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14 INTRODUÇÃO

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II NNTTRROODDUUÇÇÃÃOO

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisou o desenvolvimento da extensão realizada pela Escola

Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), instituição criada pela Lei nº 761, de

setembro de 1920, e cuja inauguração oficial ocorreu em 28 de agosto de 1926. Em 1948, foi

criada, no seu lugar, a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG). Em 1969,

houve a federalização da UREMG e sua transformação em Universidade Federal de Viçosa

(UFV).

Desse modo, este trabalho teve como objetivo mostrar o caráter da extensão que se

desenvolveu na instituição, analisando se esta prática extensionista desenvolvida pela escola

foi fiel aos seus objetivos e, ainda, observando se a Escola Superior de Viçosa foi pioneira na

prática da extensão rural realizada no país.

Este estudo justificou-se pela necessidade de se buscar mais informações acerca da

extensão nesta instituição, uma vez que esta foi, e é, um elemento forte na composição da

identidade da ESAV. Cabe mencionar que existe uma enorme lacuna no que diz respeito à

literatura sobre as condições em que se deu a prática extensionista rural nas universidades

brasileiras e principalmente daquelas que se ocuparam do ensino rural, como a Escola

Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, SP; a Escola Superior de Agricultura de Lavras,

MG; entre outras, e o modo como tal atividade foi conjugada com o ensino e a pesquisa1.

Além disso, é quase inexistente uma literatura nacional sobre a natureza da extensão rural que

é realizada nas universidades brasileiras.

1 Os poucos estudos existentes dizem respeito às exigências postas pela Reforma Universitária de 1968, que dizia que as Universidades no Brasil deveriam fazer da indissociabilidade entre o ensino, a pesquisa e a extensão uma prática obrigatória. Vale notar que no Brasil, a preocupação em introduzir a pesquisa científica nas instituições universitárias começou a se manifestar nas primeiras décadas do século XX, sendo a primeira tentativa concreta realizada, neste sentido, a criação da Universidade de São Paulo (USP), em 1934 (“(USP) a primeira universidade criada e organizada segundo as normas dos Estatutos das Universidades” (ROMANELLI, 1987, 132), estatuto este criado pelo decreto nº 19.851, de 11 de abril de 1931, pelo Ministro da Educação e Saúde Pública, Francisco Campos).

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É importante esclarecer que este trabalho surgiu de questionamentos realizados em

duas pesquisas, uma cujo título era, a “Escola Superior de Agricultura e Veterinária de

Viçosa: Um Land Grant College no Brasil?” e, a outra, “A Indissociabilidade

ensino/pesquisa/extensão na ESAV”, nas quais trabalhei como bolsista de iniciação científica,

pelo programa PIBIC/CNPq. Nestas pesquisas consultei muitos livros e teses e recorri às

fontes no Arquivo Central e Histórico da UFV, para proceder à análise e a discussão dos

dados coletados.

Foi nessa ida às fontes, à luz da bibliografia consultada, que realizei alguns

questionamentos com relação ao serviço de extensão realizado pela instituição, como:

- Será que a extensão foi fundamental para garantir o ensino teórico-prático da Escola?

- Teria sido a extensão uma atividade primordial para garantir a excelência acadêmica dos

ensinamentos na Escola de Viçosa?

- Como era realizado o serviço de extensão desta instituição?

- Teria sido o serviço de extensão fiel aos objetivos da Escola desde a sua origem?

- Segundo alguns autores (COELHO, 1992; FONSECA, 1985), a prática da extensão rural

realizada no Brasil, teve suas origens somente por volta dos anos 1948. Visto isso, será que

pode-se questionar ser a ESAV pioneira no serviço de extensão brasileiro?

Cabe considerar que a escolha de se estudar uma instituição específica (a ESAV) não

foi por acaso. Ela se deu como resultado de reflexões sobre o novo campo temático da

historiografia da educação brasileira, a história das instituições brasileiras. Segundo GATTI

JÚNIOR,

“pode-se afirmar que as escolas e o sistema educacional, por mais heterogêneos que sejam, aparecem como localidades que não podem ser negligenciadas como amostra significativa do que realmente acontece em termos educacionais em qualquer país e, especialmente, no Brasil, onde as análises governamentais têm a tendência de obscurecer a problemática real de seu sistema escolar” (2002, p. 4).

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Sem dúvida as instituições educativas apresentam-se como locais que guardam

consigo muitas informações e fontes fundamentais para a formulação de interpretação sobre

elas próprias e principalmente sobre a história da educação brasileira.

Entretanto, GATTI JÚNIOR (2002) aponta que existem alguns problemas a serem

superados nesse novo campo da historiografia. Problemas que ele não considera de ordem

paradigmática, mas de ordem metodológica, sobretudo de riqueza interpretativa e da

pluralidade epistemológica. Para o autor, o que parece ser mais significativo é o fato de que os

autores especializados na produção historiográfica atual (onde ele acrescenta, também, os

leitores especializados nessa produção) estão cada vez menos preocupados com questões

relacionadas à filosofia e a história, evitando, a permanência de discussões por demais

abstratas e conduzidas, na maioria das vezes, por interlocutores que não sabem nem mesmo o

que é o trabalho com evidências em história.

Dessa forma, como não há mais a possibilidade da fixação de critérios externos para a

produção historiográfica atual passou-se a utilizar outros critérios para se decidir quais são as

melhores obras para serem utilizadas pelos historiadores. Nesse novo critério estão a compra

de exemplares na livraria, ou ainda, em historiadores/autores que possuem grande respaldo

entre os membros de sua área.

O autor nos propõe uma discussão sobre as inovações no campo historiográfico, onde

“pode-se afirmar, com segurança, que o campo da pesquisa histórica passou, desde meados

dos anos 1950, por um imenso processo de renovação teórica e metodológica, impulsionado

pelo esforço de superar uma historiografia que, em uma de suas formas, produzia uma

descrição dos fatos eminentemente políticos, construída sob os auspícios da tradição

positivista; e, em outra de suas modalidades, fomentava uma narrativa carregada de análises

que privilegiavam os aspectos econômicos da vida social em detrimento de outras esferas da

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produção do social” (idem, p. 6). Essa historiografia existente até meados dos anos 1950 ficou

conhecida com historiografia tradicional, de tradição positivista.

Essa ruptura com a historiografia tradicional, marcada, por um lado, pela descrição

dos fatos políticos e por outro, carregada de análises que privilegiavam os aspectos

econômicos foi realizada por duas tradições históricas decisivas nos últimos cinqüenta anos: a

Escola dos Annales2, na França3, e a nova historiografia marxista, na Inglaterra4.

A historiografia francesa teve influência de pensadores como Émile Durkheim e

Marcel Mauss. Como exemplo de pesquisas desenvolvidas nesse campo de compreensão

historiográfica marcada pela nova história francesa encontram-se os estudos de André Chervel

e Anne-Marie Chartier sobre a ‘história das disciplinas escolares’ que pretendem através deste

campo historiográfico específico “enxergar a escola de um lugar diferente, de um ângulo em

2 Mais tarde chamada de Nova História. A história que passa a se desenvolver nos anos 1970 se auto-intitula Nova História (uma historiografia distanciada do presente e descrente das possibilidades da totalização do real). 3 Assim, a historiografia francesa do inicio do século XX, especialmente aquela oriunda da ‘história-problema’ da Escola dos Annales, pode ser definida como, segundo GATTI JÚNIOR (2002), um rompimento com a análise sócio-histórico eminentemente política. Eles abandonaram o limite geográfico de nação (que até então compreendiam as suas análises históricas) e ampliaram-se para espaços como a sociedade, a economia, a cultura, a política entre outros. Eles passaram também a coletar, classificar e tornar disponível para o público as fontes documentais, através talvez, de grandes museus. Cabe mencionar ainda a história preconizada pelos fundadores dos Annales, em 1929, que alargaram a noção de documento histórico, destruíram a noção de central e periférico na abordagem histórica, dispuseram a analisar as estruturas do processo social. Quanto ao movimento da Escola dos Annales, ela obteve, em alguns lugares, uma má concepção e em outros alguns simpatizantes, como no caso no Brasil. “No Brasil, as aulas de Braudel, na Universidade de São Paulo, nos anos 30, são ainda lembradas. A famosa trilogia sobre a história social do Brasil do historiador-sociólogo Gilberto Freyre [...], trabalha com tópicos como família, sexualidade, infância e cultura material antecipando a nova história dos anos 70 e 80” (BURKE, 1991, p. 116). Além disso, alguns estudos recentes indicam que historiadores dos impérios espanhol e português na América tomam o paradigma dos Annales seriamente. Cabe considerar que outro aspecto de relevância quanto à influência dos Annales foi a sua acolhida em outras disciplinas, não ficando restrito à apenas a história. Além disso, a influência dos Annales foi acolhida em várias ciências, mas existem, em especial, três, que tiveram um considerável interesse na sua abordagem. São elas: a geografia, a sociologia e a antropologia. Desse modo, a maior contribuição da historiografia francesa quanto a Escola dos Annales foi a de expandir o campo da história por diversas áreas. “O grupo ampliou o território da história, abrangendo áreas inesperadas do comportamento humano e a grupos sociais negligenciados pelos historiadores tradicionais. Essas extensões do território histórico estão vinculadas à descoberta de novas fontes e ao desenvolvimento de novos métodos para explora-las. Estão também associadas à colaboração com outras ciências, ligadas ao estudo da humanidade, da geografia à lingüística, da economia à psicologia. Essa colaboração interdisciplinar manteve-se por mais de sessenta anos, um fenômeno sem precedentes na história das ciências sociais” (BURKE, 1991, p. 126/127). 4 Quanto à historiografia inglesa, segundo GATTI JÚNIOR, “os historiadores ingleses e, em especial, a geração dos militantes da esquerda dos anos de 1950, romperam tanto com essa historiografia tradicional, positivista e, segundo eles mesmos, conservadora, quanto com a historiografia simplificadora veiculada pelo que chamavam de ‘marxismo vulgar’. Inauguraram, sob muitos aspectos, uma historiografia crítica e mais abrangente, pois em suas preocupações somaram-se, as tradicionais questões econômicas, questões culturais” (2002, p. 10/11). Assim, nessa historiografia, tanto o ser social como a sua vivência, precisam ser compreendidos em sua totalidade e atribuíram grande importância às singularidades e particularidades sociais.

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que sua materialidade e suas finalidades, de fato, realizam-se: nas disciplinas escolares”

(GATTI JÚNIOR, 2002, p. 18). Assim, a tarefa desses pesquisadores é examinar o percurso

dessas disciplinas ao longo das décadas ou dos séculos. No Brasil, ao lado da história das

disciplinas surge a história das instituições educacionais.

Na historiografia marxista inglesa dos anos 1950, inúmeros foram os trabalhos escritos

e inúmeros foram também os desdobramentos dessa nova tradição historiográfica, onde cita-

se alguns historiadores como: Carlo Ginzburg, Lynn Hunt, Robert Darnton, Raymond

Williams, Tompson, Perry Anderson5. Como exemplo das pesquisas desenvolvidas na

Inglaterra temos aqueles que se preocupam com a demanda de análise sobre as reais funções

da escola na sociedade, convencionalmente chamadas de ‘sociologia do currículo’. Os

pesquisadores desse campo historiográfico específico procuram ver “a escola por dentro,

analisar as suas determinações externas e revoluciona-las rapidamente” (idem, 2002, p. 19).

Assim, essa ruptura da historiografia tradicional através das inovações nos

procedimentos de investigação no campo da história teve um impacto sobre a produção

histórica da educação no último quartel do século XX. A história da educação nasceu no

campo da pedagogia e foi marcada, em seu início, pela influência abstrato-filosófica da

filosofia, pelo menos até os anos 1940. Em 1943, teve uma forte influência paradigmática da

obra A cultura brasileira, escrita por Fernando de Azevedo e, nos anos 1950, essa influência

somou-se ao impacto causado pela “análise macroestrutural operada pela sociologia de base

economicista e que predominou até os anos de 1970” (GATTI JÚNIOR, 2002, p. 16). Com

todas essas influências paradigmáticas ocorridas nos anos 1940 a 1970, a história da educação

finalmente se posiciona, e nos anos 1980, passa para a órbita da história e não mais da

educação.

5 Estes dois últimos apresentaram, em particular, uma importante contribuição, com a publicação, a partir de 1976, do History Workshop Journal - um influente periódico no campo da história durante duas décadas -, e, ainda, no início dos anos 1970, com a divulgação de uma série de panfletos em defesa da participação ativa da classe trabalhadora inglesa no estudo da história.

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Agora os pesquisadores passam a estudar mais as temáticas regionais, nas suas

especificidades e regularidades regionais e locais, daí a opção por se estudar uma instituição

específica localizada no interior de Minas Gerais, na Zona da Mata Mineira. Ao lado da

história das disciplinas surge a história das instituições educacionais6.

Inicia-se, assim, um novo campo temático da historiografia da educação brasileira, que

é o campo da história das instituições brasileiras que privilegia uma análise mais profunda das

instituições educacionais, onde destacam-se as preocupações com o processo de criação e do

desenvolvimento das instituições educativas, a configuração e as mudanças ocorridas na

arquitetura dos edifícios, os processos de conservação e mudanças do perfil dos docentes e

dos discentes entre outros pontos relativos ao estudo das instituições educacionais;

investigando aquilo que se passa no interior das escolas, gerando um conhecimento mais

aprofundado destes espaços sociais destinados aos processos de ensino e de aprendizagem,

por meio da busca da apreensão daqueles elementos que conferem identidade à instituição

educacional, ou seja, daquilo que lhe confere um sentido único no cenário social do qual fez

ou ainda faz parte, mesmo que ela se tenha transformado no decorrer dos tempos.

Dessa forma, esse estudo, justificou-se pela necessidade de se buscar mais informação

acerca da instituição educacional brasileira, no caso em questão da Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa, principalmente no que tange as suas atividades

extensionistas rurais, objeto do presente trabalho.

Desse modo, para a realização deste trabalho, utilizou-se alguns caminhos

metodológicos que serviram de apoio para a análise da extensão desenvolvida pela ESAV. A

opção por estudar uma instituição educacional específica se deve por ser um trabalho mais

abrangente no que diz respeito ao estudo dos espaços sociais destinados à educação,

6 Vários grupos de pesquisa surgem, nesse momento, para dedicarem-se ao estudo de temáticas regionais, como os Grupos de Pesquisa em História da Educação da UFJF/NESCE, da UFMG e da UFU. Sobre os Grupos de Pesquisa sobre História da Educação no Brasil ver GATTI JÚNIOR (2004), História da Educação: Consolidação da Pesquisa Nacional e Ampliação dos Espaços de Divulgação Científica.

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“atribuindo muita importância às suas singularidades e particularidades” (OLIVEIRA; GATTI

JÚNIOR, 2002, p. 73).

É nesse sentido que, o estudo das instituições procura dar conta dos vários atores

envolvidos no processo educativo, investigando o que se passa no interior de cada instituição.

Torna-se necessário, para seu estudo, conhecer os diversos atores (professores, alunos e

funcionários em cargos administrativos), a dimensão física (os edifícios que constituem a

Escola, as suas concepções, os seus valores), seus acervos, para se ter uma dimensão mais

ampla da realidade em que essa instituição se inseriu para poder, então, analisar como se

realizou a extensão rural nesta instituição.

Não se pode deixar de considerar que cada instituição educacional apresenta a sua

própria identidade que está “embutida” de uma cultura escolar (onde, no caso específico da

ESAV, pode-se observar traços marcantes nas atividades de ensino, pesquisa e extensão

realizadas pela instituição) .

Alguns autores (OLIVEIRA E GATTI JÚNIOR, 2002; NORONHA, 1998; LE GOFF,

1994; VIDAL, 1998) apontam que, para realizar uma investigação dessa natureza, deve-se

tecer uma análise entre a memória e o arquivo. “A memória tenta explicar as relações de

hierarquia e valores tanto entre as coisas como entre as pessoas, pois tudo o que nela acontece

não é em vão nem tão pouco se perde, às vezes permanece ou se transforma” (OLIVEIRA;

GATTI JÚNIOR, 2002, p. 75) e o corpo documental que se constitui de grandes potenciais

informativos. E, também, sobre o documento e o monumento onde, todo documento é

também um monumento; o documento não pode ser somente considerado aquele texto escrito

que se encontra nos arquivos públicos, nas prateleiras das bibliotecas; documento é muito

mais que um simples texto escrito, é um objeto, é uma fotografia, é uma estátua. “Só a análise

do documento enquanto monumento permite a memória coletiva recuperá-lo e ao historiador

usá-lo cientificamente, isto é, com pleno conhecimento da causa” (LE GOFF, 1994, p. 545).

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Há a necessidade de se questionar o documento, de analisá-lo como um monumento, uma vez

que o documento é o resultado de uma montagem da história de uma época, de uma sociedade

que o produziu, e não é somente dado em forma de textos escritos, uma vez que existem

períodos históricos que não se encontram textos escritos, mais sim, alguns objetos, algumas

fotografias, que podem contar a história de como foi aquele período.

Vale ressaltar ainda a importância dos estudos nos arquivos e nos museus destas

instituições, embora “nem sempre estão integralmente resguardados e conservados”7

(OLIVEIRA; GATTI JÚNIOR, 2002, p. 75), pois eles trazem importantes documentos, como

no caso específico desse estudo, relatórios, anuários, atas, atos administrativos, boletins

técnicos, correspondências, periódicos, entre muitos outros. Outro acervo de grande

relevância para análise é o acervo fotográfico8, pois, através de fotografias da época, muitas

informações importantes podem ser extraídas de modo que oferece um grande auxilio na

ampliação e na interpretação da dinâmica educacional. Deve-se compreender a fotografia

como uma produção de sentido, questionando-a “enquanto espelho, transformação e traço do

real, percebendo-as como monumentos, como signos a serem decifrados” (VIDAL, 1998, p.

76). Segundo VIDAL,

“Na percepção da fotografia como monumento e no desafio de analisá-la enquanto fonte para a história, acreditamos que é necessário concebê-la como um discurso, singular na linguagem (não-verbal) em que é constituído, e que, por sua vez, é instituinte de maneiras outras de representar a sociedade e seus conflitos” (1998, p. 78).

7 Quando iniciei meu primeiro trabalho de iniciação científica na área de História da Educação e comecei a freqüentar arquivos públicos em busca de fontes primárias não tinha idéia da situação destes acervos. Deparei-me com uma grande quantidade de documentos, sem nenhuma organização arquivística e muitos deles incompletos; outros danificados pela falta de climatização, ou pela ferrugem de clipes e grampos de ferro. O ambiente apresenta uma grande quantidade de fungos e microorganismos prejudiciais a saúde, o que ocasionava algumas medidas para manusear os dados (como a utilização de luvas e máscaras). Além disso, o arquivo da UFV, infelizmente, há algum tempo não conta com um arquivista, o que prejudica, ainda mais, a sua utilização. 8 Segundo VIDAL, “Eloqüente em sua mudez, a fotografia fita e se contempla nos olhos daqueles que a contemplam. Não-verbal, a linguagem fotográfica tem o poder de calar o observador/leitor. Não me responde. Mas remete ao passado os meus olhos empoeirados. Afigurando-se como unidade, produz uma imagem sensível do ontem” (1998, p. 75).

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Desta forma, a fotografia destaca que o belo do registro fotográfico, “além de

emocionar, representa, produzindo imagens do passado, que apesar de desterradas do caráter

de uma verdade, abrem-se à leituras de múltiplas verdades sobre o ontem” (VIDAL, 1998, p.

86).

Além de todo esse percurso metodológico seguido até aqui para o estudo de uma

instituição educacional específica, procedeu-se ainda à revisão da literatura pertinente ao

objeto, a fim de sistematizar e analisar as informações coletadas e posteriormente analisá-las à

luz da literatura estudada.

No trato com as fontes documentais, temos ainda uma importante contribuição de

NORONHA (1998), a qual chama a atenção para a importância de se trabalhar

minuciosamente sobre as mesmas, remetendo-as constantemente à literatura pertinente ao

objeto.

A autora orienta quanto à importância de se dialogar com a documentação histórica

existente e com as novas fontes levantadas pela investigação histórica, buscando chegar no

seu real entendimento.

Cabe notar que para NORONHA (1998), este diálogo torna-se necessário, uma vez

que a história não é neutra e não oferece “laboratório de verificação experimental”, no qual os

dados são obtidos como prontos e acabados. Este será o motivo pelo qual, ao longo de todo o

processo, procurou-se recuperar e analisar as fontes históricas, tendo em vista a sua

compreensão e não apenas o seu registro.

“Sem o esforço de buscar a essência que está contida como estrutura interna da evidência, permaneceremos no plano do senso comum, sem construir o conhecimento” (NORONHA, 1998, p. 29).

Todo historiador ao estudar essas fontes localizadas nos arquivos das instituições deve

fazê-la com um olhar crítico e revelador, e não simplesmente descrevê-las, mas explicá-las e

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integrá-las em uma realidade mais ampla, que é o seu próprio sistema educativo, sempre

ficando atento a sua cultura escolar e a sua identidade, próprias de cada instituição

(OLIVEIRA; GATTI JÚNIOR, 2002).

Desse modo, seguindo as orientações destes autores, para a realização deste trabalho

foi desenvolvida uma pesquisa de cunho eminentemente documental, através de consultas aos

acervos do Arquivo Central e Histórico (ACH), a Biblioteca Central e ao Museu Histórico da

Universidade Federal de Viçosa em Viçosa/MG. Assim foi possível investigar um grande

número de documentos como relatórios, atas de reunião, boletins, cartas e outros documentos

já citados anteriormente produzidos pela instituição.

Arquivo Central e Histórico da UFV9.

Com o caminho aqui descrito, buscou-se preencher algumas lacunas na história desta

instituição, bem como na história do serviço de extensão rural realizado no Brasil, procurando

analisar, as origens deste serviço extensionista rural realizado pela Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa.

Como esta investigação nasceu do desejo de se preencher essas lacunas elaborou-se,

no presente trabalho, um histórico do ensino agrícola no país, bem como da antiga Escola

9 Foto do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa localizado na Vila Gianetti, casa 10, Viçosa. Minas Gerais.

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Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, antes de se elaborar um capítulo sobre a

Extensão nesta instituição, objeto deste trabalho.

Assim, o trabalho foi dividido em 05 capítulos, contando ainda com a introdução e as

considerações finais. Além disso, dada às dificuldades de se localizar as legislações vigentes

no período sobre o ensino agrícola, e devido a sua importância, optou-se por anexá-las ao

trabalho.

Num primeiro momento, foi realizado um breve histórico sobre o ensino superior e a

universidade no Brasil, fazendo-se breves considerações sobre a tardia criação de

universidades no país. Neste capítulo buscou-se, ainda, de forma sucinta, mostrar a legislação

educacional vigente no período de 1891 a 1931, enfocando-se aspectos que trouxeram

mudanças para o ensino superior. Para isso, utilizou, além das próprias Reformas, alguns

autores, como CUNHA (1980; 2000), DIAS (1997) e CHIZZOTI (2001).

No segundo capítulo, intitulado “Primórdios do Ensino Agrícola no Brasil” foram

feitas algumas considerações sobre a trajetória do ensino agrícola no país desde 1808, com a

vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, até 1938, com a criação do Centro Nacional de

Pesquisas Agronômicas. Achou-se relevante, ainda, estar explorando as legislações

direcionadas para o ensino agrícola, como o Decreto nº 8.319, de 1910, e o Regulamento

Geral do Ensino Agrícola em Minas Gerais, de 1911. Além disso, explorou-se a criação de

alguns órgãos, como o próprio Ministério dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio,

que passou a coordenar e fiscalizar o ensino agrícola no país, até 1967, onde este ensino foi

desvinculado deste Ministério e passou para a órbita do Ministério da Educação e Cultura

(MEC). Para a elaboração deste capítulo utilizou-se, além de documentos primários, como as

próprias leis, alguns autores como ROSA (1980), CUNHA (1980), NAGLE (1974), FAVERO

(2000), VIANNA (1951), MENDONÇA (1990, 1997), entre outros.

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No terceiro capítulo, foi estudada a antiga Escola Superior de Agricultura e

Veterinária de Viçosa, desde as primeiras leis que deram origem a sua criação até uma breve

passagem pela sua transformação em Universidade Rural do Estado de Minas Gerais

(UREMG), em 1948, e sua federalização em 1969, com a Universidade Federal de Viçosa

(UFV). Assim, procurou-se apresentá-la nos seus principais aspectos acadêmicos, o ensino, a

pesquisa e a extensão, que formaram um tripé que deu sustentação à sua vida acadêmica. Vale

ressaltar que este capítulo procurou mostrar a proximidade da ESAV aos land grant colleges,

uma vez que esta instituição foi criada nos moldes daquelas escolas superiores agrícolas

criadas no oeste dos Estados Unidos, no final do século XIX. Para a sua realização procedeu-

se, além da análise de fontes primárias, tais como leis, decretos, regimentos, regulamentos,

localizadas no acervo do Arquivo Histórico da UFV, a leitura de alguns autores que

dedicaram seus trabalhos as origens da UFV, como COELHO, E. (1996), BORGES (1968;

2000), CAPDEVILLE (1991), MOURÃO (1962), RIBEIRO (2000; 2001; 2002), entre muitos

outros.

No quarto capítulo realizou-se uma discussão teórica sobre o serviço de extensão rural,

discutindo-se, conceitualmente, sua origem, norte-americana, e sua vinda para o Brasil,

através do Programa Piloto de Santa Rita do Passa Quatro e São José do Rio Pardo, em São

Paulo, e com a Missão Rural de Itaperuna, no Rio de Janeiro, e, mais especificamente, para

Minas Gerais, com a fundação da Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais

(ACAR-MG), que foram considerados o início do serviço institucionalizado da extensão rural

no país. Para isso, optou-se em discutir os modelos extensionista existentes, como o modelo

clássico (modelo norte-americano), o modelo clássico associado ao crédito rural (1º modelo

implantado no Brasil) e o modelo difusionista inovador (modelo adaptado às condições locais,

visando a educação do homem do campo, sem a necessidade do crédito agrícola – este foi o 2º

modelo implantado no Brasil, a partir de 1952). Assim, realizou-se uma discussão teórica

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entre autores como BAKER (1943), CORREA (1941), FREIRE (1979), FONSECA (1985),

entre outros que, ao longo de sua trajetória acadêmica, destinaram trabalhos relacionados com

a extensão rural no país e principalmente, em Minas Gerais.

O quinto capítulo intitulou-se “A Extensão na Escola Superior de Viçosa” onde

procurou-se realizar um levantamento documental das fontes primárias localizadas no acervo

do Arquivo Histórico da UFV. Este levantamento foi minucioso e bastante demorado, dada a

grande quantidade de documentos existentes e seu difícil acesso. Considero o estudo

apresentado neste capítulo o mais importante, pois nele é possível observar todo o trabalho

extensionista desenvolvido pela ESAV desde 1929, demonstrando seu pioneirismo neste

serviço de extensão desenvolvido pela Escola. Talvez mais importante que isso, seja a

demonstração que, desde 1929, a Escola de Viçosa incorporou um modelo extensionista

semelhante ao dos Estados Unidos, com o objetivo de educar o homem do campo e, não, de

utilizar o crédito agrícola, prática não difundida neste programa de extensão. Desta forma, foi

através de uma grande quantidade de documentos que se procurou mostrar como esta

instituição manteve, ao longo dos anos, com grande sucesso, seu serviço de extensão.

Por fim, cabe uma pequena alusão a esta introdução, bem como as considerações

finais descritas neste trabalho. Esta pequena introdução teve o objetivo de mostrar ao leitor

como nasceu esta investigação e como ela pode ser referendada por autores que destinam seus

estudos a história das instituições (GATTI JÚNIOR, 2002, entre outros). Em linhas gerais, a

metodologia utilizada para este estudo pode servir de base para estudos que procurem

desvendar a história de uma instituição. As considerações finais procuram dar ênfase a alguns

aspectos importantes do serviço de extensão desenvolvido pela Escola Superior de Viçosa,

objeto deste trabalho.

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EENNSSIINNOO SSUUPPEERRIIOORR EE UUNNIIVVEERRSSIIDDAADDEE NNOO

BBRRAASSIILL –– UUMM BBRREEVVEE HHIISSTTÓÓRRIICCOO

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CAPÍTULO 01 ENSINO SUPERIOR E UNIVERSIDADE NO BRASIL – UM BREVE HISTÓRICO

O presente capítulo destinou-se a realizar um pequeno histórico sobre o processo de

criação do ensino superior no Brasil até a instituição da universidade, tardia em relação aos

demais países10. Para tal discussão optou-se por utilizar como referência trabalhos de CUNHA

(1980; 1989; 2000), DIAS (1997), CHIZZOTI (2001), YAZBECK (1999).

CUNHA (2000), em seu artigo intitulado “Ensino Superior e Universidade no

Brasil”11, discute o atraso da instalação de universidades no Brasil12. Segundo o autor,

“Portugal não só desincentivou como também proibiu que tais instituições fossem criadas no Brasil. No seu lugar, a metrópole concedia bolsas para que um certo número de filhos de colonos fossem estudar em Coimbra, assim como permitia que estabelecimentos escolares jesuítas oferecessem cursos superiores de Filosofia e Teologia” (CUNHA, 2000, p. 152)13.

Com essa proibição por parte de Portugal em criar universidades no país pretendia-se

impedir que os estudos universitários no Brasil operassem como coadjuvantes de movimentos

de independência, “especialmente a partir do século XVIII, quando o potencial revolucionário

10 Segundo DIAS (1997), “bem se verifica – e o fato tem sido comentado em formas diferentes nos textos de caráter historiográfico – que a universidade, estruturada enquanto tal, surge tardiamente no Brasil. Com esse nome, só se estabelece a primeira instituição do gênero no limiar da terceira década do século XX. O fato chama a atenção do observador quando se considera que, na América Espanhola, existiam, ao contrário, universidades desde o início do respectivo processo colonizador” (p. 102). 11 CUNHA, Luiz Antônio. Ensino Superior e Universidade no Brasil. In 500 Anos de Educação no Brasil. Organizado por LOPES, Eliane Marta Teixeira; FARIA FILHO, Luciano Mendes; VEIGA, Cynthia Greive. Belo Horizonte. Minas Gerais. Editora Autêntica. 2º Edição. Coleção Historial, 6. 2000. Páginas 151 a 204. 12 Segundo DIAS, “tal tendência era reflexo da reforma pombalina, notadamente por seus efeitos sobre o ensino na Universidade de Coimbra. Esta tivera modificada por completo a estrutura dos cursos, com destaque para as disciplinas aplicadas. Os brasileiros que lá se formaram depois de 1772 – data da reforma – voltavam com nova mentalidade, a de promover o progresso da colônia pelo uso dos conhecimentos práticos adquiridos em Portugal. Neste contexto, a idéia de universidade no Brasil era vista como algo anacrônico, que lembrava a antiga propensão retórica dos estudos de Coimbra. A orientação pragmática, que se coadunava com o pensamento de egressos daquela Universidade, foi adotada pelo príncipe Dom João, futuro D. João IV, desde que pisou a terra brasileira. Daí a fundação, por ele, de estabelecimentos isolados para o estudo da ciência aplicada. Daí a recusa da idéia de universidade. A mesma diretriz se firma no Brasil independente” (DIAS, 1997, p. 103/104) (grifo nosso). 13 Ainda segundo YAZBECK (1999), “ao contrário da política colonial espanhola, que criou universidades em todas as suas colônias, a Coroa Portuguesa apresentou uma nítida e determinada política contrária à instalação de estabelecimentos de ensino superior em suas colônias. [...]” (p. 180).

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do Iluminismo fez-se sentir em vários pontos da América” (CUNHA, 2000, p. 152). Quanto à

tardia criação de universidades no país, outro aspecto deve ser considerado. Faltava-se, por

parte de Portugal, disponibilidade de recursos docentes para cada um dos países

colonizadores.

“Havia na Espanha, no século XVI, oito universidades famosas em toda a Europa, enquanto Portugal dispunha de apenas uma: a de Coimbra, e mais tarde a de Évora. [...]. Faria (apud Cunha) sugere que, enquanto Madri podia transferir recursos docentes para suas colônias sem prejudicar o ensino de suas universidades, Lisboa não podia fazer o mesmo sem comprometer a instituição metropolitana [...]” (CUNHA, 2000, p. 152/153).

Optou-se então pela criação de estabelecimentos de ensino superior no país, sendo o

primeiro estabelecimento fundado pelos jesuítas, na Bahia, “sede do governo federal”, em

1550.

“Os jesuítas criaram, ao todo, 17 colégios no Brasil, destinados a estudantes internos e externos, sem a finalidade exclusiva de formação de sacerdotes. [...]. Nesses colégios era oferecido o ensino das primeiras letras e o ensino secundário. Em alguns acrescia-se o ensino superior em Artes e Teologia. O curso de Artes, também chamado de Ciências Naturais ou Filosofia, tinha a duração de três anos. Compreendia o ensino de Lógica, de Física, de Matemática, de Ética e de Metafísica. O curso de Teologia, de quatro anos, conferia o grau de doutor. Em 1553, começaram a funcionar os cursos de Arte e Teologia. No século XVIII, o Colégio da Bahia desenvolveu estudos de Matemática a ponto de criar uma faculdade específica para o seu ensino. Cursos superiores foram também oferecidos no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Pernambuco, no Maranhão e no Pará” (CUNHA, 2000, p. 152).

Assim foi se constituindo o ensino superior no país no período da colônia. Somente

com a transferência da sede do poder metropolitano para o Brasil, em 1808, que se gerou a

necessidade de modificar o ensino superior até então praticado no país. “O novo ensino

superior nasceu, assim, sob o signo do Estado nacional, dentro ainda dos marcos da

dependência econômica e cultural, aos quais Portugal estava preso, respectivamente, à

Inglaterra e à França” (CUNHA, 2000, p. 153).

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Apesar dessa necessidade de se modificar o ensino superior nesse período ainda não

foram criadas as universidades. Entretanto várias foram às tentativas. Na própria Constituinte,

de 1823, já se apresentavam propostas em favor da implantação de universidades. “Naquela

Assembléia, depois dissolvida pelo Imperador, a questão suscitou vivos debates. Discutiu-se,

principalmente, onde melhor localizar as instituições propostas” (DIAS, 1997, p. 102)14.

Segundo TEIXEIRA (apud DIAS 1997),

“Somente sobre a Universidade [...], entre 1808 e 1882, nada menos de 24 projetos se contam, sendo os dois últimos de Rui Barbosa de 1882, os quais, em sua própria palavra, ‘passaram a dormir na Câmara dos Deputados o sono, donde passaram ao mofo e a traçaria dos arquivos” (p. 103).

Todavia não eram iguais as referidas iniciativas. Segundo CUNHA (1980) as lutas

pela criação das universidades eram lutas diferentes, de grupos diferentes, em momentos

diferentes e sobretudo em busca de instituições diferentes, “que de comum só tinham o nome

de universidade” (p. 14). A maior dificuldade era em relação à falta de continuidade no

processo.“Os projetos eram arquivados ou vencidos pela inércia, em meio à indiferença

generalizada, para retomar a veleidade anos depois. A idéia era intermitente” (DIAS, 1997, p.

103).

Desse modo, optou-se pela criação de cátedras isoladas de ensino superior para a

formação de profissionais. Nesse período foram criadas cátedras de Medicina, de Engenharia,

os cursos jurídicos, entre outros.

“Com a chegada do Príncipe D. João, futuro D. João VI, em 1808, à Bahia, cria o Príncipe Regente, nessa cidade, em 18 de fevereiro, a Escola de Cirurgia e Anatomia, hoje Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. Apenas chegado ao Rio, o Príncipe Regente cria a 2 de abril de 1808 o Segundo Curso de Anatomia e Cirurgia, hoje Faculdade de Medicina

14 Segundo CHIZZOTI (2001), várias discussões ocorreram em virtude de onde seriam criadas as universidades e da quantidade de universidades a ser criadas, uma vez que alguns constituintes achavam pouco a criação de duas universidades e pediam uma terceira. Além disso, houveram algumas discussões quanto a imprecisão dos fundos e a criação de cursos jurídicos em outras cidades, como no Rio de Janeiro

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da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Em 1808, criou a Academia da Guarda-Marinha, e em 1810, a Academia Militar, que se transformou em Escola Central, depois Escola Politécnica, hoje Escola Nacional de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; (em 1813 as cátedras independentes de Anatomia e de Cirurgia foram reunidas a outras, recém-criadas, e deram origem às Academias de Medicina no Rio de Janeiro e na Bahia); em 1814, o Curso de Agricultura , e em 1816, a Real Academia de Pintura, Escultura e Arquitetura. Depois da Independência, cria o Imperador D. Pedro I em 11 de agosto de 1827 os Cursos Jurídicos em São Paulo e em Olinda, Pernambuco. Durante a regência, na menoridade de D. Pedro II, criam-se em 1832 a Escola de Minas e Metalurgia15 em Ouro Preto, Minas Gerais e, em 1837, no Rio de Janeiro, O Imperial Colégio Pedro II [...]16.Estas foram as escolas superiores oficiais que teve o Brasil até 1889, data da Proclamação da República” (TEIXEIRA apud DIAS, 1997, p. 106/107)

Quanto à criação da Escola de Minas e Metalurgia em Ouro Preto, Minas Gerais,

segundo TEIXEIRA (apud DIAS, 1997), ela somente foi instalada pelo Imperador 34 anos

após a sua criação, entretanto CUNHA (2000) coloca que esta foi criada em 187517.

Nas últimas décadas do período monárquico foram surgindo escolas e faculdades de

Odontologia, Arquitetura, Economia, Serviço Social, Jornalismo, Filosofia, Ciências e Letras.

Seguindo-se no advento da República, a procura pela educação secundária e superior

aumentou18. As transformações do ensino superior, no início da República, foram “marcadas

pela facilitação do acesso ao ensino superior, resultado, por sua vez, das mudanças nas

condições de admissão e da multiplicação das faculdades” (CUNHA, 2000, p. 157).

15 Sobre a criação da Escola Politécnica e da Escola de Minas temos que, segundo CUNHA, “a primeira nasceu da Escola Militar e a outra, da determinação do Imperador, ambas num período em que, cessada a guerra contra o Paraguai (1864-1870), construiu-se estradas, portos, serviços públicos de iluminação a gás, e foram instaladas fábricas de tecidos, de produtos alimentícios e de produtos químicos” (2000, p. 156). 16 De 1808 a 1836, a admissão dos candidatos às escolas superiores estava condicionada “à aprovação nos chamados ‘exames de estudos preparatórios’ (ou simplesmente, ‘exames de preparatórios’), prestados no estabelecimento de ensino procurado por cada candidato. Mais tarde, a partir de 1837, os concluintes do curso secundário do recém-criado Colégio Pedro II passaram a ter o privilégio de matrícula, sem exames, em qualquer escola superior do Império”. Desse modo, os “exames preparatórios” passaram a ser realizados inicialmente no Rio de Janeiro, e mais tarde nas capitais das províncias, sempre realizados perante juntas especiais, com o prazo de validade de aprovação permanente. Além disso, os exames foram parcelados, permitindo “realizar as provas de cada matéria no tempo e no lugar mais conveniente para os candidatos” (CUNHA, 2000, p. 155). 17 Segundo CUNHA (2000), em 1875 foi criada a Escola de Minas17, em Ouro Preto, Minas Gerais. “Sua origem remonta a uma lei aprovada em 1832 pela assembléia legislativa da província, criando um curso de Estudos Mineralógicos sem que tivesse resultado em efeitos práticos” (p. 155). 18 Esse aumento, bem como a multiplicação de estabelecimentos de ensino superior no país foram, segundo CUNHA (2000), determinados por dois fatores relativamente independentes. “Um fator foi o aumento da procura de ensino superior produzido pelas transformações econômicas e institucionais. Outro fator, este de caráter ideológico, foi a luta de liberais e positivistas pelo ‘ensino livre’, e destes últimos contra os privilégios ocupacionais conferidos pelos diplomas escolares” (p. 157).

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No período que vai da Reforma do Ensino de 189119 (Reforma Educacional Benjamin

Constant) até 1910, foram criadas no país 27 escolas superiores, sendo 09 de medicina,

obstetria, odontologia e farmácia; 08 de direito; 04 de engenharia; 03 de economia e 03 de

agronomia.

Em 1911, pelo Decreto nº 8.659 (de 05 de abril), outra reforma de ensino foi

promulgada, desta vez a Reforma Rivadávia Corrêa. Com essa reforma, “os estabelecimentos

de ensino criados pelo governo federal deixaram de gozar de qualquer espécie de privilégio”

(privilégios estes concedidos em 1891). E ainda, os “estabelecimentos governamentais

passaram a ser corporações autônomas, podendo suas congregações eleger os diretores e

gozar de completa autonomia didática, administrativa e financeira”. (CUNHA, 2000, p. 159).

Além disso, foram extintos os exames de madureza e instituídos os exames de admissão a

todos os alunos que interessassem ingressar em algum curso superior, medida esta que seria,

segundo YAZBECK (1999), uma forma de contenção do aumento do número de ingressos

nas faculdades. Os exames de admissão deveriam “constar de uma prova escrita sobre os

conhecimentos que se queria verificar e uma prova oral sobre línguas e ciências” e as escolas

superiores criadas pelos estados e particulares deixariam de sofrer fiscalizações por parte do

governo federal, “tendo seus currículos organizados conforme as determinações do seu

próprio corpo decente, independentemente de modelos oficiais” (CUNHA, 2000, p. 160).

Esta Reforma criou ainda o Conselho Superior de Ensino, cuja função foi “a de

substituir a função fiscal do Estado, dirigindo o ensino superior até a sua completa

independência do governo federal” (CUNHA, 2000, p. 160).

19 Em 1891, com a Reforma Educacional Benjamin Constant, criou-se a equiparação dos estabelecimentos de ensino secundário e superior ao Ginásio Nacional (antigo Colégio Pedro II) e às Faculdades mantidas pelo Governo Federal. Ainda, segundo YAZBECK (1999), com a Reforma Benjamim Constant criou-se o Conselho de Instrução Superior, “incluindo em suas atribuições a criação de novos estabelecimentos de ensino. Como resultado, houve uma significativa expansão das escolas superiores, [...]” (p. 183).

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Em 1915, outra reforma de ensino foi promulgada, pelo Decreto nº 11.530 (de 18 de

março), reorganizando o ensino secundário e superior de todo o país, “com o objetivo de

corrigir distorções do decreto de quatro anos antes. Foi à vez da Reforma Carlos Maximiliano,

novo Ministro do Interior” (CUNHA, 2000, p. 160).

Dessa vez, segundo CUNHA (2000), as mudanças foram profundas, embora

mantivessem dois pontos fundamentais da Reforma Rivadávia Corrêa: “a destituição do

privilégio dos diplomas do Colégio Pedro II (e dos que lhe eram equiparados) de garantir aos

seus possuidores matrículas nas escolas superiores; e a instituição dos exames de admissão,

então rebatizados de Exames Vestibulares, para a seleção dos candidatos ao ensino superior”

(p. 160).

Esse Decreto exigiu um rigor para os exames vestibulares, exigiu o certificado de

conclusão do ensino secundário e ainda limitou o número de equiparações possíveis de

instituições de ensino superior em cada estado20.

Dez anos depois, em 1925, foi instituída uma nova Reforma, sob o Decreto nº 16.782-

A (de 13 de janeiro), que ficou conhecida com Rocha Vaz. Nessa Reforma, o caráter

seletivo/discriminatório dos exames vestibulares foi ainda mais intensificado, mediante a

adoção do critério de numerus clausus. Com esse critério o diretor de cada instituição de

ensino superior deveria fixar o número de vagas a cada ano, sendo esse número preenchido

por ordem de classificação dos candidatos, não podendo, os candidatos ter matrícula garantida

para o ano seguinte, a não ser mediante a aprovação em outro vestibular. “O objetivo

manifesto dessa medida era dar maior eficiência ao ensino pela diminuição do número de

estudantes em certos cursos e conduzir os estudantes para cursos menos procurados, em que

havia vagas não preenchidas” (CUNHA, 2000, p. 161). Além disso, segundo YAZBECK

20 “As instituições de ensino superior instaladas em cidades com menos de 100 mil habitantes não poderiam mais ser equiparadas às federais” (CUNHA, 2000, p. 161).

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(1999), esta reforma “autorizou a criação de outras universidades, projetando como modelo de

estrutura da Universidade do Rio de Janeiro” (p. 183).

Assim, percebe-se que várias reformas foram outorgadas com o objetivo de conter o

número de matrículas no ensino superior e mesmo assim a expansão do ensino continuou.

Além destas, outras medidas foram tomadas com o objetivo de tentar conter esse ramo de

escolarização.

Por ora, vale ainda ressaltar a criação de Universidades, explicitamente com esse

nome, onde tem-se, no período que vai de 1909 a 1940 as seguintes:

Em 1909 teve-se a criação da Universidade de Manaus, no estado do Amazonas,

resultado da iniciativa de grupos privados. Esta Universidade ofereceu cursos de Engenharia,

Direito, Medicina, Farmácia, Odontologia e de formação de oficiais para a Guarda Nacional.

Foi extinta em 1926, restando apenas a Faculdade de Direito, incorporada, em 1962, a

Universidade Federal do Amazonas.

Em 1911 a criação da Universidade de São Paulo, em São Paulo, com recursos de

“sócio-capitalista”. Ofereceu cursos de Medicina, Odontologia, Farmácia, Comércio, Direito e

Belas Artes. Dissolveu-se em 1917 por ter se tornado inviável em termos financeiros, uma vez

que a Faculdade de Medicina criada por iniciativa do Governo de São Paulo atraiu seus

estudantes.

Em 1912 a criação da terceira universidade do país, em Curitiba, capital do estado do

Paraná. Esta universidade oferecia cursos de Direito, Engenharia, Medicina, Farmácia,

Odontologia e Comércio. Foi dissolvida com a proibição da equiparação de instituições de

ensino superior em cidades com menos de 100 mil habitantes (reforma Carlos Maximiliano).

“Restaram, como faculdades livres, as de Medicina, de Engenharia e de Direito, equiparadas

nos anos 1920. Em 1950, essas faculdades foram incorporadas à recém-criada Universidade

Federal do Paraná” (CUNHA, 2000, p. 162).

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Em 1920 foi criada a Universidade do Rio de Janeiro21, “primeira instituição de ensino

superior que assumiu duradouramente o status de universidade” (CUNHA, 2000, p. 162). Esta

universidade resultou da reunião das faculdades federais de Medicina, de Engenharia e de

Direito existentes. A forma como foi criada esta universidade, pela reunião de três faculdades

já existentes acabou tornando-se modelo para a quase totalidade das que se seguiram. “O

procedimento utilizado para a constituição da Universidade do Rio de Janeiro foi

paradigmático para as que vieram depois dela: a reunião de faculdades profissionais

existentes” (CUNHA, 2000, p. 163).

Em 1927 foi criada a Universidade de Minas Gerais resultante da reunião das

faculdades de Engenharia, Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia já existentes em Belo

Horizonte, Minas Gerais22.

Pouco depois da inauguração desta universidade, o governo federal fixou algumas

normas regulamentando a instalação de universidades nos estados brasileiros. Desse modo,

em 28 de novembro de 1928, foi promulgado o Decreto nº 5.616, apresentando algumas

normas. Com esse Decreto,

“As universidades criadas nos estados gozariam de ‘perfeita autonomia administrativa, econômica e didática’. No entanto, estabelecia-se que o ingresso dos alunos deveria estar sujeito aos mesmos requisitos legais dos estabelecimentos federais de ensino superior. O Departamento Nacional de Ensino exerceria a fiscalização de todas elas, por meio de um inspetor para cada faculdade constituinte de cada universidade. Na prática, ficava vedada a criação de universidade privadas, pois era exigida uma lei do governo estadual para a criação desse tipo de estabelecimento de ensino, o qual teria seu reitor nomeado pelo governador do estado” (CUNHA, 2000, p. 165).

De acordo com este decreto, ao solicitar o reconhecimento a instituição deveria contar

com um elevado patrimônio e ter no mínimo três faculdades funcionando “ininterruptamente

há pelo menos 15 anos” (CUNHA, 2000, p. 165).

21 Em 1937 a Universidade do Rio de Janeiro passou a chamar-se Universidade do Brasil. 22 Segundo CUNHA, “tanto no Rio de Janeiro com em Minas Gerais, a instituição universitária nascente foi bastante débil” (2000, p. 163).

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Em 11 de abril de 1931, foi promulgado outro Decreto que estabelecia um estatuto

para as universidades. Esse Decreto foi o de nº 19.851, “denominado pretensiosamente de

Estatuto das Universidades Brasileiras” (CUNHA, 2000, p. 165). Esse estatuto estabeleceu

padrões de organização para as instituições de ensino superior universitárias ou não-

universitáras, para todo o país.

“Cada universidade seria criada pela reunião de faculdades (pelo menos três dentre as seguintes: Direito, Medicina, Engenharia, Educação, Ciências e Letras). Cada faculdade seria dirigida por uma congregação, integrada pelos professores catedráticos efetivos, pelos livre-docentes por eles eleito. Três a seis catedráticos, escolhidos pelo ministro da Educação dentre os de uma lista elaborada pela congregação, constituiriam o conselho técnico-administrativo de cada faculdade, seu órgão deliberativo. O diretor da faculdade seria, também, escolhido pelo Ministro dentre uma lista de professores catedráticos elaborados pela congregação e pelo conselho universitário, conjuntamente” (CUNHA, 2000, p. 165/166).

Por este Estatuto, a administração central da universidade seria composta pelo reitor e

pelo conselho universitário, órgão consultivo e deliberativo23. Quanto ao corpo docente este

seria composto pelos professores catedráticos, pelos auxiliares de ensino e pelos livre-

docentes.

Quanto à admissão dos alunos ao ensino superior, continuaria dependente da

aprovação nos exames vestibulares além da apresentação dos certificados de conclusão do

curso secundário e da prova de idoneidade moral.

Em 1932 foi criada a Universidade Técnica do Rio Grande do Sul24, “mas o status

universitário só lhe foi atribuído em 1934” (CUNHA, 2000, p. 164).

23 Quanto à nomeação do reitor o estatuto estabelecia que caso fosse uma universidade livre ela teria a liberdade de nomear o seu reitor, mas o ministro poderia veta-lo; caso não fosse, caberia ao conselho universitário elaborar uma lista com o nome de três professores do ensino superior para que o Ministro da Educação escolhesse o reitor. 24 Segundo CUNHA (2000), “a Universidade de Rio Grande do Sul foi criada mediante um processo diferente das duas anteriores. Em vez de resultar da reunião de faculdades pré-existentes, ela surgiu da diferenciação de uma única faculdade, a Escola de Engenharia de Porto Alegre” (p. 164).

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Em 1934 foi criada a Universidade de São Paulo25, tendo Fernando de Azevedo, como

um de seus líderes, sendo “a primeira [...] a ser criada e organizada, segundo as normas dos

Estatutos das Universidades” (ROMANELLI, 1987, p. 132)26. E em 1935, a Universidade do

Distrito Federal27, criada por Anísio Teixeira, e dissolvida em 1939, tendo parte de suas

faculdades incorporadas pela Universidade do Brasil.

Em 1940 surgiram, na cidade do Rio de Janeiro, as Faculdades Católicas, “embrião da

universidade reconhecida pelo estado em 1946 e, mais tarde, pontifícia – foi esta a primeira

universidade privada do país” (CUNHA, 2000, p. 164).

Assim, esse foi o panorama geral do processo de criação dos cursos superiores e das

universidades no país, bem como se processou os exames de admissão para este grau de

ensino, uma vez que se registrou um aumento na procura do ensino superior, principalmente

no início da República.

É importante acentuar que a idéia de universidade moderna somente se instituiu no

país a partir de 1968, com a Lei da Reforma Universitária, pelo Decreto nº 5.540, que através

de um conjunto de diretrizes reorganizou e ensino superior, fixando normas para a

reestruturação das universidades públicas, especialmente para as federais. Segundo CUNHA

(1989), 25 Segundo YAZBECK (1999), a Universidade de São Paulo (USP) foi inspirada no modelo universitário francês e, “pretendeu-se desde a sua fundação servir à pesquisa científica ao lado da formação profissional. Para realizar tal objetivo, a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras é concebida como a agência integradora do sistema, tendo como objetivos a formação de professores para o magistério secundário, a realização de altos estudos em todos os ramos do saber e o desenvolvimento da pesquisa científica” (p. 184/185). 26 Segundo ROMANELLI (1987), “na verdade, apesar da reorganização da Universidade do Rio de Janeiro, a primeira Universidade a ser criada e organizada, segundo as normas dos Estatutos das Universidades, foi a Universidade de São Paulo, surgida em 25 de janeiro de 1934. As demais universidades, até então, tinham-se organizado pela simples incorporação dos cursos existentes e autônomos. A Universidade de São Paulo foi criada segundo as normas do decreto e apresentava a novidade de possuir uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, segundo Fernando de Azevedo, passou a ser a medula do sistema, tendo por objetivos a formação de professores para o magistério secundário e a realização de altos estudos desinteressados e a pesquisa” (p. 132/133). 27 “Também a Universidade do Distrito Federal planejou ser uma instituição integrada e não uma simples agregação de escolas. Para cumprir essa intenção concebeu-se uma estrutura com um núcleo formado por quatro faculdades, as quais não consistiam naquelas tradicionais escolas profissionais que formaram a base das demais universidades existentes no país. O núcleo da Universidade seria composto pelas Faculdades de Filosofia e Letras, de Ciências, de Economia e Direito e a Faculdade de Educação, além do Instituto de Artes. As diretrizes da nova universidade, determinadas por Anísio Teixeira, valorizavam a cultura desinteressado e a carreira intelectual” (YAZBECK, 1999, p. 185).

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“Mais do que uma diretriz para a reorganização do conjunto do ensino superior no Brasil, a lei da reforma universitária de 1968 trazia normas bastante rígidas para a reestruturação das universidades públicas, em especial das universidades federais. Era a generalização do modelo norte-americano de universidade, não faltando a fragmentação do ano letivo; o regime de créditos; a divisão do currículo em uma parte geral (como o college) e outra profissional; os cursos de curta duração; o regime departamental; a pós-graduação; o taylorismo como regra de organização do trabalho; o campus segregado da cidade; (a indissociabilidade ensino/pesquisa/extensão) e outras características”.

Desse modo, com esta reforma instituiu-se toda a estrutura da universidade atual,

configurando-se, assim, a idéia de universidade moderna em nosso país.

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PPRRII MM ÓÓRRDDII OOSS DDOO EENNSSII NNOO AAGGRRÍÍ CCOOLL AA

NNOO BBRRAASSII LL

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CAPÍTULO 02

PRIMÓRDIOS DO ENSINO AGRÍCOLA NO BRASIL

As primeiras instituições de educação superior no Brasil datam do século XVI, quando

cursos de artes e teologia começaram a ser oferecidos nos colégios dos jesuítas. Ainda que a

universidade só aparecesse no inicio do século XX28, no século XVIII foram criadas

“academias” para estudos em vários campos, inclusive o da agricultura. Mais tarde,

apareceram Hortos Reais, aos quais, grosso modo, se atribuíam funções tanto de pesquisa

quanto de ensino e extensão. Segundo ROSA (1980), “pode-se dizer que é nessa época que se

encontram as origens do ensino agrícola brasileiro” (p. 16)29.

“Em 1808, foi criado na fazenda da lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, o Horto Real, depois Jardim Botânico, protótipo dos que viriam a ser criados, mais tarde, na Bahia, em São Paulo, em Pernambuco e em Minas Gerais. Eram eles verdadeiras estações agrícolas experimentais com o objetivo de estudar o cultivo sistemático de plantas nativas no Brasil e a aclimatação de espécies de fora, principalmente da Ásia. Um dos alvos era o plantio de chá, de modo que a menor distância do Brasil aos mercados consumidores da Europa trouxesse vantagens no mercado internacional. Para isso chegou-se até a trazer um grupo de chineses que deveriam ensinar aos pesquisadores brasileiros as técnicas por eles utilizadas” (CUNHA, 1980, p. 103).

Nesse período foram criados alguns cursos de agricultura, alguns em nível elementar,

outros em nível superior. Assim, teve-se, entre outros, a criação do Curso de Agricultura, na

cidade da Bahia, em 1812; e, em 1814, a criação da Cadeira de Botânica e Agricultura, na

Corte30.

28 CUNHA, 1980; NAGLE, 1974; COELHO, 1999; FÁVERO, 2000, entre outros. Sobre a criação de universidades no Brasil ver Capítulo I. 29 Segundo ROSA (1980), “pode-se dizer que é durante o período da permanência da Corte Portuguesa no Brasil que se encontram os germes do ensino agrícola brasileiro, [...]” (p. 19). 30 Para a direção do Curso de Agricultura criado na cidade da Bahia, foi nomeado o professor de agricultura Domingos Borges Barros e para a Cadeira de Botânica e Agricultura da Corte foi nomeado Fr. Leandro do

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Desse modo, foi a partir da vinda da Corte Portuguesa para o Brasil, que iniciou-se,

por parte do governo, a implementação de atos voltados para o ensino agrícola. Foram criadas

instituições voltadas para a atividade agropastoril, obras científicas foram escritas, tecnologias

foram desenvolvidas. Tudo isto contribuiu para a criação de algumas novas escolas superiores

de agronomia e de veterinária.

Várias tentativas isoladas de ensino agrícola, nesse período, foram surgindo; sendo a

maioria de nível elementar. Segundo alguns autores (ROSA, 1980; CUNHA, 1980, entre

outros), em 1836 foi criada a Fazenda Normal de Agricultura em São Paulo31; em 1838, a

Escola de Agricultura na Fazenda Nacional da Lagoa de Freitas no Rio de Janeiro; em 1840, a

Escola Normal no Jardim Botânico de Ouro Preto, em Minas Gerais32; em 1843, a Cadeira de

Botânica em Vitória, Espírito Santo; em 1860, a Escola Prática na Província do Rio de

Janeiro; em 1869, a Escola Prática de Juiz de Fora, Minas Gerais; em 1897, o Instituto

Agronômico e a Estação Agronômica de Campinas, São Paulo, entre outros. Além destas

escolas, o governo autorizou, a partir de 1871, a criação de Escolas Normais de Agricultura

nas diversas províncias brasileiras, como a criação da Escola Normal de Agricultura na

Capital, da Escola Normal de Agricultura no Amazonas e da Escola Normal de Agricultura de

Minas Gerais, sendo que a maioria destas escolas normais agrícolas criadas nesse período

nem sequer chegaram a funcionar.

Em 1860, outro passo foi dado em favor da difusão do ensino agrícola no país através

da criação do Ministério da Agricultura, com o nome de Secretaria de Estado dos Negócios da

Agricultura, Comércio e Obras Públicas33, de pouca duração, sendo extinto em 1891, “quando

a recém-proclamada República realizou uma reforma administrativa”, por meio da Lei nº 23,

Sacramento, ambos formados pela Universidade de Coimbra. Segundo ROSA (1980) eles foram “os dois primeiros professores de Agricultura do país, nomeados oficialmente [...]” (p. 17). 31 Segundo ROSA (1980), este estabelecimento era “para meninos de nascimento livre, de sete anos de idade órfãos de pai, que não tivessem parente que se obrigassem a dar igual instrução” (p. 26). 32 Esta escola também foi destinada a alunos órfãos. Deixou de funcionar em 1858, com o fechamento do Jardim Botânico (ROSA, 1980). 33 Este Ministério foi criado em 28 de julho de 1860 pelo Decreto nº 1067.

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de 30 de outubro (CAPDEVILLE, 1991, p. 46). As atribuições do então extinto Ministério da

Agricultura passaram para a Secretaria do Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras

Públicas, pelo Decreto nº 1142, de 22 de novembro de 1892. Segundo CAPDEVILLE (1991),

“por esse decreto, a Secretaria de Estado dos Negócios da Indústria, Viação e Obras Públicas foi dividida em quatro diretorias-gerais, sendo uma delas a Diretoria-Geral da Indústria, que, por sua vez, se dividia em duas seções. A primeira seção incumbia-se dos assuntos ligados à agricultura” (p. 46) (grifo nosso).

Entretanto, segundo ROSA (1980), as funções propriamente agrícolas que essa

Secretaria desempenhava eram quase nulas. Segundo Álvaro Carvalho34, “afirmo sem receio

de ser contestado, que nunca tivemos Ministério da Agricultura, mesmo durante o Império

[...]”. Ainda segundo o autor, “o antigo Ministério cogitava de viação, transporte, colonização,

correios, telégrafos e etc., mas não cogitava do ensino profissional, do estudo de mercados

consumidores e de todos estes vários assuntos que constituem a especialidade do Ministério

da Agricultura [...]” (MENDONÇA, 1997, p. 121) (grifo nosso).

Vale ainda ressaltar a criação, no país, no período compreendido entre 1880 e 1884

dos Clubes de Lavoura, sendo estes clubes considerados as primeiras tentativas de

organização da classe agrícola, e estavam intimamente correlacionados ao fim da escravidão.

Estes clubes eram de caráter municipal, sendo suas diferenças, a representação de:

“uma primeira tentativa de formalizar a natureza das reivindicações agrárias, podendo ser encarados sob duas perspectivas. Na condição de organismos orientados pela crise, tentariam agregar demandas para fins políticos, revelando um afastamento das formas vigentes de organização de interesses da classe proprietária; ao mesmo tempo, uma vez que o Estado monárquico se recusava a admiti-los como foros políticos legítimos e aceitáveis, a eficácia de sua ação estaria comprometida, fazendo com que a maioria deles acabasse por confundir-se com as próprias Câmaras Municipais responsáveis, em muitos casos, pelo patrocínio de sua criação” (MENDONÇA, 1997, p. 41).

34 Álvaro Carvalho foi um deputado paulista empenhado na aprovação do projeto da recriação do MAIC. Sobre isso ver MENDONÇA (1997).

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Nesse período, tem-se notícia dos Clubes de Lavoura na região do centro-sul do país e

na região paulista, sendo um ligado ao centro-oeste paulista e outro ligado aos fazendeiros

menos influentes das antigas zonas agro-exportadoras de café. Além destes clubes, chama-se

atenção para os comícios agrícolas35, “assembléias organizadas com a finalidade de difundir

in loco – incluindo exposições volantes de inúmeros produtos/implementos agrícolas –

estratégias de compensação para os supostos desajustes provocados pela supressão do braço

escravo” (MENDONÇA, 1997, p. 41). Esses comícios eram realizados por grupos de

proprietários rurais, sendo o Estado do Rio de Janeiro seu pólo dispersor.

Ainda em favor da difusão do ensino agrícola no país, vale ressaltar a criação, em

1894, da Sociedade Brasileira para a Animação da Agricultura (SBAA) e, em 1897, da

Sociedade Nacional de Agricultura (SNA).

A SBAA foi criada, por Assis Brasil36, em Paris, como um mecanismo de

aperfeiçoamento agrícola para o Brasil. Foi o primeiro grupo a ser criado de interesses

“institucionalizados em prol da moderna agricultura brasileira”. Esta sociedade era

encarregada de adquirir animais e sementes de qualidade para os membros residentes no

Brasil, “bem como buscar patrocínio de certos círculos políticos de prestígio para a causa”

(MENDONÇA, 1997, p. 30/31). Segundo seus estatutos, “[...] suas finalidades consistiam em 35 Segundo MENDONÇA, “diante dessa iniciativa resultaria um pequeno grupo de quarenta e sete indivíduos que, reunidos em maio de 1896, na Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional, lançaria as bases de uma organização agrícola mais abrangente a cuja testa encontrava-se o idealizador dos comícios, o engenheiro politécnico Antônio Ennes de Souza. O objetivo da instituição era o de tornar-se um centro mobilizador de forças e formador de opiniões, de modo a ‘servir como ponto de apoio para todo e qualquer esforço em prol do melhoramento agrícola do nosso país’, o que ganha maior relevância ao considerar-se as tendências industrializantes manifestadas pelos líderes do novo regime até o episódio do Encilhamento, fazendo com que a entidade recém-criada enfatizasse a missão de ‘congregar coletivos e individuais esforços para integrar o Brasil no conceito de país essencialmente agrícola’” (1997, p. 41/42). Esta entidade recém-criada é a Sociedade Nacional de Agricultura. 36 Joaquim Francisco de Assis Brasil era um pecuarista gaúcho “que ganhou notoriedade como um dos mais ardentes defensores do incentivo público à agricultura diversificada”. “Nascido em 1857, no município de São Gabriel, e herdeiro de extensas propriedades, ingressara na Faculdade de Direito de São Paulo, bacharelando-se em 1882 e logo retornando a seu estado para atuar vivamente em prol de uma agricultura progressista, tendo por base de ação a Assembléia Legislativa provincial, para a qual se elegera em 1885” (MENDONÇA, 1997, p. 28). Além disso, assumiu vários cargos políticos, entre eles, o cargo de Deputado Federal. Aposentou-se em 1912, pelo Itamaraty. Foi considerado o precursos do ruralismo no país, “que pelos conhecimentos adquiridos em seus contatos com as modernas técnicas agrícolas – principalmente dos Estados Unidos – quer pelos movimentos de propaganda em prol da agricultura quer pela sua vivência no exterior permitiria organizar” (MENDONÇA, 1990, p. 85). Sobre Assis Brasil ver MENDONÇA (1990 e 1997).

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‘encorajar a criação de gado de toda a espécie no país; encorajar a agricultura, notadamente a

que concerne à produção de forragens e cereais e divulgar no estrangeiro os produtos do

trabalho brasileiro’” (SBAA apud MENDONÇA, 1997, p. 31). Dentre seu quadro de

associados, encontravam-se paulistas, como Carlos Botelho37 e Augusto Ramos; um

agrônomo norte-americano e diretor da Escola Agrícola de Lavras, Benjamin Hunnicut; e,

“além desses, associações agrícolas fluminenses e paulistas, sem falar nos representantes dos

Executivos de alguns Estados da federação, juntamente com jornais como O Estado de São

Paulo ou A Noite” (SBAA apud MENDONÇA, 1997, p. 31).

Em 1897, com a criação da SNA, originalmente composta de médicos, advogados,

engenheiros e professores com inserção na vida pública, anunciava-se, em sua proposta, com

argumentos de disputa, que, “para uma nova fase de regeneração agrícola, o país teria que

promover a diversificação produtiva, o associativismo, a modernização pela difusão do ensino

técnico e pela mecanização [...]” (COELHO, 1999, p. 72). A participação da Sociedade

Nacional de Agricultura permitiu a difusão de novas idéias, com o incentivo ao mercado

interno, à produção, à mecanização e o ensino agrícola38.

Seu estatuto, aprovado em janeiro de 1897, instituía a SNA legalmente como uma

sociedade civil, tendo por “modelo a instituição homônima criada na França”. Esta sociedade

consistiria então de uma “agremiação de ‘lavradores e amigos da agricultura’, ‘para o exame,

o estudo e a colaboração para a solução dos problemas dos agricultores, dos pecuaristas e dos

37 Carlos Botelho foi Secretário de Agricultura de São Paulo no quadriênio 1904 - 1908. “Grande proprietário oriundo de tradicional família paulista, médico e agrônomo formado nos Estados Unidos, Botelho enfatizava a policultura e a lavoura intensiva, adaptando a estrutura administrativa da Secretaria a seus desígnios. Tratou-se de adequá-la à tarefa de orientar e padronizar os rumos da mudança pretendida, de modo a difundi-los aos proprietários interessados e, para tanto, o órgão promoveria iniciativas ‘fundadoras’ como o primeiro censo agrícola do Estado (1905); a primeira exposição estadual de animais (1907), bem como a instalação de uma seção de estudos econômicos, para rastrear o montante da produção rural do Estado. Sob sua administração seriam também instalados um Serviço de Informação e Publicidade, uma Biblioteca Estadual especializada no assunto, além de reformulado o currículo da Escola Superior Agrícola Luiz de Queiroz (ESALQ), [...]” (MENDONÇA, 1997, p. 35/36). 38 A SNA contou com presidentes provenientes dos diversos estados do país, dentre eles, Antônio Ennes de Souza (1897), Maranhão; José C. Moura Brasil (1898-1900/1901-1904), Ceará; Antonio Fialho (1899/1902-1903), Rio de Janeiro; Wencesláo A. L. Oliveira Bello (1905-1911), Rio Grande do Sul; Sylvio Rangel (1911-1912), Rio de Janeiro; Lauro S. Muller (1912 – 1921), Santa Catarina; Miguel Calmon du Pin e Almeida (1921 – 1922), Bahia; Geminiano Lira Castro (1923 – 1925), Pará, entre outros (MENDONÇA, 1997).

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industriais de indústrias extrativas e correlatas [...]’” (MENDONÇA, 1997, p.42). Dentre seus

fins específicos, segundo seu estatuto,

“[...], discriminavam-se o fomento à criação de novas associações rurais, cooperativas e caixas de crédito; a fundação de campos de demonstração e escolas práticas de agricultura, bem como o aperfeiçoamento dos trabalhos agrícolas mediante a aplicação da ciência aos campos, bem ao sabor do espírito ilustrado dominantes entre os membros da primeira geração republicana” (MENDONÇA, 1997, p. 42).

A SNA promovia a organização de congressos e exposições nacionais39 e

internacionais, sendo ela a organizadora do Primeiro Congresso Nacional de Agricultura,

realizado no Rio de Janeiro, em 1901, reunindo cerca de 100 participantes de quase todos os

estados da federação. Este Congresso foi considerado o primeiro fórum nacional de discussão

do problema agrícola40.

Além dos eventos, a SNA foi responsável por um grande avanço na organização em

defesa da agricultura no Brasil41, prestando vários serviços a seus associados, dentre os quais

destacam-se:

“desde a distribuição, gratuita ou a preço de custo, de sementes e mudas das espécies que se julgava necessário divulgar, [...], passando pelo fornecimento de publicações técnicas, estrangeiras sobretudo, acerca dos mais variados temas ligados à chamada agricultura científica, até a realização de conferências semanais na capital da República, sem falar na organização de comissões volante, destinadas a percorrer municípios em todo o país, de modo a orientar e esclarecer acerca dos procedimentos

39 Durante o período de 1897 a 1930, a SNA promoveu 31 eventos nacionais (MENDONÇA, 1997). 40 Além deste cabe mencionar a Exposição de Agricultura, Zootecnia e Indústrias Rurais (1897); a Conferência Açucareira na Bahia (1902); a Exposição Internacional de Aparelhos a Álcool (1902); a Primeira Exposição Nacional de Aparelhos a Álcool (1903); a Primeira Reunião Nacional de Agricultores de Cacau (1905); Segundo Congresso Nacional de Agricultura (1908); o Convênio Açucareiro do Brasil (1911); a Primeira Exposição Nacional do Milho (1914); a Segundo Exposição Nacional do Milho (1916); a Primeira Conferência Nacional Algodoeira (1916); a Primeira Conferência Nacional da Pecuária (1917), entre muitas outras. Algumas dessas exposições tiveram o patrocínio conjunto do MAIC. Fonte: A Lavoura (1897 – 1930) apud MENDONÇA, 1997. 41 Com a criação da SNA e sua divulgação e incentivo agrícolas, o número de sociedades e instituições agrícolas existentes no Brasil passou de 81 em 1899 para 188 em 1908, distribuídos nos mais diversos estados do país. Fonte: SNA. Histórico dos Trabalhos da Sociedade durante 1899. Rio de Janeiro. Imprensa Nacional (1900) apud MENDONÇA, 1997.

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agrícolas tidos por capazes de promoverem a ação diversificadora” (MENDONÇA, 1997, p. 56/57).

Desse modo, o principal órgão difusor das idéias da SNA foi o boletim mensal da

instituição intitulado A Lavoura42.

“Sofisticada ao longo do tempo, a revista destinava-se a vulgarizar as posições e fins da entidade, não apenas por intermédio de artigos e editoriais, mas também pelo acréscimo de novas seções informativas, cada vez mais técnicas. Buscava-se propiciar aos leitores o máximo possível de informações práticas, tidas como necessárias ao desempenho cotidiano de suas atividades, incluindo desde aquelas relativas à construção de uma nova mentalidade racional, até as que difundissem os efeitos da instituição e demais congêneres espalhadas pelo país” (MENDONÇA, 1997, p. 58).

Cabe mencionar que a SNA foi ainda responsável pela recriação do Ministério da

Agricultura43 e pela criação, em 1928, da Confederação Rural Brasileira (CRB).

Em 1898, o advogado gaúcho Assis Brasil publicou o livro “A Cultura dos Campos”.

“Uma de suas obras mais importantes, dentre a vasta produção escrita nessa área, foi

publicada pela primeira vez por prestigiosas editoras européias, sendo legitimada, à época,

como a Bíblia da Agricultura Brasileira” (MENDONÇA, 1997, p. 29). Segundo COELHO,

“Nele, a bandeira de diversificação agrícola vinha junto com algumas noções sobre solos, climas, plantas, drenagens, fertilizantes e recomendações de implementos agrícolas americanos, inclusive com a especificação de firmas para as possíveis compras – uma cartilha para uma ‘agricultura progressista’, como ele próprio dizia”. (1999, p. 74) (grifo da autora).

Em 1906 foi recriado o Ministério da Agricultura, agora com o nome de Ministério

dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio44. Apesar de ter sido criado em 1906, tal

Ministério só veio a ser instalado três anos depois, “em virtude do Decreto nº 7501, de 12 de

42 Dentre seus redatores encontram-se integrantes da Diretoria Técnica, além de estudiosos nacionais, especialistas estrangeiros sediados nos mais importantes centros de pesquisas agrícolas do país e ainda alguns agrônomos (MENDONÇA, 1997). 43 Este Ministério foi criado nos moldes do Departamento de Agricultura norte-americano, “cujo arcabouço e organograma fora transmitido à SNA por intermédio de cópia enviada por seu sócio-benemérito Assis Brasil ao Ministro das Relações Exteriores, [...]” (MENDONÇA, 1997, p. 118). 44 Criado pelo Decreto nº 1606, de 29 de dezembro de 1906.

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agosto de 1909, baixado pelo Governo Nilo Peçanha” (Rosa, 1980, p. 67)45. Quanto aos

objetivos do nascente Ministério ROSA (1980), aponta exatamente aqueles que incidem sobre

a agricultura no país (artigo 2º da lei de criação deste Ministério),

“Este Ministério terá a seu cargo o estudo de todos os assuntos relativos: 1. À agricultura e indústria animal: a) ensino agrícola, estações agronômicas, mecânica agrícola, campos de experimentação e institutos de biologia agrícola; b) imigração e colonização, catequese e civilização dos índios; c) indústria animal, escolas veterinárias, postos zootécnicos, proteção contra as epizootias, importação e seleção das raças aperfeiçoadas e mais adequadas ao país, estudos de pastos, agrostologia ou classificação de análises gramíneas; d) registro dos animais importados ou nascidos no país, de conformidade com o Decreto nº 1414, de 21 de fevereiro de 1891, com as alterações que forem convenientes, regulamentos sanitários para importação, exportação de animais, sementes e plantas; e) estatística e informações sobre produção, consumo, mercados internos e externos, exportação e importação, previsões de colheitas, movimento das safras, saldos e estoques, zonas e áreas de produção, coeficientes para hectares de terreno ou processo de cultura e indústria mineral; f) jardins botânicos, hortos, museus, laboratórios, aquisição e distribuição de plantas e sementes;

g) legislação rural e agrícola, estudos científicos com o intuito de promover o progresso da agricultura e da indústria animal, congressos, conferências, sociedade de agricultura, sindicatos, cooperativas, bancos, caixas de crédito agrícola e companhias para exploração agrícola no país; h) observatórios astronômicos, estações meteorológicas e carta geográfica (organização e publicação); i) hidráulica agrícola, irrigação e drenagem; j) terras públicas, registro de terras possuídas e legitimação ou revalidação das posses e concessões feitas, medição, demarcação, descrição, distribuição e venda das terras pertencentes à União e sua separação das que pertencem ao domínio particular; k) informações, propaganda, publicidade e divulgação de tudo quanto interessar à agricultura, indústria e comércio no interior e no exterior” (ROSA, 1980, p. 67/68) (grifo nosso).

Dentre as atribuições do MAIC encontravam-se a publicação de ensaios

experimentais46, de boletins mensais do Ministério, dos Anuários de agricultura47 e de uma

45 Somente em 1930, pelo Decreto nº 19448, de 03 de dezembro, é que este Ministério passa a ser denominado Ministério da Agricultura (CAPDEVILLE, 1991). Em 1933, outro Decreto é baixado, agora sob o número 22380, de 20 de janeiro, dando uma nova organização as Diretorias-Gerais do Ministério da Agricultura. Em 1934, outro decreto novamente é baixado dando uma nova reforma administrativa ao Ministério e colocando, em seu artigo 6º, “a Diretoria do Ensino Agrícola (DEA) como parte do Departamento Nacional da Produção Vegetal (DNPV)” – esse foi o Decreto nº 23979, de 08 de março. (CAPDEVILLE, 1991, p. 47). Além destes, outros Decretos e Decretos-Leis foram surgindo a fim de adequar as funções e as Diretorias-Gerais desse novo Ministério. Sobre isso ver CAPDEVILLE (1991).

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variedade de folhetos esparsos, “sobre os mais distintos assuntos, porém todos com caráter

explicativo dos passos elementares ao exercício da agricultura nacional” (MENDONÇA,

1997, p. 151) (grifos da autora). Essas publicações destinavam-se a públicos diferenciados.

Além das publicações, esse Ministério contava ainda com a prestação de serviços de

assistência técnica, a partir da assistência ao agricultor pela manutenção de pequenos centros

de propagação tecnológica. Para a realização desse serviço o MAIC contava com campos de

demonstração, postos zootécnicos, fazendas-modelo e estações experimentais, sendo os dois

primeiros destinados, também, ao ensino prático de agricultura e de veterinária48.

De início, esse Ministério era composto de:

“um Gabinete do Ministro, um Gabinete do Diretor Geral, da Diretoria de Expediente e das seguintes repartições: Junta Comercial; Observatório Astronômico do Rio de Janeiro; Repartição de Estatística; Jardim Botânico; Escola de Minas; Museu Nacional; Hospedaria da Ilha das Flores; Fábrica de Ferro de Ipanema; Serviço de Propaganda e Expansão Econômica do Brasil no Estrangeiro; Diretoria Geral do Povoamento do Solo; Serviço Geológico e Mineralógico e Posto Zootécnico Central” (ROSA, 1980, p. 68/69).

Ainda segundo ROSA (1980) foi a partir desse momento que a agricultura nacional

passou a ser amparada por diversas leis, como a Lei Federal sancionada logo após a criação

deste Ministério, em 1906, para o ensino agronômico, nos moldes franceses, regulamentando

46 Os Ensaios Experimentais eram publicações do MAIC, “tecnicamente sofisticados e encomendados a figuras notórias no campo do saber agronômico do país e do exterior” (MENDONÇA, 1997, p. 151). 47 Os Anuários de Agricultura eram “verdadeiros almanaques, com artigos em linguagem coloquial, além de material de propaganda de lojas e fábricas de implementos agrícolas” (MENDONÇA, 1997, p. 151). 48 É importante lembrar que o MAIC estabeleceu, a partir de meados de 1910, intercâmbio de estudos com universidades norte-americanas. Segundo MENDONÇA (1997), “um dos canais privilegiados para a formação e a reprodução dos quadros ministeriais (do MAIC) foi como recurso a experiência estrangeira por meio do envio anual de grupos de bolsistas, em particular, aos Estados Unidos. Tal prática foi inaugurada em 1918 pela Missão Carlos Moreira, o qual, na qualidade de correspondente do MAIC para a aquisição de máquinas, insumos e técnicas culturais, promoveu uma visita oficial a seis escolas de agronomia indicadas pelo governo de Washington, de modo a selecionar as mais adequadas aos estudantes brasileiros em vias de especialização [...]. Seguindo essa diretriz o Ministério manteria, no ano de 1920, por exemplo, um total de 77 bolsistas em instituições americanas, dos quais 29 provinham do Rio Grande do Sul; 17 de Rio de Janeiro e 14 de Pernambuco, elevando-se este montante a 138 estudantes em 1928” (Relatório do MAIC, 1920 e 1928, apud MENDONÇA, 1997, p. 159).

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a formação de técnicos agrícolas em todos os graus, todavia, na prática, continuavam

expandido-se apenas as escolas agrícolas de nível superior.

Vale ressaltar que após a criação deste Ministério o ensino agrícola e veterinário

ministrado no país passou a vincular-se a ele49. Somente em 1967, que o ensino agrícola e

veterinário foi desvinculado do Ministério da Agricultura e passou para a órbita do Ministério

da Educação e Cultura (CAPDEVILLE, 1991)50.

Em 191151 foi promulgado um novo regulamento para o Ministério dos Negócios da

Agricultura, Indústria e Comércio, sendo-lhe dada a seguinte organização definitiva:

“Gabinete do Ministro, Diretoria Geral da Agricultura; Diretoria Geral de Indústria e Comércio; Diretoria Geral de Contabilidade; por uma das seções componentes da Diretoria Geral da Agricultura (DEA)52 corriam todos os trabalhos referentes à agricultura propriamente dita, ao ensino e às ciências agrícolas, e pela outra seção dos trabalhos relativos à indústria animal e veterinária. Depois da Seção de Medicina e Inspeção Sanitária do Gado – regulamentada pelo Decreto nº 7622, de 21 de outubro de 1909 – foi criado, através do Decreto nº 8974, de 14 de setembro, o Serviço de Veterinária com Inspetorias Veterinárias nos Estados” (ROSA, 1980, p. 75).

Não obstante a existência de algumas escolas agrícolas de nível superior, desde o

período do Império, as carreiras de agrônomo e veterinário desfrutaram de pouco prestígio até

1910, quando a primeira regulamentação oficial para o ensino superior agrícola foi editada

pelo decreto n.º 8.31953. Segundo VIANNA (1951), o pouco prestígio desfrutado por estas

carreiras, era devido à falta de instituições especializadas nesses ramos de ensino.

“É importante ver no ‘status quo’ existente, a razão da sub-importância atribuída, mesmo pelas camadas acima da média do país, principalmente à

49 Segundo este Decreto, “O ensino agronômico, com os estabelecimentos e serviços que o constituem, ficará dependente da Directoria Geral de Agricultura e Industria Animal, [...]” (Decreto nº 8.319, Disposições Gerais, artigo 520). 50 Fato este ocorrido pelo Decreto nº 60731, de 19 de maio de 1967. 51 Em 11 de agosto de 1911 pelo Decreto nº 8199 foi dada uma organização definitiva a esse Ministério. 52 Em 1940 o DEA transforma-se na Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV), ficando responsável por todas as atribuições do extinto Departamento. Sobre isso ver COELHO (1999). 53 Vale ressaltar que este Decreto não só regulamentava o ensino superior agrícola, mas também todos os ramos do ensino agrícola no país.

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Agronomia e à Veterinária. Isto parece devido, provavelmente, à falta, em tese, de estabelecimentos atualizados, nos setores referidos, [...]” (VIANNA, 1951, p. 16).

O decreto nº 8.319, editado em 20 de outubro de 1910, organizava o ensino agrícola

em todos os seus graus e modalidades, abrangendo as 11 divisões do ensino agrícola54. Dado

os objetivos do presente trabalho optou-se por transcrever apenas os pontos relativos ao

ensino superior. Segundo esse decreto,

“O ensino superior estava destinado a formar engenheiros-agronômos e seria ministrado conjuntamente com a medicina veterinária do mesmo grau, na Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinária, fundada no Distrito Federal. Compor-se-ia de dois cursos distintos, o de engenheiros-agronômos e o de médicos-veterinários, cada um deles dividido em fundamental e especial. A finalidade do curso de engenheiro-agronômo seria incrementar o progresso científico da agricultura, através do preparo técnico de profissionais competentes para o ensino da agronomia, para os altos cargos do Ministério da Agricultura e ainda para a direção dos serviços peculiares à exploração da grande propriedade agrícola e das indústrias rurais. O curso de médicos-veterinários teria por finalidade a formação de uma classe de profissionais para a prática da medicina veterinária, para a docência e para o desempenho de funções oficiais a ele relacionadas. Acrescenta-se a isso o fato de que o ensino de medicina veterinária entraria também em cadeiras especiais dos cursos de agricultura nos postos zootécnicos e de seleção de gado nacional, nas estações zootécnicas e nos postos veterinários que se fundassem” (ROSA, 1980, p. 70/71)(Decreto nº 8.319, Capítulo III, art. 4º a 7º)55.

Deve-se mencionar que neste decreto já era previsto como uma das práticas do ensino

agrícola no país a instituição dos cursos ambulantes que se destinariam a “propagar por cada

município, sitio ou fazenda, os conhecimentos rudimentares, de utilidade imediata e ao

alcance da inteligência do homem mais rústico” (MENDONÇA, 1990, p. 538). Ainda

segundo este decreto, o ensino ambulante seria ministrado por doze professores ambulantes

54 Este decreto abrangia, com seus 591 artigos, os seguintes ramos do ensino agrícola: 1) ensino superior; 2) ensino médio ou teórico-prático; 3) ensino prático; 4) aprendizado agrícola; 5) ensino primário agrícola; 6) escolas especiais de agricultura; 7) escolas domésticas agrícolas; 8) cursos ambulantes; 9) cursos conexos com o ensino agrícola; 10) consultas agrícolas; 11) conferências agrícolas. Segundo ROSA (1980), “supunha ainda vários serviços e instalações complementares, tais como: estações experimentais, campos de experiência e demonstrações, fazendas experimentais, estações de ensaio de máquinas agrícolas, postos zootécnicos e postos meteorológicos” (p. 70). Segue em anexo cópia deste Decreto (anexo D). 55 Somente em 1946, com a Lei Orgânica do Ensino Agrícola – Decreto-Lei nº 9613, de 20 de agosto -, que foi baixada uma nova regulamentação para o ensino agrícola do país, entretanto este Decreto não refere-se ao ensino superior agrícola. Sobre isso ver AGUIAR (1997).

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espalhados pelo país e, na falta de professores nacionais, seriam contratados técnicos

estrangeiros. Segundo COELHO (1999), os cursos ambulantes “permitiram acentuar as

demandas do ensino agrícola, acelerando, talvez, o processo de criação da primeira escola

superior de agricultura financiada pelo poder público no Estado de Minas Gerais, a Escola

Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa [...]” (p. 82).

Além disso, vale ressaltar a preocupação em relação à especialização para aqueles que

concluíssem os curso de agronomia, sendo esta especialização de um ano, podendo ser feita

na própria escola ou em qualquer outro estabelecimento de ensino agrícola nacional ou

estrangeiro; e, ao ensino de caráter teórico-prático, que deveria ser “intuitivo” e “completado

com excursões e trabalhos práticos nos laboratórios e em outras instalações anexas às escolas”

(COELHO, 1999, p. 84)56. Este decreto criou ainda a Escola Superior de Agricultura e

Medicina Veterinária (ESAMV), no Rio de Janeiro, tornando-a a escola-modelo57.

De todo modo, até 1910 ainda não havia sido feita, no Brasil, a regulamentação do

ensino superior agrícola. Uma das primeiras universidades criadas na área de ciências

agrárias, no país, foi a Escola Superior de Agricultura de São Bento das Lages, Bahia, em

187758, “a única do país até a década de 1890” (MENDONÇA, 1990, p. 217)59.

Posteriormente foram criadas a Escola Superior de Agricultura Eliseu Maciel, em Pelotas, no

56 Segundo estudos de vários autores, entre eles OTRANTO (2000), esta exigência imposta pelo Decreto de 1910, tornou-se difícil de ser executada devido à falta de espaço físico e as distâncias das Escolas Agrícolas dos seus campos de demonstração e Fazendas de Experimentação. 57 A ESAMV, “criada em 1910, só foi inaugurada, oficialmente, em 04 de julho de 1913, na então capital da República, tendo a sua sede fixada no Palácio Duque de Saxe, atual bairro do Maracanã, onde hoje encontra-se instalada a Escola Técnica Industrial [...]”. A ESAMV foi responsável por 12,1% do total de formandos no país até 1938. Sobre a ESAMV ver OTRANTO (2000), COELHO (1999), MENDONÇA (1990), entre outros. 58 A Escola Superior de Agricultura de São Bentos das Lages foi fundada pelo Imperial Instituto Bahiano de Agricultura, na Fazenda São Bento das Lages, no município de São Francisco da Barra do Sergi do Conde. A primeira turma de engenheiros agrônomos diplomada pela escola foi em 1880. Em 1901 foi fechada por falta de recursos. Anos mais tarde foi reaberta por iniciativa do Governo Federal (ROSA, 1980). Sobre isso ver ROSA (1980), TOURINHO (2000), MENDONÇA (1990), entre outros. 59 Segundo MENDONÇA (1990), “excetuando-se a instituição bahiana, os candidatos à carreira somente tinham por opção as escolas estrangeiras, predominando, à época, uma orientação europeizante em matéria de estudos agronômicos” (p. 217).

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Rio Grande do Sul, em 189160; a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, em

Piracicaba, São Paulo, em 190161; a Escola Superior de Agricultura de Lavras, Minas Gerais,

em 190862. Somente em 1910, com o Decreto n.º 8.319, conforme já mencionado, foi criado o

primeiro curso de Medicina Veterinária do país, na Escola Superior de Agricultura e Medicina

Veterinária do Rio de Janeiro63; que, no início era ministrado em três anos e posteriormente

passou para quatro anos de duração.

Além dessas instituições, nesse período foram criadas, ainda, escolas agrícolas de

nível primário e médio, destinadas ao treinamento de filhos de agricultores e de meninos

órfãos e desvalidos. Duas modalidades de ensino agrícola foram oferecidas nesses dois níveis:

o ensino dos Patronatos Agrícolas64 e o ensino da Escola Superior de Agricultura e Medicina

Veterinária – os primeiros constituídos de escolas direcionadas a crianças carentes, desde que

60 Segundo Cunha, a Escola Superior de Agricultura de São Bento das Lages, na Bahia, e a Escola Superior de Agricultura Eliseu Maciel no Rio Grande do Sul foram, “muito mais tarde, bases para a organização de duas universidades federais rurais” (CUNHA, 1980, p. 104). Ainda, segundo o autor, é possível afirmar que ambas eram escolas estatais 61 Segundo ROSA (1980), “o primeiro estabelecimento de ressonância, nesse setor, [...], que se fundou no País, foi a Escola Superior de Agricultura, de Piracicaba, sob o nome de Escola Agrícola Prática ‘Luiz de Queiroz’, em 1901, embora a Lei nº 678, que criou o estabelecimento, remontasse a 1899. Essa instituição, que dois anos depois de fundada sofreu completa reforma com o regulamento aprovado pelo Decreto nº 1266, de 16 de fevereiro de 1905, de acordo com a autorização legislativa nº 896, de 1903, compreendia, além do curso elementar e médio, também o superior, este destinado à preparação de professores de agricultura, gerentes de indústria, técnicos para serviços agronômicos e agrônomos” (p. 65). Sobre a Escola Luiz de Queiroz ver ROSA (1980), MENDONÇA (1990, páginas 225 a 246), entre outros. 62 Esta escola agrícola pertenceu ao Instituto Gammon, uma organização particular, da Igreja Presbiteriana, de origem americana. Sobre isso ver MENDONÇA (1990), COELHO (1992), entre outros. 63 Em 29 de março de 1920, o Decreto nº 14.120, dá um novo regulamento e uma nova organização a ESAMV, instituindo, em suas dependências, pela primeira vez no Brasil, o Curso de Química Industrial. “A Escola passou a ter três cursos: o de engenheiro-agrônomo, o de médico-veterinário e o de química industrial, os dois primeiros com quatro anos de duração e o último com três anos” (ROSA, 1980, p. 90). 64 Desde 1836 começaram a ser criados, no país, vários estabelecimentos destinados ao ensino agrícola a meninos órfãos e desvalidos. Além dos já citados teve-se, entre outros, a criação, em 1859, de um estabelecimento de aprendizes agrícolas no Maranhão, em 1870, no Pará, a criação da Escola Rural Pedro II, instalada na Fazenda Provincial Pinheiro, e 1875, a criação da Casa de Asilo de Menores Desvalidos, todos criados com as mesmas funções dos Patronatos Agrícolas, surgidos no Brasil, com esta denominação, a partir de 1918, com o Decreto nº 12893, de 28 de fevereiro. Este decreto autorizou o Ministério da Agricultura a criar essas instituições para meninos órfão e desvalidos. Em 25 de julho de 1919, o Decreto nº 13706, estabelece um novo regulamento aos patronatos agrícolas determinando que o seu ensino deveria destinar-se às classes pobres, visando à educação moral, cívica e profissional de menores desvalidos e daqueles que fossem postos, por qualquer indisposição, à disposição do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Em 1920 o Brasil contava com 13 patronatos agrícolas num total de 908 alunos sendo este número elevado para 16 patronatos com 2.579 alunos no ano de 1928 (MENDONÇA, 1997). Vale ainda mencionar que em 1918, foi fundado, pelo Governo Federal, na cidade de Caxambu/MG, “o primeiro Patronato Agrícola do país, destinado ao ensino agrícola para crianças abandonadas” (Veiga, C.; Faria, L., 1999, 48). Sobre os Patronatos Agrícolas ver ROSA (1980), MENDONÇA (1997, p. 163/167).

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essas crianças (de 10 a 16 anos) não fossem delinqüentes, portadoras de doenças contagiosas

ou deficiente orgânica que “inabilitem para os serviços agrícolas ou da indústria rural”

(NAGLE, 1974, p. 184). A segunda, voltada para alunos que provinham do Colégio Pedro II

ou de ginásios fiscalizados que deviam ser aprovados em exames de seleção; nesta instituição

a idade mínima para o ingresso era de 16 anos.

Segundo o Ministro Pedro Toledo65, ministro da agricultura, proferindo discurso em

relação ao ensino agrícola em sua gestão, diz:

“o ensino agronômico em nosso país, em seus diversos estágios, teórico e prático, criado em 1910, nos moldes que, sem fugir aos programas das nações mais adiantadas que o praticam, melhor se adaptam às nossas necessidades com as pequenas alterações nele introduzidas em 1911, é ministrado por uma escola superior, escolas médias, aprendizados agrícolas e cursos ambulantes, servidos aqueles estabelecimentos dos anexos que lhes são indispensáveis, como estações experimentais, campos de demonstração, fazendas-modelo e postos zootécnicos e meteorológicos” (Toledo apud ROSA, 1980, p. 73).

Assim, entre 1910 e 1929 diversas escolas de agronomia e veterinária foram criadas.

Chegaram a atingir o número de 20 pelo país66. Mais tarde muitas foram extintas. Segundo

VIANNA (1951), “é interessante considerarmos que, em 1933, dos Estados que já possuíam

Escolas de Agronomia ou de Veterinária, hoje, algumas não mais a possuem. Dentre outras,

desapareceram as Escolas de Agronomia e de Veterinária do Pará e as de Agronomia do

Maranhão e do Amazonas” (p. 23). Elas funcionavam com cursos ora de agronomia, ora de

medicina veterinária, ora com ambos.

Somente no estado de Minas Gerais, cuja economia era de base predominantemente

agrária, foram criadas, no período compreendido entre 1914 e 1926, novas escolas nessa área:

65 Pedro Toledo, paulista, foi Ministro da Agricultura do MAIC no período de 1910 a 1913. 66 Como exemplo pode-se citar a Escola Agronômica de Manaus, fundada em 1912; a Escola Agronômica e Veterinária do Pará, fundada em 1918; a Escola Agronômica do Ceará, em 1918; a Escola Agrícola Prática de Quixadá, no Ceará, em 1912; o Curso de Engenharia Agronômica, anexo a Escola de Engenharia de Pernambuco, em 1911; a Escola Agrícola da Ordem Beneditina de Tapera, em Pernambuco, em 1913; a Escola Agrícola de Goiânia, em Pernambuco, em 1907, entre várias outras.

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a Escola de Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte (1914), a Faculdade de

Medicina Veterinária de Pouso Alegre e a Escola de Agronomia e Pecuária de Passa Quatro

(1917), a Faculdade de Veterinária de Juiz de Fora (1924) e, ainda, a Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa (1926).

É importante mencionar que em 1911 foi feito o primeiro Regulamento Geral do

Ensino Agrícola do Estado de Minas Gerais. Este regulamento, baseado no Regulamento do

Instituto João Pinheiro, determinava que o ensino agrícola deveria ser ensinado, no âmbito do

estado, em sete diferentes instituições, a saber:

“1) nos grupos escolares, seria ministrado o ‘ensino agrícola primário’; 2) por todo o estado haveria mestres de cultura responsáveis pelo ‘ensino agrícola ambulante’; 3) escolas e instituições subvencionadas trabalhariam com o ‘ensino agrícola médio’; 4) também seriam responsáveis pelo ensino agrícola as ‘fazendas modelos’; 5) além das fazendas modelos ligadas diretamente ao Estado, as fazendas que o Estado tivesse subvencionado teriam que receber aprendizes agrícolas; 6) haveria também os Aprendizados Agrícolas; 7) e, finalmente, os Institutos como o João Pinheiro, tendo-o como modelo, que teriam como principal função o ensino agrícola para as crianças abandonadas” (VEIGA, C.; FARIA FILHO, L., 1999, 47)67.

Nesse período, várias foram as tentativas que continuavam surgindo em favor do

ensino agrícola no país, “sempre desvinculadas umas das outras, esparsamente, ao sabor do

momento, em pontos diferentes do País, sem coesão ou vínculo entre si” (ROSA, 1980, p. 97).

Desse modo, as instituições organizavam-se segundo modelos estrangeiros, ao sabor

de quem as liderava. A influência francesa fez-se sentir na Bahia, em Pelotas e em Piracicaba.

O modelo americano esteve também presente em Piracicaba, mas foi, até o referido período,

praticamente exclusivo em Lavras. A inspiração alemã orientou as escolas politécnicas,

criadas em 1910, a Escola de Engenharia de Porto Alegre, em 1897 e a Escola Superior de

Agronomia de Taquary, Rio Grande do Sul.

67 Segue, em anexo, cópia deste Decreto (anexo E).

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É importante apontar a questão do curso de agronomia no que tange à qualificação

profissional. Logo nos primeiros anos de sua implementação, no Brasil, sua duração era de

três anos com a qualificação para “agrônomo”, sendo sua regulamentação oficial datada de

outubro de 1933. Em 1934, foi baixado um decreto oficializando os Títulos de “Engenheiros

Agrônomos” para os alunos que concluíssem os cursos superiores em escolas de agronomia

reconhecidas pelo Governo Federal. Com este decreto os cursos de agronomia passaram de

três para quatro anos e os concludentes passaram então a receber seus diplomas em

“engenheiros agrônomos”68.

Em 1938, outro passo foi dado em função de uma melhor organização e planejamento

do ensino agrícola no país, pelo Decreto-Lei nº 982, de 23 de novembro, que instituiu o

Centro Nacional de Ensino e Pesquisas Agronômicas (C.N.E.P.A.). O C.N.E.P.A. tinha por

finalidade “ministrar o ensino agrícola e veterinário e planejar, executar, coordenar e dirigir as

pesquisas agronômicas no país. [...]”, constituindo-se numa tentativa de associar o ensino e a

pesquisa no Brasil (VIANNA, 1951, p. 16).

Em relação ao ensino superior agrícola no país, na Primeira República, o Brasil contou

com a criação de 22 escolas de agronomia e veterinária, o correspondente a 7,91% do total de

estabelecimentos especializados de educação superior criados, que foram de 278

estabelecimentos. O número de alunos matriculados nesses estabelecimentos agrícolas foi de

980 estudantes (2,95% do total de alunos dos demais estabelecimentos, que era de 33192

alunos), sendo 970 do sexo masculino (tipo de educação predominantemente masculina) e 10

de sexo feminino. Outro dado que chamou a atenção foi a porcentagem de escolas de

agronomia e veterinária em relação ao total de estabelecimentos de ensino (de todos os graus)

68 Em 09 de setembro de 1933 foi regulamentada a profissão de médico veterinário e em 1934, pelo mesmo decreto que oficializou os títulos de engenheiro agrônomo, foi oficializado os títulos de médicos veterinários. Neste mesmo ano foi instituída a idéia de escola-padrão e de um programa-padrão para todas as escolas agrícolas do país, ficando sua fiscalização a cargo da DEA. Segundo MENDONÇA (1990), Fidélis Reis foi o “autor do projeto de Regulamentação da profissão de agrônomo, apresentado na Câmara dos Deputados em 1924”, sendo aprovado apenas em 1933 (p. 275/276). Sobre isso ver COELHO (1999), MENDONÇA (1990), entre outros.

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que foi de 0,06% (Rosa, 1980). Sendo que, segundo ROSA (1980), “a maior parte dos

estabelecimentos de ensino agrícola superior, e suas respectiva clientela, localizavam-se em

Minas Gerais e em São Paulo, [...]” (p. 105). O estado de Minas Gerais, até 1929, contava

com sete escolas agrícolas, com um total de 289 alunos matriculados (sendo 288 do sexo

masculino e 01 do sexo feminino), enquanto que São Paulo contava com apenas cinco escolas

agrícolas e com um total de 220 alunos matriculados (todos do sexo masculino). Os demais

estados brasileiros contavam com apenas 01 escola agrícola instalada, sendo raros os estados

com 02 escolas.

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AA EESSCCOOLL AA SSUUPPEERRII OORR DDEE AAGGRRII CCUULL TTUURRAA EE VVEETTEERRII NNÁÁRRII AA

DDEE VVII ÇÇOOSSAA ((EESSAAVV)):: 11992266 -- 11994488..

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CAPÍTULO 03

A ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DE V IÇOSA

(ESAV): 1926 - 1948.

A atual Universidade Federal de Viçosa (UFV) tem suas origens na Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), criada pelo Presidente Arthur da Silva

Bernardes, nos moldes dos land grant colleges norte americanos69, escolas superiores

agrícolas criadas no final do século XIX no oeste dos Estados Unidos.

Assim, a ESAV teve, desde a sua criação, influência decisiva do modelo norte-

americano, tanto em sua origem quanto em seu desenvolvimento, mas sempre ressaltando sua

“brasilidade”, “(...) fiel a filosofia dos Land Grant Colleges, mas brasileira, fundamentalmente

brasileira em seus propósitos e anseios” (SILVA, 1995, p. 54).

Vale notar que tal influência, num período em que o modelo europeu de educação

superior era dominante no Brasil, tornou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de

Viçosa (ESAV) uma instituição peculiar. Criada como escola de nível superior, comportava

ainda o ensino elementar e médio (formação de capatazes e técnicos agrícolas), além de ter,

como atividades marcantes, a pesquisa e, a partir de 1929, a extensão.

“Na verdade, a marca da educação superior norte-americana numa escola agrícola brasileira, como já foi visto, não era novidade. Já em 1908, missionários norte-americanos de orientação presbiteriana inauguraram, também em Minas Gerais, a Escola Agrícola de Lavras. Esta constituiu-se como uma instituição privada de ensino, ainda que esporadicamente recebesse subvenções dos governos federal e estadual” (RIBEIRO, 2000).

69 Os Land Grant Colleges surgiram nos Estados Unidos, em 1862, juntamente com a criação de um órgão federal, o Departamento de Agricultura, com o objetivo de coordenar a aquisição de informações acerca da agricultura. Os Land Grant Colleges tinham como objetivo levar a educação superior às regiões mais remotas dos Estados Unidos, como o sul e o meio oeste do país. Apesar dessas instituições conviverem com grandes universidades, formavam fazendeiros e trabalhadores, enquanto as universidades eram destinadas a formação das elites.

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Foi através da Lei n.º 761, de 6 de setembro de 1920, assinada pelo Secretário de

Agricultura, Sr. Clodomiro Augusto de Oliveira, que o governo do Estado de Minas Gerais

autorizou a criação da ESAV, cujo objetivos seriam: “ministrar o ensino prático e theorico de

Agricultura e Veterinária” e “realizar estudos experimentais que concorram para o

desenvolvimento de tais ciências no Estado de Minas70” (COELHO, 1992, 2)71.

Nessa época, a situação sócio-econômica de Minas Gerais apresentava dificuldades

que entravavam o crescimento da principal atividade econômica, a agricultura. A esta situação

regional somava-se o contexto geral de uma economia agroexportadora, em que o único

produto – o café – adquiria “status” de determinação primeira da dinâmica político-econômica

nacional.

Foi nesse contexto que as autoridades entenderam que a criação de uma Escola

Agrícola seria uma estratégia política para tentar reverter a crise com a formação de técnicos

para atuarem juntamente com os agricultores. Diante disso, o Governo Mineiro pediu, por

vias diplomáticas, ao Governo Americano, através do então Embaixador do Brasil em

Washington, Sr. José Cochrane de Alencar, a indicação de um especialista para vir

superintender a fundação. Esse especialista deveria cumprir um contrato que consistia na

direção do estabelecimento, na colaboração da escolha do local para a instalação da Escola e

na tarefa de apresentar ao Governo os planos da construção e os programas gerais de ensino.

O Governo Americano indicou o Dr. Peter Henry Rolfs72, da Escola de Agricultura da

70 Segundo BORGES (1968), esta Lei “deixou bem claro o espírito que deveria dominar na instituição, conforme pode verificar-se pelo artigo 4º: ‘Esta Escola terá por objectivo ministrar o ensino prático e theorico da Agricultura e Veterinária e bem assim realizar estudos experimentais que concorram para o desenvolvimento de taes sciencias no Estado de Minas Gerais’” (p. 03). 71 Segundo MOURÃO (1962), “em 06 de setembro de 1920, a Lei nº 761 autorizou o governo a criar, no Estado de Minas Gerais, a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa. Entretanto, decorreram vários meses sem outra providência governamental. Afinal foi baixado o Decreto nº 5.623, de 31 de março de 1921, abrindo um crédito de 1.000.000$000 para a instalação da Escola Superior de Agricultura e Veterinária. O Decreto que criou oficialmente a Escola foi o de nº 6.053, de 30 de março de 1922” (p. 557). 72 Peter Henry Rolfs nasceu em 17 de abril de 1865, no Estado de Iowa, e foi “Bachelor of Science” em Agricultura, em 1889, e, “Master of Science” em 1891, pelo “Iowa State College”; e, “Doctor of Science” em 1920, pela “University of Florida”. Sobre isso ver BORGES (1968); BORGES et all (2000); COELHO, E. (1996) e, ainda, documentos primários no acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV.

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Flórida, que chegou ao Brasil em 4 de fevereiro de 1921. O mesmo instalou-se em Belo

Horizonte e participou da comissão encarregada de escolher o local para a instalação da

Escola, que se desejava criar. Essa comissão era composta pelo Diretor de Agricultura da

Secretaria do Estado, Dr. Álvaro da Silveira e pelo Dr. Peter Henry Rolfs, auxiliados pelos

Drs. Arduíno Bolivar e Mario Monteiro Machado73.

A comissão, tendo visitado alguns sítios nas regiões, decidiu que a Escola deveria ser

construída preferencialmente em Viçosa.

“Quanto à sua situação (lugar de construção da Escola), o assunto é polêmico. Até hoje há pessoas que pensam ter sido sua localização em Viçosa uma deferência bem brasileira à terra natal do autor da idéia (Dr. Arthur da Silva Bernardes), considerando que no vasto território mineiro haveria outros lugares mais apropriados para a instalação da Escola [...]” (BORGES, J.; SABIONI, G.; MAGALHÃE, G., 2000. 5).

Decidido o local da criação da Escola e aprovado pela comissão e pelo então

Presidente Dr. Arthur da Silva Bernardes, foi expedido o Decreto n.º 5.608, de 30 de

dezembro de 1921, que aprovou os planos e a planta da futura Escola, autorizando as

desapropriações necessárias. Em 30 de março de 1922, baixou-se o Decreto n.º 6.053, criando

a Escola Superior de Agricultura e Veterinária e instalando-a em Viçosa. No dia 10 de junho

de 1922, lançava-se a pedra fundamental do primeiro e mais imponente de seus edifícios, o

“prédio principal”. Pouco antes de sua inauguração oficial foi aprovado pelo Decreto n.º

7.323, de 25 de agosto de 1926, o primeiro regulamento da Escola74. Após a aprovação desse

regulamento, aconteceu a inauguração oficial de Escola Superior de Agricultura e Veterinária

73 Sobre isso ver BORGES et all (2000); COELHO, E. (1996); COELHO F. (1992); SILVA (1995); os REGULAMENTOS DA ESAV (1926, 1931), entre outros. 74 O regulamento da ESAV era um documento que dispunha de todos os assuntos referentes à Escola, desde seus fins até a organização de suas disciplinas, o regime escolar, os exames, a administração, os professores, enfim, era um documento que regia as atividades administrativas e acadêmicas da Escola. No período da ESAV, foram baixados três regulamentos, sendo o primeiro baixado com o Decreto nº 7323, de 25 de agosto de 1926, o segundo baixado pelo Decreto nº 7461, de 21 de janeiro de 1927 e o terceiro, baixado pelo Decreto nº 10154, de 15 de dezembro de 1931, sendo poucas as modificações introduzidas nesses decretos. Para a realização deste trabalho foram consultados todos os regulamentos da Escola. Estes regulamentos podem ser encontrados no acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV e ainda publicados no jornal MINAS GERAIS.

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de Viçosa (ESAV), em 28 de agosto de 192675. Em 21 de janeiro de 1927 foi assinado o

Decreto nº 7.461, modificando o regulamento anterior e estabelecendo assim o novo

regulamento da ESAV. Somente em 04 de abril de 1935, pelo Decreto Federal nº 112,

assinado pelo então Presidente da República, Dr. Getúlio Vargas e pelo Ministro da

Agricultura, Dr. Odilon Braga que a escola foi reconhecida oficialmente76.

Construção da ESAV77.

As aulas foram iniciadas na ESAV em 1927, sendo que o Curso Superior de

Agronomia somente entraria em funcionamento no ano seguinte.

A primeira turma de engenheiros agrônomos, na ESAV, formou-se em 1931, quando

era editado o Decreto nº 10.154 que estabelecia um novo regulamento para a instituição. Face

tal medida, a ESAV passou a constituir-se por quinze departamentos através dos quais seriam

75 A ESAV, assim como as demais Escolas Agrícolas criadas no Brasil antes de 1967, ficou subordinada ao Ministério da Agricultura, atendendo as exigências por ele impostas. No caso da ESAV, esta atendeu principalmente a Lei do Ensino Agrícola, de 1910. 76 Pode-se ter acesso a cópia deste Decreto no Arquivo Central e Histórico da UFV. 77 Foto do acervo do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa. Minas Gerais.

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distribuídas as “matérias” lecionadas. Além dessa inovação, o decreto introduzia o semestre,

no lugar do ano, como unidade letiva.

Segundo o exposto no seu Regulamento, de 21 de janeiro de 1927, a Escola Superior

de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), do Estado de Minas Gerais, teve como

característica, ser um estabelecimento de ensino, essencialmente agrícola e teve por fim

adquirir e difundir conhecimentos relativos “à economia rural”, em todos os seus graus e

modalidades. Ela visava formar agricultores com conhecimentos científicos necessários à

exploração racional do solo, administradores para os diferentes serviços públicos e

particulares que se relacionem com a vida agrícola em geral, tecnólogos para as indústrias

intimamente ligadas à agricultura, engenheiros agrônomos para os serviços de melhoramentos

agrícolas, veterinários para o exercício da medicina aplicada aos animais domésticos, e

professores para o ensino agrícola em todos os seus aspectos e especialidades (retirado do

Decreto n.º 7.461, Regulamento da ESAV).

No Art. 2.º, deste mesmo regulamento, temos que: “O ensino ministrado pela Escola,

com intuito de educar a população agrícola do Estado em todos os assuntos pertencentes à

vida rural e melhorar as suas condições morais, mentais e econômicas, no mais breve tempo

possível, será facilitado a alunos com qualquer grau de instrução e deverá ser sempre teórico-

prático”. Sendo assim, os cursos da Escola eram distribuídos em quatro modalidades

atendendo ao interesse e o nível de instrução dos interessados:

a) Cursos Elementares, com duração de apenas um ano, destinavam-se à formação de

agricultores e capatazes rurais, e compreendiam o ensino de agricultura e veterinária com

caráter basicamente prático. Atendiam a uma clientela de agricultores que não possuíam

oportunidades de receber instrução mais completa, mas tinham interesse em suprir as

necessidades educativas relacionadas à sua vida rural. Para admissão neste curso, o

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candidato deveria passar por exames em escolas públicas do Estado e submeter-se, na

Escola, a um exame de admissão constante de Prova de Caligrafia; Prova de Leitura;

Prova de Escrita e de Aritmética, sobre as quatro operações. Aos concluintes era

concedido o certificado de “Capatazes Rurais”, assinados pelo Diretor e Secretário da

Escola78.

b) Cursos Médios, com duração de dois anos, destinados a formar bons técnicos agrícolas e

administradores rurais. No último ano de curso, o aluno era orientado a aperfeiçoar

matérias referentes ao curso que para ele apresentasse maior utilidade. Este curso atendia

especialmente aos filhos de fazendeiros ou agricultores que não tinham oportunidade de

freqüentar o curso ginasial. Para admissão neste curso, o candidato deveria apresentar

atestado de aprovação final em grupo escolar do Estado ou curso equivalente, reconhecido

oficialmente, ou exame de admissão oferecido pela própria ESAV. Este exame constava

de: Prova escrita de Português; Prova escrita de Aritmética e noções de Geometria e

Desenho; Provas orais de noções de Geografia, História do Brasil e Educação Moral e

Cívica. Aos que terminavam os cursos médios, eram conferidos certificados de “Técnicos

Agrícolas”, também assinados pelo Diretor e Secretário da Escola79.

c) Cursos Superiores, tinham duração de quatro anos, subdivididos em oito semestres e

destinavam-se à formação de profissionais de agronomia e veterinária. Atendiam aos

candidatos que tinham o curso ginasial completo. Para admissão, os alunos deveriam

apresentar certificados de aprovação, em Ginásio equiparado ao Colégio Pedro II, dos

seguintes preparatórios: Português; Uma Língua Estrangeira Moderna; Aritmética;

Álgebra; Geometria e Trigonometria, Geografia, Corografia e Cosmografia; Física e

78 Nesta modalidade de ensino, eram estudados as seguintes matérias: Agricultura; Criação de Animais Domésticos; Veterinária; Horticultura; Pomicultura, Jardinocultura; Português; Aritmética História do Brasil; Geografia, especialmente do Brasil; noções de Desenho e de Contabilidade Agrícola. (Regulamento de 1927) 79 Nesta modalidade de ensino, eram estudados as seguintes matérias: Botânica; Zoologia; Física; Moléstia das Plantas; Agricultura; Zootecnia; Silvicultura; Horticultura; Pomicultura; Industrias Rurais; Máquinas Agrícolas; Trabalhos de Engenharia Rural; Higiene Veterinária; Aritmética; Contabilidade Agrícola; Álgebra; Geometria; Português e História do Brasil (Regulamento de 1927).

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Química; História Natural; História do Brasil; História Universal. Aos formandos neste

grau eram conferidos diplomas de “Engenheiros Agrônomos” ou “Médicos Veterinários”,

assinados pelo Diretor e Secretário da Escola e pelo Secretário da Agricultura. Em anexo

segue o modelo do diploma que era conferido aos graduandos pelos cursos superiores

(Anexo A)80.

d) Cursos de Especialização, com duração de dois anos, subdivididos em quatro semestres.

Este curso destinava-se a formar especialistas em agronomia e veterinária. Atendia alunos

formados nos cursos superiores nessa escola ou equivalentes. Aos formandos eram

conferidos títulos de “Doutor em Agronomia ou em Veterinária”. Como os diplomas

anteriores, eram assinados pelo Diretor e Secretário da Escola e pelo Secretário da

Agricultura. Em anexo segue o modelo do diploma que era conferido aos formandos pelos

cursos especializados (Anexo B)81.

80 No Curso Superior de Agronomia eram estudadas as seguintes matérias: Agrologia (Geologia, Mineralogia, Solo); Biologia (compreendendo a Botânica); Zoologia (com Parasitologia e Entomologia); Genética (animal e vegetal); Microbiologia e Fitopatologia; Zootecnia (Geral, Especial, compreendendo também Anatomia, Fisiologia e Exterior dos Animais Domésticos) Química (Geral, Mineral, Orgânica, Analítica e Agrícola); Física; Meteorologia e Climatologia, Tecnologia das Industrias Rurais; Engenharia Rural (compreendendo Topografia, Estadas de Rodagem, Mecânica, Máquinas, Motores); Hidráulica Agrícola; Irrigação e Drenagem; Construções Rurais e Desenho; Silvicultura; Horticultura; Pomicultura; Higiene; Noções de Veterinária, Economia Rural (Legislação, Direito e Administração); Matemática; Contabilidade e Estatística Agrícola. No Curso Superior de Veterinária eram estudadas as seguintes matérias: Física; Química Mineral, Orgânica e Biológica; Botânica; Zoologia; Microbiologia; Parasitologia; Anatomia dos Animais Domésticos (descritiva e regional); Histologia e Embriologia; Fisiologia Geral e dos Animais Domésticos; Anatomia e Fisiologia Patológicas; Zootecnia; noções de Agricultura; Farmacologia; Terapêutica e Toxicologia; Patologia; Propedêutica e Clínica Cirúrgica e Obstétrica; Moléstias Contagiosas e Parasitárias do Animais Domésticos; Higiene; Polícia Sanitária Animal; Inspeção e Conservação dos Produtos Alimentares (Regulamento de 1927). 81 Em fevereiro de 1932, em Reunião da Congregação, foram aprovados os Estatutos dos Cursos de Especialização sendo que: a) “para a admissão aos cursos de especialização deverá o candidato ter diploma de Engenheiro Agrônomo ou de Médico Veterinário, pela Escola ou estabelecimento equivalente, devidamente legalizado por lei estadual ou federal”; b) “os cursos de especialização serão organizados, para pesquisas originais e altos estudos sobre agricultura e veterinária, e têm a duração de dois anos”; c) “O assunto da especialização deverá ser escolhido, de acordo com as possibilidades do Estabelecimento”; d) “Além da matéria escolhida, deverão ser realizados outros estudos, complementares, á especialização”; e) “Terão cunho individual os estudos de especialização e serão feitos com assistência dos professores” (Atas da Congregação 1929-1932, 15 de fevereiro de 1932). Sobre os Cursos de Especialização, vale ainda ressaltar que, segundo BORGES (1968), eles tiveram inicio apenas em 1939, “com um aluno apenas, que não completou todos os créditos”. Ainda segundo o autor, “Somente mais tarde, em janeiro de 1960, iniciaram-se efetivamente os cursos especializados, que deram origem à Escola de Especialização da UREMG, criada em abril de 1963 e denominada Escola de Pós-Graduação a partir de janeiro de 1965” (BORGES, 1968, p. 10).

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Além desses cursos o ensino ainda era oferecido por correspondência, por informações

pessoais a fazendeiros que se dirigiam a Escola em busca de informações e esclarecimentos

sobre questões à cerca da agricultura, por publicações feitas pelo estabelecimento, por

qualquer outro gênero de divulgação oral e escrita e, ainda, pelos Cursos Breves, que seriam

de no máximo oito semanas, sendo um de agricultura e outro sobre animais domésticos82,

“tendo por fim dar instrucções praticas e imediatas sobre agricultura e veterinária aos

interessados que não puderem freqüentar os cursos de maior duração” (Decreto nº 7.323,

Capítulo III, Art. 5º)83.

Em 1930, a ESAV deu início aos Cursos Avulsos, sendo o primeiro o Curso de

Mecânica, que funcionou no período de 1930 a 1938. “Depois foram os cursos de Laticínios,

de 1931 a 1942; Apicultura, de 1932 a 1942; Silvicultura, em 1935 e 1936; e Algodão, em

1937” (COELHO, E. 1996, p. 62).

Vale ainda ressaltar que em 1937, foi criado na ESAV o Curso Complementar84, tendo

início suas atividades em 01 de março deste mesmo ano, a fim de formar “rapazes melhor

preparados, tornando assim, possível o aumento em número de melhores profissionais [...]”

(BORGES, 1968, p. 11). Este curso foi extinto em 1943.

Já naquela época eram oferecidas disciplinas obrigatórias e facultativas, sendo que

eram necessários alguns requisitos como: solicitação de pelo menos cinco alunos com

interesse por disciplina; no máximo quatro aulas facultativas por semana; e as aulas

facultativas não poderiam prejudicar o curso obrigatório.

82 Sobre os Cursos Breves ver MOURÃO (1962). O Ensino em Minas Gerais no Tempo da República; e o primeiro regulamento da ESAV, aprovado pelo Decreto nº 7.323, divulgado no Minas Gerais, de 26 de agosto de 1926, em seu capítulo III, artigos 4º e 5º, “Dos Cursos”. 83 Segundo este Decreto, a instrução ministrada por este Curso “deverá ser de tal cunho prático e intuitivo que assegurem prompto benefício à lavoura do Estado”; sua duração será “de oito semanas, no máximo”; “será obrigatório o funccionamento desses cursos pelo menos duas vezes ao anno; versando um sobre agricultura e outro sobre animaes domésticos”; “a época e o local da realização dos cursos serão annunciados com antecedência”; “esses cursos poderão ser assistidos por pessoas interessadas, com qualquer edade e instrucção” e, “um grupo de dez pessoas interessadas no esclarecimento de qualquer assumpto agrícola poderá pedir à Escola a realização de um curso dessa natureza” (Capítulo III, Artigo 5º, Incisos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º). 84 Segundo BORGES (1968) os Cursos Complementares foram os precursores do Colégio Universitário de nossos dias.

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Os cursos acima mencionados eram ministrados por semestres, com o mínimo de

oitenta dias letivos.

A ESAV era constituída por quinze departamentos85, cada qual com suas respectivas

disciplinas. Assim temos: o departamento de Agronomia, constituído das seguintes

disciplinas: Agricultura Geral, Agricultura Especial, Genética Vegetal; o departamento de

Zootecnia, constituído de Zoologia Geral, Zoologia Agrícola, Zootecnia Geral, Zootecnia

Específica, Alimentação Animal Dietética, Genética Animal; o departamento de Horticultura

e Pomicultura, constituído de Botânica Geral, Horticultura, Pomicultura, Plantas Ornamentais;

o departamento de Fitopatologia, constituído de Zoologia Geral, Botânica, Microbiologia e

Parasitologia, Entomologia, Fitopatologia, Apicultura e Sericultura; o departamento de Solos

e Adubos, constituído de Física, Meteorologia e Climatologia, Mineralogia, Geologia, Solos,

Adubos; departamento de Silvicultura, constituído de Botânica Florestal, Botânica de Plantas

Medicinais e Tóxicas, Silvicultura, Produtos e Subprodutos Florestais; departamento de

Engenharia Rural (hoje inexistente), constituído de Mecânica Agrícola, Topografia, Motores e

Máquinas Agrícolas, Hidráulica Agrícola, Estradas de Rodagem, Construções Rurais,

Desenho a Mão Livre, Geométrico, Topográfico e Arquitetura Rural; departamento de Clínica

Veterinária, constituído de Patologia, Propedêutica e Clínica Médica, Moléstias Contagiosas

de Animais Domésticos, Farmacologia, Terapêutica e Toxicologia; departamento de

Economia e Legislação Rural, constituído de Economia Rural, Direito e Legislação Rural,

Administração Rural, Português, História do Brasil e Geografia. Cabe ressaltar que além

destes havia ainda outros departamentos.

85 Como pode-se observar, já nota-se a presença de departamentos na antiga ESAV, prática não comum na estrutura das primeiras instituições de ensino superior no Brasil, que esteve baseada no regime de cátedras. Somente a partir da Reforma Universitária de 1968 que passa a ser instituído, no Brasil, o regime de departamentos (CANUTO, 1987). “Sabemos que o Departamento apareceu pela primeira vez com a universidade americana, mais precisamente em Harvard College, no século XVII e a partir daí foi se difundindo pelos Estados Unidos” (VITÓRIA, E.; COMETTI, E.; RIBEIRO, M.G., 2001, 4). Segundo YAZBECK (1999), “a estrutura departamental propiciou (nas universidades dos Estados Unidos) uma inédita flexibilidade na associação entre ensino e pesquisa científica, além de sua concepção horizontal e igualitária ter fomentado a autonomia e a liberdade acadêmica” (p. 178).

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Em cada departamento de ensino da escola eram realizadas experiências sobre plantas

e animais, estudos e pesquisas com a finalidade de descobrir verdades básicas úteis à

agricultura e à pecuária do Estado e de produzirem novas espécies e variedades com valor

econômico.

Essas pesquisas para serem realizadas dependiam da formação dos pesquisadores e

dos seus interesses. As pesquisas eram dirigidas e executadas pelos professores catedráticos

da Escola. Além disso, cabia aos professores catedráticos responder pelo ensino teórico e

prático do seu departamento. Além desse cargo, existiam ainda os cargos de professor auxiliar

e mestre de oficina. Eram no total 27 professores e dois mestres de oficina, sendo quinze

catedráticos e doze auxiliares (de acordo com o Regulamento de 1927). Os mestres de oficina

desempenhavam papéis importantes nas atividades de ensino, um na oficina de madeira e

outro na oficina de metais. No quadro abaixo, pode-se observar como era constituído o corpo

docente da ESAV e suas respectivas funções.

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Atribuições do Corpo Docente da ESAV86

86 O quadro acima foi organizado com base no Regulamento da ESAV, 1927.

Professores Catedráticos: Atribuições: a) Submeter a aprovação do Diretor a distribuição das matérias que devem ser regidas pelos

professores auxiliares em cada ano letivo; b) Executar e dirigir os trabalhos de pesquisas, demonstrações, experimentações, etc., que lhes

forem confiados pela Diretoria; c) Distribuir trabalho ao pessoal dos respectivos Departamentos; d) Ensinar e fazer ensinar toda matéria constante dos programas dos cursos, de modo a esgotá-

los; e) Propor ao Diretor as aquisições e modificações que julgar necessárias ao ensino do

Departamento; f) Superintender os trabalhos dos auxiliares de ensino dos Departamentos; g) Responder pelo ensino teórico e prático dos Departamentos, cabendo-lhes representar a

Diretoria contra o pessoal; h) Apresentar a Diretoria até 31 de Janeiro relatório minucioso referente aos trabalhos dos

Departamentos no último ano letivo; i) Presidir, nos Departamentos, ao inventário anual do material existente; j) Organizar os pontos para exame, em que deve entrar toda a matéria dos programas,

entregando-os a Diretoria pelo menos cinco dias antes da realização das provas. O professor catedrático é o chefe de todas as dependências do departamento a seu cargo, podendo encarregar os professores auxiliares de dirigir as secções em que o mesmo se subdividir.

Professores Auxiliares

Atribuições: nas matérias que lhes forem distribuídas pelos catedráticos, competem as mesmas obrigações destes. 1º. O auxiliar substituirá, nos impedimentos temporários, o catedrático. 2º. Quando houver mais de um auxiliar na cadeira, o Diretor designará o substituto. 3º. Não havendo auxiliar, o Diretor designará outro substituto. Os professores auxiliares deverão dar pelo menos seis horas de trabalhos

Mestres de Oficinas

Atribuições: um para a secção de madeira, outro para a de metais, competem não só obrigações de ensino, como também administração das oficinas.

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Segundo consta no capítulo XVIII, do Decreto nº 7.323, de 25 de agosto de 1926,

artigo 143,

“Nos departamentos adequados da Escola se realizarão experiências sobre plantas e animais, estudos e pesquisas originais com o fim de se descobrirem verdades básicas úteis a agricultura e a pecuária do Estado e se produzirem novas espécies e variedades, com valor econômico”.

Nestes departamentos eram realizadas pesquisas e observações, visando à propagação

de novas culturas, de novos métodos, de soluções dos diversos problemas agropecuários

encontrados em Viçosa e região.

Foram realizadas pesquisas sobre a saúva, as plantas antileprosas, o feijão, o algodão,

o álcool motor, o milho87.

É interessante observar que o capítulo XVIII, do Regulamento de 1926, previa, no art.

145, que:

“Na fazenda da Escola serão feitas culturas em grande escala, sendo cuidadosamente observada a parte econômica, com o fim de serem induzidos os lavradores do Estado a applicar os methodos ensinados pela Escola”.

Assim, como a pesquisa apresentou um papel relevante nas práticas desta instituição, a

extensão, objeto do presente trabalho, mostrou-se fundamental para levá-la a outras regiões,

divulgando as informações dos trabalhos realizados, demonstrando assim a praticidade do

ensino ministrado. Desse modo, temos a Semana do Fazendeiro e o Mês Feminino como seus

principais representantes.

Segundo PAVAGLAU (1940, p. 120) “a ESAV de Viçosa”, foi “a primeira a trabalhar

junto aos lavradores, fazendo a agricultura para a Agricultura”. Ainda segundo o autor “a

ESAV, fundada para servir a lavoura mineira, tratou de subdividir-se instituindo os cursos:

87 Os resultados destas pesquisas podem ser encontrados publicados, sob a forma de artigos, nas revistas CERES. Sobre as Revistas CERES ver capítulo V.

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elementar, médio, superior de Agricultura e Veterinária, de modo a fornecer todos os

profissionais necessários à lavoura, educados no princípio de tudo fazerem pela Agricultura

Nacional”. Para o autor com a criação da SEMANA DO FAZENDEIRO e do MÊS

FEMININO a ESAV completou-se, “difundindo-se ensinamentos em todos os graus e em

profusão”.

“Ministrando ensinamentos práticos, que constituem a chamada prática agrícola a todos os formados, tornado obrigatórias as numerosas aulas práticas de campos e de laboratório, formou, logo, profissionais, que atuam eficientemente no meio rural”. (PAVAGLAU, 1940, p. 120).

PAVAGLAU recorre a BELEZA (apud PAVAGLAU, 1940) para observar que,

“[...] as escolas de Agronomia podem grupar-se em dois tipos: as de ensino ‘intra-muros’e as de ‘extra-muros’. Ao primeiro tipo pertence a maioria das escolas européias, enfeixadas no seu pequeno âmbito, promovendo pesquizas no sentido de obter ‘o máximo de produção no mínimo de área’. Este aspecto intensivo do ensino, resulta como solução do problema em face das condições naturais dos países que o adotam. O segundo tipo é a escola americana. Estabelecida no meio rural é o posto de comando e de observação donde os lavradores são orientados, com os resultados práticos provindos da experimentação científica. É que na América do Norte, como também no Brasil, as grandes extensões de terra fazem com que o problema da Agricultura se apresente sob a fórma ‘o máximo de produção com o mínimo de braços’. Disso resultou largarem os técnicos americanos as altas pesquizas européias a espalharem em grande escala os ensinamentos rudimentares, que constituem a prática agrícola, de modo a aumentarem em pouco tempo a produção pelo aumento do rendimento individual. Destarte, o problema do ensino tornou-se de aspecto extensivo. Uma vez estabelecidas as bases que alicerçaram a sua Agricultura, marcharam no sentido do aperfeiçoamento, conseguindo na época atual a liderança do mundo na ciência de agricultar. Os americanos conhecem a Agronomia e possuem a mais bem orientada a prática agrícola!” (p. 121).

Sob o ponto de vista do ensino, onde PAVAGLAU recorre a TORRES FILHO (apud

PAVAGLAU, 1940), pode-se reunir a sociedade rural brasileira em três grupos: os

analfabetos ou com instrução primária incompleta; os alfabetizados com instrução primária e

aos que possuem instrução secundária e se destinam ao curso superior. Assim, “Considerando

como irrefutável ser problema básico da Agricultura a educação rural, vejamos como

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poderíamos atacar em conjunto todos os setores, de acordo com os três grupos sociais”

(PAVAGLAU, 1940, p. 122).

Os indivíduos que se encontram no primeiro grupo vivem no meio rural, na sua

maioria, aprenderiam o oficio com o técnico (agrônomo, técnico agrícola ou administrador

rural); sendo que para tanto não é necessário saber ler ou escrever. Para eles o ensino era

ministrado indiretamente, não sendo necessária à criação de escolas.

O segundo grupo pode ser dividido em dois subgrupos menores que são subdivididos

de acordo com a idade de seus integrantes. Os primeiros correspondem aos indivíduos

maiores de dezoito anos e os segundos correspondem àqueles que terminaram o curso

primário e desejam fazer um curso profissional. Para o primeiro subgrupo é sugerida a criação

de cursos médios, em escolas bem instaladas e que sejam verdadeiras estações experimentais.

Estas escolas poderão conferir dois títulos: os de Administrador Rural e o Técnico Agrícola.

Para o segundo subgrupo a solução torna-se difícil e inconveniente, pois os custos são

elevados e ainda muitos não seguem a profissão que adquirirem.

O terceiro grupo é destinado ao ensino da Agronomia, ficando este encaminhado às

escolas superiores nas diversas regiões do país.

PAVAGLAU defende ainda que nosso ensino agrícola deverá ser do tipo americano,

‘extra muros’, de ensino extensivo e européia, ‘intra muros’, de ensino intensivo. Para ele o

ensino agrícola do nosso país tem que ser uma junção dos modelos de universidades

americana e européia.

Ainda segundo PAVAGLAU “Quando o eminente Dr. P. H. Rolfs organisou a

E.S.A.V. de Viçosa, por que não transplantou para cá a orientação seguida no seu país natal?

Foi porque o conspícuo agrônomo e educador, em rápida visão, verificou que não seria

vantajosa tal realização” (PAVAGLAU, 1940, p. 127).

Para ROLFS (ROLFS apud PAVAGLAU, 1940 p.127)

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“É certo que o sistema nacional de Escolas Agrícolas, que hora se encontra nos Estados Unidos, altamente desenvolvidos, e ministrando ensino anualmente a centenas de milhares de pessoas, não poderia ser adotado pelo Brasil, com grande possibilidade de êxito. Isto nem se discute. Nossa intensão é entrar mais profundamente no estudo do sistema e descobrir os princípios básicos de sua fundação, bem como os elementos que mais têm contribuído para o seu êxito. Adaptando–se esses princípios às condições brasileiras, obteremos, então, resultados altamente compensadores. Si um mágico pudesse transportar hoje para Viçosa a magnífica Escola Superior de Agricultura do Estado de IOWA (que ministra anualmente instrução a mais de 6.000 mil pessoas), seria um fracasso fomidável”.

Percebe-se, contudo, que as atividades de pesquisa na ESAV ao associar-se à prática

do ensino e à prática da extensão acabavam por assumir uma perspectiva utilitarista, voltando-

se para resolver problemas de ordem imediata. Assim, se a pesquisa deu-se como uma

atividade necessária que legitimava a praticidade do ensino, voltando-se para as necessidades

da universidade e da região onde estava localizada a instituição, ela também ao tentar resolver

problemas imediatos acabava por secundarizar a formação de uma mentalidade científica em

seus alunos, de modo que esses pudessem pensar em ciência para além de uma perspectiva

utilitarista.

Vale notar, como observa NORONHA (1998, p. 109) que “a perspectiva utilitarista de

ciência para resolver problemas imediatos se sobrepõe à formação de uma mentalidade

científica, em que a união teoria/prática poderia contribuir para a implantação do modo de

entender e de dominar a natureza que ultrapassasse tanto os limites da ciência desinteressada

quanto os do utilitarismo estreito”.

A teoria do aprender fazendo, traço constitutivo da filosofia pragmatista norte-

americana acabou por tornar-se também uma marca da ESAV. Aqui, os agrônomos

colocavam a “mão na massa” nas fazendas de experimentação, para aprenderem com a prática

e levarem assim os ensinamentos adquiridos na Escola à comunidade.

Observamos que outras universidades agrícolas tiveram dificuldades em implantar a

teoria do aprender-fazendo. Algumas devido à falta de espaço físico para a realização de tal

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atividade, outras ainda, como é o caso da Escola Superior de Agricultura e Medicina

Veterinária (ESAMV), atual Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, devido à distância

que se encontrava a Fazenda de Experimentação da Escola. Analisando essas dificuldades

vemos que problemas como esses não foram observados ou deixados transparecer na ESAV,

fato este que facilitou a implantação da teoria do aprender-fazendo, trazida por Rolfs, do Iowa

State College.

De todo modo estas características da associação ensino/pesquisa/extensão na ESAV

acabou por constituir um forte componente na sua identidade, sendo a extensão fundamental

para garantir a indissociabilidade dessas três atividades.

Desse modo, vale ainda ressaltar o estudo de CHILDS (1956), sobre a ciência utilitária

e a educação americana, uma vez que seu estudo remete-se a prática da pesquisa utilitária, que

na Escola de Viçosa apresentou um papel relevante dentro das práticas por ela desenvolvidas,

sendo a extensão fundamental para divulgá-las.

O movimento filosófico conhecido por pragmatismo (ou instrumentalismo, ou

experimentalismo ou utilitarismo)88 tem, em um sentido real, uma expressão da cultura

americana. Teve sua origem por volta do século XIX com Charles S. Peirce, William James,

John Dewey e George H. Mead. Segundo PEIRCE (apud Childs, 1956), as idéias iniciais do

pragmatismo se amadureceram através de uma discussão de um grupo que se reunia em

Cambridge, “allá por el mil ochociente setenta y tantos89” (Childs, 1956, p. 33). Vários dos

membros desse grupo pertenciam a Harvard University. Além deles, integravam o grupo

Francis E. Adams, John Fiske, Nicholas St. John Green, Oliver Wendell Holmes, Joseph

Warner e Chauncey Wright. PEIRCE menciona ainda que poderia chamar esse grupo de ‘The

88 O utilitarismo ocorreu nos séculos XVIII e XIX, na Inglaterra, com os Mill (guia para a atividade econômica e social). O pragmatismo ocorreu na virada para o século XX, nos EUA, com Peirce e Dewey (conhecimento a serviço da utilidade). 89 Por volta de 1870 e alguns anos.

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Metaphysical Club’, uma vez que, em sua maioria, eram físicos, químicos. O próprio

PEIRCE, considerado um dos pensadores mais criativos do período, era físico.

O pragmatismo baseia-se na insistência sobre a prática, sobre a atividade experimental,

rejeitando a dualidade do mentalismo clássico e das limitações do materialismo, abriu

caminho para o desenvolvimento de uma teoria da mente e da natureza, através da ciência

experimental, a qual propõe uma nova interpretação da natureza e um novo critério para o

pensamento reflexivo.

Foi dentro desta perspectiva pragmatista que a ciência utilitária se desenvolveu na

Escola. Ao analisar as pesquisas realizadas nessa instituição nota-se seu caráter utilitário,

voltado para resolver os problemas imediatos dos fazendeiros da região. É interessante

observar ainda que o utilitarismo presente na ESAV, apesar de ter passado por todas as

esferas do ensino, da pesquisa e da extensão, não impediu que a ESAV pudesse estabelecer

um ensino de qualidade aos seus alunos.

Dessa forma, na ESAV, foi a concepção de utilitarismo que prevaleceu em sua

trajetória. Isso se deu devido à herança do modelo de educação americana transmitida para

nós, por P. H. Rolfs, que veio ao Brasil para planejar a criação da Escola, uma vez que o

utilitarismo é uma vertente do pragmatismo norte-americano, que nasceu no seio das

instituições dos Estados Unidos.

Em 20 de janeiro 1942, pelo Decreto-Lei nº 824, assinado pelo então Governador do

Estado, Dr. Benedicto Valadares Ribeiro e pelo seu Secretario de Agricultura, Sr. Israel

Pinheiro da Silva, desmembrou-se o curso de Veterinária da ESAV, transferindo-o para Belo

Horizonte, onde passou a constitui-se a Escola Superior de Veterinária, sendo somente

reincorporada a instituição, em 1948, quando foi criada a Universidade Rural do Estado de

Minas Gerais (UREMG). Segundo BORGES (1968),

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“Em 1948, quando foi criada a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, esta Escola voltou a fazer parte da instituição e, finalmente, pela Lei nº 3.877, de 30 de janeiro de 1961, federalizou-se e tornou-se uma das unidades da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais” (p. 12).

Assim, se constituiu a Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa tendo

como lema durante todo o seu trajeto “Estudar, Saber, Agir e Vencer”, “Ciência e Prática” e

“Aprender-fazendo”. Estes lemas passaram a ser “motos constantes da instituição que

inaugurava nova fase na dinâmica educacional brasileira, até então livresca e acadêmica”

(BORGES, 1968, p. 06). Segundo BORGES (1968), “impunha-se dignificar o trabalho em

todas as suas formas e modalidades, sem entretanto descuidar do livro, razão porque, ainda

nos primórdios da Instituição, foi organizada a Biblioteca” (p. 06)90.

Em 13 de novembro de 1948, pela Lei nº 272, assinada pelo Governador de Estado de

Minas Gerais, Dr. Milton Soares Campo, e pelos seus Secretários de Agricultura e de

Finanças, os Senhores Doutores Américo René Giannetti e José de Magalhães Pinto,

respectivamente, foi criada a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG)91,

visando, segundo VIANNA (1951),

“(a) associar diretamente o ensino à pesquisa, à experimentação e à extensão, colocados, na mesma sede, num só conjunto, com ‘campus’ comum; (b) permitir-lhe amplo desenvolvimento por intermédio de liberdade administrativa e garantia econômica (patrimônio próprio); (c) conseguir-lhe a autonomia didática para melhor evolução do ensino” (p. 17).

90 É possível pensar que a ESAV foi criada como uma escola superior moderna, nos moldes da universidade moderna, somente instituída no país com a Reforma Universitária de 1968, uma vez que, desde a sua criação, por ser pautada em um modelo norte-americano de educação superior já apresentava algumas generalizações deste modelo de universidade, como o sistema de créditos, o regime departamental, a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, entre outros; generalizações estas somente adotados no país a partir de 1968, configurando a universidade moderna. Sobre universidade moderna ver YAZBECK (1999). 91 Seu primeiro Reitor foi Prof. Joaquim Fernandes Braga.

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À UREMG foram incorporados a Escola Superior de Agricultura e a Escola Superior

de Veterinária92 da antiga ESAV; e criadas a Escola Superior de Ciências Domésticas93; a

Escola de Graduados (ou Escola de Especialização); o Serviço de Experimentação e Pesquisa

e o Serviço de Extensão.

A inclusão da Escola de Ciências Domésticas na UREMG, segundo VIANNA (1951),

“visou eliminar uma parte omissa no nosso ensino técnico superior. A importância de tal

Escola pode ser sucintamente esclarecida. É que o treinamento das esposas de fazendeiros

deve ser considerado tão essencial como o próprio treinamento deles” (p. 17). Assim,

“A Escola de Ciências Domésticas visa preparar a mulher para administrar o lar tanto do fazendeiro como do citadino. Há problemas como o da subnutrição, mortalidade infantil e outros mais que, em grande parte, competem à mulher como esposa e como mãe. A simples enumeração de alguns assuntos que as Ciências Domésticas estudam é o bastante para justificar-lhes a importância; (a) preparação de alimentos, (b) decoração interna do lar, (c) princípios de economia, (d) psicologia infantil, (e) puericultura, (f) administração, (g) roupas, (h) bacteriologia, (i) análise de alimentos, (j) química fisiológica e nutricional, (k) nutrição e dietética, (l) enfermagem, (m) física aplicada, (n) química aplicada etc...” (VIANNA, 1951, p. 17).

Quanto as demais escolas incorporadas a UREMG, VIANNA (1951) assim traduz. A

Escola de Graduados servia, assim como as presentes nos Estados Unidos, para alunos

graduados que desejassem especializar seus estudos. Seriam escolas para pós-graduados, e

destinariam a formar “Master of Science (M.S.)” e “Philosophiae Doctor (Ph. D)”.

O Serviço de Experimentação e Pesquisa composto principalmente pelas estações

experimentais funcionariam junto e como parte integrante da UREMG. O Serviço de

92 Segundo BORGES et all (2000), a Escola de Veterinária voltou, com a criação da UREMG, a fazer parte da instituição, “ainda que continuando a funcionar em Belo Horizonte. Pela Lei nº 3.877, de 30 de janeiro de 1961, ela foi federalizada e incorporada a Universidade Federal de Minas Gerais. Por último, em 1976, a Universidade Federal de Viçosa recriou o Curso de Medicina Veterinária que, a partir de 1977, entrou em funcionamento e continua funcionando normalmente até hoje” (p. 18). 93 Esta Escola foi a primeira do gênero a ser criada no Brasil, sendo implantada oficialmente na UREMG em 1º de agosto de 1952, com o curso de Administração do Lar, tendo a profª Benedita Melo como sua primeira diretora.

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Extensão seria um serviço conectivo entre a Universidade e a população, principalmente a

população rural e suas finalidades podem ser assim resumidas:

“a) – aumentar o rendimento das fazendas, pela adoção de melhores condições de produção e de venda e o melhor uso do capital e do crédito; b) – promover melhores residências e padrão de vida mais alto nas fazendas; c) – desenvolver líderes rurais; d) – melhorar a comunidade rural sobre o ponto de vista mental, social, cultural e recreativo; e) – ensinar à juventude o amor pela vida rural; f) familiarizar o povo sobre o significado da agricultura para a Nação; g) ampliar a visão da população rural e do país para os assuntos rurais; h) – melhorar a vida educacional e espiritual das populações rurais” (VIANNA, 1951, p. 19).

Em 15 de novembro de 1949, através de Decreto nº 3.211, a Universidade Rural do

Estado de Minas Gerais foi oficialmente instalada em Viçosa, Minas Gerais. No ano seguinte,

pelo Decreto nº 3.292, a UREMG tem seus Estatutos aprovados. Alguns anos depois, em

fevereiro de 1965, a UREMG é concedida a sua autonomia administrativa, econômica,

disciplinar e didática94.

Entre os anos de 1948, 1957, 1963 e 1967 diversos convênios foram firmados entre a

UREMG, o ETA (Escritório Técnico de Agricultura), a ABCAR (Associação Brasileira de

Crédito e Assistência Rural), a ACAR (Associação de Crédito e Assistência Rural) e a

USAID (Agencia Internacional de Desenvolvimento do Governo Americano).

Segundo COELHO, E. (1996), o processo de transformação da ESAV em

universidade rural teve início pouco antes de 1948, com as viagens de seus professores aos

Estados Unidos, para estudos de pós-graduação95.

94 Sobre a UREMG ver BORGES (1968); BORGES et all (2000); CAPDEVILLE (1991); VIANNA (1951); entre outros, e, ainda documentos primários localizados no acervo do Arquivo Central e Histórico da UFV. 95 Vale ressaltar que esta prática de se enviar professores ao estrangeiro, principalmente aos Estados Unidos, para estudos ou intercâmbios científicos, já estava presente desde o Regulamento de 1931, no capítulo XXI, das Disposições Gerais, nos artigos 183 e 184, “Art. 183: Poderá a Junta Administrativa autorizar a Directoria do estabelecimento mandar professores deste ao estrangeiro com o fim de aperfeiçoamento técnico e com direito a ajuda de ensino e diárias, além de seus vencimentos”; “Art. 184: Poderá a Junta Administrativa autorizar a permuta de professores, por tempo determinado, entre instituições nacionais ou estrangeiras, visando o intercâmbio científico” e acontecia com freqüência, conforme as anotações encontradas nas Atas das Reuniões

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“As viagens de seus professores aos Estados Unidos, para estudos de pós-graduação, são o início do processo de transformação da ESAV em uma Universidade Rural. A começar por esta transformação em UREMG e chegando aos diversos convênios com órgãos e fundações americanas, os quais dinamizaram os trabalhos da Universidade, a influência exercida pelos americanos por estas bandas bem que poderia ter um motivo mais importante por trás dos sinceros e despretensiosos desejos de intercâmbio entre nações amigas” (COELHO, E., 1996, p. 53).

A UREMG, segundo COELHO, E. (1996), assim como sua antecessora, foi uma

universidade brasileira “fundada em modelos americanos de ensino rural” (p. 53). Ainda

segundo esse autor,

“A UREMG foi uma fase intermediária da história da Escola de Viçosa que conheceu uma dinamização e expansão de suas atividades, as quais a preparariam para uma expansão ainda maior: aquela que viria com a federalização. De uma forma ou de outra, a influência americana teve um papel significativo nesta preparação para o crescimento da Universidade” (p. 55)

Em 08 de maio 1969, pelo Decreto-Lei nº 570, assinado pelo Presidente da República

Arthur da Costa e Silva, fica instituída, sob a forma de Fundação, a Universidade Federal de

Viçosa (UFV), “vinculada diretamente ao Ministério da Educação e Cultura, consolidada pelo

Decreto nº 64.825, em 15 de julho de 1969”. Em 1º de agosto de 1969, a “UFV passa a existir

como pessoa jurídica, entidade fundacional, de direito público, com autonomia didático-

científica, financeira, administrativa e disciplinar, nos termos da Lei e de seu Estatuto”

(COELHO, E., 1996, p. 65). Seu primeiro Reitor foi o professor Edson Potsh Magalhães.

Atualmente a UFV é composta por quatro Centros de Ciência (Centro de Ciências

Agrárias, Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, Centro de Ciências Exatas e

Tecnológicas e Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes), cada qual com seus respectivos

da Congregação e da Junta Administrativa, e, mais tarde, nas edições da Revista Ceres. Segundo SILVA (1995) “a valorização da formação de professores pela própria Escola e a especialização no exterior praticamente pelos mesmos centros constituíram-se, então, numa tradição e sedimentação de um tipo de referência de conhecimentos desde (os primórdios) da ESAV, [...]” (p. 54).

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departamentos, perfazendo um total de 28 departamentos, ministrando aulas para os cursos de

Graduação e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado).

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AA EEXXTTEENNSSÃÃOO RRUURRAALL

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CAPÍTULO 04

A EXTENSÃO RURAL

1. Extensão: uma discussão conceitual

Na história da extensão rural brasileira, 1948 marca o início do serviço

institucionalizado de extensão rural no país com a implantação do Programa Piloto de Santa

Rita do Passa Quatro e São José do Rio Pardo, em São Paulo, com a Missão Rural de

Itaperuna, no Rio de Janeiro, e com a fundação da Associação de Crédito e Assistência Rural

de Minas Gerais – ACAR-MG, surgida através de convênios realizados entre o Brasil e os

Estados Unidos. Desse modo, segundo OLIVEIRA, já nesse período, o serviço de “Extensão

rural se firmaria institucionalmente enquanto prática de intervenção sistemática do Estado no

meio rural brasileiro” (1987 p.73).

Assim, o serviço extensionista rural brasileiro foi proposto pelos governos estaduais

em convênios com agências norte-americanas de extensão rural, com a finalidade de

promover cursos, palestras e ensinamentos às famílias rurais, a fim de obter melhores índices

de produtividade das culturas, maior racionalidade na produção agrícola e com isso promover

uma melhoria nas condições de vida no campo.

No Brasil, entretanto, ainda são escassos os trabalhos sobre a extensão rural. A maior

parte da literatura existente sobre a questão está voltada para o período que se segue à

Reforma Universitária dos anos 1960.

Cabe considerar que entre os autores brasileiros que têm produzido trabalhos sobre a

extensão destacam-se FREIRE (1979), FONSECA (1985), FAGUNDES (1985), OLIVEIRA

(1987). Um deles, FREIRE (1979), em seu livro “Extensão ou Comunicação?” questiona o

sentido da palavra extensão e como ela é realizada. Segundo FREIRE, a extensão tem o

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sentido de estender algo a alguém, ou seja, tem um sentido de transmissão, de doação, de

manipulação de quem detem o saber. Essa manipulação, por sua vez, possui um caráter de

invasão cultural, de conquista. O agrônomo extensionista transforma os seus conhecimentos

especializados em algo estático, “e os estende mecanicamente aos camponeses, invadindo

indiscutivelmente sua cultura, sua visão de mundo”, manipulando-o e conquistando-o

(FREIRE, 1979, p.44). FREIRE, em sua obra, menciona que não são todos os agrônomos

extensionistas que assim o fazem. Existem aqueles que utilizam o diálogo como uma forma de

transmissão de conhecimentos, uma vez que “o diálogo é o encontro amoroso dos homens

que, mediatizados pelo mundo, o ‘pronunciam’, isto é, o transformam” (1979, p.43). É através

da prática de se dialogar que se solidificam as aprendizagens. Ao contrário do que muitos

agrônomos pensam, dialogar não é perder tempo e sim “um tempo que se ganha em solidez,

em segurança, em autoconfiança e interconfiança”, o que não oferece a antidialogicidade, em

outras palavras, a ausência de diálogo (idem, p.51).

FREIRE fala ainda que este diálogo tem que ser composto pela problematização do

próprio conhecimento. Cabe mencionar que tudo pode ser problematizado, o diálogo

problematizador não depende do conteúdo que vai ser estudado. Pode-se trabalhar aspectos

relacionados à agricultura, como erosão, desmatamento, indagando-se O Por quê? Como?

Qual relação o agricultor vê entre as suas afirmações e a dos seus companheiros? entre outras.

Dessa forma, o autor conclui sua obra nos transmitindo a mensagem de que educação é

comunicação, é diálogo, e somente o agrônomo extensionista que utilizar do diálogo como

forma de promover a extensão é que exercerá com êxito seu trabalho.

Neste estudo sobre a obra de FREIRE vemos a importância de se trabalhar com o

diálogo para tornar o serviço de extensão algo que realmente possa melhorar as condições de

vida do homem do campo, fazendo-os pensar sobre suas práticas, suas crenças, tomando o

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sentido de educação como uma prática de liberdade e não de manipulação, de invasão

cultural.

Outros trabalhos também foram produzidos sobre a extensão rural no Brasil, como o

trabalho de FONSECA (1985), “A Extensão Rural no Brasil, Um Projeto Educativo para o

Capital”, que discute as origens, os fundamentos teóricos e a implantação do serviço de

extensão rural na América Latina e no Brasil, direcionando seu estudo para a criação da

Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (ACAR/MG).

Para FONSECA (1985) o serviço de extensão consiste em levar aos produtores rurais

conhecimentos técnicos necessários para elevar o índice da produtividade e conseqüentemente

da produção econômica do homem do campo. Para que isso ocorra é fundamental o papel das

estações experimentais, onde se observa, estuda, pesquisa, experimenta, produz

conhecimentos e tecnologias que são transmitidos aos produtores.

Entretanto, ela nos coloca que, no Brasil, este serviço de extensão não iniciou-se com

este modelo de levar ensinamentos ao homem do campo, de educá-lo. O serviço de extensão

adotado pelo país veio apoiado pelo serviço de crédito supervisionado agrícola, constituindo o

serviço de extensão e crédito agrícola.

Este serviço tinha como objetivo principal fazer empréstimos aos agricultores, o que

demonstrava seu caráter econômico, ensinando o homem do campo a utilizar o crédito

agrícola.

Dessa forma, ele desviou-se de seu principal objetivo: educar a população agrícola.

Ele servia apenas para ensinar o homem do campo a utilizar empréstimos agrícolas, uma

prática desconhecida até então pelos fazendeiros no Brasil. Somente a partir de 1952 é que o

serviço de extensão brasileiro passou a realizar a extensão com o objetivo de educar o homem

do campo.

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1.1. A extensão sob a ótica de alguns autores

A extensão, enquanto serviço, pode ser definida como um ensino indutivo onde

“destina-se a levar diretamente a todos os interessados por todos os meios possíveis

(preleções, demonstrações práticas etc), as noções técnicas e as novas conquistas que as

pesquisas forem fornecendo”. Objetivando vulgarizar os conhecimentos capazes de

proporcionar melhores condições de vida para a população (VIANNA, 1951, p. 08).

Assim, em princípio, o serviço de extensão “é a maneira de transmitir conhecimentos

acumulados através da experiência, da prática ou da pesquisa. O trabalho extensivo visa

difundir, em primeira mão, tais conhecimentos” (idem, p. 08).

O serviço de extensão agrícola é uma modalidade do ensino agrícola de aplicação

direta à lavoura, uma vez que sua finalidade é levar ensinamentos aos fazendeiros, dentro de

suas fazendas e é, ao mesmo tempo, “um processo de comunicação e de educação planejada

que destina mudar o comportamento econômico e social dos agricultores em qualquer parte

do mundo” (BARROS, 1994, p. 665), cujo objetivo principal, segundo BARROS (1994), “é

promover o desenvolvimento econômico e social dos indivíduos e das populações rurais” (p.

694).

Conforme pode ser observado na opinião de FREIRE (1979), o serviço de extensão

agrícola é simultaneamente um processo de educação e comunicação, no verdadeiro sentido

da palavra, pois, o extensionista, segundo o autor, não se limita a estender o conhecimento ao

agricultor, mas esforça-se em incorporar o conhecimento com a experiência do camponês,

mostrando-o, através do diálogo, sua relação com o mundo rural e uma forma de tornar sua

vida mais produtiva.

Considerando os estudos de FREIRE (1979) e FONSECA (1985), infelizmente, não

podemos perceber uma distinção clara entre o serviço de extensão rural e o serviço de

extensão universitária. Como sabemos, a primeira referência legal sobre o serviço de extensão

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universitária acontece em 1931 com a constituição do Estatuto da Universidade Brasileira96.

Neste estatuto este serviço é concebido como:

“A extensão universitária se destina a dilatar os benefícios da atmosfera da Universidade, dando, assim, maior amplitude e mais larga ressonância às atividades universitárias, que concorrerão, de modo eficaz, para elevar o nível da cultura geral do povo, integrando, assim, a Universidade na grande função educativa que lhe compete no panorama da vida contemporânea, função que só ela justifica ampla e cabalmente, o sistema de organização do ensino sobre base universitária” (FÁVERO apud FAGUNDES, 1985, 35).

Segundo esse Estatuto, o serviço de extensão universitária seria efetivado por meio de

“cursos e conferências de caráter educacional ou utilitário, uns e outras organizadas pelos

diversos institutos da Universidade [...]” (FAGUNDES, 1985, 36).

Desse modo, no período que se segue à constituição deste Estatuto, várias

Universidades tentaram implantar o serviço de extensão universitária entre suas práticas

acadêmicas. Entre elas citamos: a Universidade de São Paulo, a Universidade do Distrito

Federal e a Universidade do Rio de Janeiro. Nestas Universidades esse serviço de extensão é

pensado como uma das “modalidades de irradiação do saber produzido na universidade, sem

maiores especificações” (FAGUNDES, 1985, 41). Segundo FAGUNDES (1985), a

Universidade do Rio de Janeiro foi a que obteve os melhores resultados do serviço de

extensão universitária, ministrando, em 1932, mais de 30 cursos a médicos, advogados,

engenheiros, magistrados e jornalistas do interior do país. Com isso, percebe-se que o serviço

de extensão universitária esteve muito mais voltado para as camadas privilegiadas, que já

pertenciam às universidades, ou que já haviam passado por elas, como uma forma de

prestação de serviços. Segundo ROGERS (1959), a extensão universitária pode ser assim

definida:

96 Sobre isso ver capítulo I.

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“Chama-se de extensão universitária o ensino, realizado geralmente à noite, ao entardecer, ou nas manhãs de sábado, criados especialmente para adultos que trabalham durante o dia. Esta forma de ensino é um serviço muito importante prestado pelas universidades a suas comunidades, e são numerosos os estudantes que o aproveitam. Alguns cursos dão até direito a diplomas (ou certificados) [...]” (p. 42).

Em 1998, outra referência legal foi baixada com o fim de se institucionalizarem o

serviço de extensão universitária entre as universidades públicas brasileiras através do Plano

Nacional de Extensão Universitária. Segundo esse plano a extensão universitária é definida

como sendo

“[...] um processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre Universidade e Sociedade. A Extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à Universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento. Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como conseqüência a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da Universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social” (Plano Nacional de Extensão Universitária/Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, 2001, 29/30).

Neste plano, priorizam-se “práticas voltadas ao atendimento a necessidades sociais

emergentes”, relacionadas às áreas de Educação, Geração de Emprego, Ampliação de Renda,

Produção de Alimentos, entre outras, bem como, enfatiza-se a utilização de tecnologia

disponível “para ampliar a oferta de oportunidades e melhorar a qualidade da educação, aí

incluindo a Educação Continuada e, [...] pensar a Educação Ambiental e o Desenvolvimento

Sustentado como componentes da atividade extensionista” (Sistema de Dados e Informações

da Extensão, 2001, p. 19). Assim, os programas de extensão, segundo este plano, estariam

ligados,

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“[...] à ampliação da oferta e melhoria da qualidade da educação básica, programas e projetos relacionados à preservação e sustentabilidade do meio ambiente, melhoria de saúde e qualidade de vida, melhoria do atendimento à atenção integral à criança, aos adolescentes e aos idosos, participação no programa de educação nas áreas da reforma agrária, promoção de atividades de desenvolvimento cultural – principalmente as voltadas para o incentivo à leitura – assim como as do turismo regional, folclore e cultura popular. Consta ainda como meta a participação da extensão universitária no esforço nacional de formação de mão-de-obra, qualificação para o trabalho, reorientação profissional e capacitação de gestores de políticas públicas” (Sistema de Dados e Informações da Extensão, 2001, p. 20) (grifo nosso).

Desse modo, este plano nacional de extensão universitária procurou realizar atividades

extensionistas não somente na área educacional, mas também nas seguintes áreas temáticas: a)

Comunicação; b) Cultura; c) Direitos Humanos; d) Educação; e) Meio ambiente; f) Saúde; g)

Tecnologia; e, h) Trabalho97.

97 a) Comunicação: “comunicação social; mídia comunitária; comunicação escrita e eletrônica; produção e difusão de material educativo; televisão universitária; rádio universitária; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de comunicação social; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área”; b) Cultura : “desenvolvimento de cultura; cultura, memória e patrimônio; cultura e memória social; cultura e sociedade; folclore, artesanato e tradições culturais; produção cultural e artística na área de artes plásticas e artes gráficas; produção cultural e artística na área de fotografia, cinema e vídeo produção cultural e artística na área de música e dança; produção teatral e circense; rádio universitária; capacitação de gestores de políticas públicas do setor cultural; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área; cultura e memória social”; c) Direitos Humanos: “assistência jurídica; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de direitos humanos; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área; direitos de grupos sociais; organizações populares; questão agrária”; d) Educação: “educação básica; educação e cidadania; educação a distância; educação continuada; educação de jovens e adultos; educação especial; educação infantil; ensino fundamental; ensino médio; incentivo a leitura; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de educação; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área”; e) Meio Ambiente: “preservação e sustentabilidade do meio ambiente; meio ambiente e desenvolvimento sustentável; desenvolvimento regional sustentável; aspectos de meio ambiente e sustentabilidade do desenvolvimento urbano e do desenvolvimento rural capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de meio ambiente; cooperação internacional na área; educação ambiental; gestão de recursos naturais; sistemas integrados para bacias regionais”; f) Saúde: “promoção à saúde e a qualidade de vida; atenção a grupo de pessoas com necessidades especiais; atenção integral à mulher; atenção integral a criança; atenção integral à saúde dos adultos; atenção integral à terceira idade; atenção integral ao adolescente e ao jovem; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de saúde; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área; desenvolvimento do sistema de saúde; saúde e segurança no trabalho; esporte, lazer e saúde; hospitais e clínicas universitárias; novas endemias e epidemias de drogas”; g) Tecnologia: “transferência de tecnologias apropriadas; empreendedorismo; empresas juniores; inovação tecnológica; pólos tecnológicos; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas de ciências e tecnologias; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área; direitos de propriedade e patentes”; h) Trabalho: “reforma agrária e trabalho rural; trabalho de inclusão social; capacitação e qualificação de recursos humanos e de gestores de políticas públicas do trabalho; cooperação interinstitucional e cooperação internacional na área; educação profissional; organizações populares para o trabalho; cooperativas populares; questão agrária; saúde e segurança no trabalho; trabalho infantil; turismo e oportunidades de trabalho” (Sistema de Dados e

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Para a realização das atividades extensionistas propostas por esse plano, podem ser

realizados cursos, de caráter teórico ou prático, podendo ser presencial ou a distância,

incluindo-se, nesta categoria oficinas, workshops, laboratórios, treinamentos e até cursos de

pós-graduação latu sensu (aperfeiçoamento ou especialização), que em algumas universidades

são gerenciados pela área de extensão; eventos como: assembléias, campeonatos, ciclos de

estudos, conferências, congressos, encontros, concerto, lançamento de publicações de

produtos, entre outros; prestação de serviço – incluindo nesta categoria assessorias,

consultorias e cooperação interinstitucional; e, produção e publicação – tais como cartilhas,

softwares, fitas cassetes, CD’s, vídeos, entre outros (Sistema de Dados e Informações da

Extensão, 2001).

É importante observar que, segundo este plano, e mesmo o Estatuto das Universidades

Brasileiras, de 1931, a prestação de serviço assume uma designação, segundo CUNHA

(1989), impropriamente chamada de prática extensionista. A prestação de serviço, assim

como outras atividades que talvez não deveriam ser consideradas atividades extensionistas,

passam a assumir, com o Plano Nacional de Extensão Universitária, impropriamente, esta

designação.

Desse modo, o serviço de extensão rural pode ser considerado então como um serviço

educativo, no qual seu princípio norteador é a educação do homem rural, onde além de educa-

lo, procura-se, através das estações experimentais e do serviço de pesquisa, solucionar

problemas aos diversos assuntos relacionados a agricultura e a pecuária; a principio este

serviço torna-se diferente do serviço extensionista universitário, que assume, segundo alguns

autores (CUNHA, 1989) um caráter de prestação de serviço.

FREIRE (1979) e FONSECA (1985) discutem a extensão rural como forma de educar

a população agrícola, em seu próprio meio (ensino informal), com o objetivo de elevar o nível

Informações da Extensão, 2001, p. 25/29) (grifo nosso). Como pôde ser visto, a única menção de trabalho na área da educação rural são alguns poucos subitens da área temática do Trabalho.

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de vida da comunidade agrícola, elevando a produtividade, as condições de higiene, saúde,

vestuário e, principalmente, o nível educacional dessa população. FONSECA (1985), em seu

estudo, menciona sobre o serviço de extensão rural norte-americano ser oferecido, em sua

maioria, pelos Land Grant Colleges, mas ela não nos proporciona uma discussão sobre a

extensão rural e a universitária. Segundo FAGUNDES (1985), o serviço de extensão

universitária “se destina a dilatar os benefícios da atmosfera da Universidade, dando, assim,

maior amplitude e mais larga ressonância às atividades universitárias [...]”, concluindo ser

este serviço extensionista universitário uma forma de elevar o nível cultural do povo,

integrando a Universidade à comunidade, garantindo assim a sua função educativa

(FAGUNDES, 1985, 35). No entanto, segundo FAGUNDES (1986), “a extensão – espécie de

filha temporã, investida de um poder quase messiânico – é, desde logo alçada pelo MEC e

pelo Conselho de Reitores (CRUB) como uma função inerente à Universidade. A partir dessa

prerrogativa, a extensão é pensada como uma modalidade de compromisso social da

Universidade que se efetiva através da prestação de serviços, sobretudo dirigida aos assuntos

da Universidade, [...]” (p. 108).

Desse modo, podemos observar que são escassos os registros do serviço extensionista

rural realizados no Brasil antes de 1948. Alguns autores (COELHO, F., 1992; SILVA, 1995)

consideram ser a Semana do Fazendeiro, realizada pela Escola Superior de Agricultura e

Veterinária de Viçosa, em 1929, como precursora do serviço de extensão realizado no Brasil.

Entretanto, poucos são os que realmente a consideram, pois a maioria acredita ser o ano de

1948, com os convênios realizados entre Brasil e Estados Unidos, através da implantação do

Programa Piloto em Santa Rita de Passa Quatro (São Paulo) e da fundação da ACAR/MG, o

início desta prática extensionista.

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1.2. As origens do Serviço de Extensão.

As primeiras experiências relacionadas à Extensão nos Estados Unidos da América

vincularam-se ao desenvolvimento da agricultura ainda no final do século XIX. Duas leis

contribuíram então para que fossem iniciadas as práticas de Extensão; foram elas: a Lei

Morril, de 1862 e a de 1890. Todavia, o que realmente viria a ser o Serviço de Extensão Rural

dos Estados Unidos teve origem através de outra Lei, a Lei Smith Lever, de 1914. Essa Lei

responderia às necessidades de um serviço especializado para assistir ao produtor rural.

Em 1862, com a assinatura da “Lei Morril” ou “Agricultural College Act”98, pelo

presidente da República, Lincoln, foi decretada a doação de 30.000 acres de terras,

“[...] do domínio da União, por senador ou deputado que o Estado tinha no Congresso, a cada Estado, para auxiliar em cada uma das ‘escolas onde a agricultura e as artes mecânicas fossem ensinadas. A lei estabelecia mais que poderia haver venda das terras para, ‘com a renda do capital apurado se criar ou sustentar o ensino técnico ou, nos termos do ‘Act’, ocorrer às despesas de colégios nos quais a agricultura for um ramo de instrução principal’” (VIANNA, 1951, p. 10/11).

Desse modo, a Lei Morril de 1862 ajudou na criação de Escolas de Agronomia,

doando terras como patrimônio inicial, ficando este plano conhecido como “Land Grant

Colleges”99.

Assim, o serviço de extensão norte-americana, iniciou-se, logo após a assinatura desta

Lei, através das associações agrícolas100, fundadas pelos fazendeiros norte-americanos que

98 Para muitos autores (VIANNA, 1951, entre outros), essa Lei é considerada um marco na educação norte-americana. 99 Os land Grant colleges, também conhecidos por Universidades Técnicas ou Colégios Agrícolas eram localizados predominantemente fora dos grandes centros urbanos, pois segundo VIANNA, “as escolas incluídas nos Colleges of Agricultura and Mechanic Arts, máxime as de Agronomia e as de Veterinária, exigem grande área para a sede e dependências contíguas. De fato, se assim não fosse, tornar-se-ia difícil, com eficiência, aliar-se o ensino, à pesquisa, à experimentação, às rotinas técnicas. Em síntese, seria um obstáculo ao ensino vivo. [...]” (1951, p. 09/10). Nesse tipo universitário de ensino agrícola norte-americano, pode-se observar como regra geral: a) ter uma sede conjunta; b) ser localizada de preferência em cidades pequenas e, c) ter a inclusão de pelo menos duas das cinco escolas (Agronomia, Engenharia, Veterinária, Ciências Domésticas e Graduados), sendo constantes a Escola de Agronomia, a Estação Experimental e o serviço de Extensão.

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tinham como finalidade discutir os problemas relativos a comercialização e ao aumento da

produtividade de suas culturas e pecuárias. Nessas associações eram realizadas palestras,

feiras, concursos, reuniões, visando um contato mais estreito entre esses fazendeiros. Estes

eventos eram divulgados em periódicos locais a fim de se reunirem um maior número de

fazendeiros. Desde já, percebia-se a necessidade de se ter contatos mais estreitos com as

pesquisas desenvolvidas pelos colégios e universidades.

Em 1870, começaram a se instituir, nos EUA, os Conselhos de Agricultura, que, junto

às associações promoviam conferências públicas e cursos de curta duração, conjugados aos

trabalhos desenvolvidos nos colégios e universidades. Vale notar que, ao mesmo tempo em

que eram promovidas estas atividades, organizavam-se reuniões e cursos para as mulheres,

visando o preparo de alimentos e seus valores nutritivos. Mais tarde, ao final deste século,

essas organizações agrícolas funcionavam em todos os Estados, com ajuda do Departamento

de Agricultura Estadual e o patrocínio dos Land Grant Colleges. Neste momento já se

estimulava a participação de mulheres, de crianças e jovens em idade escolar.

Em 1890, foi assinada a segunda “Lei Morril”, concedendo, a cada Estado ou

Território, o auxilio de 15.000 dólares, “aumentando de 1.000 dólares anualmente, durante

uma década, mantidos permanentemente daí por diante, até completar 25.000 dólares”, a fim

100 Segundo TOQUEVILLE (1977), os americanos naturalmente se uniam em associações. “Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais todos tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito particulares, imensas e muito pequenas; os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edificar igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas, assim também, criam hospitais, prisões, escolas. Trata-se, enfim, de trazer à luz ou se desenvolver um sentimento pelo apoio de um grande exemplo, eles se associam” (TOQUEVILLE, 1977, p. 391/392). Assim, essas associações agrícolas tinham a finalidade de reunirem um maior número de agricultores para discutirem e levarem a efeito questões relativas a suas culturas. Os americanos acreditavam que as associações era uma forma de reunir um maior número de pessoas com os mesmos fins e, acreditavam na força das associações. Promoviam, enquanto associação, diversos eventos, e levavam estes eventos ao maior número de pessoas através da imprensa periódica. Para TOQUEVILLE (1977), “quando os homens não mais se achassem ligados entre si de uma maneira sólida e permanente, não seria possível conseguir que um grande número agisse em comum, a menos que se persuadisse cada um daqueles cujo concurso é necessário de que o seu interesse particular o obriga a unir voluntariamente os seus esforços aos esforços de todos os outros. Isso só pode ser feito habitual e comodamente com a ajuda de um jornal. Somente um jornal (ou um periódico) seria capaz de vir depor ao mesmo tempo, em mil espíritos, o mesmo pensamento” (p. 394/395). Ainda segundo o autor, não há associações sem que possa haver um periódico a ele associado; o periódico é necessário para manter a associação unida.

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de ajudar as Escolas de Agronomia (os Land Grant Colleges), criadas ou ainda por criar,

“conforme a lei de 2 de julho de 1862”, com a condição de se ensinar, nessas escolas, a

“língua inglesa, matemática, física, ciências naturais e econômicas” (VIANNA, 1951, p. 11).

Além disso, vale ressaltar a Lei Hatch, de 2 de março de 1887, onde o Congresso aprovou a

subvenção anual de 25.000 dólares para auxiliar a criação e manutenção, em cada Estado ou

Território, de estações experimentais, anexas as Escolas de Agronomia. Essa Lei “estabeleceu

como condição de auxilio federal a obrigação de se publicarem, pelo menos trimestralmente,

boletins de caráter popular, contendo as experiências de maior alcance prático feitas nas

estações experimentais” (VIANNA, 1951, p. 11) (grifo nosso). A partir desse momento,

começam a se instituir, nos EUA, as estações experimentais anexas as Escolas de Agronomia.

Em 1904, mediante cooperação do Ministério da Agricultura dos Estados Unidos e do

Conselho Geral de Educação, foram nomeados os primeiros agentes distritais nos Estados do

Sul para difundirem ensinamentos agrícolas aos fazendeiros. Segundo CÔRREA (1941), o

diretor desse movimento, o Dr. Seaman A. Knapp, elaborou um plano de instrução colocando

o trabalho de demonstração em um plano mais elavado. “O plano visava proporcionar a

população rural maior bem-estar, melhorando as condições sociais da vida nas comunidades

rurais”. Seu lema era: “desenvolver os recursos, aumentar as colheitas, aformosear as

paisagens, alegrar os lares e, proporcionar ao povo conhecimentos abundantes relativamente a

cousas uteis” (p. 356). Em conformidade com este lema, ainda segundo o autor, inaugurou-se

“um novo sistema de educação para os jovens e adultos, mediante o qual a vida rural foi

remodelada, passando a ocupar um novo nível de prosperidade, conforto, influência e poder”

(p. 356).

Até 1906, este trabalho de demonstração “havia-se desenvolvido nos Estados do Norte

e do Oeste e o Departamento de Administração Agrícola do Ministério da Agricultura

também estava efetuando algum trabalho de demonstração” (CÔRREA, 1941, p. 356). A

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partir de 1909 inicia-se a prática de demonstração em fazendas particulares sob a direção de

um agente de administração agrícola, em cooperação com algumas estações experimentais,

entre elas a Estação Experimental de Ohio. Ainda segundo o autor, em “Nova York e

Pensylvania empreendeu-se um trabalho da mesma natureza e, mais ou menos nesse tempo,

certos Estados consignaram verbas para esse fim e várias agências locais auxiliaram a

manutenção dos agentes agrícolas” (CÔRREA, 1941, p. 356).

Em 1914 foi aprovada, pelo Congresso, a Lei Smith-Lever (Smith Lever Act) que

dispôs “o estabelecimento definitivo desse sistema (o sistema de demonstração) em todos os

Estados em cooperação com colégios, universidades e estações experimentais dotadas de

terras públicas, com os governos distritais e outras agências locais” (CÔRREA, 1941, p. 357).

Segundo essa Lei, o fim dessas instituições seria:

“[...] dar ‘instrução e demonstrações práticas em agricultura e economia doméstica a pessoas que não assistem ou residem nos ditos colégios existentes nas diversas comunidades, e transmitir a tais pessoas as informações relativas aos referidos assuntos por meio de demonstrações de campo, publicações e de outros modos’” (CÔRREA, 1941, p. 357).

Neste mesmo ano, o Governo Federal101 oficializou, através desses trabalhos

desenvolvidos, o “Trabalho Cooperativo de Extensão Rural”, “cuja finalidade era veicular,

entre a população rural americana ausente nos Colégios Agrícolas, conhecimentos úteis e

práticos relacionados à agricultura, à pecuária e a economia doméstica, para a adoção de

modos mais eficientes na administração da propriedade rural e do lar” (FONSECA, 1985,

p.39). Essa idéia proposta pelo governo federal funcionou como uma ligação das populações

rurais às estações de pesquisas experimentais. Segundo MIGUEL BECHARA – técnico 101 Segundo VIANNA (1951), “foi o Governo Federal que levando a sua colaboração aos governos provinciais, permitiu que uma verdadeira rede de ensino técnico superior, pesquisa, experimentação e extensão se expandisse por todas as unidades dos Estados Unidos, canalizando assim os esforços federais e estaduais num sentido convergente para maior eficiência. Sem a superior visão do Governo Federal, certamente as ‘universidades técnicas’ daquele país, além de outras, não teriam duas características que quase por si só, justificariam a iniciativa: a) patrimônio próprio com a conseqüente liberdade administrativa e; b) sede unitária com o seu ‘campus’ e áreas contíguas suficientemente extensas” (p. 11).

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brasileiro, com experiência americana –, as estações de pesquisas norte-americanas

apresentavam a seguinte função:

“O papel das estações ou dos institutos experimentais é justamente este: experimentar e pesquisar aqueles conhecimentos técnicos necessários para que haja uma boa produção econômica. Concomitantemente observam, estudam, pesquisam e experimentam, obtendo conhecimentos e dados que são levados aos produtores rurais. Esta ação de levar aos produtores rurais tudo aquilo que os institutos experimentais concluíram chama-se extensão. Quer dizer, estender os conhecimentos adquiridos nos campos experimentais aos produtores” (BECHARA apud FONSECA, 1985, p.39/40).

Cabe considerar que BECHARA (apud FONSECA, 1985), em sua fala, já afirma ser a

extensão a ação de levar ensinamentos produzidos pelas estações experimentais aos

produtores rurais. Desse modo, esse serviço extensionista funcionaria como um elo de ligação

entre as estações experimentais, que geralmente eram entidades universitárias – os colleges -,

e as populações rurais.

Segundo CÔRREA (1941), nos Estados Unidos o serviço de extensão agrícola –

extension service – foi um fator de grande contribuição para a eficiência das estações

experimentais e dos colégios agrícolas.

“Até 1920, diz sobre o serviço de extensão agrícola, [...], este novo serviço foi adotado por todos os colégios. Por esse tempo já se havia acumulado uma grande soma de informações nas estações experimentais. Por meio do serviço de extensão enviaram-se aos campos representantes dos colégios, um ou dois em cada um dos condados, possuidores de importantes interesses agrícolas. [...]. Os agentes rurais do serviço de extensão são sempre bem instruídos em agricultura geral e bem qualificados para se utilizarem da informação científica acumulada e para interpreta-la prática e oralmente aos agricultores. Numerosas granjas já foram aparelhadas para fins de demonstrações e, mediante comitês locais de agricultura, iniciaram-se as novas práticas, para cujas demonstrações são sempre convidados os agricultores do lugar. Os agentes dos serviços de extensão agrícola tomam parte pessoalmente nas experiências e auxiliam a interpretar os resultados.[...]” (p. 354/355).

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Desse modo, o serviço de extensão norte-americano consistia em preleções proferidas

por membros dos colégios de agriculturas ou das estações experimentais, perante grupos de

lavradores e, ainda, na distribuição de publicações, feitas através dos Boletins de Agricultura,

dos Anuários Agrícolas e das publicações das estações experimentais. Segundo CÔRREA

(1941), os colégios agrícolas e os departamentos estaduais de agricultura promoveram “planos

de institutos para agricultores” em vários Estados, Esses planos eram formados por “cursos”,

com duração variada, sendo de um a três dias, nos quais proferiam preleções sobre

agricultura.

Esta proposta de extensão iniciada nos EUA foi considerada como sendo o modelo

clássico. Este modelo, em um primeiro momento, foi transmitido aos governos da América

Latina através de convênios com agências americanas de extensão rural. Esse modelo clássico

pode ser assim explicado:

“Segundo este modelo clássico, o conhecimento é transmitido das fontes de origem ao povo rural. No contexto da Extensão, a comunicação é o meio pelo qual o povo rural estabelece contato com a nova tecnologia, advindo, em conseqüência, uma mudança tecnológica permanente. Portanto, o propósito básico da Extensão dentro do contexto do modelo clássico é o de transmitir conhecimentos ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de pesquisa” (LOPES apud FONSECA, 1985, p.40)

Ao ser introduzido no Brasil, em 1948, este modelo não apresentou efeitos

satisfatórios, uma vez que veio apoiado pelo sistema de crédito agrícola102. Foram então

necessárias algumas modificações no sentido de adequá-lo aos países subdesenvolvidos. Essa

adequação resultou na implantação do modelo difusionista inovador no Brasil.

102 O primeiro modelo adotado pelo país foi o modelo clássico – baseado na ação de levar ensinamentos dos colégios agrícola e estações experimentais ao homem do campo – apoiado pelo modelo do crédito agrícola. O segundo modelo adotado pelo país foi o modelo difusionista inovador, que acreditava que o crédito agrícola não seria a forma mais apropriada de se difundir ensinamentos ao homem do campo e sim através da educação rural.

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Este princípio difusionista admite a possibilidade de mudanças de uma comunidade

através da difusão e adoção de novas idéias. Acredita-se ser através desse modelo que se dá à

passagem do subdesenvolvimento para o desenvolvimento, para a modernização.

Assim, segundo FONSECA (1985) para o desenvolvimento rural brasileiro, este foi o

modelo adotado, a partir de 1952, em convênio com as agências extensionista americanas,

para propor melhorias no padrão de vida, na saúde e no nível educacional das comunidades

rurais.

1.3. O Modelo Difusionista Inovador.

Como vimos, logo após a 2ª Guerra Mundial, foram introduzidos, na América Latina,

os Programas de Extensão Rural norte-americanos, primeiro veio o modelo clássico, já

modificado, uma vez que ao ser implantado veio associado ao sistema de crédito agrícola; e,

mais tarde, foi criado o modelo difusionista inovador.

Cabe considerar que em um primeiro momento encontrou-se uma certa dificuldade na

implantação deste serviço de extensão, uma vez que as populações rurais latino-americanas

eram diferentes das populações rurais norte-americanas103. Nas primeiras encontravam-se um

elevado estado de pobreza e atraso tecnológico. A solução encontrada foi o receituário das

experiências americanas de organização de comunidades ou organização do bem estar social

das comunidades, cujo objetivo central era:

“[...] introduzir e sustentar um processo de lidar com os problemas de relacionamento pessoal e ajustamento social que irá capacitar e auxiliar aqueles indivíduos envolvidos nos problemas a achar soluções satisfatórias para eles mesmos e aceitáveis para a sociedade da qual fazem parte” (FONSECA, 1985, p.47/48).

103 Segundo BARROS (1994), “Se compararmos, por exemplo, os índices de racionalidade do ‘farmer’ norte-americano com os do agricultor brasileiro veremos, sem dificuldade, que entre ambos há, [...], uma distância quase que astronômica.” (p. 668).

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Desse modo, a extensão desenvolvida nos países latino-americanos deveria ter um

caráter pedagógico – um projeto comunitário-educativo de transmissão de conhecimentos

técnicos e mudanças de atitude –, e um caráter político – com a finalidade de fazer cumprir

objetivos sócio-econômicos concretos (melhoria do nível de vida aliada a um aumento da

produtividade, da propriedade e do trabalho agrícola). Nesta ótica, o objetivo básico do

serviço de extensão desenvolvido neste país seria: “a obtenção de melhores índices de

produtividade, aliada a uma maior racionalização na produção agrícola e, conseqüentemente,

de melhores condições de vida no campo” (FONSECA, 1985, p.48). Vistos tais objetivos,

percebe-se que o fator educacional era de extrema importância para levá-los a efeito (ele seria

o como fazer).

Assim, segundo FONSECA (1985) o serviço de extensão rural passaria a ser definido

como:

a) “Sistema especial de educação rural que atinge adultos e jovens através

de metodologia adequada e da ação de líderes em grupo e comunidades, visando a adoção de novas práticas agropecuárias e domésticas;

b) Sistema educativo informal que busca obter mudanças de atitude, procura aperfeiçoar as aptidões e melhorar as condições de vida da população rural, através da tecnificação do trabalho agrícola e fomento da organização comunitária;

c) Modalidade informal e democrática de educação de adultos e jovens que visa levar ao agricultor e a sua família os conhecimentos necessários à solução dos problemas que impedem a elevação de seus níveis de vida;

d) Processo educacional que visa induzir o povo (considerando povo, indivíduos e instituições) a interpretar e responder, de maneira apropriada, as mensagens de mudanças para a promoção do desenvolvimento sócio-econônico do meio rural através da integração das forças vivas da comunidade” (FONSECA, 1985, p. 50).

Essas definições apresentam a síntese dos princípios difusionistas, onde “numa

sociedade rural tradicional, o progresso técnico não pode vir senão de fontes exteriores à

comunidade” (FONSECA, 1985, p.50/51). Acredita-se que este serviço de extensão rural,

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100

com base na educação do homem do campo, deveria vir de fontes externas à própria

comunidade rural, no caso, dos colégios agrícolas.

Pelas considerações acima expostas e considerando que tanto para o modelo clássico

como para o modelo difusionista, somente uma mudança na mentalidade do homem do campo

o tornaria apto para uma vida moderna (e essa mudança seria ocasionada pela ordem

educacional) é que se pôde elaborar um objetivo básico para o extensionismo latino-

americano, objetivo este que propõe o alcance de uma maior produtividade agrícola para a

conquista de melhores condições de vida do homem do campo através da proposta de

educação da família rural.

Este marco teórico que fecha-se dentro dessa prática extensionista desenvolvida pelos

países da América Latina, para alguns estudiosos, vem de uma visão empírico-positivista,

permeada pela ideologia liberal que “se operacionaliza numa proposta comunitarista e

educacional, alienante e descompromissada com os interesses reais e imediatos das

populações rurais latino-americanas” (FONSECA, 1985, p.52). Visão empírico-positivista

pois “tanto o ‘modelo clássico’ como o ‘modelo difusionista inovador’ partem do princípio de

que as mudanças nas sociedades rurais se dão por intervenções técnicas e não por alterações

nas estruturas sóciopolíticas e econômicas dessas sociedades” (FONSECA, 1985, p.52/53).

Como foi o caso do primeiro modelo adotado pelo país (o modelo clássico apoiado no crédito

agrícola).

1.4. A Implantação do Serviço de Extensão no Brasil.

Em relação à implantação do Serviço de Extensão Rural na América Latina temos que

esta se deu, principalmente, por dois motivos: 1º) a preocupação das elites para com a

educação rural, numa preocupação de promover uma educação voltada no sentido de esvaziar

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101

as tenções políticas do campo; 2º) o desempenho econômico exigido ao setor agrícola, na

relação com a situação internacional do pós-guerra104.

Essa preocupação das elites para com a educação rural data da passagem da primeira

para a segunda década do século passado, “quando a migração rural para as zonas urbanas

passou a ser visto como uma ameaça à harmonia e à ordem das grandes cidades e uma

possível baixa na produtividade do campo” (FONSECA, 1985, p.55).

Assim,

“Os debates sobre a educação rural que travam os políticos da década de vinte revelam a grave situação de instabilidade social no país na medida em que conseguiu até reunir na mesma campanha grupos de interesses opostos: o agrário e o industrial” (FONSECA, 1985, p.55).

Desse modo, interesses vinham de dois grupos opostos: o agrário e o industrial.

Pensava-se assim, uma educação ruralista, baseada nas orientações do ruralismo pedagógico,

que propunha “uma escola integrada às condições locais, regionalistas, cujo objetivo

escolanovista reforçava essa posição ‘da escola colada à realidade’, baseada no princípio da

‘adequação’ e assim coloca-se ao lado das forças conservadoras” (FONSECA, 1985, p.55).

104 Esta situação ocorreu no contexto do pós IIª Grande Guerra Mundial, onde ocorreram significativas mudanças no panorama econômico, político, ideológico e cultural no mundo. Pelas mudanças internacionais, “a guerra implicou no fim da hegemonia européia e na inauguração e um novo ciclo histórico, regido pelo signo da bipolaridade, em que Estados Unidos e União Soviética, em permanente estado de guerra fria, imprimiram a dinâmica das relações internacionais” (SANTOS, et all, 2002, p. 323). Terminada a guerra, os Estados Unidos buscaram estabelecer algumas novas regras que iriam organizar as relações pan-americanas (relações estas estabelecidas pelas Conferências Pan-Americanas, organizadas pelos americanos, durante a 2ª Guerra Mundial, cujo objetivo comum era: “a defesa das Américas independente do regime político vigente em cada país, sob o comando dos Estados Unidos” (BORIS, 2000, p. 381). Desse modo, em 06 de março de 1945, “o Brasil, os Estados e os demais países do sistema regional pan-americano reuniram-se no castelo de Chapultepec, próximo a cidade do México, comprometendo-se a regular pacificamente as eventuais pendências entre eles (pendências geradas devido ao atraso da entrega de equipamentos militares, dada a proposta dos Estados Unidos em reequipar econômica e militarmente o Brasil, “como condição de apoio aos Estados Unidos” na guerra. “Os americanos demoravam a entregar encomendas de equipamento militar porque consideravam que boa parte da oficialidade brasileira era simpatizante do Eixo” (BORIS, 2000, p. 382)). Nessa mesma reunião, ficou acordada a realização de uma nova, quando então seriam fixadas garantias militares para a segurança coletiva. Por conseqüência, voltaram-se a reunir-se no Rio de Janeiro, [...], a 2 de setembro de 1947, quando formaram o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR)” (SANTOS, et all, 2002, p. 323). Nesse momento iniciam-se, por parte desses dois países (Brasil e Estados Unidos), os acordos de assistência recíproca, entre eles, os extensionistas. Entretanto, “não obstante ter participado de todos os principais foros destinados a rearticular o sistema internacional, o papel reservado ao Brasil foi o de ator coadjuvante dos Estados Unidos. Depois da guerra, os interesses americanos sobrepujaram largamente os interesses europeus no Brasil, o qual passou de uma situação de mais estrita dependência face ao grande país do norte, [...]” (SANTOS, et all, 2002, p. 324).

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102

Esse movimento conhecido como ruralismo pedagógico, segundo ROSA (1980), “teve seus

precursores em alguns pensadores sociais do começo do século, como Sílvio Romero e

Alberto Torres. Tal cruzada foi-se aprofundando e difundindo por uma série de educadores,

que pretendiam transformar o ensino primário em instrumento de fixação do homem ao

Campo e de amortização do impacto causado pelos movimentos migratórios, através da

modernização da vida econômica e social do meio rural. Ora, isso veio a transformar-se em

outro foco de atenção que, de certa forma, parecia compensar o descaso pelo ensino agrícola

propriamente dito. Ocorre pois uma incongruência: ao notório desamparo que cerca o ensino

agrícola contrapõe-se uma cruzada de valorização do ‘país agrícola’, através da

regionalização da escola e do ideário ruralista nas instituições escolares” (p. 88/89).

Vistos e analisados os problemas da sociedade rural brasileira percebeu-se que se

deveria firmar uma educação na comunidade rural, conforme propunha o serviço de extensão

rural, diferente do que era proposto pelo ruralismo, pois este firmava-se na escola. “Assim

sendo, o importante seria preparar melhor esse homem, ou seja, levá-lo a uma vida mais

digna, através da difusão da idéia e do valor de auto-ajuda”; e isso só “seria alcançado

mediante o aperfeiçoamento do método e técnicas de uma prática pedagógica não-escolar

(diferente do ruralismo), ou seja, a educação comunitária” (FONSECA, 1985, p.58). Desse

modo efetuou-se o movimento extensionista rural no Brasil, como uma reação ao ‘malogro’

da educação rural, tendo sido definida como um processo de educação extra-escolar.

Assim, dando continuidade a esse pensamento, em 1948, o Presidente Eurico Gaspar

Dutra, submeteu ao Congresso Nacional um plano de 5 anos para o desenvolvimento do

Brasil, apoiado na idéia de iniciativas de criação de universidades técnicas superiores em todo

o território nacional, a fim de que se fizesse, de forma mais sistemática, o movimento

extensionista rural no país. Segundo VIANNA (1951),

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103

“Fica, dessa maneira, explicada porque achamos, agora mais do que nunca, em virtude mesmo da iniciativa, elogiosa por tantos motivos e principalmente por ter sido a primeira vez que um governo da República planeja a longo prazo, competir com o governo federal, planejar, defender, amparar e estimular programa amplo e profundo de ensino técnico superior em todo o território. Urge que o governo federal evolua em relação ao Plano Salte assim como o governo de Minas evoluiu em relação ao plano de Recuperação Econômica e Fomento da Produção” (p. 21).

No Brasil, o serviço de extensão rural, teve origem, segundo BARROS (1994), em

Minas Gerais, “cujo governo abriu logo as portas à pretensão da AIA, que foi a iniciadora do

programa entre nós”. Com o tempo, o modelo ACAR/MG “estendeu-se a outros Estados da

Federação Brasileira”, como Pernambuco, Bahia, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte e Rio

Grande do Sul”. Todos esses núcleos da ACAR tiveram, segundo BARROS, “o patrocínio da

AIA (American International Association) e do ETA (Escritório Técnico de Agricultura)”

(BARROS, 1994, p. 676).

1.5. A Implantação do Serviço de Extensão Norte-Americano em Minas Gerais.

Milton Campos, ao ser eleito e assumir o Governo do Estado, em 1947, traçou o seu

programa e elaborou o Plano de Recuperação Econômico e Fomento da Produção de Minas

Gerais. Este plano trazia um conjunto de medidas referentes, principalmente, às populações

rurais, com a preocupação de diminuir o êxodo rural, através de ações no âmbito da política

social, uma vez que, neste período, a causa do êxodo rural não justificava-se pelo despreparo

do homem do campo, mas pelas reais condições econômicas em que viviam os agricultores e

suas famílias.

Assim,

“A fim de promover o crescimento das populações, nas várias zonas de Minas, é necessário levar-lhes a higiene, a instrução, o conforto, dinamizando-lhes, por todos os meios, as fontes de riqueza. O anseio de progredir induz o homem a procurar centros que lhe possibilitem melhores condições para si e para os seus. Nesse intento, ele deixa o seu habitat. O

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fomento da produção assegurará o enriquecimento da zona e a remuneração compensadora ao trabalho humano. Isso prenderá o homem à terra onde nasceu e o levará a concentrar-se em grandes grupos sociais nas várias regiões do Estado. A falta de assistência e as pequenas possibilidades econômicas motivam o êxodo rural das populações” (FONSECA, 1985, p.73).

Dentro desta necessidade que foi formalizado este Plano, que, dentre outras

finalidades, prescrevia ao homem do campo mineiro a participação em programas de

educação extra-escolar, que o atingissem sem tirá-lo do seu meio. Alguns registros da própria

instituição mostram que a Escola de Viçosa foi pioneira nesse serviço de ensino agrário

ambulante, levando, já na década de 1930, ensinamentos aos fazendeiros da região. Merece

aqui destaque a diferença entre o serviço de extensão e o serviço ambulante realizados pela

Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV). A Semana do Fazendeiro,

que teve início em 1929, foi uma das principais manifestações do serviço de extensão da

Escola de Viçosa e não do serviço de instrução ambulante105. Além disso, este plano

focalizou, no que diz respeito ao ensino superior, o “reaparelhamento das Escolas Superiores

de Agricultura e Veterinária, respectivamente de Viçosa e de Belo Horizonte, e a instalação

dum ‘curso de Veterinária’ em Viçosa” (VIANNA, 1951, p. 21)106.

Vista a necessidade de se propor soluções à diminuição dos problemas encontrados

pelo homem do campo (o que muitas vezes o levava a procurar as cidades do Rio de Janeiro e

São Paulo em busca de melhores condições de vida) e as dificuldades financeiras para

resolver tais impasses é que foi realizado o primeiro convênio entre Brasil e Estados Unidos,

em 6 de dezembro de 1948. Desse modo, foi assinado um convênio entre o Governo do

Estado de Minas Gerais e a American International Association (AIA), fundando a

Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR – MG)107, que iniciou suas atividades em

105 Sobre a Semana do Fazendeiro e o ensino agrícola ambulante, ver Capítulo V. 106 Fato este devido a transferência do curso de veterinária da ESAV para Belo Horizonte, em 1942. 107 Segundo BARROS (1994), este sistema (a ACAR) “[...] é o maior e mais antigo componente do Sistema Brasileiro de Extensão Rural, tendo iniciado suas atividades com o patrocínio da ‘American Internacional for Ecomonic and Social Development (AIA)’ e do Governo de Minas Gerais a partir de dezembro de 1948. ‘Para

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1º de janeiro de 1949. Segundo LOPEZ (1995), a ACAR “foi a primeira instituição do

Sistema Brasileiro de Extensão Rural”, criada no país, em Minas Gerais, “através de um

acordo entre American International for Economic and Social Development – AIA e o

Governo do Estado” (p. 113)108.

Desse modo,

“A ACAR seguiu os moldes da ‘Farm Security Administration’, criada pelo Presidente Roosevelt para auxiliar os agricultores nos Estados Unidos a se refazerem dos efeitos da crise de 1930. O Sr. Rockefeller, antigo Coordenador dos Assuntos Interamericanos e Subsecretário de Estado, acreditava que um programa semelhante, de assistência técnica e crédito rural supervisionado aos pequenos agricultores, poderia ser adaptado às condições existentes em Minas Gerais, para aumentar a produção e elevar o nível de vida no meio rural. Ao mesmo tempo, a AIA providenciou a vinda de vários de seus especialistas, que já haviam pertencido aos quadros do ‘Extension Servise’ e da ‘Farm Security Administration’, os quais passaram a treinar os técnicos brasileiros para a adaptação às condições locais dos métodos utilizados nos Estados Unidos” (FONSECA, 1985, p.77/78) (grifo nosso).

Segundo BARROS (1994), “para essa primeira experiência, contribuiu a antiga

Universidade Rural do Estado de Minas Gerais (UREMG), sediada em Viçosa, a qual se

encarregou, desde logo, de treinar os primeiros supervisores e as primeiras supervisoras” (p.

672).

Foi com o surgimento da ACAR que se “materializaria os ideais de uma nova filosofia

de intervenção no campo, assentada em princípios eminentemente educativos no trato com o

homem, a família, a comunidade, e situada no centro da ‘ideologia que busca a redução das

desigualdades até que os frutos do progresso possam amadurecer para todos’” (GABRIEL

apud OLIVEIRA, 1987, p.65).

introduzir na tecnoestrutura do Estado a ideologia dos modelos ‘Farm Security Administration’ e ‘Farm Home Administration da Sociedade Norte-Americana’, a AIA aliou-se ao Governo Mineiro e, por intermédio da Caixa Econômica Estadual, introduziu o Crédito Supervisionado, [...]’” (p. 671). 108 Segundo LOPEZ (1995), “o próprio nome da associação é revelador, assistência técnica aos agricultores (sempre genericamente falando) através de um instrumento básico, que acompanhará toda a história da extensão rural no Brasil – o crédito” (p. 113).

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Segundo LOPEZ (1995), a ACAR, foi criada associada ao sistema de crédito agrícola,

como pode-se observar:

“A ACAR através do crédito, de recursos financeiros colocados à disposição dos agricultores, se apresenta como a instituição mediadora entre a pesquisa tecnológica no mundo universitário, as empresas agrícolas no mundo empresarial e a assistência técnica que aconselhava aos agricultores sobre os melhores meios de modernização da agricultura. Dessa forma, o sistema ACAR e a extensão rural proposta se constituem em mecanismos fundamentais para o tipo de desenvolvimento que se pretendia impingir no estado, porque imbricava crescimento da indústria, da agricultura e do capital financeiro – dos bancos. O trabalho de convencimento dos técnicos para que os agricultores aceitassem a modernização da agricultura contava com o crédito, recurso financeiro imprescindível nessa cadeia que deveria garantir a incorporação de bens duráveis no campo, seja para os trabalhos da fazenda, seja para as atividades domésticas propriamente ditas” (p. 113) (grifo nosso).

O princípio que nortearia a prática do serviço de extensão no país teria todos os

fundamentos para promover a melhoria da qualidade de vida do homem do campo. Entretanto

vale notar o caráter excepcional deste serviço adotado pelo país, em especial por Minas

Gerais, através da ACAR, uma vez que, ao ser adotado este veio associado ao sistema de

créditos agrícolas - que na verdade não era explicito na descrição do modelo extensionista

norte-americano -, e não ao sistema educacional, que visava, através da educação, esta

melhoria de vida do homem do campo. Nos Estados Unidos, por já existirem transações

bancárias para os agricultores, o crédito supervisionado não era um elemento da ação

extensionista. Esta nova modalidade era uma experiência nova que somente seria implantada

nos países subdesenvolvidos, como o Brasil.

Esse sistema de crédito consistia, principalmente, em fazer empréstimos ao agricultor,

e não em educá-lo. Segundo BARROS (1994),

“[...]. Começou-se o trabalhou pela assistência creditícia ao pequeno proprietário rural e sua família, tentando melhorar as suas condições de vida e de trabalho junto à família rural, considerada como ‘unidade formadora da sociedade’. Nessa fase, os planos de exploração agrícola eram elaborados

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pelos extensionistas da ACAR, que se encarregavam de supervisionar o emprego do crédito oriundo, em parte, da Caixa Econômica Estadual, a fim de que fosse assegurada uma aplicação adequada e útil dos recursos. Ao longo do tempo (por volta de 1952), o Crédito Supervisionado foi substituído pelo Crédito Orientado (não sendo mais uma prática constante ao serviço de extensão) que, então, ficou sob o absoluto controle da rede bancária, conveniada com os órgãos do extensionismo. Nessa altura, grande parte do tempo reservado ao extensionista, para a assistência técnica, foi consumido nos ‘célebres projetos de assistência creditícia’ aos agricultores, [...]. E os primeiros a introduzirem o Sistema de Extensão Rural entre nós tinham pressa em aumentar o poder aquisitivo de, pelo menos, uma facção de nossas populações rurais, para colocar, no mercado brasileiro, os seus produtos que estavam reclamando mercado de consumo, sob pena de queda nos padrões de bem-estar. Nessa altura dos acontecimentos, foi que começamos a perceber o ‘objetivo oculto’ daqueles que trouxeram para o Brasil os modelos extensionistas norte-americanos. A venda de insumos e de máquinas era, portanto, a grande preocupação das ‘forças hegemônicas’. Já não restava, a esse respeito, a menor dúvida com relação às verdadeiras intenções daqueles que, açodoadamente, tentaram instaurar entre nós o primeiro Sistema de Extensão Rural” (p. 674) (grifo nosso).

Somente em 1952, quando foi realizada a primeira avaliação do Serviço de Extensão

da ACAR – MG, que percebeu-se que os objetivos do serviço de extensão não haviam

alcançados resultados satisfatórios, como se esperava. Foi necessário então fazer um novo

planejamento com a “nova idéia de educar o agricultor e sua família e utilizar o crédito como

ferramenta de educação para que, através dele, o agricultor pudesse realizar com mais

facilidade as técnicas recomendadas pelos extensionistas” (FONSECA, 1985, p.85). Foi nessa

avaliação implantado no Brasil o segundo modelo do serviço extensionista, o modelo

difusionista inovador.

Conforme pode-se observar, a iniciativa de implantação do serviço de extensão rural

em Minas Gerais, a partir de 1948, “não foi obra dos nossos governos, nem dos nossos

técnicos, mas de governo e dos técnicos norte-americanos, que vieram para aqui, trazendo

consigo um ‘modelo’ que já havia sido experimentado na agricultura daquela grande nação do

Norte” (BARROS, 1994, p. 667). Segundo BARROS (1994), para a introdução deste modelo

no país, não foi feito sequer uma pesquisa com o objetivo de se conhecer as “condições de

vida rural brasileira”, procurou-se, apenas, “criar uma estrutura, treinar técnicos e pô-la em

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funcionamento” com um suporte financeiro, através do crédito agrícola, do qual participava

entidades norte-americanas e o governo mineiro (p.667). Desse modo,

“O ‘slogan’ que desde logo figurou na bandeira deste movimento foi este: ‘Ajudar o homem rural e ajudar-se a si mesmo’. Não se levou em conta a estrutura patronal de nossa Agricultura; não se cogitou em conhecer as relações de trabalho que se desenvolviam nas grandes, médias e pequenas propriedades; não se preocupou em saber como vivia o nosso homem rural, dentro da família, dos grupos de vizinhança e, até mesmo, dentro da comunidade; não se examinou a fraqueza do ‘espírito associativo’ de nossos produtores rurais, enfim, não se procurou conhecer os seus níveis de aspiração, nem os seus métodos de vida e de trabalho” (Barros, 1994, p. 667) (grifo nosso).

Nesta citação de BARROS (1994), pode-se observar que este modelo do serviço de

extensão rural adotado pelo governo mineiro em 1948 estava embutido apenas pela ideologia

norte-americana. Não se preocupou em conhecer a estrutura rural de nosso país. Cogitou-se

apenas em melhorar a qualidade de vida do produtor rural, por meio do crédito

supervisionado, prática esta que não obteve muito sucesso, sendo quatro anos depois,

modificada.

1.6. A Implantação do Serviço de Extensão em Viçosa.

Como pôde ser observado neste capítulo, as origens do serviço de extensão brasileiro

remetem aos Estados Unidos com todos os serviços lá prestados. Lá o serviço extensionista

utilizava uma prática de educação ao homem do campo, ausente dos colégios agrícolas,

através de exposições, feiras, cursos, que trouxessem ensinamentos agrícolas aos agricultores.

Neste país era comum a prática de ensinamentos também as mulheres, visto que no Brasil,

isso não foi recorrente. Esse modelo adotado pelo Estados Unidos recebeu a terminologia de

“modelo clássico”, baseado então nesse princípio educacional. Ao ser introduzido no Brasil,

em 1948, ele veio associado ao sistema de crédito agrícola.

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Esse modelo, adotado no Brasil, a partir de 1948, através dos acordos entre Brasil e

Estados Unidos, entre eles, a ACAR, tornou-se, então, o primeiro modelo adotado, sendo este,

mais tarde, adaptado as necessidades do país e aos resultados da primeira avaliação da ACAR.

Nessa adaptação, elaborou-se o segundo modelo extensionista que seria então adotado pelo

país, o modelo difusionista inovador.

Vale ressaltar, como será exposto no próximo capítulo, que a Escola Superior de

Agricultura e Veterinária de Viçosa, ao ser pensada como uma instituição de educação

agrícola, comportou desde seus primórdios, o serviço de extensão rural, pensado assim como

o modelo norte-americano, uma vez que a Escola veio pautada nos moldes dos Land Grant

Colleges norte-americanos.

A própria estrutura desta escola agrícola, segundo suas plantas e seus regulamentos, já

visava uma interação com os agricultores da Zona da Mata Mineira, região em que se

localizava a Escola, com a criação de estações experimentais, serviços de demonstração e a

própria prática da pesquisa utilitária, para solucionar problemas imediatos encontrados pelos

fazendeiros. Como atividades marcantes desse serviço extensionista rural realizado pela

Escola teve-se a Semana do Fazendeiro e o Mês Feminino, os primeiros do gênero a serem

realizados no país. Assim, foi se constituindo as atividades extensionista da ESAV, objeto de

análise do próximo capítulo.

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AA EEXXTTEENNSSÃÃOO NNAA EESSCCOOLL AA SSUUPPEERRII OORR DDEE

VVII ÇÇOOSSAA

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111

CAPÍTULO 05

A EXTENSÃO NA ESCOLA SUPERIOR DE VIÇOSA

1.1. DAS CORRESPONDÊNCIAS ÀS EXPOSIÇÕES

Desde a sua inauguração, em 1926, a Escola de Viçosa já realizava serviços visando o

apoio aos fazendeiros da região, promovendo, assim, uma interação com os mesmos, visando

educar a população agrícola que se encontrava próxima à escola.

Desde seus primeiros Regulamentos, a Escola já mencionava a prática deste serviço

como sendo algo constante na instituição, através da promoção de cursos, exposições, ensino

ambulante, conforme consta nos artigos 10º, 11º, 12º e 13º, do Regulamento da Escola

Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa109.

“Art. 10o – A Escola organizará cursos breves para agricultores e outros interessados, sobre qualquer assunto, de acordo com os planos estabelecidos pela Congregação e Diretoria. Art. 11o – A Escola organizará e fomentará a realização de exposições agrícolas, em sua sede ou em qualquer logar. Art. 12o – A Escola organizará o ensino ambulante, visando melhorar as condições econômicas da população rural. Art. 13o – A Escola manterá o serviço de informações escritas e orais como meio de divulgação dos conhecimentos sobre agricultura”.

No Capítulo XIII, Título I, Artigo 78º, deste Regulamento, encontra-se, mais

detalhadamente, a organização do Serviço de Extensão da ESAV.

“Dos Serviços de Extensão Art. 78o – A Escola organizará Serviço de Extensão para os fins artigos 10o, 11o, 12o e 13o deste regulamento.

109 Regulamento de 1931. O Regulamento da ESAV, de 1927, já trazia menção a esta prática extensionista que seria realizada pela Escola, em seus capítulos II – Do Ensino -; XVIII – Das experiências, demonstrações, acclimação de plantas e animaes, e da Fazenda da Escola -, e, XXI – Das disposições gerais; entretanto, somente o Regulamento de 1931 aprofundou em um capítulo especifico sobre O Serviço de Extensão da Escola.

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§ único – o Servidor de Extensão será superintendido por um funcionário designado pelo Diretor, de preferência professor, cuja admissão obedecerá os dispositivos deste regulamento no que for aplicável”.

No início, as atividades de extensão realizadas pela Escola restringiam-se a respostas

às correspondências dos agricultores e dos profissionais de industrias rurais que as enviavam,

pedindo informações sobre assuntos agrícolas e solicitando produtos produzidos pela

instituição, seguindo assim, desde seus primórdios, as orientações do Regulamento de 1910,

capítulo XLII, onde trata-se das consultas agrícolas.

“Art. 379. Os institutos de ensino agrícola, qualquer que seja sua natureza e os estabelecimentos e serviços a cargo deste Ministério deverão attender ás consultas que lhes forem dirigidas, por intermédio dos respectivos diretores, pelos agricultores criadores ou profissionaes de industria rural” (p. 1093) (grifo nosso)110.

Desse modo, segundo Rolfs, “esta Escola foi instituída para auxiliar os estimados e

honrados agricultores de Minas Gerais [...]111”. Assim, as primeiras correspondências

recebidas pela Escola datam de janeiro de 1927. Segundo o Primeiro Anuário da ESAV de

1927, “durante o anno (de 1927), mais de setecentas cartas foram expedidas por este gabinete,

representando estas um trabalho enorme, porque a maioria são traduzidas [...]”112

Essas correspondências eram enviadas à Escola pedindo informações sobre vários

problemas encontrados pelos fazendeiros da região, entre eles, problemas relacionados aos

pés de citrus, aos melhores tipos de cana e milho para a plantação na região, ao adubo

químico, aos problemas na plantação de laranjas, entre outros. Vale notar que foram

encontradas cartas pedindo informações sobre técnicas de plantio, em inglês, vindas de

pesquisadores de outros países, como a correspondência do Mr. Oliverre, sobre o cultivo de

110 Todas as reproduções de fontes primárias, tais como leis, decretos, portarias, atas, cartas, jornais, preleções, programas, entre outros, foram feitos respeitando-se a grafia do período. 111 Carta envidada pelo Diretor P. H. Rolfs ao Senhor Nécio Gomes, Fazenda de Tavares, Minas Gerais, em 1929. 112 Primeiro Anuário da ESAV de 1927, editado em 1931 pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte. Página 27.

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certos tipos de alimentos, como a cana-de-açúcar, a mandioca e a batata-doce, o cultivo de

capim gordura e a criação de vacas leiteiras. Além das informações solicitadas, o Diretor, Dr.

P. H. Rolfs, ainda lhe recomendou alguns livros sobre a criação de animais, utilizados pela

Escola, todos em inglês113.

Como exemplo de correspondências enviadas a escola para atender consultas, tem-se

uma carta-resposta, enviada pelo Dr. P. H. Rolfs ao Sr. Luiz de Almeida, respondendo sobre

os problemas em sua plantação de citrus. Rolfs agradece a remessa das folhas de citrus para

análise pela Escola. Em resposta, ele manda as folhas com um parecer dos problemas

encontrados em cada espécie marcada, definido ser a espécie marcada com o no1 a que tratava

de cochonilha branca. Rolfs descreveu então o remédio para o problema; fez o mesmo com a

espécie no 2, que tinha cochonilhas molles ou transparentes. Ele dá uma breve descrição sobre

esse problema encontrado nas folhas, descrevendo como o cochonilhas molles ficou com o

tempo e depois da folha arrancada. Esse problema, segundo ele, ataca muitas espécies de

plantas e o melhor remédio para ele e tratá-lo com emulsão de Kerosene. Ele faz o mesmo

com a espécie no 3, explicando que se trata de algum inseto e descreve o respectivo remédio.

Faz o mesmo, ainda, com a praga do lava-pé, descrevendo seu remédio.114

Pode-se ainda citar outras correspondências do gênero como a carta-resposta enviada

pelo Diretor Bello Lisboa ao Sr. José Miotto, de Ubá/MG, respondendo sobre a praga que esta

atacando o seu laranjal. Segundo Bello Lisboa esta é uma praga muito conhecida e de fácil

combate, podendo ser combatida com o emprego de emulsão de querosene, devendo,

entretanto, ser enviado um técnico da escola para dar melhores explicações sobre a aplicação

deste remédio115.

Cita-se ainda outras correspondências, como a enviada pela empresa Tostes & Cia,

solicitando ao diretor da escola instruções necessárias para que esta empresa possua enxertos

113 Carta do Dr. Peter Henry Rolfs ao Mr. Olivierre (em inglês); 10 de junho de 1929. 114 Carta do Dr. Peter Henry Rolfs ao Sr. Luiz de Almeida (agricultor) / 22 de janeiro de 1929. 115 Carta de Bello Lisboa ao Sr. José Miotto; 26 de agosto de 1929.

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de frutas116 e, outra, enviada pela Fábrica de Fumos em Corda, de Ubá/MG, solicitando

informações a respeito de adubagem de fumos117. Além destas, várias outras correspondências

foram localizadas enviadas por fábricas regionais, solicitando informações sobre técnicas de

plantio e/ou receitas para solucionar problemas em suas plantações, como foi o caso ainda da

Fábrica de Bebidas “Moinho”118.

Além dessas correspondências, a Escola recebia pedidos de catálogos de exposição

dos produtos da Escola. A seguir, transcreve-se uma carta enviada ao Sr. Conde Barbiellini

(São Paulo), enviando-lhe, conforme solicitação em carta anterior, um catálogo da exposição

dos produtos da ESAV.

“Tenho o prazer de enviar-lhe um catálogo da exposição de productos deste Estabelecimento, organisada a 29 de maio p.p., por occasião de uma grande visita da Delegação mineira, a esta Escola, constituída de 200 fazendeiros. Para a referida visita foi organizado um plano de trabalho e uma breve festinha, tendo ocorrido tudo a inteiro contento de todos. Espero lhe enviar em breves dias photographias sobre a visita para serem publicadas em sua revista, caso seja do seu agrado. Por ser uma boa ocasião, convido-o a vir visitar estes Estabelecimento, que está inteiramente dedicado à agricultura de Minas e conta actualmente 120 alunnos, dos três cursos: superior, médio e elementar”119 (grifo nosso).

Eram ainda enviados à Escola exemplares de experimentos agrícolas para que os

mesmos pudessem ser distribuídos aos alunos, como a correspondência enviada ao Diretor da

ESAV, pelo Adrião Caminha Filho, Diretor da Estação Geral de Experimentação do

Ministério da Agricultura, encaminhando exemplares de experimentos agrícolas, para serem

encaminhados aos alunos.

“Sr. Director da Escola Superior de Agricultura e Veterinária – Viçosa – Minas Gerais

116 Carta da Tostes & Cia – Casa Americana, de Manhumirim/MG, ao Diretor Bello Lisboa; 11 de outubro de 1929. 117 Carta de Agostinho Martins Carneiro, proprietário da Fábrica de Fumos em Corda – Ubá/MG, ao Diretor Bello Lisboa; 12 de setembro de 1929. 118 Carta da Fabrica de Bebidas “Moinho”, ao Diretor Bello Lisboa; 13 de setembro de 1929. 119 Carta do Dr. Peter Henry Rolfs ao Sr. Conde Barbiellini; 07 de junho de 1929.

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Tenho o prazer de vos remetter, nesta data, em separado e registrados, pelo correio, dois volumes contendo 24 exemplares da ‘Experimentação Agrícola nas Índias Noerlandeza e a cultura de canna de assucar e a Industria assucareira na Ilha de Java’, para serem distribuídos gratuitamente aos alunos dessa Escola que se interessarem pelo assunto em apreço. Rogo-vos a fineza da devolução da guia de remessa annexa, devidamente assignada. Reitero-vos os meus protestos de elevado apreço e consideração Saúde e Fraternidade Adrião Caminha Filho”120.

Outras correspondências como esta foram recebidas pela Escola, onde cita-se carta

enviada pelo Centro de Experiências Agrícolas do Kalisyndikat, Rio de Janeiro,

encaminhando sua publicação sobre a cultura e a adubação do arroz, para serem distribuídas

gratuitamente aos alunos interessados.

A Escola recebia ainda muitas cartas oferecendo-lhes produtos para que a mesma

pudesse comprá-los, como estacas de borbulha da laranja Paraguaia, máquinas agrícolas, entre

outros. A seguir cita-se uma carta de Antônio T. Clemente, agricultor de São Roque, São

Paulo, enviando a Escola uma amostra da semente da cebola amarela das canárias, “a que

melhor produz em clima quente” oferecendo-a por 27$000 o kilo da semente121. Além desta,

cita-se correspondência do Sr. Leopoldo Cathand, de Juiz de Fora, MG, ao Diretor Bello

Lisboa, oferecendo soja e algumas variedades de citrus122 e, carta do Sr. Nicolau de Carvalho,

da Fazenda de Laranjeiras, MG, oferecendo sementes de feijão, milho catete e cristal, arroz e

cana-de-açúcar123.

Além dessas cartas a ESAV recebia ainda correspondências de agricultores desejando

comprar os produtos produzidos pela instituição, como mudas de citrus, árvores frutíferas,

120 Carta enviada por Adrião Caminha Filho – Diretor da Estação Geral de Experimentação do Ministério da Agricultura, Industria e Comércio; 25 de março de 1931. 121 Carta enviada por Antônio Trujillo Clemente – agricultor de São Roque/SP -, ao Diretor P. H. Rolfs 06 de novembro de 1929. 122 Carta do Sr. Leopoldo Cathand, Juiz de Fora/MG, ao Diretor Bello Lisboa, 11 de julho de 1929. 123 Carta do Sr. Nicolau de Carvalho, da Fazenda das Laranjeiras/MG, ao Diretor Bello Lisboa, 06 de agosto de 1929.

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milho, cereais, entre outros produtos. Podemos observar esta venda de produtos em carta

enviada ao Sr. João Anatólio Lima, de Cataguases/MG, por Bello Lisboa, em maio de 1929.

“De acordo com o Departamento de Horticultura e Pomicultura deste estabelecimento, tenho o prazer de informar ser possível o fornecimento de 20 exemplares de mudas de árvores fructiferas, ao preço de 5$000 por unidade, das variedades: Tangerina Cravo; Tangerina da Flórida; Laranja rosa; Laranja Washington”. A Escola deseja a diffusão máxima de seus productos por isto, ainda hoje, V.S. pode obter essa quantidade. A importância equivalente ao número de mudas deverá ser dirigida à Secretaria desta Escola, afim de se expedir ordem de despacho, que será por conta da mesma Escola”124.

E ainda, em correspondência enviada ao Sr. Francisco Nevy de Godoy, agricultor de

Ponte Nova/MG, pelo Diretor Bello Lisboa, em 05 de setembro de 1929, onde este encaminha

carta oferecendo produtos produzidos pela Escola conforme solicitado anteriormente ao

Diretor da Escola,

“Informo ao amigo termo optimo milho de planta, selecionada por este estabelecimento. Para sua fazenda é conveniente o cattete que fornecemos pelo preço de $700 o kilo, correndo o frete por nossa conta. Offerecemos-lhe também optimo arroz de planta Honduras, Japonez e Mattão, ao preço de $800 o Kilo. Peço ao amigo enviar por intermédio do Banco a importância referente aos sereaes que deseja adquirir, visto assim exigir o nosso Regulamento”125

A partir de 1927, a ESAV inicia a prática de venda de livros e revistas aos

agricultores. Segundo documento datado de 18 de novembro de 1927, sobre essa prática, “a

ESAV não deseja ter lucros com a venda dos livros e por isso eles são vendidos pelos preços

que foram adquiridos”126. Além da venda de livros e revistas, a maioria em inglês, são

distribuídos, gratuitamente, folhetos publicados pelo Ministério da Agricultura dos Estados

Unidos.

124 Carta de Bello Lisboa ao Sr. João A. Lima; 31 de maio de 1930. 125 Carta de Bello Lisboa ao Sr. Francisco Nevy de Godoy; 05 de setembro de 1929. 126 Relação dos Livros e Revistas vendidos pela ESAV. 18 de novembro de 1927.

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Ao mesmo tempo em que a Escola prestava esse serviço aos fazendeiros, iniciava-se a

prática da visita à instituição. A Escola enviava convites aos fazendeiros e pessoas ilustres, a

fim de que pudessem vir conhecer a instituição e receber ensinamentos úteis à agricultura e a

pecuária, como pode-se observar nesta correspondência.

“Tenho o prazer de convidar o prezado amigo para visitar, no período de 29 de maio corrente a 15 de junho próximo, a exposição dos muitos e variados produtos agrícolas desta Escola, organizada em homenagem a visita que farão a este Estabelecimento, no próximo dia 29, mais de 200 fazendeiros das diversas localidades deste Estado, os quaes deverão chegar em trem especial. Sera optima opportunidade para o amigo ficar conhecendo, de perto, este estabelecimento, podendo V.S. convidar para o mesmo fim, outros amigos que por elle se interessarem”127 (grifo nosso).

E ainda nesta, enviada ao Diretor da ESAV, pelo Presidente da Associação Comercial

de Juiz de Fora, agradecendo convite feito pela escola.

“Ilmo Sr J. C. Bello Lisboa, M.D. Diretor da Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, Viçosa. Tenho em meu poder o honroso officio de v.s. datado de 20 de agosto do corrente ano. Cumpro gratissimo dever agradecendo o atencioso convite para visitar esse importante estabelecimento de ensino, ora entregue a competente e esforçada direção de v.s. Tudo farei no sentido de me dar a mim mesmo esse grande prazer, sendo certo que procurarei apressar o mais rápido possível minha ida até esta prospera cidade. Com os protestos de muito apreço e alta estima subscrevo-me”128 (grifo nosso).

Em 13 de julho de 1929, a Escola foi autorizada a hospedar fazendeiros em visita de

instrução à Escola129. Em 1933, a Escola recebeu a visita do Ministro da Alemanha e do

Ministro da Agricultura do Brasil. Neste mesmo ano a Escola foi autorizada a instalar uma

127 Carta enviada por Bello Lisboa a um amigo (sem referencia); 24 de maio de 1929. 128 Carta enviada ao Bello Lisboa por José Carlos de Moraes Sarmento – Presidente da Associação Commercial de Juiz de Fora; 02 de setembro de 1929. 129 Atas da Congregação 1929-1932, 13 de julho de 1929.

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casa destinada a hóspedes e visitantes130. A partir de então a Escola acolheria todos os

fazendeiros interessados em se dirigir ao estabelecimento em busca de instrução.

Desse modo, várias visitas foram realizadas, muitas de agricultores, muitas de pessoas

ilustres, como o prefeito de Juiz de Fora, Sr. Raphael Cirigliano e o presidente da Associação

Comercial de Juiz de Fora, o Sr. José Carlos de Moraes Sarmento. Segundo o Primeiro

Anuário da Escola, em 1927, “de junho até dezembro, (inclusive), registrou o livro de visitas,

perto de mil pessoas, sendo muitas dellas ou agricultores ou lavradores, ou de outro modo,

directamente interessadas na agricultura”131.

Ainda segundo este anuário, todas as visitas foram muito bem recebidas, sendo

recebidas pessoalmente pelo Diretor, Vice-Diretor e Professores, que “dedicam pessoalmente

aos visitantes o tempo que lhes desejam, sempre respondendo com cuidado ás consultas e

fazendo especial esforço para mostrar a cada visitante o que lhe interessa mais”132. Desta

forma,

“[...], os visitantes saem muito mais interessados do que se fossem mostradas as mesmas coisas, com mais idéia de ostentação de que de incutir conhecimentos agrícolas úteis. Raramente passa uma semana sem ser recebida a visita de um agricultor que procura a Escola com o fim de realizar o que é essencialmente, o ‘Curso Breve’ de um dia de estudos, em agricultura, em alguma ou em outra especialidade, de zootecnia, pomologia, horticultura ou agronomia. Pelo modo que nos é possível, estamos montando estes departamentos (os departamentos da ESAV) para, quando chegar um agricultor, elle possa approveitar as experiências que estamos realizando. Por meio destas visitas tem a Escola espalhado muitos ‘conhecimentos agrícolas úteis’ entre o povo rural desta zona, sem elle perceber que está sendo instruído. Consideramos o facto dos agricultores procurarem a Escola, como sendo uma grande victoria para o estabelecimento e seus methodos”133 (grifo nosso).

130 Atas da Junta Administrativa 1932/1936, 26 de julho de 1933. 131 Primeiro Anuário da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Belo Horizonte. Página 23. 132 Primeiro Anuário da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Belo Horizonte. Página 23. 133Primeiro Anuário da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Belo Horizonte. Página 23 e 24.

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Em 1934, a ESAV recebeu a visita do Interventor Federal e sua comitiva134.

Em 1943, a Escola recebeu a visita de Kenneth W. Baker, coordenador da Divisão de

Alimentos do Instituto de Negócios Inter-Americanos135 e sua comitiva, em companhia do Dr.

Antônio Secundino. Em ocasião, Baker pronunciou uma conferência sobre as finalidades do

programa de alimentação desenvolvido por este instituto, bem como sobre o programa do

serviço de extensão norte-americano136.

Segundo BAKER (1943), “a formação da ‘Divisão de Alimentação’ pelo Coordenador

dos Negócios Inter-Americano, Mr. Nelson Rockefeller, resultou de um entendimento direto

entre os Governos do Brasil e dos Estados Unidos e é por ambos financiada” (p. 285). Este

programa consta de duas partes, sendo a segunda subdividida em três itens. A primeira parte

consta da “produção de alimento em tempo de guerra, principalmente para as necessidades

militares e para os trabalhadores empenhados na produção da borracha na região amazônica”

e a segunda, aborda sobre o melhoramento de práticas agrícolas, compreendendo em 1º. “a

organização de um serviço de extensão”; 2º. “O treinamento de brasileiros em práticas

agrícolas e economia doméstica” e, 3º. “O treinamento de brasileiros, em práticas agrícolas,

nos Estados Unidos” (p. 285).

“A ‘Divisão de Alimentação’ compõe-se de técnicos americanos, escolhidos de várias regiões dos Estados Unidos, levando-se em conta sua experiência, prática e êxito em determinado ramo de produção agrícola e educação. Esses técnicos não se acham aqui com a finalidade de dizer aos brasileiros como se deve produzir alimento. Suas responsabilidades se encontram no campo da assistência técnica, por meio de cooperação e conselhos ao povo deste País, quando solicitados. [...]. Em vista do que observei estou absolutamente convencido de que o futuro da agricultura brasileira se apóia no desenvolvimento de um programa educacional, acompanhado de

134 Atas da Congregação 1932/1936, 29 de agosto de 1934. 135 Segundo BAKER (1943), “os objetivos deste Instituto é cooperar com as organizações brasileiras no desenvolvimento de um programa de produção de alimento” (p. 285). 136 Segundo a Revista CERES, volume 04, nº 23, maio de junho de 1943, esta conferência foi pronunciada na ESAV “por ocasião da visita feita pelo Dr. Baker (Kenneth W. Baker – M.S.) em companhia do Dr. Antônio Secundino S. José. O conferencista teve o Dr. Secundino como interprete e esta tradução foi feita por Dr. J. F. Braga” (p. 285).

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treinamento de princípios e práticas exatas de agricultura, para homens, mulheres, rapazes e moças das fazendas de todo o País” (p. 286).

BAKER prossegue sua conferência explicando que sua vinda para o Brasil consiste em

escolher rapazes “de valor e que imaginamos possuírem base satisfatória e bastante

experiência” (p. 286). Os escolhidos farão uma viagem de estudos para os Estados Unidos,

por um ano, a fim de adquirirem prática em métodos de melhoramento da agricultura,

administração e Serviço de Extensão. “Quando regressarem, esperamos utiliza-los na

formação de núcleos para a organização de um Serviço de Extensão” (p. 286). Quanto a

segunda parte deste programa, este consiste em organizar centros de treinamentos para

rapazes e moças no Brasil.

Sobre o Serviço de Extensão Norte-Americano, Baker assim o traduz,

“O Serviço de Extensão nos Estados Unidos é um sistema de educação rural que se extende das salas de aulas, dos Ginásios e Universidades até as fazendas. É um sistema pelo qual as informações práticas concernentes à agricultura e à economia doméstica são levados ao homem rural, à mulher, aos rapazes e moças em suas fazendas, em seus lares e em seus municípios. O Serviço de Extensão é uma poderosa arma educacional da agricultura nos Estados Unidos. Não tem feição nem se envolve com política, não sofre influência dos regulamentos policiais nem tem que se haver com as relações legislativas ou administrativas dos Governos Federal, Estadual ou Municipal. [...] O Serviço de Extensão é um sistema cooperativo para o qual o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, as Escolas de Agricultura, as municipalidades, as sociedades locais e grupos de agricultores concorrem com o fundo necessário ao pagamento dos profissionais técnicos e ao melhoramento do trabalho profissional. Em numerosos projetos de Serviço de Extensão verifica-se também a cooperação das Associações de Criadores, cooperativas de fazendeiros, câmaras de comércio e organizações públicas semelhantes. [...]. O trabalho de extensão é baseado no princípios de que o povo aprende mais facilmente fazendo e praticando [...]” (p. 287/288) (grifo nosso).

Para a realização do Serviço de Extensão dos Estados Unidos, este conta com agentes

municipais extensionistas e especialistas solicitados das Escolas Estaduais de Agricultura,

intimamente ligados às Estações Experimentais do Estado, sendo seu principio fundamental, a

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educação para as pessoas do campo (fazendeiros, esposas, filhos), baseado na demonstração.

“Na demonstração mostramos aos homens da fazenda os métodos racionais de aumento da

produção, administração, tecnologia, etc” (p. 289)137.

A Escola recebeu ainda inúmeras visitas de alunos de outras instituições como, em

1948, a vinda de 45 agrônomos, acompanhados de dois professores da Universidade de

Buenos Aires138.

Através dessas visitas, a Escola proporcionou ainda muitos estágios a alunos de outras

instituições e ainda a fazendeiros interessados em obterem instrução na ESAV. Para a

realização destes estágios na instituição as condições eram, segundo as Atas da Congregação

(1929), simples, uma vez que a escola oferecia hospedagem aos candidatos, “desde que

venham em número mínimo de cinco alunos”; além disso, os alunos deveriam pagar apenas

pequenas taxas para a sua manutenção, sendo o ensino gratuito.

Em 1929, a ESAV recebeu fazendeiros de diversos municípios do Estado para

realizarem estágios na instituição, como pode-se observar em correspondência do Diretor

Bello Lisboa ao Sr. Minervilho Bethonico, de Itabira/MG, acusando recebimento de sua

correspondência elogiando os trabalhos realizados pela escola e solicitando informações sobre

a vinda de fazendeiros para realizarem estágios na escola. Bello Lisboa comunica que a

mesma encontra-se aberta aos estágios, com condições bastante simples.

“Prezado amigo e senhor Tenho o prazer de accusar recebimento (de sua correspondência), datado de 1º do corrente, o qual só hoje respondo por motivo de viagem. Muito me agradou suas referencias sobre o trabalho que esta Escola esta realisando, visando exclusivamente a riqueza do povo de Minas e portanto do paiz. Foi muito expressivo o estágio que aqui fizeram quarenta e cinco fazendeiros de diversos municípios do Estado, tendo este facto trazido grande relevo ao nosso Estabelecimento.

137 Com essas descrições, realizadas por BAKER (1943), à luz das informações constantes nesse capítulo, pode-se perceber a proximidade do serviço de extensão norte-americano com o serviço de extensão prestado pela ESAV aos fazendeiros da região. 138 Atas do Conselho Departamental, 01 de julho de 1948.

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As condições de estágio são simples [...]”139

Cabe ainda mencionar que ao mesmo tempo em que aconteciam as visitas e as

respostas às correspondências, a Escola promovia a publicação de seus artigos e pesquisas e

as suas conferências agrícolas. Quanto as publicação, eram publicados artigos em boletins,

jornais e revistas e continham assuntos técnicos destinados aos fazendeiros. Essas publicações

continham, além de informações sobre a Escola, “noticia scientífica exacta dos resultados

finais obtidos com pesquisas, demonstrações e experiências, criação de variedades, adubação,

rotação, etc., não emittindo insuccessos”140. Segundo o Primeiro Anuário da ESAV de 1927,

“é de muita vantagem para o Estado, bem como para a Escola, espalharem-se informações breves a respeito de agricultura prática, ou de natureza mais techinica, ou alguma notícia a respeito da Escola, propriamente dita. Por este fim temos feito várias publicações [...]. Algumas são enviados aos cidadãos ou estabelecimentos, que julgamos poderem aproveital-os; outros são enviados aos jornais do Estado, para que elles possam, occasionalmente, dar alguma notícia da Escola”141 (grifo nosso).

Destas publicações pode-se citar, além dos “Boletins de Imprensa”142, o Primeiro

Anuário da Escola, de 1927, editado em 1931, em parceria com a Secretaria de Agricultura,

Industria, Terras, Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, pela Imprensa Oficial

de Minas Gerais, em Belo Horizonte, conhecido pelo nome de BAZAV – Boletim de

Agricultura, Zootecnia e Veterinária da Escola Superior de Agricultura e Veterinária de

Viçosa143. Neste anuário pode-se encontrar dados sobre a abertura das primeiras aulas

139 Carta enviada pelo Diretor Bello Lisboa ao Sr. Minervino Bethonico, Itabira/MG, 26 de agosto de 1929. 140 Atas da Congregação 1929/1932, 17 de dezembro de 1929. 141 Primeiro Anuário da ESAV de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte. Página 27/28. 142 Dentre esses Boletins de Imprensa cita-se o Boletim sobre Noticias sobre a abertura das aulas (enviadas aos agricultores); Boletim sobre Noticias sobre a abertura das aulas (especialmente para os jornais); Instrucções sobre a cultura do Amaryllis; Lista descritiva de variedades de Citrus; Fornecimento de Livros sobre assumptos agricolas; Normas para a alimentação de animaes, entre outros. 143 Atas da Congregação 1929/1932, 12 de maio de 1930.

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ministradas pela Escola, sendo realizadas de acordo com as instruções recebidas pelo

Secretario de Agricultura.

“De accordo com as instrucção recebida do Exmo. Sr. Secretario de Agricultura, realizou-se a abertura das primeiras aulas dos Cursos Elementar e Médio deste estabelecimento, em 1º de Agosto de 1927. Fizemos todo esforço para que os alumnos não fossem prejudicados, demasiadamente, pelas condições ainda muito rudes em que se encontrava o estabelecimento. Não estando ainda o dormitório144 em condições de receber alumnos, foram aproveitados alguns dos commodos do porão do prédio principal como quartos [...]”

Além disso, pode-se encontrar informações sobre a organização (construções e

experiências; disciplina e assistência nas aulas; instrução; instrução acadêmica; hora de

crédito – que correspondia a 50 minutos de aula teórica ou 110 minutos de laboratório,

semanalmente -, entre outros); o resumo das aulas do semestre (de 1º de agosto a 15 de

dezembro de 1927); o quadro de horário das aulas; a relação dos alunos matriculados naquele

ano; bem como relatórios, dados de exposições e publicações como ainda a divulgação das

experiências e pesquisas realizadas pela ESAV no ano de 1927.

Em julho de 1939, iniciou-se a publicação da Revista Ceres145, “periódico científico do

corpo docente, sob a direção dos Professores Nello de Moura Rangel, Geraldo Gonçalves

Carneiro, Octavio de Almeida Drummond, Edgar de Vasconcellos Barros e Arlindo de Paula

Gonçalves” e, em agosto do ano seguinte, a Revista Seiva146, “periódico técnico e informativo

do corpo discente, [...], sob a direção de Luiz Rodrigues Fontes, tendo Gaston Duval como

redator-chefe e Ruy Alves de Araújo como gerente” (BORGES, 1968, p. 12).

144 “As duas primeiras seções do dormitório foram inauguradas a 26 de junho de 1928, com a presença do Presidente de Minas Gerais, Dr. Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, do Secretario de Agricultura, Dr. Djalma Pinheiro Chagas, e outras autoridades. O internato, reunindo estudantes do curso superior, foi o primeiro a obter sucesso em todo o país, após o malogro das tentativas realizadas em outras regiões. Coube a primeira administração do internato a Srª D. Germana de Carvalho, mais tarde auxiliada pela Srª Hemengarda Gomes e Souza” (BORGES, 1968, p. 06). 145 No período em questão (1939/1948) foram editados sete volumes da Revista Ceres, sendo o Volume I de 1939/1940 e o Volume VII de 1946/1948. 146 As Revistas Seiva eram editadas bimestralmente e permanecerem em circulação durante o período em questão (1940/1948).

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A Revista Ceres era destinada a publicação de artigos técnicos, sendo a sua maioria, de

pesquisas realizadas pela instituição, como combate a ácaros de citrus e uvas; necessidade de

proteção as aves; cultura da batata doce; reflorestamento; fabricação de vinho de laranja.

Além disso, eram publicadas preleções e artigos diversos sobre a agricultura e a pecuária,

escritos, em sua maioria, por professores, como “a situação da agricultura no mundo em 1936-

1937 e 1937-1938”; “do negro na civilização agrícola do Brasil” e “a ação do município na

reforma da agricultura”. A Revista Seiva era destinada a publicação de artigos diversos, bem

como poesias, relação de alunos formandos, propagandas, a maioria escritos pelos próprios

alunos, como “que será o mundo de amanhã”; “o que quer que seja que a célula faça...”;

“como orientar a criação de porcos em uma fazenda”; “cultura da educação física”; “festa do

calouro”; “festa de formatura”.

Quanto às conferências, estas seguiam também as diretrizes do Decreto nº 8319, de

1910, que em seu capítulo XLIII, “Das Conferências Agrícolas” dizia,

“Art 381. As conferencias agrícolas ficarão a cargo do inspectores agrícolas e de seus ajudantes, podendo também ser realizadas pelo pessoal dos cursos ambulantes, na forma indicada no presente regulamento e nos regulamentos e instrucções que forem expedidas pelo ministro. Art 382. As conferencias agrícolas, quando realizadas pelos professores ambulante e seus ajudantes, deverão versar sobre um assunto determinado, sendo invariavelmente seguidas de demonstrações práticas”

Essas conferências eram realizadas pelos professores catedráticos da escola nas

diversas regiões agrícolas nas suas proximidades. Eram enviados pela ESAV convites aos

fazendeiros e as prefeituras dos locais que seriam realizadas essas conferências, e suas

temáticas versavam, em geral, sobre plantio de árvores frutíferas; combate e extinção de

animais causadores de danos às plantações; tratamento de moléstias em animais; alimentação

e reprodução de animais; cultura de cana-de-açúcar, milho, algodão, entre outras. Vale

ressaltar ainda que estas eram realizadas, em sua maioria, em convênios/parcerias com o

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serviço de extensão agrícola da prefeitura de Viçosa, conforme pode ser observado em

convites enviados aos fazendeiros, como o que se segue:

Este modelo de convite do serviço de extensão apresentado acima era distribuído pela

Prefeitura de Viçosa, em parceria com a ESAV, aos fazendeiros, convidando-os a

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participarem de uma conferência agrícola que se realizaria em Teixeiras, Minas Gerais, sobre

a “necessidade do melhoramento das plantações e culturas, criação e tratamento de animaes e

outros assuntos de interesse imediato aos fazendeiros”. Esta conferência seria realizada pelos

professores Diogo Mello, Nestor Glorine, Joaquim Braga e Geraldo Correa, todos professores

da ESAV.

Com todo esse empenho extensionista realizado, em 1931, a Escola já era reconhecida

por várias instituições técnicas e de ensino dos Estados Unidos da América do Norte,

Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Itália, Espanha e Portugal147.

Em 1933, a Escola Superior de Viçosa passa a ministrar o ensino agrícola ambulante

como uma de suas práticas de extensão. Esse serviço foi oficializado pela Secretaria de

Agricultura, em atenção às orientações da Lei de Ensino Agrícola de 1910 (Decreto nº 8319) e

o Regulamento Geral do Ensino Agrícola de Minas, de 1911, bem como do Decreto nº 5364,

de 1920. A primeira diretriz para o ensino agrícola ambulante foi norteada pelo Decreto nº

8319, de 20 de outubro de 1910, que estabelecia, em seu capítulo XL,

“Dos cursos Ambulantes de Agricultura Art. 359. Os cursos ambulantes de agricultura terão por fim a instrução profissional dos agricultores que, por circumstancias especiaes estão privados de recorrer aos cursos regulares dos estabelecimentos de ensino agrícola. Art 360. Os cursos ambulantes comprehenderão, alem dos diversos ramos da agricultura geral e especial, a zootechnia, alimentação e hygiene dos animaes domésticos, seu tratamento, industrias ruraes, arboricultura fructicola, horticultura, tratamento das moléstias communs ás plantas cultivadas, avicultura, apicultura, sericultura, etc” (grifo nosso).

Os demais artigos deste capítulo tratam das incumbências dos professores ambulantes

(ver anexo D). Quanto ao Regulamento Geral do Ensino Agrícola do Estado de Minas Gerais,

Decreto nº 3356, de 11 de novembro de 1911, tem-se, em seu capítulo III,

147 Sobre isso ver BORGES, José Marcondes. Escola Superior de Agricultura - Origens – Desenvolvimento – Atualidade. 1968.

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“Do Ensino Ambulante Art 22. O ensino agrícola ambulante se destina á instrucção dos lavradores cujas fazendas se acham situadas a grandes distancias dos estabelecimentos onde se ensine regularmente a agricultura, e fica a cargo dos mestres ambulantes de cultura. Art 23. Para sedes dos mestres ambulantes serão escolhidos pontos convenientes que bem se prestem, por sua situação, a servir de centro de irradiação dos trabalhos. Paragrapho único. A zona de acção de cada mestre de cultura ambulante fica dependente dos meios de transporte e desenvolvimento agrícola da região e sera determinada opportunamente pelo Director da Agricultura. Art 24. A esses mestres de cultura poderá o fazendeiro recorrer sempre que necessitar de esclarecimentos sobre:

a) Montagem e trabalho de machinas agrícolas b) Época mais apropriada para plantações pouco vulgarizadas entre nós e

processos para realizal-as; c) Moléstias das plantas cultivadas e meios preventivos e curativos para

combatel-as; d) Modo e época do emprego dos adubos chimicos e orgânicos; e) Preços de machinas agrícolas communs, adubos, sementes, reproductores,

aminaes, formicidas e vaccinas; f) Moléstias mais communs dos animaes e modos para combatel-as; g) Importância da seleção das sementes e das mudas; h) Modos práticos de se fazer a irrigação, principalmente para determinadas

culturas e vantagens desta; i) Vantagens da formação de pastos, variedade de forragens e qualidades que

mais se adaptam á zona; j) Inconvenientes da devastação das florestas, principalmente pelo fogo; k) Culturas mais apropriadas á região; l) Diferentes raças de gado e as que mais convem ao logar;

Art 25. Para os effeitos do artigo anterior, os mestres ambulantes irão as fazendas a fim de prestarem intrucções práticas sobre o funcionamento e montagem das machinas agrícolas, lançamentos de adubos á terra, tratamento de plantas e de animaes, etc. Art 26. A ida do mestre de cultura a uma fazenda se fará mediante pedido por escrito do fazendeiro, indicando minuciosamente quaes as instrucções praticas que deseja. $1º. Serão de preferência attendidos na ordem de prioridade:

a) os pedidos em que haja urgência manifesta; b) aqueles em que o fazendeiro interessado facilite a viagem fornecendo ao

mestre de cultura o transporte para os aparelhos por ventura enecessários. $2º. Quando houver muitos pedidos nas condições da lettra b do parágrafo anterior, o mestre ambulante os attenderá segundo seu recebimento. Art 27. Para o ensino dos processos agrícolas o fazendeiro fornecerá não somente as machinas, mas também o pessoal e animaes para isso necessários. Art 28. A permanência do mestre ambulante em uma fazenda será a restrictamente precisa para realizar o trabalho a executar, previamente pedido. Art 29. Os mestres ambulantes farão também demonstrações praticas de trabalhos com as machinas agrícolas escolhendo para isso pontos em que se possam reunir facilmente vários lavradores em condições de receber com proveito as licções da prática.

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Art 30. Antes de cada demonstração o mestre ambulante mandará aviso prévio aos interessados, pedindo-lhes o comparecimento e explicando o fim que tem em vista. Art 31. Estas demonstrações constarão de principaes operrações da mecânica agrícola - aradura, desterroamento, gradagem, semeadura e capinação – e poderão ser feitas em um dia ou em mais tempo, conforme for conveniente. Paragrapho único. Por occacião dessas demonstrações os mestres ambulantes farão, em forma de palestras, uma exposição em que ponham em relevo as vantagens do emprego dos processos mecânicos auxiliares da agricultura citando preços de custo das operações agrícolas e de produtos colhidos bem como referindo-se a quaesquer dos assumptos mencionados no art 24. Art 32. Haverá nas sedes dos mestres ambulantes de cultura as machinas agrícolas necessárias para as demonstrações de que tratam os artigos precedentes. Art 33. No fim de cada mez o mestre ambulante remetterá á Directoria de Agricultura um relatório resumido sobre o serviço da sua circunscrição, informando sobre o serviço mensal effectuado, o numero de pedidos ainda por attender e fornecendo os dados estatísticos que deverá ter colhido sobre a producção agrícola e pastoril. No fim de cada anno remetterá um detalhado relatório onde conste todo o serviço feito durante o mesmo. Art 34. O mestre ambulante terá a suas ordens um trabalhador, que servirá de seu auxiliar. Art 35. A Directoria da Agricultura, á qual ficam directamente subordinados os mestres ambulantes de cultura, fornecerá a estes as precisas instrucções, resolvendo as questões não previstas nesse regulamento. Art 36. Além dos mestres de cultura, haverá professores ambulantes de veterinária, zootecnia e industrias derivadas da pastoril, os quaes observarão as disposições deste capítulo em tudo o que lhes for applicavel. Art 37. Os mestres de cultura serão contratados e conservados enquanto bem servirem e convierem aos interesses do Estado” (Decreto nº 3356, de 11 de novembro de 1911, p. 08/10) (grifo nosso).

É importante ainda ressaltar, o decreto nº 5364, de 12 de julho de 1920, que aprovou o

novo Regulamento do Ensino Ambulante Agro-pecuário do Estado de Minas Gerais. Segundo

MOURÃO (1962), “por este regulamento, o Estado foi dividido em sete distritos

agronômicos148. Os mestres de ensino ambulante seriam contratados no país ou no

estrangeiro. [...]. O regulamento especificava as atribuições dos mestres ambulantes” (p. 554).

Assim, em concordância com este decreto, a escola de Viçosa tornou-se um distrito

agronômico onde passou a ficar responsável pelo ensino agrícola da circunscrição da Zona da

Mata mineira (que compreendia as 2ª; 4ª; 5ª; 6ª e 7ª circunscrições), sendo os professores da

148 Estes distritos agronômicos ou zonas agronômicas são: “o Centro, com 85.420 Km2 de superfície; o Triângulo, com 80.616 Km2 ; o Nordeste com 74.047 Km2 ; o Noroeste, com 69.102 Km2 ; o Norte com 59.675 Km2 ; o Sul, com 58.986 Km2; e a Mata, com 55.615 Km2” (CÔRREA, 1941, p. 361).

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escola também os mestres ambulantes, ou professores ambulantes, como passaram a ser

conhecidos. A constituição das circunscrições da Zona da Mata mineira, a que se refere este

Decreto-Lei foram: “a 2ª Circunscrição – sede Ponte Nova (municípios: Ponte Nova, Ouro

Preto, Mariana, Rio Casca, Piranga, Alvinópolis, Jequeri, Raul Soares, Abre Campo, São

Domingos do Prata, Caratinga, Barra Longa, D. Silvestre, Matipó e Inhapim); a 4ª

Circunscrição – sede Juiz de Fora (municípios: Juiz de Fora, Matias Barbosa, Lima Duarte,

Rio Preto, Mar de Hespanha, Bicas, Guarará e São João do Nepomuceno); a 5ª Circunscrição

– sede Ubá (municípios: Ubá, Rio Novo, Rio Branco, Viçosa, Rio Pomba, Guarani, Mercês,

Senador Firmino, Guiricema, Teixeiras e Herval); a 6ª Circunscrição – sede Leopoldina

(municípios: Leopoldina, Cataguases, Além Paraíba, Palma, Muriaé, São Manuel, Mirai,

Pirapetinga, Glória e Volta Grande); e a 7ª Circunscrição – sede Carangola (municípios:

Carangola, Tombos, Manhuassú, Manhumirim, Ipanema, São Manuel do Mutum, Espera

Feliz, Divino e Laginha)” (CÔRREA, 1941, p. 369/370), perfazendo um total de cinco

circunscrições, com um total de 42 municípios. Em 1938, outro Decreto foi assinado, em

vistas a diminuir o número de municípios para cada zona149.

No parecer da Secretaria que oficializou este ensino, ficou determinado que o Governo

de Minas fornecesse os recursos necessários para a sua manutenção150. Assim, a ESAV

passou a realizar, como uma de suas práticas extensionistas, o serviço de ensino agrícola

ambulante. Este serviço foi digno de muitos elogios e pedidos de ampliação de atendimentos,

como pode-se observar nesta correspondência, enviada pelo Prefeito de Juiz de Fora, Raphael

Ciriglino, ao Diretor da Escola, Dr. John B. Grigging, solicitando a permanência, por mais

algum tempo, de um membro do serviço de extensão à cidade de Juiz de Fora.

“[...], venho agradecer a v.s. a designação do Dr. Sebastião de Souza Lima, (e solicitar) a permanecer mais alguns dias neste Município, afim de

149 Este foi o Decreto nº 85, de 21 de março de 1938. 150 Atas da Junta Administrativa 1932/1936, 25 de julho de 1933.

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satisfazer o grande interesse dos nossos lavradores pelas demonstrações de meios de combate à saúva aconselhados por esta Escola, realizados através de seu brilhante trabalho técnico. Em virtude do geral empenho e interesse dos nossos lavradores desejamos a permanência do Dr. Souza Lima até o dia 26 do corrente, quando esperamos ter realizado nos distritos já visitados pela caravana do ‘Dia-Rural’, demonstrações práticas de combate à saúva, aguardando assim, autorização de v.s. nesse sentido. Certo da aprovação de v.s. para mais este trabalho orientado no sentido da obra que a Escola de Viçosa vem realizando sob a brilhante direção de v.s. tenho a satisfação de antecipadamente, apresentar-lhe meus efusivos agradecimentos”151 (grifo nosso).

Vale notar ainda a grande participação da Escola em Feiras e Exposições. A própria

instituição promovia todos os anos exposições de seus produtos. A primeira, datada 1927, foi

aberta durante apenas meio dia e contou com a presença de mais de duzentos fazendeiros da

região152. Esta exposição realizada pela Escola e expôs Dahlias (espécie de flor cultivada pela

ESAV para pesquisas)153.

Em 08 de junho deste mesmo ano foi aberta a primeira exposição de Citrus, contando

com a presença de “quase 600 pessoas”154. Nesta exposição foram expostos apenas as frutas

produzidas no terreno da escola. Além das 68 variedades de citrus foram apresentados ainda

um considerável número de outras frutas produzidas, como pêras155.

Em 28 de junho de 1931, a ESAV realizou a sua primeira Exposição de Milho. Nessa

exposição, várias pessoas ilustres foram convidadas para fazerem parte do júri, entre elas

estava, o Dr. Henrique Cabbe – M/D Inspetor do Serviço Agrícola, de Santos, São Paulo -, o

Dr. Caetano Marinho, de Ponte Nova/MG, o Dr. P. H. Rolfs, a esta época já afastado da

151 Carta do Prefeito de Juiz de Fora – Raphael Ciriglino -, ao Diretor da ESAV, Dr. John B. Griffing; 12 de setembro de 1938. 152 Carta de Bello Lisboa, 24 de junho de 1929. 153 Sobre essa exposição ver o Primeiro Anuário da ESAV de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais. Belo Horizonte. Página 24. 154 Primeiro Anuário da ESAV de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais. Belo Horizonte. Página 23. 155 Sobre a primeira Exposição de Citrus da ESAV ver o Primeiro Anuário da ESAV de 1927, editado em 1931, pela Imprensa Oficial de Minas Gerais. Belo Horizonte. Página 25.

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Escola e atuando como M/D Consultor Técnico da Agricultura de MG, e o Cel. Pedro

Ladeira, de Cajuri/MG156.

Abaixo temos a transcrição do programa da Primeira Exposição de Milho da ESAV e

do resumo da preleção feita por Bello Lisboa nesta Exposição realizada em 28 de junho de

1931.

Primeira Exposição de Milho

A Realizar-se na

ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DO

ESTADO DE MINAS GERAIS

PROGRAMA

I – Abertura: dia 28 de junho de 1931, ás 12 horas em ponto. II – No dia 28, ás 13 horas, haverá uma prelecção sobre o Milho, pelo Diretor da Escola. III – Às 14 horas do mesmo dia, falará também sobre o Milho o sr. Professor Diogo Alves de Mello. IV – No recinto da Exposição, que será no Departamento de Agricultura, haverá café, broa e outros productos de fubá, bebidas e refrigerantes, por preços módicos. Todos são convidados para visitar a Exposição.

Dará maior brilho ao certamen a banda ESAV, que executará trechos musicaes escolhidos, sendo então permitidas, pela Directoria, danças ao ar livre, ás Exma. Famílias. A entrada será franca e, desde já a Directoria da Escola agradece a todos aquelles que derem ao Estabelecimento a honra do seu comparecimento, ao certamen.

A RIQUEZA DESTA REGIÃO SERÁ MUITO AUGMENTADA, SE MELHORARMOS A

QUALIDADE DO NOSSO MILHO E AMPLIARMOS SUA CULTURA.

Campos & C. - Viçosa

A seguir transcreve-se o resumo da Preleção sobre o Milho feita pelo Diretor da

ESAV, Bello Lisboa, nesta exposição.

156 Convite enviado por Bello Lisboa aos fazendeiros em ocasião da I Exposição de Milho da ESAV, 17 de maio de 1931.

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“ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA E VETERINÁRIA DO ESTADO DE MINAS GERAIS

PRIMEIRA EXPOSIÇÃO DE MILHO Resumo da prelação sobre o milho feita pelo Director do Estabelecimento –

J.C. Bello Lisboa – em 28 de junho de 1931157 1o) As exposições agrícolas visam o melhoramento dos productos da lavoura; a ellas deverão concorrer todos os agricultores. As exposições de milho tem, portanto o fim de melhorar a cultura do milho. Estamos realisando a nossa primeira exposição, a segunda se inaugurará no dia 12 de junho de 1932, ao meio dia, em ponto. 2o) Porque devemos melhorar a cultura do milho? Por ser esta uma das mais importantes da nossa lavoura. É uma cultura generalisada e por isto o melhoramento será sensível. Si conseguimos pequeno lucro, por saco de milho, o lucro será muito grande por motivo da grande produção. Com a baixa do café, foi e será aumentada a cultura do milho; será boa defesa, melhorar o producto, visto, alcançarem os productos finos muito melhores preços. 3o) Como melhorar o nosso milho? Principalmente por dois modos: 1o Plantando melhor semente, e 2o Melhorando a cultura, usando os methodos modernos ensinados pela Escola. O professor Diogo Alves de Mello, o Professor José Guimarães Duque e outros iniciarão daqui a pouco aulas permanentes sobre o milho que se prolongarão hoje, amanhã e no próximo domingo. 4o) Dois grandes males a evitar. O fogo e a água. O fogo pelas queimadas que destroem a vida da terra e portanto sua fertilidade. A água é igualmente nociva quando lava os terrenos, carregando todos os alimentos das plantas. 5o) Para esta região qual a melhor variedade de milho? A resposta é dada por nossa exposição, é o 1o lucro que tiramos della immediatamente. A predominância dos milhos amarelos, vermelhos e mesclados nos ensina a preferir o milho catete vermelho da Escola. É elle otimo. Os fazendeiros poderão obtel-o a $700 o kilo. Vale 10$000 o kilo e valeria muito mais de 10$000, si fosse estranjeiro. 6o) Quaes as vantagens do milho da Escola? Dá elle muito maior produção que o milho misturado. E por isto vale no Rio de Janeiro mais 50% que o comum. As cotações publicadas nos jornaes de ontem são as seguintes: milho catete vermelho: - 16$000; milho catete amarelo: - 14$500; milho mesclado: - 13$000. Não é preciso mais discussão. 7o) Com o aumento da producção do milho devemos pensar em sua defesa? Sim. A melhor defesa desse producto é tê-lo o melhor possível e pelo menor preço. Os fazendeiros deverão ir pensando no estabelecimento de uma cooperativa de venda de milho com instalações para rebeneficiar o producto e conserval-o, em grande escala, sob espurgo. 8o) Para finalizar tomemos o compromisso de melhorarmos as nossas culturas, especialmente a do milho, pois que a “Riqueza desta Região será muito aumentada, si melhorarmos a qualidade de nosso milho e ampliarmos sua cultura”.

157 Resumo da preleção sobre o milho (feita pelo Bello Lisboa) / Pasta Preleções / Ensino/1931, 3a Caixa/6a prateleira/ 2a estante.

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Exposição de Milho na ESAV158

Desse modo, a partir de 1931, todos os anos a Escola realizava a sua Exposição de

Milho. Não foram encontrados registros sobre quando essas exposições deixaram de

acontecer na instituição, entretanto, sabe-se que no período em questão, elas aconteceram159.

Em 16 de novembro de 1932, foram regulamentadas essas exposições, onde ficou

definido que “a exposição tem carácter regional e ali se acha precisamente o seu aspecto mais

interessante com revelação do progresso agrícola local”160, aprovado pelo Dr. Arthur Torres

Filho, conforme pode ser observado em oficio enviado a ESAV,

“De posse de vosso offício nº 1.095, de 14 do corrente, pedindo a opinião desta diretoria sobre o projeto de lei para regular as exposições de milho, que se realizam periodicamente nessa escola, venho informar-vos que o exame desse trabalho deixou excelente impressão nesta diretoria. A exposição tem caráter regional e ali se acha precisamente o seu aspecto mais interessante com revelação do progresso agrícola local. A parte técnica do regulamento foi elaborada com grande critério, obedecendo aos princípios das últimas conquistas scientificas, no campo da agronomia. Estou certo de que as exposições calcadas nas linhas desse regulamento serão imensamente proveitosas para a lavoura de milho do Estado, com o que essa escola prestará mais um relevante ao progresso agrícola de Minas,

158 Foto do acervo do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa. Minas Gerais. 159 Pode-se constatar essa ocorrência nas Atas da Congregação do período em questão (1926-1948), uma vez que, durante todos os anos, encontra-se menção das palestras que seriam ministradas no encontro daquele ano. 160 Atas da Congregação 1929/1932, 16 de novembro de 1932.

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conceituando-se a tanto entre as classes populares [...]. Saúde e fraternidade. Arthur Torres Filho, Director”161 (grifo noss).

Em 1933, a Escola realizou, em Ubá, Minas Gerais, a Primeira Exposição Municipal

de Milho162.

Em 1934, a Escola apresentou seus produtos na Feira Industrial do Rio de Janeiro e na

Feira de Amostras de Belo Horizonte, obtendo, nesta feira, o 1o prêmio163. Neste mesmo ano a

Escola apresentou seus produtos no 5o Congresso Internacional do Ensino Agrícola, que se

realizou em Buenos Aires164.

Em 1944, a ESAV apresentou seus produtos na Exposição de Belo Horizonte,

recebendo muitos elogios, como do Governador Benedito Valadares165.

Em 1947 a Escola participou da 3a Exposição Agro-Pecuária e Industrial de

Carangola/MG. Neste mesmo ano, o Diretor da ESAV sugeriu que a Escola pudesse ter

também uma pequena exposição permanente que serviria principalmente aos seus alunos”166.

Essa sugestão foi acatada por todos os membros do conselho e a partir deste ano a Escola

passou a possuir uma exposição permanente de todos os seus produtos.

1. 2. SEMANA DO FAZENDEIRO

Desse modo, foi se instituindo na Escola todo um serviço de apoio e auxilio ao

produtor rural, procurando sempre auxiliar e instruir o fazendeiro sobre suas lavouras. Como

forma de organizar e proporcionar ensinamentos mais intensivos acerca da agricultura, a

Escola criou, em 1929, a Semana do Fazendeiro, que durante todos os anos de sua existência

161 Atas da Congregação 1932/1936, 16 de novembro de 1932. 162 Atas da Congregação 1929/1932, 29 de maio de 1933. 163 Atas da Congregação 1932/1936, 15 de julho de 1934. 164 Atas da Junta Administrativa 1932/1936, 25 de novembro de 1934. 165 Atas da Congregação 1943/1947, 14 de julho de 1944. 166 Atas do Conselho Departamental, 15 de abril de 1947.

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veio procurando difundir ensinamentos e técnicas agrícolas aos fazendeiros. Segundo o Livro

de Formatura de 1939, seus organizadores e propagandistas foram, “[...] os Srs. Dr. João

Carlos Bello Lisboa, Dr. Jacyntho Soares de Souza Lima, Técnico Agrícola José Coelho da

Silva e Dr. Joaquim Fernandes Braga”. Após muitos esforços e intensa propaganda realizada

principalmente pelos três últimos organizadores, entre os municípios de Visconde do Rio

Branco, Ubá e Cataguases, a ESAV recebeu, em junho de 1929, a primeira caravana com 29

agricultores. “Os homens dessa primeira caravana são os fundadores da Semana do

Fazendeiro” (Livro de Formatura de 1939).

Nas Semanas dos Fazendeiros eram oferecidos cursos nas áreas de agronomia,

zootecnia, cultura, pomicultura, engenharia rural, entre outros de interesse aos participantes.

Em cada Semana eram organizados cursos que visassem ao interesse dos participantes. Esses

cursos eram previamente estabelecidos pelos professores da Escola nas Reuniões da

Congregação.

Aula na Semana do Fazendeiro167

167 Foto do acervo do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa. Minas Gerais.

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Assim, na II Semana do Fazendeiro, realizada em 1930, foram oferecidos os seguintes

cursos: agronomia: 1) cultura do milho; 2) a da cana; 3) a do arroz; 4) a da batata doce; 5) a da

batata inglesa; 6) a do algodão; 7) preparo do solo e cultura, e 8) cultura da mandioca;

zootecnia: 1) fenação, especialmente de leguminosas filagem do milho; 2) higiene e controle

do leite; 3) escolha de reprodutores leiteiros; 4) criação das galhinhas-pintos; 5) criação dos

porcos mortandades dos leitões; 6) canrapo, berne, bicheiras; 7) prevenção contra doenças

provindas do solos e vacinas, febre afitosa; 8) princípios básicos sobre alimentação; 9)

esterilidade de animais domésticos; cultura: 1) cultura do tomateiro; 2) cultura do pimentão;

3) cuidados com a semente, sementeira, viveiros e transplantações; pomicultura: 1) cultura da

larangeira-mosca-embalagem; 2) cultura do abacateiro; 3) diversos processos de propagação

das árvores frutíferas; 4) adubação orgânica; economia rural: 1) monocultura, policultura e

adaptação; 2) aproveitamento de braços, cultura mecânica; 3) economia do café, classificação;

4) a cooperação na agricultura-sociabilidade rural; 5) vantagem da contabilidade agrícola;

silvicultura: 1) erosão e suas conseqüências; 2) reflorestamento; 3) restauração da adubação

verde; engenharia rural: 1) conservação mecânica de estradas de rodagem; 2) construção

econômica das estradas de rodagem – transportes; 3) destacamento econômico; entomologia:

1) emulsão de kerozene e seu emprego – outros inseticidas; 2) extinção da saúva; 3) calda

bordalez a outros fungicidas; 4) causas de moléstias; 5) consultas sobre quaisquer doenças de

plantas.

Ao término de cada Semana do Fazendeiro eram distribuídos questionários, onde os

fazendeiros poderiam deixar suas sugestões e reclamações acerca daquela Semana e da

Escola. Abaixo segue a transcrição, respeitando-se a grafia do período, do primeiro modelo de

questionário entregue aos fazendeiros ao final da II Semana do Fazendeiro (1930).

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1) “Nome:_____________________________________ 2) Residência: __________________________________ 3) Já se casou? S____ N____ 4) Em que está trabalhando? _______________________ 5) Si trabalhou na lavoura: a) quantos alqueres tem a propriedade? __________ b) a quem pertence? _________________________ c) quantos empregados tem?___________________ d) qual o principal produto? ___________________ e) pratica agricultura moderna? ________________ f) que máquinas de lavoura usou? ______________

6) Está satisfeito com a profissão? S _____ N _____ 7) Notou alguma deficiência no preparo que a Escola lhe deu? qual? ________________________________________________________ 8) que maior dificuldade tem encontrado em sua vida prática? ________________________________________________________ 9) acredita na reforma da nossa agricultura? tem influído no seu melhoramento? ___________________________________________ 10) tem alguma recomendação a fazer à esta Escola? qual? ______________________________________________________”168

Na 3º Semana do Fazendeiro, em 1931, foram ministrados os seguintes cursos:

“1. Cultura do Milho; 2. Cultura da Canna de Assucar 3. Cultura do Arroz; 4. Cultura do Algodão; 5. Cultura da Batata Doce; 6. Cultura da Batata Ingleza; 7. Preparo do Solo e Cultivos; 8. Cultura da Mandioca; 9. Alimentação do Gado no tempo secco. Silagem e Feno; 10. Princípios Básicos de Alimentação. Proteínas; 11. Hygiene e Controle de Leite 12. Escolha dos Reprodutores Leiteiros; 13. Criação de Gallinhas. Pintos; 14. Criação de Porcos. Mortandade de leitões; 15. Carrapato. Derme e Bicheiras; 16. Prevenção á doenças. Soros e vaccinas. Febre aphitosa; 17. Esterelidade de animaes domésticos; 18. Cultura do Tomate; 19. Cultura do Pimentão; 20. Cuidados com a semente, sementeira, viveiros e transplantação; 21. Cultura da Laranja. Mosca. Embalagem; 22. Cultura do Abacate; 23. Diversos processos de propagação das arvores fructiferas; 24. Adubação orgânica; 25. Monocultura, polycultura, adaptação; 26. Aproveitamento de braços. Cultura Mechanica 27. Economia do café. Classificação; 28. A Cooperação, na Agricultura-Sociabilidade rural; 29. Vantagens da Contabilidade Agrícola 30. Erosão e suas conseqüências; 31. Reflorestamento; 32. Restauração dos solos – Adubação Verde; 33. Conservação mechanica de estradas de

168 Atas da Congregação 1929/1932, 12 de junho de 1930.

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rodagem; 34. Construcção econômica das estradas de rodagem. Transportes; 35. Destocamento econômico; 36. Emulsão de Kerosene e seu emprego. Outros Insecticidas; 37.Extincção da saúva; 38. Calda bordaleza. Outras Fungicidas; 39. Causas de Moléstias (consultas sobre doenças de plantas)”169

Na 5ª Semana do Fazendeiro, em 1933, os cursos de café e de fumo, passaram a ser

feitos por pessoas do Instituto do Café de Ubá/MG”170.

Em 1934, na 6ª Semana do Fazendeiro, a Junta Administrativa da Escola propõe que

seja dada preferência aos lavradores do Estado de Minas.

“Considerando o grande exito que vem obtendo a “Semana do Fazendeiro”, exito esse que tudo indica será maior de ano a ano e considerando a necessidade de se atender em primeiro logar às necessidades do lavrador mineiro; proponho que se recomende á Diretoria da Escola que nas próximas ‘Semana do Fazendeiro’ seja sempre dada preferência aos lavradores do nosso Estado, para as respectivas inscrições”171.

Nas atas da Junta Administrativa foram aprovados, para a 7ª Semana do Fazendeiro

(1935) que sejam ministrados cursos práticos sobre compra, engorda e venda de gado.

“Foi em seguida aprovada por unanimidade de votos á seguinte indicação: julgando de toda conveniência que a Escola, na próxima Semana do Fazendeiro possa ministrar-lhes conhecimentos práticos sobre as operações de compra, engorda e venda de gado para corte e se aparelhe para fornecer-lhes os capatazes e técnicos de que precisam para as fazendas onde seja explorada a engorda de gado com vistas ao abastecimento dos mercados de carne, tanto internos como externos”172.

As atas da Congregação de 1934 fazem menção aos trabalhos que serão realizados na

7a Semana do Fazendeiro, entre eles: “Criação do curso de plantas forrageiras e tratamento de

pastagens, criação do curso de gado de corte”173, a ainda a menção do limite do número de

fazendeiros em cada curso.

169 Programa dos cursos que serão ministrados na ‘Semana dos Fazendeiros’ a se realizar de 27 a 30 de julho de 1931. Documento assinado pelo Diretor Bello Lisboa. 1931. 170 Atas da Congregação 1932/1936, 29 de maio de 1933. 171 Atas da Junta Administrativa 1932/1936, 25 de julho de 1933. 172 Atas da Junta Administrativa 1932/1936, 27 de julho de 1934. 173 Atas da Congregação 1932/1936, 29 de agosto de 1934.

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Em 1935, na 7ª Semana do Fazendeiro, criou-se a Secretaria da Semana do

Fazendeiro, através do Ato no 283, de 8 de julho de 1935.

Em 1938, devido ao sucesso alcançado pela Escola através da Semana do Fazendeiro,

o Jornal “Correio da Manhã”, do Rio de Janeiro, publicou uma nota convidando os

fazendeiros a participarem da 10ª Semana, que se realizaria em julho de 1938. Esta matéria

aproveita ainda para elogiar as Semanas do Fazendeiro, promovidas todos os anos pela

ESAV.

“Como nos annos anteriores, a Escola Superior de Agricultura de Viçosa prepara-se para a 10a Semana dos Fazendeiros, que terá logar do dia 11 ao dia 16 de julho próximo. Intensos têm sido os preparativos feitos para a realização deste grande cartamen. Para isso a directoria daquelle notável estabelecimento de ensino agrícola já se entendeu com os directores de varias companhias ferroviárias no sentido de conseguir para os lavradores uma reducção de 50% nas passagens, por occasião da 10a Semana dos Fazendeiros. A freqüência será gratuita, este anno, tanto para os freqüentadores externos como para os internos, bastando que os agricultores tragam, apenas, roupa de cama necessária ao seu uso. Grande já tem sido o numero de inscripções pedidas e tudo nos leva a crer que a 10a Semana dos Fazendeiros da ESAV assuma este anno, proporções nunca alcançadas nos annos anteriores. O enthusiasmo dos fazendeiros é bastante animador e, dia a dia, cresce o interesse pelos trabalhos que deverão ser levados a effeito nesta tradicional semana da Escola de Viçosa. Os pedidos de inscripção procedem de vários pontos do Estado de Minas, havendo, também, entre elles, muitos procedentes dos Estados vizinhos. A irradiação da Escola de Viçosa se estende por todos os quadrantes do paiz, notadamente agora o serviço de propaganda da sua tradicional Semana dos Fazendeiros se torna mais intenso. É de esperar que os lavradores mineiros, vivamente interessados nos problemas da agricultura moderna, racionalisada, accorram á Escola de Viçosa, no proximo mez de julho, afim de poderem adquirir noções uteis a respeito dos vários ramos da sciencia agraria. A Escola de Viçosa, promette, este anno, aos agricultores, uma série de interessantes revelações acerca do milho e do algodão, estes dois grandes productos que são, por assim dizer, os sustentáculos da lavoura mineira. As experiências realizadas durante o anno passado na ESAV, sob a orientação do Dr. John B. Griffing, provam de maneira insophismavel que o Brasil pôde vir a ser, no futuro muito próximo, um dos maiores productores de milho e de algodão do mundo. As experiências realizadas com o milho híbrido viram provar cabalmente que a nossa produção pode ser augmentada consideravelmente, numa proporção approximada de 30%. Dada a grande variedade do nosso clima e, sobre tudo, das nossas condições physicas, podemos desenvolver no Brasil as mais diversas especies de cultura.

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140

As experiências feitas com o algodão não foram menos animadoras. Neste sentido, o director do estabelecimento, que é especialista no assumpto, introduziu, entre nós, o systema chinez para os terrenos humidos, até então, completamente inaproveitados na cultura do algodão. E ao cabo de algumas experiências, cuidadosamente realizadas, chegou á conclusão de que o systema chinez é o processo ideal para as regiões humidas do Estado de Minas. Com a introducção do systema chinez, conseguiu-se augmentar também consideravelmente a produção do algodão. Também serão estudados por occasião da 10a Semana dos Fazendeiros innumeros problemas relacionados com a saúde do povo rural, com o aproveitamento racional da terra, processo moderno de drenagem, construcções ruraes, selecção de sementes, tratamento de animaes, engorda de porcor, problemas de genética applicada, de agronomia, etc. Para isso, a Escola de Viçosa já tomou a iniciativa de organizar um programma perfeitamente útil e proveitoso aos nossos agricultores, procurando pôr em evidências os assumptos de interesse capital e immediatos para a nossa lavoura. Os cursos que serão accessíveis a todos obedecerão rigorosamente ao critério eminentemente pratico, nelles serão tratados apenas os problemas que dizem respeito á nossa agricultura. A opportunidade que a Escola de Viçosa offerece aos lavradores mineiros, annualmente, com a sua Semana dos Fazendeiros é uma dessas iniciativas que merecem toda a attenção da gente montanheza e, praticamente, do seu governo pelos innumeros benefícios, que costuma espalhar entre os núcleos ruraes, que são, innegavelmente os centros productores do Estado. É de crer, pois, a 10a Semana dos Fazendeiros da Escola de Viçosa tenha, este anno, um grande numero de freqüentadores, dadas as grandes vantagens que aquelle estabelecimento offerece aos nossos agricultores. É verdadeiramente digna de aplauso a iniciativa da Escola de Viçosa, que, a despeito de innumeras difficuldades, tudo vem fazendo no sentido de proporcionar aos nossos lavradores essa magnífica opportunidade de tomarem conhecimento dos mais recentes progressos alcançados, nestes ultimos tempos, pela agricultura scientifica”174.

Esta Semana, realizada em junho de 1938, foi uma das Semanas realizadas pela Escola

que mais obtiveram sucessos e elogios. A Escola recebeu várias cartas de elogios, entre elas,

uma carta do Prefeito de Juiz de Fora, Sr. Raphael Cirigliano.

“Ilustríssimo Senhor, Ao ensejo do regresso do encarregado do Serviço de Fomento á Produção Agro-Pecuária desta Prefeitura, que esteve, em companhia de vários agricultores deste município, tomando parte na 10ª Semana do Fazendeiro, realizada nesse importante estabelecimento, tenho o prazer de felicitar-vos pela realização do mesmo certamn, que tão úteis ensinamentos proporcionou, e de agradecer a oferta de valiosos elementos, como circulares, livros e produtos destinados ao mostruário permanente daquele serviço municipal.

174 Extraído do Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 26 de junho de 1938.

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Valho-me da oportunidade para reiterar-vos a segurança de meu alto apreço e distinta consideração. O Prefeito de Juiz de Fora Raphael Ciriglino”175.

Através da análise dos documentos arquivados pela instituição percebe-se o quanto as

Semanas do Fazendeiro foram importantes para os agricultores da Zona da Mata mineira.

Abaixo, pode-se analisar o quadro comparativo do número de fazendeiros presentes nas

Semanas do Fazendeiro de 1929 a 1948.

Semana Ano Número de inscrições 1a 1929 43 2a 1930 139 3a 1931 368 4a 1932 405 5a 1933 458 6a 1934 600 7a 1935 1.000 8a 1936 1.000 9a 1937 820 10a 1938 803 11a 1939 1.096 12ª 1940 883 13ª 1941 1036 14ª 1942 922 15ª 1943 1565 16ª 1944 1036 17ª 1945 1052 18ª 1946 1104 19ª 1947 1150 20ª 1948 1531

Fonte: Livro de Formatura de 1939/ESAV (1929/1939). BORGES, 1968, p. 08 (1940/1948)

175 Carta enviada ao Diretor da ESAV, Dr. Jonh B. Griffing, pelo Prefeito de Juiz de Fora, Raphael Cirigliano 26 de julho de 1938.

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Pelos dados acima pode-se avaliar o sucesso desta modalidade do Serviço de Extensão

realizado pela ESAV. Segundo o Livro de Formatura de 1939, o sucesso extraordinário desta

modalidade extensionista “é um bem como é uma necessidade absoluta a assistência técnica á

fazenda que muito precisa melhorar em múltiplos aspectos” e, através das Semanas dos

Fazendeiros que esta necessidade torna-se viável.

Sobre a 11ª Semana do Fazendeiro realizada pela Escola, em 1939, o Livro de

Formatura de 1939, assim aborda:

“Há onze anos vem a nossa escola, atacando, com sucesso extraordinário, um ponto muito importante do Serviço de Extensão. A ‘Semana do Fazendeiro’ representa a modalidade do trabalho de propaganda agrícola em que o agricultor vem receber ensinamentos nas Escolas de Agricultura, estações experimentais, etc. Por esse modo, que a ESAV teve a primazia de iniciar em Nossa Pátria, atestado com a experiência de 11 anos a sua alta eficiência, tem-se dado passos largos e seguros, melhorando e aumentando a produção de muitas fazendas”176

176 Livro de Formatura de 1939.

0500

100015002000

1929 1932 1935 1938 1941 1944 1947

Relação do Número de Participantes nas Semanas do Fazendeiro (1929 - 1948)

Número de Participantes

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143

Ainda segundo este Livro pode-se perceber a importância das Semanas do Fazendeiro

realizadas todos os anos pela instituição. “Hoje (em 1939), a ‘Semana do Fazendeiro’ é uma

tradição esaviana e uma das maneiras mais certas de sentir a Escola o seu valor, trabalhando

com os heróis da nossa Agricultura, pela necessidade imperiosa do melhoramento do homem,

do animal e da semente” (Livro de Formatura de 1939).

Em 1941, Bello Lisboa realizou uma conferência na Sociedade Nacional de

Agricultura, sobre a Semana do Fazendeiro, realizada todos os anos na instituição. Abaixo

pode-se observar parte desta conferência.

“Os três anos consecutivos de ação, os resultados práticos que já estamos colhendo, o testemunho, geralmente favorável, dão-nos autoridade para esta comunicação, á benquista Sociedade Nacional de Agricultura e portanto a todo o Brasil, sobre a eficiência da obra e especialmente sobre a possibilidade de resolvermos, em prazo de tempo curto o nosso problema agrícola, desde que sejam chamados á máxima responsabilidade que têm no assunto, os principais interessados – os agricultores, e sejam eles postos em condições convenientes de educação e de técnica. [...]. Esta norma de ação, esta diretriz que os ex-Diretores da ESAV seguiram, preparando-a para servir, em 1º plano, aos interesses diretos da lavoura, vem-nos dar autoridade para afirmar, depois de 12 anos de luta, que a ação da Escola de Viçosa foi eficiente porque serviu com dedicação aos homens da lavoura. Um serviço de extensão agrícola que se organize com essas mesmas características, portanto, com esses mesmos princípios e normas estará fadada a triunfo rápido e certo” (CÔRREA apud BELLO, 1941, p. 360/361)

Em 1942, em ocasião à 14ª Semana do Fazendeiro, foi convidado o Sr. Raimundo

Martins, Diretor de Fomento do Departamento Nacional de Produção Vegetal do Ministério

da Agricultura, para proferir uma palestra aos fazendeiros sobre as Relações do Ministério da

Agricultura com o Lavrador, explicando em que consistia este órgão e quais eram as suas

funções. Segundo MARTINS (1942),

“O Ministério da Agricultura, meus senhores, é o órgão da administração que orienta a produção no seu sentido econômico e lhe disciplina e estabelece regras em todas as suas fases, que promove, direta e indiretamente, a criação de riquezas, indo às fontes de produção, objetivando

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uma assistência técnica em moldes racionais, que moralisa, dentro das possibilidades que lhes são outorgadas, a distribuição e que procura formar uma mentalidade agrícola superior ministrando ensinamentos à mocidade estudiosa do país. [...]. (Dentre suas funções tem-se) compor, orientar, disciplinar, melhorar no sentido genético, fomentar, dirigir e ensinar [...]” (p. 356/357).

MARTINS (1942) prossegue sua fala demonstrando a estrutura de organização do

Ministério da Agricultura.

“O Ministério, meus senhores, dentro da variada e complexa estrutura de sua organização, está, assim, constituído: MINISTRO – Repartições ao Gabinete diretamente subordinadas: Serviço de Economia Rural; Serviço de Estatística de Produção; Serviço de Informação Agrícola; Serviço Florestal; Serviço de Meteorologia; Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário; Serviço de Fiscalização do Comércio de Farinhas; Serviço de Proteção aos Índios; e, Secção de Arquitetura e Engenharia. DEPARTAMENTO DE ADMINISTRAÇÃO – Repartições que se lhe subordinam: Divisão do Pessoal; Divisão de Contabilidade; Divisão do Material; Divisão de Comunicações; Biblioteca; e, Tesouraria. CENTRO NACIONAL DE ENSINO E PESQUIZAS AGRONÔMICAS: Laboratório Central de Entologia; Escola Nacional de Agronomia; Escola Nacional de Veterinária; Instituto de Química Agrícola; Instituto de Ecologia Agrícola; Instituto de Experimentação Agrícola; e, Instituto Nacional de Óleos. DEPARTAMENTTO NACIONAL DE PRODUÇÃO MINERAL: Laboratório de Produção Mineral; Divisão de Fomento da Produção Mineral; Divisão de Águas; e, Divisão de Geologia e Mineralogia. DEPARTAMENTO NACIONAL DE PRODUÇÃO ANIMAL: Instituto de Biologia Animal; Divisão de Fomento da Produção Animal; Divisão de Defesa Sanitária Animal; Divisão de Inspeção de Produtos de Origem Animal; e, Divisão de Caça e Pesca. DEPARTAMENTO NACIONAL DA PRODUÇÃO VEGETAL: Divisão de Fomento da Produção Vegetal; Divisão de Defesa Sanitária Vegetal; e, Divisão de Terras e Colonização” (p. 359/360).

Dando continuidade a sua palestra, MARTINS procura das mais ênfase para o

Departamento Nacional de Produção Vegetal, do qual faz parte, detalhando, minuciosamente

todo o regulamento que rege este departamento. Por fim, termina seu discurso deixando sua

visão sobre a ESAV.

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“A Escola de Viçosa se preocupa, na verdade, com a educação agrícola do homem rural e se empenha em aparelhar moços para a alta função de mentores da agricultura brasileira. Fugindo de um academismo perigoso e exagerado, este Estabelecimento, que reflete a consciência do ensino americano, por isso mesmo objetivo, de utilidade imediata, tem sabido cumprir as suas superiores finalidades. Tenho dito” (p. 365) (grifo nosso).

Em 1943, em ocasião da 15ª Semana do Fazendeiro realizada pela Escola, a instituição

organiza uma exposição geral de seus produtos, “com o fim de apresentar aos nossos

agricultores alguns resultados positivos de nossas aplicações científicas”177. Para esta

exposição à Escola solicita ao diversos Estados brasileiros mapas e dados sobre sua produção

frutífera em geral, conforme pode ser observada nesta correspondência enviada pelo diretor

Dr. Geraldo Gonçalves Carneiro ao Sr. Chefe da Seção de Fruticultura da Secretaria de

Agricultura do Estado de São Paulo.

“Por ocasião da próxima Semana dos Fazendeiros será realizada nesta Escola uma exposição geral de seus produtos, [...]. Desejamos fazer uma demonstração sobre a produção de frutos em diferentes Estado, motivo por que solicito a fineza de nos enviar mapas e dados sobre produção e exportação frutícola em geral; quadros sobre classificação, embalagem, etc., enfim, todas as informações de que essa Seção dispõe, relacionadas com o trabalho que temos em vista realidade. Na expectativa de o assunto em apreço merecer toda a atenção e boa vontade de vossa parte, antecipo agradecimentos e subscrevo-me com estima e elevado apreço”178.

Assim, a Semana do Fazendeiro, que segundo BORGES (1968) foi a “precursora da

Extensão Rural”, tornou-se uma das atividades extensionistas que mais marcaram o espírito

esaviano, sendo realizada todos os anos, ininterruptamente no mês de julho, recebendo elogios

de todos os fazendeiros e pessoas interessadas que participaram. Segundo CÔRREA (1941), a

Semana do Fazendeiro, uma das modalidades do serviço de extensão agrícola, “foi uma

177 Carta enviada chefe da Seção de Fruticultura da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo pelo diretor da ESAV, Dr. Geraldo Gonçalves Carneiro, em 11 de maio de 1943. 178 Carta enviada chefe da Seção de Fruticultura da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo pelo diretor da ESAV, Dr. Geraldo Gonçalves Carneiro, em 11 de maio de 1943.

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tentativa que venceu, que triunfou e muitos são os lavradores do Estado de Minas, do Estado

do Rio e do Espírito Santo, que colheram os benefícios dos ensinamentos recebidos na

mesma” (p. 359).

1. 3. MÊS FEMININO

Com o grande sucesso alcançado pela Semana do Fazendeiro, viu-se a necessidade de

se criar um mês dedicado à instrução das esposas dos fazendeiros. Desse modo, em 1931, o

Diretor da ESAV solicita ao Dr. Olegário Dias Maciel, Presidente do Estado de Minas Gerais,

em longa correspondência, a criação de um mês dedicado aos ensinamentos para as

fazendeiras. Abaixo, transcreve-se a correspondência.

“Ilmo. E Exmo. Snr. Dr. Olegário Maciel, Muito Digno Presidente do Estado de Minas Geraes. Excellentissimo Snr. Considerando o alto valor de nossa agricultura no alicerce do nosso edifício econômico; Considerando a situação grave que os nossos compromissos financeiros externos e internos crearam para os brasileiros, chegando a preocupar seria e assutadoramente ás classes productoras com a formidável crise que vem atravessando o seu principal producto – o café; Considerando a necessidade imprescindível de, para o ressurgimento e prosperidade do Brasil, haver uma collaboração efficaz de todos os brasileiros de boa vontade (inclusive a mulher), cada uma na sua esphera de acção; Considerando que o maior passe da hora actual é de todos brasileiros em condições tomarem o rumo ao campo, onde está guardada a imensa riqueza de nossa Pátria; Considerando que a mulher pode e tem muitas vezes que desenvolver ahi a sua actividade, cooperando vantajosamente para o augmento da nossa producção; Considerando que essa producção precisa ser seleccionada, afim de se impor ao bom mercado; Considerando que para haver tal selecção é necessário que luzes mais esclarecidas illuminem o campo escuro da rotina, onde ainda se debate a quasi totalidade dos agricultores; Considerando que a Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, com sede em Viçosa, tem sido, neste Estado, um pharól precioso de onde estão se irradiando para a lavoura, ensinamentos práticos de immediata utilidade aos agricultores;

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Considerando que nessa Escola já tem sufficiente desenvolvimento as secções de horticultura, avicultura, pomicultura – domínios intimamente affectos á acção da mulher -, para não falar na suinocultura, apicultura, floricultura, agronomia e pecuária, que também, muito de perto a interessam; Considerando que, em o nosso meio, muitas são as senhoras fazendeiras que dirigem, em pessoa, os serviços de sua propriedade A mulher mineira, convencida de que os ensinamentos ministrados na Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais, durante o curso dos fazendeiros, em julho, são de irretorquível utilidade prática e de real beneficio á lavoura, representada pelas que abaixo assignam, vem á vossa presença, solicitar do patriótico e justiceiro espírito de V. Excia., a instituição na referida Escola, da semana da Fazendeira, afim de que, bebendo alli os preciosos conselhos que lhe serão dados por occasião dos cursos práticos sobre as questões que mais a interessam, passa estimular-se, desenvolver melhor a sua actividade, e mais efficazmente collaborar na obra benemérita da reforma de nossa agricultura – base do reerguimento e da consolidação de nosso apparelho econômico – alavanca poderosa que nos há de multiplicar as forças para bem alto levantarmos o nosso credito. Esperamos o deferimento de V. Excia., nos assignamos, com elevada consideração. Saudações mui respeitosas”

Assim, dado o deferimento do Presidente do Estado de Minas Gerais, criou-se, em

1935, através do Ato nº 187, o Mês Feminino, pelo prazo de três anos, “tendo em vista a

grande colaboração que a mulher poderá e deverá prestar a causa do desenvolvimento

agrícola”179. Pode-se observar os dizeres do Livro de Formatura de 1939 sobre a criação deste

Mês.

“Criando a ESAV o Mês Feminino, quis, mais uma vez, patentear a todo o Brasil o incalculável desejo de, atacando esse importante problema, estimular as fazendeiras a uma cooperação mais estreita com os seus maridos, nas lides da fazenda; preparar as jovens filhas do campo à construção mais hígida de seus lares, tornando-as, com as noções da Agricultura moderna, fazendeiras mais valiosas, e quis também, convidando a participar dos seus trabalhos de rudimentos de Agricultura, desde as escolas primárias, despertar na infância a tendência para os estudos agronômicos. Assim, a todas predispõe a receber com mais entusiasmo os ensinamentos dos bandeirantes da economia Brasileira do presente e do futuro – os agrônomos”

179 Ato nº 187, de dezembro de 1934.

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Aula no Mês Feminino180

Desse modo, foi criado o Mês Feminino, organizado com um programa para 3 anos,

tempo prorrogado, por solicitação das senhoras presentes ao evento do ano de 1937. Não foi

possível localizar documentos que mencione, ao certo, por quanto tempo durou o Mês

Feminino, nem por quais motivos ele deixou de existir181. Segundo o Livro de Formatura de

1939, o Mês Feminino “cumpriu com êxito o seu objetivo, e constituiu para a nossa Escola,

suspiro de orgulho por ter sido o primeiro organizado em território nacional”.

O primeiro Mês Feminino organizado pela Escola ocorreu no período de 07 a 26 de

janeiro de 1935. Neste mesmo ano foi criada a Secretaria do Mês Feminino182.

Em 31 de dezembro de 1936, devido ao sucesso alcançado nos dois primeiros anos de

ocorrência do Mês Feminino, foi fundada a Associação Feminina, sendo sua primeira

presidente D. Hemengarda Gomes e Souza183.

Abaixo tem-se o quadro comparativo com o número de inscrições nos três primeiros

anos que ocorreram o Mês Feminino.

180 Foto do acervo do Arquivo Central e Histórico da Universidade Federal de Viçosa. Viçosa. Minas Gerais. 181 De acordo com BORGES et all (2000), “Desde a sua fundação, a Escola preocupou-se com os problemas do Lar e, nesse sentido, realizou, [...], o primeiro ‘Mês Feminino’. Nele eram lecionados assuntos pertinentes ao lar. Tempos depois, com a criação da UREMG, foi constituída a Escola Superior de Ciências Domésticas, a primeira do gênero no Brasil, [...]” (p. 19). 182 Ato nº 333, de 31 de dezembro de 1935. 183 Sobre isso ver BORGES, J.M. Escola Superior de Agricultura – Origem – Desenvolvimento – Atualidade. 1968.

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INSCRIÇÕES 1935 – 1o Mês 212 1936 – 2o Mês 364 1937 – 3o Mês 370

Fonte: Livro de Formatura de 1939/ESAV.

1.4. OS DEPARTAMENTOS

No final dos anos 1920, alguns professores da Escola, entre eles o prof. Edson Potsh

Magalhães184, perceberam a necessidade de se criarem departamentos que auxiliassem no

serviço de extensão. O primeiro departamento a ser criado com este fim foi o Departamento

de Economia Rural. De acordo com sua proposta inicial, este departamento trabalharia em

cooperação com o Departamento de Economia Rural da Secretaria de Agricultura. De acordo

com MAGALHÃES (1947)185, sua função inicial seria “prestar informações acerca de preços,

mercados, meios de ajustar as fazendas à novas situações [...], produções agrícolas e

capacidades consuptiva dos mercados” (p. 246). Tais informações poderiam ser levadas aos

fazendeiros através de rádios, jornais, revistas e pequenas publicações. Estas informações

poderiam ser levantadas pelos professores da Escola, pelos agentes municipais de estatística e

184 Engenheiro Agrônomo, M.S. e professor do Departamento de Economia Rural da ESAV. 185 Este trabalho de Magalhães sobre a criação do Departamento de Economia Rural foi elaborado no final dos anos 1920, pouco antes de sua criação oficial, e divulgado, mais tarde, em dezembro de 1946, em ocasião do Congresso de Ex-Alunos da ESAV. Foi somente publicado no ano seguinte, em 1947, na Revista Ceres.

0

200

400

1935 1936 1937

Relação do Número de Participantes no Mês Feminino

Número de Participantes no Mês Feminino

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ainda pelos agrônomos regionais. Este departamento compreenderia de um Chefia do

Departamento, um Serviço de Informações Econômicas e um Serviço Administrativo, estes

subdivididos em seis seções (finanças agrícolas; estatística agrícola administração rural e

terras econômicas; mercados e transportes; cooperativismo; e, população rural e colonização).

Em 1931, esse departamento foi oficialmente criado, ministrando, nesse mesmo ano a

primeira disciplina de nível superior sobre Economia Rural186.

A partir de meados dos anos 1930 percebeu-se a necessidade de se criar na Escola

departamentos que ficassem responsáveis pelo Serviço de Experimentação para poder, assim,

complementar o Serviço de Extensão realizado pela ESAV, que segundo o Secretário de

Agricultura, Israel Pinheiro, em carta enviada a Escola em 1938, dizia, que desde sua primeira

recomendação em 1936, o desenvolvimento essencial e o futuro da Escola dependiam da

organização definitiva de um serviço de Experimentação e de um serviço de Extensão na

ESAV, sob a orientação de chefes competentes. Como o serviço de extensão já existia,

faltava-se então, segundo o Israel Pinheiro, um serviço de experimentação na instituição.

Segundo ele,

“[...] praticamente todas as importantes Escolas de Agricultura tem três divisões de serviço: Educação, Experimentação e Extensão. [...]. Aqui na ESAV chegou, precisamente, o momento de desenvolver um plano coordenado e efetivo do programa experimental. Depois do Diretor, o Prof. Secundino será seu chefe responsável e cada membro do Corpo Docente será seu auxiliar. Sob a sua Direção não estarão somente todas as experiências sobre melhoramento do algodão e milho, mas todas as experiências da ESAV”187

Desse modo, atendendo as exigências do Secretário de Agricultura, em dezembro de

1938 criou-se um departamento que passaria a ficar responsável pelo serviço de

186 Sobre o Departamento de Economia Rural ver BORGES, J.M (et alli). A Universidade Federal de Viçosa no Século XX. 2000. 187 Carta enviada ao Corpo Docente pelo Secretario de Agricultura, Israel Pinheiro, em 29 de dezembro de 1938.

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experimentação, genética e biometria. Desse modo, criou-se o novo Departamento de

Experimentação, Genética e Biometria, conforme o documento abaixo.

“PORTARIA O Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio e Trabalho do Estado de Minas Gerais, usando de suas atribuições e no exercício da faculdade que lhe confere o no III, artigo 4o do Regulamento aprovado pelo decreto n. 163, de 29 de julho de 1935, resolve: Art. 1o – Fica creado, sem aumento de despesa, na Escola Superior de Agricultura do Estado de Minas Gerais mais um Departamento, que se intitulará “Experimentação, Genética e Biometria”. Art. 2o – Toda a parte experimental da Escola será subordinada a este Departamento, que deverá superintender e aprovar todos os trabalhos com êle relacionados. Art. 3o – A orientação a ser dada a este Departamento será a que está estipulada na Portaria desta Secretaria, de data de 22 de dezembro de 1937, em seus artigos 19 e alíneas, 20 e 21. Art. 4o – O novo Departamento será, em tudo, subordinado ás mesmas leis que regem os Departamentos já existentes. Registre-se e cumpra-se. SECRETARIA DA AGRICULTURA, em Belo Horizonte, dezembro de 1938. A) Israel Pinheiro SECRETÁRIO DA AGRICULTURA”.

Em 1939, a Escola criou mais um departamento, a fim de que ele pudesse ficar

responsável por todo o serviço de extensão realizado pela instituição. Desse modo, criou-se o

Departamento de Educação Rural, que passou a existir na Escola por Ata da Diretoria,

número 126, de 24 de maio de 1939.

Este Departamento passou a ser responsável por todo o serviço de extensão da

instituição e ainda por todos os serviços que atingiam diretamente seus funcionários, como o

serviço de saúde, de instrução e social.

Para o serviço de instrução, o referido Departamento mantinha escolas diurnas para os

filhos dos seus operários e, escolas noturnas para os trabalhadores adultos, tornando nula a

porcentagem de analfabetos entre os seus operários.

Em relação ao serviço de saúde, esse Departamento promovia uma visita semanal, que

ficava a cargo do Dr. Raymundo Faria, na residência dos funcionários, numa inspeção de

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higiene e, ainda, obrigava anualmente, o tratamento de verminoses, “tendo os operários as

fichas de saúde controladas pelo médico do respectivo serviço” (Livro de Formatura de 1939).

Para o serviço social, a ESAV organizava vesperais, “com o intuito de reunir

socialmente o corpo de operários e suas Exmas. Famílias”188. Essas vesperais realizavam-se

quinzenalmente no Salão Nobre da Escola, com programas variados.

Nota-se que a este Departamento estavam subordinados os Serviços de Publicidade, de

Tipografia e de Saúde da ESAV.

Vale ressaltar ainda a criação, 1942, da Primeira Estação Experimental de

Conservação de Solos, montada no Brasil189, organizada pelo Prof. João Quintiliano de

Avellar Marques, nos terrenos do Departamento de Agronomia, a fim de se sistematizar as

pesquisas e os ensinamentos sobre conservação de solos.

Em novembro de 1948, criou-se a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais

(UREMG)190. Neste mesmo ano, foi assinado um acordo entre Brasil e Estados Unidos

criando a Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (ACAR/MG)191, que

188 Livro de Formatura de 1939/ESAV. 189 Ver BORGES, J.M. Escola Superior de Agricultura – Origem – Desenvolvimento – Atualidade. 1968. 190 A Universidade Rural do Estado de Minas (UREMG) foi criada em 13 de novembro de 1948, durante o Governo Milton Campos, através da lei nº 272, incorporando nas estruturas da antiga Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa (ESAV), além da já existente Escola Superior de Agricultura, a Escola Superior de Veterinária, que viera transferida de Belo Horizonte, a Escola Superior de Ciências Domésticas, a Escola de Especialização, o Serviço de Experimentação e Pesquisa e o Serviço de Extensão. Segundo LOPEZ, “simultaneamente à criação da Economia Doméstica, foi implantado também o Serviço de Extensão Rural no Brasil (dezembro de 1948), e o local escolhido foi justamente Minas, na instituição de Viçosa, transformando, assim, a Escola Superior de Agricultura em Universidade Rural, incluindo, ainda, dentre suas unidades o Serviço de Experimentação e Pesquisa, órgão originário da primeira pós-graduação na área agrícola, no Brasil” (p. 104). Sobre a UREMG ver capítulo III. 191 Segundo LIMA (apud BARROS, 1994), sobre a origem da ACAR/MG e dos programas do serviço de Extensão Rural implantados no Brasil, neste período, alguns aspectos interessantes podem ser observados: “Dentre esses aspectos, podemos citar os modelos introduzidos, entre nós, de origem norte-americana, isto é, procediam de uma sociedade em fase muito mais avançada que a nossa; [...]; a introdução do Crédito Supervisionado (que) baseou-se em dois outros pressupostos: no que se havia necessidade de se injetar recursos econômicos no setor rural, e no de que o homem rural não sabia como usar economicamente esses recursos; finalmente, para os implantadores do Sistema de Extensão, entre nós, o setor rural era ‘impermeável ao avanço do capital no campo’, sendo este, [...], o objetivo oculto daqueles que vieram ao Brasil cogitar da implantação do Sistema de Extensão Rural com a finalidade de criar mercado para os seus produtos, por meio do aumento do ‘poder aquisitivo do povo’. Nessas linhas preliminares, LIMA (apud BARROS, 1994), demonstra claramente que os modelos implantados entre nós foram inteiramente estranhos à nossa realidade e, por isso, não é de admirar que o Serviço de Extensão Rural não tenha apresentado os resultados que dele se poderiam

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seguiu os moldes da Farm Security Administration, que consistia em um serviço de extensão

agrícola, apoiado no sistema de crédito agrícola para o Estado de Minas, abrangendo cerca de

dez cidades do interior de Minas Gerais. A ACAR firmou um acordo com a Secretaria de

Agricultura de Minas Gerais e a Universidade Rural do Estado de Minas Gerais, “mediante o

qual serviços intensivos de reabilitação rural” estariam “sendo prestados a dez municípios

daquela região192.

Neste acordo, coube a ACAR fornecer, por tempo integral, um agrônomo e uma

supervisora doméstica para cada um de seus escritórios, a fim de atender aos mutuários,

proporcionar assistência técnica às famílias dos agricultores e criar centros educativos onde

fosse possível instalar postos de saúde e realizar aulas.

Coube à Secretaria de Agricultura de Minas Gerais fornecer um veterinário e um

especialista em conservação do solo; e tanto à Secretaria como a Universidade Rural do

Estado de Minas coube fornecer especialistas quando necessário para resolver quaisquer

questões que pudessem surgir nessas localidades193.

O treinamento de funcionários da ACAR foi realizado nos meses de janeiro e fevereiro

de 1952, sendo oferecido em parceria pela ACAR e Universidade Rural do Estado de Minas

Gerais, com duração de sete semanas. O local do treinamento foi nos edifícios da Escola

Superior de Agricultura de Viçosa, segmento da UREMG, e “contou com o concurso de

técnicos e professôres de ambas entidades”194. A finalidade deste curso era:

“[...] de aperfeiçoar e treinar agrônomos e supervisoras domésticas a fim de que melhor possam desempenhar as suas funções no campo; e de deitar os alicerces para o estabelecimento de uma escola permanente de economia doméstica para integrar o currículo de Viçosa”195.

esperar, em face do esforço dos extensionistas e das grandes somas de dinheiro que tem sido gastas na sua manutenção” (p. 672) (grifo em negrito do autor e sublinhado, nosso). 192 Relatório da ACAR de 1951, página 10. 193 Relatório da ACAR de 1951, página 09/10. 194 Relatório da ACAR de 1951, página 10. 195 Relatório da ACAR de 1951, páginas 10/11.

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Este curso intensivo compreenderia para os agrônomos, o ensino teórico e prático de

agricultura, veterinária, administração agrícola e crédito supervisionado; e para as

supervisoras domésticas, aulas de nutrição, horticultura, puericultura, carpintaria, higiene e

saneamento, costura, sociologia, organização de clubes, e até ordenha e direção de jeeps.”196.

As aulas foram ministradas por membros do corpo docente de Universidade Rural de

Viçosa e por especialistas da ACAR, com a cooperação do Ministério da Agricultura, do

Instituto de Assuntos Inter-Americanos, das Secretarias de Saúde de Minas Gerais, da

Americam International Association, da Embaixada Americana, do Colégio Americano de

Porto Alegre e do Colégio Bennett do Rio de Janeiro.

Desse modo, o serviço de extensão realizado pela Escola Superior de Agricultura e

Veterinária de Viçosa, em toda a sua existência, procurou assistir aos fazendeiros de modo a

instruí-los em assuntos relacionados aos problemas agrícolas encontrados em toda a Zona da

Mata mineira. Atendeu não somente aos fazendeiros da região, mas também de todas as

regiões do Brasil, respondendo a cartas, publicando artigos técnicos, promovendo feiras,

exposições, estágios e visitas aos interessados, garantindo assim a praticidade do ensino

ministrado pela instituição. Como pode-se observar, a Escola de Viçosa sempre procurou

manter esse serviço de extensão rural como uma marca de seu ensino.

Este serviço de extensão rural realizado pela ESAV, conforme pôde ser observado, foi

pautado no modelo norte-americano de extensão rural adotado nos EUA, de forma mais

institucionalizada, a partir de 1914, com todo um conjunto de atividades prestados pelos

colégios agrícolas em cooperação com o Governo Federal, instituindo-se assim o modelo

clássico de extensão rural, baseado em preleções, demonstrações, publicações, entre outros.

As atividades aqui realizadas assemelham-se muito com este modelo clássico, uma vez que

mantinham em comum as atividades prestadas (preleções, publicações, demonstrações, etc).

196 Relatório da ACAR de 1951, páginas 10/11.

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Assim, segundo CORREA (1941) referindo ao P. H. Rolfs, afirma,

“O Dr. P. H. Rolfs com a sua longa experiência em causas escreveu: ‘além dos cursos organizados para alunos matriculados, o Estabelecimento dá instrução aos fazendeiros que o visitam. Instrução tem sido ministrada a milhares de lavradores durante períodos que variam de uma hora, dias e até semanas. Um fazendeiro não procura o Estabelecimento, mesmo por uma hora, se ele não deseja alguma informação que lhe trará valor. Isso irá constituir base para tornar-se mais tarde ‘cursos para os fazendeiros’. O primeiro passo está dado, isto é, os fazendeiros da Zona da Mata têm confiança na Escola. Muitos deles já sabem que os nossos professores possuem conhecimento de valor e que estão prontos a aconselha-los” (ROLFS apud CORREA, 1941, p. 359) (grifo nosso).

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CCOONNSSII DDEERRAAÇÇÕÕEESS FFII NNAAII SS

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, em toda a sua existência,

procurou promover ensinamentos que atingissem diretamente aos fazendeiros da Zona da

Mata Mineira, conforme proposto pelos objetivos da instituição. Conforme a Lei nº 761, a

Escola deveria ministrar o ensino teórico e prático de Agricultura e Veterinária, bem como

promover estudos experimentais que concorressem para o desenvolvimentos dessas ciências

no Estado de Minas Gerais, com o intuito de educar a população agrícola do Estado em todos

os assuntos pertencentes à vida rural. Para que isso se concretizasse o serviço de extensão foi

de fundamental importância, sendo fiel aos objetivos da escola, uma vez que ela proporcionou

muitos ensinamentos aos fazendeiros da região, educando essa população agrícola e

garantindo a praticidade do ensino ministrado. No início, as atividades extensionistas rurais

destinavam-se a trazer ensinamentos agrícolas através de respostas as correspondências,

publicações e visitas a instituição, acabando por auxiliar agricultores do Brasil inteiro e,

ainda, alguns pesquisadores de outros países, como foi o caso das correspondências de

pesquisadores de vários países sobre métodos de plantio, técnicas agrícolas, entre outras.

Desde a sua concepção, a Escola já previa esta prática de promover um serviço de

extensão aos agricultores, visto que, desde seus primeiros Regulamentos, a extensão já se

fazia presente, através da promoção de cursos e palestras, que proporcionassem ensinamentos

práticos. Vale ressaltar que, anterior a ESAV, outras instituições, não-educacionais, tentaram

promover ensinamentos agrícolas através de publicações e conferências (congressos e

seminários), conforme pôde ser observado no capítulo II, desta dissertação. Esses

ensinamentos agrícolas não foram observados como atividades extensionistas, uma vez que

foram realizadas por associações agrícolas, como a SBAA, a SNA e ainda o MAIC.

Entretanto, é importante considerá-las, pois, com essa preocupação por parte destas

associações e do próprio Ministério da Agricultura, demonstra-se que, já em finais dos anos

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1890 e início de 1900, havia-se a preocupação em ensinar a população agrícola ausentes nos

Colégios Agrícolas, a fim de trazer melhorias para esses agricultores. É importante mencionar

que os princípios associacionistas e esses ensinamentos agrícolas foram, assim como os da

ESAV, pautados na experiência norte-americana de extensão rural, uma vez que tanto a SNA

como a SBAA e o serviço de ensino agronômico da MAIC, tiveram, entre seus fundadores e

dirigentes, pessoas ligadas aos conhecimentos agrícolas dos Estados Unidos. O próprio

serviço de ensino agronômico da MAIC foi concebido, segundo MENDONÇA (1997), com

base no modelo norte-americano de ensino agrícola e este baseava-se na manutenção de

pequenos centros de propagação tecnológica e de assistência ao agricultor, através de campos

de demonstração e o estabelecimentos de intercâmbios com universidades norte-americanas

(práticas também desenvolvidas pela ESAV, desde seus primórdios, por orientação do MAIC

e do Decreto nº 8.319, de 1910)197.

O serviço de extensão rural realizado pela ESAV acabou por proporcionar um ensino

de caráter teórico-prático aos seus alunos, promovendo aulas práticas, estágios e pesquisas. A

própria instituição mantinha aulas práticas nas fazendas de experimentação e nas fazendas dos

agricultores. Nessas aulas, alunos e professores se dirigiam a fazendas próximas, a pedido dos

fazendeiros, para analisarem problemas práticos encontrados e ensinarem aos proprietários

como proceder para eliminar seus respectivos problemas, prática esta semelhante ao proposto

pelo modelo clássico, muito difundido nos EUA.

Desse modo, a extensão mostrou-se fundamental para garantir o ensino ministrado

pela ESAV, a qual tornou-se pioneira no serviço de extensão realizado no país. Muitos

pesquisadores (FAGUNDES, 1985; FONSECA, 1985; OLIVEIRA, 1987; BORGES, 1968),

aos realizarem trabalhos na área de extensão rural, consideram ser o ano de 1948, com a

197 Neste estudo não coube ver quais as repercussões que essas entidades tiveram, mas a preocupação que elas tiveram com a causa agrícola no Brasil, assim como a ESAV, que desde os seus primórdios vem realizando ensinamentos agrícolas, através de seu serviço extensionista. Sobre as repercussões da SNA, da SBAA e do próprio MAIC, ver MENDONÇA (1990; 1997).

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implantação do Programa Piloto de Santa Rita do Passa Quatro e São José do Rio Pardo, em

São Paulo e com a implantação, no mesmo ano, da Associação de Crédito e Assistência Rural

de Minas Gerais (ACAR/MG), o ano de início do serviço extensionista rural realizado no

Brasil. Há quase um consenso por parte desses pesquisadores ao acreditarem ser o ano de

1948 que marca o início desta prática do serviço de extensão rural realizado no país, conforme

pode ser observado na fala de BORGES (1968), “a criação e o desenvolvimento da

Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), a pioneira da extensão em grande escala

no Estado e no País [...]” (p. 12).

Assim, o presente trabalho procurou mostrar que o serviço de extensão realizado no

país teve seu início muito antes da implantação desses programas. Como foi visto, desde

1929198, a Escola Superior de Viçosa, vem proporcionando aos fazendeiros, ensinamentos nas

áreas de agricultura e veterinária. Desde a concepção da Escola, já se previa, como uma de

suas práticas acadêmicas, o serviço de extensão, conjugadas às atividades do ensino e da

pesquisa. O modelo de extensão adotado pela Escola assemelha-se muito ao modelo

difusionista inovador, adotado pelo Brasil, somente a partir de 1952.

Desta forma, pode-se considerar o primeiro modelo de extensão adotado pelo país, o

modelo realizado pela ESAV, em 1929, uma vez que desde sua concepção a Escola já previa

um serviço de extensão apoiado no auxílio ao homem do campo, através da promoção de

cursos e palestras visando um apoio ao agricultor. Como foi analisado, a partir de 1929 a

Escola veio promovendo visitas de instrução, respostas a correspondências dos fazendeiros,

publicações e realizando, todos os anos a Semana do Fazendeiro, que tornou-se um marco na

prática extensionista realizada pela instituição. Entretanto, não pode-se considerar somente a

Semana do Fazendeiro como sendo a precursora do serviço de extensão realizado pela Escola,

198 As atividades extensionistas rurais realizadas pela ESAV, conforme analisado no capítulo V deste trabalho, tiveram início a partir de 1926, com a sua inauguração. Entretanto, somente a partir de 1929 que a escola cria todo um conjunto institucionalizado de atividades para esse fim, com a Semana dos Fazendeiros, as exposições, entre outros. Por este fato, em várias partes desse trabalho utilizou-se como ano de referência, o ano de 1929.

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pois conforme foi visto, foi todo um conjunto de atividades que garantiu a prática

extensionista adotada pela instituição, embora haja contradições, por parte de alguns autores,

que afirmam ter sido a Semana do Fazendeiro, o serviço de extensão propriamente dito

realizado pela ESAV199.

A Escola de Viçosa, em toda a sua existência, procurou promover um serviço de

extensão apoiado na educação do homem do campo, educação num sentido de promover

melhorias em suas fazendas através de cursos, publicações, pesquisas que visassem solucionar

alguns problemas encontrados na região.

Este modelo adotado pela ESAV, assemelhou-se muito com o modelo difusionista

inovador, somente adotado no país quando percebeu-se que o serviço de extensão só teria

resultados satisfatórios se fosse apoiado pelo serviço de educação rural e não pelo serviço de

crédito agrícola, conforme proposto pelo primeiro modelo extensionista adotado pelo país, em

1948.

No Brasil, em 1948, tentou adotar-se, como prática do serviço de extensão, o modelo

clássico, surgido nos Estados Unidos. Entretanto, ao ser implantado no país, este veio com o

sistema de crédito agrícola, que não era uma prática conhecida nos Estados Unidos, uma vez

que lá já haviam as transações bancárias.

Esse sistema, adotado pelo Brasil, ficou então conhecido como associação de crédito e

assistência rural200. Após três anos de sua implantação, realizou-se uma avaliação, onde

percebeu-se que não havia surtido efeitos muito satisfatórios, uma vez que veio apoiado no

sistema de crédito agrícola. Essa avaliação resultou, em 1952, numa adequação desse sistema

199 Segundo BORGES (1968), em sua fala sobre a criação do Departamento de Educação Rural afirma, “O Departamento de Educação Rural, [...], foi o primeiro a coordenar as atividades de extensão na ESAV, se bem que a extensão propriamente dita viesse sendo feita pela ‘Semana do Fazendeiro’” (p. 12). 200 É importante considerar que em meados dos anos 1920, já defendia-se a idéia de implantar o crédito agrícola no Brasil. Esta idéia era discutida pelos agricultores em suas associações agrícolas e principalmente pelos membros da SNA. Este crédito seria reconhecido como um crédito-cooperativo. Sobre isso ver MENDONÇA (1997), páginas 102 a 111.

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à situação do país, onde passou a realizar a extensão com o objetivo de educar o homem do

campo.

Essa adequação resultou na implantação do modelo difusionista inovador. Esse

modelo, conforme descrito no corpo deste trabalho, admite a possibilidade de mudanças na

comunidade rural através da difusão e adoção de novas idéias, como foi o caso do serviço de

extensão realizado pela Escola Superior de Agricultura e Veterinária de Viçosa, desde 1929.

Na ESAV, a extensão foi um canal de mediação entre o ensino e a pesquisa prevendo-

se, desde a concepção da Escola, um ensino de caráter teórico-prático. Com esta mediação, a

extensão acabou tendo se constituído como um elemento forte na identidade desta instituição.

Com a análise das fontes à luz da bibliografia consultada, é possível perceber como foi

marcante para os agricultores a extensão realizada pela Escola de Viçosa, que desde muito

cedo, procurou atender aos fazendeiros que enviavam correspondências ou vinham

pessoalmente receber instrução na instituição. Este serviço, proporcionou muitos

ensinamentos aos agricultores da Zona da Mata mineira, o que garantiu a região uma melhoria

significativa de vida201.

O serviço de extensão, ao ser implantado na Escola de Viçosa, contribuiu muito para a

melhoria da qualidade de vida das pessoas que viviam na cidade e nas regiões próximas, uma

vez que esta região apresentava dificuldades no desenvolvimento da agricultura e da pecuária.

Através das pesquisas realizadas, a instituição promovia soluções aos diversos problemas

agropecuários encontrados, visando, ainda, a propagação de novas culturas e novos métodos

201 Este fato pode ser percebido quando passou a ser plano do Governo fechar a Escola e transforma-la num Quartel da Polícia, não ocorrido pois isto iria prejudicar os fazendeiros da região impossibilitando-os de receber ensinamentos na ESAV. “Era voz recorrente, no tempo da cassação (da autonomia da ESAV, em 1936) e da transferência da Escola Superior de Veterinária para Belo Horizonte, ser plano do Governo fechar a ESA e transformar suas instalações em um Quartel da Polícia. Dizia-se, também, que alguém havia advertido Benedicto Valadares de que tal mudança iria desgostar os fazendeiros mineiros, pela extinção da Semana dos Fazendeiros, e isso teria levado o Governador a desistir da transformação” (BORGES, et all, 2000, p. 20).

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de plantio, que eram levados aos fazendeiros através do serviço extensionista realizado pela

Escola202.

O serviço de extensão, conforme dados analisados, teve um avanço nas suas práticas, o

que resultou, em 1939, na criação de um departamento que, ficasse responsável por promover

todo o serviço extensionista na ESAV.

A extensão se constituiu como um elemento primordial na Universidade Rural do

Estado de Minas Gerais, sendo um traço forte na identidade da instituição. Desde a sua

criação, a UREMG, já incorporou este serviço como uma de suas práticas acadêmicas, através

do Serviço de Experimentação e Pesquisa e do Serviço de Extensão herdados da Escola

Superior de Viçosa.

Atualmente, a Universidade Federal de Viçosa, promove, todos os anos, a Semana do

Fazendeiro, que teve início em 1929 e, até os dias atuais, continua promovendo ensinamentos

aos fazendeiros. Entretanto, na UFV, a Semana do Fazendeiro modificou-se um pouco,

adquirindo um caráter de publicidade para a instituição, que adotou a comercialização de seus

produtos e serviços. Esse caráter mercantil da extensão permanece como um traço forte na

Universidade Federal de Viçosa.

Assim, segundo SILVA (1995), na UFV,

“[...], mesmo nas instituições que lhe deram origem como a ESAV e a UREMG, institucionalizou-se um compromisso ampliado com a sociedade, além da relação com o ensino e a pesquisa, ou seja, construiu-se um tipo de extensão rural que nasceu nos ‘Land Grant Colleges” dos Estados Unidos, [...]” (p.31).

202 Segundo PANIAGO (1990), “Viçosa, [...], era uma cidade provinciana onde os trabalhos agrícolas constituíam a principal atividade. [...]. Plantava-se algodão, café e cana-de-açúcar, ao lado de outros produtos necessários à subsistência diária da população, tais como: arroz, feijão, mandioca e milho. [...]. As ruas (da cidade) eram lamacentas, iluminadas a lampiões de bico de querosene, as tardes amenas, as noites frias, as casas de telhados de biqueiras, [...]” e foi através da criação da ESAV e da implementação de suas atividades acadêmicas – ensino/pesquisa/extensão – que ocorreu uma transformação significativa na cidade (p. 137/138).

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Face às considerações acima é possível pensar que a Escola de Viçosa foi pioneira no

serviço de extensão no Brasil, uma vez que, desde 1929, a Escola criou todo um conjunto de

atividades institucionalizadas que garantiu sua prática extensionista, até a criação da Semana

do Fazendeiro, que todos os anos, desde a sua criação, veio difundindo ensinamentos

agrícolas aos fazendeiros. E ainda, além da Semana do Fazendeiro, outros programas foram

criados com esse intuito, até a criação do Departamento de Educação Rural, em 1939, que

ficou responsável por todas as atividades de extensão realizadas pela instituição.

Desse modo, a relevância deste trabalho se deu na pesquisa e na divulgação de

assuntos relacionados à vida rural no país, em especial as atividades extensionistas, e que

estes,

“não sejam ‘meros exercícios acadêmicos’ dos alunos, mas uma contribuição original e efetiva que possa concorrer, de maneira eficaz, para o melhor conhecimento da realidade brasileira. [...]. Só assim, os técnicos do extensionismo, empenhados em trabalho de campo, poderão atuar, com segurança, [...]” (BARROS, 1994, p. 682).

É nesse sentido que a presente dissertação procurou organizar, sistematizar e estudar

as atividades do serviço de extensão realizadas pela Escola Superior de Viçosa, a fim de que

seus resultados possam contribuir, de alguma forma, para estudos futuros que venham

assegurar uma maior compreensão sobre o serviço extensionista rural no país.

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AANNEEXXOOSS

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165

ANEXO A

Modelo dos diplomas que eram conferidos aos graduados pelos cursos superiores

REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(Emblema da República)

ESTADO DE MINAS GERAIS

(Emblema do Estado)

Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais

Em nome do governo do Estado de Minas Gerais, eu............................................

(nome e titulo), diretor da Escola Superior de Agricultura e Veterinária, tendo presentes os

termos de aprovação dos exames das matérias que constituem o curso de

......................................... prestados pelo Sr............................................, filho de

....................................................., nascido a ......................................................, e observadas

as exigências do regulamento desta Escola, confiro-lhe o presente diploma de

........................................... para que possa exercer livremente a sua profissão em todo

território da República, de acordo com a legislação em vigor.

Viçosa, ........ de ....................................... de 19......

O Secretário da Agricultura,

............................................

O Diretor, O Secretário,

............................................... ...............................................

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ANEXO B

Modelo dos diplomas que eram conferidos aos formandos pelos cursos de

especialização

REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL

(Emblema da República)

ESTADO DE MINAS GERAIS

(Emblema do Estado)

Escola Superior de Agricultura e Veterinária do Estado de Minas Gerais

Em nome do governo do Estado de Minas Gerais, eu............................................

(nome e titulo), diretor da Escola Superior de Agricultura e Veterinária, confiro o presente

diploma de doutor em ......................................... ao Sr............................................, filho de

....................................................., natural de ......................................................, estado de

............................................... nascido a ............................................., em conformidade com o

art. ..............................., do Regulamento desta Escola.

Viçosa, ........ de ....................................... de 19......

O Secretário da Agricultura,

............................................

O Diretor, O Secretário,

............................................... ...............................................

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ANEXO C

HINO DA ESAV 203

“BEM ALTO OS NOSSOS BRADOS ! ...”

HYMNO RURAL

Letra do Prof. Carvalho Barbosa

Música: Maestro João Salgado Amorim

Vanguardeiros da paz ! ... Bem alto os nossos brados ! ...

Rumo ao campo feraz da terra hospitaleira ! ...

Vamos, todos, avante, indomitos soldados,

Accordar as rechans da pátria brasileira ...

Penetrar os sertões, sulcar os descampados,

Pela glória rural, fecunda e alviçareira,

Da marcha triunphal de todos os arados ! ...

Mocidade aguerrida

Da nobre ESAV, exemplar,

Eia, avante, vamos todos

Conquistar

A riqueza indefinida

E a pujança varonil,

Da nossa terra querida,

203 Este Hino foi reproduzido do Livro “Escola Superior de Agricultura – Origem, Desemvolvimento e Atualidade” , de BORGES, Marcondes. 1968.

Bis

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168

Do nosso immenso Brasil ! ...

Bandeirantes do bem ! ... Athletas denodados

Do trabalho rural ! ... Firmemos na história

Todo o nosso valor de intrepidos soldados ! ...

Avante, sempre avante, á conquista da gloria

Febril que nos seduz ! ... Bem alto os nossos brados ! ...

Despertemos a terra através da victoria

Da marcha triumphal de todos os arados ! ...

Mocidade aguerrida

Da nobre ESAV, exemplar,

Eia, avante, vamos todos

Conquistar

A riqueza indefinida

E a pujança varonil,

Da nossa terra querida,

Do nosso immenso Brasil ! ...

Bis