRIO DIGITAL CULTO AOS CABOCLOS NA BAHIA - REGISTRO E SALVAGUARDA

Upload: ire-ayo

Post on 24-Jul-2016

253 views

Category:

Documents


2 download

DESCRIPTION

Culto aos caboclos na Bahia Registro e Salvaguarda

TRANSCRIPT

  • INVENTRIO DIGITAL CULTO AOS CABOCLOS NA BAHIA -

    REGISTRO E SALVAGUARDA

  • Instituto Tribos JovensAmelia Morelli Rodrigues

    Diretora ExecutivaMaria Conceio Souza dos Santos Costa

    Presidente do Conselho DeliberativoCentro de Caboclo Sulto das Matas

    Don Maria Conceio Souza dos Santos CostaTerreiro Il Omorod Ax Orix Nl

    Babalorix Augusto Csar da Silva LacerdaTerreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo

    Taata Anselmo Jos da Gama SantosTerreiro 21 Aldeia de Mar e TerraMe Juvani Nery Viana Jovelino

    INVENTRIO DIGITAL: CULTO AOS CABOCLOS NA BAHIA - REGISTRO E SALVAGUARDA

    Salvador/BA2015

  • Instituto Tribos JovensAmelia Morelli Rodrigues

    Diretora ExecutivaMaria Conceio Souza dos Santos Costa

    Presidente do Conselho DeliberativoCentro de Caboclo Sulto das Matas

    Don Maria Conceio Souza dos Santos CostaTerreiro Il Omorod Ax Orix Nl

    Babalorix Augusto Csar da Silva LacerdaTerreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo

    Taata Anselmo Jos da Gama SantosTerreiro 21 Aldeia de Mar e TerraMe Juvani Nery Viana Jovelino

    INVENTRIO DIGITAL: CULTO AOS CABOCLOS NA BAHIA - REGISTRO E SALVAGUARDA

    Salvador/BA2015

    Culto aos Caboclos. Inventrio Digital: Cul-to aos Caboclos na Bahia - Registro e Salva-guarda: Centro de Caboclo Sulto das Matas/Terreiro Il Omorod Ax Orix Nla/ Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo/ Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra/ Instituto Tribos Jovens (ITJ) 2015.

  • FICHA TCNICA

    Realizao da Pesquisa:Centro de Caboclo Sulto das Matas

    Instituto Tribos Jovens - Entidade Executora do ProjetoTerreiro 21 Aldeia de Mar e Terra

    Terreiro Il Omorod Ax Orix NlTerreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo

    Equipe de Sustentao:Anselmo Jos da Gama Santos - Mestre em Educao e Mestre

    Detentor do Conhecimento Augusto Csar da Silva Lacerda - Artista Plstico e Mestre

    Detentor do ConhecimentoIane Rodrigues Petrovich Gouveia - Mestra em Desenvolvimento

    e Gesto Social, Pesquisadora e Responsvel Tcnica pelo ProjetoJosenete Cardeal Santos Graduanda em Servio Social

    e Coordenadora de Projeto Juvani Nery Viana Jovelino - Educadora e Mestra Detentora

    do ConhecimentoLudmila Bastos Santos Publicitria

    Maria Conceio Souza dos Santos Costa - Educadora e Mestra Detentora do Conhecimento

    Vanda Machado - Doutora em Educao e Coordenadora da Pesquisa.

    Sistematizao e Organizao de texto:Antnio Cosme Lima da Silva - Mestre em Histria Regional e

    Local e Pesquisador;Iane Rodrigues Petrovich Gouveia;

    Josenete Cardeal Santos;Ludmila Bastos Santos Publicitria;

    Vanda Machado.Produo Textual:Vanda Machado

    Participaes: Antnio Cosme Lima da Silva e Iane Rodrigues Petrovich Gouveia

  • Autoria Coletiva:Todas as pessoas que participaram desta pesquisa so consideradas

    sujeitos participantes e co-autores.

    Fotografia/Filmagem/Edio de Vdeos:Fausto Junior

    Montagem/Diagramao:Ludmila Bastos

    Reviso Final:Anselmo Jos da Gama SantosAntnio Cosme Lima da Silva

    Augusto Csar da Silva LacerdaIane Rodrigues Petrovich Gouveia

    Iuri Clauton Paixo dos SantosJosenete Cardeal Santos

    Ludmila Bastos SantosJuvani Nery Viana Jovelino

    Maria Conceio Souza dos Santos CostaRizomar Bispo Rocha

    Vanda MachadoYanna Oliveira Marques Conceio

    Culto aos Caboclos. Inventrio Digital: Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda: Centro de Caboclo Sul-to das Matas/Terreiro Il Omorod Ax Orix Nla/ Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo/ Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra/ Instituto Tribos Jovens (ITJ) 2015.

    144 pp.

    1. Salvaguarda 2. Culto 3. Registro 4. Candombl de Caboclo

  • AGRADECIMENTOS

    Agradecemos aos regentes das casas que nos amparam nessa caminhada com generosidade, orientao, fora e proteo, Caboclo Andara, Caboclo No Tem Pena, Caboclo Pena Dourada e Caboclo Sulto das Matas.

    Agradecemos ainda a todos os caboclos que se fizeram presentes

    neste trabalho.

    Nossa gratido ao Professor Ubiratan Castro que contribuiu para o desenho das primeiras ideias deste projeto.

    Agradecemos tambm a todas as pessoas que participaram deste imensurvel trabalho de pesquisa e pelo resultado extraordinrio deste documentrio histrico sobre o culto aos caboclos.

  • Ao nos aproximar de outro povo,de outra cultura e outra religio,

    nosso primeiro dever tirar os sapatospois, o lugar do qual estamos nos aproximando sagrado.

    Caso contrrio podemos nos descobrirpisando no sonho de outras pessoas.

    Mais srio ainda:Podemos esquecer que Deus l estava

    antes que chegssemos.

    Texto extrado do Tor

  • SOBRE O INSTITUTO TRIBOS JOVENS

    Durante seus 20 anos de existncia, o Instituto Tribos Jovens ITJ firmou importantes alianas e parcerias, garantindo o apoio de diversos setores da sociedade para o cumprimento de sua misso de promover a convivncia intercultural pacfica, democrtica e cidad entre comunidades e/ou grupos sociais para o desenvolvimento humano sustentvel. O ITJ uma organizao da sociedade civil, sem fins lucrativos, instituda formalmente em 2001, que tem como valores o respeito diversidade; a transparncia como conduta; a democracia como prtica; a solidariedade na adeso s causas de transformao social; a fidelidade aos compromissos assumidos; a confiana no que faz; a igualdade como extenso de todos os direitos e deveres e a paz como convivncia pacfica entre todas as tribos.

    O inventrio Culto aos Caboclos na Bahia, Registro e Salvaguarda um marco da atuao do ITJ nas linhas de aes afirmativas da identidade e valorizao da diversidade cultural; pesquisa e preservao de patrimnio imaterial, das tradies culturais; prticas museais e educao tnico-racial.

  • SUMRIO

    1. INTRODUO ............................................................................111.1 De Nbrega a contemporaneidade ...........................................14

    2. NOSSOS MESTRES VIVENCIANDO O CULTO AO CABOCLO ......17

    3. TERREIRO: LUGAR ONDE TUDO SAGRADO ............................193.1 Centro de Caboclo Sulto das Matas.........................................213.1.1 Caboclos do Centro de Caboclo Sulto das Matas ..................223.1.2 Uma festa para todas as pessoas ............................................253.1.3 As folhas e a cura na celebrao do Caboclo Sete Serra.........263.1.4 Quem o Caboclo Tupinamb? ...............................................303.1.5 A historiografia do Centro de Caboclo Sulto das Matas, por Antnio Cosme Lima da Silva .....................................................323.1.6 Cantigas de caboclo ................................................................373.2 Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl, por Iane Rodrigues Petrovich Gouveia ...........................................................................403.2.1 O Caboclo Andara entre as pedras preciosas, esmeralda e a conexo com a ndia ...................................................................463.2.2 Cantigas de caboclo ................................................................493.3 Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo ...............................................................................................533.3.1 A frica o comeo de tudo ...................................................573.3.2 Cantigas de caboclo ................................................................613.4 Terreiro 21 Aldeia Mar e Terra ..................................................643.4.1 Cura no Kaonge .......................................................................673.4.2 Cantigas de caboclo ................................................................72

    4. METODOLOGIA ...........................................................................764.1 Marco terico metodolgico ......................................................794.2 Processo de construo coletiva trajetria percorrida ............834.2.1 Encontro da equipe de sustentao ..........................................83

  • 4.2.2 Encontro nos terreiros ...............................................................884.2.3 As oficinas nos terreiros ............................................................884.2.4 Rodas de conversas .................................................................90

    5. REGISTRO PARA SALVAGUARDA DO CULTO AOS CABOCLOS NA BAHIA .......................................................................................915.1 Cantigas, entoadas e percusso ................................................925.2 Casa de caboclo: lugar de cuidado e acolhimento ....................945.3 Comidas, bebidas e rituais ........................................................975.4 O candombl de caboclo e seus smbolos ................................99

    6. A CURA .....................................................................................1016.1 As folhas .................................................................................1026.2 A gua .....................................................................................1046.3 O fumo, o fogo e a fumaa .....................................................1056.4 A esteira ..................................................................................1066.5 A cabana .................................................................................1086.6 Jurema: segredo sagrado que rene, cura e traz alegria no ritual do caboclo ............................................................................1106.7 Pedras e lagedos ....................................................................113

    7. REZAS, LOUVAES E BNOS .............................................115

    8. CAB0CLO FALOU EST FALADO ...............................................121

    9. O CABOCLO DITA AS ORDENS NO TERREIRO..........................123

    10. A PRESENA DAS CRIANAS .................................................125

    11. CONSIDERAES FINAIS ........................................................130

    12. REFERNCIAS ..........................................................................138

    13. ANEXOS ..................................................................................141

  • 11

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    1 INTRODUO

    O registro do culto ao caboclo o foco. Na verdade, no sair deste papel um produto acabado. A diversidade no culto produz diferenas bem marcadas e encontros criativos. Os detalhes so sutis e funcionam como escamas de um mesmo peixe, entretanto os caboclos se reconhecem na profundeza de suas identidades. Eles se reconhecem se comunicam e se ajudam mutuamente. Tem coisa que Caboclo Sulto das Matas que resolve, outras que Caboclo Gentileiro, Caboclo Marujo e assim por diante. Um pode ajudar o outro. Assim como na vida da gente. assim que tem de ser na vida da gente diz Don Conceio. Percebe-se, desse modo, a norma essencial dos terreiros na prtica da ajuda e solidariedade.

    Ao longo deste registro, estamos falando de nossa memria indgena e de aspectos da histria da formao do povo brasileiro, memria do culto aos caboclos como patrimnio imaterial afro brasileiro onde o ndio, alm de ser o dono das terras do Brasil como territrio, tambm o dono do mato e da imensa floresta, lugar de sua pertena pela convivncia secular. Com a colonizao, vieram os africanos escravizados oriundos, inicialmente, dos antigos reinos do Congo onde suas divindades eram chamadas nikisi. Aqui plantaram a sua religio de origem, recriando o culto que garantiu a re-unio de pessoas, recompondo a cultura atravs do que se chama famlia de santo cuja base ancestral comum garantiu os laos de parentesco para a proteo e continuidade de uma cultura milenar agora recriada na dispora compulsria. Atualmente, seus descendentes cultuam o candombl Angola. As divindades vodun e orix foram trazidas no sculo XVIII at o princpio do sculo XIX. J no perodo da ilegalidade, chegaram do Golfo de Benin, atual Benin e Nigria e da Costa da Mina, atual Ghana e Togo. Seus descendentes jje cultuam o vodun e o nag e ketu cultuam o ori-x. O ndio juntou a sua sabedoria a sabedoria dos africanos, compartilhando os conhecimentos das folhas e da natureza, propiciando aproximao de duas etnias formadoras do povo

  • 12

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    brasileiro. Estamos falando de nossos caboclos, cultuados entre as entidades religiosas de matriz africana, especialmente no candombl. Nesta pesquisa, falamos do candombl de caboclo como importante depositrio da nossa cultura ancestral. Na verdade, esta uma prtica que inclui desde sempre manifestaes diversas, adotando uma postura positiva de preservao das filosofias, das tradies, dos saberes, dos costumes, dos valores e ensinamentos da cultura negra, indgena e branca.

    Na Bahia, por exemplo, o caboclo o ndio que viveu desde o Tempo anterior chegada do homem branco. O ndio conheceu a religio catlica, seus santos e suas rezas. Esta uma marca importante deste registro do culto ao caboclo, mais marcadamente no Centro de Caboclo Sulto das Matas e no Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra. As reunies so impregnadas de uma memria jesutica onde as rezas aos santos catlicos tm uma importncia singular. Falamos do ndio que viveu, defendeu e, por vezes, morreu por seu pas. Este o personagem principal do chamado candombl de caboclo, que, com o Tempo, agregou outros tipos sociais, sobretudo os mestios marujos e os boiadeiros do serto.

    O caboclo, entidade venerada no contexto religioso afro-brasileiro, reconhecido relevando-se os seus feitos ancestrais que contribuem para a formao cultural, social e tradicional das comunidades em que esto inseridos bem como no aspecto cultural brasileiro de forma geral. O culto aos caboclos, ao longo do Tempo, foi incorporado na dinmica dos seguimentos das religies de matriz africana. Sendo reverenciados como primeiros ancestrais das terras brasileiras, os indgenas carregam caractersticas peculiares com exemplos de sabedoria, irreverncia e vivacidade.

    Entendemos que, no decorrer do Tempo, algumas caractersticas deste culto foram transformadas, adaptadas e at mesmo abdicadas,

  • 13

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    seja pelo desaparecimento de casas primordiais de importantssimas referncias nestes cultos ou pela insuficincia de resguardo e difuso da memria do culto s entidades.

    Estas tradies esto presentes em cultos dentro dos terreiros das religies de matriz africana, nas diversas naes seja Angola, Caboclo, Jej e Ketu. Desonerados da obrigao de cultuar qual-quer pureza, a presena efetiva da cultura cabocla se mostra no cotidiano e no imaginrio das populaes baianas que perpassam os contos, as lendas, os mitos, as cantigas, os dizeres ou provrbios, na histria e nos formatos de organizao social e religiosa nos terreiros.

    Os terreiros e as casas de culto aos caboclos constituem-se como legtimos guardies de uma viso de mundo que consegue ajuntar e potencializar outras relaes, incluindo negros, brancos e indgenas, reunindo valores civilizatrios com suas hist-rias e culturas diversas. Este contexto evidencia que, embora exis-tam muitas diferenas externas na sociedade brasileira, podemos admitir que temos uma origem comum que afro-brasileira.

  • 14

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    1.2 De Nbrega a contemporaneidade

    Ainda hoje costume pensar o indgena conforme ideias implantadas pelas antigas aulas e livros de histria, onde esses brasileiros so tratados como cidados de segunda categoria. Aulas e livros didticos continuam planejados sob a tica dos valores europeus. Isto fere a nossa ancestralidade. Esta uma relao delicada e complexa para definio de quem somos ns como povo brasileiro. Seria preciso atingir a raiz desde problema e responder as imprecises que povoam o drama da nossa identidade. De que modo podemos transpor esse imaginrio?Ou melhor, como descolonizar os conceitos construdos em torno das diversas comunidades indgenas que ainda nos restam? Como elaborar um projeto de educao considerando os indgenas como produtores da sua prpria histria? Como educar crianas brasileiras considerando a aceitao das diferenas culturais conforme preconiza a Lei 11. 645 de 10 de maro de 2008. Esta uma longa caminhada. Para tanto, se faz necessria uma predisposio para a compreenso no preconceituosa da alma indgena, acolhendo tudo que ela pode representar neste momento quando declinam os valores ditos modernos. Importante seria trabalhar para inserir em nossa conscincia de hoje, o respeito pela alteridade como uma lgica que nos leva a reconhecer outros valores, outra tica, que a educao ainda desconhece; uma percepo, uma sensibilidade, um jeito de ser humano que ignoramos. Este conhecimento nos daria a totalida-de da nossa histria e da alma brasileira de onde brotaria outra qualidade de vida.

    O ritual, a cantoria, a maneira de se expressar, as co-res, os artesanatos, essas maravilhas permaneceram. Ento, quem pensou que o ndio desapareceria no ano 2000 se enganou, ele no desapareceu, estamos nos organizando cada vez mais. (Marcos Terena, org. PIN-TO & BELINE, 2009)

  • 15

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    prtica nas escolas celebrar dia do ndio abordando o pensamento indgena deslocando essa populao para a margem da sociedade brasileira como personagem extico. Em que pesem os esforos dos prprios indgenas, ainda no possvel reconhecer e aceitar essa populao sem, obrigatoriamente, cair no imaginrio do discurso que os inferioriza na sua fora, inteligncia e organizao para a vida. Os jesutas no faziam por menos questionando a alma indgena. As cartas de Manoel da Nbrega afirmavam, peremptoriamente, que os ndios no tinham conhecimento da divindade ou vida espiritual. Esta seria a prova da bestialidade, o que criava uma necessidade impondervel de converso. Na verdade, os jesutas se consideravam anjos ou emissrios de Deus. Do seu ponto de vista, no eram eles que agiam, mas Deus atravs deles. A ideia que teriam vindo para o Brasil para transformar seres subumanos em algo melhor. A pedagogia jesutica dizia criana ndia: Esquea quem voc , quem so seus pais e de onde voc veio. Isso tudo no vale nada. Abandone sua identidade, queira e fique igual a mim. Os meninos aprendiam portugus, catecismo, trabalho manual e passaram a morar em casas alinhadas ao longo de avenidas. Construam moblias e r-gos, imprimiam catecismos, cantavam na missa em latim e teciam batinas para os padres. Mas um dia abandonaram tudo e voltaram para o mato. Foi a salvao. A imagem negativa do homem primitivo assegurava ao colonizador a sua suposta superioridade. Desse modo, era camuflada a preocupao em expandir seu controle material no mundo, numa porta aberta no interior do cristianismo.

    O Brasil no conhece esses seus filhos. O genocdio ainda os ame-aa. o povo mais ameaado do mundo. Na verdade, suas terras continuam sendo tomadas, parques nacionais com seus muros imaginrios restringem a sua mobilidade cidad. De vez em quando, algum aproveita e escreve uma tese acadmica. O conhecimento indgena foi inferiorizado propositadamente. Sua espiritualidade se tornou maldita porque no correspondia aos princpios cristos.

  • 16

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Sua cosmoviso foi subalternizada e classificada como estpida e mentirosa. fato que o que aconteceu no Brasil est longe de ser uma comunho de almas. O conquistador no reconhecia um valor mnimo nas qualidades humanas nos ndios subjugados.

  • 17

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    NOSSOS MESTRES VIVENCIANDO O CULTO AOS CABOCLOS

  • 18

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    2 NOSSOS MESTRES VIVENCIANDO O CULTO AOS

    CABOCLOS

    O caboclo Sulto das Matas nasceu da luz do horizonte, das matas e surgiu das fontes e dos gritos dos ancestrais, como fora do Pai Maior.

    Don Conceio Centro de Caboclo Sulto das Matas - 2013

    Todos os seres humanos que vieram com origem de resistncia dos caboclos e orixs, devem respeit-la, pois a sua raiz

    Me Juvani Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra - 2013

    A fora do caboclo evidencia o esprito de independncia e autonomia do brasileiro, seus cdigos so prprios e sua lei nica.

    Babalorix Augusto Csar Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl - 2013

    necessrio ressignificar a presena indgena dando visibilidade positiva a essas tradies que so milenares.

    Taata AnselmoTerreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalun-

    da Ye Tempo - 2013

  • 19

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    TERREIRO: LUGAR ONDE TUDO SAGRADO

  • 20

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3 TERREIRO: LUGAR ONDE TUDO SAGRADO

    Um terreiro de candombl lugar de pisar devagarinho. lugar de caminhar delicadamente para no machucar o solo que sagrado e que nos sustenta. mergulhar na f e no corao do outro. O que se busca como lugar de amparo e conhecimento s pode ser encontrado pelo desvelamento que vem sem a marcao mecnica do relgio que organiza a nossa vida material. A relao de verdade com o invisvel, o que no exclui o que se v abraa e toca.

    Nas casas de caboclo fica patente o compromisso da solidariedade que contribui para manuteno da vida fsica e espiritual de todas as pessoas que chegam casa mesmo que seja esporadicamente. O sagrado se manifesta vagarosamen-te... Em cada dia acontece o que tem que acontecer. lugar de contentar-se com que os olhos alcanam, porque tudo sagrado. Aprender a conviver, aprender as rezas e aprender a comer e a dormir coletivamente em suas esteiras. Isto aprender a conviver com o que sagrado e celebrar a nossa ancestralidade.

    Neste caso, o visvel no o contraditrio do vis-vel. O visvel possui, ele prprio, a membrana do invisvel. As pessoas tambm so parte do sagrado. A entrada para uma religio de matriz africana no se constitui apenas numa passagem para uma vida religiosa. Esta uma iniciao que brota da convivncia com a comunidade numa gesta-o coletiva sem fim. (Machado, 2013, P.114)

  • 21

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    CENTRO DE CABOCLO SULTO DAS MATAS

  • 22

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.1 Centro de Caboclo Sulto das Matas 3.1.1 Caboclos do Centro de Caboclo Sulto das Matas

    No dia em que apresentamos este trabalho, no Centro de Cabo-clo Sulto das Matas, filhas e filhos da casa tambm se expressa-ram sobre o acontecimento. J finalizando as falas, uma senhora negra, magra e bastante simptica comea a falar emocionada, quase chorando. No silncio absoluto do barraco ouvia-se uma sentida declarao de amor aos caboclos da casa e agradecimentos especiais Don Conceio sobre quem afirmou muitas vezes: A senhora minha me. S uma me pode fazer o que a senhora faz por mim. Em meio declarao, duas lgrimas silenciosas no pouparam a fortaleza da filha do Caboclo Sulto das Matas. O choro calado envolveu aos presentes e nos faz refletir sobre que lugar este que, na sua simplicidade e at na fragilidade de suas paredes, pode inspirar tanta confiana, paz e alegria de viver? Que lugar este capaz de acolher tanto pessoas consideradasbem estruturadas como aqueles que esto buscando o equilbrio para suas vidas?

  • 23

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    No caminho para este registro, cada casa que nos deu sustentao, tem o seu jeito de ser e de cuidar da sua comunidade. No Centro de Caboclo Sulto das Matas, a entidade das matas, est sempre presente na casa atravs da Don Conceio, seja acolhendo, curando as pessoas, principalmente os mais necessitados. O Caboclo Sulto das Matas no est sozinho na sua aldeia de atendimento s pessoas que necessitam de sua presena. Em conjunto com outros caboclos da casa, trabalham tranquilizando e ajudando a todos que se acham desamparados, sejam enfermos, atribulados, sem perspectiva na vida, sem nimo, pessoas que conservam o dio ou vacilam na f. Ouvimos de um jovem senhor esta declarao: Eu estou feliz e estou aqui porque esta casa me devolveu a f. Na companhia de Caboclo Sulto das Matas esto o Caboclo Gentileiro, Caboclo Tupinamb, Caboclo Boiadeiro, Caboclo Sete Serra, Caboclo guia Negra, Caboclo Juremeira, Caboclo Flecheiro, Caboclo Pena Branca, Caboclo Er, Caboclo Gentil de Guin, Caboclo Oxoss Caador, Caboclo Marujo, Caboclo Rei de Congo, Caboclo Raio do Sol, Caboclo Penacho Branco, Cabocla Jurema, Cabocla Itapera, Cabocla Iracema e outros caboclos e guias de luz.

    A natureza a principal fonte de cura para o caboclo. Quando conversamos com a Don Conceio sobre a cura e os caboclos, ela nos disse que para o caboclo a cura est na mata, nas folhas e em outros elementos encontrados no mato. Ela ainda afirma que o prprio caboclo que abre o caminho e os olhos da pessoa, que pede a sua ajuda para encontrar os remdios da mata. Alm das folhas, sementes e razes de rvores e plantas sagradas, o Caboclo Sulto das Matas tem o dom da magia da palavra para o aconselhamento, que fortalece a pessoa para enfrentar a vida como ela , livrando das enfermidades do corpo e das energias que desequilibram os seres humanos.

  • 24

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Impressiona o cuidado com a sade fsica e psicolgica e a unio da famlia. Juntamente com Caboclo Sulto das Matas, temos muitos outros caboclos que atuam nesta aldeia.

    Os filhos e as pessoas que conhecem e frequentam este lugar chamado de Aldeia Santa, Kijeme ou Hunkpame, tm o privilgio de ouvir e conhecer os ensinamentos que so passados por eles em suas respectivas reunies ou manifestaes inesperadas. Vale apena lembrar que, sempre que h necessidade de cura na casa, os caboclos se apresentam e comeam a trabalhar rezando, cantando, defumando, incensando, ajudando todos os irmos que necessitam do cuidado e do equilbrio espiritual.

    As pessoas que buscam Centro de Caboclo Sulto das Matas so assistidas nas suas necessidades. Cada caboclo tem a sua funo e busca com que os seus filhos ajudem uns aos outros e tenham aten-o para os que precisam mais. A ajuda tem que ser concreta. O caboclo aponta uma necessidade e todos se cotizam para resolver ou ajudar a resolver um problema.

  • 25

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.1.2 Uma festa para todas as pessoas

    A celebrao do dia 1 de maio, no Centro de Caboclo Sulto das Matas, comea bem cedinho. O Caboclo Gentileiro coordena com bastante antecedncia para que neste dia seja servido um belo caf da manh. o caf da caridade, organizado com a solida-riedade de todas as pessoas da casa. Desde cedo, h um grande movimento para o caf, incluindo samba de pandeiro e viola. uma verdadeira festa de incluso! Durante as reunies, a organi-zao e as incumbncias so distribudas por ele mesmo. As reu-nies preparatrias acontecem durante a quaresma, sempre aos sbados e encerram pouco antes da Sexta-Feira Santa. Cada um segura a sua misso, e vo formando grupos, para desenvolver a festa amparando os convidados que so os mais diversos. Alguns grupos so responsveis para ir buscar os convidados em casa e na rua, se este for o seu lugar. Os convidados chegam, tomam banho, vestem roupas novas, pem calados e so levados para a mesa.

    Para a festa do Dia do Trabalhador so convidados cadeiran-tes, crianas com sndrome de Down, gente idosa de rua, crian-as com idade entre meses a 12 anos, deficientes visuais, mulheres grvidas, casais de adolescentes, ex-presidirios, enfim pessoas que necessitam de carinho e ateno. A festa se inicia e o caboclo faz a sua louvao, saudando todas as pessoas presentes, lembrando-se dos ausentes. Reza, canta, samba, fala mostrando o que fazer caridade com alegria. Diz a todos que quando as pessoas se dedicam tm como ajudar o prximo. s querer, porque qualquer um tem como oferecer alguma coisa ao outro.

    Fala de Jandiara Graa Costa - Me Pequena do Centro de Caboclo Sulto das Matas. Clique aqui para assistir ao vdeo.

  • 26

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Assim a festa do Caboclo Gentileiro. Todas as pessoas se encantam pela magia de como o caboclo conduz o acontecimento e pela introduo da viola que, ritmada com o pandeiro e outros instrumentos, d a alegria e o tom das cantigas. Todos so convidados a tomar o belo caf e da manh para depois cair no samba. E com muita satisfao o Caboclo Gentileiro reverenciado, cantando como ele gosta: Violeiro bom em tom maior, violeiro bom em tom maior, no som dessa viola a...

    3.1.3 As folhas e a cura na celebrao do Caboclo Sete Serra

    O Caboclo Sete Serra vem da regio do serrado, trazendo para esta aldeia os ensinamentos e as curas atravs das folhas sagradas. Sua festa acontece no Centro de Caboclo Sulto das Matas no dia 1 de Novembro. Este um dia muito esperado portodos. O caboclo no trabalha sozinho. Ele escolhe uma pessoa da casa que vai lhe ajudar na organizao da sua mesa de trabalho e do que ser oferecido a todos os presentes. A escolha feita de um ano para o outro. A misso para preparar a mesa exige conhecimentos de todos os elementos usados em seu trabalho de cura. A mesa, tem sobre ela todos os elementos selecionados pelo caboclo curador.

    Quando Ananias se refere ao manguezal do Kaonge, ele fala do supermercado de Deus e ns pedimos licena para nos referir a esta ao como lugar da cura pela farmcia do caboclo, mas temos conscincia de que muito mais do que estamos falando. muito mais do que podemos compreender. Na verdade, tudo to simples e grandioso que no temos a palavra certa para falar da generosidade do Caboclo Sete Serras e do seu cuidado com as pessoas.

    Segundo as informaes recebidas pela Equede da casa Josenete,

  • 27

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    filha do Centro de Caboclo Sulto das Matas, estes so alguns dos elementos de cura utilizados nesse dia:

    - Folhas verdes e folhas secas para os chs, raps, emplastos, xarope caseiro, fuses e banho que descarregam as energias que atribulam o corpo. Fomos informados que algumas doenas so curadas pelo caboclo como; hemorragias, clica menstrual, infeco intestinal, sinusite e outras doenas do Tempo .

    - Diversos remdios so feitos com sebo de carneiro, banha de galinha, banha de cobra, leos que so preparados para dores nas pernas, cimbra, circulao sangunea, dores reumticas, le-ses, tores e inflamaes em geral.

    - As garrafadas vo para as doenas do tero, brnquios, pul-mo e outros rgos. Tambm so usados os entrecascos de rvores sagradas, pena de aves, a pedra do ramo, a pedra cozida no lugar onde cai o raio que preciso saber identificar, alm dos defumadores.

    - Durante todo tempo de sua reunio, o caboclo ensi-na o que for solicitado para a cura das doenas, doenas infecciosas e outras enfermidades como canseira, asma, dores reumticas, pneumonia, bronquite, coceira, catapora, caxumba, erisipela, fogo selvagem, infeco intestinal, inflamao nos olhos, trombose, limpeza de corpo e outros.

    A cantiga do Caboclo Sete Serra criada por Don Conceio:

    Eu vou embora vou passar por uma ponte, (bis)Eu no preciso quem v me atravessar,Tenho Jesus, Jos e Maria na minha guia para me acompanharSobe serra desce serra ..Sou Sete Serra moro na Aldeia ari

  • 28

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Fala de Don Conceio - Centro de Caboclo Sulto das Matas. Clique aqui para assistir ao vdeo.

  • 29

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 30

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.1.4 Quem o Caboclo Tupinamb?

    O Caboclo Tupinamb trabalha dentro da doutrina do regente da casa, o Caboclo Sulto das Matas. Este o acompanha sempre nas curas do corpo, do corao e da mente dos filhos ou simpatizantes.

    O Caboclo Tupinamb um encantado que vem das matas. Trabalha e vivencia a natureza. Cada ltima quinta feira do ms, o caboclo est trabalhando, cuidando de quem precisa ser cuidado. Ele um caboclo que trabalha muito o respeito, o compromisso com a verdade, a humildade, o amor ao prximo e a generosidade com os seus filhos e filhas e principalmente as crianas e os jovens.

    Para os filhos e adeptos do Caboclo Tupinamb, a cura do corpo acontece com jurema e o mel. assim que ele cura as dores do corpo e tambm abre a aura do ser humano, trazendo amor, paz e calma, retirando o rancor e o dio. Rancor e dio so as principais causas das doenas fsicas.

    Para dar incio as suas sesses, todos os seus filhos tm que, primeiramente, tomar o banho de folhas sagradas; em segui-da, passar no corpo a fumaa de purificao, o incenso ou defumador. Em seguida, bebe-se a gua fonte de vida. Esta uma gua que fica dentro de um pote de barro que entregue porum filho escolhido por ele.

  • 31

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Depois de todo esse ritual, que se d incio aos trabalhos de cura.

    A melancia um extraordinrio elemento no ritual do Caboclo Tupinamb e possui importante significado diante da comunidade. Como parte do ritual, dois filhos so escolhidos e devem lanar a melancia ao cho para que seja quebrada com a fora da terra. Partida a melancia, as crianas so as primeiras a se servir. Em seguida os mais velhos, logo depois todos os filhos e filhas da casa. um momento de cura quando todos podem se aproximar indistintamente e comer da fruta sagrada. Quando algum no pode comer a fruta, ele manda passar no corpo, fazer banhos com a casca, com o caroo ou ainda fazer ch, xarope ou tomar o suco da melancia que um calmante.

    Essa fruta tem uma relao importante com o Caboclo Tupinamb, porque ele preserva tanto a fora e energia da terra como a unio das pessoas representada pela grande quantidade de sementes da fruta. O caboclo ensina que quanto mais a melancia enrama, mais vai se espalhando a fora vital que vem da terra e nos traz grandes benefcios.

    Neste dia a Jurema preparada pelo seu filho Casutomi, um dia antes da sesso onde so apresentados os animais que so cui-dados no canzu: pssaros, coelhos, pre, galinhas e papagaio. Tambm ensinado o dever de fazer a caridade ao prximo; com isso, ele faz com que aconteam reunies durante a quaresma e que se renam para arrecadar alimentos para cestas bsicas, que sero encaminhadas para outras comunidades carentes. Dessa forma, ele nos ensina a agradecer e a valorizar o que recebemosda vida. Assim, Jandiara G. da Costa Santos, Me Pequena do terreiro, diz que Tupinamb um caboclo que fortifica e ilumina seus filhos atravs da terra, das folhas, da gua, do vento, do sol, da lua, da chuva e dos animais.

  • 32

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.1.5 A historiografia do Centro de Caboclo Sulto das Matas, por Antnio Cosme Lima da Silva

    O Centro de Caboclo Sulto das Matas est localizado em So Gonalo do Retiro, no bairro do Cabula. Sobre a histria do bairro, comenta-se que o Cabula surgiu aps a destruio do Quilombo do Orob, no incio do sculo XIX, e que os primeiros habitantes da regio foram os quilombolas que se refugiaram nas matas do Cabula, fugindo de perseguies. Ainda sobre o Cabula, estudos apontam que a palavra deriva de Kubula, na lngua Kikongo significa sacudir, limpar, purificar ou de Kabula, uma prtica religiosa afro-catlica originria da regio Congo-Angola, trazida para o Brasil ainda no sculo XVI por povos de origem banto e que, incorporada s prticas religiosas dos ndios do Brasil, deram origem umbanda e ao candombl de caboclo.

    Este registro no tem o objetivo de entrar nesse debate histrico. Contudo, todas as indagaes e mistrios relacionados ao bairro do Cabula podem nos ajudar a compreender o porqu de o Caboclo Sulto das Matas ter migrado da histrica cidade de Cachoeira para, nessas bandas do Cabula, erguer sua morada.

    Sobre a histria do Centro de Caboclo Sulto das Matas, Don Maria Conceio Souza dos Santos Costa, Don Conceio, uma cachoeirense de 65 anos e lder espiritual do terreiro, como tambm denomina a sua casa religiosa, diz que o Centro de Caboclo Sulto das Matas existe desde o ano de 1966. Segundo Don Conceio, as primeiras reunies aconteciam, desde aqueles anos, na casa de sua me biolgica, Don Natividade Souza Borges dos Santos (tambm conhecida como Don Trindade), uma filha do Terreiro Zoogodo Gbogun Male Cej Hound, tambm conhecido como Roa do Ventura.

    Depois de Cachoeira o Centro migrou para a cidade de Santo Antnio de Jesus, onde permaneceu por 16 anos

  • 33

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    para, em seguida, se estabelecer em Salvador desde 1986.

    Sobre o incio das atividades do Centro e a sua relao com o Caboclo Sulto das Matas, Don Conceio narra esse processo de uma forma to intensa, que para o observador no iniciado nas religies de matrizes afro-indgenas, fica difcil compreender se a lder espiritual narra fatos da sua vida ou da divindade que a acompanha. Depois de reafirmar que desde os 09 anos j recebia Oxoss, Janaina e o Caboclo Gentileiro, Don Conceio narra como comeou a receber o Caboclo Sulto das Matas: Com 16 anos, tambm comecei a receber seu Sulto das Matas e Ele chegou di-zendo que queria trabalhar. Sulto das Matas trabalhou na casa de Maria de So Pedro at eu completar 21 anos, quando um dia, junto com Oxssi, seu Sulto disse que queria trabalhar na sua pr-pria casa.

    O Centro de Caboclo Sulto das Matas est estabelecido h 27 anos em um pequeno, mas acolhedor espao localizado no bairro do Cabula. Certamente por essa espiritualidade e pela fora dessas entidades que o Centro de Caboclo Sulto das Matas recebe pessoas de diferentes partes do mundo em busca de cura, assunto que abordaremos mais adiante. Sabemos que esses espaos religiosos so lugares de celebrao e culto, mas tambm de moradia, de troca e preservao de saberes, alm de local onde so desenvolvidas atividades em benefcio das populaes que vivem em seu entorno. por isso que comum a vizinhana deixar suas crianas, como diz Don Conceio as flores do jardim de Seu Sulto aos cuidados das pessoas que fazem e vivenciam o cotidia-no do Centro de Caboclo Sulto das Matas.

    Conversando com Don Conceio, percebe-se que realmente o Cabula o local que, definitivamente, Caboclo Sulto das Matas escolheu para erguer sua morada. Pelo menos as palavras proferidas por Don Conceio nos permitem chegar a essa

  • 34

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    concluso: Em outro momento, Don Conceio fala do seu caminho de religiosa, mas no fim chega concluso de que no Cabula, na casa que fez para Caboclo Sulto das Matas, como gosta de se referir aos caboclos; na casa que tambm abriga o Caboclo Gentileiro e o Caboclo Ramo Verde que ela afirma ter se encontrado.

    Este importante relato de Don Conceio nos possibilita fazer algumas consideraes. Uma delas compreender o universo plural dos cultos aos caboclos. Se for verdade que a umbanda deriva da juno da espiritualidade dos povos indgenas brasileiros, das religies de matrizes africanas e pelo menos da matriz luso-europeia, no podemos ver com estranhamento a incorporao dessas matrizes/elementos no culto aos caboclos. Nessa perspectiva, a Centro de Caboclo Sulto das Matas morada de todos. Outra considerao a fazer que, embora o Centro de Caboclo Sulto das Matas reconhea a sua herana jej, l h espao para as heranas de Angola, de Ketu e do panteo catlico.A esse respeito, Don Conceio justifica a presena de elementos africanos nas casas de caboclo de forma muito simples. Diz ela:

    Olha, gente, essa conversa igual quela que se fazia antigamente de que na casa em que se cultuava orix no podia cultuar o caboclo. Pode sim. Ento, por que na casa de caboclo no pode receber o orix? Por que no? A minha casa de caboclo, mas meus filhos todos tm orix. Tem o orix, mas o caboclo que est na frente. o caboclo que fica na frente. Outra coisa, casa de caboclo tem padrinho e madrinha. E o que padrinho e madrinha na nossa vida? Pai e me. O que Og e Equede? Pai e me. (Don Conceio, 2014)

  • 35

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Quando estudamos as culturas de matrizes africanas e amerndias, notamos que as pessoas que vivenciam essas culturas, geralmente, no costumam separar a vida religiosa da vida civil. A religio e a vida cotidiana so a mesma coisa. Alm disso, sabemos que o fenmeno da mestiagem, do hibridismo, do encontro de culturas um fenmeno universal. Logo, quando o assunto religiosidade no devemos ver com estranhamento essa fuso, tendo em vista envolver a concepo de vida das pessoas e a leitura que cada uma faz do mundo. difcil compreendermos a incorpora-o de elementos africanos ao culto ao caboclo com o olhar da racionalidade e coerncia. Nessa perspectiva, cada casa proceder a partir das suas heranas e da compreenso que cada lder espiritual tem desse processo. Enfim, Me Juvani, do Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra, da opinio de que se a gente quiser separar, a gente no vai entender.

    Nas rodas de conversa que realizamos nos terreiros participantes desse projeto, alm das questes at aqui tratadas, refletimos sobre um tempo em que os caboclos eram tratados e vistos como entidades menores nos candombls da Bahia. Num tempo quando as pessoas, s vezes, negavam ou omitiam a presena dos caboclos em suas vidas ou nos seus respectivos terreiros.

    A partir dos relatos que constam desse inventrio, sobretudo das narrativas de Don Conceio, percebemos que essa realidade vem se alterando. Atualmente, sabemos que na maioria das casas de candombls da Bahia, sobretudo nas casas de matriz Congo-Angola, normalmente reserva-se no calendrio festivo uma data para homenagear os caboclos.

    Embora o culto aos caboclos tenha convivido com todo preconceito existente na sociedade, existem casas que se dedicam totalmente a Eles, como o caso do Centro de Caboclo Sulto das Matas.

  • 36

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 37

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.1.6 Cantigas de caboclo

  • 38

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Sulto das MatasSou eu Sulto das Matas, Caboclo decididoNa ponta da espada, Sou eu Sulto das Matas

    Rei das MatasSulto das Matas um rei, que nas matas mora 2xAbenoa seus filhos meu pai, que tanto te adora 2x

    Sulto MeninoRaiou o dia, raiou o sol 2xSulto das matas menino e ele maiorSulto das Matas menino vencedor de guerraSulto das matas j esta na terra.

    Folhas cadas das rvoresAs folhas que caem das arvores, so folhas que vem nos alertar 2xDeus vos salve seu Sulto das Matas meu pai, dentro dessa Aldeia ari 2xAs folhas que vem das matas, as folhas que vem das matas, so fo-lhas que vem pra nos curarDeus vos salve seu Sulto das Matas meu pai, dentro dessa Aldeia ari 2xSulto das Matas um curador 2xSulto das Matas ele veio curarSulto das Matas ele um bom pai, que na Aldeia sempre vem abenoarEh,eh,eh, eh, eh ah, Seu Sulto das Matas dono da Aldeia ari 3xEle um curador 2xE a seus filhos ele veio curarOh Deus vos salve essa Lua nova, Sulto das Matas na aldeia ari. Xetru!

  • 39

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Canto de Don Conceio - Cntigas do Centro de Caboclo Sulto das Matas. Clique aqui para assistir ao vdeo.

  • 40

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    TERREIRO IL OMOROD AX ORIX NL

  • 41

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 42

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.2 Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl, por Iane Rodrigues Petro-vich Gouveia

    A histria do Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl comea com a chegada do Caboclo Andara aps trs anos de feitura de santo de Augusto Csar da Silva Lacerda, filho de Seu Claudionor e Dona Augusta. Na sua criao, alm de ter sido cuidado por Me Binha, Petr e Yeda lhe acolheram tambm como filhos e deram Iane para ele batizar. Em 1974, quando iniciou-se na religio dos orixs, ganhou mais uma me, Me Menininha do Gantis.

    O Caboclo Andara chegou na vida de Augusto Csar para transformar seu plano de vida fazer um ateli para ser pintor. No lhe faltava talento, o brilhante artista plstico conta: O caboclo invadiu a mi-nha vida. (AUGUSTO CESAR, 2014).

    Segundo Augusto Cesar, o primeiro sinal que o caboclo j estava dentro de casa, acordou a todos que dormiam com uma batida na porta; depois outro susto no deixou ningum dormir, forte barulho no telhado, parecia que algum estava jogando milho na cobertura de eternite. No havia ningum do lado de fora da casa nem um gro sequer de milho. A compreenso do fenmeno do encantado foi decifrada atravs do Caboclo Gentileiro que se manifestou em D. Lourdes de Oxal e orientou oferecer algumas coisas no mato. Dia 19 de abril, dia do ndio, comearam os preparativos para que no dia 21 fosse feita a oferenda. O dendezeiro foi o lugar esco-lhido para arri-la, e a apario de uma cobra foi ltima recor-dao do mdium antes de acordar do transe em local do terreiro que foi anunciado pelo Caboclo Andara onde seria construdo o seu Barraco. Antes de ir embora, fez mais duas recomendaes, sobre elementos rituais da sua primeira obrigao de um ano co-mida, festa, atabaque e foguete; e que contasse tudo a sua me de santo. Dando incio a sua trajetria de Babalorix, Augusto Csar, o filho

  • 43

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    de Logun Ed, conversou com Me Cleuza do Gantis, seu terrei-ro de origem; ela no se mostrou surpresa, j sabia do que ele gostava, como o milho branco, pois para fazer o santo, antes, o caboclo foi reverenciado, um agrado. Segue da um processo de aprendizagem de obedincia, valor que se apresentou em di-versas histrias de vida de pais, mes e filhos participantes das rodas de conversa. As ordens que no foram seguidas geraram consequncias, depois da vergonha de ter que tomar emprestado atabaque, o susto do barraco ser derrubado. Assim, a lio foi aprendida. O Caboclo Andara era o dono do barraco, a primeira festa do calendrio do terreiro a dele, dia 21 de abril, antes das guas de Oxal.

    Alguns filhos do Il Omorod Ax Orix Nl reconhecem, com muita clareza, a importncia e o lugar do caboclo, como ouvimosIya, da Piedade Caboclo Andara aqui pra mim tudo. Nessa casa nunca entrou um Ia sem o conhecimento do Caboclo Andara. Essa casa dele e vai continuar sendo dele. E ns s temos a agradecer, diz Iya.

  • 44

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 45

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Outras lies, ao longo das geraes, tambm vm sendo aprendidas pelos filhos, como o caso contado por Jorginho, filho de Pai Augusto, que foi advertido pelo Caboclo Andara para no pular o muro da escola. Ao desobedecer, passou por uma situao de perigo, aprendeu com muito medo e depois pediu desculpas pela sua desobedincia. A sua f no caboclo cresce a cada dia!

    Ouvimos do Babalorix Augusto Csar que Tudo que ele pensava era uma coisa e tudo que foi determinado para ele foi outra. A presena do caboclo na vida dele e do terreiro alm de obedincia e disciplina, trouxe tambm muita felicidade e amparo. Ouvimos algumas falas que nos tocaram: (...) ao caboclo eu empresto meu corpo, porque foi ele quem se apossou, no fui eu quem pediu.. (...) nas horas impossveis, que eu penso no ter sada, ele que chega para me valer...(...) em todas as situaes que eu no sabia o que fazer, teve sempre a presena dele. O caboclo sempre est presente em todas as horas e nunca abandona aqueles que lhe pedem ajuda nas horas de agonia.

    Odesse define o Caboclo Andara como luz que 24 horas fica nos iluminando, seguindo a humildade e o respeito ao direito que cada precise nessa casa e em qualquer candombl do mundo.Esta bela histria de vida pode ser sintetizada na fala da Iy Lax Maria de Nazar:

    Sou filha do Il Omorod Ax Orix NL. Certa vez, em casa nos deparamos com o Caboclo Andara sem saber como lidar. Ele chegou inesperadamente e fomos aprendendo, cultivando, e vemos hoje o quanto foi importante a todos, ajudou na constituio do terreiro, como sobre os aspectos importantes da dimenso da caridade. Passamos a considerar Andara com muita importncia. Tnhamos medo de como o terreiro do Gantis iria encarar isso, por no

  • 46

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.2.1 O Caboclo Andara entre pedras preciosas, esmeralda, e a conexo com a ndia

    Na sua linhagem, o Caboclo Andara acompanhado por Sul-to das Matas e Boiadeiro, herana da famlia consangunea. A Cabocla Jupira, do Amazonas, tambm est do seu lado com a mis-so de cultivar o amor, mas muito cismada.

    Andara gosta de ter um cacho de dend junto dele, mas no come dend. Segundo a Iy Lax Maria de Nazar Lacerda, a veste dele uma bombacha branca com um tecido de algodo, sempre de algodo e um oj branco sem brilho nenhum, rou-pas muito simples. Tudo dele branco, azeite doce, milho branco; ele se veste de branco e pede que as pessoas que estejam prximas se vistam de branco. Seu lugar nas grutas, no lajedo. Este nome Andara, tambm o nome de uma cidade da Chapada Diamantina, que significa gruta de morcego, regio de garimpo, de pedras preciosas. Ele traz na sua indumentria uma pedra de esmeralda na testa amarrada em um torso, junto com uma pena

    ter essa tradio. Hoje em dia, alguns filhos procuram o Caboclo Andara, quando precisam fazem questo de ajudar, pedir e consultar. Reconhecemos a importncia de que o caboclo abriu portas at para que eles possam reverenciar. Eles tambm precisam desse caboclo e dessa credibilidade. Estamos aqui tambm para aprender. uma oportunidade muito boa estar aqui. E o caboclo tem muita importncia em nossa forma-o cultural. (Iy Lax Maria de Nazar, 2014)

    Fala de Maria de Nazar - Iy Lax do Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl. Clique aqui para assistir ao vdeo.

  • 47

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    branca. Importante ressaltar a sua ligao com a ndia ficando a desvendar um mistrio desta relao e da existncia de um meridiano que liga Andara a ndia, o que pode ser explicado pelo que se sabe sobre o estreito de Bering. Para o professor e Og do Terreiro Cobre, Antnio Cosme:

    O Caboclo Andara se sente muito feliz no meio de pessoas reunidas em torno dele. Na ltima quarta-feira do ms, ele chega e fica contente por encontrar algum para conversar, pra ajudar, mesmo que seja apenas uma s pessoa. A sua cabana foi feita atendendo o seu pedido de morar no Pau-Brasil, num lugar onde as pessoas passassem e perguntassem: o que isso aqui? Expressa a sua identidade ao se firmar:

    A gente aprende que a denominao ndio, utilizada no Brasil foi por conta de que, quando os Portugueses chegaram ao Brasil terem imaginado que estavam nas ndias ocidentais. Mas existe uma outra verso para essa denominao. Ou seja, que os ancestrais dos ndios das Amricas tenham migrado da sia, pelo Estreito de Bering, no final da idade do gelo, h cerca de 12 mil anos. Ento provvel que os portugueses tenham se enganado em virtude da aparncia dos povos que aqui encontraram. Hoje, estudos apontam a existncia de uma descendncia comum entre os ndios americanos e povos asiticos. Observem como os nosso ndios so parecidos com os orientais. Os indianos, chineses, coreanos e japoneses parecem muito com os povos indgenas das Amricas. Temos estudos que comprovam isso.

    Tem pessoas que dizem que pessoas de determinado orix no tem caboclo. Tem sim. Todo mundo tem caboclo por que quando a gente chegou aqui eles j estavam aqui. Eles que so os donos. Ento quando chegamos aqui j encontramos eles, os donos da terra. Todo mundo tem caboclo seja de que santo for. Que chegue ou que no chegue, mas todo mundo tem caboclo.(BABALORIX , AUGUSTO,2014)

  • 48

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Afirma o Babalorix Augusto Csar, e refora seu pensamento:

    Fala de Augusto Csar - Babalorix do Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl. Clique aqui para assistir ao vdeo.

    Ns estamos aqui com um projeto com os caboclos e quem sabe o quanto isso pode gerar e se multiplicar. Vamos ter um pensamento srio sobre esse assunto, do nosso ndio, da nossa herana indgena de tudo que o ndio j passou de dificuldade, e como eu disse e volto a dizer: esses so os donos do Brasil. diferente por que o orix homeoptico, espera... v faa isso, espere sete dias e o caboclo no assim v p, p. E vou lhe dizer terreiro que no tem caboclo no vai pra lugar nenhum.

  • 49

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.2.2 Cantigas de caboclo

  • 50

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Abre-te Abre-te, campo formoso Abre-te, campo formosoCheio de tanta alegriaOh cheio de tanta alegria

    So sete anos, so sete noitesSo sete noite, so sete anos, so sete noites,Que eu andava nessa jurema, que eu andava nessa juremaSo sete noite, so sete anos, so sete noites,Que eu andava nessa jurema, que eu andava nessa jurema um L l l, um l l l um L l l, um l l l um l l l, um l l l um l de lel, um l de lalXetru!

    Pedrinha miudinha de aruandaPedrinha miudinha de Aruanda hLajedo, to grande, to grande de Aruanda hPedrinha miudinha de Aruanda hLajedo to grande, to grande de Aruanda hPedrinha de um lado, pedrinha do outroPedrinha de AruandaPedrinha miudinha de Aruanda hLajedo to grande, to grande de Aruanda h

    Tava me chamandoEh, tava me chamando, me chamando ehEh, tava me chamando, me chamando ahEu andei pela mata inteiraProcurando de quem me chamouBoa noite meu senhorSou Andara e aqui estou

  • 51

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    BandolBandol, ol, ol, olBandol, ol, olBandoleia cabocloBandol, ol, ol

    Mar encheu mar vazouMar j encheuMar j vazouDe longe bem longe eu avistei IrarDa minha casinha coberta de sapMeu arco, minha flecha, minha cabaa de mOh Irar, irara, irarOh ira Irar, irar , IrarXetru Marrumbaxetro

    Andara o rei que nas matas moraAndara o rei que nas matas moraVenha ver seus filhos meu Pai, que tanto te adoraVenha ver seus filhos meu Pai, que tanto te adoraAndara o rei que nas matas moraVenha ver seus filhos meu Pai, que tanto te adoraVenha ver seus filhos meu Pai, que tanto te adora

    Mata virgemEh mata, eh mata virgemEh Mata, mata arriEu venho l do garimpoEu sou Caboclo, no sou OrixEh mata, eh mata virgemEh Mata, mata arriEu venho l na garupaEu sou Caboclo, no sou Orix

  • 52

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    La naquela serraL naquela serra, oh serra, oh serraL naquela mata, oh mata, oh mata

    Tava me chamandoEh, tava me chamando, me chamando ehEh, tava me chamando, me chamando ahEu andei pela mata inteiraProcurando de quem me chamouBoa noite meu senhorSou Andara e aqui estou

    Um abrao dado de bom coraoUm abrao dado de bom corao mesmo que uma beno, uma beno, uma benoUm abrao dado de bom corao mesmo que uma beno, uma beno, uma beno

  • 53

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    TERREIRO MOKAMBO ONZ NGUZO ZA NKISI

    DANDANLUNDA YE TEMPO

  • 54

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.3 Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo

    Ao chegar no Terreiro Mokambo, somos recebidos pelo Nkisi Tempo, rvore sagrada, assentada majestosamente ao lado direito da entrada da casa, carregada de nguzo, sua energia vital que anima a comunidade. Descendo a escadaria que d acesso Casa, a sensao que estamos sendo abraados pelo espao que se abre parcimoniosamente at nos integrar completamente na riqueza banto, herana ancestral do lugar. E quando chegamos ao final da escada, h uma delicadeza no ar que se transmite em acolhimento tanto no barraco de festas, como na cozinha, lugar de servir as mais gostosas iguarias, ou no ptio onde normalmente so colocadas mesas e cadeiras, as pessoas so acolhidas e servidas com extrema amabilidade de todo pessoal da casa.

  • 55

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Na mesma direo, est localizado o Memorial Kisimbie guas do Saber que, alm da biblioteca e do acervo digital, possui imagens e mapas que contam a histria do terreiro a partir do continente africano. Mapas, fotografias, inscries, objetos rituais, alm da exposio da roupa de Dandalunda e duas rou-pas do Caboclo Pena Dourada enriquecem com informaes que emocionam os seus visitantes, gente da terra ou oriundos dos diversos estados brasileiros e estrangeiros. O Memorial Kisimbie guas do Saber, nome dado em homenagem a uma divinda-de da gua doce da tradio africana Banto Kisimbie. O Terreiro Mokambo registra, tambm, sua histria na obra Terreiro Mokambo: Espao de Aprendizagem e Memria do Legado Banto no Brasil de autoria de Taata Anselmo. A obra fruto do seu trabalho acadmico que retrata, de forma culta, as suas vivncias transformadas em dissertao de mestrado da Universidade Estadual da Bahia sem perder a simplicidade de uma casa de santo.

    Memorial Kisimbi - Terreiro Mokambo Onz Nguzo Nkisi Dandalunda Ye Tempo

  • 56

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Comprometido com princpios e valores na educao, Taata Anselmo oferece um rico acervo para visitao, e disponibiliza tambm um excelente material para pesquisa a pesquisadores e estudantes no que diz respeito histria do povo banto, atendendo s necessidades das Leis10.639/03 e 11.645/08 que incluem a histria e cultura do ndio, o nosso ancestral caboclo.

    Taata Anselmo Minatojy, filho de Dandalunda e Tempo acompanhado pelo encantado Pena Dourada e tem a sua origem numa histrica linhagem do povo de santo. Iniciado pelas mos de Me Mirinha do Porto, , por consequncia, neto de Joozinho da Gomia, filho de nkisi Motalamb e Bambulusema, que viveu acompanhado e protegido pelo seu encantado, o Pedra Preta. Pedimos licena a Taata Anselmo para reproduzir, neste texto, a preciosa orao a Mameto Dandalunda que, em um ato de f, dei-xa fluir o sentido precpuo que rege a vida do kota maior no terrei-ro com seus filhos, sua casa, e com a sociedade:

  • 57

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Kiw Nkisi Dandalunda sublime Rainha, belo Nkisi, venha a mim caminhando na lua cheia trazendo em suas mos, oh! Me querida, os lrios do amor e da paz. Torne-me doce, sedutor e suave como s, minha senhora adorada Mameto Dandalunda, proteja-me hoje e sempre, meu fiel Nkisi, faa com que o amor seja uma constante em minha vida. D-me a possibilidade e a sabedoria de amar a tudo que existe. Proteja-me sempre contra as mandingas e feitiarias. D a mim o nctar de sua doura, me do ouro, da beleza e do amor, senhora da mais pura energia (nguzo) valha-mehoje e sempre. Minha adorada me, senhora em sua suave ternura, cubra seus filhos com seu belo manto de divina doura, luz e fora, trazendo para ns paz, sade, felicidade harmonia e muito amor. Kiuw minha doce Mameto Dandalunda, sua bno.

    Kiuw Nkisi Dandalunda Kisimby Kia Maza!

    3.3.1 A frica o comeo de tudo

    O Terreiro Mokambo um terreiro de tradio banto. Trata-se de povos que ocupam uma grande parte do centro-sul da frica, que hoje formado por pases como Camares, Angola, Repblica Po-pular do Congo, Zmbia, Uganda, Qunia, Moambique, frica do Sul entre outros. Os bantos que aqui chegaram, escravizados a princpio, passaram tambm por um processo de catequizao e aculturao no qual deveriam aceitar a f crist como nica e verdadeira. Clovis Moura nos relata em verbete no Dicionrio da Escravido Negra no Brasil que: Quando um escravo entrava na sala da famlia para acender as velas, deveria saudar seus senhores erguendo a mo direita e dizendo Louvado seja Nos-so Senhor Jesus Cristo a bno. Deixar de pronunciar tal sauda-o era considerada atitude desrespeitosa merecedora de aoi-tes. (MOURA, 2004) A saudao era individual e inclua at as crianas. Na sexta feira santa, a beno era de joelhos e tambm servia para o perdo dos pecados. Eram muitas as

  • 58

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    obrigaes rituais impostas pelo catolicismo compulsrio. Entretanto, no adiantou muito, porque os africanos logo comearam a desenvolver formas de cultuarem suas prprias divindades. Sem que os colonizadores soubessem, ento escolhiam um lugar escondido para celebrar os seus nkisi. De l at agora, muita coisa aconteceu. Com o tempo e com a influncia de outros povos africanos, foram adotados lugares fixos para as celebraes. A, aconteceu o nascimento dos terreiros de candombl, respons-veis pela preservao das lnguas, das culturas e pela religiosidade que acolheu o culto ao caboclo.

    Na frica, o culto tanto aos orixs, como nkisi ou vodun era restrito ao ncleo familiar de parentesco consanguneo, mas com a vinda para o Brasil e a mistura dos escravizados passou a ser uma tradio de famlia espiritual. O que predominou foi o culto ao ancestral, dando origem ao candombl que rene a famlia de santo que vai muito alm da famlia biolgica.

    Aqui, estamos vivenciando um momento de encontro e encantos com os caboclos protetores deste lugar. No terreiro Mokambo, voltamos a imaginar o sujeito que entra em um navio negreiro absolutamente s. Desgarrado de sua famlia, de sua terra, de seu lugar, passa dias e dias sobre o oceano em condies que j no precisamos descrever. Perde o seu nome ancestral na entrada do navio e batizado em nome de um Deus desconhecido. o incio do inferno da escravido. justamente nesta adversidade que o escravizado deixa aflorar o sentimento malungo, sentimento de irmo e companheiro na vida e no mesmo desventura.

    Mesmo remotamente, ser malungo a perspectiva de continuar a viver a base da sociedade africana que a famlia extensa. Uma famlia em que uma aldeia toda pode ser considerada filha de um pai e de uma me que no so seus pais biolgicos, ou onde uma pessoa pode ter quatro ou cinco pais e muitas mes que, naturalmente, no so seus pais biolgicos. Ou o mais

  • 59

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    importante ainda, quando uma aldeia inteira deve ter a responsabilidade de educar cada criana da comunidade ou seja o que seria prtica cultural no continente africano se organiza, no Brasil, como religio capaz de agregar, acolher, proteger e defender pessoas fazendo com que o escravizado pudesse sentir a segurana de outra vez pertencer a um grupo de acolhimento e proteo mtua. Da quando a famlia ancestral se reconhece atravs de seus nkisi, orix, vodun ou com seus encantados e caboclos, e quando se aceitam nas suas similaridades, s resta cantar como cantam os filhos do Terreiro Mokambo.

    Fala de Luciana Melo - Filha do Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo. Clique aqui para assistir ao vdeo.

    Fala de Taata Anselmo - Taata do Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo. Clique aqui para assistir ao vdeo.

  • 60

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 61

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.3.2 Cantigas de caboclo

  • 62

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Pena Dourada o reiPena Dourada um rei,Que no alto mora,Oh venha ver seus filhos,Que tanto adora.

    Xetru marrubaxetro!

    Na JuremaL na Jurema 2xDebaixo do p de Ing 2xAonde o luar clareia os caminhosPra Pena Dourada passar

    Passro formosoO pavo pssaro bonito 2xCom sua pena douradaAquela que mais formosaL na aldeia onde os caboclos moram

    Voc gostou de mimVoc gostou de mimGostei sim SenhorVoc olhou pra mimOlhei sim SenhorEnto d c um abrao 2xEu dou sim Senhor

    Tindo lelTindo lel a kaisaTindo lel ele sangue realEu sou filhoEu sou neto da JuremaTindo lel a kaisa

  • 63

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Roda de Cntigas no Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dan-dalunda Ye Tempo. Clique aqui para assistir ao vdeo.

    Fala de Taata Fernando - Taata de Dandalunda do Terreiro Mokambo Onz Nguzo Za Nkisi Dandalunda Ye Tempo. Clique aqui para assistir ao vdeo.

    Taata Fernando

  • 64

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    TERREIRO 21 ALDEIA DE MAR E TERRA

  • 65

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.4 Terreiro 21 Aldeia Mar e Terra

    Ao entrar no Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra, deixamos os sapatos do lado de fora. Foi bom sentir os ps descalos no massap. O contato com esta terra nos d o sentido de respei-to e pertena ao lugar onde se deu inicio s riquezas do Brasil com o suor e o sangue dos nossos ancestrais indgenas e negros no eito da monocultura da cana-de-acar. Hoje, a comunidade que se organiza em torno da matriarca Juvani Nery Viana Jovelino e a fora dos caboclos, cultiva, nessa mesma terra, sua autonomia econmica e cultural, incluindo a solidariedade e sustentabilida-de em suas produes agrcolas e diversas atividades locais como forma de resgate da memria material e imaterial de seus antepassados.

    Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra

  • 66

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    No ano de 2000 fomos apresentada professora Juvani Viana. Chamava ateno de todos, a professora do lugar como participante ativa do projeto da Faculdade de Educao da UFBA em So Tiago de Iguape. O grupo coordenado pelo professor Felipe Serpa, reunia graduandos, mestrandos e doutorandos. Educar as crianas da sua comunidade, sempre foi o grande sonho de Me Juvani. Ela ajuntou os irmos biolgicos e gente da terra para construir um salo para ensinar s crianas onde hoje Escola Cosme e Damio. Na falta de cadeiras, ela nos conta: Eu j ensinei em banco de p de coco. Mandava derrubar os ps de coqueiro que morriam, mandava serrar e fazia bancos para osmeninos sentarem, por que eu no queria nenhum fora do colgio. Mesmo assim no havia uma quantidade suficiente. Na entrada para a sala, ela mesma nos conta com alegria que as crianas queriam entrar todas de uma s vez para encontrar um lugar e sentar. Podemos imaginar a cena da correria das crianas. Me Juvani ou a professora Juvani ainda nos conta Quando eu soube que o colgio tinha direito merenda, eu comecei a buscar por isso. Hoje, eu quem fao a merenda no meu colgio, fao tudo porque eu quero que tenha aula.

    Escola Cosme e Damio - Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra

  • 67

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    uma honra ter conhecido a professora Juvani em Santiago do Iguape atravs do professor Felipe Serpa que registrou sua experincia de mestra e lder do quilombo Kaonge no livro Expresses de Sabedoria Educao, Vida e Saberes, onde fo-ram entrevistadas Me Stella de Oxoss e Me Juvani Viana por Nelson Preto e Felipe Serpa. A me do quilombo termina a entrevista dizendo Obrigada. Eu digo s minhas filhas que a gente tem que ensinar por amor. Tudo que a gente faz na vida tem que ser com amor: lavar nossa roupa, fazer nossa comida, sentar pra preparar um plano de aula, tudo por amor! Se voc no tem amor, at para comer a comida no desejvel. Finalmente ela nos afirma orgulhosamente Ser professor gostar do outro.

    Toda atividade no terreiro tem um propsito que vai alm do pr-prio acontecimento. Como diz Ananias, no Kaonge no se faz festa por fazer. A Festa da Ostra ou o caruru de Vungi, que acontece no dia 27 de setembro de cada ano, recebe professores, alunos, pesquisadores, gente de movimentos sociais, pequenos produtores, chefes de cozinha e amigos da comunidade que apreciam a gastronomia do lugar. O que, no incio, seria para estimular parcerias comerciais para escoamento da produo se tornou um evento ecogastronmico, promovendo a organizaoprodutiva, os saberes locais em suas atividades de maricultura, ostreicultura, apicultura, ervas medicinais da mata atlntica, alm do beneficiamento ainda artesanal da farinha de mandioca, do azeite de dend ainda feito no pilo. Essas so aes do CECVI, Centro de Educao e Cultura do Vale do Iguape, atuando pelo fortalecimento do modo de vida quilombola do Iguape.

    3.4.1 Cura no Kaonge

    Ananias o irmo de Me Juvani. Jovem com uma fora extraordinria, ele pode ser encontrado liderando a sua gente, cantando e danando nas apresentaes do grupo de

  • 68

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    dana, palestrando para gente que chega de todo lugar. Com a mesma desenvoltura Ananias vem ou lutando pelas polticas pbli-cas, contribuindo para manter forte e visvel a sua comunidade. No momento que tomou a palavra, resolveu retomar um momento das falas que cuidava das curas. Lembrou das curas a partir do carvo e da cinza. Lembrou da cura da papeira com a cinza do fogo de lenha, das rvores da mata:

    Ento a cura era feita com isso, pegava o carvo fazia uma papa com a cinza passava na papeira e a gente ficava bom com aquele remdio. Colocava li-mo tambm. Uma outra coisa era o carvo que cura tambm. A gente j bebeu muita gua de carvo.Bebemos gua de carvo ou jogamos a bra-sa dentro da gua, j tomamos gua as-sim. Era nossa forma de purificar a gua. Pra ns aqui e essa cura vem tambm dos caboclos, dos orixs, alis, toda cura vem deles, porque todos remdios so feitos com ervas medicinais e as ervas medicinais so deles, so frutos das mata. Dentro dessas comunidades quilombolas, antigamente, ningum sabia o que era remdio. De onde veio o remdio? Ningum sabia o que era isso, o remdio. Todo mundo sabia que tinha o nosso remdio das ervas. Esses remdios industrializados a gente no sabia. Remdio de farmcia a gente no sabia. A farmcia era essa, era isso aqui. Eram as ervas que a gente tem aqui ao redor das casas de todos os quilombos. Porque foi isso que manteve a gente vivo, porque dificilmente as pessoas aqui vo no mdico, mesmo hoje. Quando vo ao mdico, no por qualquer besteira. A gente vive dentro das ervas, dento da verdadeira medicina. Nossas ervas so levadas e roubadas para os laboratrios. Tem

  • 69

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    A experincia de Ananias tem continuidade em entrevista que acompanha este registro. Ele fala de sua experincia como lder comunitrio na luta por polticas pblicas para melhoria de vida de sua gente. A comunidade do quilombo Kaonge rene na sua vida cotidiana f, festa, alegria, criatividade e muito trabalho que cria sustentabilidade e satisfao para toda gente que se alegra aos ps dos caboclos.

    gente ganhando muito dinheiro. So essas mesmas ervas que vo pros laboratrios, pras indstrias, pra fazer os remdios, so essas mesmas ervas.

    A gente aqui d um nome e ensina. Eles pegam aqui tudo, aprende e j transforma tudo, d outro nome e pronto. Aqui as mulheres vo parindo sem mdico e sem enfermeira. Quantas pessoas nasceram aqui no hospital? As pessoas presentes comearam a falar, ento tudo indica que isso uma realidade porque ningum morreu, ningum morreu ta todo mundo vivo, sadio e vivo, deferente do que acontece em muitos hospitais. (Ananias, 2014)

  • 70

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Fala de Luclcia - Filha do Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra.Clique aqui para assistir ao vdeo.

    Fala de Ananias Viana - Filho do Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra.Clique aqui para assistir a primeira parte do vdeo.

    Fala de Ananias Viana - Filho do Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra.Clique aqui para assistir a segunda parte do vdeo.

  • 71

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 72

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    3.4.2 Cantigas de caboclo

  • 73

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Tava na aruandaTava na aruanda da macumba, Como vai como passou meu povo, Deus que lhe d boa noite meu povo,Boa noite lhe d Deus camarado meu. Como passou na aruanda do pai Xang Como vai como esta a passar na aruanda da me Iemanj.

    Abre-te campo formosoAbre-te campo formoso, 2xCheio de tanta alegria, Oh cheio de tanta alegria, Estou pedindo ao pai Xang, A me Iemanj os Deuses da alegria, O pai Xang, a me Iemanj, os Deuses da alegria

    Boca da MataA, a a boca da mata, Deixa meus caboclos passar boca da mata, Deixa os caboclos passar boca da mata, Deixa eles trabalhar boca da mata.

    FolhaAjunta folha por folha, tatamirAjunta galho por galho, tatamirSou filho de uma aldeia, tatamirE essa aldeia nos protege, tatamir

  • 74

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 75

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

  • 76

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    METODOLOGIA

  • 77

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    4 METODOLOGIA

    O trabalho de etnopesquisa situa a histria, a memria, a tradio, histrias de vida, experincias religiosas, vivncias e conhecimentos preservados pelo candombl de caboclo nas suas comunidades.

    A pesquisa foi sendo desenvolvida a partir da criao de uma equipe de sustentao, multidisciplinar do projeto, integrada por pais e mes de santo, pesquisadores, mestres, doutores em educao, em histria e em gesto social, coordenao do projeto e parceiros.

    A proposta de trabalho de campo desta pesquisa consistiu em um processo de convivncia intercultural com os quatro terreiros envolvidos, privilegiando a palavra dos mestres, pais e mes de santo, detentores dos saberes e fazeres relativos ao patrimnio imaterial contidos nas celebraes e rituais, fundamentos, lendas, mitos, danas e gestos, sotaques, cantigas e entoadas e smbolos. Incluem-se tambm, conhecimentos tradicionais e prticas curativas, privilegiando princpios e valores das relaes do povo indgena com o cuidado com a natureza, as pessoas, a famlia e com ascomunidades.

    Foram registradas as experincias religiosas das comunidades selecionadas, particularmente as suas definies sobre o que vem a ser o candombl de caboclo; como a casa surgiu naquele local; como os lderes espirituais (mestres e mestras detentores do conhecimento) foram conduzidos a esses postos ou cargos, enfim, produziremos um inventrio em formato digital que reflita os sentidos atribudos pelos membros da comunidade em questo, atravs de depoimentos orais, rodas de conversas, entrevistas e demais informaes que possam servir como fonte durante a coleta de dados.

    Todo o processo desde a elaborao do pr-projeto at as rodas de conversa para a partilha dos resultados da pesquisa,

  • 78

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    a elaborao do projeto de pesquisa foi feita de modo participativo, a partir da equipe de sustentao, com validao das comunidades dos terreiros envolvidos. Foram realizados 05 (cinco) encontros. Primeiro com mestres, reunidos em um s momento os pais e mes de santo e demais integrantes da equipe. O segundo momento ocorreu em cada um dos terreiros, como estratgia deencontro, vivncia, partilha, integrao e aprofundamento dos contedos, destacando a histria da casa e as histrias de vida de cada pai e me e sua relao com o caboclo regente Sulto das Matas, Pena Dourada, Andara e Caboclo No Tem Pena.

    No terceiro momento, nos chamou ateno o elo de confiana que se formou entre as pessoas, vivenciando princpios de harmonia e solidariedade. As casas se abriram sem restries e novamente deu-se sentido singularidade de cada uma delas, bem como a unio para uma grande e intensa viagem de um navio guerreiro. Todo o planejamento e roteiro pr-estabelecidos foram suplantados por uma fora maior da espiritualidade atravs da roda que nos pe em condies de igualdade. Ao final de cada oficina, se fez presente uma ou mais entidades que foi reverenciada pelos presentes ao Tempo que nos saudou com abra-os e cantigas de proteo.

    Embora tenhamos um projeto com passos pr-estabelecidos, o desenvolvimento das atividades ocorreram em momentos de espontaneidade onde quando foi respeitado o fluxo natural do lugar. O tempo e os afazeres dos terreiros no correspondem ao mesmo movimento do tempo cronolgico. Entendemos tambm que o modelo de relatrio tradicional no se aplica s vivncias agregadoras e afetivas que experimentamos nas casas de cul-to aos caboclos. . To pouco os padres que so feitos os le-vantamentos de patrimnio imaterial brasileiro nos moldes do li-vro do Instituto Patrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN, ainda que se tentasse dividir o levantamento de campo em trs vertentes, no sendo possvel seguir a categorizao tpica

  • 79

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    rea de antropologia, por exemplo, pois houve uma interao decontedos abordados: - Aspectos da histria da formao do povo brasileiro, memria do culto aos caboclos como patrimnio imaterial afro-brasileiro.- Formas de expresso e manifestaes, celebraes e rituais, danas, cantigas e entoadas.- Conhecimentos tradicionais, privilegiando princpios e valores de relao do povo indgena, de cuidado com a natureza, com as pessoas, com a famlia e com as comunidades e sua influncia no culto ao caboclo.

    4.1 Marco terico metodolgico

    A presente pesquisa se assenta em estudos e aspectos de instrumentos jurdicos, direcionados proteo, preserva-o e salvaguarda do patrimnio cultural imaterial brasileiro. No plano internacional, em 2003, a 32 sesso da Conferncia Geral da UNESCO aprovou a Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, no qual alerta para a [...] necessidade de conscientizao, especialmente entre as novas geraes, da importncia do patrimnio cultural imaterial e de sua salvaguarda. O documento define como salvaguarda [...] as medidas que visam garantir a viabilidade do patrimnio cultural imaterial, tais como a identificao, a documentao, a investigao, a preservao, a proteo, a promoo, a valorizao, a transmisso essencialmente por meio da educao formal e no formal e revitalizao deste patrimnio comum em seus diversos aspectos a fim de promov-los e salvaguard-los.

    No Brasil j existe, pelo menos desde 1920 e, em particular, desde a constituio de 1934 o debate sobe a necessidade de preservao do Patrimnio Nacional. Atualmente, a legislao brasileira farta a esse respeito e dentre os seus vrios instrumentos podemos citar os artigos 215 e 216 da Constituio

  • 80

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Federal de 1988; o decreto 3.551/2000 que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, que constituem patrimnio cultural brasileiro e tambm criou o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial; o Decreto 5.753/2006 que ratificou a Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial, adotada em Paris em 2003; dentre outras leis, decretos e polticas estaduais e federais que visam a promoo do Patrimnio material e imaterial brasileiro.

    No que se refere especificamente preservao do Patrimnio Imaterial, em 1947 foi criado o Centro Nacional do Folclore e Cultura Popular CNFCP, quando medidas efetivas foram tomadas para proteo do patrimnio cultural imaterial brasileiro. Quanto ao Decreto n 3.551, que mencionamos acima, o seu artigo 1, Inciso II, instituiu a criao do Livro de Registro das Celebraes, onde sero inscritos rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida social; ainda no ano de 2000, foi elaborado o Inventrio Nacional de Referncias Culturais - INRC, o qual estabelece a metodologia voltada para a identificao e produo de conhecimento sobre bens culturais com vistas a subsidiar a formulao de polticas de preservao do PCI brasileiro.

    O projeto Culto aos Caboclos na Bahia Registro e Salvaguarda insere-se numa perspectiva de formulao, preservao, promoo e salvaguarda do PCI, especialmente no que se refere ao registro produzido pela prpria comunidade que preserva as suas _____________1- Artigo 2, pargrafo 3 da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. UNESCO, Paris, 17/10/2003. Disponvel em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=515. Acesso em 15/01/2014.2- Artigo 2, pargrafo 3 da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial. UNESCO, Paris, 17/10/2003. Disponvel em http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=515. Acesso em 15/01/2014.

  • 81

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Insere-se tambm na preocupao de que os atos de significao patrimoniais no chegassem s geraes futuras. Geraes que cada vez mais envolvidas com computadores e aparatos televisivos dedicam menos ateno e interesse s experincias diretas de criao de seus pais e avs. (Borges; Leal, 2012, p.3).

    A proposta desta pesquisa partiu da ateno em fortalecer a me-mria dos caboclos cultuados nas comunidades religiosas de ma-triz africana. Neste caso, tambm o candombl funciona como importante depositrio da cultura do caboclo, adotando uma postura positiva de preservao do pensamento indgena, seu jei-to de ser, as tradies, saberes, costumes e dos valores ancestrais.

    Para tanto, o trabalho de etnopesquisa situa tambm a histria, experincia, vivncias e informaes preservadas pelo candombl de caboclo nas suas comunidades. Desta feita, foram registradas as experincias das comunidades selecionadas, particularmente as suas opinies sobre o que vem a ser o candombl de caboclo; como a comunidade surgiu naquele local; como os lderes espirituais (mestres e mestras detentores do conhecimento) foram conduzidos a esses postos ou cargos, enfim, foi produzido um inventrio que reflite os sentidos atribudos pelos membros da comunidade em questo, atravs de depoimentos orais, rodas de conversas, entrevista e demais informaes que possam servir como fonte durante a coleta de dados.

    A Pesquisa sobre a Memria dos Cultos aos Caboclos aconteceu a partir do trabalho conjunto entre o Instituto Tribos Jovens, o Centro de Caboclo Sulto das Matas, o Terreiro 21 Aldeia de Mar e Terra, o Terreiro Il Omorod Ax Orix Nl, e Onz Nguzo Nkisi Dandalunda Ye Tempo - Terreiro Mokambo.

    Desde o incio, a elaborao do projeto aconteceu de modo

  • 82

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    participativo, a partir da equipe de sustentao, com validao das comunidades dos Terreiros envolvidos. Sero realizados 05 (cincos) encontros, primeiro com Mestres, reunindo em um s momento os pais e mes de santo e demais integrantes da equipe. O segundo momento ocorreu em cada terreiro, como estratgia de validao do anteprojeto, sensibilizao das quatro comunidades e definio de cronograma de trabalho.

    A pesquisa sobre a qual tratamos neste projeto no pioneira, no entanto sabido por nossa comunidade que h um nmero insuficiente de registros/documentos relativos perpetua-o da memria dos caboclos em bibliografias que j tratam a temtica. As principais referncias de pesquisas anteriores partem das obras O dono da terra: o caboclo nos can-dombls da Bahia (Joclio Teles) e Encontro de Na-es de Candombl Centro de Estudos Afro Orientais (CEAO), a tratar sobre as formas das prticas de cultos aos caboclos. Outra obra orientadora para o trabalho foi Mem-ria e Sociedade: Lembranas de Velhos (Ecla Bosi), j que entendemos que a memria est implcita nos mais velhos, fonte de toda tradio.

    O trabalho foi desenvolvido a partir da criao de uma equipe de sustentao, multidisciplinar do Projeto, formada pelos pais e mes de santo, pesquisadores doutores em educao e hist-ria, antroplogo, coordenao do projeto e parceiros. A proposta de trabalho de campo desta pesquisa propiciou um processo de convivncia intercultural com os quatro terreiros envolvidos, privilegiando os mestres, pais e mes de santo, detentores dos saberes e fazeres relativos ao patrimnio imaterial contidos nas lendas, mitos, fundamentos, sotaques, cantigas, smbolos, conhecimentos e prticas curativas.

  • 83

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    4.2 Processo de construo coletiva - trajetria percorrida

    4.2.1 Encontro da equipe de sustentao

    O encontro da equipe de Sustentao previu e efetivou o alinhamento da equipe e discusso do Projeto, com a participa-o de pais e mes de santo, pesquisadores e coordenao. Foi dado incio ao trabalho de campo da pesquisa. O primeiro encontro foi realizado no dia 30/08/2013 no Centro de Caboclo Sulto das Matas, com 22 participantes, sendo marcado pela expectativa da apresentao do projeto e de reunio de toda a equipe de sustentao. O dia estava chuvoso. Esperamos um pouco para o incio da nossa atividade. Descalamos nossos ps e nos juntamos aos convidados e filhos que chegaram com alguma antecedncia. Os filhos da casa, prestimosamente, j estavam nossa espera. Uma mesa coberta no meio do barraco com alguns objetos rituais indicava um lugar de orao para os filhos. Para ns, com uma breve genuflexo, nos apresentamos s entidades que acreditamos contar com o apoio para o trabalho que nos propusemos.

    O primeiro a chegar foi Taata Anselmo, que foi recebido e saudado por Don Conceio. Com o mesmo jeito afetuoso, fo-ram recebidos a Me Juvani, Lucrcia, Rosngela, Solange e Francisco. Finalmente o pai Augusto Csar acompanhado de sua irm biolgica Maria de Nazar e outros filhos de santo. Todos acomodados, logo um cheiro de incenso chamou a nossa ateno, quando Don Conceio surgiu cantando e purificando o ambiente e as pessoas. Toda assistncia saudou a sua presena cantando com ela: Vamos trabalhar caboclo. Vamos trabalhar guerreiro.

    O momento foi de acolhimento. Ns nos olhamos e nos reconhecemos como famlia de santo. A palavra de cada um dos nossos mestres se fez fcil, acolhedora e simples como o jeito de ser do caboclo.

  • 84

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Equipe de sustentao

  • 85

    Inventrio Digital Culto aos Caboclos na Bahia - Registro e Salvaguarda

    Fizemos anotaes e fotos devidamente autorizadas. Foi tanta ri-queza de informao, que solicitamos autorizao tambm para gravar. Da por diante, gravamos tudo, exceto em momentos da presena de entidades e encantados. Aps uma breve introduo e apresentao do projeto, os nossos mestres do saber iniciaram as suas apresentaes e depoimentos que sero aqui sintetizadas.

    O Pai Augusto Csar declarou sua origem ketu e filho do Gant-is. Na sua fala, lamentou que muitos estudiosos e at estrangei-ros j pesquisaram e escreveram sobre a religies de origem africana, entretanto sobre o culto aos caboclos e seus ritu-ais no h registros significativos; mas nem por isso podem ser esquecidos. O ritual de caboclo juntou-se aos cultos negros africanos e tomou forma de candombl de caboclo. Saberes e sabedorias se encontraram e progrediram para a religio que hoje a melhor motivao para a sua vida. Declara ainda: O caboclo invadiu minha casa e minha vida. Eu estou muito feliz em estar aqui.

    A cada participao, podamos reconhecer aspectos da for-a, a f, o trabalho e muita solidariedade. A Equede Maria de Nazar, na sua fala emocionada, declara que a comunidade do Il Omorod Ax Orix Nl, quando recebeu o Caboclo Andara, no sabia o que fazer nem como cuidar. A prpria entidade ensinou e foi orientando para o que deveria ser feito.

    A Me Juvani apresentou-se, demonstrando entusiasmo e dizendo: nunca participei de uma reunio como esta. Disse ainda que encontros assim fortalecem a religio e do continuidade ao processo de unio entre negros, indgenas e brancos pobres como foi iniciad