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1 _Introdução 1 ____________________________________________________________ Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção do grau de mestre em Ciência Política e Relações Internacionais especialização em Relações Internacionais-, que teve lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O estágio decorreu, mais especificamente, na Direcção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe, entre 22 de Outubro de 2012 a 28 de Março de 2013. Torna-se pertinente, previamente à descrição da organização deste relatório, esclarecer os motivos pelos quais se optou pela via do estágio curricular para a componente não lectiva, em detrimento de uma dissertação de mestrado. Após o primeiro ano do mestrado, com um carácter marcadamente teórico, considerei que seria uma abordagem interessante colocar, na prática, os conhecimentos académicos que nos foram transmitidos nos vários seminários. Embora uma dissertação fosse um desafio extremamente aliciante, a oportunidade de experienciar, em primeira mão, no Ministérios dos Negócios Estrangeiros, a entidade nacional das Relações Internacionais por excelência, tornou-se irrecusável. Conhecer os bastidores da política externa portuguesa, bem como a atribuição de um carácter mais pragmático aos conhecimentos académicos já adquiridos tornaram-se os factores decisivos na selecção da realização de um estágio curricular. Realizado o estágio, este relatório destina-se à análise e reflexão crítica das tarefas realizadas neste período e encontra-se dividido em três grandes sectores. Numa primeira parte, descrever-se-á o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), tendo em consideração a sua evolução histórica, as suas funções e o papel que desempenha na administração pública portuguesa. Considerando que o estágio teve lugar na Direcção Geral de Política Externa (DGPE), mais propriamente na Direcção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe, também estas duas unidades serão 1 Nota: Este Relatório de Estágio não foi redigido de acordo com as normas estabelecidas pelo Novo Acordo Ortográfico.

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Page 1: Introdução1©.pdf · 1 _Introdução1_____ Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção

1

_Introdução1____________________________________________________________

Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades

realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção do grau de mestre em Ciência

Política e Relações Internacionais –especialização em Relações Internacionais-, que

teve lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O estágio decorreu, mais

especificamente, na Direcção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe, entre 22 de

Outubro de 2012 a 28 de Março de 2013.

Torna-se pertinente, previamente à descrição da organização deste relatório,

esclarecer os motivos pelos quais se optou pela via do estágio curricular para a

componente não lectiva, em detrimento de uma dissertação de mestrado. Após o

primeiro ano do mestrado, com um carácter marcadamente teórico, considerei que

seria uma abordagem interessante colocar, na prática, os conhecimentos académicos

que nos foram transmitidos nos vários seminários. Embora uma dissertação fosse um

desafio extremamente aliciante, a oportunidade de experienciar, em primeira mão, no

Ministérios dos Negócios Estrangeiros, a entidade nacional das Relações Internacionais

por excelência, tornou-se irrecusável. Conhecer os bastidores da política externa

portuguesa, bem como a atribuição de um carácter mais pragmático aos

conhecimentos académicos já adquiridos tornaram-se os factores decisivos na

selecção da realização de um estágio curricular.

Realizado o estágio, este relatório destina-se à análise e reflexão crítica das

tarefas realizadas neste período e encontra-se dividido em três grandes sectores.

Numa primeira parte, descrever-se-á o Ministério dos Negócios Estrangeiros

(MNE), tendo em consideração a sua evolução histórica, as suas funções e o papel que

desempenha na administração pública portuguesa. Considerando que o estágio teve

lugar na Direcção Geral de Política Externa (DGPE), mais propriamente na Direcção de

Serviços do Médio Oriente e Magrebe, também estas duas unidades serão

1 Nota: Este Relatório de Estágio não foi redigido de acordo com as normas estabelecidas pelo Novo

Acordo Ortográfico.

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enquadradas dentro do MNE, bem como esclarecidas as atribuições e funções que lhes

são atribuídas.

Posteriormente, proceder-se-á à descrição e análise das tarefas realizadas no

decorrer do estágio, bem como as limitações/dificuldades a que essas mesmas tarefas

estiveram sujeitas (quando aplicável). Para cada tarefa, e sempre que as normas de

confidencialidade o permitam, serão anexados exemplos práticos dos materiais

realizados.

Num último momento, e com um cariz mais teórico, tentar-se-á cumprir com

um dos objectivos inicialmente propostos: compreender de que forma a região do

Médio Oriente e Magrebe tem vindo a ganhar relevo na política externa portuguesa.

Este último momento tenta, de uma maneira despretensiosa, geral e muito breve,

analisar a evolução das ligações portuguesas com esta região e tentar perceber em que

sentido estas têm evoluído.

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_Capítulo I: A Instituição__________________________________________________

De acordo com o previamente estipulado na introdução deste relatório, caberá

nesta primeira parte esclarecer, em traços breves e gerais, a evolução histórica do

Ministério dos Negócios estrangeiros, esclarecendo posteriormente as suas funções e

modo de funcionamento. Após este momento, e de uma forma mais específica,

descrever-se-á a instituição onde decorreu o estágio: a Direcção dos Serviços do

Magrebe e Médio Oriente.

_O Ministério dos Negócios Estrangeiros_

Por forma a compreender o estatuto e funcionamento do Ministério dos

Negócios Estrangeiros actualmente, torna-se imperioso compreender a sua evolução

ao longo dos tempos, ainda que de forma muito superficial.

Decorria o ano de 1641, reinado de D. João IV, quando foi criada a primeira

secretaria de Estado no entanto, e já em meados do século XVIII, devido à

reorganização da Administração Pública, com a publicação do alvará de 28 de Julho de

1736, surgiram 3 Secretarias de Estado, entre as quais, a Secretaria do Estado dos

Negócios Estrangeiros e da Guerra.

Por um período de escassos meses no ano de 1801 (entre Janeiro e Julho),

verificou-se uma cisão entre a Secretaria do Estado dos Negócios Estrangeiros e a da

Guerra, cisão essa que viria a ser definitivamente perpetuada em 12 de Junho de 1822,

com a publicação de uma Carta de Lei. A partir de então, a condução de assuntos de

guerra e assuntos externos passou a ser levada a cabo por entidades diferentes. Já em

pleno século XIX, o vocábulo “ministério” assume maior relevância e é atribuído na

designação dos vários organismos do Estado, tornando obsoleto o termo “Secretaria

do Estado”.2

2 Informação obtida no site http://www.arqnet.pt/exercito/secretaria.html (a 30/10/ 2013)

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É então, em 1822, com a promulgação de diversos diplomas, como refere Jaime

Gama, que se define que a condução da política externa portuguesa como sendo

incumbência, na sua totalidade, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.3

Com a reforma da Administração Pública e o Plano de Redução e Melhoria da

Administração Central (PREMAC), foi atribuída ao Ministério dos Negócios Estrangeiros

a orgânica que se encontra em vigor até aos dias de hoje, prevista pelo Decreto-Lei nº

121/2011, de 29 de Dezembro de 2011.4

Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, na categoria de departamento

governamental, cabe-lhe a missão, não apenas de formular, mas também de

coordenar e assegurar a execução da política externa portuguesa.5 Por esse motivo, e

por forma a garantir a persecução desses objectivos, foram assignadas ao MNE as

seguintes atribuições:

“a) Preparar e executar a política externa portuguesa, bem como coordenar as

intervenções, em matéria de relações internacionais, de outros departamentos,

serviços e organismos da Administração Pública;

b) Defender e promover os interesses portugueses no estrangeiro;

c) Conduzir e coordenar a participação portuguesa no processo de construção

europeia;

d) Conduzir e coordenar a participação portuguesa no sistema transatlântico de

segurança colectiva;

e) Assegurar a protecção dos cidadãos portugueses no estrangeiro, bem como

apoiar e valorizar as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo;

f) Defender e promover a língua e cultura portuguesas no estrangeiro;

g) Promover a lusofonia em todos os seus aspectos e valorizar e reforçar a

Comunidade dos Países de Língua portuguesa;

3 GAMA, Jaime (1985) Política Externa Portuguesa 1983-1985, Biblioteca Diplomática Série C, Ministério

dos Negócios Estrangeiros 4 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro (consulta no serviço da intranet do MNE a 21 /03/2013)

5 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capítulo

I, Artigo 1º

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h) Definir e executar a política de cooperação para o desenvolvimento,

especialmente com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste;

i) Coordenar, acompanhar a execução e avaliar a acção desempenhada em

matéria de cooperação por outros ministérios, departamentos, serviços e organismos

da Administração Pública;

j) Conduzir as negociações internacionais e os processos de vinculação

internacional do Estado Português, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a

outras entidades públicas,

l) Representar o Estado Português junto de sujeitos de Direito Internacional

Público ou de outros entes envolvidos na área das relações internacionais;

m) Exercer as atribuições que lhe sejam cometidas relativamente à condução da

diplomacia económica.

Fica ainda a cargo do MNE, em articulação com outros ministérios as seguintes

atribuições6:

a) Promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;

b) Ensino do português no estrangeiro;

c) Definição do quadro político de participação das Forças Armadas e das forças

de segurança portuguesas em missões de carácter internacional;

d) Prossecução da diplomacia económica”7

Com o intuito de assegurar o cumprimento das suas funções de forma exemplar,

torna-se fácil perceber que a estrutura orgânica do MNE se encontra bastante

hierarquizada, sendo os seus diversos serviços agrupados de acordo com a sua

natureza e funções, como pode ser analisado pelo organograma apresenta do abaixo

(FIGURA 1).

6 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capítulo

I, Artigo 2º, ponto 2 7 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capí tulo

I, Artigo 2º, ponto 2

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Ministro de Estado e dos

Negócios Estrangeiros

Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas

Agência para o Investimento e o Protocolo do Estado

Comércio Externo de Secretário Geral

Portugal, EPE Embaixadora Ana Martinho Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe

Dr. Pedro Reis José de Bouza Serrano

DG Politica Externa Departamento Geral de

Administração

Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe Ministro Plenipotenciário de 2ª Classe

Rui Macieira José Augusto Duarte

Inspecção Diplomática Departamento Assuntos

Internacionais Consular Internacionais Jurídicos

Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe

José Silva Leitão Dr. Miguel de Serpa Soares

Instituto Diplomático

Conselheira de Embaixada Manuela

Franco

Fundo para as Relações

Internacionais

Embaixador António de Almeida

Ribeiro

Comissão Nacional UNESCO

Embaixador António de Almeida

Ribeiro

Secretário Estado Adjunto e Secretário Estado Negócios Secretário Estado

dos Assuntos Europeus Estrangeiros Cooperação Comunidades Portuguesas

Dr. Miguel Morais Leitão Dr. Luis Brites Pereira Dr. José de Almeida Cesário

DG Assuntos Consulares

Comissão Direccção Geral Assuntos Instituto de Investigação Comunidades Portuguesas

Interministerial para Europeus Cientifica e Tropical Camões - Instituto da

os Assuntos Ministro Plenipotenciário de 2ª Classe Cooperação e da Língua Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe

Europeus Francisco Duarte Lopes Prof. Jorge Braga de Macedo José Manuel Santos Braga

Comissão Comissão Interministerial

Nacional para Limites e Bacias Conselho das Comunidades

os Direitos Hidrográficas Luso - Portuguesas

Humanos Espanholas

Comissão Luso-Espanhola

para a Cooperação

Transfronteiriça

Missões e Representações

Embaixadas Consulados Consulados Gerais

Permanentes

Serviços de Administração Directa

Serviços de Administração Indirecta

Outras Estruturas

Orgãos Consultivos

Orgâos na Dependência do Secretariado Geral

Sector Empresarial do Estado-Tutela delegada em em S. Ex.ª o Ministro

FIGURA 1. ORGANOGRAMA INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS

FONTE: Disponível e consultado no serviço da intranet do MNE a 21/03/2013

Dos diversos órgãos apresentados acima, será dado maior enfoque à Direcção

Geral de Política Externa, uma vez é que dentro dessa Direcção que se insere a

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instituição onde decorreu o estágio: Direcção de Serviços do Médio Oriente e

Magrebe.

_Direcção Geral de Política Externa-DGPE_

Cabe a Direção garantir, não apenas a coordenação, mas também a decisão das

matérias de natureza político-diplomática, nomeadamente a Política Externa e de

Segurança Comum (PESC) e a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD).

Esta Direcção é também responsabilizável pela coordenação dos assuntos que

englobam a segurança e defesa, bem como executar a política externa portuguesa no

campo das relações bilaterais e multilaterais.

Considerando esta missão, foram assignadas à DGPE as seguintes atribuições:”

Assegurar genericamente as funções de coordenação político -

diplomática, bem como a coordenação interministerial no tratamento

de todas as questões de política externa, no âmbito das suas

competências, por forma a garantir a necessária coerência e unidade da

ação externa do Estado;

Assegurar a coordenação interministerial de todas as visitas bilaterais ao

nível político e económico no âmbito das suas competências;

Estudar, emitir pareceres, decidir ou apresentar propostas de atuação

sobre todos os assuntos atinentes às matérias da sua competência;

Recolher informação, analisar e apresentar propostas de atuação sobre

assuntos de particular relevância político-diplomática;

Acompanhar e assegurar a participação em organismos internacionais,

designadamente os que assumem caráter estratégico no âmbito da

atividade externa do Estado;

Assegurar a representação do MNE nas comissões interministeriais e

outros organismos nacionais quando as atribuições destes abranjam

questões de natureza política e económica, no âmbito das suas

competências;

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Assegurar a presidência das comissões e delegações de caráter político

e económico, que caiba ao MNE, no domínio das suas atribuições;

Garantir, a nível nacional, o desenvolvimento das ações necessárias à

aplicação da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e da

Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD);

Orientar e coordenar a participação nacional na Organização das Nações

Unidas e instituições especializadas;

Orientar e coordenar a participação nacional na Organização do

Tratado do Atlântico Norte, na Organização para a Segurança e

Cooperação na Europa e no Conselho da Europa;

Orientar e coordenar a participação nacional na Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa (CPLP);

Assegurar o apoio necessário à Autoridade Nacional para a Convenção

sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e

Utilização das Armas Químicas (ANCPAQ) e à Autoridade Nacional para

efeitos do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (ANTPEN);

Orientar e coordenar a participação nacional nas cimeiras ibero -

americanas;

Coordenar a condução e a promoção das candidaturas nacionais às

organizações internacionais, no âmbito das suas competências;

Recolher informações sobre a realidade política nas diferentes regiões e

países não membros da União Europeia e assegurar a atualização de

elementos sobre essa mesma realidade;

Contribuir para a diplomacia económica definida pelo Governo, em

articulação com o membro do Governo responsável pela área da

economia e com os outros departamentos, serviços ou organis mos

sectoriais competentes;

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Assegurar a cooperação entre os outros serviços, organismos e

estruturas do MNE e a Agência para o Investimento e Comércio Externo

de Portugal, E. P. E. (AICEP, E. P. E.);

Assegurar a coordenação com os outros departamentos, serviços ou

entidades públicas de todos os assuntos de carácter económico, técnico

ou científico cuja decisão vincule o Estado Português;

Preparar, coordenar e assegurar a transmissão das instruções que, na

área das suas atribuições, devam ser enviadas às embaixadas, missões e

representações permanentes, missões temporárias e postos consulares

de Portugal;

Prestar apoio técnico em matéria de definição e estruturação das

políticas, prioridades e objetivos do MNE, bem como acompanhar e

avaliar a execução das políticas e programas do Ministério;

Apoiar a definição das principais opções em matéria orçamental, bem

como assegurar a articulação entre os instrumentos de planeamento,

de previsão orçamental e de reporte;

Analisar, em colaboração com o Ministério da Defesa Nacional, os

pedidos de entidades estrangeiras para a utilização do espaço aéreo,

bases militares e aeroportos portugueses por aeronaves militares e/ou

de Estado e propor superiormente a respetiva autorização diplomática;

Analisar, em concertação com outros ministérios e entidades públicas e

privadas, os pedidos para entrada e pesquisa em águas territoriais

portuguesas por navios militares e oceanográficos e propor

superiormente a respetiva autorização.”8

8 Estas informações foram retiradas, a 21.03.2013, do site http://www.portugal.gov.pt/pt/os-

ministerios/ministerio-dos-negocios-estrangeiros/quero-saber-mais/sobre-o-ministerio/estrutura-organica/dgpe.aspx

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Considerando a multiplicidade de objectivos a que se propõe a DGPE, torna-se

inteligível que as suas tarefas se encontrem distribuídas pelos vários serviços, de

acordo com as suas áreas de competência, sendo elas: a tipologia de organismos

internacionais; campo de actuação; região geográfica. Dado que a DSMOM

corresponde à categoria de região geográfica, cabe esclarecer que existem, nesta

tipologia, os seguintes serviços:

Direção de Serviços [DS] para os Assuntos Políticos Europeus (APE);

DS da África Subsaariana (SAS);

DS Médio Oriente e Magrebe (MOM);

DS das Américas (DSA);

DS da Ásia e Oceânia (SAO).

No que concerne os serviços divididos por categoria de organizações

internacionais, registam-se as seguintes:

DS das Organizações Políticas Internacionais (SPM);

DS das Organizações Económicas Internacionais (SEM).

Relativamente aos Serviços subjugados a um campo de atuação específica, resta ainda

a DS para os Assuntos de Segurança e Defesa (DSD).

Torna-se ainda pertinente esclarecer que, no decorrer do período de estágio, o

cargo de diretor-geral era ocupado pelo Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe, Dr. Rui

Macieira. No cargo de subdiretores-gerais encontravam-se o Ministro Plenipotenciário

de 2ª Classe, Dr. Carlos Pereira Marques; Conselheiro de Embaixada, Dr. Rui Vinhas; e

ainda a Conselheira de Embaixada, Dra. Helena Malcata.

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_Direção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe-DSMOM_

Tendo contextualizado o Ministério dos Negócios Estrangeiros e,

posteriormente a Direcção Geral de Política Externa, poder-se-á agora avançar para a

DSMOM. Uma vez que, conforme esclarecido anteriormente, esta se encontra inserida

na DGPE torna-se compreensível que seja no âmbito dos objectivos da DGPE que a

DSMOM dê seguimento às suas funções, necessariamente delimitadas pelas matérias

referentes ao Médio Oriente, Golfo e Magrebe.

Neste sentido, encontram-se ao encargo da DSMOM os países: Arábia Saudita,

Argélia, Bahrein, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iémen, Irão, Iraque, Israel, Jordânia,

Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Qatar, Sahara Ocidental,

Síria, Tunísia.

Para além destes países, correspondem também às suas competências outras

regiões/organismos ou instituições tais como: União para o Magrebe Árabe, Diálogo

do Mediterrâneo Ocidental (comummente conhecido por 5+5), Fórum do

Mediterrâneo, União para o Mediterrâneo, Conselho de Cooperação do Golfo,

Organização da Conferência Islâmica, Processo de Paz no Médio Oriente (PPMO) ou a

Liga Árabe.

A esta Direcção de Serviços, coordenada pela Dra. Carmen Silvestre -Diretora

de Serviços do MOM – estão atribuídas tarefas como a atualização dos acontecimentos

registados nestes países, organizações e regiões, nos vários campos: político,

económico e cultural. No entanto, também são assinaláveis os pontos de situação

quando ao desenvolvimento da política interna e externa de cada um destes países

(incluindo nomeadamente relações com a UE, com a ONU, bem como outros aspeto

passíveis de serem considerados relevantes para o país em análise – a título de

exemplo, a evolução da situação dos direitos humanos ou de existência de grupos

terroristas.

As tarefas da DSMOM estão também fortemente ligadas a todo o trabalho

inerente à negociação de acordos bilaterais entre Portugal e os países / organizações

com vista à persecução dos objectivos estipulados pelas linhas orientadoras da política

externa portuguesa.

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Á semelhança da divisão de trabalhos praticada na DGPE, também na DSMOM

os países/regiões se encontram divididos pelos diversos colaboradores. Ao longo do

estágio, mediante as tarefas me foram assignadas, tive oportunidade de trabalhar com

diferentes países e colaboradores.

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_Capítulo II: O Estágio____________________________________________________

Nesta componente do relatório, pretende esclarecer-se a natureza das tarefas

realizadas no decorrer do estágio, bem como a análise das mesmas. De acordo com a

pertinência e extensão do resultado dessas mesmas tarefas, estas poderão ser

inseridas no corpo de texto, ou remetidas para anexo.

O plano de estágio englobou, maioritariamente, três tipologias de tarefas a

desempenhar ao longo dos cinco meses: actualização/elaboração das listas dos

acordos com os países do Magrebe; trabalhos de pesquisa (non-papers) e outros

trabalhos de apoio.

Estava definido, a priori, e por ser a necessidade mais urgente da DSMOM

aquando do início do estágio, que as tarefas no âmbito dos acordos bilaterais iriam ser

as principais, bem como as mais morosas, por requererem um trabalho muito

meticuloso. No entanto, a natureza de todas as tarefas atribuídas foi bastante variada

e estimulante, permitindo um significativo amadurecimento do conhecimento da

política externa portuguesa para esta região, bem como dos trâmites processuais que

se encontram nos “bastidores” da diplomacia.

_Organização dos Arquivos de Acordos_

Pela importância estratégica que a negociação e celebração de Acordos

desempenha nas ligações bilaterais, foi solicitado que esta fosse a primeira tarefa a

desempenhar. Tornou-se a primeira, a mais morosa e também a mais trabalhosa, visto

que o processo de actualização constante das listagens elaboradas se prolongou até ao

último dia de estágio. Ao meu encargo ficou a actualização da informação referente

aos países do Magrebe (Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia), sendo que

coube à outra estagiária organizar as pastas relativas ao Golfo e Médio Oriente.

Numa primeira fase, procedeu-se à organização física dos dossiers dos Acordos:

os Acordos encontram-se divididas por país e, dentro de cada país, divididos de acordo

com o seu estatuto (em vigor; a aguardar procedimentos internos; em negociação;

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iniciativas abandonados). Após esta primeira fase de assegurar que todos os Acordos

ou Memorandos de Entendimento se encontravam arquivados nas devidas pastas,

tornou-se necessário que, dentro de cada Acordo todo o processo negocial se

encontrava devidamente arquivado (por ordem cronológica, do mais antigo para o

mais recente). Neste momento, comecei a familiarizar-me com aos diferentes tipos de

comunicações utilizados pelo Ministério, nomeadamente comunicações oficiais e

pareceres, sendo que começou a tornar-se mais evidente todo o trabalho negocial que

envolve a assinatura de um instrumento bilateral.

Numa segunda fase, após a organização física de todos os instrumentos

bilaterais, procedeu-se à organização e sistematização das informações contidas nas

pastas. Por uma questão de organização e maior facilidade de consulta dos Acordos,

sem necessidade de recorrer à pasta física dos mesmos, foi solicitado que para cada

país fosse criado um documento que dividisse os Acordos entre Portugal e esse mesmo

país da seguinte forma:

Acordos assinados e a aguardar procedimentos de direito interno;

Acordos em negociação;

Acordos em vigor;

Iniciativas abandonadas e/ou que deixaram de produzir efeitos.

Para cada uma das tabelas tornou-se necessário assinalar, com o maior detalhe

possível, as informações referentes à data e local de assinatura (quando aplicável),

publicação em Diário da República (quando aplicável) ou últimos desenvolvimentos no

processo negocial.

Considerando que não foi permitido, por motivos de confidencialidade de

informação que não é ainda do domínio público, a totalidade das listas de Acordos por

países não é publicável neste relatório, no entanto, remeto para anexo os modelos das

tabelas realizadas.

Numa fase final desta elaboração e actualização de listas, tornou-se necessária a

criação de mais dois documentos, para cada um dos países do Magrebe:

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Lista de Acordos assinados e a aguardar publicação de Aviso de Entrada em

Vigor em Diário da República;

Elaborar, para todos os países do Magrebe e para cada um dos

instrumentos bilaterais em negociação uma cronologia (da comunicação

mais antigo para a mais recente) de todo o processo negocial – incluindo a

data, origem, tipologia e conteúdo (de forma resumida) de todas as

comunicações envolvidas no processo negocial.

Considerando que uma grande parte da informação não pode ser publicada e

ainda que as listagens de acordos em vigor dos países do Magrebe é

consideravelmente extensa (mesmo para ser colocada e anexo), torna-se pertinente

esclarecer que, em termos de instrumentos bilaterais, Portugal tem de momento e em

vigor com os países do Magrebe: 69 com Marrocos; 42 com a Tunísia; 40 com a

Argélia; 13 com a Líbia e 2 com a Mauritânia.

Esta tarefa, conforme mencionado anteriormente, foi a mais morosa de todas

as desenvolvidas, tendo decorrido até ao final do estágio, nomeadamente devido às

actualizações constantes nos instrumentos bilaterais em negociação. No entanto, e

apesar de não ser uma tarefa particularmente estimulante do ponto de vista da

produção de novos conhecimentos do ponto de vista académico, permitiu-me um

conhecimento mais sólido sobre os instrumentos bilaterais. O Acordos são, em certa

medida, o que de mais concreto e palpável se estabelece através das relações

bilaterais entre países e, através desta tarefa, pude perceber realmente como se

processam todos os trâmites negociais. É o melhor exemplo prático, ao longo do

estágio, de como é possível transpor os conhecimentos académicos para o campo mais

pragmático. Foi também possível compreender o exercício de coordenação entre

todos os organismos do MNE e, por vezes entre Ministérios, inerente a todo o

processo negocial de um Acordo. Torna-se ainda pertinente esclarecer que foi possível

constatar que, apesar de historicamente os eixos da política externa portuguesa não se

inclinam para esta região do globo, existe uma grande multiplicidade de instrumentos

bilaterais a serem celebrados, o que me permitiu ganhar conhecimentos mais

profundos sobre os interesses e inclinações da PEP nesta região.

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A tarefa subordinada à actualização e organização dos Acordos acabou por se

traduzir em diversas tarefas ao longo dos 5 meses que, embora trabalhosas e

meticulosas, se tornaram também bastante frutíferas. Ultrapassadas as dificuldades

iniciais de compreender o processo de arquivo, de comunicações e de pesquisa em

Diário da República, não decorreram destas tarefas qualquer tipo de problemas

teóricos ou metodológicos.

_Trabalhos de Pesquisa (non-papers)_

As pesquisas foram solicitadas ao longo do estágio, de acordo com as

necessidades da DSMOM, sendo que todas tiveram indicações, propósitos e critérios

de elaboração específicos. Estas tarefas pontuais permitiram um sério

aprofundamento sobre questões inerentes a esta região do globo, nomeadamente no

que concerne as Primaveras Árabes, a definição de novos actores regionais, ou mesmo

de novos movimentos extremistas.

A primeira pesquisa solicitada abordava o tema “Liderança do Golfo na região

do Médio Oriente” e foi realizada entre 5 e 9 de Novembro de 2012. Desta pesquisa

pretendia-se um documento que serviria de base para a preparação da pasta da visita

do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Fórum Sir Bani Yas, a decorrer no final desse

mesmo mês. Os objectivos e delimitações da pesquisa foram bem esclarecidos, pelo

que, pela pertinência e relevância do mesmo, incluirei no corpo do relatório. As

pesquisas que realizei para a redacção deste breve documento compreenderam

principalmente Think Tanks e artigos científicos no âmbito das relações internacionais,

com maior enfoque no Qatar e nos Emirados Árabes Unidos.

_MUDANÇA NO MÉDIO ORIENTE: CONTINUIDADE DA LIDERANÇA DO GOLFO NA REGIÃO?___

O Médio Oriente e os países do Golfo não pertencem, historicamente, aos eixos

tradicionais da política externa portuguesa, que oscilou, até recentemente, entre a

vocação atlântica e o perfil europeu. No entanto, esta região tem vindo a ganhar

crescente importância na definição da PEP, surgindo agora como uma das suas

prioridades. Região com a qual temos ainda reduzidas trocas comerciais e que

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17

representa uma economia florescente, esta desperta o interesse em impulsionar as

exportações para aquela região, bem como aprofundar as relações económicas.

A recente onda de protestos que ficou conhecida como Primavera Árabe

provocou profundas alterações político-sociais na região, gerando um clima de

instabilidade e mudança imprevisível. Por motivos de proximidade geográfica e

relevância geopolítica/estratégica, os países do Golfo estavam particularmente

interessados e envolvidos no desenrolar dos eventos na região do Médio Oriente.

O quadro de equilíbrio tenso define um panorama onde a eclosão de conflitos

internos entre Estados não é prática incomum, sendo que estes conflitos regionais

assumem facilmente contornos globais. Estes fatores originam, no Golfo, um papel

mais liderante, numa tentativa de gestão eficaz das tensões e conflitos de interesses

na região.

De uma maneira geral, os países do Golfo, à exceção do Bahrein, não têm sido

particularmente afetados pelos tumultos a nível interno. Arábia Saudita, Qatar, EAU,

Omã e Kuwait, a título preventivo na esfera doméstica, tomaram medidas de cariz

financeiro para desincentivar os levantamentos (nomeadamente aumento de salários,

distribuição de subsídios, etc.), acompanhadas de tímidas iniciativas de cariz político

(marcadamente simbólicas), para ir de encontro às reivindicações político-sociais da

população. Estas monarquias são amplamente legitimadas pelas populações, pelo que

as exigências não passavam pela sua deposição, mas sim uma abertura do sistema

político, que grosso modo não é alcançada através das medidas ocas que foram

avançadas (note-se que estas não introduzem alterações significativas, ou mesmo no

curto/médio prazo). Uma reforma política real ficou, desta forma, afastada da

generalidade dos países do Golfo.

No cômputo externo, estes países recorreram ao significativo e crescente

poderio económico para intervir, de forma oficial ou oficiosa e nos quadros multi e

bilaterais, para a contenção dos protestos nos países vizinhos, com o intuito de evitar o

contágio ou a radicalização dos sistemas políticos. O Bahrein sofreu, a seu pedido, uma

intervenção do Conselho de Cooperação do Golfo constituída, maioritariamente por

tropas sauditas e emirates, enquanto o Irão apoiava os protestantes.

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18

Os países do Golfo com maior capacidade económica/mais reconhecimento

diplomático internacional, nomeadamente o Qatar e a Arábia Saudita, protagonizaram

uma intervenção mais ativa/significativa, nomeadamente no apoio da Arábia Saudita à

intervenção ocidental na Líbia e voto para a expulsão da Síria da Liga Árabe; ajuda

monetária ao Omã; apoio Mubarak do Egito; uma reação mais contida na Líbia e na

Síria e aposta numa estratégia de fortalecimento das relações com países do Golfo

para privilegiar o equilíbrio regional (aliada à ligação natural);

Qatar: único país que não foi internamente afetado pela agitação da reforma,

procurou mediar governos e protestantes na Síria e no Iémen; papel principal

na expulsão da Síria da LA; ofereceu $500 milhões ao Egito; forneceu armas e

treino militar aos insurgentes líbios (sendo que a extensão da sua intervenção

neste país é ainda incerta); beneficia de um dos primeiros PIBs mundiais, bem

como de um enorme crédito diplomático (órgão de comunicação: Al Jazeera);

papel preponderante na cena regional devido também à estabilidade interna e

crédito mediático; na Líbia apoiou abertamente o lado rebelde

O papel preponderante do Golfo no Médio Oriente prende-se, não apenas com o

seu poder económico, mas também com a relevância geopolítica de que beneficia,

aliada a uma certa estabilidade político-social. A intervenção no Médio Oriente,

conhecida apenas até certo ponto, prende-se com fatores como a solidariedade entre

regimes monárquicos, defesa de interesses estratégicos, manutenção de alianças e

regimes de valor fulcral para a defesa interna e regional. Uma análise sobre a

interligação entre as duas regiões não deve descurar a indissociabilidade entre poder e

religião, ou mesmo o perigo da ameaça nuclear do Irão que daí advém (e que pode, em

última instância originar uma corrida ao armamento). A mudança que faz sentir no

Médio Oriente não afetou grandemente a ordem interna ou regional dos países do

Golfo, nem mesmo a sua dinâmica com o Médio Oriente, no entanto, o carácter

meramente simbólico das medidas políticas internas assemelha-se à eficácia de um

penso rápido numa ferida profunda: apazigua os protestos a curto prazo, mas até

quando evitará a eclosão de uma revolta de escala menos facilmente dominável e mais

global?

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19

_PRIMAVERAS ÁRABES_

Com o intuito de servir de base para a actualização do papel sobre as

Primaveras Árabes da DSMOM, foi também solicitada uma pesquisa referente às

mesmas, que analisasse as convulsões políticas e sociais no Norte de África, bem como

o processo de transição em curso. A estes parâmetros, foi também acrescentada uma

análise dos processos de reforma em Marrocos e na Argélia. Esta pesquisa foi realizada

em conjunto com a outra estagiária da DSMOM e tornou-se um excelente exercício de

análise quanto a este processo de convulsões tão recente e marcante na história

internacional. Por motivos de logística, os resultados da pesquisa serão remetidos para

anexo, no entanto torna-se pertinente realçar que, apesar da semelhança das

reivindicações, o movimento teve características muito próprias em cada um dos

países, sendo que, por sua vez, cada governo assumiu respostas diferentes

(especificidades essas que se encontram devidamente elencadas no resultado da

pesquisa). Esta pesquisa permitiu um conhecimento mais profundo sobre o despoletar

da “Primavera Árabe” e promoveu uma séria reflexão quanto ao impacto dos

protestos bem como possíveis consequências na região do Magrebe. Esta pesquisa

permitiu ainda perceber de que forma a onda de convulsões alastrou para o Golfo e a

resposta que receberam, por forma a controlar o seu impacto. Para a realização desta

pesquisa, à semelhança das restantes solicitadas no decorrer do estágio e mediante as

indicações específicas que nos cederam quanto às fontes a utilizar, recorremos

maioritariamente a Think Tanks, artigos científicos e notícias de jornais credíveis.

_SALAFISMO E PARTIDOS POLÍTICOS DA TUNÍSIA_

Esta pesquisa teve como objectivo servir de base para um papel da DSMOM, no

qual deveriam ficar esclarecidos as novas evoluções políticas a decorrer internamente.

Numa primeira parte, foi solicitado que a pesquisa esclarece as origens e ideologias do

salafismo, um movimento extremista que começava a desenvolver um papel

significativo na política interna tunisina, apesar de não ter representação partidária.

Adicionalmente, foi solicitada a recolha de notícias e a análise dos comentários do

Embaixador português na Tunísia por forma a compreender: as inclinações e

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comportamentos dos partidos existentes, bem como a reacção dos mesmos ao

salafismo.

Devido à extensão do produto final desta pesquisa, o mesmo será remetido

para anexo. Para a elaboração deste documento foi necessária a pesquisa de artigos

científicos e livros (que representaram um certo entrave devido à barreira linguística),

bem como a sua contraposição com notícias a serem actualizadas a um ritmo diário.

Foi um desafio bastante aliciante na medida em que consolidou seriamente os

conhecimentos até então adquiridos relativamente à política interna tunisina, bem

como aos movimentos extremistas. Foi também muito elucidativo compreender o grau

de apelo e de aceitação dos movimentos islâmicos extremistas, principalmente após

ter realizado a pesquisa referente às Primaveras Árabes, permitindo uma maior

compreensão da realidade local. Estas pesquisas foram-se complementando e

tornando, através dos exemplos práticos em estudo, mais inteligíveis as dinâmicas

político-sociais descritas no decorrer da componente lectiva do mestrado.

_NOVO POSICIONAMENTO REGIONAL DO QATAR_

Esta pesquisa teve por objectivo identificar as mudanças efectivas na política

externa do Qatar, bem como tentar perceber se existia acção por parte deste no

sentido de tornar o seu papel na região mais preponderante, analisando o equil íbrio de

poderes na região. Esta pesquisa foi elaborada em conjunto com a Clarissa Torres, a

outra estagiária da DSMOM, e permitiu-nos concluir que o Qatar se mantém fiel às

aspirações ao papel de interlocutor entre o mundo islâmico e o Ocidente e a sua

política externa mantém as linhas orientadores, por forma a assegurar a sobrevivência

do pequeno estado num ambiente potencialmente instável. Evidência dessa tentativa

de equilíbrio entre os dois mundos é o facto de o Qatar possuir no seu território a

maior base dos EUA na região, mas possui também células do Hamas e dos Talibãs.

Concluiu-se ainda que existiram ligeiras alterações na política externa, no sentido de se

tornar mais intervencionista, através de acções esclarecidas no documento abaixo.

Uma última conclusão bastante relevante é a da crescente importância da Al-Jazeera,

o canal qatari, numa demonstração de poder. Esta pesquisa foi ainda relevante para

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perceber, na prática, de que forma um estado pequeno pode manter-se fiel à sua

política externa, promovendo no entanto ligeiras mudanças, por forma a firmar-se

como actor regional de peso.

A ascensão do Qatar na cena regional resulta de uma evolução recente, que conjuga

estabilidade política interna, recursos financeiros, crédito mediático e sentido de

oportunidade diplomática.

Marcado por um passado de instabilidade nas relações diplomáticas com os

EUA (durante a década de 80) e a Arábia Saudita (com reflexos até recentemente), a

reconfiguração do papel do Qatar na geopolítica regional remonta à década de

noventa e ao golpe palaciano de 1995, que levou ao poder o atual Emir Hamad al -

Thani. Este é responsável pela reformulação da política externa do país, em conjunto

com uma de suas esposas, Sheikha Mozah; o príncipe (e filho de Sheikha Mozah)

Sheikh Tamim bin Hamad; e o Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros,

Sheikh Hamad bin Jasim Al-Thani.

Tal reformulação parece ter como ponto central a intenção, que por sinal ainda

se mantém, de converter o Qatar num interlocutor entre o Ocidente e o mundo

islâmico. Com o objetivo de se tornar mais independente da região – e da Arábia

Saudita em particular – o Qatar procurou estabelecer relações fora do Golfo,

consciente de que, como grande exportador de petróleo e gás natural, surge como um

aliado interessante aos olhos de muitos países ocidentais. A assinatura, em 1991, de

um Acordo de Cooperação na área da Defesa com os Estados Unidos marcou o início

de uma colaboração militar crescente entre o país do Golfo e o Ocidente. Após a

retirada de uma base militar localizada na Arábia Saudita, os Estados Unidos optaram

pela construção da maior base militar da região em território qatari 9. Posteriormente,

esta aliança com o Ocidente foi reforçada por meio do apoio qatari às operações da

NATO durante o conflito líbio que culminou com a queda de Muammar Qaddafi.

Da mesma forma, o Qatar também beneficia de boas relações com quase todos

os países islâmicos. Escritórios regionais dos Talibãs e do Hamas estão sediados no seu

território – assim como a Georgetown University e o British Royal United Services

Institute for Defence, demonstrando que o Qatar se tornou um território em que o 9 Base da Força Aérea Al Udeid As Sayyliyah.

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Ocidente “coexiste” com o mundo islâmico – e mantinha relações estreitas com o

Hizbullah, ao mesmo tempo que com Israel. Além disto, há indícios de que o país apoia

a ascensão da Irmandade Muçulmana no mundo árabe: não esconde seu favoritismo

pelo movimento islamita no Egito, Tunísia, Líbia e Síria. O pequeno país do Golfo

também procura obter maior relevância em assuntos religiosos, visto que tem

hospedado, no seu território, uma série de clérigos de outros países10.

A Al-Jazeera, fundada pelo governo em 1996, tem-se demonstrado uma

ferramenta de grande importância à hora de impulsionar os objetivos da política

externa do Qatar. Tenciona representar a comunidade islâmica, promovendo a

imagem de um Qatar islâmico que pode estar em contraste com suas credenciais pró-

ocidentais. No entanto, com o surgimento das Primaveras Árabes, a Al-Jazeera

dedicou-se à cobertura ao vivo dos eventos na Tunísia, Líbia e Egito, o que deixava

transparecer o apoio do Emir às revoluções árabes e à nova geração de líderes –

provavelmente à espera de que a posição do Qatar enquanto líder regional fosse

fortalecida, já que os cidadãos qataris não gozam do poder que a emissora promove

para tunisinos, líbios, egípcios e sírios. Essa postura acarretou uma série de acusações,

por parte dos regimes em queda, de que a Al-Jazeera não seria neutra11. A partir

destas revoluções, o Qatar busca posicionar-se à frente do processo de transformação

da região, por exemplo ao apoiar a oposição ao Coronel Muammar Qaddafi na Líbia. A

exceção a este padrão de encorajamento às revoltas deu-se no caso do Bahrein, cujos

protestos receberam pouca atenção da emissora árabe, colocando em evidência a

cumplicidade do Qatar para com a minoria sunita no governo do Bahrein.

Foi a partir deste momento que ocorreu uma mudança importante na política

externa qatari, com o envio de seis jatos Mirage para participar nas operações aéreas

10

Alguns defendem ideais extremistas, tal como Yusuf Qaradawi - hospedado em território qatari desde

a década de sessenta – segundo o qual os poderes ocidentais tencionam travar guerra com muçulmanos. 11

“Accusations by falling regimes that Al-Jazeera wasn’t neutral are true. The widespread joke capturing this reports a conversation in hell between Egypt’s three former presidents, Nasser, Sadat and Mubarak.

When they ask each other how they were felled, Nasser replies ‘by poison’; Sadat says ‘by assassination’; and Mubarak’s answer is ‘by Al -Jazeera’”. Hroub, Khaled. “How Al -Jazeera’s Arab spring advanced Qatar’s foreign policies”. Europe’s World. Autumn 2011.

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da NATO na Líbia12. A política externa do Qatar - que antes poderia ser considerada

ativista, mas militarmente pouco ameaçadora - a partir deste momento passa a ser

ativamente intervencionista. Seguindo esta mesma lógica, além de ter apoiado a

expulsão da Síria da Liga Árabe, o emirado foi acusado de enviar armas aos grupos de

oposição sírios. Sendo a Síria um importante aliado do Irão na região, os esforços

qataris pela queda de Bashar al-Assad podem ser vistos como uma tentativa de isolar o

governo iraniano. A influência do Qatar tem-se manifestado também através de

investimentos ou empréstimos volumosos – 500MUSD ao novo governo do Egito e os

400MUSD anunciados para Gaza são dois exemplos conhecidos – este último aliás,

com impacto necessariamente negativo no PPMO (reforço do Hamas e inevitável

enfraquecimento e isolamento da Autoridade Palestiniana).

Pode afirmar-se que as razões por trás da sua política externa se encontram na

própria necessidade de sobrevivência do Qatar, ou seja, em certa medida, as

motivações que a determinam são de segurança, de interesses económicos e

aspirações políticas. Afinal, trata-se de um país pequeno – apesar de muito rico –

localizado numa região potencialmente hostil. “’You only have to look at Qatar’s

location on the map to see that it is in a rather heavy neighborhood’ says Jane

Kinninmont, a Gulf expert at the Chatham House think tank. ‘There is a feeling that it

needs a lot of allies’”13. O Qatar tem aprendido a ser pragmático, ao cultivar boas

relações com o Ocidente e com o mundo árabe. Mesmo ao assumir uma postura

intervencionista – e, de certa forma, com a sua ajuda, em particular no caso da Líbia –

mantém boas relações com o Ocidente, porém procurando simultaneamente aliados

na sua própria região. Contudo, a sua nova postura afigura-se, em certa medida,

arriscada, podendo suscitar o crescimento da oposição ao Qatar na região. De acordo

com a NOREF14 (Norwegian Peacebuilding Resource Centre), a principal ameaça ao

emirado na região não é o xiita Irão, mas sim a Arábia Saudita, que nunca teria

12

“The central reason for this dramatic break in Qatar’s traditional foreign policy lies not within the halls of power in Qatar but rather with the particulars of the Libyan situation itself. (…) Qatar must have the support and permission of the international community, as it did in the case of Libya”. Roberts, David. “Behind Qatar’s Intervention in Libya: Why Was Doha Such a Strong Supporter of the Rebels?” Foreign

Affairs. September, 2011. 13

Beaumont, Peter. “How Qatar is taking on the world”. The Observer, Saturday 7 July 2012. 14

Haykel, Bernard. “Qatar’s Foreign Policy”. NOREF – Policy Brief. February 2013.

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aceitado que o Qatar, igualmente um Estado Wahhabita, fosse totalmente

independente, ao contrário do reino do Bahrein, mais dependente da sua proteção.

O Qatar, à semelhança da Arábia Saudita, tenta manter o status quo na

vizinhança imediata. O cerne da rivalidade regional entre estes dois atores reside nas

estratégias fundamentalmente diferentes que ambos adotaram para assegurar a auto-

preservação. A estratégia do Qatar coloca-o, por vezes, em desacordo com a Arábia

Saudita, assumindo um carácter inovador e recorrendo à execução de uma sofisticada

ação diplomática (principalmente soft diplomacy), com o intuito de se posicionar como

foco/eixo, na escala global, através do desenvolvimento de um significativo sector

desportivo, bem como a criação de museus de classe mundial e mecenato. No âmbito

da defesa, é parte integral da sua estratégia o apoio da Irmandade Muçulmana e das

revoltas populares na região, estratégia essa delineada com o intuito de o firmar na

comunidade internacional, mas também de lhe garantir melhores hipóteses de auxílio

internacional, se necessário, futuramente.

Deverá também ser considerado o grau de incerteza quanto à confiabilidade na

posição dos EUA face ao Qatar, fator este que entra também na equação da definição

das linhas orientadoras de política externa. Se, por um lado, a política económica e

desportiva se perceciona orientada para o futuro, tendo em consideração a oposição

conservadora internamente, colocando o pequeno Estado do Golfo numa categoria

própria, por outro, o desafio que representa para a Arábia Saudita pode, em última

instância, representar um desafio para si mesmo. A queda dos regimes seculares

autocráticos no Médio Oriente e no Norte de África anunciava o ressurgimento dos

partidos islamitas, dando origem ao reacender da rivalidade entre os sunitas de ambas

as potências. Ambos os poderes procuraram influenciar as transformações políticas em

curso, nos seus próprios termos, ambos com o intuito de levar avante os seus

interesses geopolíticos e evitar levantamentos das suas próprias populações. As

tensões entre estes dois atores são históricas, sendo definidas por uma desconfiança

mútua, apesar de existir um interesse comum na manutenção da estabilidade do Golfo

Pérsico. Estas tensões começaram a dissipar-se com a reaproximação gerado em 2007,

porém os laços cordiais do Qatar com o Irão continua a representar um obstáculo ao

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relacionamento com a Arábia Saudita e a Primavera Árabe reacendeu as tensões15. Ao

apostarem em polos opostos, tanto na Tunísia como no Egito, a Arábia Saudita e o

Qatar acabaram por se tornar, de certa forma, rivais no mundo árabe em transição.

O Financial Times16 esclarece que, num mundo com escassez de capital, o Qatar

emprega o seu músculo financeiro em edifícios de referência, clubes futebolísticos,

bancos globais, marcas famosas, empresas, imobiliário e arte, beneficiando da sua

posição de 3º maior detentor de reservas naturais de gás. O Qatar recorre a esta

estratégia intervencionista conduzido pela necessidade de diversificação da economia

doméstica, bem como pela pretensão de se estabelecer como poder regional. O artigo

acrescenta ainda que o Qatar, com um cariz pragmático, procura estabelecer fortes

pontos de apoio políticos e comerciais, onde encontre potências emergentes. Esta

política de investimento em grande escala é, em última análise, a procura de alianças

globais que funcionam como uma apólice de seguro. Os consideráveis investimentos

na Europa garantem-lhe aliados europeus, nomeadamente Inglaterra e França, que

confiam neste em tempos de crise no Médio Oriente. No entanto, no Médio Oriente,

esta estratégia granjeou-lhe tantos admiradores como detratores.

Os investimentos do Qatar podem ser categorizados por área e objetivo, sendo

que destacamos: política e armas (apoiando revoltas populares no mundo árabe, bem

como governos islamitas de transição); média e desporto (alargando o soft power e

ganhando influência); bens imobiliários (edifícios icónicos, com notória inclinação para

Londres e Paris); indústria e sector bancário (ao nível europeu, asiático e latino-

americano).

O relatório da EU esclarece que, apesar do papel do Qatar em África ter

evoluído de um mediador imparcial para um de participação militar em campanha na

Líbia, este ator continuará a desempenhar, no futuro, um papel de influência limitada,

visto os seus interesses na região não se sobreporem ao de preservação de boas

relações com os países ocidentais. No entanto, na qualidade de potência regional

emergente, com uma considerável capacidade financeira e habilidade diplomática, os

seus objetivos, bem como a sua ação, não deverão ser automaticamente categorizadas

15

O posicionamento oposto na questão da Irmandade Muçulmana tornou-se particularmente um foco de tensão. 16

Financial Times de 19.03.2013.

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como inofensivos, pelo que quaisquer aspirações político-económicas podem provocar

uma alteração menos previsível na sua definição de política externa “amigável” .

_CRONOLOGIA DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE PORTUGAL E OS PAÍSES MOM_

Esta pesquisa teve em vista completar um documento já existente na DSMOM,

por forma a garantir a existência de um único ficheiro no qual constasse a cronologia

detalhada das relações diplomáticas entre Portugal e os países do Magrebe e Médio

Oriente. Desta lista deveriam constar também os nomes dos embaixadores nomeados

para os diversos postos. A realização desta tarefa passou maioritariamente por

consultar o arquivo físico do Protocolo do MNE, para colmatar algumas informações

em falta no documento DSMOM (nomeadamente nomes e/ou datas). Dado que o

documento não é da minha autoria e demasiado extenso, optei por não o incluir no

Relatório de Estágio, porém alguns dos dados desta pesquisa serão utilizados no

último capítulo.

_Outro trabalho de apoio_

Neste âmbito, realizei maioritariamente duas tarefas: actualização do follow-up

dos compromissos políticos, económicos e culturais assumidos na III Cimeira luso-

argelina e na XI Cimeira luso-marroquina, bem como o ponto de situação da política

interna co Kuwait.

No que concerne a primeira tarefa, consistiu basicamente em actualizar e

organizar num só documento todos os follow-ups que iam chegando à DSMOM de

outros organismos do MNE ou mesmo de outros ministérios. Esta tarefa de carácter

marcadamente administrativo não apresentou qualquer tipo de dificuldade

metodológico e decorreu nas últimas semanas do estágio. Por conter informação que

não pode ser divulgada, o resultado não constará deste relatório de estágio.

A segunda tarefa serviu de base para os contributos da pasta do périplo do

Ministro dos Negócios Estrangeiros aos países do Golfo, em Dezembro de 2012. Neste

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sentido, coube-me a tarefa de actualizar o papel já existente na DSMOM. O produto

deste trabalho segue abaixo, sendo que foi posteriormente alvo de modificações.

_PONTO DE SITUAÇÃO POLÍTICA INTERNA DO KUWAIT_

A situação política no Kuwait pauta-se pela relação conturbada entre o

Parlamento, dissolvido pela última vez este 20 de junho, e o Governo/família reinante,

num país com uma sociedade civil particularmente desenvolvida e ativa, coexistindo

com um sistema político no qual o Emir, e a família reinante dos al-Sabah, detêm um

conjunto de privilégios/ prerrogativas que limitam os poderes do Parlamento eleito.

De salientar é também o facto de 2/3 da população residente no país não terem

nacionalidade kuwaitiana, pelo que são excluídos da vida política (esta, juntamente

com a questão do sufrágio são das questões mais debatidas, resultando em sucessivos

protestos). O sistema político permite uma relativa liberdade, numa sociedade

conservadora, no entanto, e apesar do importante grau de participação popular e da

influência parlamentar, o sistema kuwaitino continua restrito em diferentes e variados

níveis. O aspeto monolítico e estatista da economia do Kuwait é o principal fator que

concede ao Estado o controlo derradeiro e influência sobre a sociedade73.

Últimos desenvolvimentos: Numa decisão inédita, o tribunal constitucional do Kuwait

declarou este 20 de Junho o Parlamento saído das eleições de Fevereiro

inconstitucional, e restaurou a anterior legislatura, mais liberal e apoiante do governo,

invocando que o decreto do Emir que marcou as eleições foi emitido após a demissão

do governo74. A tensão nos fóruns políticos do país tinha crescido após as eleições de

2 Fevereiro terem rompido o anterior equilíbrio no parlamento entre deputados

apoiantes e opositores do governo, com os islamitas a reivindicarem a maioria dos

lugares.

Algumas centenas de manifestantes saíram à rua em protesto contra a decisão do

tribunal, alegadamente reclamando também uma revisão da lei que permita a

formação de partidos políticos, e a substituição do PM Sheikh Jaber Al Sabah. Em

outubro, o Emir, de forma unilateral e à boca das eleições, altera por decreto a lei

eleitoral, reduzindo de 4 para 1 o número de votos por cada eleitor (com o intuito de

limitar a possibilidade de uma coligação da oposição). Esta decisão resultou numa

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onda de protestos e manifestações no decorrer dos meses de novembro e dezembro.

A crise política escalou com a detenção de uma proeminente figura da oposição

política, Mussallam al-Barrak, por criticar publicamente o Emir, num ato inédito da

oposição. Esta detenção gerou nova onda de manifestações e uma espiral crescente de

tensões políticas que culmina no apelo da oposição ao boicote das eleições.

As eleições foram vencidas por candidatos pró-Governo (com a taxa de

comparecimento às urnas mais baixa de sempre no Kuwait-40%), devido ao boicote da

oposição, e o Sheik Jaber al-Mubarak al-Sabah foi renomeado PM pelo Emir. Os dias

após as eleições dão conta de demonstrações de apoiantes da oposição em vários

pontos do país, exigindo a dissolução da Assembleia Nacional recém-eleita e rejeitando

a validade destas eleições.

O processo político. Torna-se relevante salientar que a conflitualidade espelha a

natureza semidemocrática da monarquia constitucional do Kuwait visível,

nomeadamente, no facto do Emir ter o poder de nomear o PM e o governo. Esta

resulta também de uma crescente assertividade do parlamento, principalmente desde

fevereiro de 2012, com o crescimento significativo da representatividade dos islamitas

no Parlamento. Esta luta pelo poder75 começa já a ter reflexos negativos no campo

financeiro, prejudicando o investimento externo e a cotação das agências de rating.

Apesar deste poder ser limitado pela ação de um parlamento, o mais antigo e mais

poderoso do Golfo Pérsico, e que resulta de eleições diretas, que pode contornar o

poder de veto do Emir ou adotar legislação contra a vontade do governo, o facto do

governo não dispor de uma base parlamentar de apoio e de ser constituído antes de

mais por deputados aparentemente independentes – partidos políticos são proibidos –

obriga a uma negociação permanente entre o governo e o parlamento.

De referir ainda a natureza evolutiva da prática política que, desde as eleições de 2009,

conheceu um desenvolvimento importante, uma vez que o Emir passou a aceitar a

possibilidade de interpelação do PM pelo Parlamento – anteriormente limitada aos

Ministros – e enfrentar moções de censura.

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_Capítulo III: Países MOM e a Política Externa Portuguesa_______________________

“(…) Portugal sempre foi um país exógeno, isto é, necessitando de um apoio

exterior à sua definição política e constitucional, para enfrentar a hierarquia das

potências em cada data, e viabilizar o conceito estratégico nacional. O facto de ter

conseguido esta viabilidade de séculos, superando acidentes graves do percurso, teve

apoio na sua excelência da sua diplomacia, talvez comparável à do Vaticano, esta a

mais notável mo exercídio do poder dos que não têm poder (…)”17.

Portugal, um país pequeno, com uma posição geográfica que delimitou, desde

logo, a sua acção diplomática e as suas relações internacionais, é visto como um

exemplo de capacidade de utilização de meios diplomáticos, pois apenas desta forma

se pode justificar a longa independência de um estado tão pequeno.

Ao iniciar o meu percurso académico no campo das relações internacionais,

desde cedo reparei num certo padrão no que concerne as ligações externas de

Portugal. Como nos explicam os historiadores, e com base no seminário de Política

Externa Portuguesa do primeiro ano do mestrado em Ciência Política, bem como dos

livros do Professor Severiano Teixeira e de António Telo, a Política Externa Portuguesa

apresenta dois eixos principais: o transatlântico e o europeu. As grandes linhas de

evolução da PEP foram desde sempre condicionadas pela sua localização geográfica (é

uma pequena potência atlântica e simultaneamente europeia) e pela limitação

geopolítica, possuindo apenas uma fronteira terrestre.

Desta situação geográfica e geopolítica decorrem então linhas constantes de

longa duração, que irão condicionar a PEP. Condicionantes como a ameaça de uma

invasão espanhola marcaram, desde logo, a tendência de fuga para o Atlântico e que,

historicamente, acabariam por originar um dos maiores impérios coloniais alguma vez

vistos. Ao longo da evolução histórica mundial, bem como nacional, é possível verificar

que a política externa de Portugal procurava estabelecer-se mais no eixo atlântico, ou

mais no eixo europeu, consoante o período histórico e as necessidades do país à

17

MOREIRA, Adriano (2007) A Diplomacia Portuguesa in Negócios Estrangeiros , publicação semestral número 10 do Insti tuto Diplomático, Feverei ro 2007

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época. No entanto, e por mais que vasculhemos nos meandros históricos da PEP, não

existe uma ligação marcadamente forte com a região do Médio Oriente e Magrebe.

Quando surge esta região nas ambições políticas externas do nosso país? Uma

pesquisa pela biblioteca do Instituto Diplomático ou mesmo no Instituto de Defesa

Nacional facilmente nos comprovam que a maioria da literatura existente sobre os

países MOM, começa a ser publicada posteriormente a 2001, maioritariamente

subjugada ao tema do islamismo, ou de prevenção de conflitos, pelo carácter de

instabilidade que abala esta região. No entanto, Eva Maria von Kemnitz esclarece-nos

que ainda nos séculos XVIII e XIX se verificou um “(…) período marcante da actividade

de Portugal com o Magrebe.” 18

Não se localizando geograficamente Portugal na bacia do mediterrâneo, nem

havendo um significativo interesse mútuo em termos históricos, é no entanto

perceptível que o interesse de Portugal nesta área tem vindo a aumentar. Repete-se

então a questão colocada por Fernanda Faria: a política externa portuguesa para o

Mediterrâneo é uma estratégia consolidada, ou um interesse temporário?

Apesar de possuirmos características climáticas comuns e de partilharmos a

herança árabe-muçulmana, bem como vestígios da presença portuguesa no Magrebe,

são díspares as situações políticas. Esta região, apesar da enorme p otencialidade

económica que representa, sofre também com uma considerável instabilidade política.

Historicamente, importa salientar que as iniciativas portuguesas nos

Descobrimentos realizaram-se no Mediterrâneo e a administração internacional de

Tânger esteve, até 1956, a encargo dos portugueses.

Com a adesão às Comunidades Europeias, em 1986, existe um despertar para

as potencialidades da região, enquadrado nas políticas europeias, no entanto o

mercado magrebino não representava um peso significativo.

No entanto, e apesar da relevância estratégica do norte de África para a

Europa, nomeadamente em termos de defesa, apenas no ano de 2002 surge num

programa governamental português uma referência ao Magrebe. Esta marca então o

18

KEMNITZ, Eva Maria von (2010) Protugal e o Magrebe (séculos XVIII/XIX), Colecção Diplomática do MNE – Série D, Junho de 2010

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arranque da diplomacia económica para o Magrebe, com o intuito de diversificar os

recursos energéticos. Portugal dispõe de instrumentos e mecanismos da União

Europeia e esta aproximação ao Mediterrâneo interessa à PEP nomeadamente devido

ao alargamento a Leste: o Mediterrâneo surge como elemento de equilíbrio entre os

países do norte e do sul da Europa.

Neste sentido, tanto no âmbito multilateral, como no bilateral, temos vindo a

assistir a uma aproximação portuguesa a esta região. No cômputo multilateral, através

da EU, assinalam-se o Processo de Barcelona (1995), a União para o Mediterrâneo

(2007) e a Política Europeia de Vizinhança (2003). De assinalar são também as

iniciativas como o Diálogo 5+5, o Diálogo Mediterrânico da NATO (1995) e a

Cooperação de Istambul (2004).

A dimensão bilateral tem vindo a desenvolver-se a um ritmo mais lento do que

o multilateral, no entanto são assinaláveis as numerosas iniciativas de assinatura de

instrumentos bilaterais (conforme analisado na secção dedicada aos acordos),

Cimeiras bilaterais, visitas oficiais e périplos que têm vindo a ganhar relevância na

definição da nossa política externa.

É ainda prematuro falar de uma política consolidada para o Mediterrâneo

considerando que esta é uma prioridade recente na política externa portuguesa, no

entanto devemos encarar esta região como uma possibilidade de diversificação das

fontes de recursos energéticos e ter em mente que a Argélia, Marrocos e a Tunísia

representa, alguns dos principais mercados de exportação.

Apesar da instabilidade política e social da região MOM, Portugal pode ser

visionado como um exemplo recente de transição suave para a democracia, e tem

contribuído de forma significativa para as formações no âmbito militar e policial desta

região.

Inicialmente, e de forma bastante ambiciosa, tinha-me proposto analisar

diversos indicadores, no sentido de comprovar que existe, factualmente uma

aproximação portuguesa aos países do Magrebe e Médio Oriente, no entanto, como

uma parte considerável dessas informações não pode ser divulgada (nomeadamente

no que concerne os instrumentos bilaterais em processo de negociação), limitei -me a

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32

analisar o número de visitas oficiais a estes países19. O período analisado estende-se

apenas até 2008, por motivos de limitações de tempo para a pesquisa e assume-se o

ano de 2002 como divisor por ser o ano em que surgiu a primeira menção aos países

MOM num programa governamental português.

Figura2. Visitas oficiais aos países MOM

País Visitas Oficiais anteriores

a 2002

Visitas Oficiais posteriores

a 2002 e até 2008

Arábia Saudita 3 7

Argélia 3 14

Palestina 2 2

Bahrein 0 1

Egipto 9 3

Emirados Árabes Unidos 0 2

Iémen 0 1

Irão 2 0

Iraque 0 2

Israel 0 6

Jordânia 0 6

Kuwait 0 1

Líbano 0 8

19

Informações recolhidas no Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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33

Líbia 0 3

Mauritânia 0 3

Omã 1 1

Qatar 0 0

Síria 0 3

Tunísia 26 19

Fonte: pesquisa nos serviços do Protocolo do MNE

Como podemos concluir pela tabela, é possível perceber que se verificou um

aumento das visitas oficias portuguesas aos países do Magrebe e Médio Oriente.

Considero que seria enriquecedor, numa outra oportunidade de

pesquisa/investigação, dar seguimento a esta análise, alargando os critérios de

pesquisa.

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34

_Considerações Finais______________________________________________

A realização deste estágio no Ministério dos Negócios Estrangeiros foi uma

experiência profundamente enriquecedora, em todos os prismas: académico,

profissional e mesmo pessoal. A oportunidade de complementar a formação

académica obtida até então com uma experiência mais real em termos de trabalho no

campo das Relações Internacionais é incontornável (com especial enfoque no que

concerne os trâmites processuais inerentes às negociações bilaterais, bem como à

análise objectiva de política interna e externa de um país).

Com este relatório, propôs-se analisar as tarefas desenvolvidas a uma nova luz:

embrenhada no desempenho das tarefas e preocupada com o cumprimento dos

prazos, nem sempre tive oportunidade de reflectir e analisar o grau de conhecimento

que estava a adquirir. Este relatório possibilitou-me então essa reflexão e a capacidade

de compreender de que forma fui, paulatinamente, os conhecimentos adquiridos nas

vertentes curriculares da licenciatura e do mestrado.

Numa última parte do relatório tive a oportunidade, ainda que de forma

superficial, de comprovar que, apesar de Portugal não ter ainda aquilo a que se pode

chamar de uma política definida para a região do Magrebe e Médio Oriente, temse

evidenciado uma aproximação paulatina a esta mesma região. Esta aproximação,

traduzida no crescente número de visitas oficiais e de negociação de instrumentos

bilaterais, demonstra que os eixos tradicionais da política externa portuguesa podem

ter uma alternativa, e a meu ver, a PEP está a variar nesse sentido, explorando novas

opções.

Conforme mencionado anteriormente neste relatório e especificamente em

relação a algumas tarefas desenvolvidas, este estágio permitiu a articulação dos

conhecimentos teóricos com as competências metodológicas no campo das Relações

Internacionais. Forneceu ferramentas para uma maior autonomia na pesquisa e na

análise de informações no que toca à realidade nacional e internacional de um país,

bem como a capacidade de analisar com maior discernimentos algumas mudanças que

começam/poderão eventualmente começar a surgir nessa mesma realidade. Esta

oportunidade permitiu-me também aprofundar os meus conhecimentos nas questões

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internacionais da região do Médio Oriente e Magrebe, que eram até então algo

superficiais. É-me neste momento mais inteligível e facilmente compreensível a

realidade, limitações e alterações políticas nesta região, bem como a existência e grau

de apelo de movimentos extremistas. Com os ensinamentos dos colaboradores do

MNE tornou-se também mais facilmente possível a análise da política internacional,

nomeadamente das prioridades da política externa portuguesa.

Considero que este estágio complementou, sem falhas, a o conhecimento

teórico que me foi sendo transmitido ao longo da formação académica e que o

acompanhamento que me foi dado foi também exímio.

Através de indicações claras e do apoio constante dos colaboradores da

DSMOM no desenvolvimento das tarefas de pesquisa, bem como as de cariz mais

administrativo, foi-me possível criar uma maior autonomia e segurança na utilização

das ferramentas adquiridas.

As conclusões mais específicas decorrentes da realização de cada tarefa foram

sendo expostas ao longo da análise das mesmas, ou remetidas para anexo, como

produto final do meu trabalho. No que concerne a componente de cariz mais teórico,

o último capítulo deste relatório, gostaria de ter tipo mais tempo para desenvolver

esta resenha história, bem como contrapô-la com dados empíricos (nomeadamente

estatísticas referentes a instrumentos bilaterais, visitas oficiais, notícias publicadas,

etc), no entanto, considero que esta seria uma tarefa bastante interessante a

desempenhar por um outro estagiário da DSMOM.

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_Bibliografia____________________________________________________________

Obras e Artigos Consultados

BRITO, Nuno Filipe (2005) Política Externa Portuguesa. O Futuro do Passado.

Relalações Internacionais 5,

FARIA, Fernanda (1996) The mediterranean: a new priority in portuguese foreign

policy, Mediterranean Foreign Politics;

FERREIRA, José Medeiros (2006) Cinco Regimes na Política Internacional. Lisboa,

Editorial Presença;

FREIRE, Maria Raquel e Brito (2004) Política Externa Portuguesa. Estudos sobre a

Política Externa Portuguesa após 2000 in Relações Internacionais 28;

GAMA, Jaime (1985) Política Externa Portuguesa 1983-1985, Biblioteca Diplomática

Série C, Ministério dos Negócios Estrangeiros;

KEMNITZ, Eva Maria von (2010) Portugal e o Magrebe (séculos XVIII/XIX), Colecção

Diplomática do MNE – Série D, Ministério dos Negócios Estrangeiros;

MOREIRA, Adriano (2007) A Diplomacia Portuguesa in Negócios Estrangeiros,

publicação semestral número 10 do Instituto Diplomático, Fevereiro 2007;

TEIXEIRA, Nuno Severiano (2004) Entre a África e a Europa: a política externa

portuguesa, 1890-2000 in António Costa Pinto (coord.), Portugal Contemporâneo,

Lisboa, Dom Quixote;

TEIXEIRA, Nuno Severiano (2010) Breve ensaio sobre a política externa portuguesa in

Relações Internacionais 28;

TELO, António José, (2008) História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Editorial

Presença.

Fontes Electrónicas

http://www.arqnet.pt/exercito/secretaria.html

Page 37: Introdução1©.pdf · 1 _Introdução1_____ Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção

37

http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-dos-negocios-estrangeiros/quero-

saber-mais/sobre-o-ministerio/estrutura-organica/dgpe.aspx

Decretos e Despachos

Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro

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_Anexos________________________________________________________________

ANEXO 1: Exemplos de tabelas criadas para a actualização e organização dos instrumentos bilateais

ANEXO 2: Pesquisa subordinada ao tema “Primaveras Árabes”

ANEXO 3: Pesquisa sobre o Salafismo e os Partidos Tunisinos

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_Anexo 1: Tabelas de Instrumentos Bilaterais_

Acordos DSMOM

Nome do País

I – Acordos assinados a aguardar cumprimento de procedimentos de direito interno

II – Acordos em negociação

Título do instrumento Últimos desenvolvimentos Comentários

III – Acordos em vigor

Iniciativas não Formalizadas

Título do instrumento Comentários

Título do instrumento Últimos desenvolvimentos Comentários

Título do instrumento

Assinatura

Aprovação/

Publicação/

Ratificação

Entrada em

vigor

(Portugal)

Aviso de

Entrada

Em vigor

Reservas/Objeções/Comentários

Acordo Quadro de

Cooperação e

Respectivo Protocolo

Adicional

Nouakchott

19.12.1998

Decreto nº

33/99,

publicado em

DR nº 198, 1ª

série-A, de

25.08.1999

31.08.2000 Nº 185/2000

(21.10.2000)

Nº 208/2000

(21.10.2000)

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Convénios assinados e que deixaram de produzir efeitos

Título do instrumento Comentários

Iniciativas Abandonadas

Título do instrumento Comentários

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-Anexo 2: As Primaveras Árabes_

As “Primaveras Árabes”

No decorrer de 2010/2011, eclodiu uma série de movimentos de contestação na região do

Magrebe – com implicações também no Médio Oriente – cujas reivindicações centrais pareciam ser a

implementação de reformas políticas, económicas e sociais. Alguns dos gatilhos das revoltas, além do

desemprego e do subemprego, foram a insatisfação com o regime vigente, a repressão policial, a

corrupção, a pobreza, a inflação, bem como a exclusão social e política.

A rebelião, chamada de ‘Primavera Árabe’, começou com um protesto na Tunísia – a

autoimolação de um vendedor de frutas – que foi seguido por grandes revoltas populares que

culminaram com a queda de Ben Ali, cujo governo se prolongava por dezenas de anos. De Túnis -

saltando por Trípoli - as revoltas chegaram ao Cairo causando igualmente, com a ajuda das forças

armadas, a queda de Hosni Mubarak, no poder também havia mais de trinta anos. Do Cairo, os

protestos voltam para a Líbia de Muammar Gaddhafi 20

, onde deram origem desde o início a uma

confrontação armada, e posterior intervenção de forças aéreas ocidentais sob comando da NATO.

Deve haver, no entanto, c erta cautela à hora de sobrestimar a importância das reivindicações

por maiores níveis de democracia. Em primeiro lugar, as mudanças a que estas reivindicações deram

início ainda se encontram em curso. Em segundo lugar, a vitória dos partidos islamitas que se seguiu à

queda dos regimes autoritários suscitou diversas preocupações, tais como o papel da religião na

organização do Estado, a proteção aos direitos humanos, a posição quanto à separação de poderes,

entre outros aspetos fundamentais na construção de sociedades democráticas. Integrar os princípios

religiosos numa ordem verdadeiramente democrática é, em conjunto com as dificuldades económicas,

as tensões sociais e a situação de segurança, um dos maiores desafios que se coloca a estas sociedades

para as próximas décadas.

Apesar da semelhança no conteúdo das reivindicações, as revoluções nestes três países

refletiam dinâmicas económicas e sociais divergentes e, como resultado, encontrarão no seu caminho

desafios igualmente diferentes.

Tunísia. Durante o governo de Ben Ali a Tunísia passou a gozar do melhor sistema educacional do

mundo árabe, tal como passou a ter a maior classe média e o movimento trabalhista mais forte. As

instituições eram relativamente saudáveis, apesar dos altos níveis de corrupção. No entanto, o governo

era também responsável pela violenta restrição à l iberdade de expressão e aos partidos políticos.

A autoimolação do jovem vendedor de frutas tunisino, que tinha nível superior completo,

surgiu como protesto contra a repressão policial e o desemprego. Durante os protestos que se

seguiram, as Forças Armadas tiveram um papel menos significativo. Apesar de terem apoiado as

rebeliões, os militares não participaram de maneira significativa da administração do periodo de

20

Não sem antes passar pelo Iémen e pelo Bahrein, com consequências diferentes, mas sobre as quais não se entrará em detalhes neste momento.

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transição. Havia a noção amplamente difundida de que este era o país com maiores probabilidades de

sucesso na transição democrática.

O assassinato de Chokri Belaid, o coordena dor da coligação, a 06.02.2013, despoletou uma

nova crise política no país, com o Ennahda a negar qualquer envolvimento no caso em resposta às

acusações da Frente Popular. Este incidente levou a que a coligação, conjuntamente com o Partido

Republicano secular e o Call of Tunisia, anunciaram, em consequência, a sua retirada da Assembleia

Nacional e convocaram uma greve geral.

__Ponto de Situação______________________________________________________

O assassinato político de Chokri Belaid, um proeminente pol ítico da oposição, em fevereiro de

2013 lança o país numa nova onda de protestos e instabilidade política que resultam na demissão do

primeiro-ministro, Hamadi Jebali, ao ver a sua proposta de formação de um governo de tecnocratas

negada pelo próprio parti do. O Presidente, Moncef Marzouki, aponta o Ministro do Interior, Ali

Larayedh, como sucessor, concedendo-lhe duas semanas para formar um novo governo. A proposta de

formação de governo foi apresentada na passada 6ª feira e aguarda agora aprovação. As expectativas de

Larayedh pretendiam uma coligação de ampla base política, porém a grande maioria dos partidos

convidados abandonou as conversações, pelo que apenas o Ennahda, o CPR e a Ettakatol

desempenharam um papel ativo na definição do novo gabinete e programa (mantendo o cenário da

coligação já existente antes da emergência desta crise política).

Egito. O governo do Hosni Mubarak passou a ser crecentemente associado à capacidade cada vez

menor de fornecer serviços básicos e à sua aparente indiferença ao desemprego e à pobreza. Já pelo

lado positivo, o Egito era relativamente tolerante à imprensa, de acordo com os padrões regionais, e

tem uma cultura de fortes laços comunitários e de confiança.

Com a eclosão das rebeliões, nota-se um fator de grande importância: a aberta intervenção do

exército, que é amplamente respeitado pela população em geral, nos protestos. Com a queda de

Mubarak, o exército assumiu o controlo do país. Quando as eleições resultaram num Parlamento

dominado pela Irmandade Muçulmana e por Salafistas, os partidos seculares imediatamente declararam

a não-representatividade da instituição, apesar das eleições terem sido consideradas limpas, entrando

assim o processo de transição numa nova crise.

Líbia. A sociedade líbia, sob o governo de Muammar Gaddhafi por cerca de quatro décadas, estava

fraturada. Apesar da riqueza obtida por meio da exploração do petróleo, havia uma escassez

artificialmente induzida em produtos e serviços, o que levou à corrupção generalizada e a altíssimos

níveis de desconfiança no governo. A lealdade dos l íbios passou a ser, portanto, para com a tribo e a

família. A segurança, assim como a disponibilização de bens e serviços, era responsabilidade das redes

de parentesco. As instutuições nacionais, incluindo as Forças Armadas, estavam divididas de acordo com

desavenças entre famílias e regiões. A Líbia não tem um sistema de alianças políticas ou organizações

nacionais de qualquer tipo.

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Com o início dos protestos, o país caiu em guerra civil, e o que se vê desde então é o o caminho

em direção à falência estatal. A Líbia encontra-se tripartida desde a queda de Kadafi e a situação está

fora de controlo, sendo que o poder central não tem força, as indústrias petroleiras têm milícias

próprias e a segurança torna-se um grave problema.

Marrocos. Às demonstrações em massa de fevereiro de 2011, o rei Mohammed VI respondeu com

emendas à Constituição e realização de eleições, porém, a promessa de reforma mais abrangente ficou

por cumprir, sendo que o país continua a assistir ao aprofundamento dos seus problemas económicos.

A monarquia encontra-se sob pressão, apesar das políticas reformistas que tem vindo a adotar

(qualquer reforma que não seja radical, não transparece como suficiente) e verifica -se a existência de

movimentos “primos” da Irmandade Muçulmana.

Argélia. Na memória dos argelinos encontram-se bem frescos os acontecimentos da Guerra Civil na

década de 90, o que assume um papel de sombra no que concerne aos perigos da contestação. Porém,

isto não significa que essa situação não se altere num futuro próximo. O governo é forte e a Irmandade

Muçulmana teve pouco sucesso nas eleições, no entanto a parte do Sahel encontra -se fora de controlo,

existindo um domínio por parte de um movimento semelhante à Al -Qaeda.

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_Anexo 3: Salafismo e os Partidos Políticos da Tunísia_

O salafismo, que anteriormente ao 11/09 não tinha atraído muita atenção, é uma corrente

sunita que tem vindo a tornar-se um tópico de debate e pesquisa cada vez mais em voga. É um conceito

que geralmente se associa a uma abordagem literalista, rígida e puritana do Islão, podendo definir -se

como uma escola de pensamento que emergiu na segunda metade do séc. XIX, em reação ao

alastramento das ideias europeias.

Quando o salafismo se alargou à Europa, nos anos 90, atraiu alguma atenção académica, mas a

pesquisa sobre este tópico focava principalmente aspetos regionais ou num espectro mais generalizado,

relacionado com a radicalização. No que concerne este fenómeno emergente, torna -se relevante

perceber o grau de atratividade que este possui, bem como a sua relação com a política e a violência. O

Salafismo é um movimento de difícil definição devido ao grau de ambiguidade e fragmentação que o

caraterizam, mas podemos apresentá-lo como heterogéneo que, recentemente, adquiriu tendências

variadas e mesmo contraditórias, surgidas em diferentes regiões. A expressão Salafismo deriva do termo

antepassados crentes/cumpridores (al-salaf al-salih), as primeiras três gerações de muçulmanos, que

experienciaram em primeira mão a ascensão do Islão e são vistos como exemplares na forma correta de

viver para os muçulmanos. Considera-se que o “período dourado” se restringe às gerações iniciais de

muçulmanos, ou mesmo ao período dos 4 Califados “rightly guided” (632 -661). O Salafismo afirma-se

como um meio para o regresso à pureza primitiva do Islão, através do estudo das fontes primárias

deste: o Corão e o hadith (corpo de leis, lendas e histórias da vida de Maomé), sendo uma corrente

seriamente baseada nas escrituras e literalista. O objetivo é o de que os muçulmanos se comportem

exatamente como os devotos antec essores e o seu apelo resulta da clareza e pureza que representa.

Figuras como Ahmad ibn Hanbal e Taqi al -Din ibn Taymiyya contribuíram fortemente para a formação

do salafismo como doutrina. Existem, no entanto, tensões várias dentro do próprio movimento, que

resultam da contradição entre interpretá-la como uma doutrina rigorosa de completa submissão a deus

e às exigências que isso representa para os crentes, para se manter devoto na sua cr ença. Este é, em

parte, um problema político, pois levanta dilemas como o caráter do movimento: é ativista ou quietista?

Pode ser apenas uma das duas, ou existem outras alternativas?

As tensões no salafismo surgiram com a crescente importância da Arábia Saudita que,

tornando-se um estado petrolífero poderoso, arrancou o movimento do seu nicho sectário, excluído,

regional e marginalizado, atirando-o para um mundo moderno, através de pensadores mais sofisticados,

ideológica e culturalmente diversos, de forma a poder confrontar a nova realidade. Estes teóricos

acrescentaram à equação as suas próprias doutrinas, interesses e questões, originando um salafismo

multifacetado, que se reflete na diversidade de orientações, variando entre correntes quietistas e

apolíticas, movimentos politicamente ativos e redes jihadistas violentas. Estas correntes, apesar de

terem origens no salafismo e de partilharem as doutrinas e os termos básicos deste, geram a sua própria

genealogia, bem como uma interpretação própria do movimento, baseada em circunstâncias locais

específicas e nos desenvolvimentos globais. Um outro fator que contribui para o aumento de tensão é o

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elemento mais ativista na relação entre a comunidade de crentes e não crentes, para a qual o

Wahhabismo contribuiu com um fortalecimento da atitude xenófoba.

Os salafistas despendem uma considerável quantidade de tempo e energia em disputas

doutrinais, sendo que o formato organizacional da rede informal é atreita a separações. Esta tendência

é acentuada pela média, pela internet e pelas manifestações de modernização (como a crescente

individualização).

Apesar destas divergências doutrinais, a “clareza salafista” é uma razão vital para a atratividade

do movimento, sendo que este se pode caracterizar pela repressão da mulher e por um controlo social

agudo.

Da sua posição como moralmente superiores, decorre uma suposta legitimidade para contestar

o poder hegemónico dos seu oponentes e, a sua ênfase na pureza doutrinal e não na política, empossa

os indivíduos, ao fornecer um modelo alternativo universal de verdade e ação social. Devido à sua

qualidade universal e ao seu carácter desterritorializado e desculturalizado, tornou-se um importante

modelo de identificação, eminentemente adequado para a criação de novas comunidades virtuais.

Porém, o verdadeiro poder da capacidade mobilizadora do salafismo reside na sua capacidade de,

moralmente, suplantar o seu oponente, transmitindo um sentido de superioridade que se subdivide em

6 dimensões: não é explicitamente revolucionário, o s eu empossamento deriva da sua proclamação de

superioridade intelectual de conhecimento religioso, fornece aos crentes uma identidade forte, permite

aos seus seguidores identificarem-se mais facilmente com a umma mais abrangente, empossa o

seguidor ao incentivá-lo a participar ativamente na missão salafista, é ativista enquanto

(principalmente) quietista, tem a vantagem tremenda da ambiguidade e da flexibilidade.

É um fenómeno rec ente e é o seu carácter absoluto que atrai, uma vez que os seus seguidores

se tornam modelos ativos. O “produto” tem sucesso pois convence os seus “compradores” no mercado

religioso de que estão a comprar o verdadeiro Islão. Os salafistas distinguem-se da restante sociedade

pelos seus rituais e vestimentas especiais o que, conjuntamente com a obrigatoriedade das 5 orações

diárias, fornece uma perceção de separação/independência.

A l igação do salafismo com a política é um dos aspetos mais intrigantes e duvidosos/instáveis

do movimento, constituindo o seu dilema central e contribuindo simultaneamente para o seu

enfraquecimento ou fortalecimento. O problema central do salafismo moderno reside em perceber

como agir de forma não política num mundo político, em que o islamismo é um movimento de massas e

o mundo ocidental o perceciona com suspeição e associação ao terrorismo. Neste sentido, a dimensão

política do salafismo pode adotar três formas: quietista e discreta (com aconselhamento dos

governantes nos bastidores), encoberto (professa o quietismo, porém atua politicamente, enquanto

condena a intervenção política) e abertamente ativista (exigindo reforma política). Transcendendo a

política, o seu ativismo político toma a forma de violência e extremismo. O salafismo fornece certos

conceitos e práticas que podem ser considerados ferramentas políticas, permitindo uma interferência

ativa na esfera pública, podendo oscilar entre minimalista/quietista e política maximalista/ramo

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violento, movendo-se numa escala deslizante. Na prática, embora a crença deva ser protegida em

detrimento da terra, tem sido difícil para os salafistas ignorarem completamente a política, sendo que

esta ligação tem sido agravada pela relação com a violência.

Ironicamente, o salafismo-jihadista, geralmente percecionado como a sua forma mais

retrógrada, é a sua manifestação mais moderna. Esta tendência nasceu nos anos 80, no Afeganistão, por

ocasião da guerra contra a ocupação soviética e adota uma estratégia revolucionária violenta com o

objetivo de substituir os Estados nos países muçulmanos por um Estado Islâmico, através da força. A

principal diferença entre este tipo de salafismo e a corrente dominante está amplamente relacionada

com a separação da realidade e evitar o cenário político, sendo que o primeiro se concentra na análise

da realidade política, desenvolvendo estratégias e práticas para a alterar. À semelhança de qualquer

identidade moderna, pode ser adotada e alterada, é transnacional e promove o conceito de mudar o

mundo pela ação. No caso particular do salafismo-jihadista, as circunstâncias que explicam o seu apelo

exigem um determinado tempo e espaço. Contudo, considerando o elevado controlo do debate público

no mundo árabe, pode considerar-se que esta corrente salafista tem contribuído para um certo

pluralismo, que é raro nesta região.

Em suma, o salafismo não é um movimento unificado, sendo que podem ser identificadas

diversas genealogias de correntes diferentes do salafismo, cada qual com a sua trajetória histórica

diferente e combinação de redes locais e transnacionais. Quanto mais global se torna o movimento , mas

diverso, contraditório, ambivalente e fragmentado se afigura nas variações locais. Nem os estados, nem

mesmo as escolas salafistas conseguem controlar o fluxo do movimento, no entanto, evidencia -se que

aos pontos fortes do salafismo se opõem as suas limitações: rigidez, fragmentação e dissolução política.

Estando a ser reduzido a uma caixa de ferramentas, será recorrentemente assaltado por outros

assuntos.

Mesmo no seio da comunidade muçulmana, o Salafismo tem sido alvo de duras críticas,

principalmente por negligenciarem uma interpretação do Corão, bem como o contexto da escrita do

mesmo, ou o espírito dos textos.

Apesar dos recentes desenvolvimentos e do uso da violência por parte de alguns salafistas em

diferentes regiões do globo, alguns autores es tabelecem que não deverá haver motivo para alarme

quanto a esta corrente como sucessora da Al -Qaeda, visto que não é uma tendência unificada e os seus

seguidores pertence a um leque muito abrangente de movimentos, com consideráveis cisões internas,

bem como orientações e visões díspares no que concerne a intervenção política. As subculturas

salafistas, de uma forma geral, não possuem o tipo de organização disciplinada que caracteriza a

Irmandade Muçulmana, pelo que têm alguma dificuldade em agir de forma planeada e organizada. De

facto, a fragmentação e a luta constante entre os grupos islâmicos em permanente competição podem

evitar uma votação em massa, o que acaba por ser uma vantagem para os grupos liberais e seculares. O

movimento desempenha já um papel crucial na paisagem pública emergente e a batalha referente aos

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símbolos islâmicos irá, muito provavelmente, continuar a ser uma característica proeminente da política

no mundo árabe em anos vindouros.

_Salafismo no caso tunisino________________________________________________

O governo cogitou a hipótese de legalizar o movimento como partido, com o intuito de lhe

incutir um maior sentido de responsabilização pública e, com isso, moderar as suas ações, porém

desconhecem-se desenvolvimentos neste sentido. Os salafistas na Tunísia refletem as características e

limitações do movimento noutras regiões, apresentando uma coleção variada de indivíduos

religiosamente de direita, cujas identidades e motivações não são facilmente identificáveis. Até janeiro

de 2011, os salafistas na Tunísia pareciam virtualmente invisíveis e quase integralmente apolíticos sendo

que, após a revolução estes surgiram, aos olhos dos tunisinos com inclinações seculares, como sinónimo

do partido Ennahda.

Já no ano de 2012, o estilo de roupa conservadora e os protestos com orientação religiosa

tornaram-se mais habituais e, apesar da opinião de vários opositores seculares de que os dois

movimentos são intercambiáveis, a imprensa tunisina começa já a descrever os salafistas como ultra -

conservadores, de natureza violenta, cujas simpatias se localizam à direita do partido Ennahda. Torna -se

visível que o termo “salafista” se tornou aplicável à generalidade dos protestantes com barba, tornando -

se um generalismo fácil e um conceito facilmente manipulável. O salafismo na Tunísia alberga um leque

de movimentos sociais religiosos conservadores, do qual podemos distinguir duas correntes: Salafiyya

‘Almiyya (Salafismo escrituralista ou “científico”) e Salafiya Jihaddiyya (Salafismo Jihadista), sendo que

os segundos classificam o primeiro como demasiado fracos para promover mudança no sistema. Ambas

as correntes refletem as características dos grupos correspondentes noutras regiões. Um pequeno

grupo de salafistas escrituralistas, conduzido por indivíduos da ala direita do movimento predecessor do

Ennahda (Islamic Tendency Movement), na década de 80, enveredou por um caminho mais político.

Desses indivíduos, destaca-se Mohamed Khouja, l íder do moderadamente salafista Jibhat al -Islah

(Reform Front), que tinha ligações com os dirigentes do Ennahda, que acabaria por se juntar, no exílio, à

jihad anti-soviética no Afeganistão. A visão jihadista considera que o sistema político da Tunísia se

encontra corrompido pela herança do regime autocrático de Bem Ali. Um considerável número de

salafistas, provavelmente a maioria, não votou nas eleições de setembro/2011 e, os que votaram,

fizeram-no tendencialmente a favor do Ennahda, com a esperança de que a sharia fosse instituída como

base da lei. O fracasso desta expectativa tem vindo a originar demonstrações de descontentamento

através da violência. O apoio à corrente jihadista tem vindo a crescer desde o ano de 2000, provocado

pelo aumento do número de detenções, que por sua vez provocou sentimentos de marginalização e

descontentamento de alguns jovens, levando a uma radicalização dos mesmos.

Os salfistas analisam-se como atores profundamente marginalizados no palco político do

mundo árabe, correspondendo maioritariamente à classe média -baixa ou mesmo pobre, de faixas

etárias jovens, enquadrando-se no grupo socioeconómico que deu início às agitações contra o regime,

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em prol dos seus direitos económicos e sociais. De uma maneira geral, os dois grupos têm pouco

contacto entre si.

Desde o inverno de 2012, erupções violentas têm vindo a ocorrer, numa escala menor do que a

do ataque à Embaixada dos EUA, por todo o país, nomeadamente em lojas de bebidas alcoólicas,

teoricamente em sinal de protesto pelos elementos “anti -islâmicos”, no entanto, por vezes esses

ataques são injustificadamente atribuídos a salafistas.

Recentemente foi divulgado um vídeo, no qual Rached Ghannouchi, l íder do Ennahda, se

encontrou com entidades salafistas , num indício de cooperação entre as duas correntes, que deu

origem a um considerável escândalo. Desconhece-se até que ponto este encontro serviu para enviar

uma ordem de recuo aos salafistas, porém as ligações entre estas duas entidades são bastante obscuras.

Atualmente, a violência e extremismo destes grupos locais de jihadistas colocam em perigo os

interesses políticos dos l íderes islâmicos da Tunísia e conquistaram também território dentro da

oposição síria. Embora os salafistas não representem, na Tunísia, uma parte significativa da população,

acabam por ter um papel significativo na definição das agendas políticas, por variadas razões,

originando a ação ou inação do governo, o que, por sua vez, se encontra na base de duras críticas à ação

deste.

Tunísia

Partidos

Os partidos políticos eram, de uma maneira geral, irrelevantes até ao início da Primaver a Árabe, sendo

que eram ilegais no regime de Bem Ali, nesta democracia jovem, são tidos em baixa consideração.

Percecionados como corruptos, e clubes de defesa de interesses próprios construídos em volta de um

único líder, encontram-se significativamente desligados da vida do cidadão comum. Durante o regime

de Ben Ali, o “partido no poder” estava, grosso modo, fundido com as estruturas do Estado,

perturbando frequentemente os partidos da oposição (os poucos que eram tolerados), que por sua vez

não tinham hipótese de obtenção de poder político significativo. O panorama vivido até muito

recentemente originou esta visão de inutilidade e corrupção dos partidos políticos, dificultando -lhes

atualmente a sua estabilização como entidade responsável e credível. Após a queda do regime e a

dissolução do RCD – partido governante), surgiram dezenas de novos partidos, entre eles partidos

anteriormente banidos e novos, que foram sendo legalizados nos meses seguintes. Aproximadamente

100 partidos competiram nas primeiras eleições livres na Tunísia, a 23.10.2011. O comparecimento de

cerca de 90% dos eleitores às urnas dá conta da ânsia de liberdades sociais e políticas por parte da

população. A elevada fragmentação dos votos resultou na atribuição de 31% dos mesmos a listas qu e

permaneciam sem representação na Assembleia Constituinte. O partido da Ennahdha, com 40% dos

votos, emergiu como força mais pujante, formou um governo de coligação com os partidos de centro -

esquerdo Ettakatol e CPR. Em 2012 várias divisões e fusões entre partidos de esquerda-liberal refletiram

o esforço para aumentar o atração do campo liberal, com o intuito de melhorar o desempenho nas

eleições de 2013.

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A oposição liberal, com pouco tempo para se preparar para as eleições de 2013, encontra -se

fragmentada e mal preparada para aprender com os erros estratégicos.

Em maio de 2012, o Al Islah foi o primeiro partido islamita salafista a ser legalizado, porém, Hizb-

ut-Tahrir, a principal organização salafista, continua banida. Quanto à oposição liberal, a coliga ção da

Ennahdha com os dois maiores partidos l iberais deitou por terra as perspetivas de uma frente coligada

contra o domínio islamita ainda antes das próximas eleições. A mesa da Assembleia Nacional

Constituinte propôs a data de 27.10.2013 para as eleições legislativas e presidenciais, data esta que

ainda terá que ser aprovada numa sessão plenária.

As Primaveras Árabes estabeleceram os partidos islamitas como força política dominante na

região sendo, no entanto, que esta ascensão não representa, necessaria mente, um sinal de ideologia

baseada na fé em massa, representa sim a falta de credibilidade de alternativas liberais eficientes. Na

Tunísia, o futuro dos partidos políticos irá depender do papel e poder que lhe forem atribuídos, nas

constituições que serão escritas no decorrer deste ano. Um dos presentes de despedida dos ditadores é

a total desconfiança na classe política, o que origina, para os novos e para os reavivados partidos

políticos, o desafio de reinventar a política árabe.

_Partidos_______________________________________________________________

No período anterior às Primaveras Árabes, a Tunísia era um estado de partido dominante, o

RCD. Após a revolução, este partido foi dissolvido, sendo os quadros proibidos de se apresentarem

como candidatos nas eleições, e foi autorizada a constituição de novos partidos. Mediante esta

alteração do cenário político, foram constituídos mais de 70 partidos.

_Legalizados antes da revolução tunisina_

Fórum Democrático para o Trabalho e Liberdades (FDTL/Ettakatol) – é um partido social

democrata, fundado em 09.04.1994 e oficialmente reconhecido a 25.10.2002. Fundado pelo seu atual

secretário-geral, o radiologista Mustapha Bem Jafar, desempenhou um papel secundário durante o

regime de Ben Ali. Embora pudesse participar nas eleições, não podiam conseguir lugares no

parlamento tunisino, sendo que Jafar tentou candidatar-se às presidenciais de 2009 e foi impedido de

participar na corrida eleitoral. Após a revolução e antes das eleições, tornou -se o principal

representante da ala secular centro-esquerda e, a 17.01.2011, o representante do partido foi nomeado

Ministro da Saúde para o governo interino, mas acabou por recusar. Nas eleições para a Assembleia

Constituinte, a 23.10.2011, elegendo 20 dos 217 deputados, ocupou o lu gar de 4ª força. O FDTL chegou

a acordo com os dois maiores patidos, Ennahda e CPR, formando a coligação que se encontra no

governo, dividindo entre si as três posições de maior relevo. Jafar ocupou o cargo de Presidente da

Assembleia, apoiando a eleição de Marzouki (CPR) como PR e Jebabil (Ennahda) para PM. O FDTL é um

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membro observador da Socialista Internacional e do Partido Socialista Europeu sendo que, desde 2007,

tem vindo a publicar semanalmente, em árabe, um semanário com o nome Mouatinoun (Cidadãos).

Movimento Ettajdid, ou simplesmente Ettajdid, é um partido do centro-esquerda secular,

dirigido pelo Primeiro Secretário, Ahmed Ibrahim, evoluiu do antigo Partido Comunista Tunisino em

1993. Nesse ano, o partido adotou um novo nome, abandonou o comunismo e adotou um programa

económico-social, sendo legalizado ainda no decorrer desse ano. Nas eleições de 1994, conseguiu eleger

4 deputados, vendo esse número aumentar para 5, em 1999. Esses números decresceram para 3 e 2, em

2004 e 2009, respetivamente, o que o transformou no menor partido dos 7 repr esentados no

parlamento. Após os protestos de janeiro de 2011, conseguiu o cargo de Ministro da Eduação Superior

para Ahmed Ibrahim e, nas eleições para a Assembleia Constituinte, formou uma aliança fortemente

secularista, o PDM, do qual é o pilar. O Ettaj did publica o at-Tariq al-Jadid (Novo Caminho).

Partido Verde para o Progresso

Movimento dos Social-Democrat as é um partido da oposição. Foi o 2º maior partido na Câmara

de Deputados, nas eleições de 2009. Em 1999 tornou-se o maior partido da oposição, assegurando 13

lugares no parlamento. Onze anos depois, o l íder do partido, Mohamed al Mouadda, foi acusado da

formação de um pacto com o ilegal Ennahda e, nas eleições parlamentares de 2004, conseguiu 4.16%

dos votos, bem como 14 deputados. Este número subiria para 16 nas eleições de 2009 e apenas 2 nas de

2011.

Partido da União do Povo é, também, um partido socialista de oposição na Tunísia. Em 1999

tinha 7 membros no parlamento, sendo que, com 3.6% dos votos, esse número subiu para 11 nas

legislativas de 2004, e 12 nas de 2009.

Partido Social Liberal (PSL) é um partido liberal da oposição, sendo membro da Liberal

Internacional e da Rede Liberal Africana. Fundado em 1988, com o nome de Partido Social para o

Progresso, alterou-o em 1993, com o intuito de refletir a sua ideologia liberal. Nas eleições de 1999,

elegeu, pela primeira vez, 2 deputados, mantendo-os em 2004. Em 2005, um dos seus fundadores,

Mongi Khamassi , abandonou o partido para formar o Partido Verde para o Progresso. Apesar disto, o

PSL conquistou 8 lugares em 2009, tornando-o o 5º maior partido. A para das reformas liberais nos

campos social e político, o PSL advoga também a liberalização económica, incluindo a privatização de

empresas nacionalizadas.

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União Democrática dos Sindicalistas - partido da oposição, professa uma ideologia pan-arábe e

detém 9 lugares na Câmara de Deputados, o que faz dele o 4º maior partido. Nas eleições de 1999

conseguiu 7 lugares, renovando-os em 2004 e aumentando-os para 9 nas eleições de 2009.

_Lagalizados após as revoluções_

Movimento Ba'ath (PBT) a primeira corrente Ba’ath tunisina estabeleceu-se em 1995 e,

posteriormente, sob o Partido Ba’ath unificado. Banid durante o regime de Ben Ali, estabeleceu -se no

seu primeiro Congresso, 3-5 de junho de 2011 e registou-se legalmente a 22.01.2011. No entanto,

manteve-se ativa desde 1950, embora não oficialmente.

Congresso para a República (Al Mottamar/CPR) é um partido secular de centro-esquerda,

criado em 25.07.2001 (por 31 pessoas, entre as quais Moncef Marzouki), mas legalizado apenasa após

as revoluções em 2011. Desde dezembro de 2011 é liderado por Abderraouf Ayadi. O partido declarou

que o seu objetivo era instalar uma forma de governo republicana, com liberdade de discurso, de

associação e com eleições verdadeiramente livres e honestas. Nesta declaração, pediam também uma

nova Constituição, a separação rígida das diferentes formas de governo, garantias de respeito pelos

direitos humanos, igualdade entre géneros e um tribunal constitucional para proteção dos direitos

individuais e coletivos. O CPR também sugeriu uma renegociação dos compromissos com a EU, para

apoiar o direito à auto-determinação dos direitos nacionais, nomeadamente no caso palestiniano. Em

2002, o partido foi banido pelo regime e o seu líder, Moncef Marzouki, exilou-se em Paris, porém o

partido continuou com a sua existência até 2011, dirigido a partir de França. Durante os protestos

tunisinos, Marzouki anunciou o seu regress o, que acabaria por ocorrer em janeiro de 2011, bem como a

candidatura às próximas eleições. O símbolo do partido são uns óculos vermelhos, em alusão aos óculos

característicos que o l íder utiliza. Os jovens apoiantes do partido são conhecidos por usarem estes

mesmos óculos, numa demonstração do seu apoio por Marzouki.

Nas eleições para a Assembleia Constituente, com 8,7% dos votos, conseguiram 29 dos 217 lugares,

tornando-se o 2º partido mais forte. Formou uma coligação com o Ennahda e o Ettakatol e conseguiu

eleger Marzouki como Presidente a 12.12.2011. Em maio de 2012, membros descontentes do partido

abandonaram-no para formar o Congresso Democrático Independente, l iderado por Abdel Raouf Ayadi

(antigo secretário-geral do CPR), a quem se juntaram 12 membros da Assembleia Constituinte.

Partido da Pátria, ou Al Watan, é um partido de centro, legalizado em março de 2011. Fundado

por Mahamed Jegham, antigo Ministro do Comércio e do Turismo, Ahmed Friaa, antigo ministro do

interior e 10 outros l íderes. Jegham e Friaa descendem das fileiras do antigo partido do regime porém,

em junho, Friaa anunciou a sua demissão do partido,

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Partido Liberal Magrebino (PLM) legalizado a 22.03.2011, é um partido de centro-direita,

liberal e social. Fundado por Mohamed Bouebdelli , o director da Universidade Livre de Tunis.

Movimento Ennahda (Renaissance Party ou Ennahda) é um partido islamista moderado,

conseguiu autorização para a sua formação a 01.03.2011. Desde então, tem-se tornado o maior e

melhor organizado partido da Tunísia, suplantando os seus rivais mais seculares. A 23.10.2011, nas

primeiras eleições honestas do país, o partido arrecadou 51,1% dos votos, elegendo 89 dos deputados

(correspondente a 40% da assembleia).

Sucedendo um grupo conhecido como Ação Islâmica, o partido foi fundado sob o nome de

Movimento da Tendência Islâmica, em 1981 e, em 1989, alterou-o para Ḥarakat an-Nahḍah.

O partido tem sido descrito como um dos vários movimentos em Estados muçulmanos que cresceu

a par da revolução iraniana, tendo sido originalmente inspirado pela Irmandade Muçulmana egípcia. O

grupo apoio a tomada da Embaixada americana em Teerão e, em 1984, a sua influência era tal que, nas

palavras de um jornalista britânico na Tunísia, era a força de oposição mais ameaçadora. O grupo foi

também responsável pelo bombardeamento de alguns hotéis de turistas nos anos 80.

A partir dessa década, o partido começou a ser descrito como islamista moderado, quando começou a

advogar a democracia e a proclamar uma forma tunisina de islamismo, que reconhecesse o pluralismo

político, bem como o diálogo com o Ocidente.

Os críticos acusam Ghannouchi, um dos principais l íderes, de ter tido um passado de violência

porém, nos tribunais, apenas foi acusado de ter organizado um partido político não autorizado.

Nas eleições de 1989, o partido boi proibido de participar, contudo, alguns dos seus membros

candidataram-se como independentes e receberam entre 10 a 17% dos votos, de acordo com os

números oficiais do regime de Ben Ali. Dois anos mais tarde, Ben Ali voltou-se contra o Ennahda,

prendendo 25000 dos seus ativistas, ao que os militantes responderam com ataques às sedes do RCD. O

jornal Al-Fajr, do Ennahda, foi banido na Tunísia e o seu editor, Hamadi Jebali, foi condenado a 16 anos

de prisão por filiação numa organização não autorizada.

Crê-se que a estação televisiva árabe El Zeitouna tenha ligações com o Ennahda. O partido foi

duramente reprimido nos finais da década de 80 e inícios da de 90, estando quase completamente

ausente da Tunísia entre 1992 e o período revolucionário.

Numa entrevista em janeiro de 2011, Ghannouchi confirmou que estava contra o con ceito de

um Califado Islâmico e apoiava a democracia e, dois meses depois, o partido foi legalizado. Os l íderes do

partido têm vindo a ser descritos como altamente sensíveis aos medos entre os tunisinos e o Ocidente

em relação a movimentos islâmicos, medos esses que o partido tenta frequentemente despistar,

afirmando-se como islâmicos e não islamita, evidenciando o exemplo turco como modelo que

pretendem seguir.

O partido protagonizou uma campanha eleitoral dispendiosa, procurando atingir o maior

número de regiões e pessoas possível, nomeadamente da classe mais baixa, motivo pelo qual foi

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acusado de receber consideráveis contributos financeiros externos, nomeadamente dos Estados árabes

do Golfo.

Para muitos analistas políticos, a vitória do Ennahda é um resultado natural do esforço de

campanha, bem como o reconhecimento de Ghannouchi como uma das principais vozes da resistência

contra o regime, mas principalmente por ter conseguido efetivamente conceber uma mensagem política

de abolição do secularismo imposto durante décadas aos tunisinos (agradando de forma semelhante a

pessoas religiosas e críticos anti -regime).

O partido é geralmente descrito como socialmente centrista, com um moderado apoio ao

liberalismo económico contudo, alguns liberais acusam-nos de terem um discurso que não corresponde

aos objetivos que efetivamente tentarão alcançar, sendo que o Ennahda é mais moderado em áreas

urbanizadas, onde as crenças seculares e socialmente liberais predominam. O partido tem vindo a ser

duramente criticado pela não melhoria das condições de vida na Tunísia, bem como pela reação

demasiado branda para com as demonstrações violenta do movimento salafista, que resulta numa

relutância em tomar medidas mais drástixas.

Partido Trabalhist a Patriótico e Democrático

Partido Republicano é um partido liberal, de centro, formado em 09.04.2012, em consequência

da fusão entre o PDP (Partido Democrático Progressista), Afek Tounes e o Partido Republicano Tunisino,

bem como outros partidos menores e vários independentes. Liderado por Maya Jribi, anteriormente

secretário-geral do PDP, detém 11 dos 217 lugares da assembleia e representa o maior partido da

oposição. Após o congresso de fundação, 9 dos membros da assembleia, eleitos pelo PDP, contestaram

o voto de liderança e suspenderam temporariamente a sua filiação no partido.

Partido Pirata Tunisino é um pequeno partido, formado em 2010 e legalizado em 12.03.2012,

tornando-se um dos primeiros crescimentos do movimento Partido Pirata na África continental. O

partido adquiriu visibilidade durante a revolução tunisina e Slim Amamou foi momentaneamente

responsável por um Ministério (o primeiro político de um partido pirata a conseguir tal), porém

renunciou em sinal de protesto contra as medidas repressivas do governo interino.

Partido dos Trabalhadores Tunisinos (PCOT) é um partido Marxista-Leninista, cujo secretário-

geral é Hamma Hammami. Fundado em 03.01.1986, como ala jovem da União Comunista (UJCT),

encontrava-se banido até à revolução. De acordo com dados da Amnistia Internacional, em 1998, 5

estudantes foram acusados de filiação ao PCOT e condenados a sentenças de 4 anos de prisão, após

protestos estudantis.

Após o seu envolvimento nos levantamentos contra Ben Ali, o PCOT teve a sua primeira conferência

como partido legal em julho de 2011, contando com 2000 participantes.

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Nas eleições para a Assembleia Constituinte, os candidatos pela formação eleitoral do PCOT

concorreram com o nome “Alternativa Revolucionária” e alcançaram 3 dos 217 lugares, em Sfax,

Kairouan e Siliana. Este resultado deixou os l íderes do partido significativamente descontentes, pela

inexpressividade da importância real do partido, o que posteriormente se traduziu em declarações de

descontentamento face ao uso de doações políticas em campanha eleitoral.

Em julho de 2012, o PCOT decide finalmente remover a palavra “comunista” do seu nome, com

o intuito de evitar associações estereotipadas. O partido faz também parte da Conferência Internacional

de Partidos e Organizações Marxistas -Leninistas.

_Ilegais ou sem licença_

Hizb ut-Tahrir (Liberation Party) é uma organização política internacional sunita e pan-Islâmica,

comummente reconhecida pelo desejo de união dos países muçulmanos num Estado Islâmico ou

Califado governado pela lei islâmica, com líder eleito pelos muçulmanos.

A organização foi fundada em 1953, em Jerusalém, por Taqiuddin al-Nabhani, um académico

islâmico oriundo da Palestina. O Hizb ut-Tahrir encontra-se já em 40 países e alberga, presumivelmente,

um milhão de membros, sendo bastante ativo no mundo ocidental (particularmente no Reino Unido) e

em variados países Árabes e da Ásia Central, apesar de banido por numerosos governos.

O grupo acredita que o restabelecimento de um Califado promoveria uma maior estabilidade e

segurança nas regiões muçulmanas, não apenas para os Muçulmanos, como também para os não -

crentes. O partido promove um programa detalhado para a instituição de um califado que instituir a

Sharia como base da Lei, sendo também fortemente anti -sionista e considera Israel uma “entidade

ilegal” a ser desmantelada. O partido opõe-se às liberdades individuais e promove o derrubamento das

democracias e ditaduras, sob argumento de serem anti -islâmicas.

Nos países em que se encontra ativo, ainda nenhum candidato se candidatou pelo partido, nem a

entidade tentou estabelecer-se como partido político, à exceção da Jordânia em 1950 (onde viria

posteriormente a ser banido) e do Quirguistão.

De acordo com alguns analistas, nas regiões onde o grupo se encontra banido, o movimento

procura avançar com o seu progresso político em três fases: conversão de novos membros,

estabelecimento de uma rede de células secretas e, por último, tentativa de infiltramento no governo,

de forma a legalizar o partido e os seus objetivos.

O Hizb ut-Tahrir rejeita a democracia, sob o argumento de que esta assume o direito à soberania

de cada pessoa, não pressupondo uma subjugação à Sharia. Em relação aos não-crentes, estabelece que

estes não podem candidatar-se a postos de direção, nem votar para estes, considerando-os cidadãos de

classe inferior.

_Partidos Antigos_

Neo Destour – tornou-se PSD em 1964.

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Partido Socialist a Destourian (PSD) – tornou-se RCD em 1988.

Partido Comunista Tunisino – deu origem ao Ettajdid Movement.

Partido Democrático Progressivo (PDP) fundiu-se no Partido Republicano

Afek Tounes fundiu-se no Partido Republicano

_Alianças Políticas_

Pólo Democrático Modernista (PDM) é uma coligação política, criada para as eleições da

Assembleia Constituinte. O Pólo é constituído por 4 partidos (Ettajdid, Partido Socialista de Esquerda,

Centrist Way e Partido Republicano) e 5 iniciativas civis (Iniciativa dos Cidadãos, Liga dos Independentes

do Pólo, Chega de Divisões, queremos avançar! E Apelo para um Pólo Democrático, Social e Cultural),

sendo o maior destes o Ettajdid no entanto, esta tentativa de coligação multipartidária pré-eleições não

teve sucesso. O bloco foi fundado em maio de 2011, com Riadh Ben Fadl e Mustapha Ben Ahmed como

instigadores da iniciativa.

Ahmed Ibrahim é o l íder do bloco, sendo que conseguiram alcançar 5 dos 217 lugares disponíveis.

Propõe a separação entre religião e política e enfatiza a igualdade entre géneros, apresentando

metade da lista com candidatas. Também defende a abolição da pena de morte e maior igualdade na lei

referente às heranças. Quanto à Constituição, propõe um presidente eleito por períodos de 5 anos, num

máximo de dois mandatos. Para a Assembleia Constituinte defende que as l eis e decisões sejam

baseadas no voto maioritário, exceto para emendas constitucionais, que deverão requerer 2/3 dos

votos.

Frente Popular

A Frente Popular, ou Frente Popular para a realização dos objetivos da revolução, é uma aliança eleitoral

esquerdista, constituída por 12 partidos políticos e numerosos independentes.

A coligação foi formada em outubro de 2012, juntando 12 partidos maioritariamente esquerdis tas,

incluindo o Movimento Democrático Patriótico, o Partido dos Trabalhadores Tunisinos, Tunísia Verde,

Movimento dos Democratas Socialistas (que já abandonaram), Ba’ath e outros partidos progressistas.

Aproximadamente 15000 pessoas compareceram ao primei ro encontra da coligação, em Tunis.

Em 2011, testemunhando do domínio da cena política por parte do Ennahda e dos seus aliados,

o antigo PM Beiji Caid el Sebsi decide regressar à vida política e forma um novo partido: o Call of Tunisia,

composto maioritariamente por tunisinos seculares, incluindo centristas e aqueles cujos ideais se

encontram mais próximos da ala direita, bem como antigos apoiantes do RCD. Doze partidos centristas

decidiram então formar a Frente Popular, com o intuito de consolidar a ala es querda anteriormente

fragmentada e competir de forma mais eficiente e bem-sucedida nas próximas eleições.

O assassinato de Chokri Belaid, o coordenador da coligação, a 06.02.2013, despoletou uma

nova crise política no país, com o Ennahda a negar qualquer envolvimento no caso em resposta às

Page 56: Introdução1©.pdf · 1 _Introdução1_____ Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção

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acusações da Frente Popular. Este incidente levou a que a coligação, conjuntamente com o Partido

Republicano secular e o Call of Tunisia, anunciaram, em consequência, a sua retirada da Assembleia

Nacional e convocaram uma greve geral.

__Ponto de Situação_

O assassinato político de Chokri Belaid, um proeminente político da oposição, em fevereiro de

2013 lança o país numa nova onda de protestos e instabilidade política que resultam na demissão do

primeiro-ministro, Hamadi Jebali, ao ver a sua proposta de formação de um governo de tecnocratas

negada pelo próprio partido. O Presidente, Moncef Marzouki, aponta o Ministro do Interior, Ali

Larayedh, como sucessor, concedendo-lhe duas semanas para formar um novo governo. A proposta de

formação de governo foi apresentada na passada 6ª feira e aguarda agora aprovação. As expectativas de

Larayedh pretendiam uma coligação de ampla base política, porém a grande maioria dos partidos

convidados abandonou as conversações, pelo que apenas o Ennahda, o CPR e a Ettakatol

desempenharam um papel ativo na definição do novo gabinete e programa (mantendo o cenário da

coligação já existente antes da emergência desta crise política).