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_Introdução1____________________________________________________________
Este Relatório de Estágio propõe a exposição e análise das actividades
realizadas no estágio curricular, com vista à obtenção do grau de mestre em Ciência
Política e Relações Internacionais –especialização em Relações Internacionais-, que
teve lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. O estágio decorreu, mais
especificamente, na Direcção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe, entre 22 de
Outubro de 2012 a 28 de Março de 2013.
Torna-se pertinente, previamente à descrição da organização deste relatório,
esclarecer os motivos pelos quais se optou pela via do estágio curricular para a
componente não lectiva, em detrimento de uma dissertação de mestrado. Após o
primeiro ano do mestrado, com um carácter marcadamente teórico, considerei que
seria uma abordagem interessante colocar, na prática, os conhecimentos académicos
que nos foram transmitidos nos vários seminários. Embora uma dissertação fosse um
desafio extremamente aliciante, a oportunidade de experienciar, em primeira mão, no
Ministérios dos Negócios Estrangeiros, a entidade nacional das Relações Internacionais
por excelência, tornou-se irrecusável. Conhecer os bastidores da política externa
portuguesa, bem como a atribuição de um carácter mais pragmático aos
conhecimentos académicos já adquiridos tornaram-se os factores decisivos na
selecção da realização de um estágio curricular.
Realizado o estágio, este relatório destina-se à análise e reflexão crítica das
tarefas realizadas neste período e encontra-se dividido em três grandes sectores.
Numa primeira parte, descrever-se-á o Ministério dos Negócios Estrangeiros
(MNE), tendo em consideração a sua evolução histórica, as suas funções e o papel que
desempenha na administração pública portuguesa. Considerando que o estágio teve
lugar na Direcção Geral de Política Externa (DGPE), mais propriamente na Direcção de
Serviços do Médio Oriente e Magrebe, também estas duas unidades serão
1 Nota: Este Relatório de Estágio não foi redigido de acordo com as normas estabelecidas pelo Novo
Acordo Ortográfico.
2
enquadradas dentro do MNE, bem como esclarecidas as atribuições e funções que lhes
são atribuídas.
Posteriormente, proceder-se-á à descrição e análise das tarefas realizadas no
decorrer do estágio, bem como as limitações/dificuldades a que essas mesmas tarefas
estiveram sujeitas (quando aplicável). Para cada tarefa, e sempre que as normas de
confidencialidade o permitam, serão anexados exemplos práticos dos materiais
realizados.
Num último momento, e com um cariz mais teórico, tentar-se-á cumprir com
um dos objectivos inicialmente propostos: compreender de que forma a região do
Médio Oriente e Magrebe tem vindo a ganhar relevo na política externa portuguesa.
Este último momento tenta, de uma maneira despretensiosa, geral e muito breve,
analisar a evolução das ligações portuguesas com esta região e tentar perceber em que
sentido estas têm evoluído.
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_Capítulo I: A Instituição__________________________________________________
De acordo com o previamente estipulado na introdução deste relatório, caberá
nesta primeira parte esclarecer, em traços breves e gerais, a evolução histórica do
Ministério dos Negócios estrangeiros, esclarecendo posteriormente as suas funções e
modo de funcionamento. Após este momento, e de uma forma mais específica,
descrever-se-á a instituição onde decorreu o estágio: a Direcção dos Serviços do
Magrebe e Médio Oriente.
_O Ministério dos Negócios Estrangeiros_
Por forma a compreender o estatuto e funcionamento do Ministério dos
Negócios Estrangeiros actualmente, torna-se imperioso compreender a sua evolução
ao longo dos tempos, ainda que de forma muito superficial.
Decorria o ano de 1641, reinado de D. João IV, quando foi criada a primeira
secretaria de Estado no entanto, e já em meados do século XVIII, devido à
reorganização da Administração Pública, com a publicação do alvará de 28 de Julho de
1736, surgiram 3 Secretarias de Estado, entre as quais, a Secretaria do Estado dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra.
Por um período de escassos meses no ano de 1801 (entre Janeiro e Julho),
verificou-se uma cisão entre a Secretaria do Estado dos Negócios Estrangeiros e a da
Guerra, cisão essa que viria a ser definitivamente perpetuada em 12 de Junho de 1822,
com a publicação de uma Carta de Lei. A partir de então, a condução de assuntos de
guerra e assuntos externos passou a ser levada a cabo por entidades diferentes. Já em
pleno século XIX, o vocábulo “ministério” assume maior relevância e é atribuído na
designação dos vários organismos do Estado, tornando obsoleto o termo “Secretaria
do Estado”.2
2 Informação obtida no site http://www.arqnet.pt/exercito/secretaria.html (a 30/10/ 2013)
4
É então, em 1822, com a promulgação de diversos diplomas, como refere Jaime
Gama, que se define que a condução da política externa portuguesa como sendo
incumbência, na sua totalidade, do Ministério dos Negócios Estrangeiros.3
Com a reforma da Administração Pública e o Plano de Redução e Melhoria da
Administração Central (PREMAC), foi atribuída ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
a orgânica que se encontra em vigor até aos dias de hoje, prevista pelo Decreto-Lei nº
121/2011, de 29 de Dezembro de 2011.4
Ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, na categoria de departamento
governamental, cabe-lhe a missão, não apenas de formular, mas também de
coordenar e assegurar a execução da política externa portuguesa.5 Por esse motivo, e
por forma a garantir a persecução desses objectivos, foram assignadas ao MNE as
seguintes atribuições:
“a) Preparar e executar a política externa portuguesa, bem como coordenar as
intervenções, em matéria de relações internacionais, de outros departamentos,
serviços e organismos da Administração Pública;
b) Defender e promover os interesses portugueses no estrangeiro;
c) Conduzir e coordenar a participação portuguesa no processo de construção
europeia;
d) Conduzir e coordenar a participação portuguesa no sistema transatlântico de
segurança colectiva;
e) Assegurar a protecção dos cidadãos portugueses no estrangeiro, bem como
apoiar e valorizar as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo;
f) Defender e promover a língua e cultura portuguesas no estrangeiro;
g) Promover a lusofonia em todos os seus aspectos e valorizar e reforçar a
Comunidade dos Países de Língua portuguesa;
3 GAMA, Jaime (1985) Política Externa Portuguesa 1983-1985, Biblioteca Diplomática Série C, Ministério
dos Negócios Estrangeiros 4 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro (consulta no serviço da intranet do MNE a 21 /03/2013)
5 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capítulo
I, Artigo 1º
5
h) Definir e executar a política de cooperação para o desenvolvimento,
especialmente com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e Timor-Leste;
i) Coordenar, acompanhar a execução e avaliar a acção desempenhada em
matéria de cooperação por outros ministérios, departamentos, serviços e organismos
da Administração Pública;
j) Conduzir as negociações internacionais e os processos de vinculação
internacional do Estado Português, sem prejuízo das competências atribuídas por lei a
outras entidades públicas,
l) Representar o Estado Português junto de sujeitos de Direito Internacional
Público ou de outros entes envolvidos na área das relações internacionais;
m) Exercer as atribuições que lhe sejam cometidas relativamente à condução da
diplomacia económica.
Fica ainda a cargo do MNE, em articulação com outros ministérios as seguintes
atribuições6:
a) Promoção da cultura portuguesa no estrangeiro;
b) Ensino do português no estrangeiro;
c) Definição do quadro político de participação das Forças Armadas e das forças
de segurança portuguesas em missões de carácter internacional;
d) Prossecução da diplomacia económica”7
Com o intuito de assegurar o cumprimento das suas funções de forma exemplar,
torna-se fácil perceber que a estrutura orgânica do MNE se encontra bastante
hierarquizada, sendo os seus diversos serviços agrupados de acordo com a sua
natureza e funções, como pode ser analisado pelo organograma apresenta do abaixo
(FIGURA 1).
6 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capítulo
I, Artigo 2º, ponto 2 7 Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro de 2011 do Diário da República, 1ª Série, Nº249, Capí tulo
I, Artigo 2º, ponto 2
6
Ministro de Estado e dos
Negócios Estrangeiros
Dr. Paulo Sacadura Cabral Portas
Agência para o Investimento e o Protocolo do Estado
Comércio Externo de Secretário Geral
Portugal, EPE Embaixadora Ana Martinho Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe
Dr. Pedro Reis José de Bouza Serrano
DG Politica Externa Departamento Geral de
Administração
Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe Ministro Plenipotenciário de 2ª Classe
Rui Macieira José Augusto Duarte
Inspecção Diplomática Departamento Assuntos
Internacionais Consular Internacionais Jurídicos
Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe
José Silva Leitão Dr. Miguel de Serpa Soares
Instituto Diplomático
Conselheira de Embaixada Manuela
Franco
Fundo para as Relações
Internacionais
Embaixador António de Almeida
Ribeiro
Comissão Nacional UNESCO
Embaixador António de Almeida
Ribeiro
Secretário Estado Adjunto e Secretário Estado Negócios Secretário Estado
dos Assuntos Europeus Estrangeiros Cooperação Comunidades Portuguesas
Dr. Miguel Morais Leitão Dr. Luis Brites Pereira Dr. José de Almeida Cesário
DG Assuntos Consulares
Comissão Direccção Geral Assuntos Instituto de Investigação Comunidades Portuguesas
Interministerial para Europeus Cientifica e Tropical Camões - Instituto da
os Assuntos Ministro Plenipotenciário de 2ª Classe Cooperação e da Língua Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe
Europeus Francisco Duarte Lopes Prof. Jorge Braga de Macedo José Manuel Santos Braga
Comissão Comissão Interministerial
Nacional para Limites e Bacias Conselho das Comunidades
os Direitos Hidrográficas Luso - Portuguesas
Humanos Espanholas
Comissão Luso-Espanhola
para a Cooperação
Transfronteiriça
Missões e Representações
Embaixadas Consulados Consulados Gerais
Permanentes
Serviços de Administração Directa
Serviços de Administração Indirecta
Outras Estruturas
Orgãos Consultivos
Orgâos na Dependência do Secretariado Geral
Sector Empresarial do Estado-Tutela delegada em em S. Ex.ª o Ministro
FIGURA 1. ORGANOGRAMA INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS
FONTE: Disponível e consultado no serviço da intranet do MNE a 21/03/2013
Dos diversos órgãos apresentados acima, será dado maior enfoque à Direcção
Geral de Política Externa, uma vez é que dentro dessa Direcção que se insere a
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instituição onde decorreu o estágio: Direcção de Serviços do Médio Oriente e
Magrebe.
_Direcção Geral de Política Externa-DGPE_
Cabe a Direção garantir, não apenas a coordenação, mas também a decisão das
matérias de natureza político-diplomática, nomeadamente a Política Externa e de
Segurança Comum (PESC) e a Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD).
Esta Direcção é também responsabilizável pela coordenação dos assuntos que
englobam a segurança e defesa, bem como executar a política externa portuguesa no
campo das relações bilaterais e multilaterais.
Considerando esta missão, foram assignadas à DGPE as seguintes atribuições:”
Assegurar genericamente as funções de coordenação político -
diplomática, bem como a coordenação interministerial no tratamento
de todas as questões de política externa, no âmbito das suas
competências, por forma a garantir a necessária coerência e unidade da
ação externa do Estado;
Assegurar a coordenação interministerial de todas as visitas bilaterais ao
nível político e económico no âmbito das suas competências;
Estudar, emitir pareceres, decidir ou apresentar propostas de atuação
sobre todos os assuntos atinentes às matérias da sua competência;
Recolher informação, analisar e apresentar propostas de atuação sobre
assuntos de particular relevância político-diplomática;
Acompanhar e assegurar a participação em organismos internacionais,
designadamente os que assumem caráter estratégico no âmbito da
atividade externa do Estado;
Assegurar a representação do MNE nas comissões interministeriais e
outros organismos nacionais quando as atribuições destes abranjam
questões de natureza política e económica, no âmbito das suas
competências;
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Assegurar a presidência das comissões e delegações de caráter político
e económico, que caiba ao MNE, no domínio das suas atribuições;
Garantir, a nível nacional, o desenvolvimento das ações necessárias à
aplicação da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e da
Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD);
Orientar e coordenar a participação nacional na Organização das Nações
Unidas e instituições especializadas;
Orientar e coordenar a participação nacional na Organização do
Tratado do Atlântico Norte, na Organização para a Segurança e
Cooperação na Europa e no Conselho da Europa;
Orientar e coordenar a participação nacional na Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa (CPLP);
Assegurar o apoio necessário à Autoridade Nacional para a Convenção
sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenamento e
Utilização das Armas Químicas (ANCPAQ) e à Autoridade Nacional para
efeitos do Tratado de Proibição Total de Ensaios Nucleares (ANTPEN);
Orientar e coordenar a participação nacional nas cimeiras ibero -
americanas;
Coordenar a condução e a promoção das candidaturas nacionais às
organizações internacionais, no âmbito das suas competências;
Recolher informações sobre a realidade política nas diferentes regiões e
países não membros da União Europeia e assegurar a atualização de
elementos sobre essa mesma realidade;
Contribuir para a diplomacia económica definida pelo Governo, em
articulação com o membro do Governo responsável pela área da
economia e com os outros departamentos, serviços ou organis mos
sectoriais competentes;
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Assegurar a cooperação entre os outros serviços, organismos e
estruturas do MNE e a Agência para o Investimento e Comércio Externo
de Portugal, E. P. E. (AICEP, E. P. E.);
Assegurar a coordenação com os outros departamentos, serviços ou
entidades públicas de todos os assuntos de carácter económico, técnico
ou científico cuja decisão vincule o Estado Português;
Preparar, coordenar e assegurar a transmissão das instruções que, na
área das suas atribuições, devam ser enviadas às embaixadas, missões e
representações permanentes, missões temporárias e postos consulares
de Portugal;
Prestar apoio técnico em matéria de definição e estruturação das
políticas, prioridades e objetivos do MNE, bem como acompanhar e
avaliar a execução das políticas e programas do Ministério;
Apoiar a definição das principais opções em matéria orçamental, bem
como assegurar a articulação entre os instrumentos de planeamento,
de previsão orçamental e de reporte;
Analisar, em colaboração com o Ministério da Defesa Nacional, os
pedidos de entidades estrangeiras para a utilização do espaço aéreo,
bases militares e aeroportos portugueses por aeronaves militares e/ou
de Estado e propor superiormente a respetiva autorização diplomática;
Analisar, em concertação com outros ministérios e entidades públicas e
privadas, os pedidos para entrada e pesquisa em águas territoriais
portuguesas por navios militares e oceanográficos e propor
superiormente a respetiva autorização.”8
8 Estas informações foram retiradas, a 21.03.2013, do site http://www.portugal.gov.pt/pt/os-
ministerios/ministerio-dos-negocios-estrangeiros/quero-saber-mais/sobre-o-ministerio/estrutura-organica/dgpe.aspx
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Considerando a multiplicidade de objectivos a que se propõe a DGPE, torna-se
inteligível que as suas tarefas se encontrem distribuídas pelos vários serviços, de
acordo com as suas áreas de competência, sendo elas: a tipologia de organismos
internacionais; campo de actuação; região geográfica. Dado que a DSMOM
corresponde à categoria de região geográfica, cabe esclarecer que existem, nesta
tipologia, os seguintes serviços:
Direção de Serviços [DS] para os Assuntos Políticos Europeus (APE);
DS da África Subsaariana (SAS);
DS Médio Oriente e Magrebe (MOM);
DS das Américas (DSA);
DS da Ásia e Oceânia (SAO).
No que concerne os serviços divididos por categoria de organizações
internacionais, registam-se as seguintes:
DS das Organizações Políticas Internacionais (SPM);
DS das Organizações Económicas Internacionais (SEM).
Relativamente aos Serviços subjugados a um campo de atuação específica, resta ainda
a DS para os Assuntos de Segurança e Defesa (DSD).
Torna-se ainda pertinente esclarecer que, no decorrer do período de estágio, o
cargo de diretor-geral era ocupado pelo Ministro Plenipotenciário de 1ª Classe, Dr. Rui
Macieira. No cargo de subdiretores-gerais encontravam-se o Ministro Plenipotenciário
de 2ª Classe, Dr. Carlos Pereira Marques; Conselheiro de Embaixada, Dr. Rui Vinhas; e
ainda a Conselheira de Embaixada, Dra. Helena Malcata.
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_Direção de Serviços do Médio Oriente e Magrebe-DSMOM_
Tendo contextualizado o Ministério dos Negócios Estrangeiros e,
posteriormente a Direcção Geral de Política Externa, poder-se-á agora avançar para a
DSMOM. Uma vez que, conforme esclarecido anteriormente, esta se encontra inserida
na DGPE torna-se compreensível que seja no âmbito dos objectivos da DGPE que a
DSMOM dê seguimento às suas funções, necessariamente delimitadas pelas matérias
referentes ao Médio Oriente, Golfo e Magrebe.
Neste sentido, encontram-se ao encargo da DSMOM os países: Arábia Saudita,
Argélia, Bahrein, Egipto, Emirados Árabes Unidos, Iémen, Irão, Iraque, Israel, Jordânia,
Kuwait, Líbano, Líbia, Marrocos, Mauritânia, Omã, Palestina, Qatar, Sahara Ocidental,
Síria, Tunísia.
Para além destes países, correspondem também às suas competências outras
regiões/organismos ou instituições tais como: União para o Magrebe Árabe, Diálogo
do Mediterrâneo Ocidental (comummente conhecido por 5+5), Fórum do
Mediterrâneo, União para o Mediterrâneo, Conselho de Cooperação do Golfo,
Organização da Conferência Islâmica, Processo de Paz no Médio Oriente (PPMO) ou a
Liga Árabe.
A esta Direcção de Serviços, coordenada pela Dra. Carmen Silvestre -Diretora
de Serviços do MOM – estão atribuídas tarefas como a atualização dos acontecimentos
registados nestes países, organizações e regiões, nos vários campos: político,
económico e cultural. No entanto, também são assinaláveis os pontos de situação
quando ao desenvolvimento da política interna e externa de cada um destes países
(incluindo nomeadamente relações com a UE, com a ONU, bem como outros aspeto
passíveis de serem considerados relevantes para o país em análise – a título de
exemplo, a evolução da situação dos direitos humanos ou de existência de grupos
terroristas.
As tarefas da DSMOM estão também fortemente ligadas a todo o trabalho
inerente à negociação de acordos bilaterais entre Portugal e os países / organizações
com vista à persecução dos objectivos estipulados pelas linhas orientadoras da política
externa portuguesa.
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Á semelhança da divisão de trabalhos praticada na DGPE, também na DSMOM
os países/regiões se encontram divididos pelos diversos colaboradores. Ao longo do
estágio, mediante as tarefas me foram assignadas, tive oportunidade de trabalhar com
diferentes países e colaboradores.
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_Capítulo II: O Estágio____________________________________________________
Nesta componente do relatório, pretende esclarecer-se a natureza das tarefas
realizadas no decorrer do estágio, bem como a análise das mesmas. De acordo com a
pertinência e extensão do resultado dessas mesmas tarefas, estas poderão ser
inseridas no corpo de texto, ou remetidas para anexo.
O plano de estágio englobou, maioritariamente, três tipologias de tarefas a
desempenhar ao longo dos cinco meses: actualização/elaboração das listas dos
acordos com os países do Magrebe; trabalhos de pesquisa (non-papers) e outros
trabalhos de apoio.
Estava definido, a priori, e por ser a necessidade mais urgente da DSMOM
aquando do início do estágio, que as tarefas no âmbito dos acordos bilaterais iriam ser
as principais, bem como as mais morosas, por requererem um trabalho muito
meticuloso. No entanto, a natureza de todas as tarefas atribuídas foi bastante variada
e estimulante, permitindo um significativo amadurecimento do conhecimento da
política externa portuguesa para esta região, bem como dos trâmites processuais que
se encontram nos “bastidores” da diplomacia.
_Organização dos Arquivos de Acordos_
Pela importância estratégica que a negociação e celebração de Acordos
desempenha nas ligações bilaterais, foi solicitado que esta fosse a primeira tarefa a
desempenhar. Tornou-se a primeira, a mais morosa e também a mais trabalhosa, visto
que o processo de actualização constante das listagens elaboradas se prolongou até ao
último dia de estágio. Ao meu encargo ficou a actualização da informação referente
aos países do Magrebe (Argélia, Líbia, Marrocos, Mauritânia e Tunísia), sendo que
coube à outra estagiária organizar as pastas relativas ao Golfo e Médio Oriente.
Numa primeira fase, procedeu-se à organização física dos dossiers dos Acordos:
os Acordos encontram-se divididas por país e, dentro de cada país, divididos de acordo
com o seu estatuto (em vigor; a aguardar procedimentos internos; em negociação;
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iniciativas abandonados). Após esta primeira fase de assegurar que todos os Acordos
ou Memorandos de Entendimento se encontravam arquivados nas devidas pastas,
tornou-se necessário que, dentro de cada Acordo todo o processo negocial se
encontrava devidamente arquivado (por ordem cronológica, do mais antigo para o
mais recente). Neste momento, comecei a familiarizar-me com aos diferentes tipos de
comunicações utilizados pelo Ministério, nomeadamente comunicações oficiais e
pareceres, sendo que começou a tornar-se mais evidente todo o trabalho negocial que
envolve a assinatura de um instrumento bilateral.
Numa segunda fase, após a organização física de todos os instrumentos
bilaterais, procedeu-se à organização e sistematização das informações contidas nas
pastas. Por uma questão de organização e maior facilidade de consulta dos Acordos,
sem necessidade de recorrer à pasta física dos mesmos, foi solicitado que para cada
país fosse criado um documento que dividisse os Acordos entre Portugal e esse mesmo
país da seguinte forma:
Acordos assinados e a aguardar procedimentos de direito interno;
Acordos em negociação;
Acordos em vigor;
Iniciativas abandonadas e/ou que deixaram de produzir efeitos.
Para cada uma das tabelas tornou-se necessário assinalar, com o maior detalhe
possível, as informações referentes à data e local de assinatura (quando aplicável),
publicação em Diário da República (quando aplicável) ou últimos desenvolvimentos no
processo negocial.
Considerando que não foi permitido, por motivos de confidencialidade de
informação que não é ainda do domínio público, a totalidade das listas de Acordos por
países não é publicável neste relatório, no entanto, remeto para anexo os modelos das
tabelas realizadas.
Numa fase final desta elaboração e actualização de listas, tornou-se necessária a
criação de mais dois documentos, para cada um dos países do Magrebe:
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Lista de Acordos assinados e a aguardar publicação de Aviso de Entrada em
Vigor em Diário da República;
Elaborar, para todos os países do Magrebe e para cada um dos
instrumentos bilaterais em negociação uma cronologia (da comunicação
mais antigo para a mais recente) de todo o processo negocial – incluindo a
data, origem, tipologia e conteúdo (de forma resumida) de todas as
comunicações envolvidas no processo negocial.
Considerando que uma grande parte da informação não pode ser publicada e
ainda que as listagens de acordos em vigor dos países do Magrebe é
consideravelmente extensa (mesmo para ser colocada e anexo), torna-se pertinente
esclarecer que, em termos de instrumentos bilaterais, Portugal tem de momento e em
vigor com os países do Magrebe: 69 com Marrocos; 42 com a Tunísia; 40 com a
Argélia; 13 com a Líbia e 2 com a Mauritânia.
Esta tarefa, conforme mencionado anteriormente, foi a mais morosa de todas
as desenvolvidas, tendo decorrido até ao final do estágio, nomeadamente devido às
actualizações constantes nos instrumentos bilaterais em negociação. No entanto, e
apesar de não ser uma tarefa particularmente estimulante do ponto de vista da
produção de novos conhecimentos do ponto de vista académico, permitiu-me um
conhecimento mais sólido sobre os instrumentos bilaterais. O Acordos são, em certa
medida, o que de mais concreto e palpável se estabelece através das relações
bilaterais entre países e, através desta tarefa, pude perceber realmente como se
processam todos os trâmites negociais. É o melhor exemplo prático, ao longo do
estágio, de como é possível transpor os conhecimentos académicos para o campo mais
pragmático. Foi também possível compreender o exercício de coordenação entre
todos os organismos do MNE e, por vezes entre Ministérios, inerente a todo o
processo negocial de um Acordo. Torna-se ainda pertinente esclarecer que foi possível
constatar que, apesar de historicamente os eixos da política externa portuguesa não se
inclinam para esta região do globo, existe uma grande multiplicidade de instrumentos
bilaterais a serem celebrados, o que me permitiu ganhar conhecimentos mais
profundos sobre os interesses e inclinações da PEP nesta região.
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A tarefa subordinada à actualização e organização dos Acordos acabou por se
traduzir em diversas tarefas ao longo dos 5 meses que, embora trabalhosas e
meticulosas, se tornaram também bastante frutíferas. Ultrapassadas as dificuldades
iniciais de compreender o processo de arquivo, de comunicações e de pesquisa em
Diário da República, não decorreram destas tarefas qualquer tipo de problemas
teóricos ou metodológicos.
_Trabalhos de Pesquisa (non-papers)_
As pesquisas foram solicitadas ao longo do estágio, de acordo com as
necessidades da DSMOM, sendo que todas tiveram indicações, propósitos e critérios
de elaboração específicos. Estas tarefas pontuais permitiram um sério
aprofundamento sobre questões inerentes a esta região do globo, nomeadamente no
que concerne as Primaveras Árabes, a definição de novos actores regionais, ou mesmo
de novos movimentos extremistas.
A primeira pesquisa solicitada abordava o tema “Liderança do Golfo na região
do Médio Oriente” e foi realizada entre 5 e 9 de Novembro de 2012. Desta pesquisa
pretendia-se um documento que serviria de base para a preparação da pasta da visita
do Ministro dos Negócios Estrangeiros ao Fórum Sir Bani Yas, a decorrer no final desse
mesmo mês. Os objectivos e delimitações da pesquisa foram bem esclarecidos, pelo
que, pela pertinência e relevância do mesmo, incluirei no corpo do relatório. As
pesquisas que realizei para a redacção deste breve documento compreenderam
principalmente Think Tanks e artigos científicos no âmbito das relações internacionais,
com maior enfoque no Qatar e nos Emirados Árabes Unidos.
_MUDANÇA NO MÉDIO ORIENTE: CONTINUIDADE DA LIDERANÇA DO GOLFO NA REGIÃO?___
O Médio Oriente e os países do Golfo não pertencem, historicamente, aos eixos
tradicionais da política externa portuguesa, que oscilou, até recentemente, entre a
vocação atlântica e o perfil europeu. No entanto, esta região tem vindo a ganhar
crescente importância na definição da PEP, surgindo agora como uma das suas
prioridades. Região com a qual temos ainda reduzidas trocas comerciais e que
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representa uma economia florescente, esta desperta o interesse em impulsionar as
exportações para aquela região, bem como aprofundar as relações económicas.
A recente onda de protestos que ficou conhecida como Primavera Árabe
provocou profundas alterações político-sociais na região, gerando um clima de
instabilidade e mudança imprevisível. Por motivos de proximidade geográfica e
relevância geopolítica/estratégica, os países do Golfo estavam particularmente
interessados e envolvidos no desenrolar dos eventos na região do Médio Oriente.
O quadro de equilíbrio tenso define um panorama onde a eclosão de conflitos
internos entre Estados não é prática incomum, sendo que estes conflitos regionais
assumem facilmente contornos globais. Estes fatores originam, no Golfo, um papel
mais liderante, numa tentativa de gestão eficaz das tensões e conflitos de interesses
na região.
De uma maneira geral, os países do Golfo, à exceção do Bahrein, não têm sido
particularmente afetados pelos tumultos a nível interno. Arábia Saudita, Qatar, EAU,
Omã e Kuwait, a título preventivo na esfera doméstica, tomaram medidas de cariz
financeiro para desincentivar os levantamentos (nomeadamente aumento de salários,
distribuição de subsídios, etc.), acompanhadas de tímidas iniciativas de cariz político
(marcadamente simbólicas), para ir de encontro às reivindicações político-sociais da
população. Estas monarquias são amplamente legitimadas pelas populações, pelo que
as exigências não passavam pela sua deposição, mas sim uma abertura do sistema
político, que grosso modo não é alcançada através das medidas ocas que foram
avançadas (note-se que estas não introduzem alterações significativas, ou mesmo no
curto/médio prazo). Uma reforma política real ficou, desta forma, afastada da
generalidade dos países do Golfo.
No cômputo externo, estes países recorreram ao significativo e crescente
poderio económico para intervir, de forma oficial ou oficiosa e nos quadros multi e
bilaterais, para a contenção dos protestos nos países vizinhos, com o intuito de evitar o
contágio ou a radicalização dos sistemas políticos. O Bahrein sofreu, a seu pedido, uma
intervenção do Conselho de Cooperação do Golfo constituída, maioritariamente por
tropas sauditas e emirates, enquanto o Irão apoiava os protestantes.
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Os países do Golfo com maior capacidade económica/mais reconhecimento
diplomático internacional, nomeadamente o Qatar e a Arábia Saudita, protagonizaram
uma intervenção mais ativa/significativa, nomeadamente no apoio da Arábia Saudita à
intervenção ocidental na Líbia e voto para a expulsão da Síria da Liga Árabe; ajuda
monetária ao Omã; apoio Mubarak do Egito; uma reação mais contida na Líbia e na
Síria e aposta numa estratégia de fortalecimento das relações com países do Golfo
para privilegiar o equilíbrio regional (aliada à ligação natural);
Qatar: único país que não foi internamente afetado pela agitação da reforma,
procurou mediar governos e protestantes na Síria e no Iémen; papel principal
na expulsão da Síria da LA; ofereceu $500 milhões ao Egito; forneceu armas e
treino militar aos insurgentes líbios (sendo que a extensão da sua intervenção
neste país é ainda incerta); beneficia de um dos primeiros PIBs mundiais, bem
como de um enorme crédito diplomático (órgão de comunicação: Al Jazeera);
papel preponderante na cena regional devido também à estabilidade interna e
crédito mediático; na Líbia apoiou abertamente o lado rebelde
O papel preponderante do Golfo no Médio Oriente prende-se, não apenas com o
seu poder económico, mas também com a relevância geopolítica de que beneficia,
aliada a uma certa estabilidade político-social. A intervenção no Médio Oriente,
conhecida apenas até certo ponto, prende-se com fatores como a solidariedade entre
regimes monárquicos, defesa de interesses estratégicos, manutenção de alianças e
regimes de valor fulcral para a defesa interna e regional. Uma análise sobre a
interligação entre as duas regiões não deve descurar a indissociabilidade entre poder e
religião, ou mesmo o perigo da ameaça nuclear do Irão que daí advém (e que pode, em
última instância originar uma corrida ao armamento). A mudança que faz sentir no
Médio Oriente não afetou grandemente a ordem interna ou regional dos países do
Golfo, nem mesmo a sua dinâmica com o Médio Oriente, no entanto, o carácter
meramente simbólico das medidas políticas internas assemelha-se à eficácia de um
penso rápido numa ferida profunda: apazigua os protestos a curto prazo, mas até
quando evitará a eclosão de uma revolta de escala menos facilmente dominável e mais
global?
19
_PRIMAVERAS ÁRABES_
Com o intuito de servir de base para a actualização do papel sobre as
Primaveras Árabes da DSMOM, foi também solicitada uma pesquisa referente às
mesmas, que analisasse as convulsões políticas e sociais no Norte de África, bem como
o processo de transição em curso. A estes parâmetros, foi também acrescentada uma
análise dos processos de reforma em Marrocos e na Argélia. Esta pesquisa foi realizada
em conjunto com a outra estagiária da DSMOM e tornou-se um excelente exercício de
análise quanto a este processo de convulsões tão recente e marcante na história
internacional. Por motivos de logística, os resultados da pesquisa serão remetidos para
anexo, no entanto torna-se pertinente realçar que, apesar da semelhança das
reivindicações, o movimento teve características muito próprias em cada um dos
países, sendo que, por sua vez, cada governo assumiu respostas diferentes
(especificidades essas que se encontram devidamente elencadas no resultado da
pesquisa). Esta pesquisa permitiu um conhecimento mais profundo sobre o despoletar
da “Primavera Árabe” e promoveu uma séria reflexão quanto ao impacto dos
protestos bem como possíveis consequências na região do Magrebe. Esta pesquisa
permitiu ainda perceber de que forma a onda de convulsões alastrou para o Golfo e a
resposta que receberam, por forma a controlar o seu impacto. Para a realização desta
pesquisa, à semelhança das restantes solicitadas no decorrer do estágio e mediante as
indicações específicas que nos cederam quanto às fontes a utilizar, recorremos
maioritariamente a Think Tanks, artigos científicos e notícias de jornais credíveis.
_SALAFISMO E PARTIDOS POLÍTICOS DA TUNÍSIA_
Esta pesquisa teve como objectivo servir de base para um papel da DSMOM, no
qual deveriam ficar esclarecidos as novas evoluções políticas a decorrer internamente.
Numa primeira parte, foi solicitado que a pesquisa esclarece as origens e ideologias do
salafismo, um movimento extremista que começava a desenvolver um papel
significativo na política interna tunisina, apesar de não ter representação partidária.
Adicionalmente, foi solicitada a recolha de notícias e a análise dos comentários do
Embaixador português na Tunísia por forma a compreender: as inclinações e
20
comportamentos dos partidos existentes, bem como a reacção dos mesmos ao
salafismo.
Devido à extensão do produto final desta pesquisa, o mesmo será remetido
para anexo. Para a elaboração deste documento foi necessária a pesquisa de artigos
científicos e livros (que representaram um certo entrave devido à barreira linguística),
bem como a sua contraposição com notícias a serem actualizadas a um ritmo diário.
Foi um desafio bastante aliciante na medida em que consolidou seriamente os
conhecimentos até então adquiridos relativamente à política interna tunisina, bem
como aos movimentos extremistas. Foi também muito elucidativo compreender o grau
de apelo e de aceitação dos movimentos islâmicos extremistas, principalmente após
ter realizado a pesquisa referente às Primaveras Árabes, permitindo uma maior
compreensão da realidade local. Estas pesquisas foram-se complementando e
tornando, através dos exemplos práticos em estudo, mais inteligíveis as dinâmicas
político-sociais descritas no decorrer da componente lectiva do mestrado.
_NOVO POSICIONAMENTO REGIONAL DO QATAR_
Esta pesquisa teve por objectivo identificar as mudanças efectivas na política
externa do Qatar, bem como tentar perceber se existia acção por parte deste no
sentido de tornar o seu papel na região mais preponderante, analisando o equil íbrio de
poderes na região. Esta pesquisa foi elaborada em conjunto com a Clarissa Torres, a
outra estagiária da DSMOM, e permitiu-nos concluir que o Qatar se mantém fiel às
aspirações ao papel de interlocutor entre o mundo islâmico e o Ocidente e a sua
política externa mantém as linhas orientadores, por forma a assegurar a sobrevivência
do pequeno estado num ambiente potencialmente instável. Evidência dessa tentativa
de equilíbrio entre os dois mundos é o facto de o Qatar possuir no seu território a
maior base dos EUA na região, mas possui também células do Hamas e dos Talibãs.
Concluiu-se ainda que existiram ligeiras alterações na política externa, no sentido de se
tornar mais intervencionista, através de acções esclarecidas no documento abaixo.
Uma última conclusão bastante relevante é a da crescente importância da Al-Jazeera,
o canal qatari, numa demonstração de poder. Esta pesquisa foi ainda relevante para
21
perceber, na prática, de que forma um estado pequeno pode manter-se fiel à sua
política externa, promovendo no entanto ligeiras mudanças, por forma a firmar-se
como actor regional de peso.
A ascensão do Qatar na cena regional resulta de uma evolução recente, que conjuga
estabilidade política interna, recursos financeiros, crédito mediático e sentido de
oportunidade diplomática.
Marcado por um passado de instabilidade nas relações diplomáticas com os
EUA (durante a década de 80) e a Arábia Saudita (com reflexos até recentemente), a
reconfiguração do papel do Qatar na geopolítica regional remonta à década de
noventa e ao golpe palaciano de 1995, que levou ao poder o atual Emir Hamad al -
Thani. Este é responsável pela reformulação da política externa do país, em conjunto
com uma de suas esposas, Sheikha Mozah; o príncipe (e filho de Sheikha Mozah)
Sheikh Tamim bin Hamad; e o Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Sheikh Hamad bin Jasim Al-Thani.
Tal reformulação parece ter como ponto central a intenção, que por sinal ainda
se mantém, de converter o Qatar num interlocutor entre o Ocidente e o mundo
islâmico. Com o objetivo de se tornar mais independente da região – e da Arábia
Saudita em particular – o Qatar procurou estabelecer relações fora do Golfo,
consciente de que, como grande exportador de petróleo e gás natural, surge como um
aliado interessante aos olhos de muitos países ocidentais. A assinatura, em 1991, de
um Acordo de Cooperação na área da Defesa com os Estados Unidos marcou o início
de uma colaboração militar crescente entre o país do Golfo e o Ocidente. Após a
retirada de uma base militar localizada na Arábia Saudita, os Estados Unidos optaram
pela construção da maior base militar da região em território qatari 9. Posteriormente,
esta aliança com o Ocidente foi reforçada por meio do apoio qatari às operações da
NATO durante o conflito líbio que culminou com a queda de Muammar Qaddafi.
Da mesma forma, o Qatar também beneficia de boas relações com quase todos
os países islâmicos. Escritórios regionais dos Talibãs e do Hamas estão sediados no seu
território – assim como a Georgetown University e o British Royal United Services
Institute for Defence, demonstrando que o Qatar se tornou um território em que o 9 Base da Força Aérea Al Udeid As Sayyliyah.
22
Ocidente “coexiste” com o mundo islâmico – e mantinha relações estreitas com o
Hizbullah, ao mesmo tempo que com Israel. Além disto, há indícios de que o país apoia
a ascensão da Irmandade Muçulmana no mundo árabe: não esconde seu favoritismo
pelo movimento islamita no Egito, Tunísia, Líbia e Síria. O pequeno país do Golfo
também procura obter maior relevância em assuntos religiosos, visto que tem
hospedado, no seu território, uma série de clérigos de outros países10.
A Al-Jazeera, fundada pelo governo em 1996, tem-se demonstrado uma
ferramenta de grande importância à hora de impulsionar os objetivos da política
externa do Qatar. Tenciona representar a comunidade islâmica, promovendo a
imagem de um Qatar islâmico que pode estar em contraste com suas credenciais pró-
ocidentais. No entanto, com o surgimento das Primaveras Árabes, a Al-Jazeera
dedicou-se à cobertura ao vivo dos eventos na Tunísia, Líbia e Egito, o que deixava
transparecer o apoio do Emir às revoluções árabes e à nova geração de líderes –
provavelmente à espera de que a posição do Qatar enquanto líder regional fosse
fortalecida, já que os cidadãos qataris não gozam do poder que a emissora promove
para tunisinos, líbios, egípcios e sírios. Essa postura acarretou uma série de acusações,
por parte dos regimes em queda, de que a Al-Jazeera não seria neutra11. A partir
destas revoluções, o Qatar busca posicionar-se à frente do processo de transformação
da região, por exemplo ao apoiar a oposição ao Coronel Muammar Qaddafi na Líbia. A
exceção a este padrão de encorajamento às revoltas deu-se no caso do Bahrein, cujos
protestos receberam pouca atenção da emissora árabe, colocando em evidência a
cumplicidade do Qatar para com a minoria sunita no governo do Bahrein.
Foi a partir deste momento que ocorreu uma mudança importante na política
externa qatari, com o envio de seis jatos Mirage para participar nas operações aéreas
10
Alguns defendem ideais extremistas, tal como Yusuf Qaradawi - hospedado em território qatari desde
a década de sessenta – segundo o qual os poderes ocidentais tencionam travar guerra com muçulmanos. 11
“Accusations by falling regimes that Al-Jazeera wasn’t neutral are true. The widespread joke capturing this reports a conversation in hell between Egypt’s three former presidents, Nasser, Sadat and Mubarak.
When they ask each other how they were felled, Nasser replies ‘by poison’; Sadat says ‘by assassination’; and Mubarak’s answer is ‘by Al -Jazeera’”. Hroub, Khaled. “How Al -Jazeera’s Arab spring advanced Qatar’s foreign policies”. Europe’s World. Autumn 2011.
23
da NATO na Líbia12. A política externa do Qatar - que antes poderia ser considerada
ativista, mas militarmente pouco ameaçadora - a partir deste momento passa a ser
ativamente intervencionista. Seguindo esta mesma lógica, além de ter apoiado a
expulsão da Síria da Liga Árabe, o emirado foi acusado de enviar armas aos grupos de
oposição sírios. Sendo a Síria um importante aliado do Irão na região, os esforços
qataris pela queda de Bashar al-Assad podem ser vistos como uma tentativa de isolar o
governo iraniano. A influência do Qatar tem-se manifestado também através de
investimentos ou empréstimos volumosos – 500MUSD ao novo governo do Egito e os
400MUSD anunciados para Gaza são dois exemplos conhecidos – este último aliás,
com impacto necessariamente negativo no PPMO (reforço do Hamas e inevitável
enfraquecimento e isolamento da Autoridade Palestiniana).
Pode afirmar-se que as razões por trás da sua política externa se encontram na
própria necessidade de sobrevivência do Qatar, ou seja, em certa medida, as
motivações que a determinam são de segurança, de interesses económicos e
aspirações políticas. Afinal, trata-se de um país pequeno – apesar de muito rico –
localizado numa região potencialmente hostil. “’You only have to look at Qatar’s
location on the map to see that it is in a rather heavy neighborhood’ says Jane
Kinninmont, a Gulf expert at the Chatham House think tank. ‘There is a feeling that it
needs a lot of allies’”13. O Qatar tem aprendido a ser pragmático, ao cultivar boas
relações com o Ocidente e com o mundo árabe. Mesmo ao assumir uma postura
intervencionista – e, de certa forma, com a sua ajuda, em particular no caso da Líbia –
mantém boas relações com o Ocidente, porém procurando simultaneamente aliados
na sua própria região. Contudo, a sua nova postura afigura-se, em certa medida,
arriscada, podendo suscitar o crescimento da oposição ao Qatar na região. De acordo
com a NOREF14 (Norwegian Peacebuilding Resource Centre), a principal ameaça ao
emirado na região não é o xiita Irão, mas sim a Arábia Saudita, que nunca teria
12
“The central reason for this dramatic break in Qatar’s traditional foreign policy lies not within the halls of power in Qatar but rather with the particulars of the Libyan situation itself. (…) Qatar must have the support and permission of the international community, as it did in the case of Libya”. Roberts, David. “Behind Qatar’s Intervention in Libya: Why Was Doha Such a Strong Supporter of the Rebels?” Foreign
Affairs. September, 2011. 13
Beaumont, Peter. “How Qatar is taking on the world”. The Observer, Saturday 7 July 2012. 14
Haykel, Bernard. “Qatar’s Foreign Policy”. NOREF – Policy Brief. February 2013.
24
aceitado que o Qatar, igualmente um Estado Wahhabita, fosse totalmente
independente, ao contrário do reino do Bahrein, mais dependente da sua proteção.
O Qatar, à semelhança da Arábia Saudita, tenta manter o status quo na
vizinhança imediata. O cerne da rivalidade regional entre estes dois atores reside nas
estratégias fundamentalmente diferentes que ambos adotaram para assegurar a auto-
preservação. A estratégia do Qatar coloca-o, por vezes, em desacordo com a Arábia
Saudita, assumindo um carácter inovador e recorrendo à execução de uma sofisticada
ação diplomática (principalmente soft diplomacy), com o intuito de se posicionar como
foco/eixo, na escala global, através do desenvolvimento de um significativo sector
desportivo, bem como a criação de museus de classe mundial e mecenato. No âmbito
da defesa, é parte integral da sua estratégia o apoio da Irmandade Muçulmana e das
revoltas populares na região, estratégia essa delineada com o intuito de o firmar na
comunidade internacional, mas também de lhe garantir melhores hipóteses de auxílio
internacional, se necessário, futuramente.
Deverá também ser considerado o grau de incerteza quanto à confiabilidade na
posição dos EUA face ao Qatar, fator este que entra também na equação da definição
das linhas orientadoras de política externa. Se, por um lado, a política económica e
desportiva se perceciona orientada para o futuro, tendo em consideração a oposição
conservadora internamente, colocando o pequeno Estado do Golfo numa categoria
própria, por outro, o desafio que representa para a Arábia Saudita pode, em última
instância, representar um desafio para si mesmo. A queda dos regimes seculares
autocráticos no Médio Oriente e no Norte de África anunciava o ressurgimento dos
partidos islamitas, dando origem ao reacender da rivalidade entre os sunitas de ambas
as potências. Ambos os poderes procuraram influenciar as transformações políticas em
curso, nos seus próprios termos, ambos com o intuito de levar avante os seus
interesses geopolíticos e evitar levantamentos das suas próprias populações. As
tensões entre estes dois atores são históricas, sendo definidas por uma desconfiança
mútua, apesar de existir um interesse comum na manutenção da estabilidade do Golfo
Pérsico. Estas tensões começaram a dissipar-se com a reaproximação gerado em 2007,
porém os laços cordiais do Qatar com o Irão continua a representar um obstáculo ao
25
relacionamento com a Arábia Saudita e a Primavera Árabe reacendeu as tensões15. Ao
apostarem em polos opostos, tanto na Tunísia como no Egito, a Arábia Saudita e o
Qatar acabaram por se tornar, de certa forma, rivais no mundo árabe em transição.
O Financial Times16 esclarece que, num mundo com escassez de capital, o Qatar
emprega o seu músculo financeiro em edifícios de referência, clubes futebolísticos,
bancos globais, marcas famosas, empresas, imobiliário e arte, beneficiando da sua
posição de 3º maior detentor de reservas naturais de gás. O Qatar recorre a esta
estratégia intervencionista conduzido pela necessidade de diversificação da economia
doméstica, bem como pela pretensão de se estabelecer como poder regional. O artigo
acrescenta ainda que o Qatar, com um cariz pragmático, procura estabelecer fortes
pontos de apoio políticos e comerciais, onde encontre potências emergentes. Esta
política de investimento em grande escala é, em última análise, a procura de alianças
globais que funcionam como uma apólice de seguro. Os consideráveis investimentos
na Europa garantem-lhe aliados europeus, nomeadamente Inglaterra e França, que
confiam neste em tempos de crise no Médio Oriente. No entanto, no Médio Oriente,
esta estratégia granjeou-lhe tantos admiradores como detratores.
Os investimentos do Qatar podem ser categorizados por área e objetivo, sendo
que destacamos: política e armas (apoiando revoltas populares no mundo árabe, bem
como governos islamitas de transição); média e desporto (alargando o soft power e
ganhando influência); bens imobiliários (edifícios icónicos, com notória inclinação para
Londres e Paris); indústria e sector bancário (ao nível europeu, asiático e latino-
americano).
O relatório da EU esclarece que, apesar do papel do Qatar em África ter
evoluído de um mediador imparcial para um de participação militar em campanha na
Líbia, este ator continuará a desempenhar, no futuro, um papel de influência limitada,
visto os seus interesses na região não se sobreporem ao de preservação de boas
relações com os países ocidentais. No entanto, na qualidade de potência regional
emergente, com uma considerável capacidade financeira e habilidade diplomática, os
seus objetivos, bem como a sua ação, não deverão ser automaticamente categorizadas
15
O posicionamento oposto na questão da Irmandade Muçulmana tornou-se particularmente um foco de tensão. 16
Financial Times de 19.03.2013.
26
como inofensivos, pelo que quaisquer aspirações político-económicas podem provocar
uma alteração menos previsível na sua definição de política externa “amigável” .
_CRONOLOGIA DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS ENTRE PORTUGAL E OS PAÍSES MOM_
Esta pesquisa teve em vista completar um documento já existente na DSMOM,
por forma a garantir a existência de um único ficheiro no qual constasse a cronologia
detalhada das relações diplomáticas entre Portugal e os países do Magrebe e Médio
Oriente. Desta lista deveriam constar também os nomes dos embaixadores nomeados
para os diversos postos. A realização desta tarefa passou maioritariamente por
consultar o arquivo físico do Protocolo do MNE, para colmatar algumas informações
em falta no documento DSMOM (nomeadamente nomes e/ou datas). Dado que o
documento não é da minha autoria e demasiado extenso, optei por não o incluir no
Relatório de Estágio, porém alguns dos dados desta pesquisa serão utilizados no
último capítulo.
_Outro trabalho de apoio_
Neste âmbito, realizei maioritariamente duas tarefas: actualização do follow-up
dos compromissos políticos, económicos e culturais assumidos na III Cimeira luso-
argelina e na XI Cimeira luso-marroquina, bem como o ponto de situação da política
interna co Kuwait.
No que concerne a primeira tarefa, consistiu basicamente em actualizar e
organizar num só documento todos os follow-ups que iam chegando à DSMOM de
outros organismos do MNE ou mesmo de outros ministérios. Esta tarefa de carácter
marcadamente administrativo não apresentou qualquer tipo de dificuldade
metodológico e decorreu nas últimas semanas do estágio. Por conter informação que
não pode ser divulgada, o resultado não constará deste relatório de estágio.
A segunda tarefa serviu de base para os contributos da pasta do périplo do
Ministro dos Negócios Estrangeiros aos países do Golfo, em Dezembro de 2012. Neste
27
sentido, coube-me a tarefa de actualizar o papel já existente na DSMOM. O produto
deste trabalho segue abaixo, sendo que foi posteriormente alvo de modificações.
_PONTO DE SITUAÇÃO POLÍTICA INTERNA DO KUWAIT_
A situação política no Kuwait pauta-se pela relação conturbada entre o
Parlamento, dissolvido pela última vez este 20 de junho, e o Governo/família reinante,
num país com uma sociedade civil particularmente desenvolvida e ativa, coexistindo
com um sistema político no qual o Emir, e a família reinante dos al-Sabah, detêm um
conjunto de privilégios/ prerrogativas que limitam os poderes do Parlamento eleito.
De salientar é também o facto de 2/3 da população residente no país não terem
nacionalidade kuwaitiana, pelo que são excluídos da vida política (esta, juntamente
com a questão do sufrágio são das questões mais debatidas, resultando em sucessivos
protestos). O sistema político permite uma relativa liberdade, numa sociedade
conservadora, no entanto, e apesar do importante grau de participação popular e da
influência parlamentar, o sistema kuwaitino continua restrito em diferentes e variados
níveis. O aspeto monolítico e estatista da economia do Kuwait é o principal fator que
concede ao Estado o controlo derradeiro e influência sobre a sociedade73.
Últimos desenvolvimentos: Numa decisão inédita, o tribunal constitucional do Kuwait
declarou este 20 de Junho o Parlamento saído das eleições de Fevereiro
inconstitucional, e restaurou a anterior legislatura, mais liberal e apoiante do governo,
invocando que o decreto do Emir que marcou as eleições foi emitido após a demissão
do governo74. A tensão nos fóruns políticos do país tinha crescido após as eleições de
2 Fevereiro terem rompido o anterior equilíbrio no parlamento entre deputados
apoiantes e opositores do governo, com os islamitas a reivindicarem a maioria dos
lugares.
Algumas centenas de manifestantes saíram à rua em protesto contra a decisão do
tribunal, alegadamente reclamando também uma revisão da lei que permita a
formação de partidos políticos, e a substituição do PM Sheikh Jaber Al Sabah. Em
outubro, o Emir, de forma unilateral e à boca das eleições, altera por decreto a lei
eleitoral, reduzindo de 4 para 1 o número de votos por cada eleitor (com o intuito de
limitar a possibilidade de uma coligação da oposição). Esta decisão resultou numa
28
onda de protestos e manifestações no decorrer dos meses de novembro e dezembro.
A crise política escalou com a detenção de uma proeminente figura da oposição
política, Mussallam al-Barrak, por criticar publicamente o Emir, num ato inédito da
oposição. Esta detenção gerou nova onda de manifestações e uma espiral crescente de
tensões políticas que culmina no apelo da oposição ao boicote das eleições.
As eleições foram vencidas por candidatos pró-Governo (com a taxa de
comparecimento às urnas mais baixa de sempre no Kuwait-40%), devido ao boicote da
oposição, e o Sheik Jaber al-Mubarak al-Sabah foi renomeado PM pelo Emir. Os dias
após as eleições dão conta de demonstrações de apoiantes da oposição em vários
pontos do país, exigindo a dissolução da Assembleia Nacional recém-eleita e rejeitando
a validade destas eleições.
O processo político. Torna-se relevante salientar que a conflitualidade espelha a
natureza semidemocrática da monarquia constitucional do Kuwait visível,
nomeadamente, no facto do Emir ter o poder de nomear o PM e o governo. Esta
resulta também de uma crescente assertividade do parlamento, principalmente desde
fevereiro de 2012, com o crescimento significativo da representatividade dos islamitas
no Parlamento. Esta luta pelo poder75 começa já a ter reflexos negativos no campo
financeiro, prejudicando o investimento externo e a cotação das agências de rating.
Apesar deste poder ser limitado pela ação de um parlamento, o mais antigo e mais
poderoso do Golfo Pérsico, e que resulta de eleições diretas, que pode contornar o
poder de veto do Emir ou adotar legislação contra a vontade do governo, o facto do
governo não dispor de uma base parlamentar de apoio e de ser constituído antes de
mais por deputados aparentemente independentes – partidos políticos são proibidos –
obriga a uma negociação permanente entre o governo e o parlamento.
De referir ainda a natureza evolutiva da prática política que, desde as eleições de 2009,
conheceu um desenvolvimento importante, uma vez que o Emir passou a aceitar a
possibilidade de interpelação do PM pelo Parlamento – anteriormente limitada aos
Ministros – e enfrentar moções de censura.
29
_Capítulo III: Países MOM e a Política Externa Portuguesa_______________________
“(…) Portugal sempre foi um país exógeno, isto é, necessitando de um apoio
exterior à sua definição política e constitucional, para enfrentar a hierarquia das
potências em cada data, e viabilizar o conceito estratégico nacional. O facto de ter
conseguido esta viabilidade de séculos, superando acidentes graves do percurso, teve
apoio na sua excelência da sua diplomacia, talvez comparável à do Vaticano, esta a
mais notável mo exercídio do poder dos que não têm poder (…)”17.
Portugal, um país pequeno, com uma posição geográfica que delimitou, desde
logo, a sua acção diplomática e as suas relações internacionais, é visto como um
exemplo de capacidade de utilização de meios diplomáticos, pois apenas desta forma
se pode justificar a longa independência de um estado tão pequeno.
Ao iniciar o meu percurso académico no campo das relações internacionais,
desde cedo reparei num certo padrão no que concerne as ligações externas de
Portugal. Como nos explicam os historiadores, e com base no seminário de Política
Externa Portuguesa do primeiro ano do mestrado em Ciência Política, bem como dos
livros do Professor Severiano Teixeira e de António Telo, a Política Externa Portuguesa
apresenta dois eixos principais: o transatlântico e o europeu. As grandes linhas de
evolução da PEP foram desde sempre condicionadas pela sua localização geográfica (é
uma pequena potência atlântica e simultaneamente europeia) e pela limitação
geopolítica, possuindo apenas uma fronteira terrestre.
Desta situação geográfica e geopolítica decorrem então linhas constantes de
longa duração, que irão condicionar a PEP. Condicionantes como a ameaça de uma
invasão espanhola marcaram, desde logo, a tendência de fuga para o Atlântico e que,
historicamente, acabariam por originar um dos maiores impérios coloniais alguma vez
vistos. Ao longo da evolução histórica mundial, bem como nacional, é possível verificar
que a política externa de Portugal procurava estabelecer-se mais no eixo atlântico, ou
mais no eixo europeu, consoante o período histórico e as necessidades do país à
17
MOREIRA, Adriano (2007) A Diplomacia Portuguesa in Negócios Estrangeiros , publicação semestral número 10 do Insti tuto Diplomático, Feverei ro 2007
30
época. No entanto, e por mais que vasculhemos nos meandros históricos da PEP, não
existe uma ligação marcadamente forte com a região do Médio Oriente e Magrebe.
Quando surge esta região nas ambições políticas externas do nosso país? Uma
pesquisa pela biblioteca do Instituto Diplomático ou mesmo no Instituto de Defesa
Nacional facilmente nos comprovam que a maioria da literatura existente sobre os
países MOM, começa a ser publicada posteriormente a 2001, maioritariamente
subjugada ao tema do islamismo, ou de prevenção de conflitos, pelo carácter de
instabilidade que abala esta região. No entanto, Eva Maria von Kemnitz esclarece-nos
que ainda nos séculos XVIII e XIX se verificou um “(…) período marcante da actividade
de Portugal com o Magrebe.” 18
Não se localizando geograficamente Portugal na bacia do mediterrâneo, nem
havendo um significativo interesse mútuo em termos históricos, é no entanto
perceptível que o interesse de Portugal nesta área tem vindo a aumentar. Repete-se
então a questão colocada por Fernanda Faria: a política externa portuguesa para o
Mediterrâneo é uma estratégia consolidada, ou um interesse temporário?
Apesar de possuirmos características climáticas comuns e de partilharmos a
herança árabe-muçulmana, bem como vestígios da presença portuguesa no Magrebe,
são díspares as situações políticas. Esta região, apesar da enorme p otencialidade
económica que representa, sofre também com uma considerável instabilidade política.
Historicamente, importa salientar que as iniciativas portuguesas nos
Descobrimentos realizaram-se no Mediterrâneo e a administração internacional de
Tânger esteve, até 1956, a encargo dos portugueses.
Com a adesão às Comunidades Europeias, em 1986, existe um despertar para
as potencialidades da região, enquadrado nas políticas europeias, no entanto o
mercado magrebino não representava um peso significativo.
No entanto, e apesar da relevância estratégica do norte de África para a
Europa, nomeadamente em termos de defesa, apenas no ano de 2002 surge num
programa governamental português uma referência ao Magrebe. Esta marca então o
18
KEMNITZ, Eva Maria von (2010) Protugal e o Magrebe (séculos XVIII/XIX), Colecção Diplomática do MNE – Série D, Junho de 2010
31
arranque da diplomacia económica para o Magrebe, com o intuito de diversificar os
recursos energéticos. Portugal dispõe de instrumentos e mecanismos da União
Europeia e esta aproximação ao Mediterrâneo interessa à PEP nomeadamente devido
ao alargamento a Leste: o Mediterrâneo surge como elemento de equilíbrio entre os
países do norte e do sul da Europa.
Neste sentido, tanto no âmbito multilateral, como no bilateral, temos vindo a
assistir a uma aproximação portuguesa a esta região. No cômputo multilateral, através
da EU, assinalam-se o Processo de Barcelona (1995), a União para o Mediterrâneo
(2007) e a Política Europeia de Vizinhança (2003). De assinalar são também as
iniciativas como o Diálogo 5+5, o Diálogo Mediterrânico da NATO (1995) e a
Cooperação de Istambul (2004).
A dimensão bilateral tem vindo a desenvolver-se a um ritmo mais lento do que
o multilateral, no entanto são assinaláveis as numerosas iniciativas de assinatura de
instrumentos bilaterais (conforme analisado na secção dedicada aos acordos),
Cimeiras bilaterais, visitas oficiais e périplos que têm vindo a ganhar relevância na
definição da nossa política externa.
É ainda prematuro falar de uma política consolidada para o Mediterrâneo
considerando que esta é uma prioridade recente na política externa portuguesa, no
entanto devemos encarar esta região como uma possibilidade de diversificação das
fontes de recursos energéticos e ter em mente que a Argélia, Marrocos e a Tunísia
representa, alguns dos principais mercados de exportação.
Apesar da instabilidade política e social da região MOM, Portugal pode ser
visionado como um exemplo recente de transição suave para a democracia, e tem
contribuído de forma significativa para as formações no âmbito militar e policial desta
região.
Inicialmente, e de forma bastante ambiciosa, tinha-me proposto analisar
diversos indicadores, no sentido de comprovar que existe, factualmente uma
aproximação portuguesa aos países do Magrebe e Médio Oriente, no entanto, como
uma parte considerável dessas informações não pode ser divulgada (nomeadamente
no que concerne os instrumentos bilaterais em processo de negociação), limitei -me a
32
analisar o número de visitas oficiais a estes países19. O período analisado estende-se
apenas até 2008, por motivos de limitações de tempo para a pesquisa e assume-se o
ano de 2002 como divisor por ser o ano em que surgiu a primeira menção aos países
MOM num programa governamental português.
Figura2. Visitas oficiais aos países MOM
País Visitas Oficiais anteriores
a 2002
Visitas Oficiais posteriores
a 2002 e até 2008
Arábia Saudita 3 7
Argélia 3 14
Palestina 2 2
Bahrein 0 1
Egipto 9 3
Emirados Árabes Unidos 0 2
Iémen 0 1
Irão 2 0
Iraque 0 2
Israel 0 6
Jordânia 0 6
Kuwait 0 1
Líbano 0 8
19
Informações recolhidas no Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
33
Líbia 0 3
Mauritânia 0 3
Omã 1 1
Qatar 0 0
Síria 0 3
Tunísia 26 19
Fonte: pesquisa nos serviços do Protocolo do MNE
Como podemos concluir pela tabela, é possível perceber que se verificou um
aumento das visitas oficias portuguesas aos países do Magrebe e Médio Oriente.
Considero que seria enriquecedor, numa outra oportunidade de
pesquisa/investigação, dar seguimento a esta análise, alargando os critérios de
pesquisa.
34
_Considerações Finais______________________________________________
A realização deste estágio no Ministério dos Negócios Estrangeiros foi uma
experiência profundamente enriquecedora, em todos os prismas: académico,
profissional e mesmo pessoal. A oportunidade de complementar a formação
académica obtida até então com uma experiência mais real em termos de trabalho no
campo das Relações Internacionais é incontornável (com especial enfoque no que
concerne os trâmites processuais inerentes às negociações bilaterais, bem como à
análise objectiva de política interna e externa de um país).
Com este relatório, propôs-se analisar as tarefas desenvolvidas a uma nova luz:
embrenhada no desempenho das tarefas e preocupada com o cumprimento dos
prazos, nem sempre tive oportunidade de reflectir e analisar o grau de conhecimento
que estava a adquirir. Este relatório possibilitou-me então essa reflexão e a capacidade
de compreender de que forma fui, paulatinamente, os conhecimentos adquiridos nas
vertentes curriculares da licenciatura e do mestrado.
Numa última parte do relatório tive a oportunidade, ainda que de forma
superficial, de comprovar que, apesar de Portugal não ter ainda aquilo a que se pode
chamar de uma política definida para a região do Magrebe e Médio Oriente, temse
evidenciado uma aproximação paulatina a esta mesma região. Esta aproximação,
traduzida no crescente número de visitas oficiais e de negociação de instrumentos
bilaterais, demonstra que os eixos tradicionais da política externa portuguesa podem
ter uma alternativa, e a meu ver, a PEP está a variar nesse sentido, explorando novas
opções.
Conforme mencionado anteriormente neste relatório e especificamente em
relação a algumas tarefas desenvolvidas, este estágio permitiu a articulação dos
conhecimentos teóricos com as competências metodológicas no campo das Relações
Internacionais. Forneceu ferramentas para uma maior autonomia na pesquisa e na
análise de informações no que toca à realidade nacional e internacional de um país,
bem como a capacidade de analisar com maior discernimentos algumas mudanças que
começam/poderão eventualmente começar a surgir nessa mesma realidade. Esta
oportunidade permitiu-me também aprofundar os meus conhecimentos nas questões
35
internacionais da região do Médio Oriente e Magrebe, que eram até então algo
superficiais. É-me neste momento mais inteligível e facilmente compreensível a
realidade, limitações e alterações políticas nesta região, bem como a existência e grau
de apelo de movimentos extremistas. Com os ensinamentos dos colaboradores do
MNE tornou-se também mais facilmente possível a análise da política internacional,
nomeadamente das prioridades da política externa portuguesa.
Considero que este estágio complementou, sem falhas, a o conhecimento
teórico que me foi sendo transmitido ao longo da formação académica e que o
acompanhamento que me foi dado foi também exímio.
Através de indicações claras e do apoio constante dos colaboradores da
DSMOM no desenvolvimento das tarefas de pesquisa, bem como as de cariz mais
administrativo, foi-me possível criar uma maior autonomia e segurança na utilização
das ferramentas adquiridas.
As conclusões mais específicas decorrentes da realização de cada tarefa foram
sendo expostas ao longo da análise das mesmas, ou remetidas para anexo, como
produto final do meu trabalho. No que concerne a componente de cariz mais teórico,
o último capítulo deste relatório, gostaria de ter tipo mais tempo para desenvolver
esta resenha história, bem como contrapô-la com dados empíricos (nomeadamente
estatísticas referentes a instrumentos bilaterais, visitas oficiais, notícias publicadas,
etc), no entanto, considero que esta seria uma tarefa bastante interessante a
desempenhar por um outro estagiário da DSMOM.
36
_Bibliografia____________________________________________________________
Obras e Artigos Consultados
BRITO, Nuno Filipe (2005) Política Externa Portuguesa. O Futuro do Passado.
Relalações Internacionais 5,
FARIA, Fernanda (1996) The mediterranean: a new priority in portuguese foreign
policy, Mediterranean Foreign Politics;
FERREIRA, José Medeiros (2006) Cinco Regimes na Política Internacional. Lisboa,
Editorial Presença;
FREIRE, Maria Raquel e Brito (2004) Política Externa Portuguesa. Estudos sobre a
Política Externa Portuguesa após 2000 in Relações Internacionais 28;
GAMA, Jaime (1985) Política Externa Portuguesa 1983-1985, Biblioteca Diplomática
Série C, Ministério dos Negócios Estrangeiros;
KEMNITZ, Eva Maria von (2010) Portugal e o Magrebe (séculos XVIII/XIX), Colecção
Diplomática do MNE – Série D, Ministério dos Negócios Estrangeiros;
MOREIRA, Adriano (2007) A Diplomacia Portuguesa in Negócios Estrangeiros,
publicação semestral número 10 do Instituto Diplomático, Fevereiro 2007;
TEIXEIRA, Nuno Severiano (2004) Entre a África e a Europa: a política externa
portuguesa, 1890-2000 in António Costa Pinto (coord.), Portugal Contemporâneo,
Lisboa, Dom Quixote;
TEIXEIRA, Nuno Severiano (2010) Breve ensaio sobre a política externa portuguesa in
Relações Internacionais 28;
TELO, António José, (2008) História Contemporânea de Portugal, Lisboa, Editorial
Presença.
Fontes Electrónicas
http://www.arqnet.pt/exercito/secretaria.html
37
http://www.portugal.gov.pt/pt/os-ministerios/ministerio-dos-negocios-estrangeiros/quero-
saber-mais/sobre-o-ministerio/estrutura-organica/dgpe.aspx
Decretos e Despachos
Decreto-Lei nº121/2011 de 29 de Dezembro
38
_Anexos________________________________________________________________
ANEXO 1: Exemplos de tabelas criadas para a actualização e organização dos instrumentos bilateais
ANEXO 2: Pesquisa subordinada ao tema “Primaveras Árabes”
ANEXO 3: Pesquisa sobre o Salafismo e os Partidos Tunisinos
39
_Anexo 1: Tabelas de Instrumentos Bilaterais_
Acordos DSMOM
Nome do País
I – Acordos assinados a aguardar cumprimento de procedimentos de direito interno
II – Acordos em negociação
Título do instrumento Últimos desenvolvimentos Comentários
III – Acordos em vigor
Iniciativas não Formalizadas
Título do instrumento Comentários
Título do instrumento Últimos desenvolvimentos Comentários
Título do instrumento
Assinatura
Aprovação/
Publicação/
Ratificação
Entrada em
vigor
(Portugal)
Aviso de
Entrada
Em vigor
Reservas/Objeções/Comentários
Acordo Quadro de
Cooperação e
Respectivo Protocolo
Adicional
Nouakchott
19.12.1998
Decreto nº
33/99,
publicado em
DR nº 198, 1ª
série-A, de
25.08.1999
31.08.2000 Nº 185/2000
(21.10.2000)
Nº 208/2000
(21.10.2000)
40
Convénios assinados e que deixaram de produzir efeitos
Título do instrumento Comentários
Iniciativas Abandonadas
Título do instrumento Comentários
41
-Anexo 2: As Primaveras Árabes_
As “Primaveras Árabes”
No decorrer de 2010/2011, eclodiu uma série de movimentos de contestação na região do
Magrebe – com implicações também no Médio Oriente – cujas reivindicações centrais pareciam ser a
implementação de reformas políticas, económicas e sociais. Alguns dos gatilhos das revoltas, além do
desemprego e do subemprego, foram a insatisfação com o regime vigente, a repressão policial, a
corrupção, a pobreza, a inflação, bem como a exclusão social e política.
A rebelião, chamada de ‘Primavera Árabe’, começou com um protesto na Tunísia – a
autoimolação de um vendedor de frutas – que foi seguido por grandes revoltas populares que
culminaram com a queda de Ben Ali, cujo governo se prolongava por dezenas de anos. De Túnis -
saltando por Trípoli - as revoltas chegaram ao Cairo causando igualmente, com a ajuda das forças
armadas, a queda de Hosni Mubarak, no poder também havia mais de trinta anos. Do Cairo, os
protestos voltam para a Líbia de Muammar Gaddhafi 20
, onde deram origem desde o início a uma
confrontação armada, e posterior intervenção de forças aéreas ocidentais sob comando da NATO.
Deve haver, no entanto, c erta cautela à hora de sobrestimar a importância das reivindicações
por maiores níveis de democracia. Em primeiro lugar, as mudanças a que estas reivindicações deram
início ainda se encontram em curso. Em segundo lugar, a vitória dos partidos islamitas que se seguiu à
queda dos regimes autoritários suscitou diversas preocupações, tais como o papel da religião na
organização do Estado, a proteção aos direitos humanos, a posição quanto à separação de poderes,
entre outros aspetos fundamentais na construção de sociedades democráticas. Integrar os princípios
religiosos numa ordem verdadeiramente democrática é, em conjunto com as dificuldades económicas,
as tensões sociais e a situação de segurança, um dos maiores desafios que se coloca a estas sociedades
para as próximas décadas.
Apesar da semelhança no conteúdo das reivindicações, as revoluções nestes três países
refletiam dinâmicas económicas e sociais divergentes e, como resultado, encontrarão no seu caminho
desafios igualmente diferentes.
Tunísia. Durante o governo de Ben Ali a Tunísia passou a gozar do melhor sistema educacional do
mundo árabe, tal como passou a ter a maior classe média e o movimento trabalhista mais forte. As
instituições eram relativamente saudáveis, apesar dos altos níveis de corrupção. No entanto, o governo
era também responsável pela violenta restrição à l iberdade de expressão e aos partidos políticos.
A autoimolação do jovem vendedor de frutas tunisino, que tinha nível superior completo,
surgiu como protesto contra a repressão policial e o desemprego. Durante os protestos que se
seguiram, as Forças Armadas tiveram um papel menos significativo. Apesar de terem apoiado as
rebeliões, os militares não participaram de maneira significativa da administração do periodo de
20
Não sem antes passar pelo Iémen e pelo Bahrein, com consequências diferentes, mas sobre as quais não se entrará em detalhes neste momento.
42
transição. Havia a noção amplamente difundida de que este era o país com maiores probabilidades de
sucesso na transição democrática.
O assassinato de Chokri Belaid, o coordena dor da coligação, a 06.02.2013, despoletou uma
nova crise política no país, com o Ennahda a negar qualquer envolvimento no caso em resposta às
acusações da Frente Popular. Este incidente levou a que a coligação, conjuntamente com o Partido
Republicano secular e o Call of Tunisia, anunciaram, em consequência, a sua retirada da Assembleia
Nacional e convocaram uma greve geral.
__Ponto de Situação______________________________________________________
O assassinato político de Chokri Belaid, um proeminente pol ítico da oposição, em fevereiro de
2013 lança o país numa nova onda de protestos e instabilidade política que resultam na demissão do
primeiro-ministro, Hamadi Jebali, ao ver a sua proposta de formação de um governo de tecnocratas
negada pelo próprio parti do. O Presidente, Moncef Marzouki, aponta o Ministro do Interior, Ali
Larayedh, como sucessor, concedendo-lhe duas semanas para formar um novo governo. A proposta de
formação de governo foi apresentada na passada 6ª feira e aguarda agora aprovação. As expectativas de
Larayedh pretendiam uma coligação de ampla base política, porém a grande maioria dos partidos
convidados abandonou as conversações, pelo que apenas o Ennahda, o CPR e a Ettakatol
desempenharam um papel ativo na definição do novo gabinete e programa (mantendo o cenário da
coligação já existente antes da emergência desta crise política).
Egito. O governo do Hosni Mubarak passou a ser crecentemente associado à capacidade cada vez
menor de fornecer serviços básicos e à sua aparente indiferença ao desemprego e à pobreza. Já pelo
lado positivo, o Egito era relativamente tolerante à imprensa, de acordo com os padrões regionais, e
tem uma cultura de fortes laços comunitários e de confiança.
Com a eclosão das rebeliões, nota-se um fator de grande importância: a aberta intervenção do
exército, que é amplamente respeitado pela população em geral, nos protestos. Com a queda de
Mubarak, o exército assumiu o controlo do país. Quando as eleições resultaram num Parlamento
dominado pela Irmandade Muçulmana e por Salafistas, os partidos seculares imediatamente declararam
a não-representatividade da instituição, apesar das eleições terem sido consideradas limpas, entrando
assim o processo de transição numa nova crise.
Líbia. A sociedade líbia, sob o governo de Muammar Gaddhafi por cerca de quatro décadas, estava
fraturada. Apesar da riqueza obtida por meio da exploração do petróleo, havia uma escassez
artificialmente induzida em produtos e serviços, o que levou à corrupção generalizada e a altíssimos
níveis de desconfiança no governo. A lealdade dos l íbios passou a ser, portanto, para com a tribo e a
família. A segurança, assim como a disponibilização de bens e serviços, era responsabilidade das redes
de parentesco. As instutuições nacionais, incluindo as Forças Armadas, estavam divididas de acordo com
desavenças entre famílias e regiões. A Líbia não tem um sistema de alianças políticas ou organizações
nacionais de qualquer tipo.
43
Com o início dos protestos, o país caiu em guerra civil, e o que se vê desde então é o o caminho
em direção à falência estatal. A Líbia encontra-se tripartida desde a queda de Kadafi e a situação está
fora de controlo, sendo que o poder central não tem força, as indústrias petroleiras têm milícias
próprias e a segurança torna-se um grave problema.
Marrocos. Às demonstrações em massa de fevereiro de 2011, o rei Mohammed VI respondeu com
emendas à Constituição e realização de eleições, porém, a promessa de reforma mais abrangente ficou
por cumprir, sendo que o país continua a assistir ao aprofundamento dos seus problemas económicos.
A monarquia encontra-se sob pressão, apesar das políticas reformistas que tem vindo a adotar
(qualquer reforma que não seja radical, não transparece como suficiente) e verifica -se a existência de
movimentos “primos” da Irmandade Muçulmana.
Argélia. Na memória dos argelinos encontram-se bem frescos os acontecimentos da Guerra Civil na
década de 90, o que assume um papel de sombra no que concerne aos perigos da contestação. Porém,
isto não significa que essa situação não se altere num futuro próximo. O governo é forte e a Irmandade
Muçulmana teve pouco sucesso nas eleições, no entanto a parte do Sahel encontra -se fora de controlo,
existindo um domínio por parte de um movimento semelhante à Al -Qaeda.
44
_Anexo 3: Salafismo e os Partidos Políticos da Tunísia_
O salafismo, que anteriormente ao 11/09 não tinha atraído muita atenção, é uma corrente
sunita que tem vindo a tornar-se um tópico de debate e pesquisa cada vez mais em voga. É um conceito
que geralmente se associa a uma abordagem literalista, rígida e puritana do Islão, podendo definir -se
como uma escola de pensamento que emergiu na segunda metade do séc. XIX, em reação ao
alastramento das ideias europeias.
Quando o salafismo se alargou à Europa, nos anos 90, atraiu alguma atenção académica, mas a
pesquisa sobre este tópico focava principalmente aspetos regionais ou num espectro mais generalizado,
relacionado com a radicalização. No que concerne este fenómeno emergente, torna -se relevante
perceber o grau de atratividade que este possui, bem como a sua relação com a política e a violência. O
Salafismo é um movimento de difícil definição devido ao grau de ambiguidade e fragmentação que o
caraterizam, mas podemos apresentá-lo como heterogéneo que, recentemente, adquiriu tendências
variadas e mesmo contraditórias, surgidas em diferentes regiões. A expressão Salafismo deriva do termo
antepassados crentes/cumpridores (al-salaf al-salih), as primeiras três gerações de muçulmanos, que
experienciaram em primeira mão a ascensão do Islão e são vistos como exemplares na forma correta de
viver para os muçulmanos. Considera-se que o “período dourado” se restringe às gerações iniciais de
muçulmanos, ou mesmo ao período dos 4 Califados “rightly guided” (632 -661). O Salafismo afirma-se
como um meio para o regresso à pureza primitiva do Islão, através do estudo das fontes primárias
deste: o Corão e o hadith (corpo de leis, lendas e histórias da vida de Maomé), sendo uma corrente
seriamente baseada nas escrituras e literalista. O objetivo é o de que os muçulmanos se comportem
exatamente como os devotos antec essores e o seu apelo resulta da clareza e pureza que representa.
Figuras como Ahmad ibn Hanbal e Taqi al -Din ibn Taymiyya contribuíram fortemente para a formação
do salafismo como doutrina. Existem, no entanto, tensões várias dentro do próprio movimento, que
resultam da contradição entre interpretá-la como uma doutrina rigorosa de completa submissão a deus
e às exigências que isso representa para os crentes, para se manter devoto na sua cr ença. Este é, em
parte, um problema político, pois levanta dilemas como o caráter do movimento: é ativista ou quietista?
Pode ser apenas uma das duas, ou existem outras alternativas?
As tensões no salafismo surgiram com a crescente importância da Arábia Saudita que,
tornando-se um estado petrolífero poderoso, arrancou o movimento do seu nicho sectário, excluído,
regional e marginalizado, atirando-o para um mundo moderno, através de pensadores mais sofisticados,
ideológica e culturalmente diversos, de forma a poder confrontar a nova realidade. Estes teóricos
acrescentaram à equação as suas próprias doutrinas, interesses e questões, originando um salafismo
multifacetado, que se reflete na diversidade de orientações, variando entre correntes quietistas e
apolíticas, movimentos politicamente ativos e redes jihadistas violentas. Estas correntes, apesar de
terem origens no salafismo e de partilharem as doutrinas e os termos básicos deste, geram a sua própria
genealogia, bem como uma interpretação própria do movimento, baseada em circunstâncias locais
específicas e nos desenvolvimentos globais. Um outro fator que contribui para o aumento de tensão é o
45
elemento mais ativista na relação entre a comunidade de crentes e não crentes, para a qual o
Wahhabismo contribuiu com um fortalecimento da atitude xenófoba.
Os salafistas despendem uma considerável quantidade de tempo e energia em disputas
doutrinais, sendo que o formato organizacional da rede informal é atreita a separações. Esta tendência
é acentuada pela média, pela internet e pelas manifestações de modernização (como a crescente
individualização).
Apesar destas divergências doutrinais, a “clareza salafista” é uma razão vital para a atratividade
do movimento, sendo que este se pode caracterizar pela repressão da mulher e por um controlo social
agudo.
Da sua posição como moralmente superiores, decorre uma suposta legitimidade para contestar
o poder hegemónico dos seu oponentes e, a sua ênfase na pureza doutrinal e não na política, empossa
os indivíduos, ao fornecer um modelo alternativo universal de verdade e ação social. Devido à sua
qualidade universal e ao seu carácter desterritorializado e desculturalizado, tornou-se um importante
modelo de identificação, eminentemente adequado para a criação de novas comunidades virtuais.
Porém, o verdadeiro poder da capacidade mobilizadora do salafismo reside na sua capacidade de,
moralmente, suplantar o seu oponente, transmitindo um sentido de superioridade que se subdivide em
6 dimensões: não é explicitamente revolucionário, o s eu empossamento deriva da sua proclamação de
superioridade intelectual de conhecimento religioso, fornece aos crentes uma identidade forte, permite
aos seus seguidores identificarem-se mais facilmente com a umma mais abrangente, empossa o
seguidor ao incentivá-lo a participar ativamente na missão salafista, é ativista enquanto
(principalmente) quietista, tem a vantagem tremenda da ambiguidade e da flexibilidade.
É um fenómeno rec ente e é o seu carácter absoluto que atrai, uma vez que os seus seguidores
se tornam modelos ativos. O “produto” tem sucesso pois convence os seus “compradores” no mercado
religioso de que estão a comprar o verdadeiro Islão. Os salafistas distinguem-se da restante sociedade
pelos seus rituais e vestimentas especiais o que, conjuntamente com a obrigatoriedade das 5 orações
diárias, fornece uma perceção de separação/independência.
A l igação do salafismo com a política é um dos aspetos mais intrigantes e duvidosos/instáveis
do movimento, constituindo o seu dilema central e contribuindo simultaneamente para o seu
enfraquecimento ou fortalecimento. O problema central do salafismo moderno reside em perceber
como agir de forma não política num mundo político, em que o islamismo é um movimento de massas e
o mundo ocidental o perceciona com suspeição e associação ao terrorismo. Neste sentido, a dimensão
política do salafismo pode adotar três formas: quietista e discreta (com aconselhamento dos
governantes nos bastidores), encoberto (professa o quietismo, porém atua politicamente, enquanto
condena a intervenção política) e abertamente ativista (exigindo reforma política). Transcendendo a
política, o seu ativismo político toma a forma de violência e extremismo. O salafismo fornece certos
conceitos e práticas que podem ser considerados ferramentas políticas, permitindo uma interferência
ativa na esfera pública, podendo oscilar entre minimalista/quietista e política maximalista/ramo
46
violento, movendo-se numa escala deslizante. Na prática, embora a crença deva ser protegida em
detrimento da terra, tem sido difícil para os salafistas ignorarem completamente a política, sendo que
esta ligação tem sido agravada pela relação com a violência.
Ironicamente, o salafismo-jihadista, geralmente percecionado como a sua forma mais
retrógrada, é a sua manifestação mais moderna. Esta tendência nasceu nos anos 80, no Afeganistão, por
ocasião da guerra contra a ocupação soviética e adota uma estratégia revolucionária violenta com o
objetivo de substituir os Estados nos países muçulmanos por um Estado Islâmico, através da força. A
principal diferença entre este tipo de salafismo e a corrente dominante está amplamente relacionada
com a separação da realidade e evitar o cenário político, sendo que o primeiro se concentra na análise
da realidade política, desenvolvendo estratégias e práticas para a alterar. À semelhança de qualquer
identidade moderna, pode ser adotada e alterada, é transnacional e promove o conceito de mudar o
mundo pela ação. No caso particular do salafismo-jihadista, as circunstâncias que explicam o seu apelo
exigem um determinado tempo e espaço. Contudo, considerando o elevado controlo do debate público
no mundo árabe, pode considerar-se que esta corrente salafista tem contribuído para um certo
pluralismo, que é raro nesta região.
Em suma, o salafismo não é um movimento unificado, sendo que podem ser identificadas
diversas genealogias de correntes diferentes do salafismo, cada qual com a sua trajetória histórica
diferente e combinação de redes locais e transnacionais. Quanto mais global se torna o movimento , mas
diverso, contraditório, ambivalente e fragmentado se afigura nas variações locais. Nem os estados, nem
mesmo as escolas salafistas conseguem controlar o fluxo do movimento, no entanto, evidencia -se que
aos pontos fortes do salafismo se opõem as suas limitações: rigidez, fragmentação e dissolução política.
Estando a ser reduzido a uma caixa de ferramentas, será recorrentemente assaltado por outros
assuntos.
Mesmo no seio da comunidade muçulmana, o Salafismo tem sido alvo de duras críticas,
principalmente por negligenciarem uma interpretação do Corão, bem como o contexto da escrita do
mesmo, ou o espírito dos textos.
Apesar dos recentes desenvolvimentos e do uso da violência por parte de alguns salafistas em
diferentes regiões do globo, alguns autores es tabelecem que não deverá haver motivo para alarme
quanto a esta corrente como sucessora da Al -Qaeda, visto que não é uma tendência unificada e os seus
seguidores pertence a um leque muito abrangente de movimentos, com consideráveis cisões internas,
bem como orientações e visões díspares no que concerne a intervenção política. As subculturas
salafistas, de uma forma geral, não possuem o tipo de organização disciplinada que caracteriza a
Irmandade Muçulmana, pelo que têm alguma dificuldade em agir de forma planeada e organizada. De
facto, a fragmentação e a luta constante entre os grupos islâmicos em permanente competição podem
evitar uma votação em massa, o que acaba por ser uma vantagem para os grupos liberais e seculares. O
movimento desempenha já um papel crucial na paisagem pública emergente e a batalha referente aos
47
símbolos islâmicos irá, muito provavelmente, continuar a ser uma característica proeminente da política
no mundo árabe em anos vindouros.
_Salafismo no caso tunisino________________________________________________
O governo cogitou a hipótese de legalizar o movimento como partido, com o intuito de lhe
incutir um maior sentido de responsabilização pública e, com isso, moderar as suas ações, porém
desconhecem-se desenvolvimentos neste sentido. Os salafistas na Tunísia refletem as características e
limitações do movimento noutras regiões, apresentando uma coleção variada de indivíduos
religiosamente de direita, cujas identidades e motivações não são facilmente identificáveis. Até janeiro
de 2011, os salafistas na Tunísia pareciam virtualmente invisíveis e quase integralmente apolíticos sendo
que, após a revolução estes surgiram, aos olhos dos tunisinos com inclinações seculares, como sinónimo
do partido Ennahda.
Já no ano de 2012, o estilo de roupa conservadora e os protestos com orientação religiosa
tornaram-se mais habituais e, apesar da opinião de vários opositores seculares de que os dois
movimentos são intercambiáveis, a imprensa tunisina começa já a descrever os salafistas como ultra -
conservadores, de natureza violenta, cujas simpatias se localizam à direita do partido Ennahda. Torna -se
visível que o termo “salafista” se tornou aplicável à generalidade dos protestantes com barba, tornando -
se um generalismo fácil e um conceito facilmente manipulável. O salafismo na Tunísia alberga um leque
de movimentos sociais religiosos conservadores, do qual podemos distinguir duas correntes: Salafiyya
‘Almiyya (Salafismo escrituralista ou “científico”) e Salafiya Jihaddiyya (Salafismo Jihadista), sendo que
os segundos classificam o primeiro como demasiado fracos para promover mudança no sistema. Ambas
as correntes refletem as características dos grupos correspondentes noutras regiões. Um pequeno
grupo de salafistas escrituralistas, conduzido por indivíduos da ala direita do movimento predecessor do
Ennahda (Islamic Tendency Movement), na década de 80, enveredou por um caminho mais político.
Desses indivíduos, destaca-se Mohamed Khouja, l íder do moderadamente salafista Jibhat al -Islah
(Reform Front), que tinha ligações com os dirigentes do Ennahda, que acabaria por se juntar, no exílio, à
jihad anti-soviética no Afeganistão. A visão jihadista considera que o sistema político da Tunísia se
encontra corrompido pela herança do regime autocrático de Bem Ali. Um considerável número de
salafistas, provavelmente a maioria, não votou nas eleições de setembro/2011 e, os que votaram,
fizeram-no tendencialmente a favor do Ennahda, com a esperança de que a sharia fosse instituída como
base da lei. O fracasso desta expectativa tem vindo a originar demonstrações de descontentamento
através da violência. O apoio à corrente jihadista tem vindo a crescer desde o ano de 2000, provocado
pelo aumento do número de detenções, que por sua vez provocou sentimentos de marginalização e
descontentamento de alguns jovens, levando a uma radicalização dos mesmos.
Os salfistas analisam-se como atores profundamente marginalizados no palco político do
mundo árabe, correspondendo maioritariamente à classe média -baixa ou mesmo pobre, de faixas
etárias jovens, enquadrando-se no grupo socioeconómico que deu início às agitações contra o regime,
48
em prol dos seus direitos económicos e sociais. De uma maneira geral, os dois grupos têm pouco
contacto entre si.
Desde o inverno de 2012, erupções violentas têm vindo a ocorrer, numa escala menor do que a
do ataque à Embaixada dos EUA, por todo o país, nomeadamente em lojas de bebidas alcoólicas,
teoricamente em sinal de protesto pelos elementos “anti -islâmicos”, no entanto, por vezes esses
ataques são injustificadamente atribuídos a salafistas.
Recentemente foi divulgado um vídeo, no qual Rached Ghannouchi, l íder do Ennahda, se
encontrou com entidades salafistas , num indício de cooperação entre as duas correntes, que deu
origem a um considerável escândalo. Desconhece-se até que ponto este encontro serviu para enviar
uma ordem de recuo aos salafistas, porém as ligações entre estas duas entidades são bastante obscuras.
Atualmente, a violência e extremismo destes grupos locais de jihadistas colocam em perigo os
interesses políticos dos l íderes islâmicos da Tunísia e conquistaram também território dentro da
oposição síria. Embora os salafistas não representem, na Tunísia, uma parte significativa da população,
acabam por ter um papel significativo na definição das agendas políticas, por variadas razões,
originando a ação ou inação do governo, o que, por sua vez, se encontra na base de duras críticas à ação
deste.
Tunísia
Partidos
Os partidos políticos eram, de uma maneira geral, irrelevantes até ao início da Primaver a Árabe, sendo
que eram ilegais no regime de Bem Ali, nesta democracia jovem, são tidos em baixa consideração.
Percecionados como corruptos, e clubes de defesa de interesses próprios construídos em volta de um
único líder, encontram-se significativamente desligados da vida do cidadão comum. Durante o regime
de Ben Ali, o “partido no poder” estava, grosso modo, fundido com as estruturas do Estado,
perturbando frequentemente os partidos da oposição (os poucos que eram tolerados), que por sua vez
não tinham hipótese de obtenção de poder político significativo. O panorama vivido até muito
recentemente originou esta visão de inutilidade e corrupção dos partidos políticos, dificultando -lhes
atualmente a sua estabilização como entidade responsável e credível. Após a queda do regime e a
dissolução do RCD – partido governante), surgiram dezenas de novos partidos, entre eles partidos
anteriormente banidos e novos, que foram sendo legalizados nos meses seguintes. Aproximadamente
100 partidos competiram nas primeiras eleições livres na Tunísia, a 23.10.2011. O comparecimento de
cerca de 90% dos eleitores às urnas dá conta da ânsia de liberdades sociais e políticas por parte da
população. A elevada fragmentação dos votos resultou na atribuição de 31% dos mesmos a listas qu e
permaneciam sem representação na Assembleia Constituinte. O partido da Ennahdha, com 40% dos
votos, emergiu como força mais pujante, formou um governo de coligação com os partidos de centro -
esquerdo Ettakatol e CPR. Em 2012 várias divisões e fusões entre partidos de esquerda-liberal refletiram
o esforço para aumentar o atração do campo liberal, com o intuito de melhorar o desempenho nas
eleições de 2013.
49
A oposição liberal, com pouco tempo para se preparar para as eleições de 2013, encontra -se
fragmentada e mal preparada para aprender com os erros estratégicos.
Em maio de 2012, o Al Islah foi o primeiro partido islamita salafista a ser legalizado, porém, Hizb-
ut-Tahrir, a principal organização salafista, continua banida. Quanto à oposição liberal, a coliga ção da
Ennahdha com os dois maiores partidos l iberais deitou por terra as perspetivas de uma frente coligada
contra o domínio islamita ainda antes das próximas eleições. A mesa da Assembleia Nacional
Constituinte propôs a data de 27.10.2013 para as eleições legislativas e presidenciais, data esta que
ainda terá que ser aprovada numa sessão plenária.
As Primaveras Árabes estabeleceram os partidos islamitas como força política dominante na
região sendo, no entanto, que esta ascensão não representa, necessaria mente, um sinal de ideologia
baseada na fé em massa, representa sim a falta de credibilidade de alternativas liberais eficientes. Na
Tunísia, o futuro dos partidos políticos irá depender do papel e poder que lhe forem atribuídos, nas
constituições que serão escritas no decorrer deste ano. Um dos presentes de despedida dos ditadores é
a total desconfiança na classe política, o que origina, para os novos e para os reavivados partidos
políticos, o desafio de reinventar a política árabe.
_Partidos_______________________________________________________________
No período anterior às Primaveras Árabes, a Tunísia era um estado de partido dominante, o
RCD. Após a revolução, este partido foi dissolvido, sendo os quadros proibidos de se apresentarem
como candidatos nas eleições, e foi autorizada a constituição de novos partidos. Mediante esta
alteração do cenário político, foram constituídos mais de 70 partidos.
_Legalizados antes da revolução tunisina_
Fórum Democrático para o Trabalho e Liberdades (FDTL/Ettakatol) – é um partido social
democrata, fundado em 09.04.1994 e oficialmente reconhecido a 25.10.2002. Fundado pelo seu atual
secretário-geral, o radiologista Mustapha Bem Jafar, desempenhou um papel secundário durante o
regime de Ben Ali. Embora pudesse participar nas eleições, não podiam conseguir lugares no
parlamento tunisino, sendo que Jafar tentou candidatar-se às presidenciais de 2009 e foi impedido de
participar na corrida eleitoral. Após a revolução e antes das eleições, tornou -se o principal
representante da ala secular centro-esquerda e, a 17.01.2011, o representante do partido foi nomeado
Ministro da Saúde para o governo interino, mas acabou por recusar. Nas eleições para a Assembleia
Constituinte, a 23.10.2011, elegendo 20 dos 217 deputados, ocupou o lu gar de 4ª força. O FDTL chegou
a acordo com os dois maiores patidos, Ennahda e CPR, formando a coligação que se encontra no
governo, dividindo entre si as três posições de maior relevo. Jafar ocupou o cargo de Presidente da
Assembleia, apoiando a eleição de Marzouki (CPR) como PR e Jebabil (Ennahda) para PM. O FDTL é um
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membro observador da Socialista Internacional e do Partido Socialista Europeu sendo que, desde 2007,
tem vindo a publicar semanalmente, em árabe, um semanário com o nome Mouatinoun (Cidadãos).
Movimento Ettajdid, ou simplesmente Ettajdid, é um partido do centro-esquerda secular,
dirigido pelo Primeiro Secretário, Ahmed Ibrahim, evoluiu do antigo Partido Comunista Tunisino em
1993. Nesse ano, o partido adotou um novo nome, abandonou o comunismo e adotou um programa
económico-social, sendo legalizado ainda no decorrer desse ano. Nas eleições de 1994, conseguiu eleger
4 deputados, vendo esse número aumentar para 5, em 1999. Esses números decresceram para 3 e 2, em
2004 e 2009, respetivamente, o que o transformou no menor partido dos 7 repr esentados no
parlamento. Após os protestos de janeiro de 2011, conseguiu o cargo de Ministro da Eduação Superior
para Ahmed Ibrahim e, nas eleições para a Assembleia Constituinte, formou uma aliança fortemente
secularista, o PDM, do qual é o pilar. O Ettaj did publica o at-Tariq al-Jadid (Novo Caminho).
Partido Verde para o Progresso
Movimento dos Social-Democrat as é um partido da oposição. Foi o 2º maior partido na Câmara
de Deputados, nas eleições de 2009. Em 1999 tornou-se o maior partido da oposição, assegurando 13
lugares no parlamento. Onze anos depois, o l íder do partido, Mohamed al Mouadda, foi acusado da
formação de um pacto com o ilegal Ennahda e, nas eleições parlamentares de 2004, conseguiu 4.16%
dos votos, bem como 14 deputados. Este número subiria para 16 nas eleições de 2009 e apenas 2 nas de
2011.
Partido da União do Povo é, também, um partido socialista de oposição na Tunísia. Em 1999
tinha 7 membros no parlamento, sendo que, com 3.6% dos votos, esse número subiu para 11 nas
legislativas de 2004, e 12 nas de 2009.
Partido Social Liberal (PSL) é um partido liberal da oposição, sendo membro da Liberal
Internacional e da Rede Liberal Africana. Fundado em 1988, com o nome de Partido Social para o
Progresso, alterou-o em 1993, com o intuito de refletir a sua ideologia liberal. Nas eleições de 1999,
elegeu, pela primeira vez, 2 deputados, mantendo-os em 2004. Em 2005, um dos seus fundadores,
Mongi Khamassi , abandonou o partido para formar o Partido Verde para o Progresso. Apesar disto, o
PSL conquistou 8 lugares em 2009, tornando-o o 5º maior partido. A para das reformas liberais nos
campos social e político, o PSL advoga também a liberalização económica, incluindo a privatização de
empresas nacionalizadas.
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União Democrática dos Sindicalistas - partido da oposição, professa uma ideologia pan-arábe e
detém 9 lugares na Câmara de Deputados, o que faz dele o 4º maior partido. Nas eleições de 1999
conseguiu 7 lugares, renovando-os em 2004 e aumentando-os para 9 nas eleições de 2009.
_Lagalizados após as revoluções_
Movimento Ba'ath (PBT) a primeira corrente Ba’ath tunisina estabeleceu-se em 1995 e,
posteriormente, sob o Partido Ba’ath unificado. Banid durante o regime de Ben Ali, estabeleceu -se no
seu primeiro Congresso, 3-5 de junho de 2011 e registou-se legalmente a 22.01.2011. No entanto,
manteve-se ativa desde 1950, embora não oficialmente.
Congresso para a República (Al Mottamar/CPR) é um partido secular de centro-esquerda,
criado em 25.07.2001 (por 31 pessoas, entre as quais Moncef Marzouki), mas legalizado apenasa após
as revoluções em 2011. Desde dezembro de 2011 é liderado por Abderraouf Ayadi. O partido declarou
que o seu objetivo era instalar uma forma de governo republicana, com liberdade de discurso, de
associação e com eleições verdadeiramente livres e honestas. Nesta declaração, pediam também uma
nova Constituição, a separação rígida das diferentes formas de governo, garantias de respeito pelos
direitos humanos, igualdade entre géneros e um tribunal constitucional para proteção dos direitos
individuais e coletivos. O CPR também sugeriu uma renegociação dos compromissos com a EU, para
apoiar o direito à auto-determinação dos direitos nacionais, nomeadamente no caso palestiniano. Em
2002, o partido foi banido pelo regime e o seu líder, Moncef Marzouki, exilou-se em Paris, porém o
partido continuou com a sua existência até 2011, dirigido a partir de França. Durante os protestos
tunisinos, Marzouki anunciou o seu regress o, que acabaria por ocorrer em janeiro de 2011, bem como a
candidatura às próximas eleições. O símbolo do partido são uns óculos vermelhos, em alusão aos óculos
característicos que o l íder utiliza. Os jovens apoiantes do partido são conhecidos por usarem estes
mesmos óculos, numa demonstração do seu apoio por Marzouki.
Nas eleições para a Assembleia Constituente, com 8,7% dos votos, conseguiram 29 dos 217 lugares,
tornando-se o 2º partido mais forte. Formou uma coligação com o Ennahda e o Ettakatol e conseguiu
eleger Marzouki como Presidente a 12.12.2011. Em maio de 2012, membros descontentes do partido
abandonaram-no para formar o Congresso Democrático Independente, l iderado por Abdel Raouf Ayadi
(antigo secretário-geral do CPR), a quem se juntaram 12 membros da Assembleia Constituinte.
Partido da Pátria, ou Al Watan, é um partido de centro, legalizado em março de 2011. Fundado
por Mahamed Jegham, antigo Ministro do Comércio e do Turismo, Ahmed Friaa, antigo ministro do
interior e 10 outros l íderes. Jegham e Friaa descendem das fileiras do antigo partido do regime porém,
em junho, Friaa anunciou a sua demissão do partido,
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Partido Liberal Magrebino (PLM) legalizado a 22.03.2011, é um partido de centro-direita,
liberal e social. Fundado por Mohamed Bouebdelli , o director da Universidade Livre de Tunis.
Movimento Ennahda (Renaissance Party ou Ennahda) é um partido islamista moderado,
conseguiu autorização para a sua formação a 01.03.2011. Desde então, tem-se tornado o maior e
melhor organizado partido da Tunísia, suplantando os seus rivais mais seculares. A 23.10.2011, nas
primeiras eleições honestas do país, o partido arrecadou 51,1% dos votos, elegendo 89 dos deputados
(correspondente a 40% da assembleia).
Sucedendo um grupo conhecido como Ação Islâmica, o partido foi fundado sob o nome de
Movimento da Tendência Islâmica, em 1981 e, em 1989, alterou-o para Ḥarakat an-Nahḍah.
O partido tem sido descrito como um dos vários movimentos em Estados muçulmanos que cresceu
a par da revolução iraniana, tendo sido originalmente inspirado pela Irmandade Muçulmana egípcia. O
grupo apoio a tomada da Embaixada americana em Teerão e, em 1984, a sua influência era tal que, nas
palavras de um jornalista britânico na Tunísia, era a força de oposição mais ameaçadora. O grupo foi
também responsável pelo bombardeamento de alguns hotéis de turistas nos anos 80.
A partir dessa década, o partido começou a ser descrito como islamista moderado, quando começou a
advogar a democracia e a proclamar uma forma tunisina de islamismo, que reconhecesse o pluralismo
político, bem como o diálogo com o Ocidente.
Os críticos acusam Ghannouchi, um dos principais l íderes, de ter tido um passado de violência
porém, nos tribunais, apenas foi acusado de ter organizado um partido político não autorizado.
Nas eleições de 1989, o partido boi proibido de participar, contudo, alguns dos seus membros
candidataram-se como independentes e receberam entre 10 a 17% dos votos, de acordo com os
números oficiais do regime de Ben Ali. Dois anos mais tarde, Ben Ali voltou-se contra o Ennahda,
prendendo 25000 dos seus ativistas, ao que os militantes responderam com ataques às sedes do RCD. O
jornal Al-Fajr, do Ennahda, foi banido na Tunísia e o seu editor, Hamadi Jebali, foi condenado a 16 anos
de prisão por filiação numa organização não autorizada.
Crê-se que a estação televisiva árabe El Zeitouna tenha ligações com o Ennahda. O partido foi
duramente reprimido nos finais da década de 80 e inícios da de 90, estando quase completamente
ausente da Tunísia entre 1992 e o período revolucionário.
Numa entrevista em janeiro de 2011, Ghannouchi confirmou que estava contra o con ceito de
um Califado Islâmico e apoiava a democracia e, dois meses depois, o partido foi legalizado. Os l íderes do
partido têm vindo a ser descritos como altamente sensíveis aos medos entre os tunisinos e o Ocidente
em relação a movimentos islâmicos, medos esses que o partido tenta frequentemente despistar,
afirmando-se como islâmicos e não islamita, evidenciando o exemplo turco como modelo que
pretendem seguir.
O partido protagonizou uma campanha eleitoral dispendiosa, procurando atingir o maior
número de regiões e pessoas possível, nomeadamente da classe mais baixa, motivo pelo qual foi
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acusado de receber consideráveis contributos financeiros externos, nomeadamente dos Estados árabes
do Golfo.
Para muitos analistas políticos, a vitória do Ennahda é um resultado natural do esforço de
campanha, bem como o reconhecimento de Ghannouchi como uma das principais vozes da resistência
contra o regime, mas principalmente por ter conseguido efetivamente conceber uma mensagem política
de abolição do secularismo imposto durante décadas aos tunisinos (agradando de forma semelhante a
pessoas religiosas e críticos anti -regime).
O partido é geralmente descrito como socialmente centrista, com um moderado apoio ao
liberalismo económico contudo, alguns liberais acusam-nos de terem um discurso que não corresponde
aos objetivos que efetivamente tentarão alcançar, sendo que o Ennahda é mais moderado em áreas
urbanizadas, onde as crenças seculares e socialmente liberais predominam. O partido tem vindo a ser
duramente criticado pela não melhoria das condições de vida na Tunísia, bem como pela reação
demasiado branda para com as demonstrações violenta do movimento salafista, que resulta numa
relutância em tomar medidas mais drástixas.
Partido Trabalhist a Patriótico e Democrático
Partido Republicano é um partido liberal, de centro, formado em 09.04.2012, em consequência
da fusão entre o PDP (Partido Democrático Progressista), Afek Tounes e o Partido Republicano Tunisino,
bem como outros partidos menores e vários independentes. Liderado por Maya Jribi, anteriormente
secretário-geral do PDP, detém 11 dos 217 lugares da assembleia e representa o maior partido da
oposição. Após o congresso de fundação, 9 dos membros da assembleia, eleitos pelo PDP, contestaram
o voto de liderança e suspenderam temporariamente a sua filiação no partido.
Partido Pirata Tunisino é um pequeno partido, formado em 2010 e legalizado em 12.03.2012,
tornando-se um dos primeiros crescimentos do movimento Partido Pirata na África continental. O
partido adquiriu visibilidade durante a revolução tunisina e Slim Amamou foi momentaneamente
responsável por um Ministério (o primeiro político de um partido pirata a conseguir tal), porém
renunciou em sinal de protesto contra as medidas repressivas do governo interino.
Partido dos Trabalhadores Tunisinos (PCOT) é um partido Marxista-Leninista, cujo secretário-
geral é Hamma Hammami. Fundado em 03.01.1986, como ala jovem da União Comunista (UJCT),
encontrava-se banido até à revolução. De acordo com dados da Amnistia Internacional, em 1998, 5
estudantes foram acusados de filiação ao PCOT e condenados a sentenças de 4 anos de prisão, após
protestos estudantis.
Após o seu envolvimento nos levantamentos contra Ben Ali, o PCOT teve a sua primeira conferência
como partido legal em julho de 2011, contando com 2000 participantes.
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Nas eleições para a Assembleia Constituinte, os candidatos pela formação eleitoral do PCOT
concorreram com o nome “Alternativa Revolucionária” e alcançaram 3 dos 217 lugares, em Sfax,
Kairouan e Siliana. Este resultado deixou os l íderes do partido significativamente descontentes, pela
inexpressividade da importância real do partido, o que posteriormente se traduziu em declarações de
descontentamento face ao uso de doações políticas em campanha eleitoral.
Em julho de 2012, o PCOT decide finalmente remover a palavra “comunista” do seu nome, com
o intuito de evitar associações estereotipadas. O partido faz também parte da Conferência Internacional
de Partidos e Organizações Marxistas -Leninistas.
_Ilegais ou sem licença_
Hizb ut-Tahrir (Liberation Party) é uma organização política internacional sunita e pan-Islâmica,
comummente reconhecida pelo desejo de união dos países muçulmanos num Estado Islâmico ou
Califado governado pela lei islâmica, com líder eleito pelos muçulmanos.
A organização foi fundada em 1953, em Jerusalém, por Taqiuddin al-Nabhani, um académico
islâmico oriundo da Palestina. O Hizb ut-Tahrir encontra-se já em 40 países e alberga, presumivelmente,
um milhão de membros, sendo bastante ativo no mundo ocidental (particularmente no Reino Unido) e
em variados países Árabes e da Ásia Central, apesar de banido por numerosos governos.
O grupo acredita que o restabelecimento de um Califado promoveria uma maior estabilidade e
segurança nas regiões muçulmanas, não apenas para os Muçulmanos, como também para os não -
crentes. O partido promove um programa detalhado para a instituição de um califado que instituir a
Sharia como base da Lei, sendo também fortemente anti -sionista e considera Israel uma “entidade
ilegal” a ser desmantelada. O partido opõe-se às liberdades individuais e promove o derrubamento das
democracias e ditaduras, sob argumento de serem anti -islâmicas.
Nos países em que se encontra ativo, ainda nenhum candidato se candidatou pelo partido, nem a
entidade tentou estabelecer-se como partido político, à exceção da Jordânia em 1950 (onde viria
posteriormente a ser banido) e do Quirguistão.
De acordo com alguns analistas, nas regiões onde o grupo se encontra banido, o movimento
procura avançar com o seu progresso político em três fases: conversão de novos membros,
estabelecimento de uma rede de células secretas e, por último, tentativa de infiltramento no governo,
de forma a legalizar o partido e os seus objetivos.
O Hizb ut-Tahrir rejeita a democracia, sob o argumento de que esta assume o direito à soberania
de cada pessoa, não pressupondo uma subjugação à Sharia. Em relação aos não-crentes, estabelece que
estes não podem candidatar-se a postos de direção, nem votar para estes, considerando-os cidadãos de
classe inferior.
_Partidos Antigos_
Neo Destour – tornou-se PSD em 1964.
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Partido Socialist a Destourian (PSD) – tornou-se RCD em 1988.
Partido Comunista Tunisino – deu origem ao Ettajdid Movement.
Partido Democrático Progressivo (PDP) fundiu-se no Partido Republicano
Afek Tounes fundiu-se no Partido Republicano
_Alianças Políticas_
Pólo Democrático Modernista (PDM) é uma coligação política, criada para as eleições da
Assembleia Constituinte. O Pólo é constituído por 4 partidos (Ettajdid, Partido Socialista de Esquerda,
Centrist Way e Partido Republicano) e 5 iniciativas civis (Iniciativa dos Cidadãos, Liga dos Independentes
do Pólo, Chega de Divisões, queremos avançar! E Apelo para um Pólo Democrático, Social e Cultural),
sendo o maior destes o Ettajdid no entanto, esta tentativa de coligação multipartidária pré-eleições não
teve sucesso. O bloco foi fundado em maio de 2011, com Riadh Ben Fadl e Mustapha Ben Ahmed como
instigadores da iniciativa.
Ahmed Ibrahim é o l íder do bloco, sendo que conseguiram alcançar 5 dos 217 lugares disponíveis.
Propõe a separação entre religião e política e enfatiza a igualdade entre géneros, apresentando
metade da lista com candidatas. Também defende a abolição da pena de morte e maior igualdade na lei
referente às heranças. Quanto à Constituição, propõe um presidente eleito por períodos de 5 anos, num
máximo de dois mandatos. Para a Assembleia Constituinte defende que as l eis e decisões sejam
baseadas no voto maioritário, exceto para emendas constitucionais, que deverão requerer 2/3 dos
votos.
Frente Popular
A Frente Popular, ou Frente Popular para a realização dos objetivos da revolução, é uma aliança eleitoral
esquerdista, constituída por 12 partidos políticos e numerosos independentes.
A coligação foi formada em outubro de 2012, juntando 12 partidos maioritariamente esquerdis tas,
incluindo o Movimento Democrático Patriótico, o Partido dos Trabalhadores Tunisinos, Tunísia Verde,
Movimento dos Democratas Socialistas (que já abandonaram), Ba’ath e outros partidos progressistas.
Aproximadamente 15000 pessoas compareceram ao primei ro encontra da coligação, em Tunis.
Em 2011, testemunhando do domínio da cena política por parte do Ennahda e dos seus aliados,
o antigo PM Beiji Caid el Sebsi decide regressar à vida política e forma um novo partido: o Call of Tunisia,
composto maioritariamente por tunisinos seculares, incluindo centristas e aqueles cujos ideais se
encontram mais próximos da ala direita, bem como antigos apoiantes do RCD. Doze partidos centristas
decidiram então formar a Frente Popular, com o intuito de consolidar a ala es querda anteriormente
fragmentada e competir de forma mais eficiente e bem-sucedida nas próximas eleições.
O assassinato de Chokri Belaid, o coordenador da coligação, a 06.02.2013, despoletou uma
nova crise política no país, com o Ennahda a negar qualquer envolvimento no caso em resposta às
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acusações da Frente Popular. Este incidente levou a que a coligação, conjuntamente com o Partido
Republicano secular e o Call of Tunisia, anunciaram, em consequência, a sua retirada da Assembleia
Nacional e convocaram uma greve geral.
__Ponto de Situação_
O assassinato político de Chokri Belaid, um proeminente político da oposição, em fevereiro de
2013 lança o país numa nova onda de protestos e instabilidade política que resultam na demissão do
primeiro-ministro, Hamadi Jebali, ao ver a sua proposta de formação de um governo de tecnocratas
negada pelo próprio partido. O Presidente, Moncef Marzouki, aponta o Ministro do Interior, Ali
Larayedh, como sucessor, concedendo-lhe duas semanas para formar um novo governo. A proposta de
formação de governo foi apresentada na passada 6ª feira e aguarda agora aprovação. As expectativas de
Larayedh pretendiam uma coligação de ampla base política, porém a grande maioria dos partidos
convidados abandonou as conversações, pelo que apenas o Ennahda, o CPR e a Ettakatol
desempenharam um papel ativo na definição do novo gabinete e programa (mantendo o cenário da
coligação já existente antes da emergência desta crise política).