introduzindo o conceito de redes bayesianas na construção ... · sepultadas com a expansão das...

16

Click here to load reader

Upload: duongtu

Post on 13-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

1

Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção de Cenários Prospectivos

Autoria: Ricardo Balieiro Fischer

Resumo A incerteza é o principal elemento do futuro. Desde os primórdios, os seres humanos buscam métodos para estruturar essas incertezas futuras e assim poderem guiar suas ações. Porém, os estudos do futuro tomaram forma científica apenas a partir da segunda metade do século XX, quando os métodos projetivos e preditivos já não eram mais capazes de explicar um ambiente mundial cada vez mais turbulento. Nesse contexto, nasceram os primeiros métodos de construção de cenários estruturados que tinham como objetivo, não vislumbrar um futuro único e certo, mas visualizar uma gama de futuros possíveis e coerentes. Duas escolas de cenários se destacaram: a heurística e a racionalista. Nesse trabalho, será abordada a principal metodologia da escola racionalista e proposta a introdução do conceito de Redes Bayesianas como forma de integrar as ferramentas utilizadas nesse método. No final, uma breve experimentação do método proposto é realizado para confirmar a sua usabilidade. Introdução O desejo de conhecer o futuro existe desde o início da humanidade. Na busca desse conhecimento, o homem acreditava em quem lhe pudesse prever o futuro. É possível perceber em distintos momentos da história governantes em busca de informações que pudessem minimizar o risco de suas decisões (MARCIAL & GRUMBACH, 2005). Peter Schwartz (2000) considera os sacerdotes do antigo Egito como os primeiros futurólogos da história, visto que eram capazes de realizar previsões sobre a colheita futura observando a cor das águas do Rio Nilo. Também há passagens na história grega, na Bíblia e durante toda a Idade Média indicando a preocupação em “visualizar” o futuro. A partir do renascimento surgem as primeiras tentativas de utilizar a ciência para visualizar o futuro. Autores como Maquiavel, Bodin, Maupertuis, entre outros, já mostravam, de forma incipiente em suas obras, uma visão de que o futuro poderia ser determinada pelo desejo de um monarca ou pelos progressos tecnológicos. No século XIX, as predições do passado foram definitivamente sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução industrial e do surgimento do pensamento racionalista-mecanicista (MORITZ & PEREIRA, 2005). Em 1902, H. G. Wells publica sua obra “História do Futuro”, considerado um marco na literatura de estudo do futuro. A partir daí, com a passagem das guerras mundiais, o homem percebeu que deveria deixar de ser um mero espectador da história e passar a participar ativamente na construção de seu futuro na Terra. A ciência de estudos do futuro deu um salto e várias correntes surgiram. Mas, afinal, do que se trata o futuro? O futuro não está escrito em lugar algum - ele está para ser construído. O futuro é múltiplo e incerto. Se o homem tivesse a certeza dos acontecimentos futuros, perderia sua liberdade e seu propósito: a esperança de um futuro desejado (GODET & ROUBELAT, 1996). Esse é o motivo da determinação do ser humano em buscar, desde a antiguidade, respostas para o que está por vir. Portanto, lidar com o futuro é aceitar que estamos lidando com incertezas. Courtney, Kirkland & Viguerie (1997) classificam as incertezas futuras em 4 níveis e afirmam que a maioria das situações se enquadram nos níveis 2 e 3:

1. Futuro suficientemente claro: determinado por uma simples análise de tendência 2. Futuros alternativos: alguns poucos cenários definem o futuro 3. Leque de futuros: existe um leque de cenários futuros possíveis, nenhum natural 4. Ambiguidade total: visualizar o futuro se torna uma tarefa impossível

Page 2: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

2

Portanto, para estudar o futuro é necessário admitir que o ser humano é limitado e não tem o dom de adivinhar o futuro. No curto prazo, projeções de tendências costumam funcionar muito bem. Porém, no médio/longo prazo, as incertezas aumentam e apenas o estudo de tendências não tem se mostrado muito eficaz. Schnaars (1987) compara resultados de estudos econométricos com estudos utilizando métodos de cenários e acaba por concluir que o método de cenários obteve claras vantagens sobre os métodos projetivos tradicionais. Godet & Roubelat (1996) analisaram previsões realizadas anos antes e constatou que os erros foram baseados principalmente em dois itens: a superestimação do impactos dos avanços tecnológicos e a subestimação de fatores inerciais, como os comportamentos e estruturas sociais. Os métodos de construção de cenários permite-nos situar a visão na faixa de situações possíveis entre a superestimação e subestimação das previsões (SCHOEMAKER, 1995). O termo cenário deriva do termo teatral grego “cenario”, que quer dizer roteiro de uma peça de teatro. O primeiro a trazer a palavra cenário ao universo dos estudos de futuro foi Hermann Kahn, em seu livro “The Year 2000”. Kahn foi considerado o “mago” do futuro nos anos 50 e 60, inovando as análises integrando variáveis qualitativas, como tradições e valores sócio-culturais (MORITZ E PEREIRA, 2005). Dentro das ciências administrativas, cenário pode ser definido como uma descrição de uma situação futura e de um curso de eventos que permita mover de uma situação original para uma situação futura (GODET & ROUBELAT, 1996). Ou ainda, é poder visualizar futuros possíveis, particularmente os derivados e apresentados por métodos sistemáticos e os que se definem pela visão holística das circunstâncias em questão (MILES, 2005). O quadro abaixo nos permite ver claramente o que representam os cenários: Quadro 1 – O que são e o que não são cenários Cenários não são: Cenários são:

• Previsões • Descrições de futuros alternativos plausíveis

• Variações em torno de uma situação de base

• Diferentes visões de futuro significantes e estruturadas

• “Tiros certeiros” ou “pontos finais” • Movimentos da dinâmica que envolve o futuro

• Visões generalizadas de futuros desejados ou

• Visões do futuro focadas para tomadas de decisão

• Produtos de “futuristas” externos • Resultado de “insights” e percepções de especialistas

Fonte: RALSTON & WILSON, 2006 Utilizar os métodos de cenários como uma ferramenta para visualizar futuros alternativos e múltiplos ao invés de futuros simples ou únicos tem como vantagens, além, é claro, de escapar das armadilhas das técnicas preditivas e projetivas (MILES, 2005):

• Desafiar o conhecimento estabelecido demonstrando a plausibilidade de diversos futuros possíveis.

• Dar mais sentido de como diferentes tendências e contra-tendências podem interagir e se desdobrar e suas implicações nas situações originais do modelo.

• Permitir testes de robustez das conclusões políticas e estratégicas através dos diferentes caminhos dentro dos cenários escolhidos.

• Introduzir diferentes visões de mundo levando em consideração quais são os elementos direcionadores de mudança e como eles se relacionam.

Page 3: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

3

Dessa necessidade de ver um futuro múltiplo além de uma extrapolação do presente, de visualizar descontinuidades e rupturas, de incluir nos modelos de cenários variáveis qualitativas e jogos de atores que querem moldar o futuro de acordos com seus desejos e objetivos, é que nasceu a prospectiva. O objetivo maior das técnicas da prospectiva é estruturar e minimizar as incertezas (MARCIAL & COSTA, 2001), e assim reduzir os riscos dos tomadores de decisões. A metodologia prospectiva busca identificar cenários possíveis e a relação de dependência entre a concretização desses cenários e a estratégia de atores sociais, assim como as variáveis, as alianças e os conflitos a ter em conta no exercício das escolhas (PERESTRELO, 2000). Podemos definir prospectiva como uma visualização do futuro, quando este não pode ser visto como uma simples extrapolação do do passado, mas um conjunto de futuros possíveis, cada um em um cenário diferente (CRISTO, 2003). A prospectiva se propõe a iluminar as escolhas do presente com a luz dos futuros possíveis. Uma boa prospectiva não é, necessariamente aquela que se realiza, mas a que conduz a uma ação, evita os perigos futuros e atinge o objetivo desejado (GODET & ROUBELAT, 1996). O primeiro a empregar a palavra “prospectiva” nesse sentido foi Gaston Berger em 1957, que, sentindo que a palavra “previsão” estava impregnada pelo sentido de profecia, propôs o termo para mostrar a necessidade de uma atitude orientada para o futuro. Marcial & Grumbach (2005, p. 28) citam o conceito de Berger:

“A atitude prospectiva significa olhar longe, preocupar-se com o longo prazo; olhar amplamente, tomando cuidado com as interações; olhar a fundo, até encontrar os fatores e tendências que são realmente importantes; arriscar, porque as visões de horizontes distantes podem fazer mudar nossos planos de longo prazo; e levar em conta o gênero humano, grande agente capaz de modificar o futuro.”

Os estudos de cenários, e em consequência a prospectiva, atingiram um novo patamar na década de 70. Pierre Wack, então trabalhando na área de planejamento da Royal Dutch Shell, percebeu que a estabilidade a que o mundo se acostumara já não existia mais e, consequentemente, os erros de previsão começaram a ficar cada vez mais frequentes. Era necessária um nova ferramenta que auxiliasse o planejamento de longo prazo. Wack (1985a e 1985b) desenvolveu sua metodologia não para prever o futuro, mas para liberar o insight das pessoas e tinha como objetivo ampliar a compreensão do sistema, identificar os elementos predeterminados e descobrir as conexões entre as várias forças e eventos que o conduziam. A primeira obra de fato científica sobre o tema foi de Michel Godet, “Cenários e Adiministração Estratégica” de 1987. Em 1988, Pierre Wack e Peter Schwartz criam a GBN (Global Business Network) e se inicia a popularização dos métodos de cenários prospectivos pelo mundo (MARCIAL & GRUMBACH, 2005). No Brasil, a prática de elaboração de cenários é recente, datando de meados dos anos 80. As primeiras empresas a utilizarem essas práticas eram estatais e estavam ligadas a projetos de longo período de maturação, que exigiam um visão de longo prazo, como a Eletrobrás, Eletronorte, Petrobrás e BNDES (BUARQUE, 1998). Porém, já é possível perceber, mesmo que muitas vezes de forma incompleta e fragmentada, a utilização de alguns dos consagrados métodos de cenários em empresas privadas brasileiras (WRIGHT & PEREIRA, 2004).

Page 4: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

4

Principais metodologias Para além de apenas um método, o estudo prospectivo é um processo. Sua característica principal é a necessidade de ser feito de forma participativa, cujo papel preponderante no processo cabe aos especialistas, os únicos capazes de manejar conhecimentos teóricos e práticos e de usar sua sensibilidade para elaborar visões coerentes de futuro (MARQUES, 1988). Ao montar esse modelo simplificado da realidade através das informações confiáveis de especialistas, a prospectiva não faz desuso das outras formas de análise, ao contrário, busca utilizar todos os tipos de análise de forma que numa mesma estrutura possam conter variáveis quantitativas e qualitativas. O bom estudo prospectivo é aquele em que há judiciosa combinação de modelos, permitindo cobrir a zona cinzenta do curto para o longo prazo e dando a transição ao longo do tempo entre o que permanece e o que muda (MARQUES, 1988), conforme Quadro 3. A recombinação desses elementos de análise pode ser feita, pelo menos, de três formas diferentes para a construção dos cenários (SCHOEMAKER, 1995):

• Intuitivamente: uma vez colocadas todas as peças do modelo, é necessário encontrar temas e roteiros em torno dessas variáveis de forma a organizar e dar senso a todos esses elementos.

• Heuristicamente: selecionar as duas incertezas mais importantes (apontadas pelos especialistas) e colocá-las numa matriz para analisar os pontos de partida para a construção dos cenários, e então considerar os outros elementos.

• Estatisticamente: sistematicamente combinar as saídas de todas as incertezas chaves dentro de cadeias consistentes para resultar em limites confiáveis de escolhas.

Quadro 2 – Modelos e Métodos para Estudos do Futuro

Variáveis Método Nível de Turbulência Ambiental Horizonte Quantitativas Qualitativas

Monitoria Ambiental - Observação Alto Curto X X - Indicadores Antecedentes Alto Curto X - Análise Bayesiana Alto Curto X - Análise de Risco Político Alto Curto/Médio X X

Extrapolação - Regressão Linear Baixo Curto X - Indicadores Antecedentes Alto Curto X - Análise Bayesiana Alto Médio X

Julgamento - Delphi Alto Longo X X - Impactos Cruzados (Smic, Chivas) Alto Longo X X

Integrativo - Cenários Alto Longo X X

Fonte: MARQUES, 1988 Para exemplificar as classificações apresentadas, serão descritos a seguir os métodos mais conhecidos e largamente utilizados pelos planejadores de cenários prospectivos. Todos eles tem em comum o estudo das situações históricas e a descrição da situação atual, além da consultas ao especialistas. O que os diferencia, basicamente, são as técnicas de análise: 1. Método GBN – Peter Schwartz: Para Schwartz (2000) o processo de Planificação por

Cenários deve ser encarado como um processo de aprendizagem das organizações, treinando os gestores para enfrentar o imprevisto. Schwartz aconselha que, na construção dos cenários, se proceda partindo do “Interior” − a Empresa − para o “Exterior” − o seu enquadramento. O método GBN se caracteriza por ter a análise e construção dos cenários feita de forma bastante qualitativa e subjetiva. Em nenhum momento tenta probabilizar os

Page 5: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

5

eventos e por essa natureza subjetiva do método, ele se torna bastante flexível. O foco principal do método é a construção de cenários globais.

2. Os Cenários Industriais – Michael Porter: Na Estratégia Competitiva, a unidade

apropriada para a análise de cenários é a indústria. Nessa forma de análise centrada na indústria, desenvolvida por Michael Porter (1990), as variáveis ambientais são testadas na busca das implicações para a concorrência. O fundamento conceitual para construção dos cenários é o modelo das “Cinco Forças Competitivas”. Tem como características, assim como o método GBN, ser bastante subjetivo e flexível. A grande diferença entre os dois métodos é o foco setorial ou industrial do proposto por Michael Porter. Por esse motivo, é o único que considera de forma destacada o comportamento da concorrência em suas análises.

3. Cenários através da Conversação Estratétigica – Kees van der Heijden: Em resumo,

Heijden (2004) propõe usar os cenários como meio de teste da capacidade de sobrevivência e desenvolvimento da empresa. A construção de cenários diz respeito às evoluções possíveis do “enquadramento contextual” da empresa, sendo que a definição desse contexto leva em consideração as características específicas da empresa que lhe permitiram sobreviver e auto-desenvolver-se. O método de Heijden também é bastante subjetivo e pode ser considerado uma mistura dos dois anteriores, pois sua análise se baseia no conceito de enquadramento de Schwartz em adição aos conceitos de competências essenciais de Porter.

4. O Método dos Cenários e a Prospectiva Estratégica – Michel Godet: Para Michel Godet

(1993) os objetivos do Método dos Cenários são três: • Identificação das variáveis-chave que caracterizam o sistema estudado,

estabelecendo as relações entre elas mediante uma análise explicativa global tão exaustiva quanto possível.

• Determinação, a partir das variáveis-chave, dos atores fundamentais, de suas estratégias e dos meios de que dispõe para chegar à realização dos seus objetivos.

• Descrição, sob a forma de cenários, da evolução do sistema estudado, levando em consideração as evoluções mais prováveis das variáveis-chave quando relacionadas entre si e influenciadas pelos jogos dos atores.

O Método dos Cenários estrutura-se assim em três grandes blocos:

• Construção da base − fase do conhecimento do contexto (identificação das variáveis e suas relações; identificação dos atores e seu posicionamento face às variáveis e entre si).

• Exploração das possíveis evoluções − fase da estruturação e redução das incertezas. Pode realizar-se através de uma análise morfológica que define intuitivamente as configurações possíveis e plausíveis das variáveis ou por estimação de probabilidades subjetivas de ocorrência dessas diferentes combinações.

• Elaboração dos Cenários − fase da descrição do caminho que possa conduzir da situação atual aos desejados estados finais, passando por estados intermédios.

O método de Godet se caracteriza por ser o mais completo e menos flexível. Ele acredita no rigor no uso das ferramentas de análise. É o único dos métodos analisados que utiliza o conceito de probabilidades subjetivas para hierarquizar os cenários desenvolvidos. O método de Michel Godet pode ser visualizado na Figura 1:

Page 6: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

6

Figura 1 – Método de Cenários de Michel Godet Fonte: GODET, 1993

Os quatro métodos descritos tem suas estruturas bastante próximas, sendo que os três primeiros podem ser considerados pertencetes a uma escola intuitiva/heurística e o último a uma escola racionalista. Há bastante discussão acerca do uso de probabilidades subjetivas como forma de quantificar a escolha dos cenários plausíveis. Schnaars (1987) defende a escolha intuitiva das configurações de variáveis que formam cenários afirmando que “cenários são possibilidades, não probabilidades”. Ele acredita que essas probabilidades subjetivas não podem ser suportadas nem pelos dados das quais derivam nem pelos fenômenos que buscam prever. Heijden (1997) assegura que nenhum “especialista” poderia ter uma razão justificável para conferir uma probabilidade a um evento original e único, como ele considera ser as questões estratégicas. Os “especialistas” acabariam estabelecendo essas probabilidades por comparações metafóricas com outros eventos que eles acreditem ter alguma evidência histórica. Por esse motivo, para Heijden, probabilidades subjetivas são improváveis, arbitrárias e sem sentido. E Ralston & Wilson (2006) acreditam que probabilidades tem mais a ver com previsões e projeções do que cenários e que probabilizar cenários pode levar ao grupo de discussão a focar apenas no cenário mais provável, em detrimento dos outros. Porém, os próprios autores confirmam a tendência humana de pensar probabilisticamente em qualquer processo onde haja incerteza. E defende que é importante trazer esses sentimentos pessoais para discussão no grupo, o que pode reduzir a grande variedade de opiniões, evitando a difícil tarefa de estabelecer um consenso quando a escolha de cenários é subjetiva. Pois é exatamente disso que se trata a utilização de probabilidades subjetivas em cenários: a estruturação do pensamento e sentimento das pessoas acerca de algum evento incerto. Probabilidade não é previsão. Se o fosse, seria sempre 100%. Michel Godet (2006) confirma a necessidade de utilização de técnicas e métodos racionalistas para a apropriação e estruturação das opiniões do grupo, “pois nem todos tem o brilhantismo intuitivo de pessoas como Peter Schwartz”. O resultado é que os métodos de construção de cenários através de processos heurísticos acabam sendo difíceis de se apropriar e reproduzir. Godet & Roubelat (1996) ainda afirmam que não há ferramenta universal nem método milagroso. Para lidar com informações tão abundantes e incompletas, com as que estão

Laboratórios de Prospectiva:Identificação do problema e do sistema

Análise Estrutural:Identificação das variáveis-chave

Análise da estratégia de atores:Identificação das questões e objetivos estratégicos

Análise Morfológica:Análise do campo de possibilidades externas

Método de especialistas e probabilização:Conclusão quanto às questões chave para o futuro

Elaboração de Cenários

Análise retrospectiva e atual

Laboratórios de Prospectiva:Identificação do problema e do sistema

Análise Estrutural:Identificação das variáveis-chave

Análise da estratégia de atores:Identificação das questões e objetivos estratégicos

Análise Morfológica:Análise do campo de possibilidades externas

Método de especialistas e probabilização:Conclusão quanto às questões chave para o futuro

Elaboração de Cenários

Análise retrospectiva e atual

Page 7: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

7

disponíveis, é necessário aceitar que o modelo não é a realidade, mas apenas uma forma de olhar a realidade. A realidade é a complexidade que nos cerca, a imperfeição das ferramentas e a subjetividades das interpretações. Os resultados de um modelo devem ser testados em sua sensibilidade à várias entradas de dados e em conjunto com outras ferramentas, e apenas os resultados considerados robustos devem ser aceitos. Ferramentas do Método de Cenários O foco do desenvolvimento desse trabalho está sobre o Método de Cenários proposto por Michel Godet, por se tratar do método mais estruturado e rigoroso dos listados anteriormente. Basicamente seu método tem como etapas principais e ferramentas associadas (GODET & ROUBELAT, 1996):

1. Análise estrutural: descoberta das variáveis-chave através do método MIC-MAC. 2. Análise da estratégia de atores: através do método MACTOR. 3. Redução das incertezas aos cenários mais prováveis: uso de ferramentas como análise

morfológica (MORPHOL) e métodos de opinões de especialistas (SMIC-Prob-Expert). 4. Identificação e avaliação de opções estratégicas: através do método multi-critérios

MULTIPOL. Das quatros etapas apresentadas acima, as etapas 2 e 4 (estratégia de atores e opções estratégicas) não serão consideradas no desenvolvimento desse trabalho. O foco se dará sobre a análise estrutural, a análise morfológica e a análise de impactos cruzados. Análise Estrutural: A análise estrutural é um instrumento de estruturação da reflexão coletiva. Oferece a possibilidade de descrever um sistema com o auxílio de uma matriz que relaciona todos os elementos constituintes desse sistema (GODET, MONTI, MEUNIER & ROUBELAT, 1999). O objetivo desse método é fazer emergir as principais variáveis influentes e dependentes, determinando assim as variáveis essenciais para a evolução do sistema. Tem como principais etapas: o recenseamento das variáveis, a descrição das relações entre as variáveis e a identificação das variáveis-chave. O resultado visual da análise estrutural é um grafo onde os nós (ou vértices) são as variáveis e as arestas suas interrelações alimentadas na matriz de análise estrutural (ARCADE, GODET, MEUNIER & ROUBELAT, 1994), que pode resultar num Grafo Cíclico Direcionado (Direct Graph - Digraph), quando o sistema é retroalimentado, tornando possível retornar ao ponto de partida movimentando-se pelas relações diretas entre as variáveis, ou num Grafo Acíclico Direciondo (Direct Acyclic Graph - DAG), quando não ocorre retroalimentação (POZZER, 2007). Há vários métodos disponíveis que realizam a análise estrutural além do MIC-MAC, como o método do “Fluxo Máximo”, o da “Propagação de Efeitos” (PERESTRELO & CALDAS, 1998) e o “CHIVAS” (MARQUES, 1988). Independente do método utilizado e de suas vantagens e desvantagens, o objetivo de todos é o mesmo: transformar as entradas, matriz estrutural de relações diretas, em um sistema de influências indiretas, e dessa forma realizar a hierarquização das variáveis, classificando-as em (GODET, 1993):

• Variáveis Motrizes (ou Influentes): Tem alta motricidade e baixa dependência. São as que tem grande poder de influência e de condicionar o sistema.

• Variáveis de Ligação: são as que não apresentam alto grau de motricidade e também de dependência, ou seja, tem forte poder de propagação de influências, o que as tornam bastante instáveis.

Page 8: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

8

• Variáveis Dependentes (ou Resultantes): Tem baixa motricidade e alta dependência. Exercem pouca influência no sistema, sendo condicionadas por ele.

• Variáveis Desconectadas (ou Rejeitáveis): são as variáveis cujas capacidades de influenciar e ser influenciadas são pequenas, não sendo determinantes para o sistema e podendo ser rejeitadas do estudo.

Análise Morfológica: A análise morfológica é a mais antiga técnica de estruturação de incertezas para uso em cenários, tendo sido formalizada por F. Zwicky durante a segunda guerra mundial. O objetivo da análise morfológica é explorar de forma sistemática os futuros possíveis a partir do estudo de todas as combinações resultantes da decomposição de um sistema (GODET et al, 1999). A vantagem dos uso da análise morfológica é forçar o usuário a pensar de forma estruturada nas combinações e configurações das variáveis que devem ser levadas em consideração. Para isso, é necessário criar um subespaço morfológico que, através de critérios de restrições e preferências, possa reduzir a quantidade de configurações possíveis apenas àquelas mais coerentes (GODET, 2003). Também tem como vantagem, devido a sua simplicidade de utilização, a possibilidade de agrupamento de muitas variáveis na mesma análise, o que a torna uma ferramenta muito utilizada em cenários globais (GODET et al, 1999). A principal limitação da análise morfológica reside no fato da necessidade do usuário ser experiente na condução do exercício e, também, de ser aplicada a um grupo de, no máximo, sete a oito integrantes (RITCHEY, 2005). Como, em geral, é uma análise intuitiva, a escolha e combinação dos componentes pode se tornar uma tarefa exaustiva, senão, impossível (GODET, 1993).

Método de Impactos Cruzados: O método de impactos cruzados foi originalmente desenvolvido por T. Gordon and O. Helmer em 1966, que se questionaram da possibilidade de realizar previsões baseadas nas percepções sobre como eventos futuros podem interagir (GORDON, 1994). Método de impactos cruzados é um nome genérico dado a uma família de técnicas que tentam avaliar mudanças nas probabilidades de ocorrência de um evento, dado a ocorrência prévia de um outro evento. O método inicia com uma lista de variáveis e suas probabilidades associadas em relação a suas interações com outras variáveis. Considerando interdependência entre todas as variáveis, o método corrige essas probabilidades incompletas e incoerentes (por serem subjetivas) e dá como resultado um nova configuração de probabilidades para as variáveis do sistema, agora corretas e coerentes (GODET, 1993). Basicamente, no método de impactos cruzados é estabelececido, para cada variável, um número de hipóteses (na maioria das vezes duas, a ocorrência e a não ocorrência). A partir daí, os especialistas são convidados a associar probabilidades simples e condicionais a cada par de hipóteses, que depois são cruzadas, corrigidas e combinadas para resultar nos cenários. Entende-se por coerência, a submissão dessas probabilidades resultantes aos axiomas e teoremas da Teria das Probabilidades. O resto do método consiste em testar sua sensibilidade e depois construir os cenários, que vão estar associados a probabilidades de ocorrência. A escolha se dá pelos cenários mais prováveis. Há vários métodos que calculam de forma variada esses impactos cruzados para reduzir as incoerências de probabilidades subjetivas, além do método criado por Gordon. Há métodos bastante sofisticados, como o método iterativo Monte Carlo, e outros que representaram um verdadeiro avanço na busca pela coerência de probabilidades em um sistema, como o EXPLOR-SIM, de C. Duval, E. Fontela e A. Gabus, e o SMIC-Prob-Expert, de J. L. Duperrin e M. Godet (GODET, 1993).

Page 9: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

9

A grande vantagem dos métodos de impactos cruzados é a visualização das cadeias de causalidade e a busca pela coerência no sistema através das análises de sensibilidade. Por outro lado, o processo de estimar uma grande quantidade de dados pode ser cansativa e tediosa (GORDON, 1994). Por exemplo, para um sistema com vinte variáveis com três hipóteses cada uma, seriam necessárias 3.420 probabilidades condicionais para finalizar a análise. Por isso, seu uso acaba limitando o número de variáveis e hipóteses. Abordagem ao método utilizando o conceito de Redes Bayesianas Lidar com o futuro é lidar com incertezas. E lidar com incertezas significa falta de informação (DUTRA & MARQUES, 1999). A principal vantagem do raciocínio probabilístico sobre o raciocínio lógico é o fato de que é possível tomar decisões racionais mesmo quando não existe informação suficiente para se provar que uma ação não funcionará (CHARNIAK, 1991 apud DUTRA & MARQUES, 1999). Redes Bayesianas oferecem uma abordagem para o raciocínio probabilístico que engloba teoria dos grafos, para o estabelecimento das relações causais entre sentenças, e teoria das probabilidades, para atribuição de níveis de confiabilidade. Nessa abordagem, o raciocínio é baseado na realização de inferências probabilísticas, isto é, no cálculo da probabilidade condicional de um evento, dadas todas as evidências disponíveis, aplicando-se o Teorema de Bayes (LADEIRA, VICARI & COELHO, 2002), que afirma que: P(A/B).P(B) = P(B/A).P(A) = P(A,B) Uma Rede Bayesiana consiste no seguinte (DUTRA & MARQUES, 1999): • Um conjunto de variáveis e um conjunto de arcos ligando as variáveis. • Cada variável possui um conjunto limitado de estados mutuamente exclusivos. • As variáveis e arcos formam um grafo dirigido acíclico (DAG). • Para cada variável A que possui como pais B1, ..., Bn existe uma tabela P(A/B1, ..., Bn).

Considerando então um conjunto de variáveis (X1=x1, ..., Xn=xn), a construção de uma Rede Bayesiana é dada por: P(x1, ..., xn) = Πi P(xi/Pais(Xi)) ou P(x1, ..., xn) = P(xn/xn-1, ..., x1).P(xn-1/xn-2, ..., x1) ... P(x2/x1).P(x1) A equação acima é conhecida como a Regra da Cadeia, e pode ser representada visualmente pelo grafo abaixo (para n = 4): Figura 2 – Representação Gráfica de uma Rede Bayesiana de Quatro Eventos Fonte: Elaboração do autor A proposta desse trabalho é introduzir o conceito de Redes Bayesianas numa das ferramentas do Método de Cenários: a análise morfológica. Enquanto a análise morfológica permite a pequenos grupos de especialistas definir, agrupar e avaliar os parâmetros complexos de uma sistema de variáveis, ela também tem a limitação de não ser fácil tratar uma estrutura de rede hierarquizada com relações causais. Por outro lado, Redes Bayesianas são, por natureza, uma rede de relações causais hierarquizadas e quantificadas, porém sendo mais difícil seu emprego

X1 X2 X3 X4X1 X2 X3 X4

Page 10: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

10

na fase incial da análise, de formulação do problema. A combinação do uso das duas ferramentas permite maximizar os benefícios dos dois métodos enquanto minimiza seus pontos fracos (RITCHEY, 2005). Para solucionar uma das limitações de desenvolver uma análise de cenários por Redes Bayesianas, a formulação inicial do problema, é proposto utilizar uma das etapas do Método dos Cenários: a análise estrutural. Essa etapa tem como objetivo hierarquizar as variáveis e identificar as variáveis mais motrizes (influentes) e as mais dependentes (de resultado). É possível graficamente concluir que mais motrizes são os nós que tem mais arcos direcionados saindo e poucos chegando, e mais dependentes os nós recebem mais arcos mas emitem poucos. Como a análise estrutural tem como resultado uma junção dos efeitos diretos e indiretos das relações entre as variáveis (método CHIVAS, por exemplo), o resultado natural, em geral, é um Digraph. Porém, como essas relações resultantes da análise estrutural não são booleanas, reduz-se a complexidade desse sistema, utilizando o conceito da dependência e independência induzida (LADEIRA et al, 2002), transformando-o em um DAG, considerando que a variável mais motriz influencia todas as outras variáveis e não recebe nenhuma influência, enquanto que a mais dependente recebe influências de todas as outras variáveis mas não tem poder sobre nenhuma. Reduz-se assim um complexo sistema de grafo cíclico a uma Rede Bayesiana mais simples e tratável, que pode em seguida ser transformada, depois de definidos todos seus estados Xi = (Xi1, Xi2, ... Xik) mutuamente excludentes, em um espaço morfológico, conforme Figura 3: Figura 3 – Transformação de um Grafo Cíclico em um Espaço Morfológico. Fonte: Elaboração do autor A questão agora é como realizar a inferência probabilística para P(xi/Pais(Xi)). A solução é considerar que as entradas são independentes entre si, simplificando a abordagem do problema sem comprometer significativamente a precisão do resultado (LACERDA & BRAGA, 2004). Ou seja, considera-se que o sistema é condicionalmente independente. Essas entradas resultam da transformação a seguir: P(xi/Pais(Xi)) = P(xi/xi-1, ..., x1) Pela Regra de Bayes:

X1 X2

X3 X4

x 1x 2

x 3x 4

X1

X2

X3

X4

x 1x 2

x 3x 4

x 1x 2

x 3x 4

X1

X2

X3

X4

X11

X1

X2

X3

X12 ... X1k

X4

X21 X22 ... X2k

X31 X32 ... X3k

X41 X42 ... X4k

Digraph DAG Espaço Morfológico

Page 11: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

11

( ) ( ) ( )( )11

1111 ,,

.,,,,

xxPxPxxxP

xxxPi

iiiii

L

LL

−− =

Como é considerado que o sistema é condicionalmente independente:

( ) ( ) ( ) ( ) ( )( )11

12111 ,,

....,,

xxPxPxxPxxPxxP

xxxPi

iiiiiiii

L

LL

−−− = ou

( ) ( ) ( ) ( ) ( )( ) ( ) ( ) ( )∑ −−

−−− =

j ijijijiiji

ijijijiijiiij xPxxPxxPxxP

xPxxPxxPxxPxxxP

........

,,121

12111

L

LL

Essa abordagem é conhecida como Regra Naive de Bayes. Chama-se Naive (algo como ingênuo) justamente porque considera o conjunto (xi-1, ..., x1) mutuamente independente dada a variável xi. O modelo Naive de Bayes é uma forma especial da Rede Bayesiana muito usada em classificações e agrupamentos, mas pouco explorada em modelagem probabilística (LOWD & DOMINGOS, 2005). De acordo com a Regra Naive de Bayes mostrada acima, cada produto da Regra da Cadeia é reduzido a uma fórmula composta apenas por probabilidades incondicionais ou condicionais simples. Ou seja, é possível obter todas as informações desejadas simplesmente realizando uma análise de impactos cruzados, condicionando probabilisticamente os pares de eventos. A vantagem dessa abordagem é que apenas a diagonal superior da matriz é usada para alimentar os dados, reduzindo pela metade o número de informações que seriam necessárias em outros métodos de impactos cruzados tradicionais. Uma proposta de estrutura de matriz de impactos cruzados para ser utilizada nessa análise seria: Figura 4 – Matriz de Impactos Cruzados para uso em Redes Bayesianas Fonte: Elaboração do autor O raciocínio do preenchimento dessa matriz é questionar se dado tal evento na coluna a esquerda acontecesse, qual seria a probabilidade do evento da linha superior acontecer. É importante frisar que, como toda análise de impactos cruzados e independente da metodologia

X11

X1 X2 ...

X12 ... X1k

Xn

X21 X22 ... X2k ... ... ... ... Xn1 Xn2 ... Xnk

X1

X11

X12

...

X1k

X2

X21

X22

...X2k

...

...

...

...

...

Xn

Xn1

Xn2

...Xnk

Sim

ples

Condicionais

X11

X1 X2 ...

X12 ... X1k

Xn

X21 X22 ... X2k ... ... ... ... Xn1 Xn2 ... Xnk

X1

X11

X12

...

X1k

X11

X12

...

X1k

X2

X21

X22

...X2k

X21

X22

...X2k

...

...

...

...

...

...

...

...

...

Xn

Xn1

Xn2

...Xnk

Xn1

Xn2

...Xnk

Sim

ples

Condicionais

Page 12: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

12

de cálculo utilizada, é necessária a coerência das probabilidades atribuídas aos eventos, em especial: 1) P(A/B).P(B) = P(B/A).P(A) = P(A,B) 2) Σi P(Ai) = Σi P(Bi) = ... = 1 3) Σi P(Ai/C) = Σi P(Bi/C) = ... = 1 4) Σi P(C/Ai).P(Ai) = Σi P(C/Bi).P(Bi) = ... = P(C) Portanto, a metodologia proposta pode ser resumida da seguinte forma:

1. Determinação das variáveis do sistema e seus estados, e aplicação de método de análise estrutural para hierarquização das variáveis.

2. Aplicação do método de impactos cruzados considerando as relações entre as variáveis apenas na direção das variáveis mais motrizes para as mais dependentes.

3. Cálculo das inferências probabilísticas condicionais, utilizando a Regra Naive de Bayes.

4. Construção do espaço morfológico com as variáveis hierarquizadas e seus estados. 5. Construção dos cenários probabilizados através da Regra da Cadeia. 6. Teste de sensibilidade do modelo

Ou seja, o conceito de Redes Bayesianas serve de arcabouço teórico para realizar a ligação entre duas ferramentas do Método de Cenários: a análise morfológica e a análise de impactos cruzados. Utilizar Redes Bayesianas conforme proposto nesse trabalho, possibilita integrar a análise de impactos cruzados dentro da análise morfológica, criando automaticamente um subespaço morfológico quantificado. Experimentação da Metodologia Proposta A metodologia proposta nesse trabalho foi experimentada para que fosse possível verificar sua usabilidade quanto a:

• Riqueza de informações: quantidade de variáveis-chave a serem tratadas no modelo. • Complexidade: entendimento do processo por parte dos participantes da análise e

tempo necessário para se chegar a uma conclusão na discussão em grupo. • Coerência: retorno do grupo quanto à coerência dos resultados apresentados.

Como seria necessário uma discussão em grupo sobre a delimitação do problema, arbitragem das probabilidades e condução do exercício utilizando o método proposto, foi utilizada uma metodologia de Grupo de Foco (Focus Group). Foram convidados oito alunos de um curso de mestrado na cidade de Curitiba-PR que fazem parte de um grupo de estudos em responsabilidade social na universidade que estudam. Inicialmente, o grupo foi convidado a debater o assunto que seria o tema para a construção dos cenários, sendo o assunto escolhido: Cenários para a Responsabilidade Social no Brasil em 2010. Seguiu-se então a seguinte sequência de eventos:

1. Discussão sobre as variáveis que seriam importantes no futuro desse tema. 2. Escolha de seis variáveis-chave. 3. Aplicação da análise estrutural para hierarquização das variáveis (Método CHIVAS). 4. Determinação dos estados futuros dessas variáveis e suas probabilidades simples (três

estados por variável). 5. Alimentação de uma matriz de impactos cruzados (conforme proposto nesse trabalho). 6. Análise morfológica probabilizada. 7. Análise de sensibilidade e realimentação do sistema.

Page 13: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

13

Os resultados dos passos 1 ao 4 pode ser vistos no Quadro 4: Quadro 3 – Variáveis Hierarquizadas do Sistema, seus Estados e Probabilidades Simples Fonte: Elaboração do autor Ao fim da discussão, que durou cerca de três horas, o grupo se sentiu confortável com os resultados finais. Foram escolhidos três cenários principais, que somados compreendem 27% de todas as possibilidades. Considerando que, num sistema de seis variáveis com três estados cada, o total de possíveis combinações de eventos seria de 729 (estadosvariáveis = 36), varrer 27% das possibilidades foi considerado suficiente. Resumidamente, os três cenários do futuro da responsabilidade social no Brasil escolhidos pelo grupo foram: Quadro 4: Cenários mais Prováveis para a Responsabilidade Social em 2010 Cenário 1 - 12,8% Cenário 2 - 8,3% Cenário 3 - 5,8% • A pressão da sociedade

aumenta • As pressões internacionais

aumentam • Não há mudanças na

credibilidade das ONGs • O crescimento do PIB é médio

(média mundial) • A legitimação das empresas na

sociedade aumenta • Não há mudanças nos

incentivos fiscais

• A pressão da sociedade aumenta

• Não há mudanças nas pressões internacionais

• Não há mudanças na credibilidade das ONGs

• O crescimento do PIB é médio (média mundial)

• A legitimação das empresas na sociedade aumenta

• Não há mudanças nos incentivos fiscais

• A pressão da sociedade aumenta

• As pressões internacionais diminuem

• Não há mudanças na credibilidade das ONGs

• O crescimento do PIB é médio (média mundial)

• A legitimação das empresas na sociedade continua a mesma

• Não há mudanças nos incentivos fiscais

Fonte: Elaboração do autor O objetivo da aplicação da metodologia foi apenas verificar a usabilidade da mesma, portanto não serão detalhadas as informações discutidas no grupo, como as relações resultantes da análise estrutural e as probabilidades condicionais que alimentaram a matriz de impactos cruzados. Também não serão analisados a fundo os resultados alcançados, mesmo que pareçam coerentes. Mas é interessante chamar a atenção para um dos objetivos dos estudos de cenários: a identificação de rupturas e descontinuidades no sistema. Analisando o cenário 1, a configuração dos eventos parece estar bem de acordo com a percepção inicial do grupo, pois são os eventos mais prováveis individualmente que estão ali listados. Porém, se fosse considerado que esses eventos são independentes, a probabilidade desse cenário seria de 21,2%, contra 12,8% quando consideradas as relações causais. Por outro lado, tomando como exemplo o cenário 3, que tem 5,8% de probabilidade e foi o terceiro cenário mais provável de nosso sistema, aparecem dois eventos que tem probabilidades simples mais baixas, a redução das pressões internacionais (3%) e a manutenção do nível de legitimação das empresas na sociedade (20%). Se esse cenário tivesse esses eventos independentes, sua probabilidade seria

P Pa Aumentar 80.0% a Alto 20.0%b Manter 15.0% b Médio 70.0%c Diminuir 5.0% c Baixo 10.0%a Aumentar 90.0% a Aumentar 75.0%b Manter 7.0% b Manter 20.0%c Diminuir 3.0% c Diminuir 5.0%a Aumentar 10.0% a Aumentar 20.0%b Manter 80.0% b Manter 70.0%c Diminuir 10.0% c Diminuir 10.0%

Variáveis Estados

Incentivos Fiscais (% do Imposto)

Pressão da sociedade brasileira

Pressões internacionais (ONU, OMC, OIT,...)

Credibilidade das ONGs

Crescimento Econômico (PIB)

Legitimação da empresa5

6

1

2

3

4

EstadosVariáveis

Page 14: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

14

de apenas 0,2%. Esses casos mostram como a inclusão de efeitos causais no estudo modifica o comportamento das variáveis. Também mostram como é possível identificar essas rupturas através de um método estruturado de construção de cenários. Conclusões O método proposto se mostrou robusto, coerente, confiável e rigoroso, já que é suportado por bases teóricas consagradas. Sua aplicabilidade também se mostrou bastante satisfatória:

• A proposta reduz a complexidade existente na utilização de duas ferramentas de forma independente: análise morfológica e e método de impactos cruzados. Faz isso integrando o método de impactos cruzados à análise morfológica de forma a criar automaticamente o subespaço morfológico.

• Integrar as duas ferramentas possibilita reduzir as limitações de ambas, enquanto mantém suas qualidades. No caso do método de impactos cruzados, quanto mais rico em informações fica o sistema, mas complexo e longo se torna o processo. Utilizando o conceito de Redes Bayesianas, a quantidade de informações é reduzida pela metade. Como no exemplo dado anteriormente, que considerava que um sistema com 20 variáveis com 3 estados cada teria a necessidade de ter 3.420 informações de probabilidades para completar uma matriz, utilizando Redes Bayesianas esse número se reduz para 1.710, possibilitando, ou maior agilidade na condução do processo (quando o número de variáveis deve ser mantido elevado) ou maior enriquecimento do modelo (quando é necessária a introdução de novas variáveis no sistema).

Essas vantagens se tornaram claras na experimentação do método:

• No processo do experimento, optou-se por utilizar menos variáveis para ganhar em agilidade. O objetivo foi atingido.

• Todos os participantes do grupo de discussão entenderam o processo de forma adequada e se famializaram facilmente com o conceito de subespaço morfológico probabilizado.

• Houve grande facilidade em realizar a sensibilidade do modelo, conforme as discussões do grupo evoluiam.

• O resultado final mostrou coerência, apesar do pouco tempo investido.

Apesar de suas vantagens, esse método apresentou algumas limitações. A primeira é que pode ser questionável o processo de transformação de um Digraph em um DAG apenas através da hierarquização das variáveis. Essa condição foi aceita como uma forma de reduzir a complexidade do sistema. A segunda é que não foi quantificado qual é o nível da perda de informações quando se parte de um sistema retroalimentado para um sistema acíclico, como é a Rede Bayesiana. Portanto, ficam essas duas questões como propostas para eventuais desenvolvimentos futuros. Referências Bibliográficas ARCADE, J.; GODET, M.; MEUNIER, F.; ROUBELAT, F. Structural Analysis with the MICMAC Method & Actors’ Strategy with MACTOR Method. AC/UNU Millennium Project, Futures Research Methodology, 1994. BUARQUE, S. C. Experiências Recentes de Elaboração de Cenários do Brasil e da Amazônia Brasileira. Parcerias Estratégicas, n.5, p. 5-35, set. 1998.

Page 15: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

15

COURTNEY, H.; KIRKLAND, J.; VIGUERIE, P. Strategy Under Uncertainty. Harvard Business Review, p. 67-79, november/december 1997. CRISTO, C. M. P. N. Prospectiva Estratégica: Instrumento para a Construção do Futuro e para a Elaboração de Políticas Públicas. Revista do Serviço Público, v. 54, n. 1, p. 61-76, Jan-Mar 2003. POZZER, C. T. 1 – Teoria dos Grafos. Fevereiro de 2007. Disponível em 25/04/2007: <http://www-usr.inf.ufsm.br/~pozzer/disciplinas/ed_grafos.pdf> DUTRA, I.; MARQUES, R. L. Redes Bayesianas: O que são, Para que servem, Algoritmos e Exemplos de Aplicações. Maio de 1999. Disponível em 11/04/2007: <http://www.cos.ufrj.br/~ines/courses/cos740/leila/cos740/Bayesianas.pdf> LACERDA, W. S.; BRAGA, A. P. Experimento de um Classificador de Padrões Baseado na Regra Naive de Bayes. INFOCOMP. Journal of Computer Science, Lavras, v. 1, n. 3, p. 30-35, 2004. LADEIRA, M.; VICARI, R. M.; COELHO, H. Redes Bayesianas Multiagentes. Revista Eletrônica de Iniciação Científica, Ano II, Volume II, p. 1-28, 2002. LOWD, D.; DOMINGOS, P. Naive Bayes Models for Probability Estimation. Proceedings of the Twenty-Second International Conference on Machine Learning. ACM Press, p. 529-536, 2005. GODET, M. From Antecipation to Action: A Handbook of Strategic Prospective. Paris: Unesco, 1993. GODET, M.; ROUBELAT, F. Creating the Future: The Use and Misuse of Scenarios. Long Range Planning, v. 29, n. 2, p. 164-171, 1996. GODET, M.; MONTI, R.; MEUNIER, F.; ROUBELAT, F. A Caixa de Ferramentas da Prospectiva Estratégica. CEPES, Lisboa, 1999 GODET, M. Creating Futures: Scenario Planning as a Strategic Management Tool, Economica-Brookings, Second Edition, 2006. GORDON, T. J. Cross Impact Method. AC/UNU Millennium Project, Futures Research Methodology, 1994 HEIJDEN, K. Scenarios, Strategies and the Strategy Process. Nijenrode Research Paper Series - Centre for Organizational Learning and Change, No. 1997- 01, p. 22-24. 1997. HEIJDEN, K. Planejamento de Cenários – A Arte da Conversação Estratégica. Porto Alegre: Bookman, 2004. MARCIAL, E. C., COSTA, A. J. L.; O Uso de Cenários Prospectivos na Estratégia Empresarial: Vidência Especulativa ou Inteligência Competitiva? Apresentado no 25º Encontro da Anpad, Campinas, 2001.

Page 16: Introduzindo o Conceito de Redes Bayesianas na Construção ... · sepultadas com a expansão das idéias da revolução francesa, da revolução ... que quer dizer roteiro de uma

16

MARCIAL, E. C.; GRUMBACH, R. S. Cenários Prospectivos: Como Construir um Futuro Melhor. 3ª ed. Rio de Janeiro: FGV, 2005. MARQUES, E. Prospec: Modelo de Geração e Cenários em Planejamento Estratégico. BNDES, 1988. Disponível em 11/04/2007: < http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro_ideias/livro-11.pdf > MILES, I. Scenario Planning. UNIDO Technology Foresight Manual: Volume 1 Organization and Methods, p. 168–193, 2005. PEREIRA, M. F.; MORITZ, G. O. Planejamento de Cenários: A Evolução do Pensamento Prospectivo. Revista de ciências da administração, UFSC / CSE / CAD, v. 7, n. 13, p. 131-146, 2005. PERESTRELO, M. M. M. C.; CASTRO CALDAS, J. M. Instrumentos de Análise para Utilização no Método dos Cenários. I – Análise Estrutural, Dinâmia, Lisboa. 1998 PERESTRELO, M. M. M. C. Prospectiva: Planeamento Estratégico e Avaliação. IV Congresso Português de Sociologia, Coimbra, 2000 (Comunicação). PORTER, M. E. Vantagem Competitiva: Criando e Sustentando um Desempenho Superior. Tradução de Elizabeth Maria de Pinho Braga. 10ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1990. RALSTON, B.;WILSON, I. The Scenario Planning Handbook: Developing Strategies in Uncertain Times, Thomson/South-Western, 2006 RITCHEY, T. Futures Studies using Morphological Analysis. UN University Millennium Project: Futures Research Methodology Series, 2005 SCHNAARS, S. P. How to Develop and Use Scenarios. Long Range Planning, v. 20, n. 1, p. 105-114, 1987. SCHOEMAKER, P. J. H. Scenario Planning: A Tool for Strategic Thinking, Sloan Management Review, Winter, p. 25-40, 1995. SCHWARTZ, P. A Arte da Visão de Longo Prazo: Planejando o Futuro em um Mundo de Incertezas. 4ª ed. São Paulo: Best Seller, 2000. WACK, P. Scenarios: Uncharted Waters Ahead. Harvard Business Review, p. 72-89, Sept/Oct, 1985a. WACK, P. Scenarios: Shooting the Rapids. Harvard Business Review, p. 139-150. Nov/Dec, 1985b. WRIGHT, J. T. C.; PEREIRA, A. M. Levantamento e Análise de Métodos de Elaboração e Utilização de Cenários nas Empresas Brasileiras. SEMEAD 7, 2004.