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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO RESUMO DA OBRA: LLOYD, Alan B. The Ptolomaic Period. In: SHAW, Ian (Org). The Oxford history of the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003. O período Ptolomaico (c. 332 – 30 a.C.) No século 4 a.C., o Egito Ptolomaico distingue-se dos outros períodos da história do Antigo Egito pela diferença: essa é a história de duas culturas diferentes estruturalmente, com crenças diferentes, aspirações diferentes e com focos diferentes, que inicialmente parecem manter uma coexistência capaz de gerar um balanço que propicie o bom desenvolvimento do país, até que ao fim do terceiro século a.C. esse balanço acaba sendo crescentemente corroído, devido principalmente à administração do país, a crise econômica, ressentimentos egípcios e às fissuras dinásticas. Apesar dos problemas desse período, podemos facilmente observar que em muitos aspectos o Egito dos Ptolomeus foi muito bem-sucedido, seja levando em conta a contribuição cultural da elite greco-macedônica ou do lado nativo, egípcio. Com a chegada de Alexandre, o Grande, ao Egito em 332 a.C., chega ao fim o Segundo Período Persa de dominação do país, que passa a fazer parte do gigantesco Império Macedônio. A fundação de Alexandria foi, com toda certeza, uma necessidade administrativa, por parte dos ocupantes, que precisaram criar uma nova base física para governar o país, no entanto, em outros aspectos, a estrutura antiga egípcia, prevaleceu. De acordo com o Romance de Alexandre, uma biografia semimítica escrita anonimamente sob o pseudônimo de “Calístenes” por volta do século 2 a.C., Alexandre, respeitando a religião e os costumes egípcios, coroou-se no templo de Ptah, em Mênfis, reafirmando que ele estava ali assumindo o papel de um verdadeiro faraó egípcio, sendo concedido a ele honrarias e títulos reais. Com sua morte, em junho de 323 a.C., o império construído por ele passa a ser disputado entre seus generais, iniciando as Guerras de Sucessão, cabendo a Ptolomeu, filho de Lagos, o domínio das terras do

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INTRODUÇÃO À HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA DO EGITO ANTIGO

PROJETO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA/UFRN

ARTHUR RODRIGUES FABRÍCIO

RESUMO DA OBRA:

LLOYD, Alan B. The Ptolomaic Period. In: SHAW, Ian (Org). The Oxford history of

the ancient Egypt. United States: Oxford University Press: 2003.

O período Ptolomaico (c. 332 – 30 a.C.)

No século 4 a.C., o Egito Ptolomaico distingue-se dos outros períodos da

história do Antigo Egito pela diferença: essa é a história de duas culturas diferentes

estruturalmente, com crenças diferentes, aspirações diferentes e com focos diferentes,

que inicialmente parecem manter uma coexistência capaz de gerar um balanço que

propicie o bom desenvolvimento do país, até que ao fim do terceiro século a.C. esse

balanço acaba sendo crescentemente corroído, devido principalmente à má

administração do país, a crise econômica, ressentimentos egípcios e às fissuras

dinásticas. Apesar dos problemas desse período, podemos facilmente observar que em

muitos aspectos o Egito dos Ptolomeus foi muito bem-sucedido, seja levando em conta

a contribuição cultural da elite greco-macedônica ou do lado nativo, egípcio.

Com a chegada de Alexandre, o Grande, ao Egito em 332 a.C., chega ao fim o

Segundo Período Persa de dominação do país, que passa a fazer parte do gigantesco

Império Macedônio. A fundação de Alexandria foi, com toda certeza, uma necessidade

administrativa, por parte dos ocupantes, que precisaram criar uma nova base física para

governar o país, no entanto, em outros aspectos, a estrutura antiga egípcia, prevaleceu.

De acordo com o Romance de Alexandre, uma biografia semimítica escrita

anonimamente sob o pseudônimo de “Calístenes” por volta do século 2 a.C., Alexandre,

respeitando a religião e os costumes egípcios, coroou-se no templo de Ptah, em Mênfis,

reafirmando que ele estava ali assumindo o papel de um verdadeiro faraó egípcio, sendo

concedido a ele honrarias e títulos reais. Com sua morte, em junho de 323 a.C., o

império construído por ele passa a ser disputado entre seus generais, iniciando as

Guerras de Sucessão, cabendo a Ptolomeu, filho de Lagos, o domínio das terras do

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Egito, da Líbia e das “partes da Arábia que ficam perto do Egito”, com Cleomenes, ex-

governador do Egito durante o reinado de Alexandre, como seu segundo em comando.

Em 301 a.C., os separatistas, aqueles que defendiam a fragmentação do império

(Ptolomeu era um dos líderes), vencem a primeira fase da disputa e todos os

protagonistas, incluindo Ptolomeu, antecipam-se aos resultados da guerra e declaram-se

reis, independentes, de seus respectivos domínios.

A segunda fase da Guerra de Sucessão ocorre entre 301 e 280 a.C. e

caracteriza-se por lutas de separatistas para manter e expandir seus reinos. Com o fim da

disputa, formam-se três frentes que agiriam como protagonistas durante o restante da

história do mundo helenístico: a Macedônia, cujas pretensões visavam dominar estados

vizinhos; o Império Selêucida, baseado na Síria e na Mesopotâmia; e o Império dos

Ptolomeus, cujos centros eram o Egito e Cirenaica. Esses foram os três protagonistas em

um jogo de poder que visava dominar a parcela oriental do Mediterrâneo e o Levante,

até que o Egito tornou-se possessão romana, em 30 a.C.

É importante ressaltar que a disputa entre esses três impérios não se restringiam

apenas ao aspecto político e militar, mas devia-se principalmente ao ímpeto greco-

macedônio auto-afirmativo que gerava prestígio: com toda certeza, guerras eram

importantes, bem como sistemas políticos sólidos e funcionais, no entanto, a criação de

um reino de inigualável esplendor colocava-se em primeiro plano nessa disputa, e nisso,

os egípcios levavam vantagem, até pelo menos o 3º século a.C.

A necessidade afirmativa de crescimento do império ptolomaico, que visava o

domínio dos antigos centros da cultura grega no Mediterrâneo oriental, além da Síria-

Palestina, gerou o receio nos outros dois participantes dessa disputa de poder, que em

uma medida defensiva, somaram forças contra o inimigo expansionista em comum,

concluindo um tratado de paz em 270 a.C. Aos três impérios, que se sentiam como parte

intrínseca da cultura helenística, interessava a eles o domínio das principais terras

gregas, do Egeu, e das cidades gregas das Ásia menor. No 3º século a.C., os Ptolomeus

assumem a dianteira como “protetores” do mundo grego, em oposição ao ímpeto

macedônio de dominação do Mediterrâneo, que ameaçava cidades lideradas por Atenas

e Esparta, que aliam-se aos Ptolomeus em um gesto de resistência, proporcionando ao

Egito um influência sobre o Egeu, ao sul da costa da Ásia menor, controlando o Chipre.

É possível entender através de palavras de escritores da antiguidade, como

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Políbio, que o “Império” ptolomaico não possuía fronteiras fixas e uma lógica imperial

bem definida, que mais constituía na verdade uma junção de bases, de alianças,

protetorados, de grupos amigáveis, ou individuais, que eram freqüentemente comprados

pelo ouro egípcio, formando uma rede de contatos e de poder, de onde os Ptolomeus

retiravam sua força política e militar.

No final do 3º século a.C. a influência ptolomaica sobre o a Grécia havia

diminuído consideravelmente, principalmente com a perda do território da Ásia menor,

no ano de 195 a.C. O padrão de expansão ptolomaica seguida de forte repressão por

parte dos outros dois impérios repetiu-se na Síria-Palestina: a determinação de trazer a

Síria, e a Fenícia sob o controle ptolomaico causou desgosto nos outros dois impérios,

em especial ao Império Selêucida, que igualmente ao Império Ptolomaico, visava à

posição estratégica que o Chipre ocupava, bem como os recursos navais da Fenícia, as

rotas comerciais marítimas (cujo produto em destaque eram as madeiras do Líbano, que

era a matéria-prima principal da construção de navios de guerras ptolomaicos). Após

severas disputas pelas posses e manutenções desses territórios e com a derrota egípcia

em Panion, em 200 a.C., Ptolomeu V concedeu aos Selêucidas o controle da Síria e da

Fenícia, em 195 a.C.

Não é possível falar das proezas militares da época dos Ptolomeus sem antes

tratar da composição dos exércitos. O exército ptolomaico era, acima de tudo, parte do

exército de Alexandre, com unidades que refletiam uma estratégia concisa: fazer pressão

no exército inimigo com unidades de infantaria e atacar com unidades de cavalaria

pesada em um ponto selecionado, quebrando as defesas do exército oponente. Para isso,

o exército contava com falanges de infantaria pesada, armados com lanças de

considerável tamanho, além de uma força de assalto de cavalaria pesada composta por

esquadrões de macedônios, tessálios e outros aliados. Os espaços restantes eram

complementados por uma infantaria leve de elite, chamada hypaspists.

É importante atentar para mudanças no exército egípcio no decorrer do 4º e 3º

séculos a.C., onde uma diluição progressiva do elemento macedônio no exército,

inicialmente em favor de mercenários, que por serem caros deixavam um buraco ainda

maior no orçamento egípcio já reduzido, mas que por último foram substituídos pela

incorporação de machimoi egípcios, a classe guerreira nativa do país.

Outro aspecto importante na composição do exército ptolomaico da época é a

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presença de elefantes de guerra, costume importado por Alexandre da Índia, que

representavam para época o que são os tanques de guerra da atualidade: uma gigantesca

força de combate capaz de alterar o curso de uma batalha. Um exército inteiro em um

único e imenso animal. No entanto, os egípcios tinham dificuldade de adquirir animais

notadamente de “elite”, que seriam aqueles elefantes maiores vindos da Índia, e

acabaram por optar por animais treináveis de menor porte, ao usar elefantes africanos. A

caça desses animais é relatada em inúmeras ocasiões nas fontes da época. Apesar do

reforço aparente, a iniciativa ptolomaica mostrou-se falível, tendo seus animais de

menor porte derrotados ou pressionados a fugir na hora de batalhas decisivas, como em

Rafia, trazendo consequências desastrosas para o exército inteiro.

Outra importante peça do exército ptolomaico eram os navios de guerra, que

além de seu evidente poder militar traziam ao país, igualmente, prestígio. Naquela

época, essa arma servia de propaganda para o prestígio e status militar do Império e era

usada para gerar um senso de grandeza, visando amedrontar os inimigos. Diferente de

outras batalhas marítimas anteriormente acontecidas no Egito e proximidades, o foco da

batalha mudou de manobras marítimas para a condução de batalhas, dignas de lutas

terrestres, no mar. Para isso, era importante que os navios aumentassem cada vez mais

sua capacidade de armazenamento de guerreiros: Ateneu de Náucratis descreve a

imensa frota do faraó Ptolomeu Filadelfo, descrevendo ainda um monstruoso navio de

Ptolomeu IV que poderia carregar não menos de 2.850 marinheiros.

Apesar da consistência da construção de navios levada adiante pelos Ptolomeus

na primeira metade do primeiro século da dinastia, não foi possível evitar severas

derrotas marítimas que abateram as frotas dos Ptolomeus, seja devido à capacidade

pessoal de certos almirantes inimigos, seja pela capacidade de combate dos seus

marinheiros. De toda forma, a navegação de guerra não parece ter tido, além do caráter

propagandístico dessa investida, outra vantagem concreta, em longo prazo, ao Egito

Ptolomaico.

A despeito dos conflitos militares, terrestres ou marítimos, havia outras

“armas” na disputa de status e prestígio da época e, para o Egito, a cidade de

Alexandria, constituía sua principal. A capital do Império Ptolomaico, fundada por

Alexandre em 331 a.C. fora explorada desde sua fundação como sendo a vitrine do

império, mostrando riqueza e esplendor para o resto do mundo. O mundo helenístico

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devia respeito e admiração à grandiosa cidade de Alexandria, e escritores da

antiguidade, como Estrabão, reverenciavam sua beleza, bem como destacavam a

importância da cidade como o local de descanso final de Alexandre, que teria sido

enterrado no Sema, local de enterro dos reis ptolomaicos, em um caixão de ouro, depois

substituído por um de vidro, após o que teria sido um engenhoso plano de Ptolomeu,

filho de Lagos, que teria roubado o corpo do grande rei quando este estava sendo

encaminhado para seu enterro na Macedônia. Ainda, é importante salientar o papel do

Mouseion, um local moldado a partir dos centros escolares platônicos e aristotélicos em

Atenas, voltado para o ensino e a produção de conhecimento, de pesquisas, onde havia a

famosa biblioteca de Alexandria, resultado dos esforços de Ptolomeu I, que visando

tornar Alexandria no centro cultural grego por excelência, enviou vários agentes para

diversos locais do mundo, recolhendo livros e materiais para compor a vasta coleção da

Biblioteca-Mãe de Alexandria, que de acordo com Plutarco, teria sido incendiada

acidentalmente pelo romano Júlio César, em 48 a.C.

Alexandria é um modelo de cidade multicultural na antiguidade, onde podemos

ver de forma magnífica, os diferentes traços culturais que compõem os costumes, as

festividades, a vida social em geral, da cidade. As tradições gregas e egípcias mesclam-

se criando formas mistas, como a figura da divindade Dioniso Petoserápis, uma mistura

do deus grego Dioniso com o deus egípcio, Osíris, cujo despontar de seu culto inicia-se

no Período Ptolomaico e tem seu ápice no período de dominação romana, onde os traços

do deus assumem a forma final, grecizada em representações, aproximando-se da figura

de Zeus, como conhecemos na Grécia. Outro ponto de destaque é a própria instituição

do reinado, que os Ptolomeus logo enxergaram como sendo um dos pontos chaves para

se manter o bom funcionamento do país, sendo assim, trataram de combinar diversos

motivos gregos aos já existentes, aproximando o próprio faraó de divindades gregas,

como Héracles, Zeus e Dioniso, de quem eles eram considerados descendentes, e à

partir do reinado de Ptolomeu II, eram cultuados como deuses, alçando a novos

patamares a propaganda real.

No topo da sociedade egípcia do Período Ptolomaico encontravam-se os reis

Ptolomeus, que além de serem coroados faraós do Egito, a partir de Ptolomeu V

(existem relatos que afirmam que Alexandre inaugurou esses costumes, bem antes dos

seus predecessores), eram também reis macedônios, que governavam uma elite greco-

macedônia, presente no país. Era estratégia utilizável, apesar de não tão constante, o

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casamento entre irmãos da família real, como gesto de proteção dinástica contra aqueles

externos à família e de manutenção de poder, fazendo, provavelmente, referência às

duas mitologias vigorantes no país, à época, tanto no caso da união grega de Zeus e de

Hera, irmãos, como à mitologia egípcia, onde Ísis e Osíris são marido e mulher e

igualmente, irmãos. No mesmo patamar dos reis encontravam-se as rainhas, como

Arsinoe II e Cleópatra VII (51 – 30 a.C.), essa, talvez, a mais famosa dos Ptolomeus,

terá destaque como rainha atuante, que governa o Egito após o falecimento de seu pai,

Ptolomeu XII, famosa por suas relações com Júlio César, de Roma, e com Marco

Antônio, ambos de quem ela geralmente é considerada como amante.

Mantendo uma postura de continuidade ao passado egípcio, os sacerdotes

mantiveram uma posição importante durante o Período Ptolomaico, capazes, além de

cumprir suas obrigações sacerdotais, de fazer a ponte com o mundo secular,

aproximando os templos e seus deveres à população comum, muitas vezes servindo de

passagem entre as normas dos regentes ptolomaicos e o povo. Nos templos, eram

comuns a existência de mammsis (termo cunhado por Champollion que significava

“casa de nascimento”), onde aconteciam rituais que celebravam o casamento de deusas,

como Ísis ou Hathor, e o nascimento do deus-menino, Hórus. Apesar do aspecto

religioso, não se descarta a função secular do templo como centro econômico, que

recebia incentivos e terras da Coroa, tornando-se eles próprios grandes mecenas da arte,

principalmente por apoiar trabalhos de escultores e pintores do período, que apesar de

misturar paradigmas artísticos gregos e egípcios, tinham um interesse particular na

continuação de tradições artísticas do Período Tardio. Vale salientar ainda, a presença de

escribas encarregados de deveres relacionados aos templos, que perpetuavam a escrita

aos moldes antigos, empregando-a em gêneros como as biografias de tumbas e os textos

mortuários, rituais, histórias e textos de sabedoria.

Abaixo desses cargos de níveis mais altos da sociedade, havia os escribas que

aprendiam o grego para agir como intermediários entre os egípcios e a elite greco-

macedônia, bem como artesãos e ferreiros, que podiam usar sua arte à favor dos

templos, patrocinados pelo estado, mas que na maior parte do tempo deviam agir

individualmente. Os machimoi, o exército nativo do Egito, que exerciam o papel de

milícia e polícia conjuntamente, haviam ganhado prestígio após sua participação bem

sucedida na batalha de Rafia, em 217 a.C. No entanto, seu status social não era grande,

passando muitas vezes por várias dificuldades econômicas, em ordem para manterem-se

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em atividade (possuíam pequenos lotes de terras, mas não possuíam capacidade de

contratar servos para cuidar das terras enquanto estavam fora, em batalha). Ainda, um

pouco abaixo dos machimoi encontravam-se os camponeses, a grande massa

responsável pela produção agrícola e manutenção do resto da sociedade, que mantinham

o sistema de irrigação funcionando, bem como uma produção regular de cereais, frutos

e alimento para os animais, além de sempre tentarem complementar sua renda

realizando atividades necessárias ao Estado, agindo, por exemplo, como transportadores

de cargas.

A perda das possessões Sírias e do Egeu, no fim do terceiro século a.C.,

deixaram os Ptolomeus apenas com duas províncias estrangeiras: a Cirenaica e Chipre.

Desse período em diante a situação rapidamente deteriorou-se: corrupção, discórdias

internas entre membros das famílias dinásticas, a fome da população campesina,

somada ao enfraquecimento da autoridade real levaram a revoltas separatistas,

interpretados por muitos estudiosos como o ápice do desgosto da população egípcia em

relação aos gregos dominadores, estabelecendo um estado independente em Tebas entre

205 e 186 a.C., governado em sucessão por dois reis nativos chamados Haronnophris e

Chaonophris, governo esse que pode facilmente remontar ao ressurgimento da antiga

política ambiciosa dos sacerdotes de Amun, do Período Tardio.

Outras ações como greves, fugas de trabalhadores, ataques surpresas de

desesperados em vilas e roubos de templos mostram realmente um quadro de crise,

agravada pela fraqueza econômica gerada pelas próprias atitudes de revolta, gerando

pobreza generalizada. Enquanto isso, o intervencionismo romano, em pleno

crescimento, elimina o reino da Macedônia, em 167 a.C., causa a gradual corrosão do

Império Selêucida, anexando-o ao seu próprio Império, causando ainda, eventualmente,

o desbaratamento do próprio Império Ptolomaico, já enfraquecido pela crise no Egito.

A relação de Roma com o Egito passa por diversas fases, iniciando com

relações de igualdade entre o reino de Ptolomeu II e os romanos, cedendo cortesias

entre iguais, expressadas através do envio de embaixadores até Roma em 273 a.C. No

segundo século a.C., Roma passa a ser o garantidor da independência egípcia,

oferecendo ajuda aos Ptolomeus para controlar a situação de revoltas em seu país; o

envolvimento dos romanos durante o conflito entre os irmãos Ptolomeu VI e VIII é

claro, bem como na “ajuda” decisiva prestada pelos romanos à Cleópatra VII, durante

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os acontecimentos trágicos entre ela e seus irmãos, que deviam assumir o trono

juntamente a ela, através do casamento entre irmãos, na última fase do reinado

ptolomaico.

Em meio a esse cenário, Cleópatra foi capaz ainda de reacender antigas glórias

para o país, com ajuda do triúnviro romano, Marco Antônio, retomando o controle

Ptolomaico sobre a Ásia menor e a Síria-Palestina. No entanto, Roma, beneficiando-se

do declínio geral da dinastia dos Ptolomeus, adquire o Egito em 30 a.C., dando fim a

esse período da história egípcia.