introdução à filosofia
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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA –FILOSOFIA GERAL
"Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia
da vida é quando os homens têm medo da luz." Platão
INTRODUÇÃO
A filosofia não é criadora; é reflexão sobre a totalidade da experiência vivida.
Façam os homens o que fizerem, eles pensam para agir e enquanto agem. O filósofo é
um homem como os outros, que pensa primeiro participando nos trabalhos e na dor dos
homens. E filosofar será voltar seguidamente sobre este pensamento imediato e
espontâneo, refletir sobre ele para lhe descobrir ou lhe dar um sentido. A filosofia é
transformação pelo espírito do acontecimento em experiência, entendendo por
acontecimento o dado bruto, a sensação, a situação histórica, o esforço para viver e
pensar, tudo o que nos acontece interior e exteriormente, e por experiência a mesma
coisa, mas refletida pelo espírito que por essa operação se torna conteúdo significante.
Os filósofos não brotam da terra como cogumelos, eles são os frutos da sua época,
do seu povo, cujas energias, tanto as mais sutis e preciosas como as menos visíveis, se
exprimem nas ideias filosóficas. O espírito que constrói os sistemas filosóficos nos
cérebros dos filósofos é o mesmo que constrói os caminhos-de-ferro com as mãos dos
trabalhadores. A filosofia não é exterior ao mundo. A filosofia implica uma atitude de
procura de um saber que se deseja, mas não se possui.
Não basta construir novas ideias sobre as coisas, o filósofo tem que apresentar os
fundamentos do que afirma de uma forma coerente e sistemática, utilizando uma
linguagem rigorosa.
Cada filosofia tem o seu método. Perante a multiplicidade de formas pelas quais a
totalidade da experiência humana pode ser encarada, cada filósofo elege não apenas o
seu objeto de estudo, mas também traça o seu caminho (método), através do qual somos
convidados a compreender a realidade. Ao fazê-lo apresenta-nos a sua visão particular da
realidade, sustentada num conjunto de pressupostos teóricos e posicionamento no mundo
e na comunidade filosófica. Ao fazê-lo transmite-nos igualmente o seu próprio
entendimento da filosofia. É por esta razão que a filosofia se apresenta um
desconcertante conflito de interpretações das coisas.
Cada filosofia é como que um sinal dessa permanente insatisfação humana, que
nunca se contenta com nenhuma resposta e procura atingir sempre novos horizontes.
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A História da Filosofia mostra claramente que os filósofos raramente estão de
acordo entre si. Cada filósofo, num contexto histórico preciso, elabora uma concepção
completa do mundo, dando-nos a sua própria visão da Filosofia. Falar de Filosofia seria
uma mera abstração, sem qualquer sentido, dado que o que existem são filosofias.
Apesar da pluralidade de filosofias, é possível descobrir alguns pontos em comum:
- A formulação de algumas questões e perguntas, concitam mais acordos entre os
filósofos que as suas respostas. Exemplos de questões básicas que registam um largo
consenso: Porque existe o mundo? Que existe por detrás das aparências ? Porque
vivemos?
- As questões que os filósofos colocam dizem respeito a todos os homens,
independentemente do lugar, raça, nacionalidade, estatuto social, etc.
Os filósofos, apesar dos seus desacordos, estão conscientes que fazem parte de
uma das mais antigas atividades da Humanidade que se desenvolve desde há 2.600 anos
sem interrupções. É esta atividade a que se dedicam os filósofos, e que malgrado todas
as divergências, os fazem sentir membros de uma mesma comunidade, que se designa
por Filosofia. É a ela que todos nós somos chamados a participar enquanto aprendizes de
Filosofia.
O grande objetivo do ensino da filosofia, portanto, é desenvolver nos estudantes
uma atitude crítica sobre o mundo e o sentido da nossa existência enquanto seres
humanos. Mas não basta críticar, é preciso fazê-lo de uma forma metódica e
fundamentada.
É importante saber escrever e falar, mas não basta. Estas competências têm que
ser desenvolvidas de uma forma refletida.
A Filosofia favorece, entre outras coisas, o desenvolvimento de uma compreensão
mais abrangente sobre o mundo e os diferentes saberes. Mas para isso, pouco adianta
memorizar tudo sobre os vários temas tratados em filosofia, se sobre os mesmos não se é
capaz depois de clarificar um conceito ou colocar uma questão. Atualmente, percebemos
que há muitas pessoas que agem sem pensar ou refletir. A educação chama-os, em
algumas ocasiões, analfabetos funcionais, pois sabem ler e escrever, mas não sabem
interpretar ou raciocinar.
1 Definição de filosofia e sua utilização
Quando alguém diz "onde há fumaça, há fogo" ou "não saia na chuva para não se
resfriar", afirma silenciosamente muitas crenças: acredita que existem relações de causa
e efeito entre as coisas, que onde houver uma coisa certamente houve uma causa para
ela, ou que essa coisa é causa de alguma outra (o fogo causa a fumaça como efeito, a
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chuva causa o resfriado como efeito). Acreditamos, assim, que a realidade é feita de
causalidades, que as coisas, os fatos, as situações se encadeiam em relações causais
que podemos conhecer e, até mesmo, controlar para o uso de nossa vida. Cremos no
espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na verdade, na diferença
entre realidade e sonho ou loucura, entre verdade e mentira; cremos também na
objetividade e na diferença entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da
liberdade, do bem e do mal, da moral, da sociedade.
A Filosofia volta-se, também, para o estudo da consciência em suas várias
modalidades: percepção, imaginação, memória, linguagem, inteligência, experiência,
reflexão, comportamento, vontade, desejo e paixões, procurando descrever as formas e
os conteúdos dessas modalidades de relação entre o ser humano e o mundo, do ser
humano consigo mesmo e com os outros. Finalmente, a Filosofia visa ao estudo e à
interpretação de ideias ou significações gerais como: realidade, mundo, natureza, cultura,
história, subjetividade, objetividade, diferença, repetição, semelhança, conflito,
contradição, mudança, etc.
Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em
benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de
todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da
saúde e a invenção das técnicas e das artes.
Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma
para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade
humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o
mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que
traria justiça, abundância e felicidade para todos.
Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade.
2 A Filosofia é grega
A Filosofia, entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e
sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas
transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um
fato tipicamente grego.
Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos
quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os
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hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e
possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o
pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, pois
desenvolveram e desenvolvem.
Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui
certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir os pensamentos,
estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as
técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros
povos e outras culturas.
Os chineses desenvolveram um pensamento muito profundo sobre a existência de
coisas, seres e ações contrários ou opostos, que formam a realidade. Deram às
oposições o nome de dois princípios: Yin e Yang. Yin é o princípio feminino passivo na
Natureza, representado pela escuridão, o frio e a umidade; Yang é o princípio masculino
ativo na Natureza, representado pela luz, o calor e o seco. Os dois princípios se
combinam e formam todas as coisas, que, por isso, são feitas de contrários ou de
oposições. O mundo, portanto, é feito da atividade masculina e da passividade feminina.
Pitágoras diz que a Natureza é feita de um sistema de relações ou de proporções
matemáticas produzidas a partir da unidade (o número 1 e o ponto), da oposição entre os
números pares e ímpares, e da combinação entre as superfícies e os volumes (as figuras
geométricas), de tal modo que essas proporções e combinações aparecem para nossos
órgãos dos sentidos sob a forma de qualidades contrárias: quente-frio, seco-úmido,
áspero-liso, claro-escuro, grande-pequeno, doce-amargo, duro-mole, etc. Para Pitágoras,
o pensamento alcança a realidade em sua estrutura matemática, enquanto nossos
sentidos ou nossa percepção alcançam o modo como a estrutura matemática da Natureza
aparece para nós, isto é, sob a forma de qualidades opostas.
O pensamento chinês toma duas características (masculino e feminino) existentes
em alguns seres (os animais e os humanos) e considera que o Universo inteiro é feito da
oposição entre qualidades atribuídas a dois sexos diferentes, de sorte que o mundo é
organizado pelo princípio da sexualidade animal ou humana.
O pensamento de Pitágoras apanha a Natureza numa generalidade muito mais
ampla do que a sexualidade própria a alguns seres da Natureza, e faz distinção entre as
qualidades sensoriais que nos aparecem e a estrutura invisível da Natureza, que, para
ele, é de tipo matemático e alcançada apenas pelo intelecto, ou inteligência.
Filosofia é um modo de pensar e exprimir os pensamentos que surgiu
especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois,
o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental.
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Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os
princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política,
técnica, arte.
3 O nascimento da Filosofia
Os historiadores da Filosofia dizem que ela possui data e local de nascimento: final
do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor
(particularmente as que formavam uma região denominada Jônia), na cidade de Mileto. E
o primeiro filósofo foi Tales de Mileto.
Além de possuir data e local de nascimento e de possuir seu primeiro autor, a
Filosofia também possui um conteúdo preciso ao nascer: é uma cosmologia. A palavra
cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e
organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional,
discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da
ordem do mundo ou da Natureza, donde, cosmologia.
Apesar da segurança desses dados, existe um problema que, durante séculos,
vem ocupando os historiadores da Filosofia: o de saber se a Filosofia - que é um fato
especificamente grego - nasceu por si mesma ou dependeu de contribuições da
sabedoria oriental (egípcios, assírios, persas, caldeus, babilônios) e da sabedoria de
civilizações que antecederam à grega, na região que, antes de ser a Grécia ou a Hélade,
abrigara as civilizações de Creta, Minos, Tirento e Micenas.
Durante muito tempo, considerou-se que a Filosofia nascera por transformações
que os gregos operaram na sabedoria oriental (egípcia, persa, Caldeia e babilônica).
Assim, filósofos como Platão e Aristóteles afirmavam a origem oriental da Filosofia. Os
gregos, diziam eles, povo comerciante e navegante, descobriram, através das viagens, a
agrimensura dos egípcios (usada para medir as terras, após as cheias do Nilo), a
astrologia dos caldeus e dos babilônios (usada para prever grandes guerras, subida e
queda de reis, catástrofes como peste, fome, furacões), as genealogias dos persas
(usadas para dar continuidade às linhagens e dinastias dos governantes), os mistérios
religiosos orientais referentes aos rituais de purificação da alma (para livrá-la da
reencarnação contínua e garantir-lhe o descanso eterno), etc. A Filosofia teria nascido
pelas transformações que os gregos impuseram a esses conhecimentos.
Os judeus, para valorizar seu pensamento, desejavam que a Filosofia tivesse uma
origem oriental, dizendo que o pensamento de filósofos importantes, como Platão, tinha
surgido no Egito, onde se originara o pensamento de Moisés, de modo que havia uma
ligação entre a Filosofia grega e a Bíblia.
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Os Padres da Igreja, por sua vez, queriam mostrar que os ensinamentos de Jesus
eram elevados e perfeitos, não eram superstição, nem primitivos e incultos, e por isso
mostravam que os filósofos gregos estavam filiados a correntes de pensamento místico e
oriental e, dessa maneira, estariam próximos do cristianismo, que é uma religião oriental.
No entanto, nem todos aceitaram a tese chamada “orientalista”, e muitos,
sobretudo no século XIX da nossa era, passaram a falar na Filosofia como sendo o
“milagre grego”.
Desde o final do século XIX da nossa era e durante o século XX, estudos
históricos, arqueológicos, linguísticos, literários e artísticos corrigiram os exageros das
duas teses, isto é, tanto a redução da Filosofia à sua origem oriental, quanto o “milagre
grego”.
4 Mito e Filosofia
Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa (origem dos astros, da
Terra, dos homens, das plantas, dos animais, do fogo, da água, dos ventos, do bem e do
mal, da saúde e da doença, da morte, dos instrumentos de trabalho, das raças, das
guerras, do poder, etc.).
A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo
(contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar,
anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso pronunciado ou
proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam
naquele que narra; é uma narrativa feita em público, baseada, portanto, na autoridade e
confiabilidade da pessoa do narrador. E essa autoridade vem do fato de que ele ou
testemunhou diretamente o que está narrando ou recebeu a narrativa de quem
testemunhou os acontecimentos narrados.
De três maneiras principais o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele
existe:
1. Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres, isto é, tudo o que existe
decorre de relações sexuais entre forças divinas pessoais. Essas relações geram os
demais deuses: os titãs (seres semi-humanos e semidivinos), os heróis (filhos de um deus
com uma humana ou de uma deusa com um humano), os humanos, os metais, as
plantas, os animais, as qualidades, como quente-frio, seco-úmido, claro-escuro, bom-
mau, justo-injusto, belo-feio, certo-errado, etc. A narração da origem é, assim, uma
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genealogia, isto é, narrativa da geração dos seres, das coisas, das qualidades, por outros
seres, que são seus pais ou antepassados.
Tomemos um exemplo da narrativa mítica. Observando que as pessoas
apaixonadas estão sempre cheias de ansiedade e de plenitude, inventam mil expedientes
para estar com a pessoa amada ou para seduzi-la e também serem amadas, o mito narra
a origem do amor, isto é, o nascimento do deus Eros (que conhecemos mais com o nome
de Cupido):
Houve uma grande festa entre os deuses. Todos foram convidados, menos a
deusa Penúria, sempre miserável e faminta. Quando a festa acabou, Penúria veio, comeu
os restos e dormiu com o deus Poros (o astuto engenhoso). Dessa relação sexual,
nasceu Eros (ou Cupido), que, como sua mãe, está sempre faminto, sedento e miserável,
mas, como seu pai, tem mil astúcias para se satisfazer e se fazer amado. Por isso,
quando Eros fere alguém com sua flecha, esse alguém se apaixona e logo se sente
faminto e sedento de amor, inventa astúcias para ser amado e satisfeito, ficando ora
maltrapilho e semimorto, ora rico e cheio de vida.
2. Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir
alguma coisa no mundo. Nesse caso, o mito narra ou uma guerra entre as forças divinas,
ou uma aliança entre elas para provocar alguma coisa no mundo dos homens. Os deuses
do olimpo.
3. Encontrando as recompensas ou castigos que os deuses dão a quem os
desobedece ou a quem os obedece.
O mito narra, por exemplo, o uso do fogo pelos homens. Para os homens, o fogo é
essencial, pois com ele se diferenciam dos animais, porque tanto passam a cozinhar os
alimentos, a iluminar caminhos na noite, a se aquecer no inverno quanto podem fabricar
instrumentos de metal para o trabalho e para a guerra.
Um titã, Prometeu, mais amigo dos homens do que dos deuses, roubou uma
centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado
(amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu
fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens?
Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma
caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi
enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu
a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte.
Explica-se, assim, a origem dos males no mundo.
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Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? Podemos apontar três como as mais
importantes:
1. O mito pretendia narrar como as coisas eram ou tinham sido no passado
imemorial, longínquo e fabuloso, voltando-se para o que era antes que tudo existisse tal
como existe no presente. A Filosofia, ao contrário, se preocupa em explicar como e por
que, no passado, no presente e no futuro (isto é, na totalidade do tempo), as coisas são
como são;
2. O mito narrava a origem através de genealogias e rivalidades ou alianças entre
forças divinas sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica
a produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.
O mito falava em Urano, Ponto e Gaia; a Filosofia fala em céu, mar e terra. O mito
narra a origem dos seres celestes (os astros), terrestres (plantas, animais, homens) e
marinhos pelos casamentos de Gaia com Urano e Ponto. A Filosofia explica o surgimento
desses seres por composição, combinação e separação dos quatro elementos - úmido,
seco, quente e frio, ou água, terra, fogo e ar.
3. O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o incompreensível,
não só porque esses eram traços próprios da narrativa mítica, como também porque a
confiança e a crença no mito vinham da autoridade religiosa do narrador. A Filosofia, ao
contrário, não admite contradições, fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a
explicação seja coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não
vem da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres humanos.
5 Atitude natural e atitude reflexiva
Embora a capacidade de refletir seja inerente a todos os homens, nem sempre a
estamos a exercitar. Por hábito uns fazem-no mais do que outros.Viver e refletir não são
necessariamente sinônimos.
Designa-se por atitude natural, a nossa atitude mais comum que temos perante as
coisas, em que nos limitamos a aceitar passivamente aquilo que nos é dado através dos
sentidos. Nesse sentido a atitude natural é também designada por Senso Comum, o
primeiro nível de conhecimento.
O pensamento reflexivo surge, quando o homem toma uma atitude
problematizadora da realidade; Aquilo que era natural surge de repente como algo
estranho, carecendo de ser compreendido e explicitado. Refletir implica um
distanciamento das coisas, para podê-las voltar a olhar de outra forma. Designa-se esta
última atitude por reflexiva.
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Todos os homens são filósofos. Mesmo quando não têm consciência de terem
problemas filosóficos, têm, em todo o caso, preconceitos filosóficos. A maior parte destes
preconceitos são as teorias que aceitam como evidentes: receberam-nas do seu meio
intelectual ou por via da tradição.
Dado que só tomamos consciência de algumas dessas teorias, elas constituem
preconceitos no sentido de que são defendidas sem qualquer verificação crítica, ainda
que sejam de extrema importância para a ação prática e para a vida do homem.
Uma justificação para a existência da filosofia profissional ou acadêmica é a
necessidade de analisar e de testar criticamente estas teorias muito divulgadas e
influentes.
Tais teorias constituem o ponto de partida de toda a ciência e de toda a filosofia.
São pontos de partida precários. Toda a filosofia deve partir das opiniões incertas e
muitas vezes perniciosas do senso comum acrítico. O objetivo é um senso comum
esclarecido e critico a prossecução de uma perspectiva mais próxima da verdade e uma
influência menos funesta na vida do homem.
A atitude filosófica não é uma atitude natural. Qualquer indivíduo de forma
imediata face à realidade não começa a examiná-la de forma especulativa. Pelo contrário,
o que é natural é que se centre na resolução problemas práticos, que se guie pelo senso
comum, tendo em vista resolver certas necessidades imediatas ou interesses concretos
(atitude natural). Ninguém pode viver sem se adaptar constantemente às condições do
seu mundo. Estas exigências de sobrevivência tendem, naturalmente a sobrepor-se a
todas as outras preocupações.
Embora o homem seja inseparável das suas circunstâncias, não pode todavia ser
reduzido a uma mero produto das mesmas. Ele está permanentemente a ser confrontado
com novos problemas que o colocam perante novas situações imprevisíveis, e que o
obrigam a alargar os seus horizontes de compreensão da realidade. Cada mudança pode
representar, assim, uma nova possibilidade para ampliar o conhecimento. Trata-se de
uma possibilidade, não algo que necessariamente tenha que acontecer a todos os
homens nas mesmas circunstâncias e em todas as ocasiões.
Estas mudanças frequentemente inquietam-nos ou maravilham-nos, despertando a
nossa curiosidade sobre o porquê das coisas, levando-nos a questionar o que nos rodeia.
Ao fazê-lo estamos a distanciarmo-nos da realidade, que de repente se tornou estranha
ou mesmo enigmática. Esta atitude reflexiva, pode-nos conduzir a uma atitude mais
radical, a atitude filosófica.
A atitude filosófica se decorre do quotidiano, não é todavia ao mesmo redutível.
Não é fácil caracterizá-la, dada a enorme diversidade de aspectos que pode assumir.
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Vejamos apenas quatro aspectos que caracterizam a atitude filosófica:
O espanto. Aristóteles afirmava que a filosofia tinha a sua origem no espanto, na
estranheza e perplexidade que os homens sentem diante dos enigmas do universo e da
vida. É o espanto que os leva a formularem perguntas e os conduz à procura das
respectivas soluções.
A duvida. Ao filósofo exige-se que duvide de tudo aquilo é assumido como uma
verdade adquirida. Ao duvidar este se distancia das coisas, quebrando desta forma a sua
relação de familiaridade com as coisas. O que era natural torna-se problemático. O que
então emerge é uma dimensão inquietante de insatisfação e problematização. A reflexão
começa exatamente a partir do exame daquilo que se pensa ser verdadeiro. Se nunca
duvidarmos de nada nunca saberemos o fundamento daquilo em que acreditamos,
mas também jamais pensaremos pela nossa cabeça.
O rigor. O questionamento radical que anima o verdadeiro filósofo, não é mais do
que um ato preparatório para fundar um novo saber sobre bases mais sólidas. A crítica
filosófica é por isso radical, não admite compromissos com as ambiguidades, as ideias
contraditórias, os termos imprecisos.
A insatisfação. A filosofia revela-se uma desilusão para quem quiser encontrar
nela respostas para as suas inquietações. O que o aprendiz de filósofo encontra na
filosofia são perguntas, problemas e incitamentos para que não confie em nenhuma
autoridade exterior à sua razão, para que duvide das aparências e do senso comum. A
única "receita" que os filósofos lhe dão é que faça da procura do saber um modo de vida.
Não se satisfaça com nenhuma conclusão, queira saber sempre mais e mais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. São Paulo: Palas Atenas, 2003.
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
ELIADE, Mircea, Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
CHAUI, Marilena. Introdução à história da filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000
Algumas Disciplinas Filosóficas
Lógica Termo de origem grega que significa ciência do raciocínio. A lógica é entendida como o
estudo dos métodos e princípios usados para distinguir um raciocínio correto de um
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raciocínio incorreto. A lógica pode ser dividida em Lógica Formal e Lógica Material. A
primeira estuda as leis que devem regular as diferentes formas do pensamento
(conceitos, juízos, raciocínios...). A segunda, estuda o acordo do pensamento com a
realidade, sendo o seu objeto de estudo, os métodos seguidos pelas diversas ciências.
AntropologiaCiência que tem como objeto o estudo sobre o homem e a humanidade de maneira
totalizante, ou seja, abrangendo todas as suas dimensões.
Teoria do
Conhecimento
(Epistemologia)
Disciplina da filosofia que trata da origem, constituição e limites do conhecimento em
geral. Num sentido mais atual e restritivo, doutrina dos fundamentos e métodos do
conhecimento científico.
Filosofia da
Linguagem
Ramo da filosofia que estuda a essência e natureza dos fenômenos linguísticos. Ela
trata, de um ponto de vista filosófico, da natureza do significado linguístico, da
referência, do uso da linguagem, do aprendizado da linguagem, da criatividade dos
falantes, da compreensão da linguagem, da interpretação, da tradução, de aspectos
linguísticos do pensamento e da experiência. investiga a relação entre o significado e a
verdade
Ética
Reflexão sobre os fundamentos da moral. O que caracteriza a ética é a sua dimensão
pessoal, isto é, o esforço do homem para fundamentar e legitimar a sua conduta. A
ética é atualmente dividida em três partes fundamentais: a)Ética Descritiva- Descreve
os fenômenos morais; b) Ética Normativa -procura a justificação racional da moral; c)
Metaética- reflete sobre os métodos e a linguagem utilizada pela própria Ética.
Filosofia Política
Campo da investigação filosófica que se ocupa da política e das relações humanas
consideradas em seu sentido coletivo.
Na Antiguidade grega e romana (principalmente na primeira), discutia-se os limites e as
possibilidades de uma sociedade justa e ideal (Platão, com sua obra A república).
Estética
Termo de origem grega que significa sensibilidade. Disciplina da filosofia que estuda as
formas de manifestação da beleza natural ou artística (criadas pelo homem).
Ontologia
Sinônimo de Metafísica Geral. Trata das questões relativas ao ser enquanto Ser
(Ontos). Ocupa-se do Ser em geral e das suas propriedades.
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