introdução à economia troster e monchón cap 21

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~ MAKRON Books CAPíTULO ~TI o PLANO REAL o Real foi o plano que obteve o melhor resultado nas últimas duas décadas. Foi uma combinação de política de renda "heterodoxa" com políticas fiscal, monetária e cam- bial adequadas que conseguiu estabilizar os preços e criar as condições para um desen- volvimento econômico sustentado. 21.1 ANTECEDENTES r--- A estabilização de preços fOI percebida pelos brasileiros como o objetivo de política ) econômica mais importante nas últimas décadas. Desde o início deste século, o B·rasil conviveu com diferentes patamares de inflação; contudo, a partir dos anos 70, obser- vamos níveis mais altos e volatilidade crescente. A possibilidade de o país entrar em uma hiperinflação aumentava cada vez que novos índices de inflação superavam picos anteriores. Dessa forma, os horizontes econômicos da sociedade se eI)çolheram. li O fim da inflação foi visto como um pré-requisito para a retoma a do desen- volvimento. Muitas tentativas de estabilização ocorreram antes de 1994, com diferenças em diagnósticos, combinações de instrumentos de política econômica e tratamentos mais gradualistas ou de choque. Todavia, nenhuma foi tão bem-sucedida como o Plano Real. 363

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~MAKRON

Books CAPíTULO ~TI

o PLANO REAL

o Real foi o plano que obteve o melhor resultado nas últimas duas décadas. Foi umacombinação de política de renda "heterodoxa" com políticas fiscal, monetária e cam-bial adequadas que conseguiu estabilizar os preços e criar as condições para um desen-volvimento econômico sustentado.

21.1 ANTECEDENTESr---A estabilização de preços fOI percebida pelos brasileiros como o objetivo de política

) econômica mais importante nas últimas décadas. Desde o início deste século, o B·rasilconviveu com diferentes patamares de inflação; contudo, a partir dos anos 70, obser-vamos níveis mais altos e volatilidade crescente. A possibilidade de o país entrar emuma hiperinflação aumentava cada vez que novos índices de inflação superavam picosanteriores. Dessa forma, os horizontes econômicos da sociedade se eI)çolheram. li

O fim da inflação foi visto como um pré-requisito para a retoma a do desen-volvimento. Muitas tentativas de estabilização ocorreram antes de 1994, com diferençasem diagnósticos, combinações de instrumentos de política econômica e tratamentosmais gradualistas ou de choque. Todavia, nenhuma foi tão bem-sucedida como o PlanoReal.

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364 Introdução à Economia Capo 21

21.1.1 A NECESSIDADE DE ESTABILIZAÇÃO

A inflação provoca fortes distorções na atividade econômica, as quais emperram o c~cimento da economia. O distúrbio mais importante é que os preços variam de forma im-previsível, dificultando qualquer planejamento. Também temos transferênciasinesperadas de renda de uns agentes para outros em razão de mudanças de re os hori-zontes econômicos mu· e oucos incentivos ao investimento. O reflexo da in-flação na economia brasileira pode ser visto abaixo:

Brasil: Variação do PIB e Deflator Implícito

ANO 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998PIE ~ % - 0,1 3,2 -4,3 1,0 - 0,5 4,9 5,9 4,2 2,8 3,0 1,5

Deflator % 628 1304 2737 416 969 1996 2240 77 17 8 IFonte: IBGE.

As taxas de crescimento do PIB variam muito e são pouco expressivas. A esta-bilização a partir de 1994 possibilitou um desenvolvimento maior ao país. Entretanto, éimportante destacar que, em outros países, as taxas de evolução do PIB foram superio-res às brasileiras logo após a estabilização.

21.1.2 OS PLANOS ANTERIORES;....-Houve várias tentativas de estabilização a _ a<D 1 . Além dos tratamentosgradualistas, tivemos alguns planos de choque em que importantes mudanças econômi-cas eram impostas quase que instantaneamente.u) primeiro e mais conhecido dessesplanos foi o Cruzado, em fevereiro de 1986. Na época, o ministro da Fazenda era o Sr.Dilson Funaro, e o do Planejamento, o Dr. João Sayad. Ambos elaboraram o plano que

/incluía o congelamento de preços e salários e a mudança da moeda para o cruzado. 1 /

- ----- - -Apesar do sucesso inicial conseguido com o congelamento de preços, o Plano

Cruzado falhou em razão de uma combinação de políticas não-apropriadas. Não houveum controle fiscal, a política monetária foi muito fraca, o cruzado valorizou-se muito eas regras para preços e salários eram muito irrealistas. Observaram-se sérios problemas

Capo 21 O Plano Real 365

de abastecimento no fim de 1986. Em 1987, o país teve de declarar a moratória, a infla-ção subiu rapidamente e a economia entrou em recessão.

Planos Econômicos no Brasil a partir de 1986

PLANO ANO

1986

1987

1989

1990

1991

Cruzado

Bresser

Verão

Collor

Collor 11

Real 1994

~ano Cruzado, o Brasil teve outros planos, todos com~esultadosmuito limitados. A falha de todos os planos posteriores se deu pela mesma razão: umacombinação de políticas inadequadas. O su~e um plano depende das políticas fis-cal, monetária, cambial e de rendas apropnadas. Nesse sentido, a formulação do PlanoReal evitou todas as causas dos fracassos/anteriores. /

21.2 AS FASES DO PLANO

Três economistas são considerados como os arquitetos mais importantes do plano: An-dré Lara Resende, Edmar Bacha e Pérsio Arida. Os três conceberam o Plano Real emtrês fases: a fase anterior à URV; a fase da URV; e a fase do real. Já no início da tercei-ra fase, os três deixaram o governo.

21.2.1 A FASE ANTERIOR À URV

A fase anterior à URV iniciou-se em maio de 1993, quando Fernando Henrique Cardosoassumiu o Ministério da Fazenda durante o governo do presidente Itamar Franco. Essaprimeira fase tinha o objetivo de criar condições institucionais para uma política fiscal emonetária mais efetiva na fase do real. A equipe promoveu duas mudanças importantes.A primeira ocorreu em setembro de 1993, e foi a que ficou conhecida como a Abertura

366 Introdução à Economia Capo21

da Caixa Preta, e a segunda mudança foi a aprovação pelo Congresso Nacional do FSE- Fundo Social de Emergência.

A medida institucional que ficou conhecida como Abertura da Caixa Pretapropiciou um melhor controle da política monetária. O Banco Central havia assumidoao longo do tempo a obrigação de empréstimos externos não-liquidados e, como com-pensação por esse passivo, recebeu títulos do Tesouro Nacional. Dessa forma, parte dopassivo do Banco Central (obrigações da dívida externa) escapavam ao seu controle, di-ficultando o gerenciamento da oferta de moeda.

A Abertura da Caixa Preta consistiu em: a) passar quase todas as obrigaçõesexternas do Banco Central ao Tesouro (com os títulos correspondentes) e b) dar umatransparência maior às contas do Banco Central. Como conseqüência dessa operação, ti-vemos: a) um controle efetivo maior da base monetária e b) a possibilidade de um moni-toramento maior da atuação do Bacen.

Logo após a segunda medida, a aprovação do Fundo Social de Emergência, emfevereiro de 1994, passou-se para a fase da URY. Como a Constituição de 1988 havia ti-rado muita flexibilidade da política fiscal ao vincular quase a totalidade das receitas adespesas específicas, o objetivo do Fundo Social de Emergência foi justamente desvin-cular parte das receitas e possibilitar a geração de um superávit fiscal primário.

21.2.2 A FASE DA URV

A fase da URV - Unidade Referencial de Valor durou quatro meses. Iniciou-se em 1Q demarço de 1994 e terminou em 30 de junho do mesmo ano. Nessa fase, todos os preçosem cruzeiros reais foram atrelados à URV, que variava diariamente. O objetivo era fazercom que quase todos os preços variassem sincronizadamente.

Após quatro meses, quase todos os preços e contratos estavam atrelados àURY. A terceira fase iniciou-se com a transformação de todos os valores em cruzeirosreais em reais. Como quase todos os preços estavam atrelados à URV, a mudança para oreal no mesmo instante para todos os agentes implicou que os preços relativos permane-cessem os mesmos e, dessa forma, não houvesse uma pressão inflacionária na novamoeda, o real.

Capo 21 O Plano Real 367

21.2.3 A FASE DO REAL

A fase do real iniciou-se em 1º de julho de 1994. A partir desse momento, o real tor-nou-se a moeda nacional. O Brasil teve, nos anos seguintes, índices de inflação muitobaixos, consistentes com um crescimento econômico expressivo. O país voltou a cres-cer, porém a taxas menores que as de outros países em condições semelhantes.

A fase do real foi marcada por muitos fatos: uma euforia de consumo logo noinício, uma crise de inadimplência em 1995 e alguns choques externos ao longo do tem-po. Os choques foram importantes na medida em que condicionaram o Policy Mix(combinação de instrumentos de política) no decorrer dos anos.

CHOQUE ANO

199419971998

Choques Externos a partir de 1994

Crise mexicana

Crise asiática

Crise russa

21.3 O POLlCY MIX

O Policy Mix do Plano Real, em um primeiro momento, consistiu em uma política derendas heterodoxa, que foi a utilização da URV para todos os preços e contratos; umapolítica fiscal apertada; uma política monetária de juros altos e a utilização do câmbioflexível.

Política fiscal Apertada com um superávit fiscal em 1994

Câmbio flexível com uma valorização do real em 1994

Policy Mix Inicial do Plano Real

Política cambial

Política monetária Juros reais altos

Política de rendas Heterodoxa com a criação da URV I

368 Introdução à Economia Capo 21

21.3.1 A POLíTICA FISCAL

Apesar do crescimento do PIB e da carga tributária, o déficit público aumentou ao lon-go do plano. O resultado primário (as receitas menos as despesas sem os juros e a varia-ção monetária), que era superavitário em 5% do PIB em 1994, caiu para um valorinferior a 1% nos anos seguintes. Todavia, a combinação de juros elevados e o aumentoda dívida pública tiveram como conseqüência resultados fiscais consolidados crescentes.

Indicadores Selecionados da Política Fiscal 1994-1998

Indicador/ano 1994 1995 1996 1997 1998

Déficit primário - 5,29 -0,36 0,09 0,96 0,01

Dívida governo % PIB 29,2 30,5 31,4 34,4 43

Estatais privatizadas 9 8 11 4 7

Fonte: Folha de São Paulo.

O governo também privatizou várias empresas estatais. O grande destaque foia privatização da Companhia Vale do Rio Doce, a maior produtora de ferro do mundo.A privatização das empresas telefônicas permitiu um acesso maior aos serviços de tele-fonia. Em 1994, o Brasil possuía cerca de 14 milhões de telefones e, quatro anos depois,em 1998, esse número quase dobrou.

Em novembro de 1997, em razão da crise asiática, o governo anunciou umajuste de 25% do PIB.

Em 1998, por causa da crise russa, o Brasil firmou um acordo com o FMI -Fundo Monetário Internacional- onde obteve o acesso a 41,5 bilhões de dólares de fi-nanciamento externo para enfrentar o ataque especulativo externo. No acordo, o Brasilse compromete a gerar superávits primários e a estabilizar a dívida pública em 44% doPIB.

Capo 21 O Plano Real 369

21.3.2 A POLíTICA CAMBIAL

A política cambial do real apresentou dois momentos muito diferentes. Em uma pri-meira etapa, de julho de 1994 até março de 1995, o câmbio flutuou. Nesse período, oreal se valorizou em relação ao dólar. A segunda etapa começou em março de 1995,quando o real começou a ser desvalorizado a uma taxa quase constante de 7% ao ano.

O resultado da política cambial é ambíguo. Por um lado, foi fundamental naestabilização dos preços e desindexação da economia e, por outro, provocou um dese-quilíbrio externo expressivo. As importações cresceram mais rapidamente que as expor-tações. O país, que tinha um superávit comercial de 10 bilhões de dólares em 1994,terminou com um déficit de 4 bilhões de dólares em 1998.

Indicadores Selecionados da Política Fiscal 1994-1998

Indicador (US$ billhões) 1994 1995 1996 1997 1998

Juros da dívida externa 8,1 10,6 12,8 14,4 16,1

Investimentos estrangeiros 2,1 5,5 10,5 18,7 23,0

Reservas 25,2 24,2 41,2 59,0 38,4

Fonte: FGV.

21.3.3 A POLíTICA MONETÁRIA

O plano promoveu uma mudança na política monetária, melhorando suas característicasde exogeneidade, independência e transparência. A condução da política monetária es-tava voltada, até 30 de junho de 1994, para a fixação de metas de taxas de juros queeram determinados diretamente pela mesa do Bacen, baseada nas taxas de inflação. Porsua vez, os agregados monetários eram determinados indiretamente.

A boa prática de política monetária impõe a atuação com agregados, uma vezque a relação entre os objetivos de política econômica (emprego, inflação etc.) e a polí-tica monetária ocorre por meio dos agregados. Consistente com essa proposição, a equi-pe econômica se comprometeu a operar com metas de agregados. Em um primeiromomento, o Banco Central fixou apenas metas para a base monetária e, depois, paratodos os agregados. O Banco Central divulga trimestralmente a sua programação mone-tária desde 1994.

370 Introdução à Economia Capo 21

Apesar das mudanças importantes, a atuação da política monetária ficou muitolimitada em razão do desempenho fiscal fraco e da política cambial. A necessidade definanciar os déficits interno e externo obrigou o Banco Central a praticar taxas de jurosreais elevadas.

21.3.4 A POLíTICA DE RENDAS

A política de rendas do Plano Real foi muito criativa e eficiente. Em um primeiro mo-mento, conseguiu indexar todos os preços e contratos à URV e, depois, com a passagempara o real, uma desindexação quase total. A partir de julho de 1994, ficou proibido ouso de indexadores nos contratos. A valorização do dólar no segundo semestre de 1994fez com que a indexação informal à moeda americana perdesse força. A indexação, quesempre foi um fator importante para a retomada da inflação, deixou de existir no PlanoReal.

21.4 RESULTADOS

o Plano Real apresenta resultados ambíguos. Por um lado, foi um grande sucesso emestabilizar preços e desindexar a economia. Por outro, o desempenho fiscal e externo foifraco e o país cresceu pouco. Enquanto a Argentina cresceu 32% nos quatro primeirosanos após a estabilização, o PIE do Brasil aumentou apenas em 16%.

o consumo interno aumentou e houve uma transferência de renda para as ca-madas mais pobres. Contudo, o país se tomou mais dependente do resto do mundo. Apoupança externa, que correspondia a 0,92 do PIE em 1994, superou os 5% em 1998.Dessa forma, o país se tomou mais vulnerável aos fluxos de investimentos externos, atal ponto que o acordo com o FMI em novembro de 1998 exigiu uma correção dos dese-quílíbrios internos.

Em todo caso, o Plano Real já promoveu uma transformação estrutural irrever-sível na economia brasileira. Os horizontes de investimentos se ampliaram, houveganhos de eficiência em todos os setores e a economia se abriu mais ao resto do mundo,dando ao Brasil todas as condições para retomar um desenvolvimento sustentado na vi-rada do milênio.

Cap.21 o Plano Real 371

Resumo

• O fim da inflação foi visto como um pré-requisito para a retomada do desenvolvi-mento. Muitas tentativas de estabilizaçãoocorreram, com diferenças em diagnósti-cos, combinações de instrumentos de po-lítica e tratamentos mais gradualistas oude choque. Todavia, nenhuma foi tãobem-sucedida como o Plano Real em1994.

• Três economistas são considerados comoos arquitetos mais importantes do plano:André Lara Resende, Edmar Bacha e Pér-sio Arida. Os três conceberam o PlanoReal em três fases: a fase anterior à URV,a fase da URV e a fase do real.

• A fase anterior à URV iniciou-se emmaio de 1993, quando Fernando Henri-que Cardoso assumiu o Ministério daFazenda durante o governo do presidenteItamar Franco. Essa primeira fase tinha oobjetivo de criar condições institucionaispara uma política fiscal e monetária maisefetiva na fase do real.

• A fase da URV - Unidade Referencial deValor durou quatro meses. Iniciou-se em10 de março de 1994 e terminou em 30 dejunho do mesmo ano. Nessa fase todos ospreços em cruzeiros reais foram atrelados

à URV, que variava diariamente. O obje-tivo era fazer com que quase todos ospreços variassem sincronizadamente.

• A fase do real iniciou-se em 1Q de julhode 1994. A partir desse momento, o realtornou-se a moeda nacional. O Brasilteve, nos anos seguintes, índices de infla-ção muito baixos, consistentes com umcrescimento econômico expressivo. Opaís voltou a crescer, porém a taxas me-nores que a dos outros países em condi-ções semelhantes.

• A fase do real foi marcada por muitos fa-tos: uma euforia de consumo logo no iní-cio, uma crise de inadimplência em 1995e alguns choques externos ao longo dotempo. Os choques foram importantes namedida em que condicionaram o PolicyMix (combinação de instrumentos de po-lítica) no decorrer dos anos.

• O Plano Real promoveu uma transfor-mação estrutural irreversível na economiabrasileira. Os horizontes de investimentosse ampliaram, houve ganhos de eficiênciaem todos os setores e a economia se abriumais ao resto do mundo. O Brasilapresenta todas as condições para reto-mar um desenvolvimento sustentado navirada do milênio.

372 Introdução à Economia Capo 21

- Plano Cruzado.

- Combinação de políticas.

- Policy Mix.

- Fase anterior à URV

Fase da URV

- Fase do real.

- Choques externos.

- Acordo com o FMI.

- Política de rendas.

- Política fiscal.

- Política monetária.

- Política cambial.

Conceitos básicos

Questões

1. Porque a estabilização de preços era uma 6. O que foi o Fundo Social de Emergência?prioridade na política econômica? 7. O que foi a URV - Unidade Referencial

2. Quais os planos econômicos anteriores de Valor?ao Plano Real? 8. Como avaliar o resultado da política de

3. Quais as três fases do Plano Real? rendas do Plano Real?

4. Quais os três economistas formuladores 9. Quais foram os choques externos dodo Plano Real? país após 1994?

5. O que foi a Abertura da Caixa Preta em 10. O Brasil tem condições de retomar o1993? desenvolvimento na virada do milênio?

330 Introdução à Economia Cap.18

OS PAIS DA ECONOMIAThomas Robert Malthus (1766-1834)

T. R. Malthus foi pastor protestante, escritor e professor deHistória e Economia Política. Estudou matemática em Cam-bridge. Em 1798, surge seu ensaio sobre o Princípio da Popula-ção, que lhe deu perdurável fama. Em 1820, publicou osPrincípios de Economia Política. Foi o adversário intelectual deDavid Ricardo, apesar de existir uma grande amizade entreeles.

Em sua obra, Malthus revela-se contra a visão oti-mista sobre o futuro da humanidade que seus con-temporâneos tinham. Os vícios e as misérias queaçoitam a humanidade não devem ser atribuídos àsinstituições sociais, e sim à fecundidade da raça hu-mana. A população, quando não é controlada,aumenta geometricamente; as disponibilidades ali-mentícias só crescem, quando muito, aritmeticamen-te. Em conseqüência, o número de habitantesultrapassaria, cedo ou tarde, a quantidade de alimen-tos necessária para mantê-los. Segundo T. R.Malthus, as guerras, as epidemias e as pragas foramnecessárias para regular a população: "A fome pare-ce ser o último e mais terrível recurso da natureza".Porém, isso não é tudo. Além da perspectiva sombriacriada pela teoria da população, Malthus concebeuuma idéia econômica que deu origem a outro motivode inquietação. Malthus vivia preocupado com apossibilidade da chamada "insuficiência de deman-da", isto é, uma inundação de mercadorias sem com-pradores.

Malthus, para defender seus argumentos, diziaque existiam duas categorias de produtos, essenciaise não-essenciais. Com os bens essenciais, isto é, os

alimentos, nunca haveria problemas de saturação,pois uma maior disponibilidade dos mesmos auto-maticamente criaria sua própria demanda, na formade aumento da população. No caso dos bens não-es-senciais, o problema era diferente, pois o equilíbriodos mercados desse tipo de bens dependeria dosgostos de quem goza de renda suficientemente altapara adquiri-los, basicamente proprietários de terrase capitalistas.

Para remediar tais problemas Malthus susten-tou que o mais prudente era estimular os gastospor parte dos ricos e do Estado. Malthus mostrouque uma estratégia adequada consistiria em cons-truir estradas e outras obras públicas; proprietá-rios de terras poderiam contratar pessoas paraconstruir, melhorar e embelezar suas proprie-dades. Por isso argumentou que, para remediar apossibilidade de uma superprodução, uma soluçãoseria manter as receitas dos proprietários deterras, pois estes desempenhavam a função social-mente destacável de gastar suas rendas em con-sumo supérfluo e, ao fazê-lo, contribuíam paramanter o nível de demanda agregada.

Capo 19 Desenvolvimento e subdesenvolvimento 349

NOTA SOBRE O PENSAMENTO ECONÔMICOOS estruturalistas

exportações, as quais se caracterizam porapresentar flutuações muito fortes e uma es-cassa diversificação. Disso deriva-se umagrande instabilidade no crescimento econô-mico, de forma que, quando se geramcontrações no setor externo, as tensões infla-cionárias aparecem como um intento demanter a atividade econômica ou, pelomenos, de amortizar sua queda. Com efeito,essas tentativas podem-se traduzir como ex-pansão do crédito para compensar a quedadas receitas derivadas da exportação. Aomanter o nível da demanda por via monetá-ria, as possibilidades de realizar exportaçõessustentam-se artificialmente, desequilibran-do ainda mais o setor externo e aumentandoo endividamento externo.

Esse processo incide sobre a dificuldadede limitar-se a aplicar uma política restritivaou austera e parece sugerir que não bastacompensar os efeitos da contração, mas épreciso preveni-los, mediante transfor-mações estruturais da economia que rebai-xem o limite do desenvolvimento impostopela dependência das exportações e diversi-fiquem o sistema produtivo.

No presente século, caberia destacar o traba-lho desenvolvido na América Latina pordiversos economistas que desenvolveramsua atividade primordial no seio de deter-minados órgãos internacionais. Nesse senti-do cabe destacar R. Prebisch, C. Furtado, O.Sunkel, defensores das idéias estruturalistase da teoria da dependência dos países da pe-riferia em relação ao centro.

De um ponto de vista estruturalista, as-sinala-se que tanto a oferta dos produtosintermediários como a dos bens de capital eprodutos alimentícios são rígidas, pois, ao seaumentar sua demanda com o desenvolvi-mento geral da economia, aumentam-se ospreços. Diante dessa situação, os estru-turalistas inclinam-se para um desenvolvi-mento contínuo, mesmo com uma pequenainflação. Argumenta-se que, com o desen-volvimento, as deficiências estruturaisbásicas seriam corrigidas, o que, a longoprazo, e de forma lenta, permitiria reduzir astensões inflacionárias que caracterizamesses países.

Destaca-se, além disso, que o cresci-mento de países não-industrializados depen-de, fundamentalmente, da evolução das