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FILOSOFIA DA CIÊNCIA E CIDADANIA PROFESSOR DANIEL COSTA DOS SANTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

INTRODUÇÂO À FILOSOFIA DA CIÊNCIA E CIDADANIA

DANIEL COSTA DOS SANTOS

[email protected]

Curitiba, Março de 2018

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FILOSOFIA DA CIÊNCIA E CIDADANIA PROFESSOR DANIEL COSTA DOS SANTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

I Dos Temores e Encantamentos à Postura Filosófica

Desde os primórdios de sua existência infere-se por registros históricos que o Ser Humano sempre demonstrou temores e encantamentos relacionados à realidade na qual se sentia imerso. Sua luta árdua pela sobrevivência, mas também seu encanto pelo que lhe rodeava, o expôs não apenas a sentir o mundo pelos instintos e sentidos corpóreos, mas também pelas emoções. Afinal, explicações sobre a realidade do mundo se faziam necessárias para que fosse possível lidar com a mesma para sobreviver. Neste contexto histórico, provavelmente, surgiram as primeiras leituras sobre o mundo que fundaram o senso comum e a estrutura mitológica.

E que seria o senso comum? Consta, basicamente, de uma percepção do mundo a

partir daquilo que o mesmo parece ser. Não obstante, as relações causais operadas pelo nível de racionalidade da época fundem-se nesta percepção de “superfície” e surge uma explicação rasa do mundo que requer mais crenças que razão para serem aceitas. O senso comum, portanto, articulou-se nesta empreitada e se fortaleceu enquanto instrumento de leitura e de consolidação da interpretação do mundo.

Neste mesmo âmbito desenvolveu-se uma estrutura de mitos que fortaleceu as

crenças que explicavam o mundo e que, por consequência, pavimentou o caminho da esperança que se tornou peça fundamental para o Ser Humano manter-se na luta pela sobrevivência. No entanto, o que vem a ser mito? Qual a sua natureza que tanto fascina o Ser Humano e o auxilia em sua saga? Em Chaui (2000), mito é uma narrativa fidedigna sobre a origem de algo conduzida por alguém com autoridade para tanto, tornando tal narrativa, portanto, inconteste.

Observados os papéis do senso comum e do mito nas experiências e elaborações

humanas, os papéis da intuição e da razão, em frente aos sinais físicos apreendidos pelos sentidos, igualmente foram fundamentais. No entanto, a não aderência recorrente entre o experienciado e o senso comum, assim como as inconsistências racionais práticas apresentadas pelos mitos, certamente fomentaram indagações diversas tanto intuitivamente quanto racionalmente. Indagações como “de onde vim?”, “para onde vou?”, “como as coisas foram criadas?”, dentre tantas outras, surgiram de uma postura questionadora consequente da negação da aceitação cega do que é dado. Ou seja, uma atitude que questiona a realidade dada e todas as suas interpretações e crenças oriundas do senso comum e do mito.

Seguiu que, a partir desta postura questionadora e intrinsicamente crítica, nasceu a

Filosofia. E quando tal postura tem como objeto de observação o próprio observador, ocorre a reflexão filosófica. A postura e a reflexão filosóficas passam, portanto, a constituírem-se em condutas basilares à Filosofia. O que caracteriza a Filosofia então? A sistematização do processo de pensar propiciada pela postura e reflexão filosóficas. É nesta sistematização do pensar que se busca uma fundamentação racional dos conceitos. Neste período socrático o conceito é a expressão da verdade que o pensamento descobre sobre a essência de algo. Desta forma, o conceito é atemporal e universal.

Considerando esta característica singular da Filosofia, passa a ser possível distingui-la

do senso comum e do mito. Sob outra perspectiva, a Filosofia, em sua abordagem racional sobre o observado, avalia se as respostas e explicações serão aceitáveis em função do atendimento, ou não, das premissas racionais enquanto o senso comum e o mito conduzem apenas ao estabelecimento de opiniões. A opinião, diga-se, é temporal, individual e fortemente dependente dos sentidos e da subjetividade. Pois opinião consta de uma asserção sobre o que se “acha” da realidade, cuja impressão não é construída no processo de sistematização do pensamento. Sócrates, assim como o seu principal discípulo Platão, destacavam a importância da busca da essência da verdade em detrimento de render-se à opinião. E para tal busca a razão surge como a grande guia uma vez que, pela mesma, seria possível o pensamento regrar-se para certificar-se da precisão do processo de diferenciação entre conceito e opinião.

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FILOSOFIA DA CIÊNCIA E CIDADANIA PROFESSOR DANIEL COSTA DOS SANTOS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTAL UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

Nesta passagem da filosofia grega são necessárias reflexões sobre a edificação de esteios para a fundamentação da ação de pensar, surge Aristóteles cuja contribuição caracterizará este período como sistemático, conforme comentado no texto anterior. Assim, Aristóteles, discípulo de Platão, observa que o primeiro conhecimento necessário é aquele referente ao conhecimento do funcionamento do próprio pensamento, funcionamento este que independe do objeto a ser conhecido. Com esta preocupação Aristóteles cria a Lógica, esta se tornando um instrumento indispensável para o conhecimento da realidade. Neste período sistemático cabe igualmente destacar a classificação das ciências elaborada por Aristóteles, a saber, produtivas, práticas e teóricas.

Enfim, dos temores e encantamentos tem-se o nascimento e o desenvolvimento da

Filosofia até a atualidade. Seja oriental, seja ocidental. II A Ciência na História

A Filosofia Grega foi umbilicalmente regida, como não poderia ser diferente, pela organização sociocultural vigente à época. Constava de uma sociedade escravagista na qual os trabalhos manuais eram relegados aos escravos enquanto seus senhores dedicavam-se à contemplação e a idealização do mundo. Decorreu, assim supõe-se, que a afirmação da ideologia de que o contemplar, o pensar e o idealizar seriam atividades superiores àquelas respectivas à prática, à experiência.

Platão sintetiza muito bem este “status quo” quando relaciona a experiência à opinião (doxa) e o pensar à ciência (episteme). Nesta diferenciação a essência das “coisas do mundo” está na ideia, no ideal. E a razão só pode acessá-la uma vez despida dos grilhões dos sentidos uma vez que estes passam tão somente cópias imperfeitas desta verdade essencial. Em outras palavras, os sentidos instados pela matéria via experiência permitem tão somente a apreensão do vir a ser (devir) e não da verdade essencial, a qual existe na ideia e é acessível apenas pela razão. A ciência, neste contexto, funda-se nesta busca pelas ideias essenciais sendo, assim, filosofia.

No entanto Aristóteles, discípulo de Platão, discorda de seu mestre no que se refere à afirmação de que a verdade só é acessível no mundo das ideias. Aristóteles afirma a existência do ser concreto e do movimento. Tal filósofo argumenta que todo o movimento é a passagem da potência para o ato. Em outras palavras, há algo em potência que se exercerá pelo movimento. E, pelo movimento, identifica-se a cadeia de causa e efeito cujo efeito último é o equilíbrio, este considerado o Bem.

Por outro lado, trabalhando na prospecção da relação inversa efeito causa, atingir-se-á a causa última, a qual sem causa. De qualquer forma, tanto por Platão quanto por Aristóteles, a ciência continua associada à metafísica não dependendo assim da experienciação. Há observação mas não há experienciação.

Não obstante, a dependência da ciência à metafísica se agudiza e se transforma durante o Período Medieval quando filosofia passa a servir a teologia. A razão, desta forma, serve para fundamentar a fé. A estrutura sociocultural baseada em feudos se consolida, a qual não essencialmente diferente da estrutura grega. Logo, a teoria continua sobrepondo-se à prática e no mundo essencial buscado se encontrará a Verdade, Deus. Nem a experiência tampouco a matemática, são consideradas como meios de acessar a verdade. A ciência é qualitativa, filosófica, como destaca Aranha e Martins (1999)

Portanto, como pode ser observado, nos cenários grego e medieval a ciência é um apêndice da filosofia e da religião, respectivamente. Haveria, desta forma, um momento onde a ciência ultrapassa este caráter de apêndice e adquire autonomia suficiente para ser exercida sem pré-direcionamentos? Este momento, assim entende-se, inicia-se na Idade Moderna.

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Na Idade Moderna, com a atuação da burguesia no século XVII enfraquece-se o regime feudal e o trabalho é valorizado. Neste sentido, a técnica demanda avanços e sua relação com a ciência se fortalece. E esta, desta forma, redireciona-se e o saber passa a ser ativo. O mútuo fortalecimento entre a ciência e a técnica passa a imperar rompendo assim com o paradigma no qual a ciência é exclusivamente abstração. Neste novo paradigma pavimentado por esta revolução científica, a experimentação e matematização aliam-se para ler o “livro do mundo”, conforme Galileu. Para a valoração do trabalho surge a necessidade de conhecer e dominar a natureza. A ciência, assim, liberta-se tanto da filosofia, a qual aprisionada desde a Grécia antiga, quanto da religião que a subjugava desde a Idade Média, conforme Aranha e Martins (1999). O racionalismo enfim consolida-se enquanto ferramenta para leitura do mundo, ao passo que o subjetivismo igualmente alarga-se indicando ao homem que a clássica percepção de um objeto absoluto e essencial pode ser substituída por uma percepção resultante da interação entre a subjetividade e o objeto. Decorrem desta nova ciência a desmistificação do espaço e a constituição da noção do mecanicismo. Tudo é espaço, seja nos céus ou na terra, não há hierarquia. Todo o espaço está submetido às mesmas leis naturais condição esta que desconstrói a crença em uma diferença entre o sagrado e o mundano. E neste espaço a natureza funciona como uma máquina, máquina esta a ser compreendida, a ser desvendada. A Ciência Contemporânea, cujo período é demarcado a partir do século XIX, traz em seu bojo grandes conquistas as quais associadas às revisões importantes do conhecimento erigido na Era Moderna, assim como associadas às novas frentes investigativas da realidade. Para além das ciências naturais avançam as ciências sociais as quais impõem novos desafios à construção do conhecimento. Assim, nas ciências naturais, a física de Einstein de desmistifica “verdades” consolidadas pela física newtoniana, enquanto a teoria quântica avança em seus questionamentos sobre a ordem. O Princípio de Heisenberg evoca incertezas enquanto a astronomia transcende a si mesma na trilha desta nova física de Einstein. A biologia transforma-se radicalmente pelo evolucionismo darwiniano, pela genética de Mendel e pela descoberta do DNA, enquanto a química ramifica-se e aglutina-se com outras áreas fundando diversas linhas específicas de investigação. E surgem definitivamente as ciências humanas como a psicologia, psicanálise, sociologia, economia, dentre outras. Não obstante a esta significativa revolução científica instalada na contemporaneidade, houve revolução também com base nos questionamentos sobre a capacidade do ser humano construir o seu conhecimento. Afinal, qual a confiabilidade da resposta dada pela ciência? Com indagações desta ordem os filósofos do Circulo de Viena, além de Popper, Kuhn e Feyerabend, entre tantos outros, investiram contra as certezas apregoadas pela cultura do método da era moderna, erigindo desta forma um palco no qual a ciência deve estar em constante exposição e autocrítica quanto aos seus métodos investigativos. III Literatura Referencial CHAUI, M.,2000, Convite à Filosofia. Editora Ática, São Paulo. ABRÃO, B.S., 2002. História da Filosofia. Editora Best Seller, São Paulo. ARANHA M.L.A ; MARTINS M.H.P., 1999. Filosofando. Introdução à Filosofia. Editora Moderna.

São Paulo.