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1 1-Introdução As primeiras observações sobre o magnetismo foram registradas pelo filósofo grego Tales de Mileto (624 a.C.-546 a.C.) que percebeu que certas pedras tinham a capacidade de atrair o ferro. Estes registros foram feitos na província de Tessália (Figura 1), mais tarde conhecida como Magnésia. As pedras descritas por Tales foram chamadas de magnetitas (magnetita = pedra de magnésia) e daí surgiu o termo magnetismo utilizado até hoje. O primeiro uso das propriedades dos imãs foi a criação da bússola, cuja função era indicar as direções Norte e Sul, que era utilizada pelos chineses no século III a.C. em suas navegações pelo mar Índico. A bússola também foi usada pelos seguidores de Maomé para guiá-los em suas viagens no século XI. A descoberta que os imãs têm dois polos foi feita pelo francês Petrus Peregrino no século XIII. Petrus descobriu que um imã tendia a se alinhar com os polos terrestres e, por conta disto, chamou o lado que aponta para o Norte de polo norte e o outro de polo sul. Além disto, deve-se a Petrus a primeira observação de que polos de mesmo nome se repelem e polos de nomes diferentes se atraem, e a primeira observação do campo magnético utilizando limalha de ferro. O próximo passo no estudo do magnetismo foi feito pelo cientista William Gilbert que publicou um livro chamado “de Magnete”, (Figura 2) no ano de 1600 estudando o fenômeno. Neste estudo Gilbert descobriu que podia magnetizar pedaços de ferro esfregando-os em imãs naturais (fato já conhecido pelos chineses). Além disto, ao estudar como a bússola era direcionada pelos polos de um imã, foi o primeiro a considerar que apropria terra se comporta como um gigantesco imã, sendo esta a razão da bússola apontar na direção Norte-Sul. Apesar destes avanços, a compreensão do fenômeno magnético em si continuou sendo um mistério para os cientistas durante mais alguns anos. Foi somente em 1820 que foi dado o passo definitivo no entendimento dos imãs. No início de abril deste ano, o físico dinamarquês Hans Christian Oersted, então Resumo de Aula: Introdução ao magnetismo. Figura 1: Mapa da região da Tessália Figura 2: Capa do livro de Magnete Figura 3: Gravura representando Oersted e sua experiência

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Page 1: Introdução ao magnetismo. -   · PDF fileo estudo de eletricidade e o estudo do magnetismo. Em seu lugar surgiria o estudo do eletromagnetismo. 2-Explorando os imãs

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1-Introdução As primeiras observações sobre o

magnetismo foram registradas pelo filósofo grego Tales de Mileto (624 a.C.-546 a.C.) que percebeu que certas pedras tinham a capacidade de atrair o ferro. Estes registros foram feitos na província de Tessália (Figura 1), mais tarde conhecida como Magnésia. As pedras descritas por Tales foram chamadas de magnetitas (magnetita = pedra de magnésia) e daí surgiu o termo magnetismo utilizado até hoje.

O primeiro uso das propriedades dos imãs foi a criação da bússola, cuja função era indicar as direções Norte e Sul, que era utilizada pelos chineses no século III a.C. em suas navegações pelo mar Índico. A bússola também foi usada pelos seguidores de Maomé para guiá-los em suas viagens no século XI.

A descoberta que os imãs têm dois polos foi feita pelo francês Petrus Peregrino no século XIII. Petrus descobriu que um imã tendia a se alinhar com os polos terrestres e, por conta disto, chamou o lado que aponta para o Norte de polo norte e o outro de polo sul. Além disto, deve-se a Petrus a primeira observação de que polos de mesmo nome se repelem e polos de nomes diferentes se atraem, e a primeira observação do campo magnético utilizando limalha de ferro.

O próximo passo no estudo do magnetismo foi feito pelo cientista William Gilbert que publicou um livro chamado “de

Magnete”, (Figura 2) no ano de 1600 estudando o fenômeno. Neste estudo Gilbert descobriu que podia magnetizar pedaços de ferro esfregando-os em imãs naturais (fato já conhecido pelos

chineses). Além disto, ao estudar como a bússola era direcionada pelos polos de um imã, foi o primeiro a considerar que apropria terra se comporta como um gigantesco imã, sendo esta a razão da bússola apontar na direção Norte-Sul.

Apesar destes avanços, a compreensão do fenômeno magnético em si continuou sendo um mistério para os cientistas durante mais alguns anos. Foi somente em 1820 que foi dado o passo definitivo no entendimento dos imãs. No início de abril deste ano, o físico dinamarquês Hans Christian Oersted, então

Resumo de Aula:

Introdução ao magnetismo.

Figura 1: Mapa da região da Tessália

Figura 2: Capa do

livro de Magnete

Figura 3: Gravura representando Oersted e sua experiência

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professor da universidade de Copenhague, fazia experiências em sala de aula mostrando algumas possíveis relações entre eletricidade e magnetismo. Diz a lenda que Oersted teria tentado desviar a agulha magnética de uma bússola aproximando-a de um fio percorrido por uma corrente elétrica. Sua expectativa era fazer a agulha se alinhar ao fio. Porém a experiência foi um fracasso. Como ainda havia ainda uma carga na sua bateria (pilha) ele resolveu colocar o fio alinhado com a bússola, e ao ligar o circuito ele percebeu, perplexo, que a agulha apontava na direção perpendicular a do fio (Figura 3).

Descobrir que um fio percorrido por uma corrente elétrica produzia um campo magnético revolucionou tanto o estudo do magnetismo quanto o da eletricidade. E, após alguns anos, levou à unificação destes dois campos de conhecimento. Não haveria mais o estudo de eletricidade e o estudo do magnetismo. Em seu lugar surgiria o estudo do eletromagnetismo.

2-Explorando os imãs.

Ao brincarmos com imãs podemos perceber facilmente as observações de Petrus. Se você tiver um imã e uma bússola fica ainda mais fácil. O lado norte da bússola apontará para o lado sul do imã e vise-versa.

Também pode-se ver que polos de nomes diferentes se atraem e polos iguais atraem (Figura 4). Com a ajuda de uma garrafa cheia de limalha de ferro em suspensão em óleo podemos ver as linhas de campo do imã

(Figura 5). Representamos estas linhas na forma mostrada na Figura 6, por convenção dizemos que as linhas

de campo saem do polo norte e entram no polo sul. Um fato experimental importante é que não

podemos separar os polos do imã. Ao quebrarmos um imã ao meio obteremos dois imãs; cada um com seu polo negativo e positivo. Os físicos exprimem esta ideia dizendo que não existem monopolos magnéticos. Ao

contrário da eletricidade, em que existem cargas positivas e negativas, no magnetismo não existem cargas magnéticas.

3- A origem do magnetismo na matéria O experimento de Oersted mostrou que campos magnéticos eram produzidos por

correntes elétricas. Este princípio é o que permite o funcionamento de motores e geradores elétricos1. Porém onde estão estas correntes dentro de um imã?

1 Albert Einstein mostrou que o campo magnético é na realidade uma “distorção” do campo elétrico

Figura 4: Força entre os polos dos imãs

Figura 5: Visualização das linhas de campo

produzidas por um imã.

Figura 6: Representação do

campo magnético de um imã em

barra

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A explicação vem do entendimento do modelo atômico da matéria. Você já deve saber que a matéria é feita de átomos, e que estes possuem uma estrutura interna. Há uma pequena região chamada núcleo, onde estão os prótons e os nêutrons, e uma região em torno deste núcleo chamada eletrosfera, onde se encontram os elétrons.

Em uma simplificação deste modelo vamos considerar um átomo com um único elétron na ultima camada. Este elétron se move em torno do núcleo em regiões chamadas orbitais. Bem, este movimento pode ser considerado uma corrente elétrica (a figura 7 mostra uma versão simplificada deste fenômeno). Esta corrente produzirá um campo magnético neste átomo, tornando-o um pequeno imã.

Porém este fenômeno não é o principal responsável pelo magnetismo atômico. Os elétrons possuem outro movimento, eles giram em torno de si mesmos em um movimento chamado de spin2. A este spin associamos um movimento de cargas que origina um campo magnético (FIGURA 8).

Os elétrons ficam organizados em torno do núcleo em regiões bem determinadas chamadas orbitais. Cada orbital atômico pode conter no máximo dois elétrons. Neste caso teremos um orientado para cima e outro para baixo, e o campo magnético total devido a estes dois elétrons será zero (pois um cancela o outro). Somente em átomos aonde existam orbitais com apenas um elétron é que teremos um campo magnético resultante. Isto acontece para

alguns materiais como o ferro (Fe), o níquel (Ni) e o cobalto (Co). E estes elementos são os que podem ser atraídos por imãs. Materiais sem campo magnético resultante não são afetados.

4- Domínios magnéticos. A existência do campo magnético de spin é capaz de

explicar porque o ferro é atraído por um imã e o alumínio não. No entanto não explica por que nem todo pedaço de ferro é um imã. Isto ocorre porque nem todos os átomos deste pedaço estão alinhados, apenas os que estão muito próximos acabam se alinhando uns com os outros.

Isto acaba por criar regiões de átomos alinhados, chamadas domínios magnéticos, que possuem um campo magnético resultante (ou seja, cada região desta é um pequeno imã). Acontece que em

produzido pelo movimento das cargas elétricas. Isto tem uma implicação muito curiosa: a existência do campo magnético depende do referencial adotado. Se você estiver se movendo junto com a carga, de forma que não aja movimento relativo entre vocês, você não verá o campo magnético! 2Na realidade isto não é completamente verdade. O spin não é exatamente um movimento do elétron em

torno do seu eixo, por que um elétron não tem eixo. Na realidade não sabemos como é um elétron, mas ele não é uma bolinha. O problema é que é impossível explicar o spin do elétron comparando-o com o movimento de objetos corriqueiros. O spin é um fenômeno quântico, que só tem sentido para partículas subatômicas.

Figura 7: campo magnético orbital

Figura 8: Representação conceitual do campo de

spin

Figura 9: Domínios

magnéticos desalinhados

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um pedaço comum de ferro há várias destas regiões, e estas não estão alinhadas entre si, (Figura 9) o que acaba fazendo com que o campo magnético total seja zero.

Acontece que podemos forçar o alinhamento destas diversas regiões. A maneira mais simples é aproximar este pedaço de ferro de um imã. O campo magnético do imã forçará estas diversas regiões a se alinharem, tornando o simples pedaço de ferro um imã. Este procedimento pode ser permanente ou temporário, dependendo da intensidade do campo magnético e da forma como o procedimento é feito.

Em um imã permanente os domínios magnéticos estão alinhados e o há um campo permanente. Para destruir um imã basta você desalinhar estes campos. Uma maneira de se fazer isto é aquecendo o imã, pois o aquecimento aumentará a movimentação dos átomos e isto provocara o

desalinhamento. Outra maneira de provocar o mesmo fenômeno é martelando o imã.

Por ultimo temos a questão dos imãs naturais. Se em um imã natural todos os domínios magnéticos estão alinhados quem foi que os alinhou? Obviamente outro imã. Quem? A Terra!

5- O magnetismo terrestre. Como Oersted sugeriu a Terra realmente

é um gigantesco imã. De onde vem seu magnetismo? De uma corrente elétrica produzida pelo movimento de ferro liquido no núcleo do planeta. Esta corrente gera um campo magnético que é capaz de afetar partículas a mais de 30.000 km da superfície e é o grande responsável pelo alinhamento dos domínios magnéticos dos imãs naturais (Figura 11).

Além disto, este campo protege a Terra do bombardeio dos raios cósmicos compostos por partículas (elétrons, prótons, íons e outras)

emitidas pelo Sol e por outras estrelas. Devido à sua grande energia, essas partículas são nocivas tanto ao homem, onde pode causar câncer, quanto aos sistemas eletrônicos, onde danifica seus componentes e pode afetar a memória de computadores.

Por serem constituídos de partículas carregadas, os raios são desviados pelo campo magnético terrestre de maneiras complicadas, ora fazendo espirais em torno das linhas de campo, ora escapando ora mergulhando em direção à atmosfera.

As partículas que ficam presas no campo magnético formam os cinturões de Van Allen. O cinturão mais interno está a uma altitude de 3200 km e o mais externo a

16.000 km (figura 12). Estes cinturões representam perigo tanto para satélites quanto

Figura 10: Domínios magnéticos alinhados

Figura 11: Campo magnético terrestre

Figura 12: Cinturão de Van Allen

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para as sondas lançadas da Terra. Por outro lado, as que mergulham em direção a Terra são, em sua maioria,

desviadas pelo campo magnético em direção aos polos. Ao interagirem com a atmosfera estas partículas dão origem à aurora boreal (polo norte) e a aurora austral (polo sul).

Há outro detalhe em relação à orientação Norte-Sul. Se o lado norte de uma bússola aponta para o polo norte então este não pode ser o norte, tem que ser o sul! E de fato é assim, os polos geográficos são invertidos em relação aos polos magnéticos. O norte geográfico é o sul magnético.

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