introdução a sociologia

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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.) sapiens editora

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A organização das sociedades na historia da humanidade

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

sapiens editora

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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2007,Sapiens Editora

Obras da série Estudos da Sociedade:

Volume 1 A organização das sociedades na história da humanidade

Volume 2 O pensamento Humano na história da Filosofia

Volume 3 O desenvolvimento brasileiro – Colônia, Império e República

Volume 4 A Humanidade em seu transcurso histórico

Volume 5 Sociologia Rural: Breve Introdução

Catalogação na Fonte

Copyright ®

Fiorin, José Augusto (org.). A organização das sociedades humanas na história da humanidade. Ijuí: Sapiens Editora, 2007.145 p.

1.Sociedade 2.História 3.Sociologia 4.Cultura 5.Estado I.Título II.Série

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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JOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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SAPIENS EDITORA

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Uma introdução à Sociologia

Disciplina que se distingue das demais ciências sociais pela

abrangência de seu objeto, a sociologia busca conhecer, mediante

métodos científicos, a totalidade da realidade social como tal, sem

proposta de transformação.

Sociologia é a ciência que estuda a natureza, causas e

efeitos das relações que se estabelecem entre os indivíduos organizados

em sociedade. Assim, o objeto da sociologia são as relações sociais, as

transformações por que passam essas relações, como também as

estruturas, instituições e costumes que têm origem nelas. A abordagem

sociológica das relações entre os indivíduos distingue-se da abordagem

biológica, psicológica, econômica e política dessas relações. Seu interesse

focaliza-se no todo das interações sociais e não em apenas um de seus

aspectos, cada um dos quais constitui o domínio de uma ciência social

específica. As preocupações de ordem normativa são estranhas à

sociologia e não lhe cabe a aplicação de soluções para problemas sociais

ou a responsabilidade pelas reformas, planejamento ou adoção de

medidas que visem à transformação das condições sociais.

Vários obstáculos impediram a constituição da sociologia

como ciência, desde que ela surgiu, no século XIX. Entre os mais

importantes citam-se a inexistência de terminologia clara e precisa; a

tendência a subjetivar os fatos sociais; a multiplicidade de temas de seu

interesse e aplicação; as afinidades partilhadas com outras ciências

sociais; a dificuldade de experimentação, já que os elementos com que

lida são seres humanos; e a proliferação de métodos, técnicas e escolas

que tentaram elaborar uma teoria sociológica unificada como instrumento

adequado de análise, descrição e interpretação dos fenômenos sociais.

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Antecedentes. O interesse pelos fenômenos sociais já existia

na Grécia antiga, onde foram estudados pelos sofistas. Os filósofos

gregos, porém, não elaboraram uma ciência sociológica autônoma, já

que subordinaram os fatos sociais a exigências éticas e didáticas. Assim,

a contribuição grega à sociologia foi apenas indireta.

Um pensamento social existiu na Idade Média, mas sob uma

forma não-sistemática de raciocínio e análise dos fenômenos sociais, pois

se baseava na especulação e não na investigação objetiva dos fatos.

Além disso, nesse período anulou-se a distinção entre as leis da natureza

e as leis humanas e impôs-se a concepção da ordem natural e social

como decorrência da vontade divina, que não seria passível de

transformação. Assim, eivado de conotações ideológicas, éticas e

religiosas, o pensamento social medieval pouco evoluiu.

As profundas modificações econômicas, sociais e políticas

ocorridas na sociedade européia nos séculos XVIII e XIX, em decorrência

da revolução industrial, permitiram o surgimento do capitalismo e

libertaram pensamento dos dogmas medievais. Assim, as ciências

naturais e humanas fizeram rápidos progressos.

Os principais antecedentes da sociologia são a filosofia

política, a filosofia da história, as teorias biológicas da evolução e os

movimentos pelas reformas sociais e políticas, que ensaiaram um

levantamento das condições sociais vigentes na época. Nos primórdios da

sociologia, foram mais influentes a filosofia da história e os movimentos

reformistas.

A história permitiu o acesso ao conhecimento de dados

objetivos sobre a sociedade, acumulados ao longo do tempo. Além disso,

a evolução da historiografia contribuiu em parte para o aperfeiçoamento

dos métodos empíricos de compilação de dados e a análise dos fatos

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sociais. Em relação aos movimentos reformistas, a sociologia partilhou

com eles sua preocupação com os problemas sociais e não mais aceitou

como fato natural condições como a pobreza, seqüela da industrialização.

Incorporou também os procedimentos dos reformistas, que se basearam

nos métodos das ciências naturais para fazer levantamentos sociais,

numa tentativa de classificar e quantificar os fenômenos sociais.

A pré-história da sociologia situa-se, assim, num período

aproximado de cem anos, de 1750 a 1850, entre a publicação de L'Esprit

des lois (O espírito das leis), de Montesquieu, e a formulação das teorias

de Auguste Comte e Herbert Spencer. Sua constituição como ciência

ocorreu na segunda metade do século XIX.

O termo sociologia foi consagrado por Auguste Comte na

obra Cours de philosophie positive (1839; Curso de filosofia positiva), em

que batizou a nova "ciência da sociedade" e tentou definir seu objeto. No

entanto, a palavra sociologia continuou suscetível de inúmeras

interpretações e definições no que diz respeito à delimitação de seu

objeto, pois cada escola sociológica criou suas próprias definições, de

acordo com as perspectivas teóricas, filosóficas e metodológicas

adotadas. Todas essas definições, no entanto, partilhavam um substrato

comum: o estudo das relações e interações humanas.

Abrangência. As ciências sociais se constituem a partir de

dois pilares: a teoria e o método. A teoria se ocupa dos princípios,

conceitos e generalizações; o método proporciona os instrumentos

necessários para a pesquisa científica dos fenômenos sociais.

A sociologia subdivide-se em disciplinas especializadas: a

sociologia do conhecimento, da família, dos meios rurais e urbanos, da

religião, da educação, da cultura etc. A essa lista seria possível

acrescentar um sem-número de novas especializações, como a sociologia

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da vida cotidiana, do teatro, do esporte etc., já que os interesses do

pesquisador se orientam para a compreensão e explicação sistemática,

mediante a utilização das teorias e dos métodos mais adequados, dos

aspectos sociais de todos os setores e atividades da vida humana.

Teorias sociológicas. Na sociologia, a teoria é o instrumento

de entendimento da realidade, dentro da qual se enunciam as leis gerais.

Difere, por isso, da doutrina social, de cunho normativo e ideológico, e a

ela se opõe.

As teorias sociológicas enunciadas ao longo dos séculos XIX

e XX centralizaram-se em algumas questões básicas. Entre elas

distinguem-se a determinação do que representam a sociedade e a

cultura; a fixação de unidades elementares para seu estudo; a

especificação dos fatores que condicionam sua estabilidade ou sua

mudança; a descoberta das relações que mantêm entre si e com a

personalidade; a delimitação de um campo; e a especificação de um

objeto e de métodos de estudos próprios à sociologia.

O desenvolvimento da teoria sociológica pode ser analisado

de acordo com três grandes temas: os tipos de generalização

empregados, os conceitos e esquemas de classificação e os tipos de

explicação.

São seis os tipos de generalização geralmente aceitos: (1)

correlações empíricas entre fenômenos sociais concretos; (2)

generalizações das condições sob as quais surgem as instituições e

outras formas sociais; (3) generalizações que afirmam que as mudanças

que determinadas instituições experimentam estão regularmente

associadas às mudanças que ocorrem em outras instituições; (4)

generalizações sobre a existência de repetições rítmicas de vários tipos;

(5) generalizações que enumeram as principais tendências evolutivas da

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humanidade; e (6) elaboração de leis sobre as repercussões e hipóteses

relacionadas ao comportamento humano.

A sociologia se mostrou mais fecunda no campo da

elaboração de conceitos e esquemas de classificação. No entanto, e

apesar de terem sido criados muitos conceitos, as definições existentes

continuam ainda insatisfatórias, o que impede a classificação adequada

das sociedades, dos grupos e das relações sociais, assim como o

descobrimento de conceitos centrais que permitam a elaboração de uma

teoria sistemática. Verifica-se que numerosos conceitos foram utilizados

com significados distintos por diferentes sociólogos. Mais ainda,

tentativas recentes de aperfeiçoar a base da conceituação atribuíram

importância excessiva à definição do conceito e relegaram a segundo

plano sua finalidade fundamental, a utilização.

As teorias de explicação dividem-se em dois tipos principais,

a causal e a teleológica. A primeira, que seria uma ciência natural da

sociedade, indaga o porquê dos fenômenos sociais, qual a causa de sua

ocorrência. A segunda indaga a finalidade dos fenômenos sociais, com

que objetivo eles ocorrem, e tenta interpretar o comportamento humano

em termos de propósitos e significados.

Métodos sociológicos. Distinguem-se sete métodos na

sociologia: histórico, comparativo, funcional, formal ou sistemático,

compreensivo, estatístico e monográfico. O método histórico ocupa-se do

estudo dos acontecimentos, processos e instituições das civilizações

passadas para proceder à identificação e explicação das origens da vida

social contemporânea.

O método comparativo, considerado durante muito tempo o

método sociológico por excelência porque permitia a realização de

correlações tanto restritas como gerais, estabelece comparações entre

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diversos tipos de grupos e fenômenos sociais com o fim de descobrir

diferenças e semelhanças.

O método funcional estuda os fenômenos sociais do ponto

de vista de suas funções. O sistema social total de uma comunidade seria

integrado por diversas partes inter-relacionadas e interdependentes e

cada uma delas desempenharia uma função necessária à vida do

conjunto. Nessa abordagem são evidentes as analogias entre a sociedade

e um organismo, o que levou seus partidários a tentativas de diferenciar

o funcionamento normal das instituições e sistemas sociais de seu

funcionamento patológico.

O método formal, ou sistemático, analisa as relações sociais

existentes entre os indivíduos, sobretudo no que diz respeito às diversas

formas que essas relações podem assumir independentemente de seu

conteúdo. Em completa oposição ao formal, o método compreensivo

atribui uma importância fundamental ao significado e aos motivos das

ações sociais, isto é, a seu conteúdo. O método estatístico enfatiza a

medição matemática dos fenômenos sociais. No entanto, como a maior

parte dos dados sociológicos é do tipo qualitativo, não se pode adotar

tratamento estatístico rígido.

Por último, o método monográfico centraliza-se no estudo

aprofundado de casos particulares: um grupo, uma comunidade, uma

instituição ou um indivíduo. Cada um dos objetos de estudo deve

necessariamente representar vários outros para que seja possível

estabelecer generalizações.

Técnicas sociológicas. Antes de mais nada, é preciso

estabelecer a diferença entre métodos e técnicas sociológicas. Os

métodos representam uma opção estratégica e não devem ser

confundidos com os objetivos da investigação, enquanto as técnicas

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constituem níveis de etapas práticas de operação limitada, ligadas a

elementos concretos e adaptadas a uma finalidade determinada. O

método é, portanto, uma concepção intelectual que coordena um

conjunto de técnicas.

Entre as principais técnicas utilizadas na investigação

sociológica figuram as entrevistas, as experiências de grupo, as histórias

de vida ou de caso e os formulários ou questionários, que podem ser de

tipo fechado, que oferecem alternativas prévias de resposta, ou aberto,

que permitem ao entrevistado uma liberdade maior de expressão. Tais

técnicas não são necessariamente excludentes, pois permitem a

utilização simultânea e complementar.

Principais correntes sociológicas. De acordo com as

classificações geralmente aceitas, são cinco as correntes principais da

sociologia: organicismo positivista, teorias do conflito, formalismo,

behaviorismo social e funcionalismo.

Organicismo positivista. Primeira construção teórica

importante surgida na sociologia, nasceu da hábil síntese que Comte fez

do organicismo e do positivismo, duas tradições intelectuais

contraditórias.

O organicismo representa uma tendência do pensamento

que constrói sua visão do mundo sobre um modelo orgânico e tem

origem na filosofia idealista. O positivismo, que fundamenta a

interpretação do mundo exclusivamente na experiência, adota como

ponto de partida a ciência natural e tenta aplicar seus métodos no exame

dos fenômenos sociais. Assim, os primeiros conceitos da nova disciplina

foram elaborados de acordo com analogias orgânicas, três das quais são

fundamentais para a compreensão dessa corrente sociológica: (1) o

conceito teleológico da natureza, que implica uma postura fatalista, já

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que as metas a serem alcançadas estão predeterminadas, o que impede

qualquer tentativa de alterá-las; (2) a idéia segundo a qual a natureza, a

sociedade e todos os demais conjuntos existentes perdem vida ao serem

analisados e por isso não se deve intervir em tais conjuntos. Essa noção

leva, em conseqüência, à adoção de uma atitude de laissez-faire; e (3) a

crença de que a relação existente entre as diversas partes que compõem

a sociedade é semelhante à relação que guardam entre si os órgãos de

um organismo vivo.

Os fundadores da nova disciplina adaptaram essa síntese ao

ambiente social e intelectual de seus países: Auguste Comte, na França,

Herbert Spencer, no Reino Unido, e Lester Frank Ward, nos Estados

Unidos. Os três eram partidários da divisão da sociologia em duas

grandes partes, estática e dinâmica, embora tenham atribuído

importância maior à primeira. Algumas diferenças profundas, porém,

marcaram seus pontos de vista.

Comte propôs, para o estudo dos fenômenos sociais, o

método positivo, que exige a subordinação dos conceitos aos fatos e a

aceitação da idéia segundo a qual os fenômenos sociais estão sujeitos a

leis gerais, embora admita que as leis que governam os fenômenos

sociais são menos rígidas do que as que regulamentam o biológico e o

físico. Comte dividiu a sociologia em duas grandes áreas, a estática, que

estuda as condições de existência da sociedade, e a dinâmica, que

estuda seu movimento contínuo. A principal característica da estática é a

ordem harmônica, enquanto a da dinâmica é o progresso, ambas

intimamente relacionadas. O fator preponderante do progresso é o

desenvolvimento das idéias, mas o crescimento da população e sua

densidade também são importantes. Para evoluir, o indivíduo e a

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sociedade devem atravessar três etapas: a teológica, a metafísica e a

positiva.

Comte não aceitou o método matemático e propôs a

utilização da observação, da experimentação, da comparação e do

método histórico. Para Comte, a sociedade era um organismo no qual a

ordem não se realiza apenas automaticamente; é possível estabelecer

uma ordem planejada, baseada no conhecimento das leis sociais e de

sua aplicação racional a problemas e situações concretas.

Spencer, o segundo grande pioneiro, negou a possibilidade

de atingir o progresso pela interferência deliberada nas relações entre o

indivíduo e a sociedade. Para ele, a lei universal do progresso é a

passagem da homogeneidade para a heterogeneidade, isto é, a evolução

se dá pelo movimento das sociedades simples (homogêneas), para os

diversos níveis das sociedades compostas (heterogêneas). Individualista

e liberal, partidário do laissez-faire, Spencer deu mais ênfase às

concepções evolucionistas e usou com largueza analogias orgânicas.

Distinguiu três sistemas principais: de sustentação, de distribuição e

regulador. As instituições são as partes principais da sociedade, isto é,

são os órgãos que compõem os sistemas. Seu individualismo expressou-

se numa das diferenças que apontou: enquanto no organismo as partes

existem em benefício do todo, na sociedade o todo existe apenas em

benefício do individual.

Ward compartilhou das idéias de Spencer e Comte mas não

incorreu em seus extremos -- individualismo e conservadorismo utópico.

Deu grande ênfase, porém, ao aperfeiçoamento das condições sociais

pela aplicação de métodos científicos e a elaboração de planos racionais,

concebidos segundo uma imagem ideal da sociedade.

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Depois da fase dos pioneiros, surgiu o chamado período

clássico do organicismo positivista, caracterizado por uma primeira etapa,

em que a biologia exerceu influência muito forte, e uma segunda etapa

em que predominou a preocupação com o rigor metodológico e com a

objetividade da nova disciplina.

O organicismo biológico, inspirado nas teorias de Charles

Darwin, considerava a sociedade como um organismo biológico em sua

natureza, funções, origem, desenvolvimento e variações. Segundo essa

corrente, praticamente extinta, o que é válido para os organismos é

aplicado aos grupos sociais. A segunda etapa clássica do organicismo

positivista, também chamada de sociologia analítica, foi marcada por

grandes preocupações metodológicas e teve em Ferdinand Tönnies,

Émile Durkheim e Robert Redfield seus expoentes máximos.

Para Tönnies, a sociedade e as relações humanas são fruto

da vontade humana, manifesta nas interações. O desenvolvimento dos

atos individuais permite o surgimento de uma vontade coletiva. A

Tönnies deve-se a distinção fundamental entre "sociedade" e

"comunidade", duas formas básicas de grupos sociais que surgem de

dois tipos de desejo, o natural e o racional. Segundo Tönnies, não são

apenas tipos de grupos mas também etapas genéticas -- a comunidade

evolui para a sociedade.

O núcleo organicista da obra de Durkheim encontra-se na

afirmação segundo a qual uma sociedade não é a simples soma das

partes que a compõem, e sim uma totalidade sui generis, que não pode

ser diretamente afetada pelas modificações que ocorrem em partes

isoladas. Surge assim o conceito de "consciência coletiva", que se impõe

aos indivíduos. Para Durkheim, os fatos sociais são "coisas" e como tal

devem ser estudados.

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Provavelmente o sociólogo que mais se aproximou de uma

teoria sistemática, Durkheim deixou uma obra importante também do

ponto de vista metodológico, pela ênfase que deu ao método

comparativo, segundo ele o único capaz de explicar a causa dos

fenômenos sociais, e pelo uso do método funcional. Afirmou que não

basta encontrar a causa de um fato social; é preciso também determinar

a função que esse fato social vai preencher. Sociólogos posteriores, como

Marcel Mauss, Claude Lévi-Strauss e Mikel Duffrenne, retomaram de

forma atenuada o realismo sociológico de Durkheim.

Um dos principais teóricos do organicismo positivista,

Redfield analisou a diferença existente entre as sociedades consideradas

em sua totalidade e sugeriu a utilização da dicotomia sagrado/secular.

Em suas análises utilizou, de forma mais avançada e profunda, a grande

tipologia do organicismo positivista clássico, basicamente

sociedade/comunidade, e suas diversas configurações.

Teorias do conflito. Segunda grande construção do

pensamento sociológico, surgida ainda antes que o organicismo tivesse

alcançado sua maturidade, a teoria do conflito conferiu à sociologia uma

nova dimensão da realidade. A partir de seus pressupostos, o problema

das origens e do equilíbrio das sociedades perdeu importância diante dos

significados atribuídos aos mecanismos de conflito e de defesa dos

grupos e da função de ambos na organização de formas mais complexas

de vida social. O grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio

de forças e não mais como uma relação harmônica entre órgãos, não-

suscetíveis de interferência externa.

Antes mesmo de ser adotada pela sociologia, a teoria do

conflito já havia obtido resultados de grande importância em outras áreas

que não as especificamente sociológicas. É o caso, por exemplo, da

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história; da economia clássica, em especial sob a influência de Adam

Smith e Robert Malthus; e da biologia nascida das idéias de Darwin sobre

a origem das espécies. Dentro dessas teorias, cabe destacar o socialismo

marxista, que representava uma ideologia do conflito defendida em nome

do proletariado, e o darwinismo social, representação da ideologia

elaborada em nome das classes superiores da sociedade e baseada na

defesa de uma política seletiva e eugênica. Ambas enriqueceram a

sociologia com novas perspectivas teóricas.

Os principais teóricos do darwinismo social foram o polonês

Ludwig Gumplowicz, que explicava a evolução sociocultural mediante o

conflito entre os grupos sociais; o austríaco Gustav Ratzenhofer, que

utilizou a noção do choque de interesses para explicar a formação dos

processos sociais; e os americanos William Graham Sumner e Albion

Woodbury Small, para os quais a base dos processos sociais residia na

relação entre a natureza, os indivíduos e as instituições.

O darwinismo social assumiu conotações claramente racistas

e sectárias. Entre suas premissas estão a de que as atividades de

assistência e bem-estar social não devem ocupar-se dos menos

favorecidos socialmente porque estariam contribuindo para a destruição

do potencial biológico da raça. Nesse sentido, a pobreza seria apenas a

manifestação de inferioridade biológica.

Formalismo. A terceira corrente teórica do pensamento

sociológico, que definiu a sociologia como o estudo das formas sociais,

independente de seu conteúdo, legou à sociologia um detalhado estudo

sobre os acontecimentos e as relações sociais. Para o formalismo, as

comparações devem ser feitas entre as relações que caracterizam

qualquer sociedade ou instituição, como, por exemplo, as relações entre

marido e mulher ou entre patrão e empregado, e não entre sociedades

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globais, ou entre instituições de diferentes sociedades. O interesse pela

comparação entre relações permitiu à sociologia alcançar um nível mais

amplo de generalização e conferiu maior importância ao indivíduo do que

às sociedades globais. Essa segunda característica abriu caminho para o

surgimento da psicologia social.

Os dois ramos principais dessa corrente são o formalismo

neokantiano e o fenomenológico. O primeiro, baseado na divisão

kantiana do conhecimento dos fenômenos em duas classes -- o estudo

das formas, consideradas a priori como certas, e dos conteúdos, que

seriam apenas contingentes -- teve grandes teóricos nos alemães Georg

Simmel, interessado em determinar as condições que tornam possível o

surgimento da sociedade, e Leopold von Wiese, que renovou a divisão

kantiana entre forma e conteúdo quando a substituiu pela idéia de

relação.

Em oposição à interpretação positivista e objetiva do

formalismo kantiano, o ramo fenomenológico contribuiu com uma

perspectiva subjetivista. Concentrou-se não nas formas ou relações que a

priori determinam o surgimento de uma sociedade e sim nas condições

sociopsicológicas que a tornam possível. Tem grande importância,

portanto, o estudo dos dados cognitivos, isto é, das essências que podem

ser diretamente intuídas, para cuja análise o filósofo alemão Edmund

Husserl propôs um método de redução a fim de alcançar diversos níveis

de profundidade.

Behaviorismo social. Surgida entre 1890 e 1910, o

behaviorismo social se dividiu em três grandes ramos -- behaviorismo

pluralista, interacionismo simbólico e teoria da ação social -- e legou à

sociologia preciosas contribuições metodológicas. O behaviorismo

pluralista, formado a partir da escola de imitação-sugestão representada

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pelo francês Gabriel Tarde, centralizou-se na análise dos fenômenos de

massas e atribuiu grande importância ao conceito de imitação para

explicar os processos e interações sociais, entendidos como repetição

mecânica de atos.

Os americanos Charles Horton Cooley, George Herbert Mead

e Charles Wright Mills são alguns dos teóricos do interacionismo

simbólico que, ao contrário do movimento anterior, centralizou-se no

estudo do eu e da personalidade, assim como nas noções de atitude e

significado para explicar os processos sociais.

O alemão Max Weber foi o expoente máximo do terceiro

movimento do behaviorismo, a teoria da ação social. Com seu original

método de "construção de tipos sociais", instrumento de análise para

estudo de situações e acontecimentos históricos concretos, exerceu

poderosa influência sobre numerosos sociólogos posteriores.

Funcionalismo. A reformulação do conceito de sistema foi o

centro de todas as interpretações que constituem a contribuição do

funcionalismo, última grande corrente do pensamento sociológico e

integrada por dois importantes ramos: o macrofuncionalismo, derivado

do organicismo sociológico e da antropologia, e o microfuncionalismo,

inspirado nas teorias da escola psicológica da Gestalt e no positivismo.

Entre os adeptos do funcionalismo estão os antropólogos culturais

Bronislaw Malinowski e A. R. Radcliffe-Brown.

O macrofuncionalismo se caracteriza pela unidade orgânica

que considera fundamental: os esquemas em larga escala. Foi o italiano

Vilfredo Pareto quem permitiu a transição entre o organicismo e o

funcionalismo, quando concebeu o conceito de sistema, conferindo-lhe

correta formulação abstrata. A forma da sociedade, segundo ele, é

determinada pela interação entre os elementos que a compõem e a

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interação desses elementos com o todo, o que implica a existência de

uma determinação recíproca entre diversos elementos: a introdução de

qualquer mudança provoca uma reação cuja finalidade é a recuperação

do estado original (noção de equilíbrio sistêmico).

O microfuncionalismo desenvolveu-se na área de análise dos

grupos em sua dinâmica e não na área do estudo da sociedade como um

sistema. O americano Kurt Lewin, com a teoria sobre os "campos

dinâmicos", conjuntos de fatos físicos e sociais que determinam o

comportamento de um indivíduo na sociedade, abriu novos caminhos

para o estudo dos grupos humanos.

COMO SURGIU A SOCIOLOGIA?

A sociologia, ciência que tenta explicar a vida social, nasceu

de uma mudança radical da sociedade, resultando no surgimento do

capitalismo.

O século XVIII foi marcado por transformações, fazendo o

homem analisar a sociedade, um novo "objeto" de estudo. Essa situação

foi gerada pelas revoluções industrial e francesa, que mudaram

completamente o curso que a sociedade estava tomando na época. A

Revolução Industrial, por exemplo, representou a consolidação do

capitalismo, uma nova forma de viver, a destruição de costumes e

instituições, a automação, o aumento de suicídios, prostituição e

violência, a formação do proletariado, etc. Essas novas existências vão,

paulatinamente, modificando o pensamento moderno, que vai se

tornando racional e científico, substituindo as explicações teológicas,

filosóficas e de senso comum.

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Na Revolução Francesa, encontra-se filósofos a fim de

transformar a sociedade, os iluministas, que também objetivavam

demonstrar a irracionalidade e as injustiças de algumas instituições,

pregando a liberdade e a igualdade dos indivíduos que, na verdade,

descobriu-se mais tarde que esses eram falsos dogmas. Esse cenário leva

à constituição de um estudo científico da sociedade.

Contra a revolução, pensadores tentam reorganizar a

sociedade, estabelecendo ordem, conhecendo as leis que regem os fatos

sociais. Era o positivismo surgindo e, com ele, a instituição da ciência da

sociedade. Tal movimento revalorizou certas instituições que a revolução

francesa tentou destruir e criou uma "física social", criada por Comte,

"pai da sociologia". Outro pensador positivista, Durkheim, tornou-se um

grande teórico desta nova ciência, se esforçando para emancipa-la como

disciplina científica.

Foi dentro desse contexto que surgiu a sociologia, ciência

que, mesmo antes de ser considerada como tal, estimulou a reflexão da

sociedade moderna colocando como "objeto de estudo" a própria

sociedade, tendo como principais articuladores Auguste Comte e Émile

Durkheim.

Sociologia

A partir do momento em que um ser humano aceita o acordo

de viver e trabalhar em comum com outros seres humanos, passa a fazer

parte de uma sociedade. As sociedades humanas podem ser muito

diversificadas: abrangem uma gama ampla que varia desde as mais

simples, que sobrevivem até a atualidade no interior remoto de florestas

e desertos quase inacessíveis, até as mais complexas, como as que

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existem nos países de grande prosperidade econômica e múltiplas

manifestações culturais.

Nas sociedades mais simples, que se acham em avançado

processo de extinção, um grupo reduzido de pessoas enfrenta o mundo

utilizando meios tecnológicos muito primitivos e apoiando-se em

instituições sociais de extrema singeleza. As sociedades mais complexas

têm características opostas. Entre elas encontram-se as diversas

sociedades nacionais e, no grau máximo de complexidade, acha-se a

sociedade global, planetária, que tem adquirido um perfil cada vez mais

nítido nas últimas décadas do século XX.

Nessa época, a sociedade global mostrava-se como uma

realidade que, embora incompleta, englobava praticamente a totalidade

dos seres humanos numa rede muito técnica e rica de relações

interpessoais, que abrangem desde os códigos do direito civil às

convenções internacionais de saudação entre estranhos de diferentes

nacionalidades que partilham um mesmo elevador; desde o respeito aos

sinais de trânsito e a observância dos códigos telefônicos até os tratados

internacionais políticos, comerciais ou culturais.

Apesar da evidência dessa realidade, continuava-se a

considerar a sociedade nacional como a sociedade complexa por

excelência, à qual se atribuía, provavelmente por inércia, uma

importância excessiva, ignorando o fato óbvio de que a sociedade global

ganhava a cada dia mais coesão, independentemente das resistências

que os antigos interesses nacionalistas opunham a sua consolidação e

apesar da imensa pluralidade de interesses, vivências, hábitos e visões

culturais e religiosas de seus elementos constituintes.

A sociologia é a ciência que estuda o homem como ser

social. O objeto dessa ciência é, portanto, o comportamento social

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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humano. A sociologia analisa, por sua natureza, as causas e os efeitos

das relações entre indivíduos e grupos de indivíduos, como membros de

uma mesma sociedade.

Evolução histórica da sociologia

Assim que o ser humano começou a refletir sobre o mundo

que o cercava, sem dúvida teve que observar que vivia junto com outros

indivíduos, partilhando com eles trabalhos e alimentos, formando

famílias, clãs e tribos em cujo interior cada pessoa desempenhava um

papel determinado, definido por sua idade, sexo, relações de parentesco,

trabalho etc. A reflexão sobre as formações sociais humanas, portanto,

ocorreu em momento bastante precoce da vida inteligente da

humanidade. No decorrer da história, os pensadores enfocaram o tema

social em todas as épocas, a partir de pontos de vista muito diversos:

analisando, recolhendo conhecimentos anteriores e reestudando-os à luz

de novas interpretações ou teorizando sobre especificidades políticas,

jurídicas, filosóficas, históricas e demográficas das diversas sociedades.

Mas a sociologia, como ciência da sociedade, surgiria apenas depois de

muitos séculos. A palavra "sociologia" é de criação relativamente recente.

Em sua concepção moderna, a sociologia deve seu nome a Auguste

Comte, que o empregou pela primeira vez na década de 1830.

A filosofia clássica grega produziu reflexões sobre a natureza

e os fins da sociedade. Platão e Aristóteles dedicaram boa parte de sua

vida e obra ao estudo da estrutura e funcionamento da sociedade na

qual viveram. Platão até mesmo se permitiu projetar uma formação

social utópica que considerava perfeita e chegou a fazer algumas

tentativas fracassadas de pô-la em prática. É de Aristóteles a famosa

definição do homem como "animal social". Filósofos helênicos, doutores

da Igreja Católica, teólogos e pensadores medievais, europeus e

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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muçulmanos, juristas e geógrafos, todos contribuíram para a criação e o

desenvolvimento de um rico acervo de pensamento social ao longo de

mais de vinte séculos.

A partir do Renascimento, e muito especialmente no período

do Iluminismo, diversos autores europeus aproximaram-se aos poucos e

cada vez mais do pensamento propriamente sociológico, a partir de

análises políticas, históricas ou de natureza jurídica ou econômica. As

ciências experimentais começavam a progredir solidamente e nasceu a

aspiração de introduzir a utilização do método ciêntífico nas ciências

humanas. No começo do século XIX, Henri de Saint-Simon defendeu a

criação de uma consciência positiva que estudasse os fenômenos sociais.

Mas o criador do termo "sociologia" haveria de ser um de seus discípulos,

Auguste Comte, um dos fundadores da sociologia científica.

Desde sua origem, a sociologia se nutriu, portanto, de

contribuições de personalidades que, em princípio, obedeciam a impulsos

de índole política, como é o caso de John Locke ou Jean-Jacques

Rousseau, e de critérios tomados de empréstimo a outras áreas do

saber, como os demográficos, de que Thomas Malthus é um exemplo, e

os econômicos, como fez Adam Smith.

Comte e os "fundadores": Durkheim, Weber e Pareto

A sociologia chegou à maioridade no período que abrangeu

as últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX. Três

grandes autores foram os principais responsáveis pelo crescimento e

consolidação da nova ciência: o francês Émile Durkheim, o alemão Max

Weber e o italiano Vilfredo Pareto. Durkheim é tido como fundador da

sociologia moderna. Foi o criador e incentivador da principal escola

sociológica de seu tempo e seu magistério doutrinário e metodológico

ainda se estende sobre a produção sociológica de autores do mundo

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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inteiro um século depois do surgimento de sua obra capital, As regras do

método sociológico. Pareto chegou ao domínio da sociologia a partir de

uma disciplina muito próxima, a economia, e Weber desbravou os

caminhos do conhecimento próprios das ciências humanas, que nem

sempre coincidem com os utilizados habitualmente nas ciências

experimentais.

Desde seus primórdios, o saber sociológico progrediu em

direções muito distintas e formaram-se escolas muito diversas. As

tendências do pensamento humanístico geral se incorporaram às teorias

sociológicas, impondo "modismos" científicos, como o evolucionismo e o

psicologismo, que deram lugar a interpretações muitas vezes grosseiras,

forçadas e parciais dos fatos sociais. Assim, por exemplo, as teorias do

evolucionismo, originalmente estabelecidas nas ciências biológicas, não

tardaram a ser aplicadas às realidades sociais. Tais colaborações

desfrutaram de certo prestígio, durante algum tempo, entre os indivíduos

mais radicalmente tradicionalistas e sectários.

As contribuições e progressos doutrinários e práticos

adotados por escolas sociológicas se viram afetados profundamente pelas

distintas concepções políticas, econômicas e filosóficas sobre o ser

humano e suas construções sociais imperantes em cada época e lugar.

Sociologia contemporânea

Ao contrário da tendência generalizada entre os sociólogos

europeus, voltada para a elaboração de grandes sistemas teóricos para

explicar o conjunto dos fenômenos sociais ou pelo menos os fenômenos

correspondentes a extensos setores da vida social, a obra dos sociólogos

americanos foi desde o começo orientada para a prática, dotada de

grande concretude nos temas tratados e capaz de efetuar uma análise

minuciosa e exaustiva, baseada no estudo direto, de fatos e temas

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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específicos. A sociologia empírica, que fez grandes progressos nos

Estados Unidos nas décadas de 1930 e 1940, alcançou o apogeu na

Europa ocidental depois da segunda guerra mundial.

Com referência ao empirismo dominante em todo o mundo

nos estudos sociológicos, difundiram-se frases pretensamente

engraçadas, como a que diz que "um sociólogo é um cientista que gasta

cada vez mais dinheiro para estudar segmentos cada vez mais

irrelevantes na realidade social". Brincadeiras à parte, na segunda

metade do século XX o trabalho dos sociólogos foi dominado, sem

dúvida, pelas tendências empíricas. Apesar disso, outras antigas escolas

sociológicas continuavam ativas nas últimas décadas do século.

A nota mais destacada do progresso sociológico talvez tenha

sido a fragmentação da sociologia em numerosas ciências especializadas:

é comum falar de sociologia do trabalho, da marginalização, da vida

cotidiana, da religião, sociologia eleitoral, sociologia das organizações e

outras. Mais ainda, a tendência que a sociologia empírica mostra para a

realização de pesquisas, das quais se extraem dados em grande número,

obrigou os sociólogos a utilizar com freqüência as estatísticas em seus

trabalhos. A popularização do uso do computador encontrou na análise

de dados sociológicos uma de suas aplicacões mais prósperas e

consistentes.

A sociologia no contexto das ciências humanas

Como sucede com as demais ciências humanas, o domínio

de estudo da sociologia apresenta muitas coincidências com o de outras

disciplinas. A sociedade, as relações sociais e a troca social podem ser

estudadas de pontos de vista propriamente sociológicos, mas também

podem sê-lo em suas características econômicas, antropológicas,

psicológicas etc. Por isso, não podem ser inteiramente dissociados os

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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enfoques de caráter propriamente sociológico daqueles adotados por

outras ciências afins que complementam sempre o trabalho do sociólogo.

Os autores antigos tinham uma visão predominantemente

política da sociedade, já que consideravam-na como produto de uma

união de vontades. Para o sociólogo moderno, no entanto, a concepção

de sociedade é mais complexa e se dá dentro de uma abordagem

organicista: considera-se que ela funciona de acordo com uma lógica que

lhe é própria.

A sociedade se compõe de grupos distintos de indivíduos:

percebemos em seu interior membros muito diferentes por sua idade,

trabalho, posses, poder que detêm sobre os demais, tipo físico,

características raciais e outras inúmeras manifestações da diversidade

humana. Uma sociedade complexa, como as atuais sociedades nacionais,

compõe-se de grande variedade de grupos humanos, formados de

maneiras muito diversas: grupos raciais, econômicos, de poder etc. Um

mesmo ser humano pode pertencer a vários desses grupos, entre os

quais as relações são complexas e se acham sempre em equilíbrio

dinâmico e cambiante.

Uma das divisões em grupos da sociedade que mais gerou

controvérsias no decorrer da história ainda breve da sociologia refere-se

às classes sociais. Enquanto alguns autores negam até mesmo sua

existência, outros baseiam na mecânica das classes sociais sua

concepção global da sociedade e seus mecanismos, sua evolução

histórica e seu futuro.

Mudança social

As sociedades não são permanentes. No decorrer da história

existiram formações sociais nas quais as mudanças, em muitas épocas,

foram imperceptíveis. Assim, prolongados períodos da história do Egito

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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faraônico parecem, do ponto de vista do observador atual, ter sido

presididos por uma estrutura social estática, sem mudanças, invariável

em suas forças e componentes institucionais internos. No entanto,

mesmo as sociedades mais conservadoras e aparentemente imutáveis

experimentaram sempre tensões e movimentos de mudanças em seu

interior, que no final conseguiram transformar os alicerces sociais. Se

essa afirmação é verdadeira em relação às sociedades da antiguidade,

aplica-se com maior rigor ainda às sociedades contemporâneas, nas

quais o extraordinário progresso impôs um ritmo de transformação e de

surgimento e desencadeamento de novos problemas internos, gerou

tensões e reforçou fatores de mudança social com uma intensidade

jamais conhecida em outras etapas históricas.

Tornou-se lugar-comum afirmar que a sociedade atual está

em crise. Entretanto, apesar de trivial e repetitiva, essa afirmação não é

menos verdadeira. A sociedade do terceiro milênio é com certeza mais

aberta às transformações, e as forças que a impulsionam a mudar são

mais poderosas do que as que existiram em qualquer outro momento da

história.

O progresso tecnológico influiu poderosamente sobre as

mudanças sociais em nível mundial, mas suas conseqüências não têm

sido as mesmas em todas as sociedades, nem os processos tiveram a

mesma intensidade. Assim, o desenvolvimento econômico parece estar

fortemente enraizado, de forma irreversível, nos países industrializados e

mais ricos, nos quais, apesar de ocasionais crises econômicas, o avanço é

quase contínuo. Muitas sociedades mais pobres do Terceiro Mundo, pelo

contrário, experimentam grandes dificuldades para encontrar o caminho

do progresso.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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As causas que provocam um grau diferente de mudança

social entre as diversas sociedades são muito complexas. Basta no

entanto apenas um exemplo para mostrar o nível diferente de impacto

que um aperfeiçoamento tecnológico pode ter, de acordo com o tipo de

formação social sobre o qual incida. O surgimento dos antibióticos

aumentou a duração e a qualidade da vida nos países industrializados;

quando seu emprego se generalizou nas sociedades subdesenvolvidas, o

grande número de vidas humanas que tais medicamentos salvaram

originou como reação problemas adicionais às dificuldades de

alimentação e emprego que as massas humanas desses países sofrem

devido à explosão demográfica que contribuíram para criar. Assim, pois,

a conformação de uma sociedade, seus recursos e organização interna

podem originar, para as mesmas causas, efeitos de mudança social muito

diferentes.

Uma sociedade ingressa numa dinâmica intensa de mudança

social quando os laços tradicionais que seus componentes mantêm entre

si, sejam eles representados por instituições econômicas, religiosas ou

culturais, se enfraquecem a tal ponto que os indivíduos se mostram

dispostos a construir novas relações, adotar outras instituições e

modificar seu modo de vida e sua conduta. São perceptíveis, em todos os

países modernos, as mudanças na estrutura familiar, na forma com que

as crenças se materializam na prática religiosa, na estrutura ideológica

dominante e, muito particularmente, na realidade econômica. Um

processo muito intenso de mudanças sociais teve lugar, no final do

século XX, na quase totalidade do mundo.

Movimentos ideológicos de transformação social

A consciência de que a organização social, num momento

dado, não é a melhor possível, isto é, que não proporciona o máximo de

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bem-estar e de possibilidades de auto-realização aos componentes da

sociedade, é comum a todos os períodos históricos. Entretanto, parece

ter se tornado mais aguda a partir do momento em que a revolução

industrial despertou nos homens a idéia de "progresso", isto é, a

concepção de que a sociedade é um todo dinâmico, em permanente

transformação, e que os recursos materiais de que dispõe aumentam de

forma indefinida, possibilitando maior bem-estar aos seres humanos e

um aperfeiçoamento contínuo da sociedade.

A noção de "progresso", ao se incorporar à ideologia dos

europeus a partir do século XVIII, levou-os a repelir as idéias, antes

dominantes, de estratificação social, de que as injustiças são inevitáveis,

de convivência perpétua com a escassez, da pobreza ixexorável da maior

parte dos seres humanos. A industrialização demonstrou que, do ponto

de vista material, era possível construir "o paraíso na Terra" e evitar de

forma permanente a escassez e a fome.

Não foi sem tensões que a idéia de uma sociedade mais

justa e equitativa se plasmou paulatinamente na realidade. De fato, em

qualquer progresso social produzem-se desajustes e injustiças. A rápida

evolução da sociedade industrializada provocou uma série de conflitos,

nos quais certas camadas sociais reivindicaram -- e algumas vezes

conquistaram -- novos e melhores níveis de qualidade de vida. A história

recente da maior parte das sociedades contemporâneas encerra um ou

mais movimentos revolucionários, que em alguns casos ameaçaram

romper o tecido social e implantar condições radicalmente novas de

relacionamento entre pessoas e classes sociais.

Sociedade atual

O intenso processo de mudança social que se iniciou na

Europa há vários séculos continua em fermentação. As atuais sociedades

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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desenvolvidas -- última etapa, por enquanto, desse processo de mudança

social -- têm características muito positivas em alguns casos: extensão

generalizada da alfabetização, previdência social universal, média elevada

de duração da vida, incorporação da mulher ao mercado de trabalho e a

outras atividades sociais em desvantagem cada vez menor em relação ao

homem, estabilidade social e econômica no caso dos países de

"capitalismo avançado" e bem-estar material de amplas camadas sociais.

Entretanto, em sua complexidade, as sociedades

desenvolvidas se revestem também de características que não podem

deixar de ser consideradas negativas. Uma delas é que, embora

englobem apenas uma parcela minoritária da humanidade, as sociedades

desenvolvidas, em função precisamente das necessidades de seu

desenvolvimento ou da tecnologia de que dispõem, detêm a quase

exclusividade da exploração dos recursos naturais do planeta. Essa

situação ocorre em detrimento daquelas sociedades que possuem tais

recursos, mas carecem dos meios de se beneficiarem deles.

No final do século XX, o modelo econômico e social a que

aspirava a maioria dos habitantes do planeta era, em linhas gerais,

representado pelos países capitalistas mais desenvolvidos. Entretanto, as

sociedades mais ricas tentam encontrar soluções para os problemas que

surgiram em seu interior, como a delinqüência, a violência urbana, o uso

de drogas, a marginalização de amplos setores, o racismo, o consumismo

descontrolado e a falta de solidariedade social.

Embora a "mão invisível" do sistema de mercado tenha

demonstrado sua eficácia para a conquista do crescimento econômico ao

longo de muitas décadas, tem ainda que oferecer soluções melhores para

o problema global que se apresenta com intensidade cada vez maior: a

limitação das reservas dos recursos de toda ordem: matérias-primas,

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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energia, espaço, alimentos, atmosfera, água potável etc. Outro grave

problema para o qual o sistema social não soube ainda oferecer solução

plenamente satisfatória é o da acelerada automação e robotização, que

dispensa cada vez maiores contingentes de mão-de-obra humana. As

sociedades desenvolvidas, porém, baseiam grande parte da justificação

da existência humana no trabalho. Como tornar compatível a escassez do

trabalho com a necessidade psicológica, social, ideológica, econômica e

moral que dele sente o indivíduo é um tema no qual as sociedades

modernas começam a dar os primeiros passos, encaminhando-se para

um mundo no qual exista um equilíbrio entre trabalho e lazer.

As sociedades pouco desenvolvidas, nas quais o sistema

produtivo é ineficiente e as estruturas sociais em grande parte ainda

estão por se modernizar, sofrem também de modo peculiar os problemas

próprios das sociedades ricas mas, sobretudo, enfrentam dificuldades

ainda maiores advindas das desigualdades sociais que provocam grande

instabilidade interna e dificultam o funcionamento democrático das

instituições políticas. Muitas dessas sociedades se encontram divididas

em duas partes distintas: uma minoria modernizada e uma maioria na

qual predominam as atitudes e modos de vida tradicionais. Em alguns

casos o panorama negativo se complementa com a fome generalizada, a

incapacidade de deslanchar o processo de crescimento econômico, a

superpopulação e muitos outros problemas de extrema gravidade.

O processo de modernização econômica, por ser incompleto,

provoca grandes problemas sociais, como a superpopulação das cidades.

Se a migração de camponeses para os grandes centros urbanos constitui

sintoma revelador de modernização social, já que pressupõe que grandes

contingentes da população se inserem nos circuitos econômicos

modernos e se desligam de seus condicionantes ideológicos tradicionais,

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a incapacidade das grandes cidades de absorvê-los cria por sua vez

subculturas pré-modernas, marginalização, desvinculação dos laços com

o resto da sociedade e delinqüência. O controle das doenças infecciosas,

desvinculado de uma mudança na ideologia tradicional favorável a uma

alta taxa de natalidade ("ter muitos filhos para que pelo menos um

sobreviva"), provoca uma explosão demográfica que uma economia

raquítica, lenta em seu ritmo de expansão, não tem condições de

absorver.

Esses e muitos outros problemas caracterizam a maior parte

das sociedades pobres e o otimismo que imperava no meado do século

XX a respeito de sua pronta solução não se confirmou nos anos

posteriores. Apesar desse quadro negativo, algum avanço foi

conquistado. No fim da década de 1980, as taxas de crescimento

populacional começaram a diminuir em muitas regiões do mundo,

enquanto grandes países asiáticos antes identificados com a fome, como

a Índia e a China, pareciam ter superado esse problema.

No tratamento dos diversos problemas das sociedades

atuais, o trabalho do sociólogo e a contribuição das teorias sociológicas

adquiriram uma importância crescente. Embora não existam medidas

seguras ou receitas aplicáveis a qualquer caso, os governos podem,

mediante técnicas sociológicas, intervir em diferentes áreas da vida

social. Essas técnicas de intervenção tiveram progresso especial nos

setores da publicidade e da opinião pública, que servem para orientar e

conhecer as preferências de consumo e as tendências ideológicas.

Até aqui foram abordadas algumas especificidades da

sociologia, assim como uma visão do mundo atual, contemplado de um

ponto de vista sociológico. Mas os fenômenos humanos que podem ser

objeto de estudo da sociologia são muito numerosos e diversos.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Os fenômenos humanos e a sociologia

A sociologia é pois uma forma de abordar o mundo, que

privilegia certos aspectos e despreza outros, ou seja, seleciona da

realidade o objeto de seu interesse, da forma mais adequada para esta

ou aquela finalidade. Encara as pessoas não do ponto de vista de sua

especificidade, mas como atores de relações sociais, que desempenham

certos papéis movidos por certos elementos motivadores. As relações

sociais, por sua vez, podem ser entendidas de maneiras distintas, de

acordo com o propósito do estudioso: seja no contexto das classes entre

as quais se estabelecem, seja em âmbitos mais restritos, núcleos

menores ou microcosmos que se definem dentro da realidade mais ampla

da sociedade global.

Do que foi dito se deduz, assim, que um traço característico

que define com maior rigor os estudos sociológicos é precisamente a

grande diversidade de enfoques e contribuições que se estabelecem em

seu âmbito. O principal desafio para o sociólogo é portanto a delimitação

de meios de observação e gestão para compreender uma área concreta

das sociedades.

Max Weber

As teorias de Weber não se identificam com nenhuma

corrente de pensamento de sua época nem se encontram perfeitamente

sistematizadas numa grande obra. Seu pensamento, no entanto, aparece

como uma verdadeira síntese da tradição científica e filosófica da

Alemanha moderna, pois resgata o melhor da metodologia e dos

conceitos já formulados para propor uma ciência social em que os

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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múltiplos fatores se encontram relacionados e se explicam

reciprocamente.

Max Weber nasceu em Erfurt, Prússia, em 21 de abril de

1864. Filho de um grande industrial, estudou nas universidades de

Heidelberg, Berlim e Göttingen. O prestígio obtido graças a seus

primeiros escritos valeu-lhe, em 1895, a nomeação como professor de

economia política na Universidade de Freiburg e, no ano seguinte, em

Heidelberg. Uma doença nervosa obrigou-o a abandonar o ensino e o

manteve inativo entre 1898 e 1903.

A partir de 1904, Weber dirigiu a influente revista Archiv für

Sozialwissenschaft und Sozialpolitik (Arquivo de Sociologia e de Política

Social), na qual publicou diversos ensaios que definiam sua concepção do

método sociológico como reflexão sobre os modelos básicos, ou "idéias-

tipo", que regem os comportamentos sociais. Foi nessa revista que

publicou também sua obra mais conhecida e polêmica, Die

protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus (1904-1905; A ética

protestante e o espírito do capitalismo), que vincula o nascimento do

capitalismo à doutrina calvinista da predestinação e à conseqüente

interpretação do êxito material como garantia da graça divina. Essa tese

seria ampliada mais tarde em Die Wirtschaftsethik der Weltreligionen

(1915; A ética econômica das religiões universais), conformando o

primeiro estudo interdisciplinar na história das ciências sociais, em que

Weber sintetiza pesquisas de história das religiões e história econômica.

De volta ao ensino universitário em 1918, Weber participou,

depois de terminada a primeira guerra mundial, da elaboração da

constituição da república de Weimar. A intensa atividade pública de seus

últimos anos não o impediu de escrever. Entre os seus textos de

publicação póstuma destacam-se os que foram reunidos em Gesammelte

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Aufsätze zur Religionssoziologie (1921; Estudos reunidos sobre a

sociologia das religiões) e, sobretudo, em Wirtschaft und Gesellschaft

(1922; Economia e sociedade). Max Weber morreu em Munique, em 14

de junho de 1920.

Karl Marx

O pensamento de Karl Marx mudou radicalmente a história

política da humanidade. Inspirada em suas idéias, metade da população

do mundo empreendeu a revolução socialista, na intenção de coletivizar

as riquezas e distribuir justiça social.

Karl Heinrich Marx nasceu em Trier, na Renânia, então

província da Prússia, em 5 de maio de 1818. Primeiro dos meninos entre

os nove filhos de uma família judaico-alemã, foi batizado numa igreja

protestante, de que o pai, advogado bem-sucedido, se tornara membro,

provavelmente para garantir respeitabilidade social. Depois de estudar

em sua cidade natal, em 1835 Marx ingressou na Universidade de Bonn,

onde participou da luta política estudantil.

Na Universidade de Berlim, para a qual se transferiu em

1836, começou a estudar a filosofia de Hegel e juntou-se ao grupo dos

jovens hegelianos. Tornou-se membro de uma sociedade formada em

torno do professor de teologia Bruno Bauer, que considerava os

Evangelhos narrativas fantásticas suscitadas por necessidades

psicológicas.

Com uma posição política que se identificava cada vez mais

com a esquerda republicana, Marx em 1841 apresentou sua tese de

doutorado, em que analisava, na perspectiva hegeliana, as diferenças

entre os sistemas filosóficos de Demócrito e de Epicuro. Nesse mesmo

ano concebeu a idéia de um sistema que combinasse o materialismo de

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Ludwig Feuerbach com o idealismo de Hegel. Passou a colaborar no

jornal Rheinische Zeitung, de Colônia, cuja direção assumiu em 1842. No

ano seguinte, Marx casou-se com Jenny von Westphalen e, logo após,

sua publicação foi fechada.

O casal mudou-se para Paris, onde Marx entrou em contato

com os socialistas. Em 1845, expulso da França pelo governo,

estabeleceu-se em Bruxelas e iniciou a duradoura amizade e colaboração

com Friedrich Engels. Die heilige Familie (1845; A sagrada família) e Die

deutsche Ideologie (1845-1846, publicada em 1926; A ideologia alemã)

foram as primeiras obras que escreveram a quatro mãos. Nessa época,

Marx trabalhou em diversos tratados filosóficos contra as idéias de Bruno

Bauer e do socialista utópico Pierre-Joseph Proudhon, e em 1848 redigiu,

com Engels, o Manifest der Kommunistischen Partei (Manifesto

comunista), resumo do materialismo histórico, em que aparecia pela

primeira vez o famoso apelo à revolução com as palavras "Proletários de

todos os países, uni-vos!"

Depois de participar do movimento revolucionário de 1848 na

Alemanha, Marx regressou definitivamente a Londres, onde durante o

resto da vida contou com a generosa ajuda econômica de Engels para

manter a família. Em 1852 escreveu Der 18 Brumaire des Louis

Bonaparte (O 18 Brumário de Luís Bonaparte), em que analisa o golpe de

estado de Napoleão III do ponto de vista do materialismo histórico. Sete

anos depois, publicou Zur Kritik der politischen Ökonomie (Contribuição à

crítica da economia política), seu primeiro tratado de teoria econômica, e

em 1867 o primeiro volume de Das Kapital (O capital), monumental

análise do sistema socioeconômico capitalista, sua obra mais importante.

Marx voltou à atividade política em 1864, quando participou

da fundação da Associação Internacional de Trabalhadores. Como líder e

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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principal inspirador dessa Primeira Internacional, sua presença se

reafirmou em 1871, por ocasião da segunda Comuna de Paris,

movimento revolucionário de que a associação participou ativamente e

em que pereceram mais de vinte mil revoltosos. As divergências do

anarquista Mikhail Bakunin, a partir de 1872, provocaram a derrocada da

Internacional. Marx ainda participou em 1875 da fundação do Partido

Social Democrata Alemão e em seguida retirou-se da atividade política

para concluir Das Kapital. Apesar de ter reunido imensa documentação

para continuar o livro, os volumes segundo e terceiro só foram editados

por Engels, em 1885 e 1894. Outros textos foram publicados por Karl

Kautsky, como quarto volume, entre 1904 e 1910. Karl Marx morreu em

14 de março de 1883, em Londres.

Émile Durkheim

Fundador da sociologia, Durkheim combinou a pesquisa

empírica com a teoria sociológica. Sua contribuição tornou-se ponto de

partida do estudo de fenômenos sociológicos como a natureza das

relações de trabalho, os aspectos sociais do suicídio e as religiões

primitivas.

Émile Durkheim nasceu em Épinal, Vosges, em 15 de abril de

1858. Freqüentou a École Normale Supérieure em Paris e interessou-se

por filosofia. Em 1887 assumiu em Bordéus a primeira cadeira de

sociologia instituída na França. Em 1896, fundou o periódico L'Année

Sociologique e, em 1902, passou a lecionar sociologia e educação na

Sorbonne.

Quatro obras capitais. A abordagem com que Durkheim

debruçou-se sobre a sociologia se anuncia nas obras De la division du

travail social (1893; Da divisão do trabalho social) e Les Règles de la

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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méthode sociologique (1895; As regras do método sociológico). Na

primeira, analisa o problema da ordem num sistema social de

individualismo econômico. Na segunda, define fato social e esquematiza

a trama metodológica com que estudou os fenômenos sociais.

O fato social é experimentado pelo indivíduo como uma

realidade independente que ele não criou e não pode rejeitar, como as

regras morais, leis, costumes, rituais e práticas burocráticas oficiais,

entre outras. Partindo da exterioridade dos fatos sociais, Durkheim

abordou a sociedade como um fato sui generis e irredutível a outros,

compreendendo-a como um conjunto de ideais constantemente

alimentados pelos indivíduos que fazem parte dela. Dessa forma,

conceituou a consciência coletiva como o "sistema das representações

coletivas de uma dada sociedade". A linguagem, por exemplo, é uma

representação coletiva, assim como os sistemas jurídicos e as obras de

arte.

Na análise dos sistemas sociais, Durkheim introduziu os

conceitos de solidariedade mecânica e orgânica, que o levaram à

distinção dos principais tipos de grupos sociais. A solidariedade mecânica

ocorre nas sociedades primitivas, nas quais os indivíduos diferem pouco

entre si e partilham dos mesmos valores e sentimentos. A orgânica,

presente nas sociedades mais complexas, se define pela divisão do

trabalho.

O estudo das sociedades mais complexas levou Durkheim às

idéias de normalidade e patologia sociais, a partir das quais introduziu o

conceito de anomia, ou seja, ausência ou desintegração das normas

sociais. Como as sociedades mais complexas se baseiam na

diferenciação, é preciso que as tarefas individuais correspondam aos

desejos e aptidões de cada um. Isso nem sempre acontece e a sociedade

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se vê ameaçada pela desintegração, pois os valores ficam enfraquecidos.

A solução proposta por Durkheim são as formas cooperativistas de

produção econômica.

Em Le Suicide (1897; O suicídio), tentou mostrar que as

causas do auto-extermínio têm fundamento social e não individual.

Descreveu três tipos de suicídio: o egoísta, em que o indivíduo se afasta

dos seres humanos; o anômico, originário, por parte do suicida, da

crença de que todo um mundo social, com seus valores, normas e

regras, desmorona-se em torno de si; e o altruísta, por lealdade a uma

causa.

Na última de suas quatro obras capitais, Les Formes

élémentaires de la vie religieuse (1915; As formas elementares da vida

religiosa), buscou mostrar as origens sociais e cerimoniais, bem como as

bases da religião, sobretudo do totemismo na Austrália. Afirmou que não

existem religiões falsas, que todas são essencialmente sociais. Émile

Durkheim morreu em Paris em 15 de novembro de 1917.

Auguste Comte

O positivismo, doutrina filosófica elaborada por Auguste

Comte e de grande influência no Brasil, conferiu ao estudo dos fatos

sociais o caráter de disciplina sistemática. O nome sociologia foi

empregado pela primeira vez pelo próprio Comte.

Isidore-Auguste-Marie-François-Xavier Comte nasceu em

Montpellier, França, em 19 de janeiro de 1798. Aos 16 anos ingressou na

Escola Politécnica de Paris, da qual foi expulso dois anos depois, por

liderar um movimento de protesto. Passou então a viver de aulas

particulares e colaboração em jornais.

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Foi secretário do banqueiro Casimir Périer e discípulo de

Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon. Este, um dos teóricos

franceses do socialismo utópico, orientou-o para o estudo das ciências

sociais e transmitiu-lhe duas idéias básicas, que orientaram seu

pensamento daí por diante: a de que os fenômenos sociais, como os de

caráter físico, também obedecem a leis; e a de que todo conhecimento

científico e filosófico deve ter por finalidade o aperfeiçoamento moral e

político do homem.

Em 1825 conheceu Caroline Massin, jovem prostituta com

quem viveu algum tempo e logo depois desposou. No ano seguinte

inaugurou um curso público para exposição de suas idéias. Deprimido por

constantes desentendimentos com a mulher, caiu em profundo

esgotamento nervoso e, em 1827, tentou o suicídio ao atirar-se de uma

ponte nas águas do Sena. Salvo por um guarda, foi internado num asilo.

Tratado por Jean Esquirol, pioneiro da psiquiatria científica, recuperou-se

e retomou o curso. Em 1930 ficou preso durante três dias por recusar-se

a servir à Guarda Nacional. Dedicou os 12 anos seguintes à publicação do

Cours de philosophie positive, em seis volumes, e a dar aulas gratuitas

para operários.

Nessa época, Comte sustentava que as diversas ciências já

haviam atingido a positividade, mas o sistema ainda estava incompleto.

Era necessário uma nova disciplina, que ele chamou física social ou

sociologia, que figuraria num quadro de ciências dispostas em grau de

generalidade decrescente e complexidade crescente, a saber:

matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia. Na

segunda fase de sua carreira, acrescentou uma sétima ciência, a moral.

Em 1837 morreu sua mãe e logo depois Caroline abandonou-

o definitivamente. Comte passou a viver em extrema solidão e, para

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distrair-se, começou a freqüentar a Ópera e a ler os clássicos -- Virgílio,

Dante, Shakespeare, Cervantes. A avalanche de publicações de autores

contemporâneos levou-o então a pregar um maior rigor seletivo nas

leituras, no processo que chamou de "higiene cerebral", pelo qual foi alvo

de comentários irônicos.

Em outubro de 1844 conheceu a escritora Clotilde de Vaux,

que também tivera uma experiência conjugal frustrada, por quem

apaixonou-se. Ambos desfrutaram de uma bela e intensa amizade e de

uma completa identidade de pontos de vista. Queriam uma nova

moralidade, uma nova religião e um novo conceito de casamento. Esse

foi seu relacionamento mais feliz e, ao mesmo tempo, mais melancólico.

Clotilde morreu dois anos depois e Comte levou a marca dessa veneração

quase religiosa até o fim de sua vida.

Novamente solitário, Comte dedicou-se integralmente à

instituição da religião da humanidade, que logo se tornou influente em

numerosos países, como Brasil, Chile e México. O filósofo impregnou-se

de misticismo, criou um sacerdócio, sacramentos e orações, além de

propor para seus adeptos uma rígida disciplina. Suas principais obras

dessa fase são Système de politique positive (1851-1854; Sistema de

política positiva) e Catéchisme positiviste (1852; Catecismo positivista).

O desejo de firmar e divulgar as bases do positivismo levou

Comte a um empenho obsessivo e à dedicação em tempo integral à

propaganda de sua nova religião, com palestras públicas, cartas a

monarcas, políticos e intelectuais de todo o mundo e publicação de livros.

Seu esforço foi bem correspondido. Adeptos do mundo inteiro acorreram

a sua casa em Paris, de onde saíram maravilhados pelo brilho e a

serenidade do mestre. A correspondência de Comte com as sociedades

positivistas em todo o mundo era vastíssima. Sua saúde, no entanto,

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ressentiu-se de tão intensa atividade. Em conseqüência de uma gripe,

Auguste Comte morreu em Paris, em 5 de setembro de 1857.

Herbert Spencer

O conceito de evolução natural como princípio subjacente a

todas as ordens da realidade constitui o núcleo central do sistema teórico

que Spencer desenvolveu.

Herbert Spencer nasceu em Derby, Derbyshire, Inglaterra,

em 27 de abril de 1820. Educado na casa paterna, adquiriu como

autodidata uma boa formação científica. Entre 1837 e 1841 trabalhou

como engenheiro nas ferrovias britânicas. Posteriormente colaborou em

diversas publicações até que, em 1848, foi nomeado subdiretor do The

Economist. Alcançou prestígio nos círculos intelectuais com a publicação

de Social Statics (1851; A estática social), obra na qual deu à noção de

evolução social um tratamento que continha o germe de seu pensamento

posterior. Em 1853, recebeu herança de um tio, deixou o emprego e se

dedicou ao estudo dos fenômenos sociais, que tratou sob perspectiva

científica. Expôs a primeira parte desses estudos em The Principles of

Psychology (1855; Princípios de psicologia), obra que antecedeu a

publicação das teorias evolucionistas de seu compatriota Charles Darwin.

Nesse trabalho, Spencer indica a possibilidade de, por meio do princípio

da evolução, oferecer explicação total da realidade, bem como realizar a

síntese das diferentes ciências.

Spencer concebeu a realidade toda como produto do

desenvolvimento perpétuo de uma força de caráter incognoscível

manifestada na evolução do que é de início homogêneo, indeterminado e

simples, para a heterogeneidade, determinação e complexidade. Assim,

no âmbito físico, as nebulosas dão origem aos sistemas planetários, da

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mesma maneira que as formas biológicas unicelulares evoluem sempre

para organismos mais complexos e aperfeiçoados. Processo semelhante

observa-se nas sociedades humanas, as quais evoluíram das hordas

primitivas para as sociedades militares, cuja coesão se baseava na força,

até chegar às industriais, baseadas em contrato voluntário entre

indivíduos. Em conseqüência, Spencer preconizou um modelo liberal sem

nenhum tipo de intervencionismo estatal como única forma de respeito à

liberdade individual. Esta, por sua vez, é a garantia da ordem social,

posto que a moralidade é a aspiração da consciência humana a uma

harmonização cada vez mais perfeita entre homem e sociedade.

Natureza e espírito, portanto, constituem os aspectos externo e interno

da mesma realidade, que tem sua razão de ser no próprio impulso

evolutivo.

Dedicou o resto da vida ao desenvolvimento de uma série de

volumes, cujo conjunto denominou The Synthetic Philosophy (Filosofia

sintética) e que compreende: First Principles (1862; Primeiros princípios),

dois volumes de The Principles of Biology (1864-1867; Princípios de

biologia), a edição ampliada de The Principles of Psychology (1870-

1872), três volumes de The Principles of Sociology (1876-1896; Princípios

de sociologia) e dois volumes de The Principles of Ethics (1892-1893;

Princípios de ética). Herbert Spencer, cujo pensamento influenciou as

filosofias vitalistas posteriores, morreu em Brighton, Sussex, em 8 de

dezembro de 1903.

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Antropologia, Cultura, Etnologia

Antropologia

Por mais isoladas entre si que tenham vivido, as diferentes

sociedades humanas sempre souberam, salvo raríssimas exceções, que

além de suas fronteiras havia "outros homens": homens que viviam de

forma diversa, cuja pele era talvez de outra cor, que não adoravam os

mesmos deuses, que pensavam de outra maneira. A curiosidade de

conhecer esses homens e povos "diferentes" motivou o nascimento da

antropologia, que atualmente não estuda apenas "os outros", mas todos

os seres humanos.

Conceitos gerais

Definição. Entre as muitas ciências que têm por objeto o ser

humano, a antropologia -- "ciência do homem", segundo a etimologia --

o estuda do ponto de vista das características biológicas e culturais dos

diversos grupos em que se distribui o gênero humano, pesquisando com

especial interesse exatamente as diferenças.

O nascimento da antropologia como ciência ocorreu a partir

dos grandes descobrimentos realizados por navegadores e viajantes

europeus. A curiosidade de conhecer povos exóticos, de saber como

viviam e pensavam homens de culturas tão distantes da européia, de

descobrir que aspecto físico e que costumes tinham, levou à classificação

e ao estudo dos dados recolhidos in loco -- isto é, no lugar de origem --

por exploradores, comerciantes e missionários chegados àquelas terras

longínquas.

Os primeiros antropólogos tinham como característica

comum a distância do objeto de seu estudo, o qual consistia sempre em

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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homens pertencentes a culturas distintas da européia e dela

geograficamente afastadas. A moderna antropologia, no entanto,

estende sua pesquisa às sociedades industriais e até mesmo às grandes

concentrações urbanas. Mas seus instrumentos de trabalho se foram aos

poucos delineando justamente no estudo das sociedades "primitivas",

mais simples e com um processo de mudança menos vertiginoso que o

das sociedades modernas.

Com freqüência, os antropólogos do século XIX relacionavam

as características biológicas dos povos com suas formas culturais. Mais

tarde, estabeleceu-se que os traços biológicos e os culturais tinham

menos ligação entre si do que se acreditara. Isso levou a uma primeira

subdivisão das ciências antropológicas em antropologia física e

antropologia cultural, esta última comumente assimilada ao conceito de

etnologia.

Desde a segunda metade do século XIX a antropologia

cultural começou a ser considerada uma ciência humana, com as

limitações e ambigüidades próprias dessa categoria científica, enquanto

a antropologia física continuou desenvolvendo seus métodos de trabalho

-- medição e estabelecimento de correlações entre as medidas

encontradas -- como uma ciência natural. Hoje os dois campos estão

totalmente diferenciados e poucos são os pesquisadores que trabalham

ao mesmo tempo em ambos.

Relações com outras ciências. Duas disciplinas muito

relacionadas com a antropologia são a arqueologia pré-histórica e a

lingüística. A arqueologia, necessária para conhecer o passado das

sociedades, pode esclarecer em grande escala seu presente. A

terminologia arqueológica, anterior à da antropologia, proporcionou a

esta última muitos vocábulos úteis. Por outro lado, a própria antropologia

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é útil à arqueologia, na medida em que estuda ao vivo sociedades muitas

vezes semelhantes -- por exemplo, no desconhecimento dos metais -- a

outras já desaparecidas, sobre as quais pode lançar abundante luz.

Também a lingüística é de grande importância para a

antropologia, não só porque o conhecimento do idioma se faz necessário

ao antropólogo nas pesquisas de campo, isto é, feitas no local de origem,

mas também porque muitos conceitos elaborados pelos lingüistas são

fundamentais para a análise de determinados aspectos das sociedades:

por exemplo, a concepção da sociedade como uma rede de comunicação,

a análise estrutural ou a forma em que se organiza a experiência vital do

sujeito de uma comunidade em estudo.

A sociologia, por sua vez, pode até certo ponto ser

considerada uma "irmã gêmea" da antropologia. Em princípio, o que

distingue as duas ciências é o objeto de seu interesse: enquanto o

sociólogo se dedica ao estudo das sociedades modernas, o antropólogo

comumente pesquisa as sociedades primitivas, embora o estudo das

sociedades coloniais e de seu rápido processo de aculturação e

modernização social tenha desenvolvido um campo intermediário no qual

fica difícil estabelecer os limites entre o trabalho sociológico e o trabalho

antropológico. Nesse terreno intermediário surgiu a chamada

antropologia social.

O desenvolvimento da psicologia permitiu à antropologia

cultural utilizar novas bases para o estudo da relação entre o indivíduo e

a sociedade em que vive, da formação da personalidade e de outros

aspectos que interessam igualmente às duas ciências. A psicanálise, em

particular, impulsionou o desenvolvimento do conceito de cultura a partir

de novas bases.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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A história proporcionou aos antropólogos muitos dados

impossíveis de obter pela observação direta, assim como a antropologia

pôs à disposição dos historiadores novos métodos de trabalho, como os

que se aplicam à análise da tradição oral.

Quanto à geografia humana, coincide com a antropologia na

importância que atribui aos diferentes usos do espaço por parte do

homem, à transformação do habitat natural etc. Ambas as ciências estão,

além disso, relacionadas com a ecologia humana. Não é de estranhar que

muitos dos primeiros antropólogos tenham vindo do campo da geografia.

Evolução histórica e escolas. A antropologia começou a

desenvolver-se especificamente como ciência na segunda metade do

século XIX, num momento histórico em que as coleções etnológicas,

antes meras curiosidades de particulares, passavam a constituir

verdadeiros museus, e em que os conhecimentos da cultura européia

sobre outros povos começavam a ser sistematizados e submetidos a

revisões metódicas.

O aparecimento do darwinismo, com o debate sobre a

origem do homem, suscitou o início do estudo comparativo das diversas

línguas; esse fator e o interesse em conhecer a história de outras

culturas distanciadas da européia fizeram convergir os esforços dos

pesquisadores, até que se aglutinassem numa só ciência -- a

antropologia -- as descobertas, os procedimentos, os métodos e os

achados de muitas outras que, sob ângulos diversos, empreenderam o

estudo das sociedades humanas.

Ao longo de duas décadas, entre 1840 e 1860, apareceram

sucessivamente as sociedades antropológicas de Londres, dos Estados

Unidos e de Paris, as quais agrupavam peritos oriundos de variados

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campos -- zoologia, fisiologia, geografia, geologia, lingüística e outras

ciências --, unidos no interesse comum pelo estudo do homem.

Antropologia cultural

Evolucionismo cultural. Na época histórica de seu

aparecimento como ciência, a antropologia sofreu a influência da idéia

dominante no mundo científico: o evolucionismo, consagrado pela

publicação de A origem das espécies, de Charles Darwin, em 1859. Por

isso, na segunda metade do século XIX, a nascente ciência concebeu os

diferentes grupos humanos como sujeitos em desenvolvimento. As

distintas sociedades evoluiriam todas na mesma direção, passando por

etapas e fases de desenvolvimento e diferenciação cultural inevitáveis e

escalonadas, seguindo uma transformação que levaria do simples ao

complexo, do homogêneo ao heterogêneo, do irracional ao racional. Para

os antropólogos evolucionistas, todos os grupos humanos teriam que

atravessar necessariamente as mesmas etapas de desenvolvimento, e as

diferenças que podem ser observadas entre as sociedades

contemporâneas seriam apenas defasagens temporais, conseqüência dos

ritmos diversos de evolução.

Embora hoje em dia estejam muito superadas as principais

teses evolucionistas, é considerável a maneira pela qual continuam

influenciando a linguagem vulgar e o próprio vocabulário especializado da

antropologia. Assim, às vezes fica difícil ao especialista descrever

fenômenos antropológicos sem ter que recorrer a vocábulos viciados pelo

conteúdo evolucionista que os impregnou durante muitos anos. Nesse

sentido, a utilização de conceitos como "sociedades primitivas",

"civilizações evoluídas" etc. pressupõe uma aceitação implícita de seu

fundo ideológico evolucionista. Para evitar confusões, muitos

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antropólogos falam hoje de "sociedades de tecnologia simples", ou

"sociedades de pequena escala", em oposição a "sociedade de tecnologia

complexa" ou "sociedades industriais".

Os mais influentes antropólogos evolucionistas foram o

americano Lewis Henry Morgan e o inglês Edward B. Tylor. Morgan

publicou em 1877 seu estudo Ancient Society (A sociedade primitiva), no

qual distinguia três etapas por que passaram, ou passarão, todas as

sociedades humanas: selvajaria, barbárie e civilização, numa seqüência

obrigatória de progresso. De igual forma, estabeleceu vários estágios

sucessivos para a formação da família, os quais iriam desde a

promiscuidade primitiva à família bilateral moderna de tipo europeu.

Tylor, por sua vez, realizou estudos comparativos das

manifestações religiosas das diferentes sociedades humanas,

acreditando, depois disso, poder estabelecer três etapas na evolução da

ideologia religiosa dos povos: animismo, politeísmo e monoteísmo.

Embora as teses de Tylor tenham sido amplamente criticadas, suas

concepções sobre a evolução das religiões continuam presentes na

linguagem vulgar.

O evolucionismo materialista de Morgan influenciou

consideravelmente as primeiras abordagens marxistas da antropologia.

Em particular, foi o caso de Friedrich Engels, que escreveu A origem da

família, da propriedade privada e do estado baseando-se claramente na

leitura de Ancient Society.

A escola evolucionista mostrou-se consideravelmente

carregada de preconceitos etnocêntricos, o que levou seus

representantes a considerarem a sociedade européia como a mais

evoluída e a acreditarem que todas as outras tenderiam a alcançar a

mesma perfeição. Se for levado em conta, além disso, que nem sempre

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se dispunham de conceitos suficientemente diferenciados sobre

sociedade e raça, compreende-se que a intenção de encaixar as

sociedades -- e as raças -- num quadro evolutivo gerasse conclusões

precipitadas e errôneas. No entanto, em defesa da escola evolucionista é

preciso lembrar que a antropologia era então uma ciência quase

inexistente, cujo desenvolvimento muito se beneficiou dos estudos e

esforços dos adeptos dessa escola. Quando tais teses começaram a ser

abandonadas pela maioria dos antropólogos, os métodos e

procedimentos da nova ciência já estavam encaminhados e ela começava

a dar seus frutos.

Difusionismo. Nos últimos anos do século XIX e nas duas

primeiras décadas do século XX, os estudos antropológicos foram

influenciados por uma tendência oposta ao evolucionismo: o difusionismo

cultural. Os autores difusionistas estabeleceram a premissa de que as

diferenças observáveis entre sociedades distintas são irredutíveis a

simples defasagens numa mesma trilha cultural, paralela e independente.

A mudança e o progresso culturais se deviam, isto sim, ao fato de

algumas sociedades se apropriarem de elementos de outras,

aperfeiçoando-se dessa maneira. As semelhanças entre culturas diversas

deviam ser explicadas não por terem atravessado etapas semelhantes de

desenvolvimento, como garantiam os evolucionistas, mas sim porque, na

história das sociedades, estava presente um fenômeno de difusão de

traços culturais de umas para outras. Esses traços culturais teriam

nascido em lugares e momentos históricos distanciados entre si, mas

teriam tido uma progressiva difusão, a partir do lugar de origem, até

chegarem a seu estado atual.

Em geral, o pensamento difusionista dá como certo que a

novidade cultural é extremamente rara, sendo muito mais freqüente a

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relíquia cultural. O enfoque histórico, portanto, persiste entre os

difusionistas.

Teorias hiperdifusionistas. Pouco antes da primeira guerra

mundial, um grupo de antropólogos austríacos e alemães constituiu a

escola de Viena, cujos representantes máximos foram Fritz Graebner e o

padre Wilhelm Schmidt, autor de uma teoria dos ciclos culturais que

obteve notoriedade em sua época. A escola de Viena considerava que

todas as culturas existentes na atualidade descendem, por um processo

de difusão, de alguns poucos centros nos quais se teriam realizado todas

as invenções culturais.

Mais extremistas que seus colegas germânicos, alguns

antropólogos britânicos fixaram uma única fonte de todas as culturas: o

antigo Egito. Segundo eles, manifestações como as pirâmides das

culturas pré-colombianas na América seriam uma transcrição das

pirâmides egípcias.

A escola hiperdifusionista, entretanto, perdeu rapidamente o

prestígio em favor de outras concepções antropológicas mais próximas

da realidade concreta. A época em que esteve em plena vigência, a

concepção difusionista das sociedades foi fértil em pesquisas

antropológicas de campo. A partir do início do século XX, começou-se a

considerar que a primeira tarefa do pesquisador era estudar in loco e

recolher em primeira mão os dados que iria usar para chegar a

conclusões. O interesse do antropólogo começou a distanciar-se das

tendências historicistas e se fixou cada vez mais nas sociedades

contemporâneas.

Funcionalismo. O germano-americano Franz Boas,

considerado um dos pais da antropologia americana do século XX, era

um cientista de formação naturalista; por isso, encarou com grande

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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ceticismo tanto as teorias difusionistas como as evolucionistas. Boas

preferiu a concepção funcionalista de uma cultura; para ele, uma cultura

é um conjunto unitário que deve ser estudado em sua totalidade, e,

composto, como uma máquina, de diferentes peças interdependentes.

Em seus trabalhos sobre os esquimós, deixou bem fundamentada a

metodologia do trabalho de campo, atividade a que seus discípulos iriam

dar especial relevância. O enfoque de Boas, embora funcionalista, não

deixa de estar matizado pelo historicismo, já que ele sempre se

interessou pela forma como se haviam desenvolvido no tempo as

instituições culturais.

Depois da primeira guerra mundial, as abordagens históricas

das sociedades foram perdendo adeptos e a escola funcionalista

começou a ganhar relevância. Bronislaw Malinowski, seu mais eminente

representante, sustentou que o objetivo da pesquisa antropológica deve

ser a compreensão da totalidade de uma cultura, inseparável da

percepção da conexão orgânica de todas as suas partes. A comparação

entre culturas e a abordagem histórica não têm sentido para Malinowski;

só faz parte de uma cultura aquilo que, no momento em que se estuda,

tem nela uma função. A única maneira de perceber um elemento de uma

cultura é analisar a função que tem esse elemento dentro dela. Não se

pode compreender uma instituição social sem conhecer suas relações

com as outras instituições da mesma sociedade. As atividades

econômicas, o sistema de valores e a organização de uma sociedade

constituem um complexo inter-relacionado cuja descrição é necessária

para que se possa estudar adequadamente essa sociedade.

Dentro da tendência funcionalista, a escola sociológica

francesa, encabeçada por Émile Durkheim, teve notável influência sobre

o pensamento antropológico. Em Règles de la méthode sociologique

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(1895; Regras do método sociológico), Durkheim deixou bem

estabelecido que, no campo social, existe um aspecto da realidade que

vai além dos simples comportamentos individuais. É preciso, portanto,

estudar os fatos sociais como se fossem coisas em si, independentes da

consciência dos indivíduos que formam a sociedade.

O intelectualismo analítico e a concepção da sociedade como

um todo orgânico, como um sistema -- características da escola

sociológica francesa --, ao lado da tradição empirista, que busca fatos --

marca das escolas anglo-saxônicas e, em parte, da germânica -- são

talvez as duas bases fundamentais em que se assenta a moderna

antropologia social.

Estruturalismo. Marcel Mauss, fundador do Instituto de

Etnologia da Universidade de Paris, foi mestre de toda uma geração de

antropólogos europeus. Seu enfoque, em princípio funcionalista,

conquanto mais centrado na sociedade como um todo indivisível do que

como uma soma de inter-relações entre indivíduos, deu origem à escola

estruturalista. Baseando-se em conceitos derivados da matemática formal

e da lingüística, os antropólogos estruturalistas buscaram compreender

uma dada sociedade extraindo seu modelo estrutural. Os procedimentos

estruturalistas demonstraram sua utilidade para o conhecimento dos

sistemas de parentesco e dos sistemas de mitos. Mas a absoluta falta de

visão histórica da escola estruturalista e sua análise meramente estática

da realidade foram amplamente criticadas.

Alguns dos principais representantes da escola estruturalista

foram o britânico Arnold R. Radcliffe-Brown e o francês Claude Lévi-

Strauss.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Culturalismo. No período entre as duas guerras mundiais

desenvolveu-se, fundamentalmente nos Estados Unidos, uma corrente

culturalista em antropologia, cuja premissa básica era a de que uma

dada cultura impõe um determinado modo de pensamento aos homens

nela inseridos. A cultura condiciona o comportamento psicológico do

indivíduo, sua maneira de pensar, a forma como percebe seu entorno e

como extrai, acumula e organiza a informação daí proveniente. Nesse

sentido, foram significativos os trabalhos de Ruth Benedict, realizados na

década de 1930, sobre os índios pueblo do sudoeste dos Estados Unidos

-- os quais, apesar de imersos num meio físico semelhante ao das etnias

circunvizinhas, raciocinavam de forma muito diferente diante de

problemas idênticos.

Margaret Mead analisou principalmente a importância da

educação na formação da personalidade adulta. Ralph Linton e Abram

Kardiner, por sua vez, expuseram o conceito de personalidade de base,

que consistiria num mínimo psicológico comum a todos os membros de

uma sociedade.

Outras escolas antropológicas. Os antropólogos da União

Soviética e de outros países socialistas mantiveram viva a tradição da

antropologia marxista, de raiz evolucionista. Em alguns países ocidentais,

especialmente na França, a influência do pensamento marxista se refletiu

sobretudo em alguns aspectos da chamada antropologia econômica.

Por outro lado, alguns antropólogos americanos se mantêm

fiéis a uma concepção evolucionista das culturas, embora matizando-a,

referindo-se a ela como um evolucionismo multilinear.

Métodos da antropologia cultural. O antropólogo cultural

atua basicamente mediante o trabalho de campo nas comunidades que

deseja estudar, com freqüência durante mais de um ano. Os métodos de

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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trabalho são, fundamentalmente, variações em torno de dois

procedimentos, a entrevista de informantes e a chamada observação

participante. Se em certas comunidades a maioria de seus membros se

dispõe a prestar abundantes informações sobre seu modo de vida, em

outras o pesquisador tem de se esforçar para ganhar a confiança de

umas poucas pessoas que concordarão em lhe prestar informações. É

ainda da maior importância que procure aprender a língua local, para

ganhar a simpatia dos entrevistados, compreender os comentários e

conversas à sua volta e captar com precisão o significado social de

determinados comportamentos, mal expresso quando traduzido. A

seguir, o antropólogo tenta entrevistar informantes que ocupem distintas

posições (profissionais, sociais, econômicas etc.) na comunidade e

compara as informações fornecidas.

No entanto, um nativo pode aceitar como "naturais" aspectos

de sua cultura que são de acentuado interesse para o antropólogo. Por

isso, existem muitos aspectos a que o pesquisador só pode ter acesso

através da "observação participante", a participação do pesquisador nas

atividades normais da vida comunitária: trabalho cotidiano, cerimônias

religiosas, ritos de iniciação, atividades de lazer etc. Normalmente a

observação participante é a maneira mais fácil de perceber a

complexidade das interações sociais. Além disso, só por meio dela o

antropólogo pode se dar conta do significado emocional de uma dada

atividade humana: uma coisa é ouvir a pormenorizada descrição de uma

penosa expedição de caça, outra é participar pessoalmente dela.

Antropologia física

Como se viu, na segunda metade do século XIX ficou bem

clara uma primeira diferenciação dos estudos antropológicos entre os que

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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se referiam ao homem como ser social e os que o tomavam como objeto

de estudo do ponto de vista de suas características biológicas. Desde

então, a antropologia física se desenvolveu em torno de dois objetivos

principais: de um lado, o desejo de encontrar o lugar que o homem

ocupa dentro da classificação animal, e averiguar sua história natural; de

outro, a intenção de oferecer uma definição inequívoca das diversas

categorias em que se pode dividir o conjunto do gênero humano, de

acordo com as diferenças biológicas que os homens apresentam entre si.

O primeiro desses objetivos se traduziu na tentativa, por

parte dos pesquisadores, de reconstruir a linha evolutiva que teria vindo

dos primatas até o homem. Foi essa a tarefa que se popularizou, na

segunda metade do século XIX, com o nome de "busca do elo perdido".

No século XX, a matéria adquiriu um caráter mais científico e se vinculou

estreitamente com a paleontologia ou estudo dos fósseis. Importantes

descobertas de "homens-macacos", primeiro na África meridional e

depois na África oriental, permitiram um conhecimento mais preciso da

evolução dos hominídeos. Destacaram-se nesses trabalhos antropólogos

como os da família queniana Leaky (Louis Seymour Blazett e Mary, assim

como o filho do casal, Richard) e o americano D. C. Johanson.

Curiosamente, essa disciplina adquiriu tal importância nos países anglo-

saxões que, neles, o termo "antropologia" se aplica quase

exclusivamente a ela, enquanto que, nos países da Europa continental,

tais pesquisas não costumam ser consideradas propriamente

antropológicas e são classificadas como uma forma de paleontologia, a

qual é vista como um instrumento da outra.

De qualquer modo, realizaram-se classificações raciais

bastante complexas, mas que logo demonstrariam sua insuficiência, já

que se guiavam basicamente pelo critério de dar importância maior aos

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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traços mais visíveis do corpo humano -- formato do rosto, cor da pele

etc. --, que não são necessariamente os traços diferenciadores mais

importantes.

Por volta de 1900, desencavaram-se os velhos trabalhos de

Gregor Mendel sobre a hereditariedade, publicados 35 anos antes, e

rapidamente a ciência da genética ganhou enorme vigor. Por outro lado,

a descoberta dos grupos sangüíneos, seguida de muitas outras relativas

às características bioquímicas do corpo humano, pôs a descoberto a

superficialidade das classificações raciais baseadas nas características

morfológicas externas.

Antropologia na atualidade

A principal dificuldade em que se debate a antropologia

cultural consiste em sua carência de um corpo unificado de conceitos,

problema ainda não resolvido. Embora lentamente pareça estar-se

cristalizando um fundo comum de terminologia, de utilização universal e

com significado unívoco, é esse o grande obstáculo para que a

antropologia cultural seja considerada uma verdadeira ciência.

Outro problema com que se defrontam os antropólogos

culturais é o fato de estarem desaparecendo as culturas não européias,

ou tradicionais -- seu objeto de trabalho habitual por mais de um século -

-, atropeladas pela cultura de caráter europeu, hoje convertida em

universal. Nesse confronto as sociedades tradicionais ou estão morrendo

ou sofrendo processos de aculturação e adaptação tão intensos que seria

difícil reconhecer, nelas, sua realidade primeira.

Por outro lado, pesquisadores de diversas nacionalidades, e

não apenas europeus e americanos desenvolvem estudos antropológicos:

latino-americanos, africanos, indianos, japoneses, entre outros, vieram

acrescentar seus pontos de vista à discussão geral.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Um campo de trabalho aberto aos antropólogos culturais nos

anos que se seguiram à segunda guerra mundial foi o das investigações

que conduzem à melhor compreensão dos povos do Terceiro Mundo,

com o objetivo de facilitar as iniciativas governamentais voltadas para o

estímulo às mudanças ou para a incorporação das sociedades tradicionais

ao modo de vida da sociedade industrial. Assim, por exemplo, é comum

que, ao prepararem uma campanha de alfabetização, os governos ou as

entidades promotoras contratem os serviços de antropólogos para que

realizem estudos prévios que possam orientar as atuações.

No que se refere à antropologia física, são vários os campos

de recente desenvolvimento que interessam de modo particular às suas

pesquisas. Entre eles estão a ecologia humana, que estuda a relação do

homem com seu meio e que também ocupa os antropólogos culturais, e

a genética humana, que estuda o comportamento dos genes causadores

dos traços herdados dos indivíduos e, portanto, trata da variabilidade

humana.

Cultura

Todos os povos, mesmo os mais primitivos, tiveram e têm

uma cultura, transmitida no tempo, de geração a geração. Mitos, lendas,

costumes, crenças religiosas, sistemas jurídicos e valores éticos refletem

formas de agir, sentir e pensar de um povo e compõem seu patrimônio

cultural.

Em antropologia, a palavra cultura tem muitas definições.

Coube ao antropólogo inglês Edward Burnett Tylor, nos parágrafos

iniciais de Primitive Culture (1871; A cultura primitiva) oferecer pela

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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primeira vez uma definição formal e explícita do conceito: "Cultura ... é o

complexo no qual estão incluídos conhecimentos, crenças, artes, moral,

leis, costumes e quaisquer outras aptidões e hábitos adquiridos pelo

homem como membro da sociedade."

Já o antropólogo americano Melville Jean Herskovits

descreveu a cultura como a parte do ambiente feita pelo homem; Ralph

Linton, como a herança cultural, e Robert Harry Lowie, como o conjunto

da tradição social. No século XX, o antropólogo e biólogo social inglês

Ashley Montagu a definiu como o modo particular como as pessoas se

adaptam a seu ambiente. Nesse sentido, cultura é o modo de vida de um

povo, o ambiente que um grupo de seres humanos, ocupando um

território comum, criou na forma de idéias, instituições, linguagem,

instrumentos, serviços e sentimentos.

Conceituação. A história da utilização antropológica do

conceito de cultura tem origem nessa famosa definição de Tylor, que

ensejou a oposição clássica entre natureza e cultura, na medida em que

ele procurou definir as características diferenciadoras entre o homem e o

animal a partir dos costumes, crenças e instituições, encarados como

técnicas que possibilitam a vida social. Tal definição também marcou o

início do uso inclusivo do termo, continuado dentro da tradição dos

estudos antropológicos por Franz Boas e Bronislaw Malinowski, entre

outros. Sobretudo na segunda metade do século XX, esse uso

caracterizou-se pela ênfase dada à pluralidade de culturas locais,

enfocadas como conjuntos organizados e em funcionamento, e pela

perda de interesse na evolução dos costumes e instituições, preocupação

dos antropólogos do século XIX.

Só o homem é portador de cultura; por isso, só ele a cria, a

possui e a transmite. As sociedades animais e vegetais a desconhecem. É

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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um complexo, porque forma um conjunto de elementos, inter-

relacionados e interdependentes, que funcionam em harmonia na

sociedade. Os hábitos, idéias, técnicas, compõem um conjunto, dentro do

qual os diferentes membros de uma sociedade convivem e se relacionam.

A organização da sociedade, como um elemento desse complexo, está

relacionada com a organização econômica; os dois entre si relacionam-se

igualmente com as idéias religiosas. O conjunto dessa inter-relação faz

com que os membros de uma sociedade atuem em perfeita harmonia.

A cultura é uma herança que o homem recebe ao nascer.

Desde o momento em que é posta no mundo, a criança começa a

receber uma série de influências do grupo em que nasceu: as maneiras

de alimentar-se, o vestuário, a cama ou a rede para dormir, a língua

falada, a identificação de um pai e de uma mãe, e assim por diante. À

proporção que vai crescendo, recebe novas influências desse mesmo

grupo, de modo a integrá-la na sociedade, da qual participa como uma

personalidade em função do papel que nela exerce. Se individualmente o

homem age como reflexo de sua sociedade, faz aquilo que é normal e

constante nessa sociedade. Quanto mais nela se integra, mais adquire

novos hábitos, capazes de fazer com que se considere um membro dessa

sociedade, agindo de acordo com padrões estabelecidos. Esses padrões

são justamente a cultura da sociedade em que vive.

A herança cultural não se confunde, porém, com a herança

biológica. O homem ao nascer recebe essas duas heranças: a herança

cultural lhe transmite hábitos e costumes, ao passo que a herança

biológica lhe transmite as características físicas ou genéticas de seu

grupo humano. Se uma criança, nascida numa sociedade bororo, é

levada para o Rio de Janeiro, passando a ser criada por uma família de

Copacabana, crescerá com todas as características físicas -- cor da pele e

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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do cabelo, forma do rosto, em especial os olhos amendoados -- de seu

grupo bororo. Todavia, adquirirá hábitos, costumes, a língua, as idéias,

modos de agir da sociedade carioca, em que se cria e vive.

Além desses hábitos e costumes que recebe de seu grupo, o

homem vai ampliando seus horizontes, e passa a ter novos contatos:

contatos com grupos diferentes em hábitos, costumes ou língua, os quais

farão com que adquira alguns desses hábitos, ou costumes, ou modos de

agir. Trata-se da aquisição pelo contato. Foi o que se verificou no Brasil

do século XIX com hábitos introduzidos pelos imigrantes alemães ou

italianos; o mesmo sucedeu em séculos anteriores, com costumes

introduzidos pelos negros escravos trazidos da África. Tais costumes vão-

se incorporando à sociedade e, com o tempo, são transmitidos como

herança do próprio grupo.

É certo que essa transmissão pelo contato não abrange toda

a cultura do outro grupo. Somente alguns traços se transmitem e se

incorporam à cultura receptora. Esta, por sua vez, se torna também

doadora em relação à cultura introduzida, que incorpora a seus padrões

hábitos ou costumes que até então lhe eram estranhos. É o processo de

transculturação, ou seja, a troca recíproca de valores culturais, pois em

todo contato de cultura as sociedades são ao mesmo tempo doadoras e

receptoras. Dessa forma, o homem adquire novos elementos culturais, e

enriquece seu tipo cultural.

Esses elementos, que compõem o conceito de cultura,

permitem mostrar que ela está ligada à vida do homem, de um lado, e,

de outro, se encontra em estado dinâmico, não sendo estática sua

permanência no grupo. A cultura se aperfeiçoa, se desenvolve, se

modifica, continuamente, nem sempre de maneira perceptível pelos

membros do próprio grupo. É justamente isso que contribui para seu

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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enriquecimento constante, por meio de novas criações da própria

sociedade e ainda do que é adquirido de outros grupos.

Graças às pesquisas em jazidas arqueológicas, tem sido

possível recompor ou reconstruir as culturas, o que permite conhecer o

desenvolvimento cultural do homem, sobretudo no campo material. É

mais difícil, porém, conhecer o desenvolvimento da cultura espiritual,

embora muita coisa já se tenha podido esclarecer. De qualquer forma o

que se sabe é que, nascida com o homem, a cultura, sofreu modificações

ao longo dos tempos, enriquecendo-se de novos elementos e adquirindo

novos valores. A cultura acompanha, pois, a marcha da humanidade;

está ligada à vida do homem, desde o ser mais antigo. Com a expansão

do homem pela Terra, ocupando os grupos humanos novos meios

ambientes, a cultura se ampliou e se diversificou em face das influências

impostas pelo meio, cujas relações com o homem condicionaram o

aparecimento de novos valores culturais ou o desaparecimento de

outros.

Sentidos de cultura. Assim, dentro do conceito geral de

cultura, é possível falar de culturas e, por isso, se identificam sentidos

específicos segundo os quais a cultura é antropologicamente

considerada. São quatro, a saber: (1) a cultura entendida como modos

de vida comuns a toda a humanidade; (2) a cultura entendida como

modos de vida peculiares a um grupo de sociedades com maior ou

menor grau de interação; (3) a cultura entendida como padrões de

comportamento peculiares a uma dada sociedade; (4) a cultura

entendida como modos especiais de comportamento de segmentos de

uma sociedade complexa.

O primeiro sentido apresenta aqueles elementos de cultura

comuns a todos os seres humanos, como a linguagem (todos os homens

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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falam, embora se diversifiquem os idiomas ou línguas faladas). São

aqueles hábitos -- o de dormir, o de comer, o de ter uma atividade

econômica -- que se tornam comuns a toda a humanidade.

No segundo sentido, encontram-se os elementos comuns a

um grupo de sociedades, como o vestuário chamado ocidental, que é

comum a franceses, a portugueses, a ingleses. São diversas sociedades

que têm o mesmo elemento cultural; um exemplo é o uso do inglês por

habitantes da Inglaterra, da Austrália, da África do Sul, dos Estados

Unidos, que, entre si, entretanto, têm valores culturais diferentes.

O terceiro sentido é formado pelo conjunto de padrões de

determinada sociedade, por exemplo, aqueles padrões culturais que

caracterizam o comportamento da sociedade do Rio de Janeiro; ou as

peculiaridades que assinalam os habitantes dos Estados Unidos.

O quarto sentido de cultura refere-se a de modos especiais

de comportamento de um segmento de sociedade mais complexa. Uma

dada sociedade possui valores culturais comuns a todos os seus

integrantes. Dentro, porém, dessa sociedade encontram-se elementos

culturais restritos ou específicos de determinados grupos que a integram.

São certos costumes que, dentro da sociedade multíplice do Rio de

Janeiro, apresentam os habitantes de Copacabana, os de uma favela ou

de um subúrbio distante. A esses segmentos culturais de uma sociedade

complexa, dá-se também o nome de subcultura.

São esses sentidos que permitem verificar a diferenciação de

cultura entre os diversos grupos humanos. Tal diferenciação resulta de

processos internos ou externos, uns e outros atuando de maneira diversa

sobre o fenômeno cultural. Entre os processos internos, encontram-se as

inovações, traduzidas em descobertas e invenções, que, às vezes,

surgem em determinado grupo e depois se transmitem a outros grupos,

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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não raro sofrendo modificações ao serem aceitas pela nova sociedade.

Os processos externos explicam-se pela difusão: é a transmigração de

um elemento cultural de uma sociedade a outra. Em alguns casos o

elemento cultural mantém a mesma forma e função; em outros,

modifica-as ou mantém apenas a forma e modifica a função.

A caracterização de Herskovits. Todos esses aspectos

relacionados com o processo cultural de uma sociedade podem ser

analisados à base de alguns princípios. De acordo com a caracterização

de Melville Herskovits, a cultura deriva de componentes da existência

humana, é aprendida, estruturada, formada de elementos, dinâmica,

variável, cumulativa, contínua e um instrumento de adaptação do homem

ao ambiente.

A cultura é derivada de componentes da existência humana,

ou seja, origina-se de fatores ligados ao homem. São fatores ambientais,

psicológicos, sociológicos e históricos, que contribuem para compor a

cultura dentro de uma sociedade estudada. Ela é também aprendida,

porque se verifica um processo de transmissão dos mais velhos --

pessoas ou instituições -- aos mais novos, à proporção que estes se vão

incorporando a sua sociedade. São as chamadas linhas de transmissão,

isto é, aqueles meios pelos quais se verifica a aprendizagem da cultura. A

família, os companheiros de trabalho, os professores, o esporte, a igreja,

a escola, são linhas de transmissão, ou seja, transmitem a cultura, que

se torna assim aprendida pelos que se incorporam à sociedade.

Do mesmo modo, a cultura é estruturada, pois tem uma

forma ou estrutura que lhe dá estabilidade no respectivo grupo humano,

sem prejuízo das possibilidades de mudança, que são imensas. É

estruturada no sentido de que, compondo-se de diversos valores,

mantém entre eles uma estruturação orgânica.

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Constituída de diferentes valores, a cultura forma os

complexos que, unidos e inter-relacionados, dão o padrão cultural. A

organização social, a língua usada, a organização política, a estética, as

idéias religiosas, as técnicas, o sistema de ensino são alguns dos

elementos existentes em uma sociedade. Esses elementos dão forma à

cultura e a representam, em conjunto, de maneira a caracterizar a

sociedade em que se manifestam. Não são iguais, porém, em todas as

sociedades; daí a cultura ser variável. A cultura é também cumulativa;

vão-se acumulando nela, em face da respectiva sociedade, os elementos

vindos de gerações anteriores, sem prejuízo das mudanças que se

podem verificar no decorrer do tempo.

Cada geração humana, em determinada sociedade, recebe

os elementos vindos de seus antepassados, e ao mesmo tempo vai

acolhendo novos elementos que se juntam àqueles. Por isso mesmo, a

cultura é também contínua: vai além do indivíduo ou de uma geração,

pois continua, mesmo modificada, mas sem interromper sua

permanência na sociedade a que pertence. É o continuum cultural que

liga cada sociedade a suas raízes mais antigas. Se alguns valores se

alteram, desaparecem e são substituídos por novos, outros se mantêm

constantes, vivos, geração após geração. Essa continuidade cultural dá à

sociedade sua estabilidade, pois apesar das revoluções, invasões, novos

contatos com grupos diferentes, o fato é que a cultura permanece, e a

sociedade prossegue em sua existência.

Por fim, a cultura é um instrumento de adaptação do homem

ao ambiente. É pelos valores culturais que o homem se integra a seu

meio. Primeiro, como indivíduo. Ao transformar-se em personalidade que

se incorpora a seu grupo, vai adquirindo os hábitos, os usos e os

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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costumes da sociedade a que pertence, de forma a adaptar-se

inteiramente a ela. Aprende a língua que deve ser falada; adquire as

noções de relações com os companheiros; aprende os mesmos jogos

infantis e as mesmas atividades juvenis; adquire uma profissão que

atende aos interesses da sociedade. Em segundo lugar, cria instrumentos

ou concebe novas idéias, que o capacitam a melhor adaptar-se ao

ambiente.

Classificações da cultura. Apesar de formar uma unidade

devidamente estruturada, cumulativa e contínua, a cultura pode ser

dividida. É o que se chama de classificação de cultura, isto é, a divisão

dos valores culturais exclusivamente por necessidade metodológica, ou

para fins pedagógicos ou didáticos. Os elementos que integram uma

cultura não dominam uns aos outros; unem-se e ajudam a compreender

a cultura e seu funcionamento. A classificação ou divisão da cultura é

apenas uma necessidade que têm os estudiosos para melhor apreciar os

diferentes aspectos dessa cultura. Daí a própria variação dessas

classificações ou divisões, em geral conforme as preferências ou pontos

de vista em que se coloca cada autor.

A mais antiga classificação se deve ao sociólogo americano

William Fielding Ogburn, que em Social Change: With Respect to Culture

and Original Nature (1922; Mudança social: referida à cultura e natureza

original) dividiu a cultura em material e não-material ou espiritual. A

primeira compreenderia todos os elementos capazes de uma

representação objetiva, em um objeto ou fato. A segunda seria tudo o

que é criado pelo homem, como concepção ou idéia, nem sempre

traduzido em objetos ou fatos.

Outras classificações podem ainda ser lembradas. Ralph

Linton, baseando-se na constatação de que os fatos culturais resultam

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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das necessidades humanas, dividiu a cultura em: necessidades

biológicas, agrupando todos os fatos que correspondem à vida física do

homem (alimentação, habitação, vestuário etc.); necessidades sociais,

em que se reúnem todos os fatos relacionados com a vida em sociedade

(organização social, organização política, ensino etc.); e necessidades

psíquicas, que compreendem todos os fatos que representam

manifestações de pensamento dos seres humanos (crenças, estética

etc.). Melville Herskovits ofereceu a seguinte distribuição dos elementos

culturais: cultura material e suas sanções; instituições sociais; homem e

universo; estética, linguagem.

Pode-se ainda assinalar a classificação dos elementos

culturais, tendo em vista os sistemas operacionais de ação do homem:

sistema ou nível adaptativo, em que se verificam as relações do homem

com o meio (ecologia, tecnologia, economia); sistema ou nível

associativo, em que se estudam as relações dos homens entre si

(organização social, família, parentesco, organização política); e sistema

ou nível ideológico, onde se compreendem os produtos mentais

resultantes de relações entre os homens e as idéias ou concepções

(saber, crenças, linguagem, arte etc.).

Uma última observação deve ser feita, em face da aplicação

do sentido de cultura: é que muitas vezes se tem confundido, na

linguagem menos científica, o sentido de cultura com o de raça ou de

língua. Falar-se, por exemplo, de uma raça ariana é um engano, pois o

que existe são povos que falaram originariamente as línguas indo-

européias ou arianas, tronco de onde nasceram as modernas línguas

faladas na Europa contemporânea. Da mesma forma é um engano falar-

se de raça judaica, pois o que existe são elementos humanos, que se

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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aglutinam pela cultura, em particular pelos mesmos ideais ou

sentimentos religiosos, e nunca pelas mesmas características físicas.

Convém salientar que as três variáveis -- cultura, raça e

língua -- são independentes e não seguem a mesma direção. Encontram-

se casos em que persistem as características raciais e se modificam as

lingüísticas e culturais, como se verificou com os negros da África e na

América do Norte ou com os vedas do Ceilão (hoje Sri Lanka). Em outras

ocasiões, persistem as características lingüísticas e modificam-se as

raciais; foi o que sucedeu com os magiares na Europa, vindos de um

mesmo tronco lingüístico, mas de variada formação racial. Pode também

suceder a persistência de características culturais e a modificação das

características físicas ou lingüísticas. É o exemplo encontrado nos povos

chamados latinos. Com tais exemplos, conclui-se que cultura não se

confunde com raça ou língua.

Padrão cultural. Em antropologia, a expressão padrão

cultural se refere à soma total das atividades -- atos, idéias, objetos -- de

um grupo; ao ajustamento dos diversos traços e complexos de uma

sociedade. É aquela configuração exterior que uma cultura apresenta,

traduzindo o conjunto de valores que expressa essa mesma cultura.

A idéia desse conceito começou a formar-se com o

antropólogo americano Franz Boas, que em 1910 afirmou a

individualidade da cultura em cada tribo indígena americana por ele

estudada. Essa observação decorreu da presença de certos elementos

que distinguem determinada cultura. No caso dos grupos estudados,

Boas mencionou o conservantismo dos esquimós, sua capacidade de

invenção, sua boa índole, seu conceito peculiar da natureza e outros

aspectos. Tais elementos não são conseqüência de simples difusão:

resultam, em grande parte, de seu próprio método de vida; e o esquimó

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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mesmo vai remodelando os elementos obtidos de outros grupos, de

acordo com os padrões dominantes em seu meio.

A idéia de padrão, em seu sentido antropológico, somente se

formulou, no entanto, com a antropóloga americana Ruth Benedict, em

sua obra clássica Patterns of culture (1934; Padrões culturais).

Estudando as diferentes características das culturas tribais, ela ressaltou

que existe um padrão psicológico modelador dos elementos culturais

emprestados. Por sua vez, esse mesmo padrão afasta aqueles elementos

culturais que a ele não se conformam. A cultura é como o indivíduo, e

tem um padrão mais ou menos consistente em seu pensamento e ação.

Benedict analisa as culturas dos índios zunis, indicando os padrões

culturais de cada um desses grupos, para mostrar o que os caracteriza.

Admite, igualmente, uma influência da psicologia gestaltista, que lhe

permitiu demonstrar a importância de tratar o todo em lugar das partes e

provar que nenhuma análise das percepções separadas pode explicar a

experiência total.

Por meio dos três grupos tribais estudados na obra, Ruth

Benedict procura explicar, e não apenas expor, as características que

cada um apresenta em seu padrão cultural. Apesar da ampla difusão de

sua obra e da imensa aceitação de seu conceito de padrão cultural, não

se podem negar as críticas feitas a seu método de estudo, traduzidas

principalmente nas observações de Robert Lowie; a este se afigurava que

o desejo de distinguir um padrão de outro conduz necessariamente a

uma tendência de sobreestimar diferenças. Dessa forma podem produzir-

se sérias alterações em virtude de uma seleção subjetiva dos critérios.

Enfim, a Lowie parecia que se deveriam esperar investigações ulteriores

para chegar a uma definição adequada do conceito de padrão.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Escola histórico-cultural. Corrente etnológica que procura

explicar o desenvolvimento cultural como processo de difusão, a escola

histórico-cultural teve seus primeiros idealizadores na Áustria e na

Alemanha, donde o nome com que é também conhecida: escola austro-

alemã. O antropólogo e arqueólogo alemão Leo Frobenius é um de seus

primeiros nomes. A ele se deve a idéia dos ciclos culturais, de que a

constância na associação dos elementos culturais determina a formação

de um ciclo -- um conjunto de determinados valores culturais partidos de

um ponto único dentro da área ocupada. A área ocupada por esses

valores de cultura é o círculo cultural.

Ao mesmo tempo que Frobenius aplicava essa teoria aos

povos africanos, o etnólogo Fritz Graebner, em Berlim, estudava, dentro

do mesmo critério, os povos da Oceania. Começaram então a surgir as

bases dessa nova teoria antropológica, especificamente etnológica,

repercutindo sobretudo em Viena, onde o padre Wilhelm Schmidt

estudou também a distribuição dos grupos humanos em ciclos culturais.

Viena e Berlim tornaram-se os centros fundamentais da formação e

desenvolvimento dessa escola, cujos princípios metodológicos estão

sistematizados por Graebner, em livro publicado na primeira década

deste século, sob o título Methode der Ethnologie (1911; Metodologia

etnológica). Também Schmidt publicou um livro com os fundamentos

metodológicos da escola histórico-cultural.

Os estudos de Wilhelm Schmidt nem sempre concordaram

plenamente com os de Graebner. Surgiram, entre os dois, certas

divergências de detalhes que não invalidam, entretanto, o conjunto. Além

dos critérios de Graebner, que são o de forma e o de qualidade, Schmidt

estabeleceu o princípio de causalidade cultural, quer dizer, apontou a

existência de causas externas e internas que incidem na formação da

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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cultura. As causas externas são as que, de fora, influem sobre o homem,

tais como as forças físicas e a própria atividade do homem; as causas

internas são as vindas de dentro, do próprio grupo, de natureza

instintiva. São causas que nem sempre podem observar-se, salvo quando

se traduzem em formas concretas.

Uma das divergências entre Graebner e Schmidt era o

estabelecimento dos ciclos culturais. Enquanto Graebner considerava os

tasmanianos como o povo mais primitivo, Schmidt assim considerava os

pigmeus da floresta da África. Ora, um ciclo de cultura caracteriza-se

pelo conjunto dos valores culturais existentes naquele grupo, e pode não

ter continuidade geográfica. Chegou-se, pois, à evidência de que nem os

tasmanianos são mais primitivos que os pigmeus africanos, nem estes

mais que aqueles. Cientificamente colocam-se num mesmo plano e,

assim, dentro de um mesmo ciclo.

O círculo cultural, além de caracterizar uma distribuição

geográfica, considera ainda a história do desenvolvimento cultural e

estuda a estratificação dos elementos existentes. Nisso diverge do

conceito, mais moderno, de área cultural, que considera territorialmente

a existência dos elementos culturais em face de semelhança de cultura

material e de condições geográficas. Não considera como importante a

reconstituição histórica dos elementos. Baseia-se essencialmente em sua

localização. O conceito de área cultural foi um dos traços de

diversificação e divergência da escola americana, liderada por Franz

Boas, em face da escola histórico-cultural, da qual se originou.

Etnologia

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A curiosidade em relação aos povos que se tornaram

conhecidos dos europeus a partir dos descobrimentos acentuou-se à

medida que a Europa estendia seus domínios coloniais e reacendeu-se no

século XIX, com as grandes explorações do continente africano. Começou

assim a configurar-se uma ciência dos povos, separada da geografia.

Etimologicamente, etnologia é o "estudo ou descrição dos

povos". Essa ciência concentrou-se no estudo das raças e dos povos, de

todos os pontos de vista, e sobretudo na comparação entre as culturas

primitivas e as desenvolvidas, e se baseia quase inteiramente no trabalho

de campo. Requer uma completa imersão do etnólogo na cultura e na

vida cotidiana do povo que é objeto de estudo.

A etnologia é parte de outra ciência de objeto mais amplo: a

antropologia. Na delimitação dos campos correspondentes às duas

disciplinas existem duas grandes correntes: a anglo-saxônica, mais

precisamente americana, e a européia continental, representada

sobretudo por cientistas franceses e alemães. Entre os americanos, a

etnologia é conhecida com o nome de antropologia cultural histórica e,

junto com o estudo da pré-história e a antropologia lingüística, constitui

um dos ramos da antropologia cultural geral.

Para o francês Claude Lévi-Strauss, a expressão

"antropologia cultural" foi adotada pelos anglo-saxões a partir do século

XIX a fim de designar o conjunto dos temas que os europeus

continentais denominaram mais freqüentemente "etnografia" ou

"etnologia", isto é, a investigação sobre os povos "exóticos" e a

sistematização do conhecimento sobre eles. A etnologia, dada sua

natureza subjetiva, é necessariamente comparativa. Como o etnólogo

conserva certos preconceitos culturais, suas observações são em certa

medida comparativas e as generalizações tornam-se inevitáveis.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

72

Histórico. A etnologia, num sentido descritivo ou etnográfico,

tem longa tradição na história da cultura universal. Já nas obras de

historiadores gregos como Heródoto e Xenofonte aparecem freqüentes

descrições dos povos "bárbaros" ou estrangeiros, com o propósito de

explicar suas diferenças raciais e de costumes. Os romanos Cornélio

Tácito e Júlio César foram também precursores dessa ciência, assim

como o veneziano Marco Polo e outros viajantes medievais. Um papel

importante nos primórdios da disciplina foi desempenhado pelos

conquistadores e cronistas espanhóis da época do descobrimento e da

colonização da América. Frei Bernardino de Sahagún, com a Historia

general de las cosas de la Nueva España, escrita por volta de 1560, criou

a primeira obra tida como etnográfica, pois aplicou uma metodologia

apropriada e rigorosa no tratamento dos dados étnicos e lingüísticos. No

entanto, a etnografia tornou-se profissão com o trabalho pioneiro do

polonês Bronislaw Malinowski nas ilhas da Melanésia, por volta de 1915,

do qual resultaram clássicos como Crime and Custom in Savage Society

(1926; Crime e costumes na sociedade selvagem). Desde então, o

trabalho etnográfico de campo tornou-se uma espécie de rito de

passagem para os profissionais da antropologia cultural.

Desenvolvimento. Inicialmente a etnologia se desenvolveu

como ciência de classificação das raças, campo que depois foi explorado

pela antropologia física. No fim do século XIX surgiu o método

propriamente etnográfico ou descritivo de culturas. Em geral, o etnólogo

reside no lugar da pesquisa pelo menos um ano, aprende o idioma ou

dialeto local e participa o mais intensamente possível da vida cotidiana,

ao mesmo tempo em que procura manter o distanciamento necessário à

observação. Freqüentemente o pesquisador não consegue deixar de

expressar pontos de vista preconceituosos, por mais que busque a

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isenção. Entre os métodos usados, notabilizaram-se a análise estrutural

de Lévi-Strauss e o neo-evolucionismo de V. Gordon Childe e Julian H.

Steward.

As culturas primitivas ou tradicionais que persistem na

atualidade atravessam uma fase crítica, pois ou estão em extinção ou

vêm sofrendo um processo de aculturação e perda dos valores que lhes

são próprios, sob influência das sociedades industriais. Por isso, a

etnologia teve que modificar também suas linhas de ação e investigação,

já que, embora as formas "puras" das culturas primitivas ou tradicionais

tenham recebido o impacto da civilização moderna, vestígios do passado

continuam patentes em manifestações folclóricas, lendas, costumes etc.,

cujo estudo revela valiosos elementos culturais. Assim, os etnólogos

dedicados a povos que mantêm viva a lembrança de um recente passado

colonial, e que trabalham em colaboração com colegas nativos, procuram

descobrir de que modo essas sociedades respondem às influências

modernizadoras e quais são os elementos da antiga cultura que

persistem dentro da nova. Os estudos etnográficos não se limitam às

pequenas sociedades primitivas mas também focalizam novas unidades

culturais, como os guetos das grandes cidades.

Os instrumentos do etnólogo mudaram muito desde o tempo

de Malinowski. Embora as anotações conservem grande valor no trabalho

de campo, os pesquisadores têm utilizado as vantagens da moderna

tecnologia, como filmes, vídeos e fitas de áudio para reforçar as análises

e descrições escritas.

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Movimentos ideológicos

Ideologia

Os pensadores da antiguidade clássica e da Idade Média

entendiam ideologia como o conjunto de idéias e opiniões de uma

sociedade. Maquiavel, no entanto, já dizia que as idéias são diferentes

"no palácio e na praça", conforme as diferentes condições de vida dos

que as defendem.

Define-se como ideologia o sistema de idéias que dá

fundamento a uma doutrina política ou social, adotada por um partido ou

grupo humano. Foi Karl Marx quem formulou a mais completa teoria

sobre a origem e o papel da ideologia nas diversas formas de

organização social. Para Marx, ideologia é um conjunto de idéias e

conceitos que corresponde aos interesses de uma classe social, embora

não obrigatoriamente professado por todos seus membros. Há uma

ideologia da burguesia, como há uma ideologia do proletariado. A

ideologia de certa classe decorre da posição que ela ocupa num modo de

produção historicamente determinado.

Segundo Marx, o acervo ideológico de uma sociedade

constitui a superestrutura, que é condicionada pela realidade material, ou

infra-estrutura. Assim, a filosofia, a arte, o direito, a política e a religião

são formas de ideologia, pois se manifestam segundo os interesses

específicos das classes sociais em que se constituem. A ideologia

também atua sobre a realidade socioeconômica, modificando-a, num

processo de reciprocidade.

Todo sistema de idéias se cria em relação estreita com

circunstâncias históricas, econômicas ou sociais. Entre a ideologia e essas

circunstâncias se dá uma interação dialética. As condições da realidade

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determinam certo tipo de pensamento, e esse pensamento age sobre ela,

modificando-a. Como a realidade se modifica continuamente, as

ideologias também desaparecem e dão lugar a novos corpos doutrinários.

Ideologia e religião. Muitas vezes se fala em ideologia como

se pertencesse à mesma categoria lógica da religião. Ambas são, de

certa maneira, sistemas de idéias que compreendem questões referentes

à verdade e à conduta, mas as diferenças entre as duas têm mais

importância que as similaridades.

Uma teoria religiosa da realidade pode defender uma

sociedade justa, mas dificilmente apresentará um programa político

prático. Com ênfase na fé e no culto, a religião apela para a

espiritualidade e seu objetivo é a redenção ou purificação do espírito,

enquanto uma ideologia fala a um grupo, uma nação ou uma classe. As

religiões em geral atribuem sua própria origem a uma revelação,

enquanto a ideologia sempre pretende, ainda que de forma enganosa,

existir apenas pela razão.

Apesar das diferenças, em certos movimentos religiosos se

encontram os primeiros elementos ideológicos do mundo moderno, como

no caso de Girolamo Savonarola, que no século XV tentou dar ao

cristianismo uma dimensão ideológica e inspirou movimentos como o

calvinismo e as comunidades puritanas do Novo Mundo. De fato, tanto

na Reforma quanto na Contra-Reforma, quando o cristianismo se investiu

de militância e intolerância renovadas e se deu uma nova ênfase à

conversão, a religião aproximou-se muito da ideologia.

Ideologias modernas. As ideologias que mais direta e

incisivamente determinaram a realidade contemporânea encontram-se

ligadas a alguma forma de nacionalismo e de socialismo. O fascismo foi a

mais extrema manifestação do nacionalismo.

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As condições históricas, econômicas e sociais em que se

encontrava a Europa após a primeira guerra mundial, com a recessão das

atividades produtivas, foram responsáveis pelo aparecimento do fascismo

e do nazismo, ideologias baseadas no valor absoluto da nacionalidade e

na pureza racial como fator de liderança, opostos às noções de

internacionalismo e solidariedade inter-racial. Tais convicções levaram

esses povos a superarem as contradições internas de classes para

confluírem numa ideologia hegemônica. Admitia-se a interferência do

estado na produção, na educação, no lazer e em toda atividade individual

que pudesse redundar em benefício para a nação.

Muitas correntes doutrinárias socialistas surgiram a partir de

meados do século XIX. Todas têm em comum o objetivo de implantar

uma organização social em que o regime predominante de propriedade

seja coletivo, especialmente no que se refere aos meios de produção.

Essa idéia básica orientou diversas tendências socializantes, como o

anarquismo, o socialismo corporativista, o socialismo cristão, o marxismo,

entre outras.

Gênese das ideologias. Uma ideologia pode ser determinada

por fatores presentes no meio histórico-social que a gera, e se modifica

ou desaparece quando o contexto que as criou se altera. A ideologia,

como pensamento historicamente situado, é uma tomada de consciência

da realidade ou, como querem alguns pensadores, um reflexo da

realidade. As ideologias seriam, nesse sentido, um epifenômeno, ou uma

espécie de representação mental de uma situação determinada.

Algumas ideologias se apresentam como instrumento de

dominação de um grupo, ou de uma classe, sobre outros. Por exemplo, a

oposição entre a aristocracia que representava o poder feudal e a elite

ascendente dos comerciantes, ou burguesia, deu origem à estruturação

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de uma ideologia baseada em novos valores, como a idéia de êxito no

desempenho de atividade econômica, a valorização do trabalho e o

abandono do conceito heróico de honra. Esses novos valores se

generalizaram entre as diferentes camadas na sociedade emergente,

desfecharam o golpe de misericórdia contra o feudalismo e contribuíram

para a vitória da burguesia.

Ideologia no Brasil

Na sociedade brasileira podem-se identificar diferentes

sistemas de idéias predominantes em cada grande período histórico. Na

primeira fase da colonização vigorou a ideologia do colonizador que, a

partir do século XVII, entrou em choque com os elementos ideológicos

gerados no próprio país.

Assim, a primeira noção em torno da qual se formaram

outras idéias foi a de dominação. O colono europeu era o dono e o

conquistador da terra descoberta e, por isso, tudo se transformava em

objeto de exploração. A dominação se fortaleceu com o regime

paternalista, em que o patriarca ("coronel" ou senhor-de-engenho) era o

árbitro universal e, ao mesmo tempo, o protetor de uma pequena

comunidade familiar que dele dependia incondicionalmente.

Esse regime só pôde existir graças ao trabalho escravo

aplicado à monocultura. Toda sociedade escravocrata necessariamente

valoriza o lazer e deprecia as atividades manuais ou braçais e daí decorre

o gosto brasileiro pelo direito, pela oratória e pelo beletrismo. A elite

intelectual, filha da casa-grande alicerçada no suor escravo, lentamente

elaborou os elementos principais de uma ideologia brasileira, que acabou

por entrar em choque com o dogmatismo dominador.

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O período da colonização, portanto, caracteriza-se por uma

ambivalência ideológica, pois havia uma dualidade de interesses

econômicos, políticos, intelectuais, enfim, uma ambivalência de clima

social. A ideologia construída em grande parte pela simples implantação

ou incorporação de valores externos convivia com uma ideologia

autóctone em formação, que eclodiu nos movimentos nativistas: a

insurreição pernambucana (1648-1654), a guerra dos mascates (1710) e

a inconfidência mineira (1789), entre outros. Esses movimentos marcam

o início de um período ideológico de transição, em que o choque entre os

valores antigos e os novos fez nascer na consciência do brasileiro um

sentimento de inferioridade em face do colonizador.

Entre todos os movimentos nativistas, somente na

inconfidência esteve em jogo a realidade brasileira como um todo. Nos

demais, de consciência ideológica parcial, uma comunidade nativa se

insurgia contra outra, aventureira e de mentalidade exploradora. As lutas

que se prolongaram durante o período do Reino Unido (revolução

pernambucana de 1817), o primeiro reinado (guerra da independência da

Bahia de 1823 e confederação do equador), a regência (cabanos,

farrapos, balaiada e sabinada) e as do segundo reinado (revolução liberal

de São Paulo e de Minas Gerais em 1842 e revolução praieira) atestam

uma transição ideológica na mentalidade das elites do país.

O período seguinte, que começa depois da guerra do

Paraguai e da abolição da escravatura, é útil para compreender o que se

pode chamar de paradoxo burocrático brasileiro. Com a abolição, em

1888, deu-se a desorganização de todo o setor agrícola, cujo

sustentáculo era o café. Considerando que, teoricamente, na evolução de

uma civilização, ocorre gradativamente a passagem do setor primário

(agricultura) para o secundário (indústria), e deste para o terciário

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(comércio, serviços públicos e particulares), a vida nacional, assim

perturbada, deveria ter-se ajustado no setor secundário. Isso, porém,

não foi possível, pois não havia mentalidade industrial e, na época, a

atividade econômica não estava ainda em pleno desenvolvimento.

Assim, a saída para a população mais favorecida foi saltar do

setor primário para o terciário, o que inflacionou as atividades comerciais

e os serviços burocráticos em todos os níveis. O político assumiu então o

papel anteriormente desempenhado pelo senhor-de-engenho ou pelo

patriarca da casa-grande, com uma clientela de protegidos que favoreceu

o empreguismo público.

No século XX, consolidada a república, houve uma tomada

de consciência nacionalista, entendendo-se pelo termo tanto o alcance

nacional dos programas políticos como a defesa contra a dominação e a

imposição de valores estrangeiros. A atividade política nos centros

urbanos do país já industrializado viu-se profundamente influenciada

pelas idéias anarquistas e comunistas dos imigrantes europeus, enquanto

que nas regiões rurais predominava ainda o autoritarismo próprio da

estrutura social arcaica herdada incólume da colônia.

A intermitente interferência das instituições armadas na vida

política brasileira desde a proclamação da república contribuiu com

elementos ideológicos importantes para a formação de uma consciência

nacional pró-militarista e conservadora e de sua contrapartida

democrática e progressista.

Liberalismo

Surgido em conseqüência da luta histórica da burguesia para

superar os obstáculos que a ordem jurídica feudal opunha ao livre

desenvolvimento da economia, o liberalismo tornou-se uma corrente

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doutrinária de importância capital na vida política, econômica e social dos

estados modernos.

Liberalismo é uma doutrina política e econômica que, em

suas formulações originais, postulava a limitação do poder estatal em

benefício da liberdade individual. Fundamentado nas teorias racionalistas

e empiristas do Iluminismo e na expansão econômica gerada pela

industrialização, o liberalismo converteu-se, desde o final do século XVIII,

na ideologia da burguesia em sua luta contra as estruturas que se

opunham ao livre jogo das forças econômicas e à participação da

sociedade na direção do estado.

Antecedentes. Na Idade Média feudal, a sociedade se

compunha basicamente de três classes sociais: a nobreza proprietária da

terra, os servos da gleba, a ela submetidos, e os artesãos urbanos

organizados em corporações. As responsabilidades públicas se dividiam

entre os nobres e a igreja. A partir do século XIII, no entanto, o

desenvolvimento da atividade comercial das cidades e o aparecimento do

capitalismo mercantilista representaram o início de uma transformação

radical das sociedades européias.

A burguesia, concentrada nas cidades, foi a principal

protagonista desse processo histórico. Apesar da importância econômica

que conquistavam, os burgueses continuavam excluídos do poder

político. Um movimento crítico da sociedade surgiu então, contrário à

ordem feudal e aos estados centralizadores. Assim se gerou, num

processo que durou séculos, um movimento filosófico, político e

econômico que afirmou a liberdade total do indivíduo e propugnou a

limitação radical dos poderes do estado. As características fundamentais

desse movimento, além da restrição das atribuições do estado, foram a

defesa da livre concorrência na área econômica e a definição dos direitos

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fundamentais do indivíduo, entre os quais a liberdade de idéias e de

crenças e a sua livre expressão.

O movimento, que adquiriria sua mais acabada expressão no

liberalismo, converteu-se na ideologia em que a burguesia se apoiou para

assumir o controle do estado a partir das últimas décadas do século

XVIII, e depois impregnou profundamente os princípios políticos das

sociedades modernas.

Idéias liberais. As armas decisivas que a burguesia utilizou

em sua luta intelectual contra a nobreza e a igreja foram o Iluminismo --

que opôs razão à tradição, e o direito natural aos privilégios de classe --

e as análises econômicas da escola clássica, cujos principais

representantes foram os economistas Adam Smith e David Ricardo.

A célebre máxima da escola fisiocrata francesa do século

XVIII "Laissez faire, laissez passer: le monde va de lui même" ("deixa

fazer, deixa passar: o mundo anda por si mesmo") é a que melhor

expressa a natureza da economia liberal. Efetivamente, a escola liberal

acredita que a economia possui seus próprios mecanismos de auto-

regulamentação, que atuam com eficácia sempre que o estado não

dificulte seu funcionamento espontâneo.

Ainda antes que Smith, Ricardo e demais intelectuais da

escola clássica estudassem a nova estrutura econômica da sociedade,

iniciara-se a crítica política do absolutismo e dos remanescentes da velha

sociedade feudal. Já no século XVII, o filósofo britânico Thomas Hobbes

tentara fundamentar a legitimidade da monarquia na relação contratual

dela com seus súditos. Foi depois o barão de Montesquieu quem, em De

l'esprit des lois (1748; Sobre o espírito das leis), formulou o princípio da

separação de poderes, dificuldade fundamental na gestação de novos

estados democráticos. Coube a Jean-Jacques Rousseau a afirmação do

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princípio da soberania do povo, que continha os instrumentos teóricos

para iniciar o assalto à monarquia absoluta.

Instauração política do liberalismo. Na Grã-Bretanha, graças

a uma precoce aliança com a nobreza, a burguesia colheu os primeiros

frutos de sua luta política. Durante o século XVIII, as cortes britânicas

converteram-se paulatinamente num Parlamento moderno, logo proposto

como modelo no continente. Essa liberalização foi, no entanto, limitada,

uma vez que teve que esperar o século XIX para que o direito ao voto se

estendesse à pequena burguesia, e as primeiras décadas do século XX

para que se estabelecesse o sufrágio universal.

A instauração da nova ordem política foi desigual nos demais

países europeus e americanos. Nos Estados Unidos, os direitos do

homem foram proclamados em 1776. Na França, foi preciso esperar a

revolução de 1789 para que se desse um passo semelhante e se

proclamassem constituições populares em 1791 e 1793. Na Espanha, o

estado liberal impôs-se nas primeiras décadas do século XIX. Os países

americanos que fizeram parte de seu império colonial forjaram, ao

contrário, sua independência sob a bandeira do liberalismo político e

econômico. Na Alemanha, só em 1918 instituiu-se um Parlamento.

Estado liberal. Se o objetivo primeiro da burguesia foi o

controle do poder legislativo, o fim último da idéia liberal foi a submissão

do poder executivo aos representantes populares e, conseqüentemente,

a eliminação do poder monárquico.

A tarefa do Parlamento devia ser o controle do executivo,

para evitar, assim, as ingerências arbitrárias deste no âmbito privado e

na vida econômica. Os representantes parlamentares eram, formalmente,

porta-vozes populares que buscavam o bem comum, ainda que, na

prática, procedessem da classe dos proprietários. A progressiva extensão

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do voto e a permeabilidade cada vez maior entre os diferentes setores

sociais fez com que, pouco a pouco, aquela representatividade se

tornasse efetiva.

De início, o sistema liberal não previa partidos políticos,

entendidos como na atualidade, dadas as afinidades básicas que existiam

entre os representantes parlamentares. Observou-se, a princípio, a

necessidade de apresentar candidatos e de agrupar aqueles de maior

proximidade ideológica, ao mesmo tempo que se instalava entre eles um

forte componente de influências pessoais. A irrupção das massas

operárias na política representou uma grande mudança daquela

concepção inicial. O mesmo aconteceu com o apogeu da imprensa como

órgão de expressão da opinião pública, fonte última de legitimidade nos

sistemas liberais-democráticos.

Liberalismo e justiça. A desigualdade dos indivíduos segundo

seu nascimento e camada social a que pertencessem era consubstancial

ao ordenamento jurídico do velho regime feudal. A própria coerência do

liberalismo exigia, no entanto, a igualdade de oportunidades entre os

indivíduos e, conseqüentemente, a igualdade última de todos perante a

lei, cujo império se afirmava também diante dos próprios poderes

públicos.

A concretização jurídica do triunfo do liberalismo nos

diversos estados expressou-se na promulgação de constituições, leis

fundamentais que sancionaram a divisão de poderes, os direitos e

obrigações dos indivíduos e os demais princípios da nova ordem social.

Marxismo

Fruto de décadas de colaboração entre Karl Marx e Friedrich

Engels, o marxismo influenciou os mais diversos setores da atividade

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humana ao longo do século XX, desde a política e a prática sindical até a

análise e interpretação de fatos sociais, morais, artísticos, históricos e

econômicos, e se tornou doutrina oficial dos países de regime comunista.

Marxismo é o conjunto das idéias filosóficas, econômicas,

políticas e sociais que Marx e Engels elaboraram e que mais tarde foram

desenvolvidas por seguidores. Interpreta a vida social conforme a

dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de

acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema

produtivo.

Os pontos de partida do marxismo são a dialética de G. W. F.

Hegel, a filosofia materialista de Ludwig Feuerbach e dos enciclopedistas

franceses e as teorias econômicas dos ingleses Adam Smith e David

Ricardo. Mais do que uma filosofia, o marxismo é a crítica radical da

filosofia, principalmente do sistema filosófico idealista de Hegel.

Enquanto para Hegel a realidade se faz filosofia, para Marx a filosofia

precisa incidir sobre a realidade. O núcleo do pensamento de Marx é sua

interpretação do homem, que começa com a necessidade humana. A

história se inicia com o próprio homem que, na busca da satisfação de

necessidades, luta contra a natureza. À medida que luta, o homem se

descobre como ser produtivo e passa a ter consciência de si e do mundo.

Percebe então que "a história é o processo de criação do homem pelo

trabalho humano".

As duas vertentes do marxismo são o materialismo dialético,

para o qual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria

em movimento e evolução permanente, e o materialismo histórico, para

o qual o fato econômico é base e causa determinante dos fenômenos

históricos e sociais, inclusive as instituições jurídicas e políticas, a

moralidade, a religião e as artes.

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A teoria marxista desenvolve-se em quatro níveis de análise -

- filosófico, econômico, político e sociológico -- em torno da idéia central

de mudança. Em suas Thesen über Feuerbach (1845, publicadas em

1888; Teses sobre Feuerbach), Marx escreveu: "Até o momento, os

filósofos apenas interpretaram o mundo; o fundamental agora é

transformá-lo." Para transformar o mundo é necessário vincular o

pensamento à prática revolucionária. Interpretada por diversos

seguidores, a teoria tornou-se uma ideologia que se estendeu a regiões

de todo o mundo e foi acrescida de características nacionais. Surgiram

assim versões como as dos partidos comunistas francês e italiano, o

marxismo-leninismo na União Soviética, as experiências no leste europeu,

o maoísmo na China e Albânia e as interpretações da Coréia do Norte, de

Cuba e dos partidos únicos africanos, em que se mistura até com ritos

tribais.

Materialismo dialético. De uma perspectiva idealista, Hegel,

filósofo alemão do século XIX, englobava a natureza, a história e o

espírito no processo dialético de movimento das idéias, determinado pela

oposição de elementos contrários (tese e antítese) que progridem em

direção a formas mais aperfeiçoadas (síntese). Assim, no devir da

história, o processo dialético impulsiona o desenvolvimento da idéia

absoluta pela sucessão de momentos de afirmação (tese), de negação

(antítese) e de negação da negação (síntese).

Marx adotou a dialética hegeliana e substituiu o devir das

idéias, ou do espírito humano, pelo progresso material e econômico. Em

Zur Kritik der Politischen Ökonomie (1859; Contribuição à crítica da

economia política), resume o que mais tarde foi chamado materialismo

dialético: "Não é a consciência do homem que determina seu ser, mas o

ser social que determina sua consciência." Pelo método dialético,

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sustentou que o capitalismo industrial (afirmação) engendra o

proletariado (negação) e essa contradição é superada, no futuro, pela

negação da negação, isto é, pela sociedade sem classes.

Outra chave do marxismo está no pensamento do filósofo

alemão Ludwig Feuerbach. Discípulo de Hegel, Feuerbach inverteu na

dialética os lugares ocupados pela idéia e pela matéria e formulou a

teoria da alienação do homem, entendendo Deus como ilusão humana

ditada por necessidades da realidade material. Marx detectou certa

inconsistência no materialismo de Feuerbach, pois este considerava o

homem como ser puramente biológico. Tomando uma noção criada por

Moses Hess, também hegeliano, Marx definiu o homem em sua relação

com a natureza e a sociedade, isto é, em sua dimensão econômica e

produtiva, e viu no estado, na propriedade e no capital a fonte da

alienação humana. Para Marx, as relações materiais de produção de uma

sociedade determinam a alienação política, religiosa e ideológica, como

conseqüências inequívocas das condições de dominação econômica.

Materialismo histórico. Também chamado concepção

materialista da história, o materialismo histórico é a aplicação do

marxismo ao estudo da evolução histórica das sociedades humanas. Essa

evolução se explica pela análise dos acontecimentos materiais,

essencialmente econômicos e tecnológicos. Na atividade econômica e

social, os homens estabelecem relações necessárias e independentes de

sua vontade. São as relações de produção, que correspondem a um

determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas (trabalho

humano, instrumentos, máquinas). O conjunto das relações de produção

forma a infra-estrutura econômica da sociedade, base material sobre a

qual se eleva uma superestrutura política, jurídica e ideológica, o que

engloba as idéias morais, estéticas e religiosas. Assim, o modo de

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produção dos bens materiais condiciona a vida social, política e

intelectual que, por sua vez, interage com a base material. Para

contrabalançar o determinismo econômico da teoria, Marx afirmou a

existência de uma constante interação e interdependência entre a infra-

estrutura e a superestrutura, embora, em última instância, os fatores

econômicos sejam os determinantes.

No curso de seu desenvolvimento, as forças produtivas da

sociedade entram em contradição com as relações de produção

existentes e estas convertem-se em obstáculos à continuidade do

processo produtivo. Inicia-se então uma era de revolução social que

afeta a fundo a estrutura ideológica, de modo que os homens adquirem

consciência do conflito de que participam.

As relações capitalistas de produção seriam a forma final de

antagonismo no processo histórico. O modo de produção do capitalismo

industrial conduz de modo inevitável à superação da propriedade privada,

não só pela rebelião dos oprimidos como pela própria evolução do

sistema, em que a progressiva acumulação de capital determina a

necessidade de novas relações de produção baseadas na propriedade

coletiva dos meios de produção. Superado o regime de propriedade

privada, o homem venceria a alienação econômica e, em seguida, todas

as outras formas de alienação de si mesmo.

No decorrer do processo histórico, as relações econômicas

evoluíram segundo uma contínua luta dialética entre os proprietários dos

meios de produção e os trabalhadores espoliados e explorados. No

primeiro capítulo do Manifest der Kommunistischen Partei (1848;

Manifesto comunista), Marx e Engels afirmam que a "história de todas as

sociedades do passado é a história da luta de classes". Segundo o

materialismo histórico, o comunismo primitivo seria a tese oposta à

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antítese expressa pelas sociedades de classe (escravistas, feudais e

capitalistas). A sociedade sem classes, alcançada mediante a práxis (isto

é, a teoria posta em prática) revolucionária, seria a síntese final das

organizações sociais.

Crítica do sistema capitalista. Marx rejeitou o idealismo dos

socialistas utópicos, sobretudo Charles Fourier e Henri de Saint-Simon,

que criticaram o capitalismo de um ponto de vista humanitário e

defenderam a mudança gradual para um regime social baseado na

propriedade e no trabalho coletivos. Marx formulou então a doutrina do

socialismo científico, em que a crítica à estrutura econômica do

capitalismo permite reconhecer as leis dialéticas de sua evolução e

decomposição.

Para Marx, o trabalho é a essência do homem, pois é o meio

pelo qual ele se relaciona com a natureza e a transforma em bens a que

se confere valor. A desqualificação moral do capitalismo ocorre por ser

um modo de produção que converte a força de trabalho em mercadoria

e, desse modo, aliena o trabalhador como ser humano.

Marx concordou com os economistas clássicos britânicos,

para quem o trabalho é a medida de todas as coisas. A força de trabalho

do operário, vendida ao capitalista, incorpora-se a um produto que se

vende no mercado por um valor superior a seu custo de produção. A

diferença entre o valor final do produto e o custo de produção constitui a

mais-valia, o excedente ou valor acrescentado pelo trabalho. O custo de

produção é a soma do valor dos meios de produção (maquinaria e

matérias-primas) e do valor da força de trabalho, este expresso em bens

indispensáveis à subsistência do operário e sua família. A mais-valia,

portanto, converte-se em lucro para o capitalista.

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Marx distingue dois tipos de mais-valia, a absoluta e a

relativa, que se definem pela maneira como são aumentadas. A mais-

valia absoluta aumenta proporcionalmente ao aumento do número de

horas da jornada de trabalho, conservando-se constante o salário. O

valor produzido pelo trabalho nesse tempo adicional corresponde à mais-

valia absoluta. Assim, quanto mais horas o operário trabalhar, maior será

o lucro do capital, isto é, a mais-valia absoluta, e sua acumulação. A

mais-valia relativa aumenta com o aumento da produtividade, com a

racionalização do processo produtivo e com o aperfeiçoamento

tecnológico. O trabalhador passa a produzir mais no mesmo tempo de

trabalho, e isso aumenta relativamente a mais-valia.

A obtenção de mais-valia conduz à acumulação do capital

expressa na concentração fabril e empresarial e no progresso tecnológico

incorporado à maquinaria das grandes indústrias. O uso de máquinas

cada vez mais produtivas elimina periodicamente parte da força de

trabalho. Os operários dispensados engrossam o "exército industrial de

reserva" (os desempregados) em situação de concorrência que favorece

a redução dos salários e a pauperização da classe operária.

A formação de cartéis e monopólios, em conseqüência da

concentração de capital, diminui o número de capitalistas e provoca uma

crise de superprodução, manifestação típica das contradições do

capitalismo, já que, em busca de lucro máximo, o capitalista adota novos

instrumentos de trabalho que geram produção maior do que o mercado é

capaz de absorver. As crises periódicas fazem aumentar o desemprego,

proletarizam as classes intermediárias e empobrecem a classe operária.

O sistema capitalista desaparecerá em conseqüência das próprias

contradições e da oposição entre o caráter coletivo da produção e o

caráter privado da apropriação. A ação revolucionária dos oprimidos, ou

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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seja, da classe operária, deve incidir sobre o sistema capitalista. A

tomada do poder por essa classe implicaria a instauração de um estado

socialista transitório, a ditadura do proletariado, que se dissolveria após

cumprir sua missão de organizar o sistema coletivista e liquidar as

antigas classes sociais. Depois dessa fase se chegaria finalmente ao

comunismo, sociedade sem classes e sem exploração do homem pelo

homem.

Revisionismo e marxismo-leninismo. No final do século XIX, o

marxismo passou a atrair cada vez mais o movimento operário mundial,

embora o anarquismo e o pensamento social-cristão mantivessem sua

influência. O desenvolvimento industrial em alguns países, porém,

contribuiu para melhorar o padrão de vida da classe trabalhadora, ao

contrário das previsões de Marx, e reforçou os sistemas políticos social-

democratas.

Nas primeiras décadas do século XX, os alemães Karl

Liebknecht e Rosa Luxemburgo ratificaram o caráter revolucionário do

marxismo e adaptaram a doutrina às novas condições do capitalismo. Na

mesma direção seguiu Lenin, personagem decisivo da revolução russa de

1917. Sua contribuição originou o marxismo-leninismo, com novas

abordagens da doutrina e do movimento comunista, como a análise do

imperialismo, a possibilidade da revolução em países não industrializados,

a participação do campesinato na ação revolucionária e a organização do

partido comunista como vanguarda da classe operária.

O marxismo-leninismo foi interpretado de maneiras diversas

após a morte de Lenin. Nikolai Ivanovitch Bukharin preconizou uma

concepção revisionista e Trotski desenvolveu os aspectos revolucionários

da doutrina. Stalin simplificou os postulados do marxismo-leninismo,

formulou a teoria do socialismo em um só país, contra a tese trotskista,

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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que preconizava a internacionalização da revolução, e defendeu a

possibilidade de um desenvolvimento auto-suficiente da economia

soviética, sem relação com o mundo capitalista.

A partir do marxismo-leninismo, o líder comunista chinês

Mao Zedong elaborou uma doutrina original, o maoísmo, adaptada ao

desenvolvimento da revolução na China e às características milenares da

cultura chinesa: é maoísta, por exemplo, o princípio segundo o qual os

estudantes jamais devem ser orientados para a competição, mas

exclusivamente para a cooperação.

O marxismo teve teóricos de grande expressão no mundo

das idéias, como Antonio Gramsci, György Lukács, Theodor W. Adorno,

Karl Korsch e Louis Althusser. Depois da segunda guerra mundial,

surgiram interpretações não dogmáticas do marxismo, com a

incorporação de filosofias como as de Edmund Husserl e Martin

Heidegger e de idéias de teóricos de outras áreas, como Sigmund Freud.

Economistas, historiadores antropólogos, sociólogos, psicólogos,

estudiosos da moral e das artes, incorporaram a metodologia marxista

sem necessariamente aderir à filosofia política e à prática revolucionária

do marxismo.

A queda dos regimes comunistas nos países do leste europeu

e a dissolução da União Soviética levaram ao questionamento dos

postulados doutrinários marxistas. Permaneceram, porém, o respeito e a

admiração pelo rigor científico, originalidade, coerência interna e

abrangência da obra de Marx e Engels.

Socialismo

O sonho de uma sociedade igualitária, na qual todos tenham

franco acesso à distribuição e à produção de riquezas, alimenta os ideais

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socialistas desde seu nascimento, no século XVIII, na sociedade que

brotou da revolução industrial e dos anseios de "liberdade, igualdade e

fraternidade" expressos pela revolução francesa.

Socialismo é a denominação genérica de um conjunto de

teorias socioeconômicas, ideologias e práticas políticas que postulam a

abolição das desigualdades entre as classes sociais. Incluem-se nessa

denominação desde o socialismo utópico e a social-democracia até o

comunismo e o anarquismo.

As múltiplas variantes de socialismo partilham uma base

comum que é a transformação do ordenamento jurídico e econômico,

baseado na propriedade privada dos meios de produção, numa nova e

diferente ordem social. Para caracterizar uma sociedade socialista, é

necessário que estejam presentes os seguintes elementos fundamentais:

limitação do direito à propriedade privada, controle dos principais

recursos econômicos pelas classes trabalhadoras e a intervenção dos

poderes públicos na gestão desses recursos econômicos, com a

finalidade de promover a igualdade social, política e jurídica. Para muitos

teóricos socialistas contemporâneos, é fundamental também que o

socialismo se implante pela vontade livremente expressa de todos os

cidadãos, mediante práticas democráticas.

A revolução industrial iniciada na Grã-Bretanha na segunda

metade do século XVIII estabeleceu um novo tipo de sociedade dividida

em duas classes fundamentais sobre as quais se sustentava o sistema

econômico capitalista: a burguesia e o proletariado. A burguesia,

formada pelos proprietários dos meios de produção, conquistou o poder

político primeiro na França, com a revolução de 1789, e depois em vários

países. O poder econômico da burguesia se afirmou com base nos

princípios do liberalismo: liberdade econômica, propriedade privada e

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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igualdade perante a lei. A grande massa da população proletária, no

entanto, permaneceu inicialmente excluída do cenário político. Logo ficou

claro que a igualdade jurídica não era suficiente para equilibrar uma

situação de profunda desigualdade econômica e social, na qual uma

classe reduzida, a burguesia, possuía os meios de produção enquanto a

maioria da população era impedida de conquistar a propriedade.

As diferentes teorias socialistas surgiram como reação contra

esse quadro, com a proposta de buscar uma nova harmonia social por

meio de drásticas mudanças, como a transferência dos meios de

produção de uma única classe para toda a coletividade. Uma

conseqüência dessa transformação seria o fim do trabalho assalariado e a

substituição da liberdade de ação econômica dos proprietários por uma

gestão socializada ou planejada, com o objetivo de adequar a produção

econômica às necessidades da população, ao invés de se reger por

critérios de lucro. Tais mudanças exigiriam necessariamente uma

transformação radical do sistema político. Alguns teóricos postularam a

revolução violenta como único meio de alcançar a nova sociedade.

Outros, como os social-democratas, consideraram que as transformações

políticas deveriam se realizar de forma progressiva, sem ruptura do

regime democrático, e dentro do sistema da economia capitalista ou de

mercado.

Precursores e socialistas utópicos. Embora o socialismo seja

um fenômeno específico da era industrial, distinguem-se precursores da

luta pela emancipação social e igualdade em várias doutrinas e

movimentos sociais do passado. Assim, as teorias de Platão em A

república, as utopias renascentistas, como a de Thomas More, as

rebeliões de escravos na Roma antiga, como a que foi liderada por

Espártaco, o cristianismo comunitário primitivo e os movimentos

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camponeses da Idade Média e dos séculos XVI e XVII, como o dos

seguidores de Jan Hus, são freqüentemente mencionados como

antecedentes da luta pela igualdade social. Esse movimento começou a

ser chamado de socialismo apenas no século XIX.

O primeiro precursor autêntico do socialismo moderno foi o

revolucionário francês François-Noël Babeuf, que, inspirado nas idéias de

Jean-Jacques Rousseau, tentou em 1796 subverter a nova ordem

burguesa na França, por meio de um levante popular. Foi preso e

condenado à morte na guilhotina.

A crescente degradação das condições de vida da classe

operária motivou o surgimento dos diversos teóricos do chamado

socialismo utópico, alguns dos quais tentaram, sem sucesso, criar

comunidades e unidades econômicas baseadas em princípios socialistas

de inspiração humanitária e religiosa.

Claude-Henri de Rouvroy, conde de Saint-Simon, afirmou

que a aplicação do conhecimento científico e tecnológico à indústria

inauguraria uma nova sociedade semelhante a uma fábrica gigantesca,

na qual a exploração do homem pelo homem seria substituída pela

administração coletiva. Considerava a propriedade privada incompatível

com o novo sistema industrial, mas admitia certa desigualdade entre as

classes e defendia uma reforma do cristianismo como forma de atingir a

sociedade perfeita.

Outro teórico francês importante foi François-Marie-Charles

Fourier, que tentou acabar com a coerção, a exploração e a monotonia

do trabalho por meio da criação de falanstérios, pequenas comunidades

igualitárias que não chegaram a prosperar. Da mesma forma,

fracassaram as comunidades fundadas pelo socialista escocês Robert

Owen.

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Marxismo e anarquismo. O papel do proletariado como força

revolucionária foi reconhecido pela primeira vez por Louis-Auguste

Blanqui e Moses Hess. Na metade do século XIX, separaram-se as duas

vertentes do movimento socialista que polarizaram as discussões

ideológicas: o marxismo e o anarquismo. Ao mesmo tempo, o movimento

operário começava a adquirir força no Reino Unido, França e em outros

países onde a industrialização progredia.

Contra as formas utópicas, humanitárias ou religiosas do

socialismo, Karl Marx e Friedrich Engels propuseram o estabelecimento

de bases científicas para a transformação da sociedade: o mundo nunca

seria modificado somente por idéias e sentimentos generosos, mas sim

por ação da história, movida pela luta de classes. Com base numa síntese

entre a filosofia de Hegel, a economia clássica britânica e o socialismo

francês, defenderam o uso da violência como único meio de estabelecer

a ditadura do proletariado e assim atingir uma sociedade justa, igualitária

e solidária. No Manifesto comunista, de 1848, os dois autores

apresentaram o materialismo dialético com o qual diagnosticavam a

decadência inevitável do sistema capitalista e prognosticavam a

inexorável marcha dos acontecimentos rumo à revolução socialista.

As tendências anarquistas surgiram das graves dissensões

internas da Associação Internacional dos Trabalhadores, ou I

Internacional, fundada por Marx. Grupos pequeno-burgueses liderados

por Pierre-Joseph Proudhon e anarquistas seguidores de Mikhail Bakunin

não aceitaram a autoridade centralizadora de Marx. Dividida, a I

Internacional dissolveu-se em 1872, após o fracasso da Comuna de Paris,

primeira tentativa revolucionária de implantação do socialismo.

O anarquismo contou com diversos teóricos de diferentes

tendências, mas nunca se converteu num corpo dogmático de idéias,

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como o de Marx. Proudhon combateu o conceito de propriedade privada

e afirmou que os bens adquiridos mediante a exploração da força de

trabalho constituíam um roubo. Bakunin negou os próprios fundamentos

do estado e da religião e criticou o autoritarismo do pensamento

marxista. Piotr Kropotkin via na dissolução das instituições opressoras e

na solidariedade o caminho para o que chamou de comunismo libertário.

II Internacional e a social-democracia. Depois da dissolução

da I Internacional, os socialistas começaram a buscar vias legais para sua

atuação política. Com base no incipiente movimento sindicalista de Berlim

e da Saxônia, o pensador alemão Ferdinand Lassalle participou da

fundação da União Geral Alemã de Operários, núcleo do que seria o

primeiro dos partidos social-democratas que se espalharam depois por

toda a Europa. Proibido em 1878, o Partido Social Democrata alemão

suportou 12 anos de repressão e só voltou a disputar eleições em 1890.

Em 1889, os partidos social-democratas europeus se reuniram para

fundar a II Internacional Socialista. No ano seguinte, o 1º de maio foi

proclamado dia internacional do trabalho, como parte da campanha pela

jornada de oito horas.

Eduard Bernstein foi o principal ideólogo da corrente

revisionista, que se opôs aos princípios marxistas do Programa de Erfurt

adotado pelo Partido Social Democrata alemão em 1890. Bernstein

repudiou os métodos revolucionários e negou a possibilidade da falência

iminente do sistema capitalista prevista por Marx. O Partido Social

Democrata alemão cresceu extraordinariamente com essa política

revisionista, e em 1911 já era a maior força política do país. A ala

marxista revolucionária do socialismo alemão, representada por Karl

Liebknecht e Rosa Luxemburgo, manteve-se minoritária até a divisão em

1918, que deu origem ao Partido Comunista Alemão.

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Na França, o socialismo também se desenvolveu entre duas

tendências opostas: a marxista revolucionária de Jules Guesde e a

idealista radical de Jean Jaurès, que rejeitava o materialismo histórico de

Marx. Em 1905 as duas correntes se unificaram na Seção Francesa da

Internacional Operária e entraram em conflito com a linha anarco-

sindicalista de Georges Sorel e com os líderes parlamentares que

defendiam alianças com partidos burgueses.

No Reino Unido, a orientação do movimento socialista foi

ditada pela tradição do sindicalismo, mais antiga. Os sindicatos foram

reconhecidos em 1875 e cinco anos depois surgiu o primeiro grupo de

ideologia socialista, a Sociedade Fabiana. Em 1893, fundou-se o Partido

Trabalhista, que logo se converteu em importante força política, em

contraposição a conservadores e liberais.

Na Rússia czarista, o Partido Social Democrata foi fundado

em 1898, na clandestinidade, mas dividiu-se em 1903 entre o setor

marxista revolucionário, dos bolcheviques, e o setor moderado, dos

mencheviques. Liderados por Vladimir Lenin, os bolcheviques chegaram

ao poder com a revolução de 1917.

Os partidos socialistas e social-democratas europeus foram

os maiores responsáveis pela conquista de importantes direitos para a

classe dos trabalhadores, como a redução da jornada de trabalho, a

melhoria nas condições de vida e de trabalho e o sufrágio universal. A II

Internacional, no entanto, não resistiu à divisão promovida pela primeira

guerra mundial e foi dissolvida. O Partido Social Democrata alemão, por

exemplo, demonstrou dar mais importância ao nacionalismo do que aos

interesses internacionalistas ao votar no Parlamento a favor dos créditos

pedidos pelo governo para a guerra.

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Dois fatores causaram a gradual redução do apoio popular

ao socialismo nas décadas de 1920 e 1930: o sucesso da revolução

russa, que fortaleceu o movimento comunista e atraiu numerosos

trabalhadores em todo o mundo, e a implantação dos regimes fascista,

na Itália, e nazista, na Alemanha. Em 1945, depois da segunda guerra

mundial, os partidos socialistas e social-democratas restabeleceram a II

Internacional e abandonaram progressivamente os princípios do

marxismo. Em diversos países europeus, como Bélgica, Países Baixos,

Suécia, Noruega, República Federal da Alemanha, Áustria, Reino Unido,

França e Espanha, os partidos socialistas chegaram a ter grande força

política. Muitos deles passaram a se alternar no poder com partidos

conservadores e a pôr em prática reformas sociais moderadas. Essa

política tornou-se conhecida como welfare state, o estado de bem-estar,

no qual as classes podem coexistir em harmonia e sem graves distorções

sociais.

As idéias socialistas tiveram bastante aceitação em diversos

países das áreas menos industrializadas do planeta. Na maioria dos

casos, porém, o socialismo da periferia capitalista adotou práticas

políticas muito afastadas do modelo europeu, com forte conteúdo

nacionalista. Em alguns países árabes e africanos, os socialistas

chegaram mesmo a se aliar a governos militares ou totalitários que

adotavam um discurso nacionalista. Na América Latina, o movimento

ganhou dimensão maior com a vitória da revolução de Cuba em 1959,

mas o exemplo não se repetiu em outros países. No Chile, um violento

golpe militar derrubou o governo socialista democrático de Salvador

Allende em 1973.

Fim do "socialismo real". Na última década do século XX

chegou ao fim, de forma inesperada, abrupta e inexorável, o modelo

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socialista criado pela União Soviética. O próprio país, herdeiro do antigo

império russo, deixou de existir. Nos anos que se seguiram, cientistas

políticos das mais diversas tendências se dedicaram a estudar as causas

e conseqüências de um fato histórico e político de tanta relevância.

Dentre os fatores explicativos do fim do chamado "socialismo real" da

União Soviética destacam-se a incapacidade do país de acompanhar a

revolução tecnológica contemporânea, especialmente na área da

informática, a ausência de práticas democráticas e a frustração das

expectativas de progresso material da população. As explicações sobre o

colapso da União Soviética abrangem os demais países do leste europeu

que, apesar de suas especificidades, partilharam das mesmas carências.

A crise econômica mundial das duas últimas décadas do

século XX, que teve papel preponderante no colapso da União Soviética,

afetou também os países europeus de governo socialista ou social-

democrata. Na França, Suécia, Itália e Espanha os partidos socialistas e

social-democratas foram responsabilizados pelo aumento do desemprego

e do custo de vida. Políticos e ideólogos neoliberais conservadores

apressaram-se em declarar a morte do socialismo, enquanto os líderes

socialistas tentavam redefinir suas linhas de atuação e encontrar

caminhos alternativos para a execução das idéias socialistas e a

preservação do estado de bem-estar social.

Socialismo no Brasil. Há evidências documentais de difusão

de idéias socialistas no Brasil desde a primeira metade do século XIX.

Essas posições, porém, se manifestavam sempre a partir de iniciativas

individuais, sem agregar grupos capazes de formar associações com

militância política.

O primeiro partido socialista brasileiro foi fundado em 1902,

em São Paulo, sob a direção do imigrante italiano Alcebíades Bertollotti,

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que dirigia o jornal Avanti, vinculado ao Partido Socialista Italiano. No

mesmo ano, fundou-se no Rio de Janeiro o Partido Socialista Coletivista,

dirigido por Vicente de Sousa, professor do Colégio Pedro II, e Gustavo

Lacerda, jornalista e fundador da Associação Brasileira de Imprensa

(ABI). Em 1906, foi criado o Partido Operário Independente, que chegou

a fundar uma universidade popular, com a participação de Rocha Pombo,

Manuel Bonfim, Pedro do Couto, Elísio de Carvalho, Domingos Ribeiro

Filho, Frota Pessoa e José Veríssimo.

A circulação de idéias socialistas aumentou com a primeira

guerra mundial, mas ainda era grande o isolamento dos grupos de

esquerda. Em junho de 1916, Francisco Vieira da Silva, Toledo de Loiola,

Alonso Costa e Mariano Garcia lançaram o manifesto do Partido Socialista

Brasileiro. Em 1º de maio do ano seguinte, lançava-se o manifesto do

Partido Socialista do Brasil, assinado por Nestor Peixoto de Oliveira, Isaac

Izeckson e Murilo Araújo. Esse grupo defendeu a candidatura de Evaristo

de Morais à Câmara dos Deputados e publicou dois jornais, Folha Nova e

Tempos Novos, ambos de vida efêmera.

Em dezembro de 1919 surgiu no Rio de Janeiro a Liga

Socialista, cujos membros passaram a publicar em 1921 a revista Clarté,

com o apoio de Evaristo de Morais, Maurício de Lacerda, Nicanor do

Nascimento, Agripino Nazaré, Leônidas de Resende, Pontes de Miranda e

outros. O grupo estenderia sua influência a São Paulo, com Nereu Rangel

Pestana, e a Recife, com Joaquim Pimenta. Em 1925 foi fundado um

novo Partido Socialista do Brasil, também integrado pelo grupo de

Evaristo de Morais.

A fundação do Partido Comunista Brasileiro, em 1922, e seu

rápido crescimento sufocaram as dezenas de organizações anarquistas

que na década anterior chegaram a realizar greves importantes. Pouco

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antes da revolução de 1930, Maurício de Lacerda organizou a Frente

Unida das Esquerdas, de vida curta. Uma de suas finalidades foi a

redação de um projeto de constituição socialista para o Brasil.

Proibida a atividade político-partidária durante a ditadura

Vargas, o socialismo voltou a se desenvolver em 1945, com a criação da

Esquerda Democrática, que em agosto de 1947 foi registrada na justiça

eleitoral com o nome de Partido Socialista Brasileiro. Foi presidido por

João Mangabeira, que se tornou ministro da Justiça na primeira metade

da década de 1960, no governo de João Goulart.

Com o golpe militar de 1964, todos os partidos políticos

foram dissolvidos e as organizações socialistas puderam atuar apenas na

clandestinidade. A criação do bipartidarismo em 1965 permitiu que os

políticos de esquerda moderada se abrigassem na legenda do Movimento

Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição consentida ao regime

militar, ao lado de conservadores e liberais.

Na segunda metade da década de 1960 e ao longo da

década de 1970, os socialistas, ao lado de outros setores de oposição ao

regime militar, sofreram implacável perseguição. Professavam idéias

socialistas a imensa maioria dos militantes de organizações armadas que

deram combate ao regime militar. O lento processo de redemocratização

iniciado pelo general Ernesto Geisel na segunda metade da década de

1970 deu seus primeiros frutos na década seguinte, quando os partidos

socialistas puderam mais uma vez se organizar livremente e apresentar

seus próprios candidatos a cargos eletivos.

Comunismo

"Todos os fiéis, unidos, tinham tudo em comum; vendiam

suas propriedades e seus bens e dividiam o preço entre todos, segundo

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as necessidades de cada um." Essa descrição das primeiras comunidades

cristãs, contida nos Atos dos Apóstolos, revela o conceito de comunismo

no sentido mais amplo: um regime social no qual vigoram a propriedade

comum de todos os bens e a distribuição equitativa da riqueza.

De acordo com a formulação de Karl Marx, o comunismo

moderno seria a fase superior da evolução histórica da sociedade,

altamente organizada, formada por trabalhadores livres e conscientes

que teriam a posse coletiva dos meios de produção. O advento dessa

sociedade determinaria o desaparecimento do estado. As nações se

aproximariam cada vez mais umas das outras e suas fronteiras

desapareceriam. A organização social, fundamentada no modo de

produção comunista, garantiria o completo desenvolvimento de cada ser

humano e a utilização de todo seu talento e capacidade, com maior

proveito para si e para a sociedade. O livre desenvolvimento de cada um

levaria ao livre desenvolvimento de todos e assim se tornariam

finalmente harmônicas as relações entre o indivíduo e a sociedade.

Comunismo primitivo. Baseado nas pesquisas antropológicas

de seu tempo, Marx supôs a existência de uma espécie de comunismo

nas sociedades primitivas. A sobrevivência da comunidade dependeria do

trabalho coletivo e a inviabilidade técnica de produzir excedente

eliminaria a possibilidade de propriedade privada. Por não haver riquezas

a apropriar, não existiriam também as relações de dominação e a

organização social seria muito simples, com base na família. As relações

de produção se dariam a partir da propriedade comum dos meios de

produção -- terra, instrumentos de trabalho e habitações. A propriedade

privada se limitaria às armas, roupas e utensílios domésticos. O trabalho

coletivo seria uma necessidade, na paz e na guerra.

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No plano teórico, costuma-se citar como antecedentes

filosóficos do comunismo as idéias do filósofo grego Platão,

especialmente as expostas em A república. Para ele, a restauração do

estado dependia da restauração da harmonia, que a democracia não

conseguira implantar, por meio da comunidade de bens. Entretanto, a

base do estado ideal de Platão é o trabalho escravo e seu sistema, uma

idealização do sistema egípcio de castas.

Socialismo utópico. No Renascimento, período em que

ressurgiram as idéias platônicas, Thomas More publicou Utopia, em que

se encontram os primeiros elementos do socialismo utópico. Até meados

do século XIX sucederam-se os socialistas utópicos e foram tentadas

várias experiências românticas de sociedades comunais. Entre os

principais utópicos destacam-se Jacob Andreae, Francis Bacon, Robert

Owen, Saint-Simon e Charles Fourier. Os partidários das teorias de Owen

organizaram núcleos comunistas nos Estados Unidos e Inglaterra.

Comunismo marxista. A filosofia marxista nasceu na Europa

na década de 1840, época em que estava consolidado o capitalismo

inglês e a industrialização agravara as desigualdades sociais. Para o

marxismo, no sistema capitalista impera a ditadura da burguesia, a qual,

na etapa do socialismo seria substituída pela ditadura do proletariado. A

propriedade social dos meios de produção no socialismo levaria à

extinção gradual das classes e à evolução para o comunismo. A filosofia

marxista, ou materialismo dialético, aplicada à história constitui o

materialismo histórico, segundo o qual a história progride pela luta de

classes.

O Manifesto comunista, de 1848, escrito por Marx e Engels, é

o primeiro documento do comunismo científico, expressão usada pelos

autores para diferenciá-lo do comunismo utópico, afirmando que o

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socialismo decorre do capitalismo de maneira necessária, historicamente

determinada, da mesma forma como o capitalismo sucedeu ao modo de

produção feudal.

Fases do comunismo. Na Crítica ao programa de Gotha

(1875), Marx afirma que entre o fim da sociedade capitalista e o advento

da sociedade comunista transcorreria um longo período de transição, que

ele denominou socialismo. Estabelecidas as condições políticas (ditadura

do proletariado) e econômicas (socialização dos meios de produção),

sobreviveriam ainda na sociedade socialista elementos fundamentais da

velha sociedade: relações econômicas, sociais, jurídicas, éticas etc.

Permaneceria a oposição entre trabalho intelectual e manual e o grau

insuficiente de desenvolvimento das forças produtivas determinaria a

distribuição dos bens e serviços segundo a quantidade e qualidade do

trabalho de cada um.

Cumprido o período de transição socialista, seria instaurada a

sociedade comunista, com a posse coletiva da totalidade dos meios de

produção, desaparecimento definitivo das classes, das diferenças entre a

cidade e o campo e entre trabalho intelectual e manual. O estado,

instrumento de dominação de uma classe sobre outras, desapareceria e,

nas palavras de Marx, o governo dos homens seria substituído pela

administração das coisas. Uma vez superada a ordem jurídica burguesa,

a sociedade poderia "escrever em suas bandeiras: de cada um segundo

sua capacidade, a cada um segundo sua necessidade".

Movimento comunista. O sistema filosófico marxista

estabelece uma ligação indissolúvel entre teoria e prática, e Marx e

Engels, coerentes com esse princípio, trataram de ligar-se à classe

operária. Para isso viajaram a Bruxelas, Paris e Londres, onde entraram

em contato com as organizações proletárias e democráticas a fim de

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convencer seus líderes do papel revolucionário da classe operária. Em

1847 seus partidários fundaram a Liga dos Comunistas, cujo programa,

redigido por Marx, levou o título de Manifesto comunista e foi publicado

em Londres no ano seguinte. O próprio Marx propôs a dissolução da Liga,

cinco anos após sua criação, devido às perseguições da polícia prussiana

e ao processo dos comunistas na cidade de Colônia, após o fracasso da

revolução de 1848 na Alemanha.

Em 1864, Marx participou da criação da Associação

Internacional dos Trabalhadores, que ficou conhecida como I

Internacional. Redigiu seus estatutos e procurou orientá-la para o

socialismo científico. As adesões se multiplicaram até 1870, quando o

anarquista russo Mikhail Bakunin começou a ter grande influência sobre o

proletariado, criticando o comunismo por sua "mania de organização e

disciplina". A luta entre as duas tendências se agravou com o fracasso da

Comuna de Paris, em 1871. Em 1876, decide-se extinguir a I

Internacional.

Socialistas de 23 países reunidos em Paris para comemorar o

centenário da queda da Bastilha, em 1889, lançaram as bases da II

Internacional, cuja fundação se consumou em 1891, em Bruxelas, sob o

nome de Internacional Operária, que congregava representantes de

várias tendências. No congresso de 1893 decidiu-se expulsar os

anarquistas. As divergências internas exacerbaram-se com o fracasso da

revolução de 1905 na Rússia, mas, apesar disso, em 1912 a II

Internacional contava com 12 milhões de sindicalizados e 7,5 milhões de

cooperados. A iminência de uma guerra mundial levou os parlamentares

social-democratas alemães, franceses e ingleses a apoiar os governos

nacionais, numa posição incompatível com o internacionalismo proletário.

A II Internacional foi então abandonada pelos marxistas.

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Leninismo. O marxista russo Vladimir Ilitch Ulianov,

conhecido pelo pseudônimo de Lenin, publicou em 1902 o livro intitulado

Chto dielat? (Que fazer?), no qual expôs suas teses sobre a organização

do partido revolucionário. No II Congresso do Partido Social Democrata

Russo, realizado em 1903, operou-se a cisão entre bolcheviques, fração

majoritária, e mencheviques, fração moderada minoritária do partido. Em

outubro de 1917, eclodiu na Rússia a revolução bolchevique, inspirada

nas teses leninistas sobre a luta armada pelo poder.

A III Internacional foi fundada em Moscou, em 1919, e em

seu II Congresso, realizado no ano seguinte, tomou o nome de

Internacional Comunista e estabeleceu programa e direção precisos.

Lenin enunciou então as 21 condições de admissão dos partidos à

organização. Os que foram aceitos adotaram explicitamente a

denominação de partido comunista e assumiram como um de seus

principais objetivos a defesa da "pátria do socialismo". O Partido Operário

Social-Democrata da Rússia, encabeçado por Lenin, transformou-se no

Partido Comunista de Todas as Rússias, nome mudado em 1925 para

Partido Comunista da União (ao criar-se a União das Repúblicas

Socialistas Soviéticas) e, finalmente, em 1952, para Partido Comunista da

União Soviética (PCUS). Desde a vitória da revolução, em 1917, a história

desse partido confundiu-se com a do próprio país.

Stalinismo. A morte de Lenin, em 1924, abriu o problema

sucessório. Assumiu o governo a troika (triunvirato), formada por Lev

Kamenev, Grigori Zinoviev e Josef Stalin, este último secretário-geral do

partido desde 1922 e em decidida marcha para o poder total. Defensor

da teoria do "socialismo em um só país", entrou em choque com a tese

da "revolução permanente", de Leon Trotski. Em 1925, Stalin já era o

dirigente único da União Soviética e líder supremo do movimento

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comunista internacional, posições referendadas pela III Internacional e

pelo XIV Congresso do Partido Comunista. Em 1928, o primeiro plano

qüinqüenal de Stalin pôs fim à nova política econômica (NEP) de Lenin,

em vigor desde 1920, que protegia o direito à pequena propriedade.

Inicia-se o programa de industrialização rápida e socialização forçada

para assegurar a defesa da União Soviética contra a ameaça capitalista.

Stalin soube tirar partido da onda de "patriotismo soviético"

para efetivar profundas modificações econômicas no país e desencadear

a eliminação em massa de dissidentes. No plano internacional, rompendo

o pacto de não-agressão que assinara com a Alemanha hitlerista,

participou ativamente da segunda guerra mundial contra o nazi-fascismo.

Ao final da guerra, com a intervenção do Exército Vermelho, os soviéticos

impuseram governos comunistas na Hungria, Polônia, Romênia, Bulgária

e Tchecoslováquia. Na Iugoslávia, Josip Broz Tito, herói da resistência

antinazista, instaurou um governo pró-soviético. Todos esses países,

mais líderes comunistas da França e Itália, uniram-se à União Soviética

para criar, em 1947, o Bureau de Informação Comunista (Cominform), do

qual a Iugoslávia foi expulsa no ano seguinte pela posição independente

de Tito. Em 1949, os comunistas chineses liderados por Mao Zedong

(Mao Tsé-tung) criaram a República Popular da China.

Com a morte de Stalin, em 1953, Nikita Khrutchev assumiu o

controle do partido e denunciou os erros do antecessor. Em 1956, o XX

Congresso do PCUS adotou a política de coexistência pacífica com os

governos ocidentais. Embora abrandado o terror interno, as revoltas

anticomunistas na Hungria e Tchecoslováquia foram reprimidas com

rigor, o que manifestou as profundas divergências no interior do governo

soviético. Em 1964, Khrutchev foi afastado do poder e teve início a

direção colegiada do partido, com Leonid Brejnev.

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Aprofundaram-se as divergências ideológicas com a China,

que passou a acusar o PCUS de abandono da luta revolucionária e

adoção de uma política reformista, como concessão à coexistência

pacífica. Os governos dos países capitalistas fecharam o cerco contra a

expansão comunista, criaram uma frente contra a "exportação" do

socialismo e, na América Latina, apoiaram golpes de estado contra

governos democráticos na Argentina, Brasil, Uruguai e, mais tarde, no

Chile. As tensões se agravaram com o alinhamento de Cuba junto ao

bloco comunista depois da revolução cubana de 1959.

Desintegração do comunismo. A invasão do Afeganistão em

1979, última operação intervencionista da União Soviética, provocou um

imenso desgaste militar e político que culminou com a retirada, dez anos

mais tarde, por força do clamor internacional. Já em 1985, ao assumir o

poder, Mikhail Gorbatchev deixara clara sua intenção de mudança: a

perestroika (reestruturação administrativa de empresas e órgãos do

governo) e a glasnost (transparência das atividades governamentais,

baseada na liberdade de informação) foram as duas linhas de força no

desmonte da estrutura de poder montada pelo partido, que levara ao

surgimento da nomenklatura (classe privilegiada de burocratas),

corrupção desmedida e atraso tecnológico. O fim do confronto com o

Ocidente e a democratização permitiram a independência dos países que

formavam a "cortina de ferro" (expressão criada por Winston Churchill

para designar o conjunto de países formado por Tchecoslováquia,

Hungria, Polônia e Bulgária), a queda de ditaduras tão corruptas quanto

sangrentas, como as da Romênia e Albânia, e a reunificação da

Alemanha.

As repúblicas que constituíam a União Soviética se

separaram e fundaram a Comunidade de Estados Independentes (CEI),

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preservando sua autonomia. A secessão mergulhou a Iugoslávia numa

luta sangrenta entre nacionalidades. O Iêmen do Sul e o do Norte se

reunificaram. Em Angola, Moçambique e Etiópia, os governos socialistas

foram substituídos ou mudaram de orientação. Em todo o Ocidente,

ocorreu uma radical transformação dos partidos comunistas,

principalmente os de maior representatividade, como o italiano, o francês

e o espanhol. Ao iniciar-se a última década do século XX, apenas a China,

o Vietnam e Cuba mantinham governos declaradamente comunistas. A

ideologia marxista, em todo o mundo, sofreu uma queda drástica de

popularidade.

Comunismo no Brasil. Até a fundação do Partido Comunista

do Brasil (PCB), em 1922, a ideologia predominante no movimento

operário brasileiro era o anarco-sindicalismo. O Manifesto comunista

somente apareceu em livro no Brasil em 1924, ou seja, 76 anos após sua

primeira edição na Europa. Três meses depois de sua fundação, o partido

foi posto na ilegalidade e assim permaneceu até 1985, com breves

períodos em que pôde atuar livremente. Em 1930, Luís Carlos Prestes,

que se notabilizara por liderar a oposição ao governo Artur Bernardes, na

famosa Coluna Prestes, aderiu ao comunismo. A Aliança Nacional

Libertadora, criada pelo PCB no início de 1935, procurava pôr em prática

nas condições brasileiras a tática das frentes únicas e frentes populares,

preconizadas então pelo comunismo internacional. A ela aderiram

tenentistas, militares e civis.

Como resultado da combinação do tenentismo com o

comunismo, eclodiu em 1935 um fracassado levante militar, a chamada

intentona comunista, no Rio Grande do Norte, Recife e, posteriormente,

no Rio de Janeiro. Com a redemocratização do país, em 1945, o PCB

viveu seu maior período de legalidade, sob a liderança de Prestes, que

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celebrou uma aliança com Getúlio Vargas. Defendiam então os ideólogos

do partido a tese da "burguesia progressista", de caráter nacionalista. O

PCB conseguiu eleger um senador e 22 deputados para a Constituinte de

1946 e passou a editar um jornal, a Tribuna Popular. Mas já no ano

seguinte, o Tribunal Superior Eleitoral anulou o registro do partido e o

Congresso cassou os mandatos de seus deputados. Dessa época até

1960, os comunistas brasileiros viveram na ilegalidade e fiéis à linha

ditada por Moscou.

Em 1957, insatisfeito com a obediência cega à orientação

soviética, um grupo liderado por Agildo Barata deixou o partido. Em

1962, já com o nome de Partido Comunista Brasileiro, sofreu uma cisão

liderada por João Amazonas e Maurício Grabois, que fundaram o Partido

Comunista do Brasil (PC do B). Em 1967, durante o regime militar, alguns

integrantes foram expulsos por defender a luta armada contra a ditadura.

Carlos Marighela fundou então a Aliança Libertadora Nacional (ALN) e

Apolônio de Carvalho e Jacob Gorender, o Partido Comunista Brasileiro

Revolucionário (PCBR), que se empenharam na organização de guerrilhas

urbanas e rurais, logo desbaratadas pela repressão.

Em 1980 Prestes deixou o partido, juntamente com Gregório

Bezerra. Em 1985, com a redemocratização do país, todos os partidos

voltaram à legalidade, mas a derrocada do comunismo na União

Soviética e na Europa oriental, a par do crescimento do Partido dos

Trabalhadores (PT) -- de ideário esquerdista e bases sindicais não

comprometidas diretamente com as antigas lideranças comunistas --

acarretaram um crescente desprestígio para a ideologia marxista. O PCB

transformou-se, em 1992, no Partido Popular Socialista, liderado por

Roberto Freire. As demais legendas perderam-se num amontoado de

siglas sem representatividade, que viviam na periferia dos grandes

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partidos de centro-esquerda, como o PT e o Partido do Movimento

Democrático Brasileiro (PMDB).

Anarquismo

Freqüentemente identificado com a violência indiscriminada e

com a negação de todos os valores estabelecidos, o anarquismo, para

além dos excessos que possam ter gerado essa caricatura, é no entanto

um capítulo de grande importância na história política e social do

Ocidente, desde o fim do século XVIII.

Como concepção vital, o anarquismo (do grego ánarkhos,

"sem governo") afirma que tudo o que limita a liberdade do ser humano

deve ser suprimido. Como movimento político e social, pretende destruir

os freios -- religião, estado, propriedade privada, lei -- que, segundo suas

teorias, se interpõem entre o indivíduo e sua liberdade, para assim

possibilitar a construção de uma vida comunitária livre e solidária.

História. O primeiro teórico moderno do anarquismo talvez

tenha sido o inglês William Godwin, que em seu ensaio Enquiry

Concerning Political Justice (1793; Indagação relativa à justiça política)

antecipou muitas das questões ideológicas que tomariam forma anos

mais tarde. Outro antecedente do movimento anarquista foi a

"conspiração dos iguais", dirigida por Gracchus Babeuf, pouco depois da

revolução francesa. Foi a primeira tentativa de colocar a igualdade real

dos cidadãos acima da igualdade política consagrada pela revolução.

O desenvolvimento do anarquismo ao longo da primeira

metade do século XIX foi paralelo ao do movimento socialista. Durante

muitos anos houve momentos de ação comum entre anarquistas e

socialistas, até que os dois campos ideológicos se desvinculassem

claramente.

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Em 1840, o francês Pierre-Joseph Proudhon publicou Qu'est-

ce que la propriété? (Que é a propriedade?), em que aparecia a

conhecida frase: "A propriedade é um roubo." Cinco anos mais tarde, o

alemão Max Stirner divulgava Der Einzige und sein Eigentum (O indivíduo

e sua propriedade), no qual desenvolvia idéias muito semelhantes às de

Proudhon.

Depois da morte deste, em 1865, o principal representante

do anarquismo foi o russo Mikhail Bakunin, que integrou o movimento à

Associação Internacional de Trabalhadores, ou Primeira Internacional

Operária, fundada em 1864. A cisão dessa entidade, no Congresso de

Haia de 1872, deixou em mãos anarquistas o controle das organizações

de trabalhadores em diversos países: Bélgica, Países Baixos, Reino Unido,

Estados Unidos e, especialmente, Espanha e Itália, onde só o advento do

fascismo foi capaz de destruir a influência anarquista sobre as massas

operárias.

Apesar de um aparente ressurgimento nos últimos anos da

década de 1960, o movimento anarquista, como organização de massas,

não sobreviveu à segunda guerra mundial. Porém muitas de suas teses,

como a de que o estado se interpõe entre o ser humano e sua realização

pessoal, chegaram a tornar-se triviais entre numerosos pensadores de

todo o mundo.

Ideologia anarquista. Segundo o anarquismo, todos os tipos

de autoridade -- política, religiosa etc. -- são contrários à liberdade

individual e devem por isso ser repelidos e eliminados. Um contrato

individual livremente aceito pelos homens asseguraria a justiça e a

ordem. Dessa forma, uma infinidade de contratos livremente consentidos

geraria um sistema em equilíbrio dinâmico, um sistema federal, em que a

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solidariedade seria muito superior à obtida nos sistemas baseados na

autoridade e na coerção.

Denúncia da falsa democracia. O estado moderno -- afirma o

anarquismo -- encontra sua legitimação na ficção democrática do

sufrágio universal, que consiste em atribuir a cada cidadão o direito de

um voto. Isso cria a ilusão de que o povo governa a si mesmo, quando,

na verdade, as múltiplas manipulações do sistema levam à preservação

da desigualdade entre ricos e pobres, entre poderosos e usurpados,

apesar das aparências de igualdade jurídica. Por isso, o militante

anarquista sempre se absteve de votar nas eleições, em cujas virtudes

não crê.

Propriedade, liberdade, solidariedade. No início, alguns

pensadores anarquistas consideravam a propriedade privada

indispensável à liberdade do indivíduo. Mas na evolução das idéias

anarquistas chegou um momento, no fim do século XIX, em que triunfou

a concepção oposta, sustentada pelo russo Piotr Kropotkin. Segundo ele,

a supressão do estado e das instituições opressoras do homem

acarretaria também o desaparecimento das desigualdades e o

nascimento de uma sociedade nova, na qual -- de acordo com o princípio

de Marx -- cada um daria segundo suas capacidades e receberia segundo

suas necessidades. Portanto, a liberdade e a solidariedade constituem

dois aspectos inseparáveis do mesmo fenômeno humano. São as duas

faces de uma mesma moeda e uma não pode existir sem a outra. Na

segunda metade do século XX, contudo, houve um renascimento

ideológico do anarquismo libertário, que defendia a propriedade privada,

em autores como o americano Robert Nozick.

Aperfeiçoamento individual. Os anarquistas têm uma ética

muito característica. A convicção de que a sociedade não vai melhorar

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por ação do estado ou de qualquer outra instituição, e de que na

consecução da nova sociedade cabe ao indivíduo um papel primordial,

tem como resultado a formação de um forte sentido moral, de um

permanente esforço de superação de si mesmo. Não foi por acaso que os

movimentos anarquistas do começo do século XX se fizeram acompanhar

da criação de ateneus, sociedades culturais e todo tipo de iniciativa para

o aperfeiçoamento intelectual dos indivíduos.

Anarquismo na Espanha e na América Latina. Como foi dito,

a cisão da Primeira Internacional em 1872 deixou o movimento operário

espanhol sob o controle das tendências anarquistas. Seguiram-se anos

de intensa atividade política, marcada por episódios de terrorismo e de

pressão, particularmente na Catalunha e na Andaluzia.

Durante a ditadura de Miguel Primo de Rivera (1923-1930), a

Confederação Nacional do Trabalho (CNT), organização sindical

anarquista, foi posta fora da lei. Ressurgiu com força no decorrer da

segunda república e sua participação nas eleições de fevereiro de 1936,

contrariando a tradição abstencionista do anarquismo, foi determinante

para o triunfo da Frente Popular. Durante a guerra civil a CNT passou a

fazer parte do governo republicano. Em muitas indústrias catalães e,

particularmente, entre os camponeses do baixo Aragão, criaram-se

comunas de inspiração anarquista, que constituíram a experiência de

maior alcance entre as ensaiadas na Europa ocidental. A rivalidade com

os comunistas e a posterior derrota militar da república acarretaram o

esmagamento quase total do movimento anarquista.

Na América Latina o anarquismo apareceu no fim do século

XIX, vinculado sobretudo à imigração européia, especialmente a

espanhola e a italiana. No Peru, na Bolívia e no Chile o movimento

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anarquista se fortaleceu nas primeiras décadas do século XX, nos setores

mineiro e portuário.

Em 1879 apareceram na Argentina as primeiras publicações

de caráter anarquista. Com a chegada do italiano Enrico Malatesta, em

1885, e de outros ativistas europeus, o anarquismo recebeu um impulso

decisivo. Em 1901 fundou-se a Federação Operária Regional Argentina

(FORA), que no ano seguinte ficou sob o controle anarquista e cresceu

consideravelmente mais tarde. Mas, assim como no resto dos países

latino-americanos, o anarco-sindicalismo viria progressivamente a perder

sua influência no movimento operário, primeiro para os socialistas e mais

tarde para os comunistas.

Em 1910 os irmãos Ricardo, Enrique e Jesús Flores Magón

criaram no México, em torno do periódico Regeneración (editado em Los

Angeles, Estados Unidos), um movimento de ideologia anarquista que,

embora tenha sido precursor da revolução mexicana, perdeu sua

influência com a vitória e a institucionalização desta.

Em Cuba, o movimento operário anarquista, já presente nos

anos da luta pela independência, chegou a ser majoritário na Federação

Cubana do Trabalho até 1925.

Anarquismo no Brasil. A primeira tentativa de proselitismo

anarquista no Brasil data provavelmente da criação em 1889 da colônia

Cecília, no município de Palmeira PR, por iniciativa do jornalista e

agrônomo italiano Giovanni Rossi, que havia pleiteado ao governo do

império o estabelecimento de uma colônia experimental que fosse o

núcleo inicial de uma "sociedade nova". Rossi e seus companheiros, que

se intitulavam "filósofos ácratas" chegaram, porém, ao Brasil depois de

instaurada a república, e tiveram por isso de enfrentar as maiores

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dificuldades, de vez que o novo regime não reconhecia as concessões de

terras antes outorgadas pela monarquia aos estrangeiros.

Natural de Pisa, onde nasceu em 1860, e editor de um

periódico em Brescia, Il Sperimentale (O Experimental), Rossi conhecera

Carlos Gomes em Milão, por volta de 1888, e foi o músico brasileiro que

o animou a dirigir-se a D. Pedro II. Depois de três anos no interior do

Paraná, Rossi acabou desistindo da sua experiência, no sentido de

instaurar uma comunidade baseada no trabalho livre, na vida livre e no

amor livre. Em 1893 abandonou a colônia Cecília para lecionar agronomia

em Taquari RS. Transferiu-se depois para Santa Catarina, onde dirigiu a

estação agronômica do estado, retornando à Itália em 1907, para

retomar sua atividade profissional como vitivinicultor.

Foi, contudo, em São Paulo que surgiram os primeiros

anarquistas revolucionários, à época do impulso de industrialização dos

primeiros anos da república. Em 1893 eram presos agitadores que se

proclamavam partidários dos ideais libertários. E em 1898 registrou-se a

morte de um deles, Polinice Pattei, em choque com a polícia.

A imprensa anarquista teve início no mesmo ano, com a

publicação de Il Risveglio (O Despertar), em língua italiana, dirigido por

Alfredo Mari. Em 1904, apareceu O Amigo do Povo, periódico do

jornalista português Nazianzeno Vasconcelos, cujo nome de guerra, Neno

Vasco, se tornaria conhecido nos círculos proletários por sua longa

pregação doutrinária. Do mesmo ano de 1904 é La Battaglia (A Batalha),

semanário e, durante certo período, diário, sob a direção de Oreste

Ristori, de origem italiana, o mais ativo e tenaz porta-voz do anarquismo

nessa fase inicial do movimento (1904-1912), preso e deportado

repetidas vezes, a última em 1935, quando se refugiou na Espanha,

vindo a morrer como combatente na revolução.

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O anarquismo predominou na luta pelas reivindicações

operárias até a formação do Partido Comunista (1922), que se organizou

com a cisão do bloco libertário, após o malogro do Partido Comunista

Anarquista (1919). As grandes greves de 1917 (São Paulo), 1918 (Rio de

Janeiro) e 1919 (Rio de Janeiro e São Paulo) obedeceram ao comando de

comitês constituídos por uniões, federações e resistências de hegemonia

anarquista, com a simpatia e até o apoio de intelectuais libertários, como

Lima Barreto e Fábio Luz, entre outros.

No Rio de Janeiro, destacou-se sobretudo José Oiticica, que

se manteve sempre fiel a suas idéias, à frente do periódico Ação Direta,

que circulou pela primeira vez em 1929 e de 1946 a 1958, mesmo depois

do falecimento do fundador, embora com uma ou outra interrupção.

Além de Oiticica, o anarquismo brasileiro teve dois outros

militantes de largo prestígio: Edgard Leuenroth e Everardo Dias, que

foram os principais articuladores das greves de 1917, 1918 e 1919.

Feminismo

Na vasta gama de discriminações que existem entre os seres

humanos, uma das mais antigas é a sofrida pelas mulheres. Desde o

século XVIII diversos movimentos que se propõem a modificar esse

estado de coisas.

Feminismo é o movimento social que defende igualdade de

direitos e status entre homens e mulheres, que devem ter garantida

liberdade de decisão sobre suas próprias carreiras e padrões de vida.

Origens do feminismo. Embora ao longo da história, diversas

correntes filosóficas e religiosas, a exemplo do cristianismo primitivo,

tenham defendido a dignidade e os direitos da mulher, o movimento

feminista remonta mais propriamente à revolução francesa. A convulsão

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desencadeada em 1789, além de pôr em cheque o sistema político e

social então vigente na França e no resto do Ocidente, encorajou as

mulheres a denunciar a sujeição em que eram mantidas e que se

manifestava em todas as esferas da existência: jurídica, política,

econômica, educacional etc.

Enquanto os revolucionários proclamavam uma declaração

dos direitos do homem e do cidadão, a escritora e militante Olympe de

Gouges redigia um projeto de declaração dos direitos da mulher,

inspirada nas idéias poéticas e filosóficas do marquês de Condorcet, que

integrava a Assembléia. Desde o início da revolução, as francesas

participaram ativamente da vida política e criaram inúmeros clubes de

ativistas femininas. Em 1792, uma delegação encabeçada por Etta Palm

foi até a Assembléia para exigir que as mulheres tivessem acesso ao

serviço público e às forças armadas. Essa exigência não foi atendida e o

movimento feminino foi suprimido pelo Terror. Robespierre proibiu que

as mulheres se associassem a clubes, e o projeto de igualdade política de

ambos os sexos foi arquivado.

Mesmo assim, a revolução deu ímpeto a uma campanha que

se prolongaria nos séculos seguintes. O feminismo francês ressurgiu em

1836, com a Gazette des Femmes, jornal animado por Mme. Herbinot de

Mauchamps, que tinha por plataforma a igualdade jurídica dos homens e

das mulheres.

Em 1848, a França conheceu nova revolução e, como a

anterior, sacudiu as bases da ordem estabelecida. Mais uma vez os

clubes femininos proliferaram no país. As mulheres agora reivindicavam

não só a igualdade jurídica e o direito a voto, mas também a equiparação

de salários. Essas novas exigências se explicavam pelas transformações

da sociedade européia da época. Com a crescente industrialização, as

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mulheres dos meados do século XIX foram cada vez mais abandonando

seus lares para empregar-se como assalariadas nas indústrias e oficinas.

Entraram, assim, em contato com as duras realidades do mercado de

trabalho: se os operários da época já eram mal pagos, elas recebiam

menos ainda. Conseqüentemente, era mais vantajoso dar emprego às

mulheres que aos homens, e, assim, estes últimos viram-se envolvidos

em uma penosa concorrência com o outro sexo. Irromperam até mesmo

movimentos de oposição ao trabalho feminino.

Nesse confuso panorama, emergiram dois fenômenos

significativos. A partir do momento em que as mulheres se mostraram

capazes de contribuir para o sustento de suas famílias, não foi mais

possível tratá-las apenas como donas-de-casa ou objetos de prazer. As

difíceis condições de trabalho impostas às mulheres conduziram-nas a

reivindicações que coincidiam com as da classe operária em geral. É,

pois, dessa época que data a estreita relação do feminismo com os

movimentos de esquerda.

Em 1868, surgiu na França o primeiro movimento feminista,

de organização ainda incipiente, cujo órgão era Le Droit des Femmes,

jornal editado por Marie Deraismes e Léon Richer. O movimento, de

agitação e propaganda em favor das reivindicações femininas, passou

por vicissitudes, mas possibilitou a organização de um primeiro congresso

internacional de mulheres.

Entrementes, o movimento socialista incluiu entre suas

reivindicações também a das mulheres. Surgiu, então, a sociedade Le

Suffrage des Femmes (O Voto das Mulheres), fundada por Hubertine

Auclert. Em 1882, diversas organizações femininas realizaram um

segundo congresso, que contou com o apoio de grandes figuras da vida

cultural francesa, como Victor Hugo e Alexandre Dumas, criador do

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termo feminismo. As mulheres francesas conquistaram o direito de voto

em 1949.

Feminismo nos Estados Unidos e no Reino Unido. Os Estados

Unidos e o Reino Unido também se notabilizaram por vigorosos

movimentos feministas, surgidos já em princípios do século XIX. Em

1837, fundou-se nos Estados Unidos a universidade feminina de Holyoke

e, nesse mesmo ano, realizou-se em Nova York uma convenção de

mulheres que se opunham à escravidão. O abolicionismo foi,

efetivamente, um dos temas centrais do desenvolvimento e consolidação

do movimento feminista americano.

Uma segunda convenção, reservada exclusivamente a

mulheres, reuniu-se em Seneca Falls e em Rochester, no estado de Nova

York, em 1848. Suas principais animadoras, Elizabeth Cady Stanton e

Lucretia Mott, apresentaram, então, um projeto de emenda

constitucional que, se aprovado pelo Congresso, teria representado a

equiparação jurídica de homens e mulheres. Tal como na França e nos

outros países, as americanas tiveram de esperar o século seguinte para

conquistar o direito de voto.

Em 1869, existiam no país duas associações feministas: a

National Woman Suffrage Association (Associação Nacional do Sufrágio

Feminino), dirigida por Harriet Stanton e Susan B. Anthony, e a American

Woman Suffrage Association (Associação Americana do Sufrágio

Feminino), liderada por Lucy Stone, que perseveraram na luta, não raro

recorrendo à violência, até 1920, quando as mulheres americanas

alcançaram seu direito ao voto.

No Reino Unido, Mary Wollstonecraft publicou A Vindication

of the Rights of Women (1792; Reivindicação dos direitos das mulheres),

obra em que exigia para as mulheres as mesmas oportunidades de que

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gozavam os homens na educação, no trabalho e na política. Mas foi

somente em meados do século XIX, graças aos esforços conjuntos de

Barbara Leigh Smith e do filósofo e economista John Stuart Mill, que se

criou um comitê do sufrágio feminino. Em 1866, esse comitê apresentou

ao Parlamento um projeto igualitário, que foi rejeitado.

Apesar dos êxitos parciais alcançados, o movimento

sufragista britânico teve de esperar também o século XX para ver

coroados seus esforços. Em 1903, sob a direção de Emmeline Pankhurst,

a organização Women's Social and Political Union (União Social e Política

das Mulheres) empreendeu uma intensa campanha. As suffragettes

inglesas não hesitaram em recorrer a métodos violentos: atacaram

estações ferroviárias, incendiaram edifícios, quebraram vitrinas e fizeram

ruidosas manifestações nas ruas.

Proscrita a entidade em 1913, Pankhurst e outras numerosas

ativistas foram julgadas e condenadas à prisão. Depois da primeira

guerra mundial, em que o feminismo britânico se viu desmobilizado, as

britânicas, já em 1919, conseguiram o direito parcial de voto. Essa vitória

consolidou-se em 1928, quando finalmente elas conseguiram acesso

irrestrito às urnas e ao Parlamento.

Feminismo no Brasil. Como em outros países, foi longa a luta

das mulheres por seus direitos. José Bonifácio e Manuel Alves Branco,

visconde de Caravelas, apresentaram um projeto que concedia o direito

de voto a mulheres viúvas ou separadas do marido. Na constituinte de

1890-1891, foi aprovado em primeira discussão o projeto do deputado

paulista Costa Machado, favorável ao voto feminino, mas prevaleceu a

opinião dos positivistas, de que a atividade política não era honrosa para

a mulher.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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O movimento feminista brasileiro teve como sua principal

líder a bióloga e zoóloga Berta Lutz, que fundou, em 1922, a Federação

Brasileira pelo Progresso Feminino. Essa organização tinha entre suas

reivindicações o direito de voto, o de escolha de domicílio e o de

trabalho, independentemente da autorização do marido. Outra líder

feminina, Nuta Bartlett James, participou das lutas políticas do país na

década de 1930 e foi uma das fundadoras da União Democrática

Nacional (UDN).

O direito de voto só foi concedido às mulheres brasileiras

pelo código eleitoral de 1933. Na constituição de 1934 estabeleceu-se a

proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho por motivo de

sexo, e a proibição de trabalho de mulheres em indústrias insalubres.

Feminismo no século XX. Desde o início do século XX, a

situação mudou rapidamente pelo mundo inteiro. A revolução russa de

1917 concedeu o direito de voto às mulheres e, em 1930, elas já

votavam na Nova Zelândia (1893), na Austrália (1902), na Finlândia

(1906), na Noruega (1913) e no Equador (1929). Por volta de 1950, a

lista compreendia mais de cem nações.

Na Espanha, onde Concepción Arenal defendera já no século

XIX o direito feminino à educação e reivindicara proteção do estado para

o trabalho das mulheres, surgiram em 1920 entidades femininas como a

Asociación Nacional de Mujeres Españolas, em Madri, ou a Mujer del

Porvenir e a Progresiva Femenina, em Barcelona. Durante a ditadura de

Miguel Primo de Rivera mulheres galgaram postos legislativos, mas só na

república de 1931-1936 obtiveram o sufrágio e até chegaram a participar

do governo. Também na América Latina surgiram organizações

feministas no século XX, como a Sociedad Protectora de La Mujer,

fundada no México em 1904.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Após a segunda guerra mundial, o feminismo ressurgiu com

vigor redobrado, sob a influência de obras como Le Deuxième Sexe

(1949; O segundo sexo), da francesa Simone de Beauvoir, e The

Feminine Mystique (1963; A mística feminina), da americana Betty

Friedan. No Reino Unido destacou-se Germaine Greer, australiana de

nascimento, autora de The Female Eunuch (1971; A mulher eunuco),

considerado o manifesto mais realista do women's liberation movimento

(movimento de libertação da mulher), mundialmente conhecido como

women's lib. Agora já não se tratava mais de conquistar direitos civis

para as mulheres, mas antes de descrever sua condição de oprimida pela

cultura masculina, de revelar os mecanismos psicológicos e psicossociais

dessa marginalização e de projetar estratégias capazes de proporcionar

às mulheres uma liberação integral, que incluísse também o corpo e os

desejos. Além disso, contam-se entre as reivindicações do moderno

movimento feminista a interrupção voluntária da gravidez, a radical

igualdade nos salários e o acesso a postos de responsabilidade.

O ano de 1975 foi declarado ano internacional da mulher

pelas Nações Unidas e culminou com uma grande concentração feminina

na Cidade do México. Em seu transcurso foi aprovado um plano de ação

para promover a ascensão social e pessoal da mulher em todo o mundo.

O objetivo de plena igualdade, nunca radicalmente

alcançado, realizou-se de forma muito desigual nos diversos países. Entre

os principais obstáculos, os de índole cultural são de grande importância.

Assim, por exemplo, sobrevivem em grande parte do continente africano

resíduos da organização tribal. Em outra esfera, as peculiaridades

culturais do mundo islâmico redundam em dificuldades e atrasos na

consecução das reivindicações feministas.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Estado

Em todas as sociedades humanas, a convivência pacífica só é

possível graças à existência de um poder político instituído acima dos

interesses e vontades individuais. O estado, organização que monopoliza

esse poder nas civilizações desenvolvidas, tem alcançado o bem comum

ao longo da história pelo emprego de formas diferentes de governo.

Conceito geral

Estado é a organização política de um país, ou seja, a

estrutura de poder instituída sobre determinado território ou população.

Poder, território e povo (ou nação) são, conseqüentemente, os

elementos componentes do conceito de estado, que com eles deve estar

identificado.

Poder é a capacidade que o aparelho institucional tem para

impor à sociedade o cumprimento e a aceitação das decisões do governo

ou órgão executivo do estado. O território, espaço físico em que se

exerce o poder, está claramente delimitado com relação ao de outros

estados e coincide com os limites da soberania. A nação ou povo sobre o

qual atua o estado é uma comunidade humana que possui elementos

culturais, vínculos econômicos, tradições e histórias comuns. Isso

configura um espírito solidário que geralmente é anterior à formação da

organização política. Dessa forma, o estado e a nação nem sempre

coincidem: há estados plurinacionais (com várias nacionalidades) - como

a Espanha, a Suíça e o Canadá - e nações repartidas entre vários estados

- como no caso do povo árabe.

O aparelho de estado é composto de três elementos básicos

de organização: a administração, as forças armadas e a fazenda. A

administração é a organização encarregada de tomar as decisões

políticas e de fazer com que elas sejam cumpridas por intermédio de uma

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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série de órgãos ou departamentos (governo, ministérios, governos

territoriais ou regionais, polícia, previdência social etc.). A função das

forças armadas é defender o estado. A manutenção de todo o aparelho

estatal exige a arrecadação de fundos mediante a contribuição dos

membros da sociedade, função que corresponde à fazenda.

Nenhum poder político pode manter-se durante muito tempo

pelo uso exclusivo da força. O que legitima o poder do estado é o direito,

ordem jurídica que regula o funcionamento das instituições e o

cumprimento das leis pelas quais deve reger-se a coletividade. Ao

mesmo tempo em que legitima o estado, o direito limita sua ação, pois

os valores que orientam o corpo jurídico emanam, direta ou

indiretamente, do conjunto da sociedade. As normas consuetudinárias, os

códigos de leis e, modernamente, as constituições definem os direitos e

deveres dos cidadãos, além das funções e limites do estado. Nos estados

liberais e democráticos, as leis são elaboradas e aprovadas pelos corpos

legislativos, cujos membros, eleitos pelos cidadãos, representam a

soberania nacional. A lei está acima de todos os indivíduos, grupos e

instituições. Esse é o significado da expressão "império da lei".

O julgamento sobre o cumprimento ou não-cumprimento das

leis e o estabelecimento das penas previstas para punir os criminosos

compete ao poder judiciário, exercido nos tribunais.

Evolução histórica do estado

Origem do estado. Nas sociedades matriarcais, anteriores ao

surgimento da família monogâmica e da propriedade privada, o poder

social era distribuído de forma hierarquizada, a partir dos conselhos de

anciãos e das estruturas tribais. As relações entre os membros das

sociedades eram de tipo pessoal e a coesão do grupo se baseava em

práticas religiosas e ritos sociais de tipo tradicional.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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O surgimento da agricultura e a conseqüente distribuição de

terras entre os membros da sociedade favoreceu a criação da

propriedade privada, dos direitos hereditários e, por conseguinte, da

família patriarcal. Nela, a descendência devia ser assegurada por meio de

um sólido vínculo matrimonial de caráter monogâmico (a mulher só podia

ter um marido). Os primeiros estados, no Egito, na Mesopotâmia, na

China, na Índia, na América Central, nos Andes etc. surgiram como uma

delegação do poder social, numa estrutura política capaz de assegurar o

direito de propriedade frente a inimigos internos (ladrões) ou externos

(invasores). Tiveram origem ainda como organização destinada a tornar

possível a realização dos trabalhos coletivos (construção de canais,

barragens, aquedutos etc.) necessários para a comunidade.

Esses primeiros estados se caracterizaram por exercer um

poder absoluto e teocrático, no qual os monarcas se identificavam com

uma divindade. O poder se justificava por sua natureza divina e era a

crença religiosa dos súditos que o sustentava.

A primeira experiência política importante no mundo

ocidental foi realizada na Grécia por volta do século V a.C. A unidade

política grega era a polis, ou cidade-estado, cujo governo foi, em alguns

momentos, democrático. Os habitantes que alcançavam a condição de

cidadãos - da qual estavam excluídos os escravos - participavam das

instituições políticas. Essa democracia direta teve sua expressão mais

genuína em Atenas.

Para os filósofos gregos, o núcleo do conceito de estado se

achava representado pela idéia de poder e de submissão. Platão, em A

república e As leis, afirmou que a soberania política devia submeter-se à

lei. Para ele, somente um estado em que a lei fosse o soberano absoluto,

acima dos governantes, poderia tornar os cidadãos felizes e virtuosos.

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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Platão esboçou o modelo de uma cidade-estado ideal, na qual a lei

exercia uma função educadora tanto dos cidadãos como do estado.

Aristóteles distinguiu várias formas de governo e de constituição, mas

admitiu limites ao exercício do poder por intermédio do direito e da

justiça.

A organização política de Roma foi, no início, semelhante à

grega. A civitas (cidade) era o centro de um território reduzido, onde

todos os cidadãos participavam do governo. Com a expansão do império

e das leis gerais promulgadas por Roma, respeitaram-se as leis

específicas dos povos dominados. Marco Túlio Cícero, orador e filósofo

romano, afirmou que a justiça é um princípio natural e tem a missão de

limitar o exercício do poder.

Os arquétipos políticos gregos e as idéias de Cícero

exerceram influência decisiva sobre santo Agostinho e em todos os

seguidores de sua doutrina. Para santo Agostinho, o estado é uma

comunidade de homens unida pela igualdade de direitos e pela

comunhão de interesses: não pode existir estado sem justiça. Apenas a

igreja, modelo da cidade celeste, pode orientar a ação do estado na

direção da paz e da justiça.

Na Idade Média, a teoria de que o poder emanava do

conjunto da comunidade surgiu como elemento novo. O rei ou o

imperador, portanto, deviam ser eleitos ou aceitos como tais por seus

súditos, para que sua soberania fosse legítima. O enfoque de que o

poder terreno era autônomo com relação à ordem divina permitiu o

surgimento da doutrina de um "pacto" que devia ser realizado entre

soberano e súditos, em que eram estabelecidas as condições do exercício

do poder e as obrigações mútuas para alcançar o bem comum. A lei

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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humana, reflexo da lei divina, devia apoiar-se na razão. Santo Tomás de

Aquino expõe essa concepção do poder na Summa theologica.

Desenvolvimento do estado moderno. A concepção

antropocêntrica do mundo adotada pelos renascentistas levou à

secularização da política. Maquiavel, em O príncipe, defendeu um estado

secular forte, capaz de fazer frente ao poder temporal do papado.

Segundo Maquiavel, o estado tem sua própria razão como guia: a razão

de estado, independente da religião e da moral. O estado renascentista

tinha as seguintes características: existência de um poder independente,

com um exército, uma fazenda e uma burocracia a seu serviço;

superação da atomização política medieval; base territorial ampla; e

separação entre o estado e a sociedade.

No século XVI, Jean Bodin incorporou a noção de soberania à

idéia de independência do poder político: o estado é soberano e não tem

que reconhecer na ordem temporal nenhuma autoridade superior que lhe

dê consistência jurídica. A esse conteúdo racional, trazido pelo

Renascimento, se deve a aparição do estado moderno, que se distingue

por ser constituído de uma população ampla, que normalmente reúne

características nacionais, estabelecida num território definido e regida por

um poder soberano.

A partir do século XVI, o estado conheceu as seguintes

configurações: estado autoritário, estado absoluto, estado liberal, estado

socialista ou comunista, estado fascista e estado democrático.

A primeira fase do estado moderno se caracterizou pelo

fortalecimento do poder real, embora seus meios de ação política tenham

sido limitados pela privatização dos cargos públicos. O exemplo mais

conhecido de estado autoritário foi o império hispânico de Filipe II. No

processo de secularização e racionalização do poder, o absolutismo

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(séculos XVII e XVIII) promoveu a desvinculação definitiva do estado

com relação tanto aos poderes do império e do papado, quanto da

nobreza e das corporações urbanas. A soberania, capacidade de criar o

direito e de impor a obediência às leis, ficou concentrada no estado,

identificado com o monarca absoluto. Luís XIV da França foi o expoente

máximo do absolutismo monárquico.

A ascensão econômica da burguesia criou, na segunda

metade do século XVIII, a necessidade de encontrar fórmulas políticas

que abrangessem as propostas burguesas sobre a configuração da

sociedade e do estado: participação, igualdade jurídica, liberdades

individuais e direito de propriedade. Novas teorias políticas contribuíram

para compor a ideologia da burguesia revolucionária. Thomas Hobbes,

defensor do estado absolutista, introduziu o individualismo radical no

pensamento político e estabeleceu as bases teóricas do conceito

moderno de contrato social, que seria desenvolvido, posteriormente, por

Jean-Jacques Rousseau. John Locke afirmou o caráter natural do direito

à vida e à propriedade e defendeu uma divisão de poderes voltada para

combater a centralização absolutista. Montesquieu definiu a configuração

clássica dessa divisão de poderes em executivo, legislativo e judiciário.

Estados contemporâneos. A revolução francesa teve como

conseqüência a criação de uma nova estrutura política adaptada às

transformações econômicas que a sociedade estava experimentando com

o desenvolvimento do capitalismo. Para garantir as liberdades individuais,

a igualdade jurídica e o direito de propriedade, foram limitadas as

prerrogativas reais e a atuação estatal foi submetida à lei. Com o

precedente das constituições americana e francesa, logo começaram a

surgir, nos países europeus e americanos, textos constitucionais em que

se consagrava o fracionamento do poder como garantia efetiva dos

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direitos do indivíduo. A missão principal do estado liberal se baseava na

proteção das liberdades individuais e na manutenção de uma ordem

jurídica que permitisse o livre jogo das forças sociais e econômicas. Para

cumprir essa missão, o estado se valia dos meios legais estabelecidos

pela constituição.

O crescimento do proletariado industrial e os conflitos

imperialistas entre as potências européias favoreceram a deterioração e o

descrédito dos regimes liberais a partir do final do século XIX. O

socialismo utópico e, depois, o anarquismo e o marxismo negaram a

legitimidade do estado liberal e propuseram novos modelos de sociedade

nos quais o homem poderia desenvolver plenamente suas capacidades.

O anarquismo criticou diretamente o estado por considerá-lo

um instrumento de opressão dos indivíduos. Os anarquistas sustentavam

que todo o poder era desnecessário e nocivo. Propunham a substituição

das relações de dominação estabelecidas pelas instituições estatais por

uma colaboração livre entre indivíduos e coletividades. Max Stirner,

Pierre-Joseph Proudhon, Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin foram

importantes representantes das diferentes correntes anarquistas.

Para Karl Marx, Friedrich Engels e os marxistas que vieram

depois, a igualdade jurídica e as declarações formais de liberdade nos

estados liberais encobriam a desigualdade econômica e a situação de

exploração de determinadas classes sociais por outras. O estado

capitalista era o meio de opressão da burguesia sobre o proletariado e as

demais classes populares. Segundo a teoria do materialismo histórico, o

próprio desenvolvimento do capitalismo e o crescimento do proletariado

desembocariam na destruição do estado burguês e em sua substituição

por um estado transitório, a ditadura do proletariado. Essa finalmente se

extinguiria para dar lugar à sociedade sem classes. A revolução russa e,

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posteriormente, a chinesa, a cubana e outras procuraram colocar em

prática o estado socialista, ou comunista, da ditadura proletária em suas

diferentes interpretações.

Na primeira metade do século XX, a crítica ao estado liberal

se desenvolveu também a partir das ideologias fascistas, baseadas em

uma concepção radical do nacionalismo. Tanto o fascismo italiano quanto

o nacional-socialismo alemão defenderam os interesses da nação sobre a

liberdade dos indivíduos. O estado, encarnação do espírito nacional,

devia concentrar todas as energias individuais a fim de atingir seus

objetivos últimos e transcendentes. Historicamente, o fascismo

representou uma reação contra o auge do movimento operário e o

comunismo internacional depois da revolução russa. Também significou

uma justificativa ideológica para o imperialismo de dois estados que

haviam ficado fora da divisão do mundo promovida pelas outras

potências ocidentais.

Depois da segunda guerra mundial, dois sistemas políticos e

econômicos disputaram o poder sobre o planeta. No bloco socialista, os

estados mantiveram suas características totalitárias, baseadas no poder

absoluto de um partido único considerado porta-voz dos interesses da

classe trabalhadora. No bloco ocidental, o estado liberal se consolidou

mediante a adoção, desde o início do século, de diversos princípios

democráticos e sociais: sufrágio universal (antes o voto era censitário, ou

seja, só para as classes ricas), voto feminino, desenvolvimento dos

serviços públicos e sociais, intervenção estatal na economia etc. A

tradicional divisão de poderes se manteve formalmente, mas o

fortalecimento do poder executivo se generalizou em quase todos os

países.

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A partir de 1990, a reunificação dos dois estados alemães, o

esfacelamento da União Soviética e a derrocada dos regimes comunistas

representaram não só o fim da divisão do mundo em dois blocos

antagônicos, como também a abertura política e econômica dos países

do leste e o acirramento de movimentos nacionalistas. Sob intensas

disputas, os mapas políticos da Europa e da antiga União Soviética foram

redefinidos, de tal forma que os limites territoriais dos estados passaram

a coincidir, na maioria dos casos, com as fronteiras nacionais. A

perspectiva de unificação européia poderia representar uma alteração no

equilíbrio de forças da nova ordem mundial na virada do século.

Nicolau Maquiavel

Gênio da ciência política, Maquiavel inaugurou a astúcia

inescrupulosa como método de governo, por detectar e sistematizar

pioneiramente a amoralidade peculiar à conquista e ao exercício do

poder. Patriota florentino, no exílio de San Casciano contou, em carta,

que de dia fazia excursões no campo e, de noite, pesquisava, em livros

da antiguidade romana, "como se conquista o poder, como se mantém o

poder e como se perde o poder".

O estadista e escritor Nicolau Maquiavel (em italiano, Niccolò

Machiavelli) nasceu em Florença em 3 de maio de 1469. A partir de 1498

serviu como chanceler e, mais tarde, secretário das Relações Exteriores

da República de Florença. Tais cargos, apesar dos títulos, eram modestos

e limitavam-se a funções de redação de documentos oficiais.

Ofereceram-lhe, porém, a oportunidade de vivenciar os bastidores da

atividade política. Ocasionalmente, Maquiavel desempenhou missões no

exterior (França, Suíça, Alemanha) e em 1502-1503 passou cinco meses

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como embaixador junto a César Borgia, filho do papa Alexandre VI, cuja

política enérgica e sem escrúpulos o encheu de admiração.

Em 1512, no entanto, quando os Medici derrubaram a

república e retomaram o governo de Florença, Maquiavel foi destituído

de seu posto e preso. Exilado na propriedade de San Casciano, perto de

Florença, ali escreveu Il principe (1513-1516; O príncipe), em que expôs

a teoria política que lhe deu fama. Em 1519, anistiado, voltou a Florença

para exercer funções político-militares. Durante o exílio, escreveu

também L'arte della guerra -- em que preconiza a extinção das forças

armadas permanentes, por ameaçarem a república, e a criação de

milícias populares -- e os Discorsi sopra la prima deca di Tito Livio

(Comentários sobre os primeiros dez livros de Tito Lívio), em que analisa

as vicissitudes da história romana e compara-as com as de seu próprio

tempo. As duas obras são indispensáveis à correta interpretação do

pensamento que percorre as páginas de Il principe.

Entre 1519 e 1520, Maquiavel escreveu a maior comédia da

literatura italiana, La mandragola (1524; A mandrágora), como

"divertimento em tempos tristes". Peça de alto teor erótico e humor

sarcástico, dela se disse que "é a comédia da sociedade de que Il

principe é a tragédia". Em 1520 Maquiavel tornou-se historiador oficial da

república e começou a escrever as Istorie fiorentini (1520-1525; Histórias

de Florença), tratado em estilo clássico, consagrado como primeira obra

da historiografia moderna.

O príncipe. Foi, porém, com o pequeno livro Il principe que

Maquiavel revolucionou a teoria do estado e criou as bases da ciência

política. Homem do Renascimento, ao romper com a moral cristã

medieval, estudou com objetividade os meios e fins da ação política,

com base na observação estrita de sua realidade. Elaborou assim uma

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teoria política realista e sistemática, em que pela primeira vez se

separava a moral dos indivíduos da moral (ou razão) de estado.

Maquiavel foi, desse modo, o primeiro teórico moderno, o primeiro

técnico da política.

Indignado com a decadência política e moral de sua terra, o

autor dirige conselhos a um príncipe imaginário, retrato algo fantasioso

de César Borgia, para conquistar o poder absoluto, acabar com as

dissensões internas e expulsar os "bárbaros" estrangeiros do país.

Prosador admirável, de estilo um tanto latinizante e seco, embora irônico,

recomenda todos os meios, inclusive a mentira, a fraude e a violência. No

complexo de sugestões apresentadas ao príncipe originaram-se as

práticas políticas conhecidas como maquiavelismo. É necessário, porém,

distinguir entre essa noção vulgar que se passou a ter de

"maquiavelismo" e a teoria de Maquiavel. Nesta, o que sobressai é o

realismo iniludível de quem se pautou pelos fatos, documentos e

experiências, não nas idéias ou ideais filosóficos.

Desde a antiguidade o poder foi freqüentemente tomado,

mantido ou perdido segundo os meios apontados por Maquiavel, mas

antes dele ninguém tomou consciência real e prática das características

inerentes ao fenômeno político e suas manifestações. De seu trabalho se

depreende o princípio segundo o qual, em política, os fins justificam os

meios e a ética do estado é a do bem público: em sua obra, o príncipe

tudo pode, e tudo deve fazer, se tiver por meta a felicidade de seu povo.

Caso aja de outra forma, é derrotado por outro príncipe.

Em 1527, o saque de Roma pelo imperador Carlos V, do

Sacro Império Romano-Germânico, restabeleceu a república em Florença.

Maquiavel, visto como favorito dos Medici, foi excluído de toda atividade

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política. Pobre, desiludido e amargurado, morreu na cidade natal em 22

de junho de 1527.

Política

O choque de interesses entre indivíduos e grupos na

sociedade provoca a luta pelo poder e seu exercício em diferentes

configurações institucionais. Ao longo de séculos, grandes pensadores

tentaram estabelecer os elementos universais de uma ordem justa nos

negócios humanos, o que deu origem a teorias políticas numerosas e,

freqüentemente, contraditórias.

Política, em sentido estrito, é a arte de governar a polis, ou

cidade-estado, e deriva do adjetivo politikós, que significa tudo o que se

relaciona à cidade, isto é, tudo o que é urbano, público, civil e social. Em

acepção ampla, política é o estudo do fenômeno do poder, entendido

como a capacidade que um indivíduo ou grupo organizado tem de

exercer controle imperativo sobre a população de um território, mesmo

quando é necessário o uso da força.

O conceito de política é estreitamente vinculado ao de poder

em três esferas básicas: (1) a luta pelo poder; (2) o conjunto de

instituições por meio das quais esse poder se exerce; (3) e a reflexão

teórica sobre a origem, estrutura e razão de ser do poder. O poder

político se caracteriza pela exclusividade do direito do uso da força em

relação ao conjunto da sociedade, que lhe confere a legitimidade desse

uso. O exercício do poder se justifica como a solução para regular e

equilibrar a ordem e a justiça na sociedade; e o uso da força, inerente a

todo poder político, indica a presença de interesses antagônicos e

conflitos no corpo social que devem ser controlados para preservar a

ordem social ou buscar o bem comum.

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Ciência política. Disciplina recente, a ciência política surgiu da

necessidade de formar gestores públicos e oferecer uma estrutura de

reflexão sobre as questões públicas. Seu objetivo é estudar o poder

político, suas formas concretas de manifestação e tendências evolutivas.

Cabe assim à ciência política explicar os motivos das relações que

existem entre os poderes políticos e a sociedade, as diversas formas de

organização do estado e sua dominação por classes ou grupos, a

formação da vontade política do povo e as diferentes teorias relativas à

prática política.

A ciência política utiliza métodos de ciências empíricas, como

a física e a biologia, e metodologias e especificidades de outros ramos do

conhecimento, como filosofia, história, direito, sociologia e economia, e

sua finalidade é descrever aquilo que é e não o que deveria ser. Nesse

sentido, distingue-se da filosofia política, área normativa voltada para

conceitos como direito e justiça; da antropologia política, que estuda o

fenômeno político como uma constante em todas as sociedades humanas

ao longo de sua história; e da sociologia política, que estuda os

fenômenos sociais a partir de uma visão política.

Luta pelo poder. A história humana é basicamente uma

história da política, isto é, das lutas travadas por indivíduos, grupos ou

nações para conquistar, manter ou ampliar o poder político. Essas lutas

podem ser violentas, na forma de assassínio de dirigentes, guerras,

revoluções e golpes de estado, ou pacíficas, por meio de eleições e

plebiscitos.

A luta violenta é uma das formas mais primitivas de

conquista e manutenção do poder, embora ainda seja adotada em

algumas nações modernas. São numerosos os exemplos, ao longo da

história das nações, de assassínios de dirigentes por uma pessoa ou um

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grupo de pessoas para a tomada do poder; e de insurreições e

revoluções populares, uma forma de luta política violenta que visa não só

conquistar o poder mas transformar de modo radical as condições sociais

ou a organização do estado. Nesses casos, a violência se manifesta

também na defesa daqueles que detêm o poder e querem manter a

situação social tradicional. As revoluções francesa e russa mudaram a

história do mundo moderno.

A mudança de um regime político pode se dar ainda pelo

golpe de estado, forma de ação política violenta comum na história das

nações da América Latina. As guerras são o modo mais extremo e

violento da luta política, já que o objetivo é destruir o adversário, e

podem ser externas, entre duas ou mais nações, ou internas ou civis,

entre facções de uma nação.

Os meios pacíficos de luta pelo poder indicam estado

avançado de civilização e a racionalidade das concepções políticas. As

formas básicas de luta pacífica, própria dos sistemas democráticos, são

as eleições e plebiscitos. Nas democracias, reconhece-se que a soberania

popular é o princípio de legitimação do poder e portanto a direção do

estado cabe à facção ou partido que obtiver a maioria dos votos

livremente expressos pelo povo. Trata-se de um procedimento racional,

que pressupõe a igualdade dos cidadãos perante a lei e que tende a

harmonizar os conflitos de interesse, embora eles continuem a existir e

muitas vezes se manifestem de forma violenta.

Instituições políticas. Órgãos permanentes por meio dos

quais se exerce o poder político, as instituições políticas evoluíram de

acordo com o grau de racionalidade alcançado pelos homens. Nas

antigas civilizações orientais, em Roma e na Europa medieval, os

sistemas políticos tinham como característica comum a personalização do

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A ORGANIZAÇÃO DAS SOCIEDADES NA HISTÓRIA DA HUMANIDADEJOSÉ AUGUSTO FIORIN (ORG.)

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poder, justificada por instâncias mágicas, religiosas ou carismáticas.

Faraó egípcio, imperador romano ou rei cristão, o detentor do poder se

confundia com o próprio poder. Sua justificativa era a força, traduzida

pelo poder militar, poder de curar ou poder sobre as forças da natureza.

Constantemente desafiado por aqueles que se julgavam possuidores das

mesmas credenciais, o poder personalizado gerou a instabilidade política

e o uso da violência como forma de solução de conflitos.

No final da Idade Média, mudanças políticas, econômicas e

sociais determinaram o surgimento de novas concepções sobre o estado.

O progresso da burguesia e da economia favoreceu a centralização do

poder nas monarquias absolutas. O estado tornou-se racional e suas

estruturas se institucionalizaram, de acordo com as novas necessidades

sociais. A vitória da burguesia sobre a sociedade feudal, na revolução

francesa, desmistificou o poder por direito divino e consagrou o princípio

da soberania popular. O povo, única fonte de poder, podia transferir seu

exercício a representantes por ele eleitos.

Os sistemas liberais, cuja representatividade era inicialmente

restrita, aperfeiçoaram os mecanismos democráticos e, ao incorporarem

o sufrágio universal, reconheceram de forma plena a igualdade de todos

os cidadãos perante a lei. A institucionalização do poder exigiu a adoção

de constituições que, como expressão da vontade popular, devem reger

a ação do estado. Nos sistemas democráticos, a legitimidade do poder

deriva de sua origem na vontade popular e de seu exercício de acordo

com a lei.

A doutrina da clássica divisão do poder político, elaborada

por Montesquieu, é comum a quase todos os sistemas políticos dos

estados modernos. O poder legislativo, formado por parlamentares

eleitos pelo povo, elabora as leis e controla os atos do poder executivo; o

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executivo, também eleito pelo povo, executa a lei e administra o estado;

o judiciário interpreta e aplica as leis e atua como juiz nos conflitos entre

os outros poderes. A divisão de poderes ajuda a evitar o abuso de poder

por meio do controle recíproco dos vários órgãos do estado.

Nas modernas sociedades democráticas, além dos poderes

institucionalizados existem organizações que participam do poder ou nele

influem: partidos políticos, sindicatos de classe, grupos de interesse,

associações profissionais, imprensa, freqüentemente chamada de quarto

poder, e outras. Nos regimes totalitários, a existência de um partido

único no poder diminui as chances de participação da sociedade nos

assuntos políticos nacionais.

História das idéias políticas

Além de lutar pelo poder e de criar instituições para exercê-

lo, o homem também examina sua origem, natureza e significado.

Dessas reflexões resultaram diferentes doutrinas e teorias políticas.

Antiguidade. São escassas as referências a doutrinas políticas

dos grandes impérios orientais. Admitiam como única forma de governo

a monarquia absoluta e sua concepção de liberdade era diferente da

visão grega, que a civilização ocidental incorporou -- mesmo quando

submetidos ao despotismo de um chefe absoluto, seus povos

consideravam-se livres se o soberano fosse de sua raça e religião.

As cidades da Grécia não se uniram sob um poder imperial

centralizador e conservaram sua autonomia. Suas leis emanavam da

vontade dos cidadãos e seu principal órgão de governo era a assembléia

de todos os cidadãos, responsáveis pela defesa das leis fundamentais e

da ordem pública. A necessidade da educação política dos cidadãos

tornou-se, assim, tema de pensadores políticos como Platão e Aristóteles.

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Em suas obras, das quais a mais importante é A república,

Platão define a democracia como o estado no qual reina a liberdade e

descreve uma sociedade utópica dirigida pelos filósofos, únicos

conhecedores da autêntica realidade, que ocupariam o lugar dos reis,

tiranos e oligarcas. Para Platão, a virtude fundamental da polis é a

justiça, pela qual se alcança a harmonia entre os indivíduos e o estado.

No sistema de Platão, o governo seria entregue aos sábios, a defesa aos

guerreiros e a produção a uma terceira classe, privada de direitos

políticos.

Aristóteles, discípulo de Platão e mestre de Alexandre o

Grande, deixou a obra política mais influente na antiguidade clássica e na

Idade Média. Em Política, o primeiro tratado conhecido sobre a natureza,

funções e divisão do estado e as várias formas de governo, defendeu

como Platão equilíbrio e moderação na prática do poder. Empírico,

considerou impraticáveis muitos dos conceitos de Platão e viu a arte

política como parte da biologia e da ética.

Para Aristóteles, a polis é o ambiente adequado ao

desenvolvimento das aptidões humanas. Como o homem é, por natureza,

um animal político, a associação é natural e não convencional. Na busca

do bem, o homem forma a comunidade, que se organiza pela distribuição

das tarefas especializadas. Como Platão, Aristóteles admitiu a escravidão

e sustentou que os homens são senhores ou escravos por natureza.

Concebeu três formas de governo: a monarquia, governo de um só, a

aristocracia, governo de uma elite, e a democracia, governo do povo. A

corrupção dessas formas daria lugar, respectivamente, à tirania, à

oligarquia e à demagogia. Considerou que o melhor regime seria uma

forma mista, no qual as virtudes das três formas se complementariam e

se equilibrariam.

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Os romanos, herdeiros da cultura grega, criaram a república,

o império e o corpo de direito civil, mas não elaboraram uma teoria geral

do estado ou de direito. Entre os intérpretes da política romana

destacam-se o grego Políbio e Cícero, que pouco acrescentaram à

filosofia política dos gregos.

Idade Média. O cristianismo introduziu, nos últimos séculos

do Império Romano, a idéia da igualdade entre todos os homens, filhos

do mesmo Deus, uma noção que contestava implicitamente a escravidão,

fundamento social econômico do mundo antigo. Ao tornar-se religião

oficial, o cristianismo aliou-se ao poder temporal e admitiu a organização

social existente, inclusive a escravidão. Santo Agostinho, a quem se

atribui a fundação da filosofia da história, afirma que os cristãos, embora

voltados para a vida eterna, não deixam de viver a vida efêmera do

mundo real. Moram em cidades temporais mas, como cristãos, são

também habitantes da "cidade de Deus" e, portanto, um só povo.

Santo Agostinho não formulou uma doutrina política, mas a

teocracia está implícita em seu pensamento. A solução dos problemas

sociais e políticos é de ordem moral e religiosa e todo bom cristão será,

por isso mesmo, bom cidadão. O regime político não importa ao cristão,

desde que não o obrigue a contrariar a lei de Deus. Considera, pois, um

dever a obediência aos governantes, desde que se concilie com o serviço

divino. Testemunha da dissolução do Império Romano, contemporâneo

da conversão de Constantino ao cristianismo, santo Agostinho justifica a

escravidão como um castigo do pecado. Introduzida por Deus, "seria

insurgir-se contra Sua vontade querer suprimi-la".

No século XIII, santo Tomás de Aquino, o grande pensador

político do cristianismo medieval, definiu em linhas gerais a teocracia.

Retomou os conceitos de Aristóteles e os adaptou às condições da

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sociedade cristã. Afirmou que a ação política é ética e a lei um

mecanismo regulador que promove a felicidade. Como Aristóteles,

considerou ideal um regime político misto com as virtudes das três

formas de governo, monarquia, aristocracia e democracia. Na Summa

teologica, justifica a escravidão, que considera natural. Em relação ao

senhor, o escravo "é instrumento, pois entre o senhor e o escravo há um

direito especial de dominação".

Renascimento. Os teóricos políticos do período

caracterizaram-se pela reflexão crítica sobre o poder e o estado. Em O

príncipe, Maquiavel secularizou a filosofia política e separou o exercício

do poder da moral cristã. Diplomata e administrador experiente, cético e

realista, defende a constituição de um estado forte e aconselha o

governante a preocupar-se apenas em conservar a própria vida e o

estado, pois na política o que vale é o resultado. O príncipe deve buscar

o sucesso sem se preocupar com os meios. Com Maquiavel surgiram os

primeiros contornos da doutrina da razão de estado, segundo a qual a

segurança do estado tem tal importância que, para garanti-la, o

governante pode violar qualquer norma jurídica, moral, política e

econômica. Maquiavel foi o primeiro pensador a fazer distinção entre a

moral pública e a moral particular.

Thomas Hobbes, autor de Leviatã, considera a monarquia

absoluta o melhor regime político e afirma que o estado surge da

necessidade de controlar a violência dos homens entre si. Como

Maquiavel, não confia no homem, que considera depravado e anti-social

por natureza. É o poder que gera a lei e não o contrário; a lei só

prevalece se os cidadãos concordarem em transferir seu poder individual

a um governante, o Leviatã, mediante um contrato que pode ser

revogado a qualquer momento.

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Baruch de Spinoza prega a tolerância e a liberdade

intelectual. Temeroso dos dogmas metafísicos e religiosos, justifica o

poder político unicamente por sua utilidade e considera justa a rebelião

se o poder se torna tirânico. Em seu Tratado teológico-político, afirma

que os governantes devem cuidar para que os membros da sociedade

desenvolvam ao máximo as suas capacidades intelectuais e humanas.

Montesquieu e Jean-Jacques Rousseau destacam-se como

teóricos da democracia moderna. Montesquieu exerceu influência

duradoura com O espírito das leis, no qual estabeleceu a doutrina da

divisão dos poderes, base dos regimes constitucionais modernos.

Rousseau sustenta, no Contrato social, que a soberania pertence ao

povo, que livremente transfere seu exercício ao governante. Suas idéias

democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e contribuíram

para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos privilégios da

nobreza e do clero e a tomada do poder pela burguesia.

Pensamento contemporâneo. No século XIX, uma das

correntes do pensamento político foi o utilitarismo, segundo o qual se

deve avaliar a ação do governo pela felicidade que proporciona aos

cidadãos. Jeremy Bentham, primeiro divulgador das idéias utilitaristas e

seguidor das doutrinas econômicas de Adam Smith e David Ricardo,

teóricos do laissez-faire (liberalismo econômico), considera que o

governo deve limitar-se a garantir a liberdade individual e o livre jogo das

forças de mercado, que geram prosperidade.

Em oposição ao liberalismo político, surgiram as teorias

socialistas em suas duas vertentes, a utópica e a científica. Robert Owen,

Pierre-Joseph Proudhon e Henri de Saint-Simon foram alguns dos

teóricos do socialismo utópico. Owen e Proudhon denunciaram a

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organização institucional, econômica e educacional de seus países e

defendem a criação de sociedades cooperativas de produção, ao passo

que Saint-Simon preconizou a industrialização e a dissolução do estado.

Karl Marx e Friedrich Engels desenvolvem a teoria do

socialismo científico, que deixou marcas profundas e duradouras na

evolução das idéias políticas. Seu socialismo não é um ideal a que a

sociedade deva adaptar-se, mas "o movimento real que suprime o atual

estado de coisas", e "cujas condições decorrem de pressupostos já

existentes". O socialismo sucederia ao capitalismo assim como o

capitalismo sucedeu ao feudalismo e será a solução das contradições do

capitalismo. Assim, sua realização não seria utópica, mas resultaria de

uma exigência objetiva do processo histórico em determinada fase de

seu desenvolvimento. O estado, expressão política da classe

economicamente dominante, desapareceria numa sociedade sem classes.

Depois da primeira guerra mundial, surgiram novas doutrinas

baseadas nas correntes políticas do século XIX. O liberalismo político,

associado nem sempre legitimamente ao liberalismo econômico, pareceu

entrar em dissolução, confirmada pela depressão econômica de 1929, e

predominaram as visões totalitárias do poder.

A partir do marxismo, Lenin elaborou uma teoria do estado

comunista e comandou na Rússia a primeira revolução operária contra o

sistema capitalista. Sobre a base marxista-leninista, Stalin organizou o

estado totalitário para estruturar a ditadura do proletariado e alcançar o

comunismo. Entre os pensadores marxistas que discordaram de Stalin e

acreditaram na diversidade de vias para atingir o mesmo fim destacam-

se Trotski, Tito e Mao Zedong (Mao Tsé-tung).

A outra vertente do totalitarismo foi o fascismo, baseado na

crítica aos abusos do capitalismo e do comunismo. Formadas por

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elementos heterogêneos e muitas vezes incoerentes, as ideologias

fascistas deram fundamento intelectual aos regimes que tendiam a

sobrepor o poder absoluto do estado aos indivíduos, como o fascismo na

Itália de Benito Mussolini e o nacional-socialismo na Alemanha de Adolf

Hitler.

Após a segunda guerra mundial, a democracia liberal, já

dissociada do liberalismo econômico, ressurgiu em diversos países

europeus e americanos. Em suas instituições, as democracias

acrescentaram os direitos sociais, como o direito ao trabalho e ao bem-

estar, aos direitos individuais. No final da década de 1980, a dissolução

da União Soviética levou ao desaparecimento dos regimes comunistas no

leste europeu e ao predomínio da democracia liberal.

Poder político no Brasil

O absolutismo foi a base das concepções políticas que

vigoraram no Brasil colonial, regido pelas leis e o sistema político de

Portugal. Ao longo do século XVIII, ocorreram movimentos autonomistas

com fundo republicano e liberal, inspirados nos modelos das repúblicas

veneziana e americana. As idéias que inspiraram a revolução francesa

disseminaram-se pela colônia nas obras de Voltaire, Rousseau e

Montesquieu mas o liberalismo só se manifestou de modo mais concreto

nos episódios da inconfidência mineira, que evidenciaram as contradições

entre a crescente burguesia e as classes agrárias dominantes.

O processo separatista ganhou consistência com a chegada

de D. João VI em 1808 e culminou com a independência. A primeira

constituição brasileira, outorgada pelo imperador D. Pedro I, baseou-se

no despotismo esclarecido e inovou na doutrina da divisão de poderes,

ao incluir o poder moderador do monarca ao lado dos clássicos poderes

executivo, legislativo e judiciário.

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As elites brasileiras, compostas de grandes senhores agrários

e comerciantes, instalaram-se no poder e competiram com o imperador

pelo controle da nação. O cunho liberal da constituição foi amenizado

pela adoção de mecanismos como o voto censitário, que excluiu a

maioria da população do processo eleitoral, e a vitaliciedade dos

senadores e dos membros do Conselho de Estado, que assegurou a

permanência das elites no poder. O confronto permanente entre essas

elites e o imperador e a oposição dos liberais radicais, que se ressentiam

da centralização excessiva do poder e defendiam o federalismo,

culminaram na abdicação do soberano em favor de D. Pedro II, então

menor de idade.

O período da regência foi marcado pela pressão permanente

das aristocracias locais, que exigiam maior autonomia de ação política, e

por conflitos entre liberais e conservadores, que se traduziram em

rebeliões regionais e levantes populares, em alguns casos de inspiração

separatista e republicana. Pouco depois de assumir o trono, D. Pedro II

estabeleceu o regime parlamentarista e abriu mão de seus poderes

executivos, transferidos para um primeiro-ministro escolhido entre os

membros do partido majoritário nas eleições. Preservou, porém, o poder

moderador, o que na prática manteve o governo sob seu controle.

Os primeiros anos do governo do segundo reinado foram

marcados por revoltas regionais e, ao mesmo tempo, pela consolidação

das instituições nacionais e pelo aprofundamento do sentimento de

nacionalidade em todo o território brasileiro. Os liberais, que se

alternaram com os conservadores no governo ao longo do segundo

reinado, pertenciam também às classes dominantes e esqueciam seu

radicalismo assim que assumiam o poder. As elites agrárias e comerciais

mantinham-se como a única força política e dominavam o cenário

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nacional. Entretanto, os grandes temas da república e da abolição da

escravatura ganhavam espaço e apoio crescentes, principalmente na

burguesia urbana, que se ressentia das dificuldades de implantação plena

do capitalismo numa economia atrasada, que buscava se modernizar.

Republicanos e abolicionistas inauguraram um estilo novo na política

brasileira e convocaram as populações das cidades à defesa de suas

idéias. Apesar dessa mobilização, a república foi instaurada pela elite,

sem participação popular.

A abolição da escravatura em 1888 marcou o fim do império

brasileiro e o início da república, instalada no ano seguinte, mas

permaneceu o autoritarismo do poder central, profundamente

entranhado na cultura política nacional. A constituição liberal de 1891

estabeleceu um presidencialismo forte e centralizado, que não resolveu

as contradições políticas herdadas do império nem excluiu do poder as

elites, acrescidas então de novas forças econômicas, como os produtores

de café, que determinavam os caminhos da nação. Na fase que se

seguiu, conhecida como República Velha, predominaram as oligarquias

de São Paulo e Minas Gerais, os estados economicamente mais

avançados.

Durante a primeira guerra mundial, o país conheceu notável

expansão industrial, mas o poder político continuou dominado pelos

interesses das oligarquias rurais e da burguesia mercantil. As

contradições entre uma economia que se modernizava e um modelo

político retrógrado geraram inquietações políticas que se expressaram em

movimentos como o tenentismo. O processo eleitoral, marcado pela

fraude e a exclusão de vasta parcela da população, mostrou-se incapaz

de solucionar as distorções do sistema, agravadas por dificuldades

financeiras e do comércio exterior que a crise mundial de 1929

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aprofundou, com a queda drástica das exportações de produtos

primários.

Com a revolução de 1930, a burguesia industrial teve maior

participação no poder, mas as contradições do regime não foram

solucionadas. Conflitos entre as oligarquias e os tenentistas e a ausência

de mudanças estruturais necessárias levaram à implantação da ditadura

do Estado Novo, que se prolongou até 1945.

A constituição de 1946 deu início a um período de

crescimento econômico e aprofundamento dos mecanismos

democráticos. Houve mudanças no sistema eleitoral e participação

efetiva do povo no processo político. Os partidos políticos se fortaleceram

e representaram efetivamente os diversos segmentos políticos e

ideológicos da nação. O modelo econômico e social, porém, não se

alterou, especialmente na estrutura agrária dominada pelas elites

obsoletas. O choque entre avanços políticos e econômicos e a

manutenção de um modelo social ultrapassado levaram setores

progressistas e conservadores à radicalização.

A instabilidade política agravou-se no governo João Goulart.

Em 1964 um golpe militar encerrou o período da democracia

representativa e instalou-se um regime de exceção. A partir de 1979, os

militares no poder instauraram um modelo de abertura que culminou

com a eleição indireta de um presidente civil em 1985 e maior

participação popular no processo político. A constituição de 1988

devolveu a soberania ao povo e marcou a retomada definitiva do

processo democrático, consolidado com as eleições diretas para todos os

níveis em 1989 e 1994.

BIBLIOGRAFIA

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Fernado Henrique Cardoso, discute os movimentos ecológicos, feministas

e étnicos como manifestações de uma sociedade civil mundial em que os

problemas sociais seriam pensados independentemente de fronteiras.

Esboça o conceito de neo-socialismo, próprio da sociedade planetária, em

contraposição ao de neoliberalismo.

Singer, Paul. A formação da classe operária. Rio de Janeiro,

Atual, 1993. Estudo sobre as condições históricas e sociais que deram

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Brasiliense, 1992. Clássico da bibliografia de ciências sociais, este livro

estuda o Brasil como colônia e e logo como periferia do capitalismo

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comunista no século XX. Rio de Janeiro, Siciliano, 1995. O autor,

especialista em revolução francesa e ex-diretor da Escola de Altos

Estudos em Ciências Sociais da Universidade de Paris, estuda a influência

do marxismo sobre o pensamento sociológico moderno. Analisa também

supostas semelhanças entre comunismo e fascismo, traduzida pelo

desprezo pelo direito como disfarce formal de dominação e a apologia da

violência como parteira da história.

Fernandes, F. A integração do negro na sociedade de

classes. São Paulo, Ática, 1978. 2 v. Neste que é um dos principais livros

de Florestan Fernandes, mentor de uma geração de intelectuais e

homens públicos brasileiros, estuda-se o colapso da escravatura no Brasil

e a transformação dos negros em proletários.

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Paulo, Brasiliense, 1987. A autora, professora de filosofia especialmente

dedicada ao estudo de problemas sociais contemporâneos, aborda as

múltiplas maneiras pelas quais a repressão sexual se manifesta.