introducao ao estudo da etica

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Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto

INTRODUO AO ESTUDO DA TICA

So Lus

2011

Governadora do Estado do Maranho Roseana Sarney Murad Reitor da UEMA Prof. Jos Augusto Silva Oliveira Vice-reitor da UEMA Prof. Gustavo Pereira da Costa Pr-reitor de Administrao Prof. Walter Canales Santana Pr-reitora de Extenso e Assuntos Estudantis Prof. Vnia Lourdes Martins Ferreira Pr-reitora de Graduao Prof. Maria Auxiliadora Gonalves Cunha Pr-reitor de Pesquisa e Ps-graduao Prof. Porfrio Candanedo Guerra Pr-reitor de Planejamento Prof. Antonio Pereira e Silva Chefe de Gabinete da Reitoria Prof. Raimundo de Oliveira Rocha Filho Diretora do Centro de Educao, Cincias Exatas e Naturais - CECEN Prof. Andra de Arajo

Edio Universidade Estadual do Maranho - UEMA Ncleo de Tecnologias para Educao - UemaNet Coordenador do UemaNet Prof. Antonio Roberto Coelho Serra Coordenadora de Tecnologias Educacionais Prof. Maria de Ftima Serra Rios Coordenador de Design Instrucional Prof. Mauro Enrique Carozzo Todaro Coordenadora do Curso de Filosofia, a distncia Prof. Leila Amum Alles Barbosa Responsvel pela Produo de Material Didtico UemaNet Cristiane Costa Peixoto Professor Conteudista Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto Reviso Liliane Moreira Lima Lucirene Ferreira Lopes Diagramao Josimar de Jesus Costa Almeida Luis Macartney Serejo dos Santos Tonho Lemos Martins Designer Luciana Vasconcelos Rmulo Coelho Santos

Universidade Estadual do Maranho Ncleo de Tecnologias para Educao - UemaNet Campus Universitrio Paulo VI - So Lus - MA Fone-fax: (98) 3257-1195 http://www.uema.br http://www.uemanet.uema.br Central de Atendimento 0800-280-2731 http://ava.uemanet.uema.br e-mail: [email protected] Proibida a reproduo desta publicao, no todo ou em parte, sem a prvia autorizao desta instituio.

Sakamoto, Bernardo Alfredo Mayta Introduo ao estudo da tica / Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto. - So Lus: UemaNet, 2011. 129 p.

1. tica. I. Ttulo. CDU: 17.0

CONES Orientao para estudoAo longo deste fascculo sero encontrados alguns cones utilizados para facilitar a comunicao com voc. Saiba o que cada um significa.

ATIVIDADES

SAIBA MAIS

GLOSSRIO

REFERNCIAS

SUGESTO DE LEITURA

ATENO

SUMRIOAPRESENTAO UNIDADE 1CONCEITUAO DE TICA ............................................................... 17 Definio de tica ...................................................................... Teoria e prtica como distino entre tica e moral ................ Origem da tica: os costumes e os valores culturais ............... A tica e suas determinaes socioeconmicas ...................... 17 19 21 24

UNIDADE 2POSIES FUNDAMENTAIS SOBRE A OBRIGATORIEDADE TICA .................................................................................................. 29 As teorias teleolgicas ................................................................ O egosmo tico ............................................................... O utilitarismo tico .......................................................... As teorias deontolgicas ........................................................... A obrigatoriedade como imperativo em Kant ................ Obrigatoriedade como benevolncia, justia ou amor .......... 32 34 35 37 38 39

UNIDADE 3A ExPERINCIA MORAL E A REFLExO ......................................... 45 A experincia moral e a reflexo tica ..................................... Origem da experincia moral .................................................... As determinaes histricas e as experincias morais ............ A Unificao das experincias morais como progresso moral .......... 45 47 49 53

UNIDADE 4OS VALORES MORAIS ...................................................................... 57 O subjetivismo ou emotivismo ................................................ 58 O objetivismo axiolgico ......................................................... 61 Valor moral e no-moral .......................................................... 65

UNIDADE 5AS NORMAS MORAIS ...................................................................... 71 As normas morais e o ato moral .............................................. 71 As normas sociais: a etiqueta .................................................. 74 As normas da Moral e do Direito ............................................. 75 As normas ldicas ..................................................................... 78

UNIDADE 6RESPONSABILIDADE MORAL ENTRE O DETERMINISMO E A LIBERDADE ......................................................................................... 83 Posies fundamentais na questo da liberdade .................... 85 Relaes entre a liberdade e a necessidade ............................ 88

UNIDADE 7DOUTRINAS TICAS FUNDAMENTAIS ............................................ 97 I. ticas antigas ........................................................................... 98 Scrates (470 - 399 a.C) ................................................... 99 Plato (427 - 347 a.C.) ..................................................... 100 Aristteles (384- 322 a.C.) .............................................. 102 Estoicos e Epicuristas ..................................................... 106 II. tica Crist da Idade Mdia ................................................. 107 III - A tica Moderna ................................................................. 108 A tica de Kant ................................................................ 109

UNIDADE 8AS TICAS CONTEMPORNEAS ..................................................... 113 I. As ticas filosficas ................................................................ 114 II. As ticas aplicadas ................................................................ 120 REFERNCIAS .................................................................................... 129

PLANO DE ENSINODISCIPLINA: Introduo ao Estudo da tica Carga horria: 60 horas

EMENTAConceituao de tica. Posies fundamentais na filosofia moral. A experincia moral. Valores morais. Normas morais. Responsabilidade, determinismo e liberdade. Doutrinas ticas fundamentais. Questes ticas contemporneas.

OBJETIVOS GeralIntroduzir ao estudo da tica.

Especficos Abordar conceitos e teorias fundamentais da tica. Incentivar a refletir sobre a importncia da tica na vida pessoal e social. Desenvolver habilidades e competncias necessrias ao exerccio da docncia.

CONTEDO PROGRAMTICOUNIDADE 1 CONCEITUAO DE TICADefinio de tica. Teoria e prtica como distino entre tica e moral. Origem da tica: os costumes e os valores culturais. A tica e suas determinaes socioeconmicas

UNIDADE 2 POSIES FUNDAMENTAIS SOBRE A OBRIGATORIEDADE TICAAs teorias teleolgicas. As teorias deontolgicas. Obrigatoriedade como benevolncia, justia e amor.

UNIDADE 3 A EXPERINCIA MORAL E A REFLEXO TICAA experincia moral e a reflexo tica. Origem da experincia moral. As determinaes histricas e as experincias morais. A unificao das experincias morais como progresso moral.

UNIDADE 4 OS VALORES MORAISO subjetivismo ou emotivismo. O objetivismo axiolgico A justia como a virtude. Valor moral e no-moral.

UNIDADE 5 AS NORMAS MORAISAs normas morais e o ato moral. As normas sociais: a etiqueta. As normas da moral e do direito. As normas morais. As normas ldicas.

UNIDADE 6 RESPONSABILIDADE MORAL ENTRE O DETERMINISMO E A LIBERDADEPosies fundamentais na questo da liberdade. Relaes entre a liberdade e a necessidade. Atividade: Dilemas morais.

UNIDADE 7 AS DOUTRINAS TICAS FUNDAMENTAISticas antigas. tica Crist da Idade Mdia. A tica Moderna.

UNIDADE 8 QUESTES TICAS CONTEMPORNEASAs ticas estritamente filosficas. As ticas aplicadas.

METODOLOGIAOs objetivos propostos sero alcanados mediante as videoaulas, a leitura das unidades e o desenvolvimento das atividades do fascculo. Estas aes possibilitaro a compreenso do contedo atravs de debates, de realizao de seminrios e de trabalhos coletivos ou individuais.

AVALIAOA avaliao ocorrer em trs momentos: o primeiro consistir em trabalhos desenvolvidos junto aos tutores, com discusses individuais e coletivas; o segundo ser a realizao de seminrios; e no terceiro, acontecer a avaliao escrita individual.

APRESENTAOCaro estudante,

Introduo ao estudo da tica e tica so duas disciplinas que permitiro sua manifestao nos debates sobre as questes ticas mais importantes da atualidade. Por isso, estes textos esto concebidos para abordar os conceitos e teorias dos mais relevantes filsofos da moral contempornea. Introduo ao estudo da tica apresenta os conceitos em relao e oposio com outros, procurando ressaltar o contedo e a extenso de cada um deles. Enfatiza-se, portanto, a elaborao dos conceitos nos argumentos e teorias dos pensadores. A estruturao em oito unidades foi originada pelos pontos essenciais da ementa da disciplina Introduo ao estudo da tica. A leitura e o desenvolvimento das atividades permitiro aos discentes assimilar conceitos e perceber as teorias fundamentais da tica, ademais, incentivar a reflexo sobre a importncia da tica na vida pessoal e social, tambm, desenvolver habilidades e competncias necessrias ao exerccio da docncia.

Bernardo Alfredo Mayta Sakamoto

INTRODUOPode-se abordar a tica de diversos modos. Elegi uma muita prtica, desenvolver a ementa da disciplina. Ento, Introduo ao estudo da tica est dividida em oito unidades que desenvolvem os pontos essenciais do estudo: 1. Na conceituao da tica, definimos tica. Encontramos a distino entre tica e moral desde a oposio teoria e prtica. Ademais, apresentamos os costumes e os valores culturais como origens da tica. 2. Nas posies fundamentais sobre a obrigatoriedade tica, oferecemos as teorias teleolgicas e as teorias deontolgicas. 3. Na experincia moral e a reflexo tica observamos a origem da experincia moral, suas determinaes histricas e a verificao do progresso moral. 4. Nos valores morais proporcionamos as teorias do subjetivismo axiolgico e do objetivismo axiolgico. 5. Nas normas morais e o ato moral apresentamos as regras da etiqueta, a normatividade da moral e do direito, e por ltimo, as normas ldicas. 6. Na responsabilidade moral abordamos as implicaes entre os conceitos de determinismo e liberdade. 7. Nas doutrinas ticas fundamentais interessa-nos as teorias e os filsofos morais mais importantes da idade antiga, crist da idade mdia e da tica moderna. 8. Nas questes ticas contemporneas tratamos das ticas estritamente filosficas e das ticas aplicadas. Cada unidade possui uma atividade. Desenvolver a atividade proporcionar reflexes e decises nas questes da tica.

UNIDADE

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CONCEITUAO DE TICADefinio de ticaA tica a parte da filosofia que elabora os princpios e as normas que orientam a conduta humana para agir bem (agir com virtudes e no com vcios). A tica possui dois momentos: primeiro, procura fundamentos e, depois, impe deveres. Ela a teoria sobre o comportamento moral dos homens na sociedade; a filosofia moral. Por que agir bem? Temos trs respostas para esta questo: agimos com virtudes para ser felizes (ticas teleolgicas) ou para seguir as leis porque somos seres racionais (ticas deontolgicas) ou por seguir leis divinas que nos proporcionaro a salvao (ticas religiosas): 1. As ticas teleolgicas (telos, finalidade) visam s consequncias no agir humano (felicidade, utilidade etc.). Por exemplo, Pascal em Pensamentos, Artigo VII, 425, expressa muito claramente este tipo de tica: Todos os homens procuram ser felizes: no h exceo. Por diferentes que sejam os meios que empregam, tendem todos a esse fim. As ticas deontolgicas (dontos, o que obrigatrio: a lei) se fundamentam na racionalidade humana. Como seres pensantes, devemos agir segundo os imperativos que encontramos racionalmente. Tambm, seguir as normas jurdicas e as leis, pois foram elaboradas racionalmente e por

OBJETIVO DESTA UNIDADE:Apresentar a definio de tica, sua origem na moral e suas determinaes histricas.

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consenso. Por exemplo, Kant na Fundamentao da Metafsica dos Costumes encontrou o imperativo categrico Age de tal forma que tua ao se converta em uma lei universal. 3. As ticas religiosas ou fundamentalistas encontram fundamentos divinos, externos ao homem, para orientar as aes. Por exemplo, Os dez Mandamentos so ordens divinas para livrar do mal ao povo israelita. Este declogo, originalmente, contm leis escritas por Deus em tbuas de pedra e entregues ao profeta Moiss no monte Sinai. Percebemos que na tica se interioriza a reflexo e se valoriza a subjetividade nas aes humanas, da o termo filosofia moral como sinnimo de tica. Tambm, o questionamento tico sobre o bem (positivo) e no sobre o mal. Com efeito, no muito comum refletir sobre o fundamento do mal na tica, mas podemos deduzir porque no agir mal segundo essas tendncias: 1. Para a tica teleolgica as prticas negativas nos arrastam imediata ou posteriormente ao fato infelicidade, ao sofrimento, inutilidade de nossos atos. As ticas deontolgicas censuram os vcios porque mostram a incapacidade de fazer uso de nossa capacidade racional (a especificidade humana entre os outros animais). Assim, age mal o ignorante, aquele que no conhece a sua condio de ser humano. viciado aquele que tende mais a sua animalidade que a sua humanidade.

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3. As religies rejeitam o agir mal porque este contesta as ordens divinas, nos desvia da salvao eterna, conduzindo-nos ao caminho da perdio e do pecado. Observamos, pelo exposto, que a tica a teoria que pretende conduzir as aes humanas. Ela precisa internalizar-se se inicia com a educao para logo comandar nossa conduta na prtica de nossas aes. A teoria tica quando reiteradamente praticada converte-se em hbito ou costume, constituindo o bom carter. O agir conduzido pelos princpios ou fundamentos ticos a boa moral. Da a importncia do estudo e do ensino da tica: praticando o dever manifestamos nossa liberdade, pois percebemos cientemente a responsabilidade de nossos atos.

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FILOSOFIA

Teoria e prtica como distino entre tica e moralSe a tica e a moral encontram-se no mbito da conduta humana, pode-se distinguir a tica da moral desde a distino entre as atividades tericas e prticas: A moral a atividade humana concreta (a moral ao, prxis); agir produzindo o bem ou o mal por isto a moral pode ser boa ou m. A moral orientada geralmente pelos costumes e, por isso, frequentemente irrefletida. A tica a teoria da moral; a reflexo sobre a conduta humana; a filosofia moral. A tica avalia a moral procurando o efeito das prticas morais, visando a elaborao de regras (universais) para cimentar uma boa moral. Assim, a tica determina racionalmente preceitos ou normas de conduta, convertendo-se na filosofia da moral. Etimologicamente as palavras tica e moral possuem significados muito prximos, que podem confundir; esto ligados aos costumes ou hbitos. thos ou etos daqui derivam tica e etiqueta de origem grega e significa as regras de conduta consideradas como vlidas numa determinada plis (sociedade-estado). Moral e moralidade tm sua raiz em more, mores de origem latino que significam os comportamentos estabelecidos numa especfica sociedade. Pela origem, ento, percebe-se que tica uma palavra mais antiga que moral, pois aquela tem origem no bero da cultura ocidental, na Grcia. Desde Aristteles, a tica a filosofia prtica junto poltica e economia. A tica avalia os atos humanos como bons (virtudes) ou maus (vcios). A tica julga a partir do critrio de valor dual (bem mal, virtude vcio) e requisito que o sujeito avaliado ou julgado possua duas condies: conscincia e liberdade. Assim, na avaliao tica pressupe-se um agente livre, independente, consciente em relao aos atos que ele pratica, pois quem possui liberdade no obedece a uma ordem externa seja por medo ou afeto; nem aprova um costume originado por presso ou comodidade ou moda.INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 1 19As regras de boas maneiras nas relaes quotidianas. Tambm, o conjunto de tratos cerimoniosos nas festas oficiais, nas solenidades e na vida formal.

Agora, estamos em condies de distinguir os adjetivos atico ou amoral e antitico, antico ou imoral: Atico ou amoral aquele que ignora a tica vive alheio a ela seja por desconhecimento ou incapacidade. Por exemplo, uma criana de 3 anos de idade, um doente mental etc. Antitico, antico ou imoral aquele que, conhecendo a tica, contraria propositalmente a boa moral. Os praticantes destes atos so censurados como pessoas viciosas, reprovveis, ms. Por exemplo, so antiticos, imorais ou anticos os polticos que recebem propinas, os padres pedfilos etc. Temos distinguido a tica da moral a partir da caracterstica terica e prtica: enquanto a tica terica, porque surge da reflexo dos costumes, a moral prtica. A tica surge questionando a moral imperante, examinando os comportamentos produzidos pelo costume. Desta forma, a tica julga a moral como boa ou m. Ela boa quando contribui cimentao social m quando segue os costumes ou hbitos irrefletidos. Por exemplo, em nossos dias a tica quer transformar a moral imperante em nossas sociedades: a Lei de Grson, que expressa o costume das pessoas de gostar de levar vantagem em tudo. A tica avalia e, depois, censura a moral da lei de Grson, pois no bom para nenhuma sociedade que seus membros se aproveitem de todas as situaes em benefcio prprio. A norma enunciada na lei de Grson possue um carter histrico e social, e adotada de uma maneira mecnica, externa ou impessoal. uma lei originada da irreflexo com o futuro do povo. A tica combate essa prtica porque as regras de conduta moral devem ser acatadas consciente e livremente pelo ator moral. A tica se ope moral vigente por meio do debate sobre os costumes: No plano individual, recorre indignao e ao futuro social, promovendo a reflexo sobre nossas prticas habituais. Por exemplo: a tica inibe os maus hbitos ao refletir sobre

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FILOSOFIA

as consequncias negativas dessas prticas em nossa reputao, com nossos familiares e nossos netos, no nome familiar, em nosso crculo de amizades etc. Nas instituies de uma sociedade democrtica a tica influi no Direito e na Poltica. Atravs das associaes (as Sociedades organizadas, Ongs etc.) se promovem debates ticos sobre abandonar ou no certas prticas morais, conseguindo-se uma conscientizao social que serve para a elaborao de leis as normas coercitivas, punitivas apropriadas ao bom convvio social. Desta maneira, a tica contribui cimentao de uma boa moral na sociedade atravs da sano de leis jurdicas. Assim, nas sociedades democrticas a tica se institucionaliza nos atos dos poderes legislativo e executivo. Por exemplo: a Lei Maria da Penha o conjunto de leis sancionadas para diminuir a agresso contra a mulher, pois a cada 18 segundos uma mulher agredida em seu lar (a violncia domstica um mau costume que deve ser eliminado da sociedade). O Estatuto da criana e do adolescente surge para proteger da violncia fsica e moral os futuros cidados de nosso pas, que so ainda inconscientes de seus direitos cvicos.

Origem da tica: os costumes e os valores culturaisO ser humano um ser social. Agir de acordo com os costumes de qualquer associao humana considerado valioso e bom: as pessoas mais admiradas de qualquer sociedade so as mais ajustadas s regras do grupo. Essas regras so fundamentadas pela tradio, que so hbitos ou costumes que emergem do convvio das pessoas em toda associao. O ator moral que no segue as prticas que beneficiem a comunidade censurado, o sujeito mau, o desadaptado, o antissocial. Sobre a condio social do homem escreveu Aristteles: aquele que vive alheio polis (cidade-estado) um Deus ou uma besta. Com efeito, desde que nascemos precisamos do cuidado dos outros, deINTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 1 21

nossos progenitores. Somos humanos, seres dependentes, precisamos viver em associao com os outros. Juntos, os indivduos criam regras ou normas e ritos que originam uma moral, que o princpio da sociabilidade. O misantropo aquele que possue averso sociedade um atico, um amoral porque vive na solido.A moral provisria foi destacada por Descartes na terceira parte do Discurso do mtodo. Antes de elaborar uma tica, uma moral definitiva, deve agirse seguindo os melhores preceitos da sociedade.

Antes de agir com tica de agir em base a princpios ou regras universais bom agir segundo a melhor moral imperante, seguindo regras de condutas que so determinadas pela cultura da comunidade: a moral provisria. Os bons costumes e os bons hbitos so fundamentais para o desenvolvimento das sociedades humanas. Essas prticas se convertem em valores ticos que se manifestam atravs de mitos, de fbulas, das religies, dos diversos gneros da literatura etc expressses que fundamentam a cultura. Com efeito, todo mito e toda fbula introduzem valores sociais, atravs da narrao dos atos de seus personagens, difundindo critrios morais que geralmente persuadem a agir bem e rejeitar o mal: 1. Na mitologia encontramos narraes sobre os deuses com uma genealogia comum. Percebem-se, nestes relatos, uma hierarquia entre os seres divinos (deuses), semidivinos (heris) e os mortais (humanos). A mitologia mostra frequentemente intervenes das divindades nos assuntos humanos. Os deuses agem de acordo a uma ordem social, entre eles existem regras ou normas que limitam suas atividades. Uma divindade age bem quando cumpre a sua funo, age mal quando se atribui funes que no lhe competem. Por exemplo, lembremos que o deus Prometeu castigado eternamente por trazer o fogo aos homens sem autorizao do rei divino Zeus. 2. As fbulas possuem como parte final a moral, isto , atravs do contedo da narrao se extrai uma regra de conduta a seguir. As fbulas apresentam personagens tirados geralmente da natureza (animais e fenmenos naturais) que com seus atos tentam persuadir a conduta de seus leitores. Atravs das atividades dos animais encontramos padres de conduta naturais que devemos valorizar como, por exemplo, a constncia laboriosa ou disciplina das formigas. Rejeita-se nas fbulas o relaxamento

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FILOSOFIA

do comportamento das cigarras, que passam o tempo cantando sem pensar no futuro, na inclemncia do inverno. 3. Das religies, todos ns conhecemos o contedo de suas doutrinas: regras de conduta originadas por um ser supremo, que devem ser estritamente cumpridas para conseguir a salvao e a glria eterna. 4. Os gneros da literatura contribuem, com a fico de seus personagens, a desenvolver a sociabilidade humana. Todo romance e a novela apresentam personagens com atitudes definidas: o vilo, o intrigante, o jovem, a moa, o adulador, o traidor etc., que apresentam valores de justia, de amor, de amizade ou lealdade. Ademais, a boa literatura se expressa respeitando e desenvolvendo a lngua, contribuindo com a diverso dos leitores e ouvintes. 5. Em nossos dias, os filmes persuadem para desenvolver boas aes e criar hbitos que desenvolvam nossa sociabilidade. Entretanto, alguns filmes muito violentos podem ser considerados saudveis. Lembremos que Aristteles, contra a censura de Plato para com os literatos e suas obras, ressaltava que os excessos da tragdia no teatro produzem catarse nos espectadores, isto , a representao de cenas violentas purifica as paixes e descarrega a violncia dos assistentes. Percebe-se que nos filmes surgem a cada dia novos heris. Esses personagens internalizam valores que aplicam em suas aes, geralmente so justiceiros e se apresentam mascarados, com diversos gneros, com diversas etnias, com origens extraterrestres, com diversas idades, com deficincia fsica etc., que nos fazem refletir sobre os valores ticos e apreci-los positivamente. 6. A histria relata fatos do passado, mostrando-nos personagens que permitem avaliaes ticas. Nela encontramos pessoas como protagonistas de atos hericos, de tiranias, de revolues, de atos intrigantes, de conspiraes, de traies etc. A histria nos mostra quedas de imprios e desiluses polticas. Assim, a histria nos apresenta fatos do passado que servem para decidir nossas aes no presente e no futuro. Pode-se perceber que encontramos as origens da tica nas manifestaes culturais, pois elas refletem, atravs de seus smbolos, orientaes para a conduta social. Emile Durkheim, um dos fundadores

INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 1

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da Sociologia, afirma que todo fato social possui fundamentos morais, isto , o fato social possui no costume o liame do objeto social. A tica possui diversas abordagens que podem ser fundamentadas desde as seguintes manifestaes: Filosficas: agir pelo valor do bem, pois justificada racionalmente. Religiosas: fazer o bem porque vontade de Deus, por amor a Ele. Humanas: fazer o bem por seu bem-estar, por amor-prprio. Polticas: agir bem porque o requer a estabilidade social.

A tica e suas determinaes socioeconmicasA tica determinada histrica e culturalmente. Como a tica estuda os princpios morais de uma sociedade, e como as sociedades esto determinadas pelo espao e tempo histrico, existe uma histria da tica. Cada sociedade e cada grupo possuem uma histria moral. Sabendo que a tica questiona a moral vigente elaborando valores (universais) para o bom convvio, percebe-se, pelo desenvolvimento social, que a tica determinada histrica e culturalmente. No ocidente, pode-se dividir a histria da tica em grandes linhas, a partir das: estruturas socioeconmicas: escravismo, feudalismo e capitalismo; eras histricas: antiga, idade mdia, moderna e contempornea. Por exemplo, a histria da tica mostra que na antiguidade no eram considerados cidados nem os escravos nem as mulheres. Ademais, nessa poca de guerreiros se louvavam hbitos e costumes militares como em Homero, que enaltecia a astcia de Ulisses ou Odisseu 24 FILOSOFIA

este rei de Itaca era hbil no engano, criador de artimanhas. Ulisses inventou o Cavalo de Troia e deixou cego o cclope Polifemo, escapou da feiticeira Circe, retornou do mundo dos mortos e resistiu o canto das sereias. Ademais, depois de vinte anos, ele era ainda amado pela esposa fiel Penlope. Em nossa poca, a aplicao da tecnologia nas pesquisas biolgicas e mdicas fizeram surgir uma tica para limitar tais prticas: a biotica. Com efeito, os Comits de tica existentes em todo centro de pesquisa ou de prticas biotecnolgicas visam preservao da espcie humana, debatendo incessantemente os limites da manipulao gentica, do controle da reproduo, do limite dos enxertos, da aplicao da eutansia etc. A biotica repudia todo atentado espcie humana como as esterilizaes e as manipulaes eugnicas que se originam por erradas convices sobre a natureza e de uma pretensa superioridade gentica entre os seres humanos.Eugenia o estudo para aperfeioar a espcie humana com o auxilio da gentica. A eugenia produziu a teoria da superioridade racial que originou a guerra contra os inferiores e a esterilizao massiva no sculo xx.

Concluses1. 2. Definimos a tica como a parte da filosofia que elabora os princpios ou normas que orientam a conduta humana para agir bem. Distinguimos a moral da tica. A moral prtica e a tica a teoria da moral.

3. Apresentamos que os costumes e os valores culturais so a fonte de origem da reflexo tica. 4. Enfatizamos que existe uma histria da tica no ocidente, determinada pelo grau de desenvolvimento socioeconmico.

Leia o texto a seguir e destaque o comportamento tico de Richard. Observe os argumentos usados por ele para justificar sua atitude. A leitura atenta ao texto ajuda na compreenso do ato moral.INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 1 25

ERRO BANCRIO A SEU FAVORQuando Richard foi ao caixa eletrnico, teve uma surpresa agradvel. Ele pediu um saque de $100, e recebeu $10.000 (com um recibo de apenas $100). Quando chegou em casa, conferiu seu saldo via internet e viu que no havia dvida de que apenas $100 tinham sido debitados de sua conta. Ele guardou o dinheiro em lugar seguro, esperando que o banco logo identificasse o erro, e o pedisse de volta. Mas passaram-se semanas e ningum ligou. Depois de dois meses, Richard concluiu que ningum ia pedir aquele dinheiro de volta. Ento foi at uma concessionria de automveis levando no bolso a entrada para um carro esporte. Mas no caminho, sentiu uma pontada de culpa. Aquilo no era roubo? Ele logo se convenceu de que no era nada daquilo. Ele no pegara o dinheiro deliberadamente. Simplesmente fora dado a ele. E ele no o pegara de outra pessoa, ento ningum tinha sido roubado. Para o banco, era uma gota em um oceano, e, de qualquer forma, eles teriam seguro contra tais eventualidades. A culpa de ter perdido o dinheiro era deles que deveriam ter sistemas mais seguros. No, isso no era roubo. Era apenas o maior golpe de sorte de toda a sua vida. No conheo ningum que, quando descobre um erro bancrio a seu favor depois de tirar uma carta de receba $200 em uma partida de Monoplio devolva o dinheiro ao banco, alegando no pertencer a ele na verdade. Mas na vida real, esperamos que uma pessoa honesta faa exatamente isso. Mas quantas pessoas o fariam? Acho que no muitas. No que as pessoas sejam simplesmente imorais. Na verdade, fazemos discriminaes bem refinadas em casos como esse. Por exemplo, se as pessoas acidentalmente recebem troco a mais de um pequeno comerciante independente, tm mais chances de apontar o erro do que se ele for cometido por uma grande empresa. A princpio parece que errado tirar proveito dos erros de outro ser humano, mas justo com as grandes empresas. Provavelmente isso acontece, em parte porque sentimos que, na verdade, ningum sai ferido pelo erro de uma

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FILOSOFIA

entidade corporativa, e a perda para eles insignificante comparada ao benefcio para ns. De um jeito estranho, ento, nossa disposio para ficar com a grana estimulada em parte por um sentido peculiar de justia. Mas mesmo que cheguemos concluso de que essa uma forma de roubo justificado, no deixa de ser roubo. O fato de isso ser resultado de acidente, sem a inteno de roubar, irrelevante. Por exemplo, imagine que voc, por engano, pega a bolsa de algum no guarda-volumes e em seguida descobre que ela tem coisas muito mais valiosas que a sua. Se no fizer esforos para devolv-la, a natureza acidental da obteno inicial daquilo no justifica a deciso posterior e muito deliberada de nada fazer em relao a isso. Da mesma forma, voc ficaria chateado e com razo se algum pegasse algo de valor que voc, sem querer, esqueceu em algum lugar, raciocinando que foi sua culpa por no ter sido cuidadoso o suficiente. O pensamento de Richard de que o banco pode muito bem arcar com a perda tambm esprio, pois se isso justifica sua atitude, tambm justifica roubar objetos em lojas. As lojas tambm tm seguro, e pequenos furtos no vo afetar seus lucros. O motivo por que Richard foi to facilmente convencido por seus prprios argumentos que, como todos ns, ele propenso a ver as coisas com uma tica favorvel a si mesmo em seu raciocnio. Motivos que justificam benefcios para ns mesmos parecem mais convincentes que aqueles que no o fazem. muito difcil desativar essa propenso e pensar de forma imparcial. Afinal, por que iramos querer fazer isso? (BAGGINI, 2006, p. 50)

BAGGINI, Julian. O porco filsofo: 100 experincias de pensamento para a vida cotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2006. CAILL, A.; LAZZERI, C.; SENELLART, M. (Org.). Histria argumentada da filosofia moral e poltica: a felicidade e o til. So Leopoldo: Unisinos, 2004.INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 1 27

CANTO-SPERBER, M.; RUWEN, O. Dicionrio de tica e Filosofia Moral. So Leopoldo: Unisinos, 2003. CONCHE, Marcel. O fundamento da moral. So Paulo: Martins Fontes, 2006. FRANKENA, William. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. FROMM, Erich. A arte de amar. So Paulo: Martins Fontes, 2000. JAMES, William. O pragmatismo. So Paulo: Nova Cultural, 1989 (Os pensadores). MOORE, George. Principia Ethica. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1993. NERI, Demetrio. Filosofia Moral, manual introdutivo. So Paulo: Loyola, 2004. PLATO. Timeu. Belm: Universidade Federal do Par, 2001. SAKAMOTO, Bernardo. Biotica e Filosofia. In: Tereza Rodrigues Vieira. (Org.). Biotica nas Profisses. Petrpolis: VOZES, 2005, p. 28-43. SARTRE. Jean Paul. O existencialismo um humanismo. So Paulo: Nova Cultural, 1987(Os pensadores). TROTSKY, Lon. Conceitos de Moral. Lisboa: Editora Delfos, 1973. TURIENZO, S. et al. Historia de la tica. Barcelona: Crtica, 1999. VZQUEZ, Adolfo Sanchez. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

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FILOSOFIA

UNIDADE

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POSIES FUNDAMENTAIS SOBRE A OBRIGATORIEDADE TICA

OBJETIVO DESTA UNIDADE:Apresentar as posies fundamentais sobre a obrigatoriedade tica: a deontolgica e a teleolgica.

Nesta unidade apresentaremos as posies fundamentais sobre a teoria da obrigao tica. A obrigao moral a autoimposio que orienta como agir neste ou naquele caso e a elaborar juzos convenientes em situaes particulares. Ns no somos apenas agentes de moralidade; somos tambm espectadores, conselheiros, instrutores, juzes e crticos. Por isso, elaboramos critrios que orientam a ao de outros, a correo de atitudes. Mas, como saber a atitude moralmente correta para outra pessoa, como ela deve agir em certa situao?

Casustica e costumes dominantes como padres morais

Para educar, orientar e enfrentar os problemas sociais e morais exige-se conhecimento fatual e clareza conceptual. Quando se carece destes critrios, aparecem duas deficincias frequentes na orientao tica: aceitao falta de clareza e admisso ignorncia. Um moralista com essas deficincias tentar orientar relacionando mltiplas situaes especficas, descrevendo-as e dizendo, a seguir, o que deve ser feito em cada caso, o que se chama casustica, procedimento comum no sculo xVII.Discusso e anlise de problemas filosficos, morais ou sociais por meio de sutilezas especiosas e artifcios sofsticos.

A pretenso do casusmo ou da casustica tomando como base o estudo de uma multido de casos reais chegar a ter em mos a soluo de todos os casos possveis, e, por conseguinte, saber com antecipao o que se deve fazer em cada caso. A casustica no se conforma em dispor de normas morais que possam regular de determinada maneira nosso comportamento , ela pretende traar de antemo regras de realizao do ato moral, de concretizao de nossos fins ou intenes, negligenciando as peculiaridades e as vicissitudes que cada situao real impe ao ato moral. A casustica empobrece imensamente a vida moral do sujeito: oferece a deciso, apresentada por antecipao, do ato moral, isto , reduz a responsabilidade pessoal, a deciso e a eleio dos meios adequados para realizar o fim desejado. Assim, o sujeito se refugia numa deciso j tomada previamente, abdica de sua responsabilidade, situando-se num nvel moral inferior. A atitude do filsofo da moral elaborar teorias, muito amplas, a respeito do que correto ou obrigatrio. A melhor forma de chegarmos a desenvolver uma teoria dessa espcie estudar as principais teorias de tica normativa.

As regras dominantes como padro

A filosofia moral tem incio quando uma sociedade passa a julgar insatisfatrio o cdigo de regras morais dominantes. Os filsofos morais levantam uma srie de objees ao padro da cultura em que estamos inseridos: a) as regras em vigor numa sociedade nunca so muito precisas (h regras, por exemplo, que reprimem a mentira e o homicdio, mas esses termos no se definem muito claramente); b) as regras admitem excees (chegam a permitir ou desculpar certos tipos de mentira mentiras inocentes, mentiras patriticas , e certos tipos de homicdio (a pena capital, a guerra). Estas excees no so contempladas de maneira cuidadosa; c) as regras podem entrar em conflito umas com as outras. Na Repblica de Plato surge a questo: devolver as armas a um

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homem que vem busc-las com o propsito claro de causar mal? No. Deve-se enganar (no dizer que temos a arma, i.e., no dizer a verdade) e ficar com a propriedade alheia. Percebemos na resposta que est ausente uma regra maior que defina a hierarquia das demais. Mentir ou no mentir, respeito propriedade ou no; d) as regras dominantes so, geralmente, literais, negativas e conservadoras. Estas normas no so afirmativas, construtivas, criadoras ou adaptveis a situaes novas; e) as regras de uma sociedade, mesmo as chamadas regras morais, podem ser ms, imorais, erradas, injustas ou desnecessariamente prejudiciais vida humana (por exemplo, a regra da escravido que prevaleceu por tantos sculos no ocidente). f) as regras morais variam de cultura para cultura.

O filsofo Montesquieu (sec. xVIII) justificava a escravido dos negros em Do esprito das leis, livro xV Como as leis da escravido civil relacionam-se natureza do clima, assim: Cap. V - Da escravido dos negros Se eu tivesse que defender o direito que tivemos de escravizar os negros, eis o que diria: Tendo os povos da Europa exterminado os da Amrica, tiveram que escravizar os da frica, a fim de utiliz-los no desbravamento de tantas terras. O acar seria muito caro se no se cultivasse a planta que o produz por intermdio de escravos. Aqueles a que nos referimos so negros da cabea aos ps e tm o nariz to achatado, que quase impossvel lament-los. No podemos aceitar a ideia de que Deus, que um ser muito sbio, tenha introduzido uma alma, sobretudo uma alma boa, num corpo completamente negro. to natural considerar que a cor que constitui a essncia da humanidade, que os povos da sia, que fazem eunucos, privam sempre os negros da relao que eles tm conosco de uma maneira mais acentuada.

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Pode-se julgar da cor da pele pela dos cabelos, que, entre os egpcios, os melhores filsofos do mundo, era de to grande importncia, que mandavam matar todos os homens ruivos que lhes caam nas mos. Uma prova de que os negros no tm senso comum que do mais importncia a um colar de vidro do que ao ouro, fato que, entre as naes policiadas, de to grande consequncia. impossvel supormos que tais gentes sejam homens, pois, se os considerssemos homens, comearamos a acreditar que ns prprios no somos cristos. MONTESQUIEU, 1973, p. 223.

Os filsofos, no aceitando o padro das regras morais dominantes, elaboraram muitas alternativas sobre a obrigatoriedade tica, que podem ser classificadas em teorias deontolgicas e teorias teleolgicas.

As teorias teleolgicasA teleologia (teleologismo ou finalismo) qualquer doutrina que identifica a presena de metas, fins ou objetivos ltimos guiando a natureza e a humanidade. Considera a finalidade como o princpio explicativo fundamental na organizao e nas transformaes de todos os seres da realidade.Valores relativos atribudos aos objetos, naturais ou produzidos, por sua utilidade ou beleza. Prazer: um valor esttico, no um valor moral. Utilidade: um valor dos objetos que cumprem sua funo, no possuem valor moral. Ver mais na Unidade IV: Os valores.

Na moral, as teorias teleolgicas afirmam que o critrio ltimo para decidir o moralmente certo e obrigatrio um valor no-moral (prazer, utilidade, etc.). A deciso final deve ter em conta a proporo da prevalncia do bem sobre o mal: um ato ser bom, se e somente se tiver o objetivo de produzir uma quantidade de bem superior quantidade de mal. Assim, o ato deve ser praticado se e somente se ele ou a regra, a que ele se prende, tiver por objetivo produzir maior quantidade de bem em relao ao mal em qualquer possvel alternativa.

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Para o teleologista a qualidade ou valor moral de aes, pessoas ou traos de carter, depende do valor no-moral que procuram ou originam. Se a qualidade ou valor moral de algo dependesse do valor moral, estaramos num crculo vicioso. Por isso mesmo, as teorias teleolgicas colocam o certo, o obrigatrio e o moralmente bom na dependncia com o no-moralmente bom ou valor no moral. Ento, para saber se algo certo, ou que deve ser feito ou saber se moralmente bom, deve-se: a) primeiro, indagar qual o bem no sentido no-moral; b) segundo, seguir indagando, se o algo em questo promove, ou se destina a promover, o bem naquele sentido. Apreciando a teoria teleolgica da obrigao percebemos que: a) os teleologistas tm sido hedonistas: identificando o bem ao prazer e o mal dor, concluindo que, em qualquer alternativa, a regra de ao correta a que assegura a prevalncia do prazer sobre a dor; b) os teleologistas podem ser no-hedonistas: identificando o bem ao poder, ao conhecimento, autorrealizao, perfeio etc.

Nesses teleologistas percebemos que ambos tm um ponto de vista a propsito do que bom, estabelecendo o que obrigatrio em funo desse ponto de vista. Nos teleologistas existem divergncias pelo tipo de bem que se deve tentar promover: a) O egosmo tico sustenta que o agente sempre deve fazer aquilo que lhe proporcione o maior bem pessoal (Epicuro, Hobbes e Nietzsche). b) O utilitarismo, ou universalismo tico, sustenta a posio segundo a qual o fim ltimo o maior bem geral (a regra de ao correta se, e somente se, conduzir a conseguir-se no universo como um todo , maior quantidade de bem relativamente ao mal). E, obrigatria por acrescentar no universo maior quantidade possvel de bem sobre o mal. Os utilitaristas podem ser hedonistas e idealistas.

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Jeremy Bentham e John Stuart Mill foram hedonistas: o objetivo moral o de conseguir a maior quantidade possvel de prazer em relao dor. George Moore (1873-1958) e Hastings Rashdall so os utilitaristas do Ideal. Moore afirma que o bem uma entidade no natural, dotada de um tipo peculiar de subsistncia autnoma, por isso, para ele, os afetos pelas pessoas e o prazer esttico abrangem todos os bens, muito maiores do que podemos imaginar.

O egosmo ticoO egosmo tico, ou a tica do amor-prprio, considerada a posio mais extremada de reao tica das regras tradicionais. Na tica, o egosmo uma teoria na qual os fatos a ser executados dependem de raciocnios sobre vantagens a longo alcance. Quais so os princpios do egosmo tico? Ao considerar o indivduo como agente moral, o egosta tico sustenta que: 1) a nica e bsica obrigao de um indivduo conseguir, para si mesmo, a maior proporo possvel de bem em relao ao mal; 2) mesmo formulando juzos morais em segunda e terceira pessoas, um indivduo deve orientar-se pelo que redunda em sua prpria vantagem. Existem os egostas esclarecidos que consideram a modstia, os outros, a honestidade como: a melhor poltica a seguir na sociedade (o politicamente correto). No egosmo tico, o agente orienta sua vida pela teoria. Mas, sabemos que o amor-prprio (mesmo no egosta esclarecido) considerado na tradio judaico-crist como a essncia da imoralidade. Para destacar o egosta tico, podemos anotar que ele no : a) um padro de ao ou trao de carter ( compatvel com o ser humilde e altrusta na prtica);Egotista aquele que ou quem tem exagerado sentimento do seu eu, da sua personalidade.

b) necessariamente um egotista, ou um homem no sentido comum desses termos;

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c) compelido a praticar atos que habitualmente consideram os egosticos, egocentristas ou narcisistas. Os egostas ticos, geralmente defendem teorias que sustentam o bem individual: a) revelam-se hedonistas, como Epicuro, identificando o bem felicidade e o prazer; b) inclinam-se por identificar o bem ao conhecimento, ao poder, autorrealizao. Plato aludia a uma vida feita de prazer, conhecimento e outras coisas desejveis.Egostico: Referente a, ou em que se manifesta egosmo.

Surge uma dificuldade na teoria do egosmo tico: como aconselhar e julgar? O conselheiro e o juiz sempre consideram seu prprio interesse, portanto, insatisfatria a orientao e juzo desta teoria moral.

O utilitarismo ticoA teoria teleolgica denominada utilitria enfatiza que a obrigatoriedade e o certo corresponder nosso agir com a promoo do bem geral. No , ento, nem nosso interesse (teorias egostas) nem as regras (teorias deontolgicas) os fundamento da obrigatoriedade. O princpio de beneficncia , para os utilitaristas, o padro ltimo para decidir o que certo, errado ou obrigatrio: o fim moral a ser buscado em tudo o que fazemos a maior poro possvel de bem em relao ao mal. Em outros termos, procurar a menor poro possvel de mal em relao ao bem. Esse princpio implica que bem e mal podem ser avaliados e postos em proporo, de forma quantitativa ou, pelo menos, matemtica. Esse ponto foi explicitamente reconhecido por Jeremy Bentham (1748-1832) que tentou elaborar uma tabela para avaliao de prazeres e dores, recorrendo a sete elementos: intensidade, durao, certeza, proximidade, fecundidade, pureza e extenso. Em parte como uma reao a Bentham, Stuart Mill (1806-1873) procurou introduzir elementos qualitativos, a par dos quantitativos, na avaliao dos prazeres.O filsofo Jeremy Bentham inventou o clculo felicssimo que quantifica dor e prazer. Tambm, inventou o presdio. Estes inventos fortaleceram o Direito Penal. - Questo: por que no desfecho do Caso Isabelita, a madrastra foi condenada a 26 anos e o pai a 31 anos? (Sabemos que os dois cometeram o crime). - O juiz argumentou que o genitor tinha produzido maior dor na filha. Assim, o juiz aplicou o clculo de Bentham: a maior dor, maior pena.

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Dois tipos de utilitarismo

Devemos distinguir dois tipos de utilitarismo: ato-utilitarismo e normoutilitarismo. a) Os ato-utilitaristas no permitem regras, nem generalizaes a partir da experincia passada Frente a cada situao, devemos avaliar de novo os efeitos das alternativas possveis em relao ao bem geral. Eles afirmam que, antes de agir, questionemos sobre o efeito, o ato e a situao particular, agir preferindo o maior bem em relao ao mal. Regras gerais podem ser teis como orientaes, mas interessa vivenciar a particularidade do momento e do espao para perceber o maior bem geral. No podemos adotar regras definitivas ou universais, como no mentir ou jamais mentir, pois so conhecimentos a priori que no surgem das circunstncias. Existe a possibilidade que mentir como se fosse o maior bem geral. Podemos perceber que esta teoria impraticvel como fundamento da obrigatoriedade. b) O normo-utilitarismo enfatiza que prefervel uma atitude em funo de uma regra moral como, por exemplo, no mentir que atender s particularidades em cada ato de comunicao. O normo-utilitarismo afirma que as aes so orientadas pelas regras capazes de originar o maior bem geral para todos. O princpio de utilidade aplicado em condies de normalidade, para determinar as regras que devem ser adotadas. As regras so provisrias: escolhidas, mantidas, revistas ou substitudas, com base em sua utilidade. Sobre o valor da justia no utilitarismo, Mill afirma que todo o que satisfaa o princpio de utilidade satisfaz as exigncias da justia.

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As teorias deontolgicasAs teorias deontolgicas (deonto, dever) sustentam que a obrigatoriedade provm de regras ou normas que servem para orientar os atos morais. Eles no aceitam os argumentos das teorias teleolgicas. Negam que o obrigatrio (o certo e o moralmente bom) seja funo exclusiva do que no-moralmente bom (aquilo que promove a maior proporo de bem em relao ao mal). Elas sustentam que h outras circunstncias, alm das consequncias boas ou ms, que podem tornar correta ou obrigatria uma ao ou uma regra, por exemplo: a) a circunstncia de que o ato leva a manter uma promessa; b) a circunstncia de que o ato justo; c) ordenado pelo Estado; d) ordenado por Deus.

Pelos exemplos, os deontologistas sustentam a possibilidade de que regra de ao moralmente certa ou obrigatria pode no promover a maior quantidade possvel de bem relativamente ao mal, para a prpria pessoa, para a sociedade ou para o universo (pode ser em funo de Deus). Assim, a ao pode ser correta ou obrigatria por outra razo qualquer ou por sua prpria natureza; segue-se que um deontologista pode tambm adotar qualquer posio relativamente ao que seja bom ou mau no sentido no-moral. As teorias deontolgicas dividem-se pelo papel que atribuam s regras gerais: teorias ato-deontolgicas e normo-deontolgicas. a) As teorias ato-deontolgicas sustentam que so sempre particulares os juzos obrigao: Nesta situao, eu deveria agir assim, assim, e que juzos gerais como: Devemos sempre cumprir nossas promessas so inadmissveis, inteis, ou, na melhor das hipteses, derivados de juzos particulares. Ato-deontologistas extremados sustentam que o correto ou obrigatrio no apelar a qualquer regra (e sem cogitar qual delas promover a

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maior quantidade de bem em relao ao mal, para a prpria pessoa ou para o mundo): pode-se e deve-se situar frente a cada situao (e de maneira estanque) antes de se decidir. Este ponto de vista defendido por E. F. Carritt e H. A. Prichard. Aristteles parece que sugeriu essa posio quando podia determinar o meio-termo a deciso cabe percepo. O ato-deontologismo menos extremado admite a elaborao de regras gerais com base em casos particulares para servir a ocasies posteriores. Mas rejeita que uma regra geral possa prevalecer sobre um juzo particular consistente sobre o que deve ser feito. b) As teorias normo-deontologistias sustentam que o padro do certo e do errado deriva de uma regra muito precisa: Devemos sempre dizer a verdade, ou muito abstratas como no padro de justia: No ser certo que A trate B de maneira que seria errado B tratasse A, sob a simples alegao de que se trata de pessoas diferentes, se no houver nenhuma diferena entre a natureza de ambos ou entre as circunstncias em que se encontrem, diferena essa que possa ser dada como base razovel para a diversidade de tratamento Opondo-se aos teleologistas afirmam que as regras valem independentemente de promoverem ou no o bem. Contrrios aos atodeontologistas sustentam que essas regras no derivam por induo, de casos particulares. Assim, para os normo-deontologistas, os juzos acerca do que deve ser feito em situaes particulares so sempre estabelecidos a partir dessas regras. Os defensores desta teoria so Samuel Clarke, Richard Price, Thomas Reid, Ross e Kant.

A obrigatoriedade como imperativo em KantUm normo-deontologista puro afirma que s h um princpio bsico. Kant representante do monstico normo-deontologista, por meio de seu imperativo categrico: age como se a tua mxima devesse servir ao mesmo tempo de lei universal (de todos os seres racionais).

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Podemos observar nessa regra ou mxima do imperativo categrico de Kant que: 1. 2. A forma deve-ser comum a todos os imperativos. Age-se voluntariamente com base numa regra ou mxima que pode ser formulada.

3. Expressa o desejo que a regra pela qual atua seja observada por todos os que venham a encontrar-se em situao semelhante, 4. Uma ao moralmente correta e/ou obrigatria se algum desejar que a regra seja observada por todos os que venham a enfrentar circunstncias semelhantes sendo a ao moralmente m, se isso no ocorrer. Kant na Fundamentao da Metafsica dos Costumes fornece exemplos de aplicao desse imperativo como estando em dificuldade todos podem fazer uma promessa falsa, aqui o Imperativo categrico se destruiria necessariamente to logo se erigisse em lei universal. De fato, Kant censura que errado fazer promessas falsas. Mas o enunciado no est errado. O resultado das falsas promessas autodestrutivo, pois se a regra ou mxima universal vlida se destruiria a obrigatoriedade do compromisso.

Obrigatoriedade como benevolncia, justia ou amorInteressa apresentar brevemente as posies de obrigatoriedade com os princpios: de benevolncia, de justia ou igualdade e o amor. As posies utilitaristas podem tender a promover no o maior bem, mas de maior benevolncia, de maior justia ou maior igualdade entre os homens. Precisando a finalidade se desenvolveria maior justia ou igualdade entre os homens. Outra posio de obrigatoriedade amar, que na religio crist aparece j nos primeiros mandamentos: amar a Deus e amar o prximo. Amar o imperativo moral fundamental, os outros mandamentos derivam dele.INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 2 39

Alguns telogos afirmam que a obrigatoriedade da tica do amor teleolgica, alguns afirmam que amar possui fundamento deontolgico. Outros telogos sustentaram que devemos amar a Deus e a nosso prximo porque Ele assim determina e devemos obedincia a Deus; ou, segundo Joo 4:11, devemos amar uns aos outros porque Deus nos ama e devemos imit-lo. Independente das posies dos telogos, no fcil perceber como podemos fazer todos os nossos deveres derivar do preceito puro e simples de amar. Por exemplo, parece difcil derivar o princpio de justia ou de benevolncia da tica do amor. Pois admite s um princpio: o amor.

Consideraes da unidadeAdotar uma das posies de obrigatoriedade moral que apresentamos no isenta de culpa ao agente, que age porque julga que faz o certo. No desculpamos nazistas, ditadores ou pessoas que cometem crimes de lesa humanidade, nem mesmo acreditando estarem eles sinceramente convencidos de que faziam o certo. No existem desculpas, o homem responsvel por seus atos.Colhe o dia presente e s o menos confiante possvel no futuro Horcio (65 - 8 a.C.). popularmente traduzida para colha o dia ou aproveite o momento. tambm utilizado como uma expresso para solicitar que se evite gastar o tempo com coisas inteis ou como uma justificativa para o prazer imediato, sem medo do futuro.

No ato moral, no momento da deciso o homem deve agir segundo o que tem por certo. Ele responsvel por seu ato, ele no tem escolha. Carpe Diem. Como dizem os filsofos: a moralidade feita para o homem, no o homem para a moralidade.

Concluses1. 2. A obrigao moral a autoimposio que orienta as aes dos agentes. As posies fundamentais da obrigatoriedade tica so as teorias teleolgicas (finalistas, com valores no- morais) e as deontolgicas (baseadas em normas). 3. As teorias teleolgicas deontolgicas so: o egosmo tico e o utilitarismo.

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4. O egosmo tico considera a promoo do bem, mas no considera as outras pessoas. 5. O utilitarismo possui o princpio de beneficncia: agir promovendo o bem geral, procurar a maior poro possvel de bem em relao ao mal. 6. As teorias deontolgicas afirmam que a obrigatoriedade provm de regras ou normas que servem para orientar os atos morais. 7. Existem outras posies de obrigatoriedade moral: a benevolncia, a justia ou igualdade e o amor.

Da leitura abaixo ressalte que ideia hedonista (prazer) falta a Homer Simpsons para ser um verdadeiro seguidor da filosofia de Epicuro.

HOMER SIMPSONS EPICURISTACerta vez, numa derrapada em seus princpios, Homer alimentou a ambio de ser nomeado funcionrio do ms. Temos que admitir que ele s ambicionou a posio porque todos os funcionrios da usina nuclear j a tinham conquistado, e ele achou que seria fcil. Resultado? Quem ganhou foi uma vareta de carvo e Homer teve que sofrer a frustrao de ver no realizado um desejo ligado ao trabalho. Melhor no ter esses desejos. Um princpio epicurista bsico adotado por Homer se baseia na ideia de que quanto menos controle voc tiver em relao satisfao dos seus desejos, maior ser sua frustrao e insatisfao com a vida. Ento, uma das regras procurar no ter desejos cuja satisfao esteja alm do seu controle. E as ambies profissionais so um dos principais exemplos disso. Homer, claro, lida com esse problema como o gnio epicurista que . E quando existem desejos difceis de satisfazer? Outra situao bvia quando a satisfao de algum desejo cara. A presso provocada por essa segunda situao ainda maior se, como Homer, voc adotou a primeira lio e renunciou a qualquer ambio em relao sua carreira. Como Homer resolve esse tipo de problema?INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 2 41

Os desejos variam em relao quantidade de dinheiro necessria para satisfaz-los. O segredo moderar os desejos para ter apenas os que no exigem muito dinheiro. Homer um mestre nesse tipo de estratgia. Consideremos, por exemplo, o papel da cerveja Duff em sua vida. Homer no tem nada contra uma bebedeira. E quando ele vai para o bar do Moe, qual a cerveja que ele pede? Ele pede uma Duff, e no qualquer outra cerveja, pela simples razo de que Moe no vai ter outra. Homer cultivou seus desejos ligados ao lcool para s querer a Duff abundante e barata , e assim a Duff sua favorita. O mesmo acontece com a comida. Ser que ele gosta de lagosta? De modo algum normalmente ele fica dividido entre um cachorroquente e uma pizza. E mesmo quando est com vontade de algo extico, ele vai com toda a famlia ao restaurante por quilo do Capito. E, quanto sua roupa? Ele usa a mesma cala e camisa h mais de uma dcada. E no so exatamente de grife. Tendo prazer com coisas baratas, e por isso mais fceis de obter, Homer encarna outra regra epicurista para a vida. Outro dos prazeres epicuristas a amizade. Esse departamento entra um pouco no procure no ter desejos cuja satisfao dependa dos outros porque ter ou no amigos depende, em certa medida, de outras pessoas. Mas esse no um grande problema para Epicuro. Ele via a amizade como uma necessidade humana bsica, junto com a necessidade de comida, abrigo etc. E Epicuro dizia apenas desde que seja possvel, procure no ter desejos cuja satisfao dependa de outras pessoas. s vezes isso simplesmente no possvel, e a amizade um desses casos. Alm disso, a amizade barata e fcil de satisfazer, precisamente por ser uma necessidade humana bsica. Se todo mundo quer ter amigos, haver muita gente em volta desesperada para fazer amizade com algum. Homer parece ter muitos amigos. Ele tem o Moe, Barney e Karl. At o Flanders pode ser considerado amigo de Homer, mesmo que apenas por um episdio. Entretanto, os amigos parecem estar sempre na periferia da vida de Homer. Ele sai com os amigos quando quer beber, por exemplo, mas parece que s isso. Nenhum deles o que se poderia chamar de amigo do peito. Isso porque, na minha opinio, Homer tem uma amizade profunda por uma companheira de vida, uma verdadeira alma-gmea. No Marge, mas.., a TV! As horas de entretenimento descomplicado, sem vnculos, j so parte da vida de Homer e fazem da42 FILOSOFIA

TV sua companheira mais constante e firme (Marge diz ele, a TV d tanto e pede to pouco. a melhor amiga de um cara) . H um ingrediente epicurista para a boa vida que falta a Homer. E no de surpreender, considerada sua predisposio para a cerveja Duff e a televiso: o pensamento. Em particular, o pensamento sobre a vida. Epicuro considerava essencial analisar e entender a si mesmo para que a vida fosse melhor. Se voc pensar nas coisas que costumam deix-lo ansioso preocupao com dinheiro, sade, morte e coisas desse tipo, vai entender, dizia Epicuro, que no h motivo para preocupao. Vejamos a morte, por exemplo. Voc se lembra do episdio em que Homer estava morrendo por ter comido um peixe no restaurante japons? Homer no ficou feliz com essa histria. Se tivesse seguido o conselho de Epicuro, teria percebido que no, havia razo para se preocupar. A morte no pode machuc-lo. Quando est vivo, ela no pode machuc-lo porque ainda no aconteceu. Quando estiver morto, nada mais poder machuc-lo. Por isso, a morte no pode feri-lo de forma alguma. (ROWLANDS, Mark. Tudo o que sei aprendi com a TV: a filosofia nos seriados de TV. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008, p. 190-191).

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UNIDADE

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A EXPERINCIA MORAL E A REFLEXO

OBJETIVO DESTA UNIDADE:

Abordar a experincia moral e a reflexo tica.

A experincia moral e a reflexo ticaDefinimos tica como a filosofia da moral, a teoria que refletindo uma determinada moral elabora princpios e um conjunto de normas destinadas a regular o comportamento. A definio enuncia uma perspectiva cognitivista sobre os fatos, admitindo a particularidade da experincia moral entre as diversas formas de apreenso da realidade. I. A experincia moral caracterizada pela percepo de um valor prprio e peculiar: o valor do homem concreto como pessoa, em si e por si mesmo, agindo com a sua dignidade prpria. Assim, a experincia moral no se reduz a: a) a experincia civil do ser social (dimenso jurdica); b) uma eventual experincia do homem diante da divindade (religio); c) a capacidade do ser humano em deixar a sua marca nas suas obras visveis (esttica ou potica); d) atos condicionados pela herana biolgica ou pelo impulso psquico;

e) produes econmicas todas as manifestaes humanas que podem ser apreendidas pelas cincias empricas. A experincia moral transcende essas vivncias, embora se mantenha enraizada nelas. II. A experincia moral mostra o valor do homem, no como um fato acabado, seno como possuidor da liberdade de escolha e que tende dinamicamente a realizar-se atravs de um projeto contnuo. A atividade do homem se torna conexa com o significado essencial da existncia e se transforma em obrigao, em dever. Existem diferenas entre a experincia cientfica e a experincia moral. A primeira verifica e descreve o que existe; a moral projeta o que no existe e deve existir; aquela pode prever o futuro, mas esta o projeta. A experincia moral situa-se numa tenso entre o ser e o dever ser, entre o presente da existncia humana e o futuro. A experincia cientfica determina o que a coisa , a experincia moral lugar do normatividade, da existncia humana sobre a terraLat. Ipseitas, ipseidade Termo usado por Duns Scot para indicar a singularidade da coisa individual.

III. A experincia moral mostra a correlao inesgotvel entre a ipseidade ntima do eu livre e o sentido que ele pretende dar prpria existncia. Na opo moral, o eu constri-se a si mesmo e projeta-se segundo um ideal axiolgico (valor) que o transcende e ao qual se esfora por se adequar mais ou menos perfeitamente, com maior ou menor sucesso. O homem internaliza valores, que orientam o ato moral. A experincia moral um dado comum na cultura humana. Descrita desta maneira ou de outra, verifica-se que existe na vida humana um carter inacabado, uma indeterminao que necessria guiar atravs do livre arbtrio ou da liberdade. Kant afirmou que o homem se guia por duas razes, uma pela qual o homem se conforma, a razo pura ou terica, e outra pela qual o homem se projeta, a razo prtica. a partir desta verificao que se formam as grandes correntes ticas da humanidade. Como exemplos, as ticas eudemonistas afirmam que prprio do homem agir com a sua tendncia racional para felicidade. A tica estoica projetou um caminho de renncia vida. Os utilitaristas projetam a existncia humana como uma otimizao do prazer e do bem-estar para o maior nmero de pessoas. Os modernos, por influncia

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de Kant, fundamentam teorias de obrigatoriedade na vontade humana que se impem incondicional e autonomamente. A tica pretende enunciar juzos universais sobre o comportamento humano, mas percebe-se na histria que ela est determinada pelas condies socioeconmicas. A moral um fato histrico e, por conseguinte a tica, como cincia da moral, no pode ser concebida como dada de uma vez e para sempre. Por isso, pode-se falar de uma autoproduo constante da tica ocidental: originada na moral antiga dos gregos, judeus e romanos; depois, da moral crist na Idade Mdia e da moral individual nas sociedades modernas. A experincia moral est em relao intrnseca com o conceito da natureza humana, ela expressa-se em variados costumes e hbitos ao mesmo tempo (as diversas lnguas e culturas comprovam isso). Desde a experincia moral compreende-se a propriedade de adaptao do ser humano s condies socioeconmicas em que se situa.

Origem da experincia moralSobre a origem da moral existem trs correntes principais: a) Deus como fonte da moral. As normas morais derivam de mandamentos divinos, no pensamento judeu-cristo. As razes da moral no estariam no prprio homem, mas fora e acima dele. So os fundamentos das ticas religiosas ou teolgicas. b) A natureza humana como origem da moral. A conduta moral do homem no seria seno um aspecto da conduta natural, biolgica. As qualidades morais teriam a sua origem nos instintos. O bilogo Darwin chegou a afirmar que os animais experimentam quase todos os sentimentos dos homens: amor, felicidade, lealdade etc. Do pessimismo com respeito natureza humana se originam as ticas egostas de Epicuro, Hobbes, Nietzsche. Do otimismo com respeito natureza humana surge a tica do sentimento de Hume. c) O homem social como fonte da moral. As condies sociais determinam a experincia moral. A concepo de que as mudanasINTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 3 47

histricas e sociais as revolues e desenvolvimento da incluso social ao longo da histria evidenciam adequaes e mudanas nas reflexes ticas. o fundamento da tica dos Direitos Humanos.

Apresenta-se uma questo quando estudamos a histria da tica: existe ou no progresso moral em ocidente? Para responder esta questo sobre as determinaes da experincia moral interessa expor os condicionantes sociais ou fatores de produo que a determinam e, por sua vez, originam novas teorias ticas. Para isso, veremos as origens histricas, suas idades, para perceber as relaes entre as condies histricas e a experincia moral de liberdade. A moral surge quando os homens satisfazem sua natureza instintiva e percebem a vantagem de viver coletivamente. Existe moral nas sociedades primitivas, que so determinadas pela forma de sua subsistncia (caa ou coleta): nelas surgem regras que promovem a diviso do trabalho e a cooperao, estimulando comportamentos que beneficiam o territrio e a famlia. Assim, a moral est unida indissociavelmente a uma determinada sociedade humana e, tambm, relao desses homens com a natureza. A experincia moral aparece com os interesses por manter a coletividade: bom e proveitoso tudo aquilo que reforce a unio e a atividade comum. mau tudo aquilo que debilite ou enfraquea o coletivo. Assim, origina-se uma diferena entre o bom e o mau, determina-se deveres com base naquilo que se considera til e bom para a tribo: trabalho, lutar contra inimigos comuns, solidariedade, ajuda mtua, perseverana, fraternidade etc. As qualificaes boas e teis socialmente so a base, na tica, para a distino entre as virtudes e os vcios. A justia, uma das virtudes a justia a virtude segundo Aristteles , possui no seu conceito o componente social ou coletivo: se faz justia entre os outros. A justia distributiva manifesta-se na distribuio de honras aos cidados destacados da cidade; a justia comutativa exige dar o que corresponde, nas transaes entre indivduos. O objetivo da moral fortalecer os laos de dependncia mtua entre os membros da comunidade.

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A experincia moral neste tipo de sociedade estava sujeita aos mais experientes. No existiam propriamente qualidades morais pessoais, exclusivos, se pensava no coletivo, na sobrevivncia da famlia e da tradio. Por outro lado, apresenta-se como uma moral limitada para a coletividade; fora dos limites da tribo os princpios e normas perdem obrigatoriedade. As outras tribos eram consideradas como inimigas. As regras eram vlidas s no interior de cada comunidade. Os elementos de uma experincia moral mais elevada, baseada na responsabilidade pessoal, ficam evidenciados quando mudam as condies econmico-sociais e originam uma nova relao entre os indivduos e a comunidade: a propriedade privada e a diviso da sociedade em classes.

As determinaes histricas e as experincias morais1. A decomposio da comunidade surgiu com a criao de gado e o desenvolvimento da agricultura e do trabalho manual que determinam uma moral guerreira, que serve para preservar a propriedade territorial e privada da sociedade. Essa moral exaltava a astcia e a violncia. A formao de exrcitos originou uma nova fora de trabalho: a escravatura (originariamente surgiu dos povos vencidos em guerra). Essa nova fora produtiva elevou enormemente a produo material nas cidades. Com elas, surgiram as condies para a desigualdade de bens entre as famlias da comunidade, a propriedade privada se fortaleceu pela fora dos escravos. No se pensava mais na comunidade, em famlia, herana.

A desigualdade de bens incentivou o antagonismo entre pobres e ricos. Os escravos eram uma necessidade social, o trabalho fsico acabou por se transformar numa ocupao indigna para os homens livres, da a frase: A filosofia surge do cio. Os escravos viviam em condies desumanas, eram considerados com status superior aos animais, mas no considerados humanos. Registra-se que na Grcia, 1/6 da populao s possua direitos de cidadania (formada pelos nobres). Em Roma, o trabalho manual dos

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escravos serviu de base para a construo de grandes obras e do desenvolvimento da minerao. A sociedade antiga estava dividida em duas classes antagnicas que tinham experincias morais distintas: Uma a experincia moral da classe dos homens livres e ricos que tinham a moral verdadeira. Pode-se observar nas ticas dos filsofos Plato e Aristteles, que fundamentam suas teorias ticas em ideias eternas ou em teleologias que visam o Ser, ticas universais e eternas que justificam a escravatura pela natureza: homens nascem para ser escravos ou para ser senhores. Outra experincia moral era a dos escravos, que na intimidade rejeitariam os princpios e as normas morais vigentes, considerando vlidos os que provinham de sua condio, adquirindo conscincia da liberdade. No se documentam teorias morais dos escravos, mas o inventor das Fbulas foi Esopo, que considerado escravo liberto (lembremos que a fbula possui a moral, no final). Mas temos Esprtaco (12070 a.C.), o lder do exrcito rebelde na Guerra dos escravos, comandante de quase 100 mil ex-escravos. Por que se levantou em armas Esprtaco? Por que desafiou as centrias do Imprio Romano? Que experincias morais tinha Esprtaco para insurrecionar-se? 2. A sociedade feudal prolongou-se por mil anos. Ela surge com o desaparecimento do mundo antigo que se assentava na escravatura. A forma de produo econmica do feudalismo caracterizou a sociedade nas classes antagnicas: dos senhores feudais e dos camponeses servos. Os primeiros eram donos absolutos da terra e detinham a propriedade dos servos, cativos a ela durante a vida inteira. Assim, os servos da gleba eram adquiridos com as terras, eles tinham que trabalhar para o seu senhor e, em troca, podiam consumir parte do que produziam. A sua situao material, como a dos escravos, era de muita pobreza, mas formalmente tinham reconhecimento de humanos.

O feudalismo era uma sociedade hierrquica, como a antiga. A cidade estava submetida autoridade do senhor feudal, a populao tinha obrigaes com ele em troca de sua proteo militar. Analogamente, as relaes entre os senhores feudais dependiam do poder. O senhor feudal poderoso tinha senhores feudais vassalos. No grau mais alto da50 FILOSOFIA

hierarquia feudal estava o rei ou imperador. A Igreja possua muitos feudos, e, com o poder espiritual que provinha de Deus, os reis terrestres submetiam ao poder divino. Possuidora de enorme poder, justifica seu domnio com doutrinas polticas como a teoria das duas espadas. A moral da poca tinha contedo cristo, que dava certa unidade sociedade. Tambm, pela estratificao social dessa sociedade hierrquica, verificava-se uma pluralidade de cdigos morais: dos nobres com uma moral cavalheiresca e aristocrtica; dos religiosos com a sua moral monstica; corporaes, dos universitrios etc. Os servos no tinham uma formulao terica de princpios e regras de obrigatoriedade. A moral cavalheiresca se distinguia pelo desprezo ao trabalho manual, eles exaltavam as virtudes de cio e de guerra: cavalgar, esgrimir, praticar xadrex, entre outros esportes, e aprender poesia para oferecer donzela. Era uma moral duvidosa aquela dos cavalheiros: a) por um lado, culto honra e exerccio de altas virtudes entre os senhores (as ofensas se decidiam em duelos); por outro, o valor de guerra nos senhores registra atos cruis contra os inimigos; b) por um lado, lealdade ao senhor; por outro, na vida da corte se exige prticas de adulao, hipocrisia, intriga, deslealdade e traio; c) por um lado, o galanteio musa inspiradora, bela dama ou dama do corao; por outro lado, o suposto direito de pernada. A moral cavalheiresca privilegiava muito a antiguidade de ttulo nobilirio. O nascimento determinava a moral dos nobres que o distinguiam dos plebeus e dos servos. Quem nascia plebeu possua uma dimenso moral. Enquanto os servos, por sua origem no possuam vida moral. Sobre isso, Nietzsche destacou que alguns termos morais provinham da situao social, assim o adjetivo vilo: rstico, rude, plebeu, grosseiro, abjeto, desprezvel e srdido provm do substantivo vilo: que na idade mdia era o campons que trabalhava e morava na vila, na terra do senhor feudal.Direito da Primeira Noite (Latim: jus primae noctis). Tambm, Direito das Primcias, foi um direito que teria vigorado na Idade Mdia, permitindo ao Senhor Feudal, no mbito de seus domnios, desvirginar uma noiva na sua noite de npcias. Mas, nenhum documento medievo comprovou existncia real de tal direito. Teoria das duas espadas: Papa Gelsio I (Papa entre 492496): dos dois poderes legtimos que Deus criou para governar no mundo, o poder espiritual representado pelo Papa tinha supremacia sobre o poder secular (reis e imperadores) sempre que os dois entravam em conflito.

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Percebemos que deve ter sido muito diferente a experincia moral de um nobre e a experincia moral de um servo. As condies sociais hierrquicas de sociedade feudal determinavam essas diferenas sociais. Para ns, a moral daquele que vive no palcio feudal diferente da moral daquele que tem experincias morais na choupana de uma vila. 3. A burguesia representa outra forma de produo (manufaturas e fbricas). No ocidente, ela surge no interior da sociedade feudal gerando novas relaes sociais que acompanha uma nova moral. As oficinas artesanais feudais cedem espao s fbricas que formam uma classe de trabalhadores livres assalariados. Os proletrios possuem sua fora fsica como garantia de trabalho. Os donos das fbricas so proprietrios das mquinas porque possuem capital. Segundo Marx, o capitalista lucra com o produto da nica mercadoria que produz valor (o trabalho do proletrio). O produto no retribudo no salrio do trabalhador o que Marx denomina mais-valia (o lucro do capitalista). O salrio o mnimo vital para que apenas subsista nessa condio o proletrio e sua famlia e se preserve a classe proletria. A situao do sistema capitalista foi estudado por Marx em O capital: O capitalismo o sistema econmico de explorao do homem pelo homem. Podemos conceber que a experincia moral do burgus, por suas condies econmica e sociais, deve ser diferente do proletrio. A experincia moral no se apresenta em abstrato. Hoje estamos na democracia, uma forma de governo que possui seus fundamentos na igualdade social e a liberdade individual dos cidados. A justia e os direitos humanos devem ser promovidos por todas as pessoas para tornar uma sociedade inclusiva, onde todos os setores da sociedade possam manifestar-se. A transformao econmica e a estrutura social so possveis com a transparncia nos gastos pblicos. A experincia moral de cada um de ns tem que promover a igualdade e a justia social. Quando estivermos experimentando moralmente esses valores estaremos numa sociedade mais solidria e fraterna.

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At aqui podemos deduzir que: a) se comprova que existem diferentes experincias morais entre os indivduos quando a sociedade esta dividida em classes antagnicas; b) a moral muda de acordo com as determinaes do desenvolvimento social (Da escravista feudal e desta sociedade burguesa); c) vemos tambm que no mesmo espao e tempo histrico a moral se diversifica de acordo com interesses antagnicos fundamentais. Aqui se experimentam diversos critrios de valorao e obrigatoriedade moral; c) a democracia, que rege a maioria dos povos do ocidente, permite unificar os valores de todos os agentes sociais atravs da incluso social. A democracia se realiza com a participao de todos os setores sociais. A explorao do homem pelo homem cessa quando se coloca na agenda de debates da democracia; d) uma nova moral s possvel na democracia, e se comprovar quando no existem experincias morais distintas entre os membros da mesma sociedade, quando os valores de solidariedade e fraternidade estiverem internalizados nos cidados.

A Unificao das experincias morais como progresso moralExiste progresso moral? Sim. Pela histria de ocidente podemos perceber que se consolidam direitos sociais que reivindicam demandas dos setores excludos, a conquista dos direitos humanos que significa o reconhecimento da variada manifestao da natureza humana. Vejamos isto com mais detalhe: 1) Existe progresso moral na sociedade escravista antiga, quando se consideram anteriores sociedades que praticavam, por exemplo, canibalismo. A sociedade escravista antiga mostra superioridade moral, perante suas antecessoras, quando tem respeito pelos ancios, no extermina os prisioneiros de guerra, estabelece a monogamia na famlia etc.

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2) Existe progresso moral quando percebemos a abolio da escravido, que enriquece o mundo da moral. Todos os seres humanos so considerados pessoas e cidados. 3) Existe progresso moral quando consideramos que a mulher no ocidente obteve direitos cvicos direito a voto, a estudar, entre outros conquistados faz menos de 100 anos. Esse direito conseguido pela mulher na modernidade mostra o progresso moral desta poca com respeito s anteriores. 4) O progresso moral se mede pela ampliao da esfera moral na vida social. Quantifica-se pelas leis que se elaboram no Direito e normas morais. Norberto Bobbio diz que pela democracia estamos na era dos direitos, que incorpora constantemente novos setores que foram excludos nas antigas sociedades. 5) O progresso moral se determina pela elevao do carter consciente e livre do comportamento entre os indivduos na sociedade. Respeito e mais respeito para com os outros, diferentes por sua individualidade, mas iguais perante a lei. Todos os cidados ocupam o espao pblico da democracia. 6) O progresso moral se manifesta pelo grau de integrao entre os interesses coletivos e pessoais. Desde a Renascena se percebe o surgimento do indivduo que foi ganhando reconhecimento como pessoa e cidado na democracia. Deficientes fsicos e mentais possuem o respeito e os direitos que sociedades anteriores no consideravam. Essa moral que inclui os diversos setores sociais s possvel quando os interesses mesquinhos so deixados de lado, e isto, um avano moral na compreenso do ser humano.

Concluses1. 2. Apresentamos a experincia moral e a reflexo desta pela tica. Percebemos que na experincia moral o homem livremente internaliza valores. 3. Percebemos no desenvolvimento histrico experincias morais distintas provenientes da diviso de classes antagnicas.54 FILOSOFIA

4. Na sociedade contempornea existem conflitos sociais produzidas pelas condies econmicas, mas estamos na democracia onde se percebe o progresso moral. 5. A democracia promove a incluso de todos os setores sociais e tende a unificar a experincia moral nos cidados. 6. A democracia a nica forma de governo que pode promover mudanas estruturais e originar uma moral solidria e fraterna entre os cidados.

Leia e reflita as seguintes questes: Precisamos da morte para dar forma e significado vida? A eternidade acabaria com qualquer ambio e mpeto, com qualquer projeto de vida? Pode-se justificar o ato de Vitalia ao destruir a frmula da imortalidade?

CONDENADO VIDAVitalia descobriu o segredo da vida eterna. Agora ela jurou destru-lo. H 200 anos, ela ganhou a frmula de um elixir da imortalidade de certo Dr. Makropoulos. Jovem e tola, ela o preparou e bebeu. Nesta situao, ela amaldioava sua ganncia de vida. Amigos, amantes e parentes tinham envelhecido e morrido, deixando-a sozinha. Sem a morte a persegui-la, ela no tinha qualquer ambio ou mpeto, e todos os projetos que iniciava pareciam sem sentido. Ela tinha ficado cansada e entediada, e agora ansiava apenas pelo tmulo. Na verdade, a busca pela extino foi o nico propsito que dera alguma forma e objetivo sua vida durante o ltimo meio sculo. Agora, finalmente, ela tinha o antdoto para o elixir. Ela o tomara alguns dias antes e podia sentir-se enfraquecer rapidamente. Agora, tudo o que restava a fazer era se assegurar de que ningum mais seria condenado vida como ela fora. O elixir h muito fora destrudo. Agora ela pegou oINTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 3 55

pedao de papel que descrevia a frmula e o atirou no fogo. Enquanto o via queimar, pela primeira vez em dcadas ela sorriu. BAGGINI, Julian, O porco filsofo: 100 experincias de pensamento para a vida quotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2006, p. 65, The Makropoulos case, em Problems of the SeIf, de Bernard Williams.

BAGGINI, Julian, O porco filsofo: 100 experincias de pensamento para a vida quotidiana. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 2006. CAILL, A.; LAZZERI, C.; SENELLART, M. (Org.). Histria argumentada da filosofia moral e poltica: a felicidade e o til. So Leopoldo: Unisinos, 2004. CANTO-SPERBER, M.; RUWEN, O. Dicionrio de tica e Filosofia Moral. So Leopoldo: Unisinos, 2003. CONCHE, Marcel. O fundamento da moral. So Paulo: Martins Fontes, 2006. FRANKENA, William. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003. NERI, Demetrio. Filosofia Moral, manual introdutivo. So Paulo: Loyola, 2004. TURIENZO, S. et al. Historia de la tica. Barcelona: Crtica, 1999. VZQUEZ, Adolfo Sanchez. tica. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2003.

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OS VALORES MORAIS

OBJETIVO DESTA UNIDADE:Apresentar os valores subjetivos, objetivos e os no-morais.

A axiologia na moral pressupe a existncia subjetiva de uma hierarquia de valor superior quando originado pelo ato de preferncia e valor inferior quando produz desprezo. Esses valores morais determinam os conceitos da tica: virtude (bem) e vcio (mau). A pessoa no s uma substncia no sentido de coisa, de objeto. A liberdade tica pertence dimenso subjetiva do ser humano. A tica concebe-se na reflexo dos comportamentos. Na sociedade, percebem-se atos morais apreciados e atos preterveis (desprezveis), qualificados segundo a extenso e intensidade das consequncias. Na escolha boa age-se segundo critrios de valores superiores, que foram internalizados no ator depois de ter apreciado as boas consequncias do ato bom. Assim, os atos morais compreendem a escolha livre ou a preferncia deliberada da pessoa. a liberdade de ao no de alguma ameaa ou presso a que origina a responsabilidade do ato. Devemos ressaltar que os valores que o sujeito internaliza pertencem a uma determinada sociedade. A apreciao das coisas e seus juzos de valor se conformam a regras, critrios e valores que tm uma significao social. O homem um ser social e est internoAxiologia (gr. axios, valor) a teoria que tem por objeto o estudo da natureza dos valores.

numa dada cultura com valores da qual se nutre espiritualmente. Por isso, os valores no podem ser reduzidos a uma relao puramente individual, subjetiva, como seria a de uma vivncia espontnea. Assim, na avaliao do ato moral devemos considerar os valores do ator e a sociedade que ele se desenvolve. Vejamos brevemente duas posies unilaterais sobre os valores: o subjetivismo e o objetivismo axiolgico:

O subjetivismo ou emotivismoEsta concepo axiolgica afirma que o valor no est nas coisas externas. Se algo possui valor porque um sujeito concretiza o desejo. o subjetivismo, ou uma vivncia pessoal, que outorga valor s coisas: meu desejo, minha necessidade ou meu interesse que confere o valor. Esta concepo unilateral porque reduz qualquer valor do mundo exterior para o sujeito. O valor depender do modo como o sujeito afetado. Por exemplo, um objeto belo (valorao esttica) porque afeta positivamente, suscitando no espectador uma reao de prazer desinteressado. Quer dizer, no se aprecia as propriedades do objeto, nem interessa a estrutura ou formao de sua matria, o valor surge no grau de emoo ou no sentimento que afeta o sujeito. Esta a tese fundamental sustentada pelos partidrios do subjetivismo axiolgico ou emotivismo na filosofia analtica, entre eles, Alfred Ayer (1910-1989) e Charles Stevenson (1908-1979). Em Linguagem, verdade e lgica, Ayer expe o princpio de verificao como critrio para determinar a autenticidade e a importncia das proposies. Ele fornece as seguintes formulaes: a) uma afirmao diretamente verificvel quando resulta ela mesma numa afirmao de observao ou tal que implique, juntamente com uma ou mais afirmaes de observao, pelo menos uma afirmao de observao no dedutvel apenas das outras premissas;

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b) uma afirmao verificvel indiretamente quando satisfaz s seguintes condies: em primeiro lugar, juntamente com certas outras premissas, deve implicar uma ou mais afirmaes verificveis diretamente e no dedutveis apenas das outras premissas; e, em segundo lugar, as outras premissas no podem incluir afirmaes que no sejam ou analticas, ou diretamente verificveis, ou suscetveis de ser determinadas por outra via como verificveis indiretamente. As nicas proposies com sentido so, portanto, as relativas ao horizonte emprico, as quais no podem jamais ser necessrias, mas, so hipteses provveis, verificveis ou falsificveis por parte da experincia: uma verificao definitiva, capaz de salvaguardar uma proposio de todo risco de sucessivos desmentidos, no possvel. As proposies da matemtica e da lgica, que so necessrias, nada dizem a respeito da realidade, mas limitam-se a registrar certas decises convencionais sobre o uso das palavras. Com tais premissas, Ayer julga desprovida de sentido a metafsica, que deve suas origens a erros lingusticos (de que todo termo de uma proposio denota algo real). E, faz uma crtica radical teologia e tica: a) A proposio que afirma a existncia de Deus desprovida de sentido, pois ela no necessria (enquanto pretende dizer algo da realidade), e tampouco sinttica (enquanto dela, juntamente com outras hipteses empricas, no possvel deduzir proposies experimentais, no dedutveis apenas de outras hipteses). Ayer afirmava que sua posio no era agnstica (para a qual as asseres a respeito de Deus so significantes, embora indemonstrveis), nem proveniente do atesmo (uma vez que a negao da existncia de Deus seria to insensata quanto sua afirmao). b) As proposies valorativas no so significativas no sentido literal da palavra, mas so simplesmente expresses de emoo, que no podem ser nem verdadeiras nem falsas. Para Ayer, o momento valorativo equivale a um determinado tom de voz ou ao acrscimo de algum ponto de exclamao a uma proposio declarativa normal.INTRODUO AO ESTUDO DA TICA | UNIDADE 4 59

Stevenson, por sua vez, recusava-se a fundar uma moral e a propor um quadro de valores; ele dedicava-se ao estudo do uso dos termos ticos no contexto do discurso, e aprofundava suas anlises sobre o significado de bom. Segundo Stevenson, no mbito da anlise emotivista do discurso moral, o termo bom indefinvel, dada a vastido dos contextos em que usado. Ele considerava que bom pode ser caracterizado de modo bastante geral mediante dois esquemas de anlise: no primeiro, isto bom significa: Eu aprovo isto; faa o mesmo; no segundo, isto bom tem o significado de Isto tem as qualidades ou relaes x, Y, Z, e ainda bom tem tambm um significado emotivo elogioso, que lhe permite exprimir a aprovao de quem fala, e tende a provocar a aprovao de quem ouve. Com essa anlise de bom tentava esclarecer a relao entre discurso valorativo e comportamento humano Nesta perspectiva, a tarefa da filosofia moral exclusivamente analtica: ela no dever tanto dizer se uma proposio verdadeira ou falsa, quanto interpretar o seu sentido. Em suma, analisar se existe um sentido e o determinar ento com preciso. Desse ponto de vista, o mbito da filosofia tica est limitado anlise das proposies morais em um horizonte lingustico. Essa concepo possui razo quando afirma que no existem objetos de valor em si, independentes de qualquer relao com o sujeito. Mas o subjetivismo erra quando recusa por completo as propriedades do objeto, sejam naturais ou as acrescentadas pelo trabalho humano, que podem ser determinantes na atitude valorizadora do sujeito. Como poderamos explicar que diferentes objetos suscitem diferentes graus de valor, de impresses, num mesmo sujeito? evidente que a existncia de propriedades objetivas distintas contribui para despertar reaes diversas no mesmo sujeito. Uma limitao dos subjetivistas na avaliao dos atos morais a impossibilidade de apreciar o agente moral, um ser humano e suas circunstncias que exerce sua liberdade. Pois o subjetivismo falha quando tenta reduzir o valor moral a mera vivncia, ou estado psquico subjetivo, no considerando nem o meio ambiente nem a sociedade.

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O objetivismo axiolgicoA tese do objetivi