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Introduo lgebra Abstrata Jaime Evaristo/Eduardo Perdigo

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Introduo lgebra Abstrata Jaime Evaristo/Eduardo Perdigo

Jaime Evaristo Mestre em Matemtica Professor Adjunto Instituto de Computao Universidade Federal de Alagoas Eduardo Perdigo Doutor em Matemtica Professor Aposentado Instituto de Matemtica Universidade Federal de Alagoas

Introduo lgebra Abstrata

Segunda Edio Formato Digital/Verso 07.2011 Macei, julho de 20112

Introduo lgebra Abstrata Jaime Evaristo/Eduardo Perdigo

SumrioPrefcio (da primeira edio)...............................................................................................................5 Prefcio (da atual edio).....................................................................................................................6 1. Conjuntos e Funes.........................................................................................................................7 1.1 Entes primitivos ........................................................................................................................7 1.2 Conjuntos ..................................................................................................................................7 1.3 Igualdade....................................................................................................................................7 1.4 Subconjuntos..............................................................................................................................8 1.5 Uma representao de conjuntos...............................................................................................8 1.6 As expresses se ento e se e somente se......................................................................9 1.7 Igualdade de conjuntos..............................................................................................................9 1.8 Par ordenado e produto cartesiano...........................................................................................10 1.9 Relaes binrias.....................................................................................................................10 1.10 Funes..................................................................................................................................12 1.11 O Conjunto Vazio...................................................................................................................13 1.12 Operaes ..............................................................................................................................14 1.13 Operaes com predicados (operaes lgicas)....................................................................15 1.14 Demonstrao por reduo ao absurdo (prova por contradio)...........................................17 1.15 Operaes com conjuntos......................................................................................................17 1.16 Uma operao com funes...................................................................................................18 1.17 Funes inversveis................................................................................................................19 1.18 Exerccios...............................................................................................................................21 2. Os nmeros naturais.......................................................................................................................24 2.1 Axiomas, teorias axiomticas, objetos construdos axiomaticamente.....................................24 2.2 O conjunto dos nmeros naturais.............................................................................................24 2.3 Operaes no conjunto dos nmeros naturais..........................................................................25 2.4 Equaes no conjunto dos nmeros naturais...........................................................................29 2.5 Uma relao de ordem no conjunto dos nmeros naturais......................................................30 2.6 Conjuntos finitos......................................................................................................................32 2.7 Exerccios.................................................................................................................................33 3. Os nmeros inteiros........................................................................................................................35 3.1 Introduo................................................................................................................................35 3.2 Anis........................................................................................................................................35 3.3 Elementos inversveis..............................................................................................................40 3.4 Igualdade de anis: anis isomorfos .......................................................................................40 3.5 Domnios de integridade..........................................................................................................41 3.6 Anis ordenados.......................................................................................................................42 3.7 Domnios bem ordenados........................................................................................................43 3.8 O conjunto dos nmeros inteiros.............................................................................................44 3.9 Inversibilidade no domnio dos inteiros...................................................................................48 3.10 Sequncias estritamente decrescentes de inteiros .................................................................49 3.11 Os naturais e os inteiros.........................................................................................................50 3.12 Exerccios...............................................................................................................................50 4. Algoritmos......................................................................................................................................54 4.1 Introduo................................................................................................................................54 4.2 Exemplos.................................................................................................................................55 4.3 Exerccios.................................................................................................................................57 5. Representao dos nmeros inteiros: sistemas de numerao........................................................58 5.1 Introduo................................................................................................................................583

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5.2 A relao b divide a..................................................................................................................58 5.3 Diviso euclidiana....................................................................................................................59 5.4 Sistemas de numerao............................................................................................................60 5.5 Somas e produtos de inteiros...................................................................................................62 5.6 Aplicaes computao.........................................................................................................64 5.6.1 Representao de caracteres em computadores...............................................................64 5.6.2 Representao de inteiros em computadores ..................................................................65 5.6.3 Diviso por dois em computadores..................................................................................66 5.6.4 Um algoritmo rpido para potncias................................................................................66 5.6.4 Um algoritmo rpido para potncias................................................................................66 5.7 Exerccios.................................................................................................................................68 6. Teorema Fundamental da Aritmtica: nmeros primos..................................................................70 6.1 Introduo................................................................................................................................70 6.2 Mximo divisor comum...........................................................................................................70 6.3 Inteiros primos entre si............................................................................................................72 6.4 Equaes diofantinas...............................................................................................................73 6.5 Nmeros primos.......................................................................................................................74 6.6 Frmulas geradoras de primos.................................................................................................80 6.7 A Conjectura de Goldbach.......................................................................................................81 6.8 O ltimo Teorema de Fermat..................................................................................................81 6.9 Exerccios.................................................................................................................................82 7. Os inteiros mdulo n......................................................................................................................84 7.1 Introduo................................................................................................................................84 7.2 A relao congruncia mdulo n .............................................................................................84 7.3 Uma aplicao: critrios de divisibilidade...............................................................................87 7.4 Duas mgicas matemticas......................................................................................................87 7.5 Outra aplicao: a prova dos nove...........................................................................................88 7.6 Potncias mdulo n..................................................................................................................89 7.7 Os inteiros mdulo n................................................................................................................90 7.8 Congruncias Lineares.............................................................................................................93 7.9 A funo de Euler.................................................................................................................96 7.10 Uma aplicao: criptografia RSA..........................................................................................98 7.10.1 Introduo......................................................................................................................98 7.10.2 O sistema de criptografia RSA .................................................................................99 7.11 Exerccios.............................................................................................................................102 8. Os nmeros inteiros: construo por definio............................................................................103 9. Os nmeros racionais...................................................................................................................106 9.1 Introduo..............................................................................................................................106 9.2 O corpo de fraes de um domnio de integridade................................................................106 9.3 Os nmeros racionais.............................................................................................................108 9.4 "Nmeros" no racionais.......................................................................................................110 9.5 Diviso euclidiana Parte II.....................................................................................................111 9.6 O algoritmo de Euclides - parte II..........................................................................................112 9.7 Exerccios...............................................................................................................................113 10. Os nmeros reais.........................................................................................................................115 10.1 Introduo............................................................................................................................115 10.2 Sequncia de nmeros racionais..........................................................................................115 10.3 Os nmeros reais..................................................................................................................117 Bibliografia.......................................................................................................................................121 ndice remissivo................................................................................................................................1224

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Prefcio (da primeira edio)Quem atua em processos de ensino/aprendizagem de matemtica, fatalmente, j teve de ouvir a pergunta: por que se estuda Matemtica? Alm do fato dela permitir o exerccio de algumas aes prticas do cidado (como o gerenciamento de suas finanas, por exemplo) e a compreenso de alguns fenmenos relativos sociedade (como a evoluo de uma populao, por exemplo), a Matemtica fornece uma poderosa ferramenta simblica que serve de suporte ao pensamento humano, explicitando intensidades, relaes entre grandezas e relaes lgicas, sendo, por este motivo e por excelncia, a linguagem da Cincia. Alm disto, o ato de estudar Matemtica desenvolve o raciocnio do estudante e isto permite que ele seja capaz de compreender com mais facilidade os conceitos de outros ramos do conhecimento humano e as inter-relaes entre estes conceitos. A lgebra Abstrata, estabelecendo os seus fundamentos, onde a linguagem matemtica definida e onde a compreenso dos conceitos, pelos seus nveis de abstrao, requer o desenvolvimento de raciocnios que ajudaro na aprendizagem de outras cincias. O escopo deste livro servir de livro-texto para uma disciplina inicial de lgebra Abstrata e foi concebido de tal forma que no exige nenhum conhecimento anterior, podendo tambm ser lido por estudantes ou profissionais de outras reas que pretendam ter uma ideia do que Matemtica. Para que o seu contedo seja autossuficiente, o livro contm a construo de todos os conjuntos numricos, com exceo do Conjunto dos Nmeros Complexos. Alm disto, e considerando a sua importncia nas aplicaes, o livro apresenta um estudo detalhado dos nmeros inteiros, discutindo suas propriedades, nmeros primos, fatorao, etc. O livro tambm apresenta uma aplicao muito importante da lgebra abstrata informtica e uma amostra (naturalmente, num exemplo bem simples) de como se pode fazer pesquisa em Matemtica, apresentando definies de conjuntos e de funes que no constam da literatura. Uma parte importante do livro so seus 121 exerccios propostos. Alguns tm o objetivo de fixar a aprendizagem; outros so acrscimos teoria exposta. O estudante deve tentar exaustivamente solucionar todos eles, no procurando ver a soluo que se apresenta ao menor sinal de dificuldade (as solues de todas as questes esto disponveis em www.ccen.ufal.br/jaime). O esforo que se realiza ao se tentar resolver um problema de matemtica, bem sucedido ou no, muito importante para o processo da aprendizagem. Os autores agradecem a Elizamar Batista dos Santos e a Alcineu Bazilio Rodrigues Jnior pela colaborao na digitao do livro e, antecipadamente, a todo leitor, estudante ou professor, que enviar qualquer crtica ou sugesto para [email protected] ou para [email protected]. Os autores tambm agradecem ao Professor Antnio Carlos Marques da Silva que emitiu parecer sobre o material do livro para apreciao do Conselho Editorial da EDUFAL e ao Professor Eraldo Ferraz, Diretor da citada editora pelo empenho em publicar esta obra. Macei, julho de 2002 Jaime Evaristo Eduardo Perdigo

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Prefcio (da atual edio)Esta segunda edio uma reviso bastante acurada do texto original, incluindo correes de erros de digitao e erros de conceitos, destaques de alguns contedos como novas sees, apresentao de novas demonstraes de proposies matemticas e introduo, excluso e reordenao de exerccios propostos, dentre outras modificaes. Alm de contar com as percepes de erros e sugestes dos meus alunos que utilizaram a primeira edio no perodo compreendido entre de 2002 e 2008, esta edio teve importante participao dos alunos do curso de Cincia da Computao da Universidade Federal de Alagoas Ailton Felix de Lima Filho, Bruno Normande Lins, Emanuella Toledo Lopes, Erique Cavalcante Medeiros da Hora, Fernando Henrique Tavares Lima da Silva, Jnathas Magalhes Nunes, Kaio Cezar da Silva Oliveira, Michael Denison Lemos Martins, Michel Alves dos Santos, Wylken dos Santos Machado, Yuri Soares Brando Vanderlei, Clenisson Calaa Cavalcante Gomes, Dielson Sales de Carvalho, Erick Diego Odilon de Lima, Everton Hercilio do Nascimento Santos, Fernanda Silva Bezerra de Albuquerque, Rafael Fernandes Pugliese de Moraes, Rafael Henrique Santos Rocha, Daniel Duarte Baracho, Diogo Felipe da Costa Carvalho, Gilton Jos Ferreira da Silva, Joao Pedro Brazil Silva, Kalline Nascimento da Nbrega, Revanes Rocha Lins, Rodrigo Rozendo Bastos, Samuel das Chagas Macena, Sergio Rafael Tenrio da Silva, Thiago Luiz Cavalcante Peixoto, Rafaele Sthefane Barbosa Oliveira, Lucas Lins de Lima, Fernando dos Santos Costa, Francisco Victor dos Santos Correia, Luciano de Melo Silva, Gustavo de Oliveira Gama, Ivo Gabriel Guedes Alves, Yuri Santos Nunes, Iago Barboza de Souza, sis de S Arajo Costa, Michael Gusmo Buarque Aliendro, Nicole Goulart Fonseca Acioli. Sem demrito para os demais, gostaria de ressaltar a participao bastante efetiva do aluno Gerlivaldo Felinto da Silva. Tambm gostaramos de agradecer a participao do Professor Alcino Dall'Igna, que propiciou a incluso da seo Diviso por 2 em computadores e a Pedro Roberto de Lima, que nos indicou um erro (grave) na bibliografia. Sendo uma edio digital, correes e incluses no texto podem ser feitas a qualquer momento. Assim, os autores agradecem a participao dos leitores no sentido da melhoria do livro (inclusive, com a incluso de novos exerccios) e prometem registrar no livro estas participaes. Toda e qualquer observao deve ser encaminhada para [email protected], com o assunto LIVRO INTRODUO LGEBRA ABSTRATA. Macei, julho de 2011 Jaime Evaristo Eduardo Perdigo

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1. Conjuntos e Funes1.1 Entes primitivosSegundo o Dicionrio Aurlio, definir enunciar os atributos essenciais e especficos de (uma coisa), de modo que a torne inconfundvel com outra. Para que o objetivo de uma definio seja atingido, devem ser observados dois aspectos: uma definio s pode conter termos que foram definidos previamente e uma definio de um objeto no pode conter um termo cuja definio contenha referncia ao prprio objeto. Exemplos claros de definies que pecam em relao ao segundo aspecto levantado so: um ponto a interseo de duas retas e uma reta um conjunto de pontos. Com estas definies, para se entender o que um ponto seria necessrio saber o que uma reta e para compreender o que uma reta indispensvel se saber o que um ponto. Em alguns livros de Matemtica do ensino mdio encontra-se a seguinte "definio" de conjunto: conjunto uma coleo de objetos. O problema agora que esta "definio" d margem seguinte pergunta: e o que uma coleo de objetos? A resposta no poderia ser conjunto pois cairamos no outro problema. Algumas cincias, como a Matemtica e a Fsica, necessitam considerar entes, relaes ou grandezas que no so definidos, ditas ento entes primitivos, grandezas primitivas ou relaes estabelecidas primitivamente. Por exemplo, ponto, reta e plano so entes primitivos da Geometria Euclidiana enquanto que o tempo, a distncia e a massa so grandezas primitivas da Mecnica Newtoniana. Estabelecidos os entes primitivos de uma cincia, pode-se ento se definir novos objetos, e a partir destes, definir-se novos outros objetos, e assim por diante. Por exemplo, a partir das grandezas fsicas da Mecnica pode-se definir velocidade como o quociente entre a distncia percorrida e o tempo gasto para percorr-la implicando no fato de que velocidade no uma grandeza primitiva. A partir da grandeza fsica no primitiva velocidade e da grandeza primitiva tempo pode-se definir acelerao como sendo a variao da velocidade na unidade de tempo.

1.2 ConjuntosEm Matemtica, conjunto um ente primitivo e portanto no definido. Entendemos conjunto como uma coleo de objetos, no sentido coloquial do termo. Os objetos que compem a coleo que est sendo considerada um conjunto so chamados elementos do referido conjunto. De um modo geral, conjuntos so representados por letras maisculas e seus elementos por letras minsculas. Se A designa um conjunto e a um dos elementos, dizemos que a pertence a A, isto sendo simbolizado por a A. Estabelecemos ento, tambm de forma primitiva, a relao de pertinncia entre um conjunto e seus elementos. Naturalmente, se um objeto no est na coleo que se est considerando como um conjunto dizemos que tal objeto no pertence ao tal conjunto, sendo utilizado o smbolo para negar a relao de pertinncia. Introduzido o conceito primitivo de conjunto podemos apresentar um exemplo de um objeto da Matemtica que definido a partir dos entes primitivos ponto, reta, plano e conjunto e da grandeza primitiva distncia: dados um plano , um ponto p pertencente a e um nmero real r, a circunferncia de centro p, de raio r e contida no plano o conjunto dos pontos do plano situados a uma distncia r do ponto p.

1.3 IgualdadeNa linguagem coloquial, dois objetos so ditos iguais quando so do mesmo tipo e tm a mesma aparncia. No tem sentido se dizer que uma cadeira igual a um sof; se dito que duas7

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cadeiras so iguais elas so praticamente indistinguveis a uma simples espiada. Em Matemtica, o conceito de igualdade considerado primitivo, entendendo-se que quando ficar estabelecido que dois objetos matemticos so iguais eles passam a ser considerados o mesmo objeto. A igualdade de dois objetos representada pelo smbolo = e sero consideradas verdadeiras as seguintes afirmaes: 1. Todo objeto igual a ele mesmo: a = a, qualquer que seja o objeto a. 2. Se um objeto igual a outro, este igual quele (se a = b ento b = a); 3. Dois objetos iguais a um terceiro objeto so iguais entre si (se a = b e b = c ento a = c). Se dois objetos no so iguais (e, portanto, no podem ser considerados o mesmo objeto) dizemos que eles so diferentes, indicando este fato pelo smbolo . Como igualdade em Matemtica um conceito primitivo, toda vez que se introduz (primitivamente ou por definio) um ente matemtico necessrio se estabelecer quando dois representantes desse ente sero considerados iguais. Por exemplo, introduzido o ente matemtico conjunto, devemos estabelecer quando dois conjuntos sero ditos iguais. Isto ser feito na seo 1.7.

1.4 SubconjuntosSejam A e B dois conjuntos. Por definio, dizemos que o conjunto A subconjunto do conjunto B se todo elemento de A tambm elemento de B. Quando isto acontece, escrevemos A B, que lido A subconjunto de B ou A est contido em B. Neste caso, tambm podemos escrever B A, que lido B contm A. A negao de A B indicada por A B e, evidentemente, verdadeira se A possuir pelo menos um elemento que no pertena a B. As seguintes afirmaes so claramente verdadeiras: 1. A A, qualquer que seja o conjunto A. 2. Se A B e B C ento A C, quaisquer que sejam os conjuntos A, B e C. A afirmao 1 justificada pelo fato bvio de que todo elemento do conjunto A elemento do conjunto A. A afirmao 2 se justifica com o seguinte argumento: de A B segue que todo elemento de A elemento de B; porm, como B C, temos que todo elemento de B elemento de C. Logo, todo elemento do conjunto A elemento do conjunto C, mostrando que A C. Qualquer argumento que justifica a veracidade de uma afirmao matemtica chamado demonstrao ou prova daquela afirmao. Observe que se A e B so dois conjuntos tais que A B pode ocorrer que se tenha A = B. Quando dois conjuntos A e B so tais que A B e A B, dizemos que A subconjunto prprio de B.

1.5 Uma representao de conjuntosUma das formas de se representar um conjunto exibir os seus elementos entre chaves {}. Por exemplo, A = {a, b, c} o conjunto das trs primeiras letras do alfabeto latino. O conjunto das letras do alfabeto pode ser indicado por A = {a, b, c, ..., z}, onde as reticncias so utilizadas para simplificao e substituem as letras de d a y. O uso de reticncias para subentender alguns (s vezes muitos) elementos de um conjunto s possvel se os elementos do conjunto obedecerem a uma ordenao (no sentido usual do termo) previamente conhecida. Quando isto no acontece, as nicas alternativas so explicitar todos os elementos do conjunto ou definir o conjunto por uma expresso da lngua que se est utilizando. Um exemplo de um desses conjuntos o conjunto dos caracteres da lngua portuguesa, que possui letras maisculas e minsculas, dgitos, letras acentuadas, caracteres de pontuao, etc..8

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Os elementos de um conjunto podem ser outros conjuntos. Por exemplo, o alfabeto pode ser visto como um conjunto que possui dois conjuntos: o conjunto das vogais e o conjunto das consoantes. Do mesmo modo, podemos pensar em conjuntos como A = {{a}, {a, b}, {a, b, c}, ...,{a, b, c, ...,z}}.

1.6 As expresses se ento e se e somente seOs dicionrios da lngua portuguesa apresentam, entre outras acepes, o vocbulo ento na classe gramatical advrbio significando: nesse caso, assim sendo, em tal caso. Nesse sentido, o ento sempre (ou quase sempre, por precauo) precedido de uma orao que se inicia pela conjuno se, a qual define o "nesse caso", o "assim sendo", o "em tal caso": amanh, se fizer sol, ento iremos praia; se voc no estudar, ento voc no ser aprovado. Observe que a afirmao amanh, se fizer sol, ento iremos praia no ser desdita se no dia seguinte no fizer sol e, mesmo assim, o grupo tiver ido praia. A afirmao fez referncia ao programa que seria feito na hiptese de fazer sol. Nada foi dito em relao ao que seria feito se no fizesse sol. Se p e q so duas afirmaes matemticas, a assertiva se p, ento q estabelece que a veracidade de p implica a veracidade de q: se p ocorrer, q tambm ocorre. Para a ocorrncia de q suficiente que p ocorra. Se a afirmao anterior fosse amanh, se fizer sol, e s nesta hiptese, iremos praia, a situao seria outra. Neste caso, se no dia seguinte fizer sol, o grupo vai praia. Se no dia seguinte o grupo foi praia porque fez sol. A Matemtica ao invs de usar o e s nesta hiptese utiliza a expresso se e somente se e altera a ordem das afirmativas: amanh iremos praia se e somente se fizer sol. Se p e q so duas afirmaes matemticas a assertiva p se e somente se q estabelece que a veracidade de p implica a veracidade de q e, reciprocamente, a veracidade de q acarreta a veracidade de p: se p ocorrer, q tambm ocorre (a ocorrncia de p suficiente para a ocorrncia q); se q ocorrer, p tambm ocorre ou se q ocorreu, p tambm ocorreu (a veracidade de p necessria para a veracidade de q). Uma afirmao do tipo se p, ento q pode ser enunciada p implica q ou p condio suficiente para q ou, ainda, q condio necessria para p. Uma afirmao do tipo p se e somente se q pode ser enunciada p e q so equivalentes ou, combinando o estabelecido no pargrafo anterior, p condio necessria e suficiente para q. Voltaremos a falar sobre isso na seo 1.13.

1.7 Igualdade de conjuntosComo foi dito anteriormente, a igualdade de objetos matemticos um conceito primitivo significando que quando dois objetos so iguais eles podem ser considerados o mesmo objeto. A igualdade entre dois conjuntos estabelecida da seguinte forma: dois conjuntos A e B so iguais se eles possuem os mesmos elementos. Por exemplo, os conjuntos A = {a, b, c} e B = {c, b, a} so iguais. Os conjuntos A = {a, b, c} e C = {a, b} so diferentes. Observe que para dois conjuntos A e B possurem os mesmos elementos (e, portanto, serem iguais) suficiente que todo elemento de A seja elemento de B e que todo elemento de B seja elemento de A. Ou seja, para dois conjuntos A e B possurem os mesmos elementos (e, portanto, serem iguais) suficiente que A seja subconjunto de B e que B seja subconjunto de A. Assim podemos definir igualdade de conjuntos A e B por: A = B se e somente se A B e B A. A definio de igualdade mostra que, na representao de um conjunto pela exibio dos seus elementos, a ordem (no sentido usual do termo) com que os elementos so exibidos no utilizada9

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para discriminar um conjunto. Assim os conjuntos A = {a, b, c} e B = {b, c, a} so iguais. A repetio da exibio de um elemento tambm no implica a diferenciao de um conjunto: os conjuntos A = {a, b, c} e B = {a, b, a, c, b} tambm so iguais.

1.8 Par ordenado e produto cartesianoTeremos necessidade de trabalhar com pares de elementos de dois conjuntos dados, considerados numa ordem preestabelecida. Da necessitarmos da seguinte definio. Sejam A e B dois conjuntos e a e b elementos de A e de B, respectivamente. O par ordenado a b, indicado por (a, b), o conjunto {{a}, {a, b}}. Naturalmente, os conjuntos A e B podem ser iguais, definindo-se ento par ordenado de dois elementos de um mesmo conjunto. Nesse caso, podemos ter par do tipo (a, a). Evidentemente, (a, a) = {{a}}. Sobre pares ordenados verdadeira a seguinte afirmao. Sejam A e B dois conjuntos e a, a A e b, b B. Temos que (a, b) = (a, b) se e somente se a = a e b = b. De fato, se a = a e b = b temos {a} = {a} e {a, b} = {a, b} o que implica {{a}, {a, b}} = {{a}, {a, b}}. Suponhamos agora que (a, b) = (a, b). Se a = b, temos que os conjuntos A = {{a}}e A = {{a}, {a, b}} so iguais o que s acontece se a' = b' = a. Se a b, temos {a} {a, b} e a igualdade dos conjuntos A = {{a}, {a, b}} e A = {{a}, {a, b}} implica {a} = {a} e {a, b} = {a, b} o que acarreta a = a e b = b. A veracidade desta afirmao, alm de justificar a denominao par ordenado, permite que se distinga os elementos que compem o par (a, b): a a primeira componente e b a segunda componente. Uma afirmao verdadeira sobre um ente matemtico chamada de propriedade daquele ente. Assim, a afirmao (a, b) = (a, b) se e somente se a = a e b = b uma propriedade dos pares ordenados. De um modo geral, fatos matemticos verdadeiros so chamados propriedades. O produto cartesiano de dois conjuntos A e B, indicado por AxB, o conjunto dos pares ordenados com primeiras componentes no conjunto A e segundas componentes no conjunto B. Por exemplo, se A = {a, c, d} e B = {e, f}, o produto cartesiano de A por B o conjunto AxB = {(a, e), (a, f), (c, e), (c, f), (d, e), (d, f)} e o produto cartesiano de B por A o conjunto BxA = {(e, a), (e, c), (e, d), (f, a), (f, c), (f, d)}, exemplo que j mostra que, de um modo geral, AxB BxA. comum se utilizar a notao A2 para representar o produto cartesiano AxA. Assim, no exemplo acima temos B2 = {(e, e), (e, f), (f, f), (f, e)} e A2 = {(a, a), (a, c), (a, d), (c, a), (c, c), (c, d), (d, a), (d, c), (d, d)}.

1.9 Relaes binriasEm muitas situaes, necessrio e til relacionar (no sentido usual do termo) elementos de um ou de dois conjuntos. Esta relao pode ser estabelecida atravs dos pares ordenados que se pretende relacionar. Se A e B so dois conjuntos, qualquer subconjunto do produto cartesiano AxB chamado de uma relao binria entre A e B. Ou seja, uma relao binria entre dois conjuntos A e B um conjunto de pares ordenados com primeiras componentes em A e segundas componentes em B. Quando os conjuntos A e B so iguais uma relao entre A e B dita simplesmente uma relao em A. Por exemplo, se A o conjunto das vogais e B o conjunto das consoantes os conjuntos R = {(a, b), (e, f), (i, j), (o, p), (u, v)}, S = {(a, x), (e, g), (i, b)} e T = {(e, m), (i, z)} so relaes binrias entre A e B (ou de A em B).10

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Normalmente, h interesse apenas em relaes binrias em que as componentes dos pares guardem entre si alguma relao, no sentido usual do termo. Em outros termos, estamos interessados em relaes em que haja uma regra para obteno dos pares da relao, regra esta que permita que se defina se um dado par est ou no na relao. Nos exemplos acima, a relao R satisfaz a esta condio pois cada segunda componente a consoante que sucede a vogal primeira componente. As componentes dos pares das outras relaes dos exemplos no guardam nenhuma relao entre si e, portanto, no so relevantes. Utilizando uma barra vertical significando tal que, pode-se representar uma relao entre dois conjuntos por R = {(x, y) AxB| ...}, onde em colocada a regra que estabelece a relao entre x e y. Muitas vezes, associa-se um smbolo a uma relao definida num conjunto A. Neste caso, se o smbolo da relao #, a indicao de que um par (a, b) pertence relao feita por a # b. Observe que em R = {(x, y) AxB| } o smbolo x est sendo usado para representar todos os elementos do conjunto A e que y est sendo utilizado para representar todos os elementos do conjunto B. Neste caso dizemos que os smbolos x e y so indeterminadas ou variveis dos conjuntos referidos. Uma relao definida num conjunto A pode ser adjetivada de acordo com algumas propriedades que ela satisfizer. Dizemos que uma relao R num conjunto A : reflexiva se (x, x) R qualquer que seja x A. simtrica se (x, y) R implicar (y, x) R, quaisquer que sejam x, y A. antissimtrica se no acontece (x, y) R e (y, x) R com x y, quaisquer que sejam x, y A. transitiva se (x, y) R e (y, z) R acarretar (x, z) R, quaisquer que sejam x, y, z A. total se quaisquer que sejam x, y A, (x, y) R e/ou (y, x) R, onde o "e/ou" indica que podem ocorrer as duas pertinncias ou apenas uma delas. As definies anteriores estabelecem quando o adjetivo respectivo pode ser aplicado a uma relao binria. Como fizemos com a definio de subconjunto, interessante observar as condies mnimas que negam as definies anteriores e, portanto, tal adjetivo no pode ser associado relao. Com o desenvolvimento de um raciocnio simples, temos que uma relao R num conjunto A no reflexiva se existe x A tal que (x, x) R. no simtrica se existem x, y A tais que (x, y) R e (y, x) R. no antissimtrica se existem x, y A, com x y, tais que (x, y) R e (y, x) R. no transitiva se existem x, y, z A tais que (x, y) R e (y, z) R e (x, z) R. no total se existem x, y A tais que (x, y) R e (y, x) R. Por exemplo, se A o conjunto das vogais, a relao R = {(a, a), (e, e), (i, i), (o, o), (u, u), (a, e), (a, i), (a, u), (e, a), (e, i), (e, u), (u, i)} reflexiva, no simtrica ((a, u) R e (u, a) R), no antissimtrica ((a, e) R, (e, a) R e a e), transitiva e no total ((a, o) R e (o, a) R). Para um outro exemplo, considere o conjunto das partes de um conjunto A definido como o conjunto de todos os subconjuntos de A e indicado por (A). Como os elementos de (A) so conjuntos cujos elementos so elementos do conjunto A, podemos definir a relao (chamada incluso) I = {(X, Y) (A)x(A) | X Y}. As propriedades apresentadas na seo 1.4 mostram que esta relao reflexiva e transitiva. A definio de igualdade de conjuntos garante que a incluso antissimtrica. Cabe lembrar que a relao de igualdade de elementos, introduzida primitivamente na seo11

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1.3, reflexiva, simtrica e transitiva, tendo sido estas propriedades fixadas de forma tambm primitiva. Uma relao que reflexiva, simtrica e transitiva dita uma relao de equivalncia enquanto que uma relao que reflexiva, antissimtrica, transitiva dita uma relao de ordem parcial. Uma relao de ordem parcial que total dita uma relao de ordem. A igualdade de objetos matemticos uma relao de equivalncia. A incluso de conjuntos no uma relao de equivalncia (pois no simtrica), mas uma relao de ordem parcial. Se uma relao R, com smbolo #, transitiva, x # y e y # z implicam x # z. Isto permite que se escreva, neste caso, x # y # z. Por exemplo, se A o conjunto das vogais, X = {a, e}, Y = {a, e, i} e Z = {a, e, i, o}, temos X Y Z.

1.10 FunesEstamos agora interessados em relaes entre dois conjuntos A e B em que cada elemento de A esteja relacionado com um nico elemento de B. Uma relao que satisfaz a esta propriedade chamada funo, definida formalmente como segue. Sejam A e B dois conjuntos. Uma funo de A em B uma relao binria f entre A e B tal que para cada x A existe um nico y B tal que (x, y) f. Assim, para que uma relao binria f entre dois conjuntos A e B seja uma funo de A em B necessrio e suficiente que para todo x A exista y B tal que (x, y) f e que se (x, y1) f e (x, y2) f ento y1 = y2. Por exemplo, se A o conjunto das vogais e B o conjunto das consoantes, a relao entre A e B dada por f = {(a, b), (e, f), (i, j), (o, p), (u, v)} uma funo de A em B. Por outro lado, se A = {a, b, c}, a relao I = {(X, Y) (A)x(A)| X Y} no uma funo de (A) em (A) pois ({a}, {a, b}) I e ({a}, {a, c}) I e como {a, b} {a, c}, o elemento X = {a} estaria relacionado com Y1 = {a, b} e Y2 = {a, c}. Como j vimos fazendo, utilizaremos letras minsculas f, g, h, etc., para representar funes e escreveremos y = f(x), para indicar que (x, y) f. Neste caso diremos que y a imagem do objeto x pela funo f. No futuro, usaremos tambm cadeia de caracteres para indicar funes. Se f uma funo de um conjunto A em um conjunto B, o conjunto A chamado domnio e o conjunto B chamado contradomnio de f. O subconjunto do contradomnio cujos elementos so imagens de objetos chamado imagem da funo, indicada por f(A). Uma funo de A em B dada por y = f(x) pode ser indicada por f:A B x f(x). Nesse caso, y = f(x) fixa a regra que ser utilizada para se associar um nico y B a cada x A. Nada impede que a regra que associa uma nica imagem a cada objeto seja constituda de vrias sub-regras, de acordo com os diversos valores dos objetos. Por exemplo, se A o alfabeto podemos definir a funo g de A em A por g(x) = a, se x = z e g(x) a letra sucessora de x se x z. Num caso como este, pode-se utilizar expresses como caso contrrio, seno, em outra hiptese para indicar as situaes em que a ltima sub-regra ser aplicada. Isto ser utilizado na seo 1.13. importante verificar se uma pretensa definio define realmente uma funo, caso em que se diz que a funo est bem definida. Naturalmente, para que uma funo f esteja bem definida necessrio e suficiente que para todos os elementos k e j do domnio de f existam f(k) e f(j) e se f(k) f(j), se tenha k j. Como foi dito anteriormente, ao se estudar um novo objeto matemtico devemos estabelecer quando dois destes objetos sero considerados iguais. Para funes temos a seguinte definio. Duas funes f e g so iguais quando possuem os mesmos domnio e contradomnio e para todo objeto x do domnio se tem f(x) = g(x). Isto significa que duas funes iguais so, na verdade, a12

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mesma funo. Dois exemplos de funes que sero utilizadas em exemplos e demonstraes futuras so apresentadas a seguir. 1. Seja A um conjunto. A funo de A em A definida por I(x) = x chamada funo identidade do conjunto A e simbolizada por IA. 2. Sejam A e B dois conjuntos, f uma funo de A em B e C um subconjunto de A. A funo g : C B definida por g(x) = f(x) chamada de restrio de f ao subconjunto C e indicada por f/C. Por exemplo, se A o conjunto das letras do alfabeto, g a funo de A em A que associa a cada letra a letra que a sucede no alfabeto (considerando a como a letra sucessora de z) e V o conjunto das vogais, a funo g restrita ao conjunto V a funo g/V = {(a, b), (e, f), (i, j), (o, m), (u, r)}.

1.11 O Conjunto VazioVimos acima que um conjunto pode ser representado pela exibio de seus elementos entre chaves. O conceito de funo e a utilizao da barra vertical significando tal que permite uma outra forma de representar um conjunto. Esta nova forma de representar conjuntos permitir a definio de um conjunto muito especial. Para tal, necessitamos de alguns novos conceitos. O conjunto {V, F} (V significando verdadeiro e F, falso) chamado conjunto de Boole. Um predicado ou uma sentena aberta num conjunto A uma funo de A no conjunto de Boole. Como as imagens dos objetos podem ser apenas V ou F, um predicado pode ser definido estabelecendo-se quando a imagem de um objeto ser V e quando ela ser F. Por exemplo, se A o conjunto das letras do alfabeto, pode-se definir um predicado em A por p(x) = V se e somente se x uma vogal. Neste caso, temos, por exemplo, p(a) = V e p(b) = F. Vale a pena observar que na definio do predicado, o smbolo x no est representando especificamente a letra x e sim uma indeterminada do conjunto. Para a letra x, temos p(x) = F. Observe que, em outros termos, um predicado num conjunto A uma propriedade que verdadeira para alguns elementos de A e falsa para outros. Alm disso, para todo elemento do conjunto A a tal propriedade verdadeira ou falsa (apenas uma das condies), no havendo uma terceira possibilidade. Esta observao permite que um predicado seja definido explicitando apenas a tal propriedade a qual ele se refere. Assim, o predicado p(x) = V se e somente se x uma vogal pode ser referido apenas por x uma vogal. Vamos estabelecer tambm que uma definio de um predicado prescinde da expresso se e somente se. O predicado p(x) = V se e somente se x uma vogal pode ser definido apenas por p(x) = V se x uma vogal. Uma outra forma de representar um conjunto a seguinte. Se A um conjunto e p um predicado em A, {x A| p} representa o subconjunto dos elementos de A para os quais p(x) = V. Por exemplo, se A o conjunto das letras do alfabeto, o conjunto das vogais pode ser representado por B = {x A| x uma vogal}. Um predicado p num conjunto A uma contradio se p(x) = F para todo elemento x A e uma tautologia se p(x) = V qualquer que seja x A. Por exemplo, se A um conjunto qualquer, o predicado em A dado por x x uma contradio e o predicado em A dado por x A uma tautologia. Uma contradio e uma tautologia sero representadas por e , respectivamente. O conceito de contradio permite a definio de um conjunto, aparentemente estranho, mas de importncia fundamental para a matemtica. Se A um conjunto qualquer e uma contradio em A o conjunto {x A|} no possui elementos e chamado conjunto vazio, sendo simbolizado por . Por exemplo, se A um conjunto qualquer o conjunto {x A| x x} o conjunto vazio. Um conjunto diferente do conjunto vazio dito no vazio. Na seo 1.14 provaremos que o conjunto vazio subconjunto de qualquer conjunto: A, qualquer que seja o conjunto A.13

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1.12 OperaesDesde a nossa tenra idade, deparamo-nos com o aprender a realizar operaes: somar, subtrair, multiplicar, etc. Nesta seo, o conceito de operaes ser formalizado. Por definio, uma operao num conjunto A uma funo do produto cartesiano AxA no prprio conjunto A. Por exemplo, no conjunto das vogais podemos definir a operao f dada pela tabela a seguir, na qual o elemento da linha i e da coluna j fornece a imagem do par (i, j), a e i o u a e i o u a e i o u a e i o u a e i o u a e i o u

a e i o u

Os autores, humildemente, concordam com o leitor que este exemplo no muito esclarecedor. Nas sees seguintes teremos exemplos mais consistentes de operao. Nestes exemplos, fixaremos smbolos especficos para operao e, ao invs de utilizarmos a notao usual de funo f(x, y), usaremos x # y quando o smbolo da operao #. O smbolo associado operao chamado operador, as componentes do par objeto (a, b) so chamados de operandos e a imagem a # b o resultado e receber uma denominao especfica para cada operao. Naturalmente, podem ser realizadas aplicaes sucessivas de uma operao. Neste caso, usase parnteses para indicar quais resultados parciais devem ser obtidos. Utilizando o operador + para a operao do exemplo anterior e chamando o resultado da operao de soma, (a + e) + o indica que deve-se determinar a soma de a com e e, em seguida, determinar a soma desta soma com o. Assim, temos (a + e) + o = i + o = e. Uma representao de aplicaes sucessivas de uma ou mais operaes chamada de expresso. Como as relaes binrias, as operaes tambm podem ser adjetivadas de acordo com propriedades que ela satisfizer. Seja A um conjunto e # uma operao em A. Dizemos que a operao # comutativa se a # b = b # a, quaisquer que sejam a, b A. associativa se a # (b # c) = (a # b) # c, quaisquer que sejam a, b, c A. possui um elemento neutro e se existe um elemento e tal que a # e = e # a = a, qualquer que seja a A. Quando a operao est denotada na forma de funo f(a, b), forma de representao chamada notao prefixa, as classificaes acima so assim referenciadas: Uma operao f definida num conjunto A comutativa se f(a, b) = f(b, a), quaisquer que sejam a, b A. associativa se f(a, f(b, c)) = f(f(a, b), c), quaisquer que sejam a, b, c A. possui um elemento neutro e se existe um elemento e tal que f(a, e) = f(e, a) = a, qualquer que seja a A. A referncia a cada uma destas propriedades feita, de maneira bvia, como comutatividade, associatividade, existncia de elemento neutro. Observe que se uma operao o possuir, o elemento neutro nico. De fato, se e' e e so elementos neutros de uma operao #, temos e' # e = e # e' = e', pois e elemento neutro e e # e' = e' # e = e, pois e' elemento neutro, implicando ento, pela transitividade da igualdade, e' = e. Portanto se encontrarmos um elemento neutro de uma operao ele o elemento neutro14

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desta operao. A operao no conjunto das vogais definida acima comutativa e possui elemento neutro, u. Embora seja bastante enfadonho (teria que se verificar que x + (y + z) = (x + y) + z para todos os casos) fcil mostrar que a operao tambm associativa. Por exemplo, a + (e + o) = a + a = e que, como j foi visto, igual a (a + e) + o. Numa operao associativa, no h a necessidade da colocao de parnteses. Se # o operador de uma operao associativa, como a # (b # c) = (a # b) # c, podemos indicar a # (b # c) por a # b # c, como se estivesse operando trs operandos. Esta flexibilizao da notao se estende tambm quando h mais de trs operandos. Quando h mais dois operandos (e a operao associativa, lembremo-nos), o mais prtico determinar o resultado da operao dos dois primeiros, operar este resultado com o prximo operando e, assim, sucessivamente. No exemplo acima temos, por exemplo, e + o + a + i = a + a + i = e + i = u. Alm da comutatividade, associatividade e existncia de elemento neutro, uma operao pode ser adjetivada em relao outra operao. Se # e * so operaes definidas num conjunto A, dizemos que # distributiva em relao * se a # (b * c) = (a # b) * (a # c), quaisquer que sejam a, b, c A. Esta propriedade referida como distributividade de # em relao *. Na notao prefixa a distributividade seria assim fixada: sejam f e g duas operaes num conjunto A. A operao f distributiva em relao operao g se f(a, g(b, c)) = g(f(a, b), f(a, c)), quaisquer que sejam a, b, c A. medida que formos apresentando as operaes, discutiremos quais propriedades elas possuem e apresentaremos exemplos destas propriedades.

1.13 Operaes com predicados (operaes lgicas)As primeiras operaes que discutiremos so as operaes onde os operandos so predicados. Como veremos, as operaes com predicados (tambm chamadas operaes lgicas) permitem o estabelecimento de uma linguagem que facilita sobremaneira o discurso matemtico. Seja A um conjunto no vazio e Pred(A) o conjunto dos predicados em A. Isto significa que Pred(A) o conjunto de todas as funes de A no conjunto de Boole {V, F}. Pelo conceito de operao, para se definir uma operao em Pred(A) devemos associar a cada par de predicados de Pred(A) um outro predicado de Pred(A). Como j foi dito, para se definir um elemento de Pred(A) basta se estabelecer as imagens dos elementos de A em {V, F}. Temos as seguintes operaes, considerando p, q Pred(A). Conjuno (operador: , denominao: e ) (p q)(x) = V se p(x) = q(x) = V. Isto , a conjuno de dois predicados p e q ser verdadeira quando e somente quando os dois predicados o forem. Da a denominao e para o operador ,, indo ao encontro da linguagem coloquial: se o/a chefe da famlia anuncia nas frias viajaremos para Macei e Natal, ele est afirmando que a famlia viajar para as duas cidades. Como a igualdade uma relao simtrica (por exemplo, se p(x) = q(x) = V ento q(x) = p(x) = V), a conjuno comutativa. Ela tambm associativa: se p, q e r so predicados em A, por um lado ((p q) r)(x) = V se (p q)(x) = r(x) = V o que s acontece se p(x) = q(x) = r(x) = V e por outro lado (p (q r))(x) = V se p(x) = (q r)(x) = V o que s acontece tambm se p(x) = q(x) = r(x) = V. Claramente, uma tautologia o elemento neutro da conjuno. Disjuno (operador: , denominao: ou)15

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(p q)(x) = F se p(x) = q(x) = F. Isto , a disjuno de dois predicados p e q verdadeira se e somente se um dos predicados for verdadeiro ou se ambos forem verdadeiros. Observe agora que a denominao ou para o operador no corresponde exatamente ao uso da conjuno ou na linguagem comum: se o/a chefe da famlia anuncia nas frias viajaremos para Macei ou Natal, ele est afirmando que a famlia viajar para apenas uma das duas cidades. Dizemos que o ou da Matemtica inclusivo, enquanto que o ou da linguagem coloquial exclusivo. Embora os dicionrios no apresentem esta possibilidade, relativamente comum se usar e/ou na linguagem coloquial quando se pretende se expressar um ou inclusivo. s vezes, a Matemtica ao utilizar um vocbulo modifica (quase sempre, ligeiramente) o seu significado. Surge ento a linguagem matemtica, muito til para o mundo cientfico. Daqui para frente, a conjuno ou utilizada em afirmaes matemticas ter sempre o sentido inclusivo. Como a conjuno, a disjuno claramente comutativa e associativa e seu elemento neutro uma contradio . O exerccio 1.4 pedir para ser demonstrado que a conjuno distributiva em relao disjuno e que esta distributiva em relao quela. Implicao (operador , denominao: implica) (p q)(x) = F se p(x) = V e q(x) = F. O predicado p q tambm pode ser lido se p, ento q e quando p e q so verdadeiros tem a conotao dada na seo 1.6. Observe que p q s falso se p verdadeiro e q falso. Assim, ao contrrio da linguagem comum, na qual implicar utilizado numa relao de causa e efeito, em Matemtica uma mentira implica uma verdade e implica tambm outra mentira. O exemplo a seguir mostra que o significado matemtico do se ento, embora inusitado, tem sentido tambm no nosso dia a dia. Imagine a seguinte situao: (1) uma jovem adolescente est se preparando, com afinco, para fazer o vestibular para um curso superior; (2) para incentiv-la na reta final, o pai da adolescente, a dois meses do certame, adquire um automvel e anuncia para ela: se voc for aprovada, ento este automvel ser seu. Aps a divulgao do resultado do vestibular, se a filha foi aprovada (p verdade) e recebeu o carro (q verdade), a afirmao do pai se tornou verdadeira (p q verdade); se a filha foi aprovada (p verdade) e no recebeu o carro (q falso), a afirmao do pai se tornou falsa (p q falso); se a filha no foi aprovada (p falso) e no recebeu o carro (q falso), o pai no descumpriu a promessa (p q verdade); finalmente, se a filha no foi aprovada (p falso) e recebeu o carro (q verdade), a afirmao do pai tambm no se tornou falsa e, portanto p q verdadeiro (nesse caso, o pai pode ter entendido que a filha, mesmo no tendo sido aprovada, merecia o prmio foi a primeira dos no aprovados, por exemplo). Como p q s falso se p verdadeiro e q falso, a demonstrao de uma assertiva do tipo se p, ento q pode ser feita supondo-se que p verdade e provando que, a partir da, q tambm o . Normalmente, o predicado p chamado hiptese (que o que se supe ser verdadeiro) e o predicado q chamado tese (que o que se quer provar que verdadeiro). Equivalncia (operador , denominao: equivale) (p q)(x) = V se p(x) = q(x). O predicado p q tambm referenciado como p se e somente se q e tem a mesma conotao dada expresso se e somente se discutida na seo 1.6. fcil ver que uma equivalncia pode ser obtida a partir de uma conjuno de implicaes, reiterando o que foi dito na referida seo. Na verdade temos a seguinte igualdade: p q = ( p q) ( q p). A demonstrao de uma igualdade de predicados bastante simples (embora, s vezes,16

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tediosa). Como so funes, para que dois predicados r e s sejam iguais basta que eles tenham o mesmo domnio (no nosso caso, conjunto A), o mesmo contradomnio (sempre {V, F}) e para cada x de A se tenha r(x) = s(x). Basta ento mostrar a igualdade r(x) = s(x), para todo x A, o que pode ser feito atravs de uma tabela (chamada tabela verdade) na qual se determina todos os possveis valores de r(x) e s(x). Para mostrar que r = p q e s = ( p q) ( q p) so iguais, temos p V V F F q V F V F pq V F V V q p V V F V pq V F F V ( p q) ( q p) V F F V

Da igualdade p q = ( p q) ( q p), segue uma afirmao do tipo q se e somente p pode ser demonstrada supondo que p verdade e provando que, a partir da, q tambm e, reciprocamente, supondo que q verdade e provando que, a partir da, p tambm .

1.14 Demonstrao contradio)

por

reduo

ao

absurdo

(prova

por

Como foi dito na seo anterior, a demonstrao de uma assertiva matemtica do tipo se p, ento q pode ser feita supondo-se que p verdade e provando que, a partir da, q tambm o . Nesta seo, apresentaremos duas outras maneiras de se demonstrar afirmaes da forma se p, ento q, ambas chamadas demonstrao por reduo ao absurdo ou prova por contradio. Para isto, consideremos a seguinte definio. A negao de um predicado p o predicado indicado por ~p tal que (~p)(x) = F se p(x) = V. Como fcil provar que (ver exerccio 1.8) se p e q so predicados num conjunto A, tem-se (p q) = ((~q) (~p)), uma outra forma de se provar uma afirmao matemtica do tipo se p, ento q supor que q falso e concluir, a partir da, que p tambm o . Ou seja, para provar que uma hiptese implica uma tese pode-se demonstrar que a negao da tese implica a negao da hiptese. Por exemplo, para demonstrar que o conjunto vazio subconjunto de qualquer conjunto (ver seo 1.11), suponhamos que exista um conjunto A tal que A (negao da tese). Da teramos que existe um elemento do conjunto que no pertence ao conjunto A. Porm, a existncia de um elemento de negaria a hiptese ( vazio). Tambm fcil provar (ver exerccio 1.10) que (p q) = ((p (~q)) ), onde p e q so predicados num conjunto A e uma contradio. Assim, tambm se pode provar uma afirmao da forma se p, ento q, provando-se que a veracidade da hiptese e a negao da tese implicam uma contradio. Isto demonstra que a veracidade da hiptese implica a veracidade da tese.

1.15 Operaes com conjuntosSeja U um conjunto e consideremos (U) o conjunto das partes de U. Normalmente, quando se est trabalhando com conjuntos que so subconjuntos de um conjunto U, este conjunto U chamado conjunto universo. Para se definir uma operao em (U) devemos associar a cada par de subconjuntos de U um outro subconjunto deste conjunto. Temos as seguintes operaes, considerando A, B U: Unio (operador: , denominao: unio)17

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A B = {x U| (x A) (x B)} Pela definio da operao lgica disjuno, a unio de dois conjuntos o conjunto dos elementos que pertencem a pelo menos um dos conjuntos. Interseo (operador: ; denominao: interseo) A B = {x U| (x A) (x B)} Pela definio da operao lgica conjuno, a interseo de dois conjuntos o conjunto dos elementos que pertencem aos dois conjuntos. Diferena (operador: -; denominao: menos) A - B = {x U| (x A) (x B)} Aplicando novamente a definio de conjuno, observa-se que a diferena entre dois conjuntos A e B o conjunto dos elementos que pertencem exclusivamente ao conjunto A. Para um exemplo, sejam U o conjunto das letras do alfabeto, A = {a, c, e, f} e B {c, d , f, g}. Temos A B = {a, c, d, e, f, g}, A B = {c, f}, A - B = {a, e} e B - A = {d, g}. Como consequncia da comutatividade e da associatividade da conjuno e da disjuno, a unio e a interseo de conjuntos so comutativas e associativas. O exemplo acima mostra que a diferena entre conjuntos no comutativa (um exemplo que mostra que um ente matemtico no goza de uma determinada propriedade chamado de contraexemplo). fcil se obter um contraexemplo que mostra que a diferena no associativa. Como o conjunto vazio no tem elementos temos que A = A, qualquer que seja o subconjunto A, e, portanto, o elemento neutro da unio. Observe que mesmo sendo verdade que A - = A, o conjunto vazio no elemento neutro da diferena, pois, se A , - A A. Devido ao fato de que A U = A, qualquer que seja o subconjunto de U, temos que o universo U o elemento neutro da interseo.

1.16 Uma operao com funesSeja A conjunto e indiquemos por (A) o conjunto das funes de A em A. Em (A) definimos a operao composio de funes associando a cada par de funes (f, g) (A) a funo composta de f e g, representada por f g, definida por (f g)(x) = f(g(x)). Por exemplo, se A o conjunto das vogais, f = {(a, e), (e, i), (i, o), (o, u), (u, a)} e g = {(a, i), (e, i), (i, o), (o, o), (u, a)} temos f g = {(a, o), (e, o), (i, u), (o, u), (u, e)} pois (f g)(a) = f(g(a)) = f(i) = o; (f g)(e) = f(g(e)) = f(i) = o; (f g)(i) = f(g(i)) = f(o) = u; (f g)(o) = f(g(o)) = f(o) = u; (f g)(u) = f(g(u)) = f(a) = e. Por outro lado, g f = {(a, i), (e, o), (i, o), (o, a), (u, i)} pois (g f)(a) = g(f(a)) = g(e) = i; (g f)(e) = g(f(e)) = g(i) = o; (g f)(i) = g(f(i)) = g(o) = o; (g f)(o) = g(f(o)) = g(u) = a; (g f)(u) = g(f(u)) = g(a) = i. Claramente, para todo x A, (f IA)(x) = f(IA(x)) = f(x) e (IA f)(x) = IA(f(x)) = f(x), igualdades18

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que mostram que IA f = f IA = f. Isto prova que a funo identidade o elemento neutro da composio de funes. Observe que, se f, g, h (A), e (f (g h))(x) = f ((g h)(x)) = f(g(h(x))) ((f g) h)(x) = (f g)( h(x)) = f(g(h(x))), o que mostra que a composio de funes associativa. Observe tambm que o exemplo anterior mostra que a composio de funes no comutativa. Se A e B so dois conjuntos representa-se por (A, B) o conjunto das funes de A em B. Se C um terceiro conjunto, a operao composio de funes pode ser generalizada para se associar a um par de funes (g, f) (A, B)x(B, C) uma funo de (A, C). Se g uma funo de A em B e f uma funo de B em C, a composta das funes f e g a funo f g de A em C definida por (f g)(x) = f(g(x)). Observe que esta definio no atende plenamente o conceito de operao num conjunto dada na seo 1.9, o que justifica as aspas utilizadas na palavra generalizada acima. De fato, f e g so elementos de dois conjuntos distintos e f g elemento de um terceiro conjunto. Observe tambm que se A, B, C e D so conjuntos e f, g e h so funes dos conjuntos (A, B), (B, C) e (C, D), respectivamente, temos (f g) h = f (g h), o que pode ser provado da mesma forma que se provou a associatividade da composio de funes.

1.17 Funes inversveisSeja # uma operao num conjunto A que possui um elemento neutro e. Dizemos que um elemento x de A tem simtrico se existe um elemento y A tal que x # y = y # x = e. Suponhamos que a operao # seja associativa e que y' e y'' sejam simtricos de x. Temos y' = y' # e y' = y' # (x # y'') y' = (y' # x) # y'' y' = e # y y' = y (e elemento neutro) (y'' simtrico de x e, portanto, x # y'' = e) (# associativa) (y' simtrico de x, e, portanto, y' # x = e) (e elemento neutro)

Assim, se um elemento x tem simtrico em relao a uma operao associativa, este simtrico nico. Para algumas operaes, o simtrico do elemento x continua sendo chamado simtrico de x e representado por -x. Para outras operaes, o simtrico dito inverso de x, caso em que representado por x-1. Como vimos na seo anterior, a composio de funes definida em (A) tem elemento neutro IA. Vamos discutir em que condies uma funo f de (A) possui simtrico em relao composio. Ou seja, vamos discutir as condies em que dada uma funo f de (A) existe uma funo g de (A) tal que f g = g f = IA . Como a composio de funes associativa, quando esta funo g existe ela nica e chamada inversa da funo f, sendo representada por f -1. Nesse caso, dizemos que f inversvel. Por exemplo, se A o conjunto das vogais, a funo f (A), f = {(a, e), (e, i), (i, o), (o, u), (u, a)} inversvel e f -1 = {(e, a), (i, e), (o, i), (u, o), (a, u)}. De fato, (f f -1)(a) = f (f -1(a))= f(u) = a, (f f -1)(e) = f (f -1(e)) = f(a) = e, (f f -1)(i) = f (f -1(i)) = f(e) = i, (f f -1)(o) = f (f -1(o)) = f(i) = o,19

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(f f )(u) = f (f -1(u)) = f(o) = u, o que mostra que f f -1 = IA. Como tambm (o que muito fcil verificar) f -1 f = IA, temos que f inversvel. Por seu turno, a funo g de (A), g = {(a, u), (e, u), (i, u), (o, u), (u, u)} no inversvel pois para que (g-1 g)(a) = a e (g-1 g)(e) = e dever-se-ia ter g-1(u) = a e g-1(u) = e e g-1 no seria uma funo. O conceito de inversibilidade de funo pode ser facilmente generalizado para as funes do conjunto (A, B), dados dois conjuntos A e B. Dizemos que uma funo f (A, B) inversvel se existe uma funo g (B, A) tal que f g = IB e g f = IA. Neste caso, e como acima, diz-se que g a funo inversa de A e indica-se g por f -1. Por exemplo, se A o conjunto das vogais e B = {b, c, d, f, g}, a funo f = {(a, b), (e, c), (i, d), (o, f), (u, g)} claramente inversvel e f -1 = {(b, a), (c, e), (d, i), (f, o), (g, u)}. Observe que f (A, B) inversvel, ento f -1 nica. De fato, se g1 e g2 so inversas de f temos g1 = IA g1 = (g2 f) g1 = g2 (f g1) = g2 IB = g2, onde utilizamos a observao do final da seo anterior e as igualdades f g1 = IB e g2 f = IA decorrentes da hiptese de que g1 e g2 eram inversas de f. Alm de f 1 ser nica ela tambm inversvel pois, sendo f f -1 = IB e f -1 f = IA, temos que (f -1)-1 = f. Nos exemplos apresentados, conclumos a inversibilidade ou no de uma funo procurando a sua funo inversa. Vamos mostrar uma forma de analisar a inversibilidade de uma funo sem nos preocuparmos com a inversa (na maioria das vezes, alm de precisarmos apenas saber se a funo inversvel, a determinao da inversa de uma funo no tarefa simples). Para isso, necessitamos de algumas definies. Uma funo f (A, B) dita injetiva (ou injetora ou uma injeo) se x1 x2 implicar f(x1) f(x2). Em outros termos, numa funo injetiva objetos diferentes tm sempre imagens diferentes. Ou ainda, numa funo injetiva de (A, B) no existe elemento de B que seja imagem de dois objetos distintos. Portanto, se f injetiva e f(x1) = f(x2), ento x1 = x2, o que uma outra forma de se caracterizar a injetividade. Por exemplo, se A o conjunto das vogais e B = {b, c, d, f, g}, a funo f = {(a, b), (e, c), (i, d), (o, f), (u, g)} claramente injetiva enquanto que a funo g = {(a, b), (e, b) , (i, d), (o, d), (u, g)} no o , pois g(a) = g(e). Obviamente, se g uma restrio de f (A, B) a um subconjunto de A e f injetora, ento g tambm injetora. Uma funo f (A, B) dita sobrejetiva (ou sobrejetora ou sobre ou, ainda, uma sobrejeo) se f(A) = B. Em outros termos, uma funo sobrejetiva se todo elemento do contradomnio imagem de algum objeto. A funo f do exemplo anterior sobrejetiva enquanto que a funo g no o , pois c g(A). Uma funo f (A, B) dita bijetiva (ou bijetora ou uma bijeo) se ela simultaneamente injetora e sobrejetora. Uma propriedade das funes bijetivas que ser til posteriormente a seguinte: Sejam X e Y dois conjuntos, a um elemento de X e b um elemento de Y. Se existir uma funo bijetiva f de X em Y, com b f(a), ento existe uma funo bijetiva g de X em Y tal que g(a) = b. De fato, como f sobrejetiva e b um elemento de Y, existe a' X tal que b = f(a'). Se definirmos g de X em Y por g(a) = b, g(a') = b', com b' = f(a), e g(x) = f(x) se x a e x a', temos que g bijetiva, pois a nica diferena entre f e g est no fato de que (a', b), (a, b') f enquanto (a', b'), (a, b) g. A inversibilidade de uma funo pode ser verificada sem que se determine a sua inversa, como mostra a seguinte propriedade.20

-1

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Uma funo f (A, B) inversvel se e somente se f bijetiva. Para provar, suponhamos inicialmente que f bijetora e provemos que f inversvel. Seja g a funo de B em A definida por g(y) = x, onde x tal que f(x) = y. Como f sobrejetora, para todo y B existe x A tal que y = f(x). Alm disso, este x nico pois f injetiva. Assim g est bem definida (ou seja, realmente uma funo) e (f g)(y) = f(g(y)) = f(x) = y, o que mostra que f g = IB, e (g f)(x) = g(f(x)) = g(y) = x, o que mostra que g f = IA. Assim f inversvel. Reciprocamente, suponhamos que f inversvel e provemos que f bijetiva. Para mostrar que f injetiva, suponhamos x1, x2 A com f(x1) = f(x2). Temos f -1(f(x1)) = f -1(f(x2)) e portanto x1 = x2, provando o que queramos. Para provar que f sobrejetiva, seja y B e provemos que existe x A tal que y = f(x). Como existe a funo f -1, temos que existe x A tal que x = f -1(y) e ento f(x) = f(f -1(y)) = IB(y) = y, concluindo o que queramos provar. Observe que uma funo bijetiva de um conjunto A num conjunto B e sua inversa (de B em A) estabelecem uma correspondncia entre os elemento dos dois conjuntos: cada elemento a de A relacionado com um nico elemento b de B (atravs da funo f) que, por sua vez, associado, de maneira nica, ao elemento a de A (atravs da inversa de f). Dizemos ento que uma funo bijetiva de um conjunto em outro conjunto estabelece uma correspondncia biunvoca ou uma correspondncia um a um entre os dois conjuntos.

1.18 Exerccios1.1. Verifique se cada uma das relaes abaixo, definidas no conjunto de habitantes da terra (com os significados usuais da linguagem coloquial), reflexiva, simtrica, transitiva ou total. a) x primo de y. b) x filho de y c) x ama y. 1.2. Verifique se a relao x chefe de y, definida no conjunto dos funcionrios da Universidade Federal de Alagoas (com o significado usual da linguagem coloquial), reflexiva, simtrica, transitiva ou total. 1.3. D um exemplo de uma relao binria definida no conjunto A = {a, b, c} que no seja reflexiva, seja simtrica e transitiva e no seja total. 1.4. Apresente um contraexemplo que mostre que a afirmao se R uma relao simtrica e transitiva, ento R reflexiva falsa. 1.5. Mostre que se p, q e r so predicados num conjunto A, ento a) p (q r) = (p q) (p r) (isto , a conjuno distributiva em relao disjuno) b) p (q r) = (p q) (p r) (isto , a disjuno distributiva em relao conjuno) 1.6. Mostre que se p um predicado num conjunto A, ento a) p (~p) = . b) p (~p) = . 1.7. Prove as leis de Morgan: se p e q so predicados num conjunto A ento a) ~(p q) = (~p) (~q). b) ~(p q) = (~p) (~q) 1.8. Sejam p e q predicados num conjunto A. Mostre que (p q) = (~p) q. 1.9. Sejam p e q predicados num conjunto A. Mostre que (p q) = ((~q) (~p)). 1.10. Sejam p e q predicados num conjunto A e uma contradio. Mostre que (p q) = ((p (~q)) ). 1.11. Sejam um universo U e A, B, C subconjuntos quaisquer de U. Mostre que21

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a) (A B) C = A (B C) (isto , a unio de conjuntos associativa) b) A B A c) (A B) C = A (B C) (isto , a interseo de conjuntos associativa) d) A (B C) = (A B) (A C) (isto , a interseo de conjuntos distributiva em relao unio) e) A (B C) = (A B) (A C) (isto , a unio de conjuntos distributiva em relao interseo) 1.12. Encontre contraexemplos que neguem as seguintes afirmaes. a) Se A B = A C ento B = C b) Se A B = A C ento B = C 1.13. Mostre que se A B = A C e A B = A C ento B = C. 1.14. Quando A B a diferena B - A chamada complementar de A em relao a B, indicada por CB(A). Mostre que, se A, A B a) CB(CB(A)) = A b) Se CB(A) CB(A) ento A A c) CB(A A) = CB(A) CB(A) 1.15. Sejam A e B dois conjuntos e f uma funo de A em B. Se X um subconjunto de A a imagem direta de X pela funo f o conjunto f(X) = {y B| y = f(x) para algum x A}. Seja Y outro subconjunto de A. Mostre que a) Se X Y ento f(X) f(Y) b) f(X Y) = f(X) f(Y) c) f(X Y) f(X) f(Y) d) Encontre um contraexemplo que mostre que f(X Y) f(X) f(Y) e) f(X - Y) f(X) - f(Y) f) Encontre um contraexemplo que mostre que f(X - Y) f(X) - f(Y) 1.16. Sejam A e B dois conjuntos e f uma funo de A em B. Se Y um subconjunto de B a imagem inversa de Y pela funo f o conjunto f -1(Y) = {x A| f(x) Y}. Seja Z outro subconjunto de A. Mostre que a) Se Y Z ento f -1(Y) f -1(Z) b) f -1(Z Y) = f -1(Z) f -1(Y) c) f -1(Z Y) = f -1(Z) f -1(Y) d) f -1(X - Y) = f -1(X) - f -1(Y) 1.17. Sejam A, B e C trs conjuntos, f uma funo de A em B e g uma funo de B em C. Mostre que a) Se f e g so injetoras, ento g f injetora b) Se f e g so sobrejetoras, ento g f sobrejetora c) Se f e g so bijetoras, ento g f bijetora d) Se g f injetora, ento f injetora e) Se g f injetora e f sobrejetora, ento g injetora f) Se g f sobrejetora, ento g sobrejetora g) Se g f sobrejetora e g injetora ento f sobrejetora h) Se f bijetora, ento f -1 bijetora 1.18. Apresente um contraexemplo que mostre que g f ser bijetora no implica f e g serem bijetoras. 1.19. Sejam A e B dois conjuntos e f uma funo de A em B. Mostre que existe uma funo g, de B em A, tal que f g = IB se e somente se f sobrejetiva. Neste caso, a funo g dita inversa direita de f. 1.20. Sejam A e B dois conjuntos e f uma funo de A em B. Mostre que existe uma funo g,22

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de B em A, tal que g f = IA se e somente se f injetora. Neste caso, a funo g dita inversa esquerda de f.

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2. Os nmeros naturais2.1 Axiomas, axiomaticamente teorias axiomticas, objetos construdos

Vimos na seo 1.1 que alguns objetos matemticos so admitidos de forma primitiva, no sendo definidos. Um conjunto um ente primitivo, enquanto que uma funo no o , sendo definida como o foi na seo 1.10. Uma outra forma de se conceber objetos matemticos se estabelecer propriedades s quais ele objeto deve satisfazer, independentemente de qualquer conceituao anterior. Neste caso, tais propriedades so chamadas axiomas ou postulados e diz-se que tal objeto foi construdo axiomaticamente. Axiomas tambm so utilizados para o estabelecimento de teorias matemticas. Para tal, objetos so concebidos de forma primitiva e se estabelecem as propriedades (os axiomas) a que estes objetos devem satisfazer. Uma teoria assim obtida dita uma teoria axiomtica e o exemplo mais conhecido a Geometria Euclidiana, que foi construda a partir dos entes primitivos ponto, reta e plano e de axiomas (chamados Postulados de Euclides) como os seguintes: Dois pontos distintos determinam uma nica reta. Uma reta sempre contm dois pontos distintos Existem trs pontos que no pertencem a uma mesma reta Por um ponto no pertencente a uma reta passa uma nica reta que paralela reta dada.

Estabelecidos os entes primitivos e os axiomas de uma teoria, sua ampliao decorre da construo de outros objetos (por definies ou construes axiomticas) a serem manipulados na teoria e do estabelecimento de propriedades gozadas pelos entes primitivos e pelos novos objetos definidos. Estas propriedades so estabelecidas em lemas, proposies, teoremas e corolrios. Um lema uma propriedade que no tem muita importncia por si mesma, mas bsica para a demonstrao de outras propriedades; um teorema uma propriedade que tem extrema importncia na teoria que est sendo desenvolvida ou tem importncia histrica no desenvolvimento da Matemtica como um todo; um corolrio uma consequncia imediata de uma proposio (propriedade de importncia mediana) ou de um teorema. Considerando que lemas, proposies, teoremas e corolrios no so axiomas, suas veracidades devem ser devidamente demonstradas.

2.2 O conjunto dos nmeros naturaisDesde os primeiros anos do ensino fundamental estamos acostumados a trabalhar com nmeros naturais, associando-os sempre ideia de quantidade e utilizando-os para realizar contagens. Aprendemos a somar e a multiplicar tais nmeros, mas no estabelecemos exatamente o que eles so. o que faremos agora. Vamos estabelecer axiomaticamente que o conjunto dos nmeros naturais o conjunto, indicado por , que satisfaz aos seguintes axiomas, chamados postulados de Peano: 1. Existe uma funo injetiva s de em (a funo s chamada sucessor e, para cada n , a imagem s(n) dita sucessor de n). 2. Em existe um elemento, chamado um e indicado por 1, tal que s() = {1}. 3. Se um predicado p definido em tal que i) p(1) = V, ii) se p(n) = V, ento p(s(n)) = V,24

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ento p uma tautologia em . Observe que o segundo axioma implica que e que s(1) 1. Assim, possui elementos diferentes de 1. Representando por 2 (chamado dois) o natural s(1) e por 3 (chamado trs) o natural s(2), temos que 3 2, pois se s(2) = 2, s no seria injetiva j que s(1) = 2. Na verdade, provaremos adiante que temos s(n) n, qualquer que seja n . Utilizando as representaes estabelecidas acima, representaremos o conjunto dos nmeros naturais por = {1, 2, 3,...}, onde as reticncias "substituem" s(3) = 4 (quatro), s(4) = 5 (cinco), s(5) = 6 (seis), s(6) = 7 (sete), s(7) = 8 (oito), s(8) = 9 (nove), s(9) = 10 (dez), s(10) = 11 (onze), s(11) = 12 (doze) e, assim, sucessivamente. O fato de utilizarmos o smbolo 1 repetido para representar o natural onze ser explicado no captulo 5. Observe ainda que este axioma implica que todo elemento n , n 1, sucessor de um natural m. Este natural m chamado antecessor de n e indicado por n 1 (como veremos adiante, o sucessor de n indicado n + 1). Observe tambm que s(n 1) = n. O terceiro axioma chamado princpio da induo e pode ser utilizado para demonstrar afirmaes sobre nmeros naturais: para se demonstrar uma afirmao sobre os nmeros naturais, basta se provar que a afirmao verdadeira para 1 e que se for verdadeira para um natural k, s-lo para o natural s(k). A condio (i) chamada base da induo e a assuno p(n) = V chamada hiptese de induo. Como mostra a proposio a seguir, o princpio da induo pode ser enunciado de uma outra forma. Proposio 1.2 O princpio da induo equivalente seguinte propriedade: Se A um subconjunto de tal que 1 A e n A implica s(n) A, ento A = . Demonstrao Provemos inicialmente que o princpio da induo implica a propriedade acima. Para isto, seja A um subconjunto de tal que 1 A e n A implica s(n) A. Considere o predicado p em definido por p(x) = V se e somente se x A. De 1 A temos que p(1) = V e de n A implica s(n) A temos que p(n) = V implica p(s(n)) = V. Assim, pelo princpio da induo, p uma tautologia em e, portanto, n A para todo n . Logo A = . Provemos agora que a propriedade acima implica o princpio da induo. Seja ento um predicado p em tal que p(1) = V e se p(k) = V, ento p(s(k)) = V. Considere o conjunto A = {x | p}. De p(1) = V segue que 1 A e de p(k) = V implica p(s(k)) = V segue que n A implica s(n) A. Assim, pela propriedade, A = e p uma tautologia em .

2.3 Operaes no conjunto dos nmeros naturaisEm definimos as seguintes operaes, considerando n e m nmeros naturais: Adio (operador: +, denominao: mais) a) n + 1 = s(n); b) n + (m + 1) = s(n + m). Multiplicao (operador: . ou , denominao: vez(es)) a) n . 1 = n; b) n . (m + 1) = n . m + n. Observe que, de acordo com o item a da definio da adio, os itens b podem ser escritos:25

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n + s(m) = s(n + m) e n . s(m) = n . m + n. necessrio se provar que estas operaes so, de fato, operaes em . Isto , necessrio provar que se m, n , ento n + m e n . m . Para demonstrar a primeira afirmao, seja n e consideremos o predicado em definido por p(m) = V se n + m . Temos que p(1) = V, pois n + 1 = s(n) e s uma funo de em . Alm disso, se p(m) = V, temos n + m e ento, como n + s(m) = n + (m + 1) = s(n + m), temos p(s(m)) = V, pois, novamente, s uma funo de em . Evidentemente, este raciocnio pode se aplicar multiplicao. Exemplos a) 1 + 1 = s(1) = 2 b) 2 + 1 = s(2) = 3. c) 1 + 2 = 1 + (1 + 1) = s(1 + 1) = s(2) = 3. d) 2 + 2 = 2 + (1 + 1) = s(2 + 1) = s(3) = 4. e) 1 2 = 1 (1 + 1) = 1 1 + 1 = 1 + 1 = 2. f) 2 2 = 2 (1 + 1) = 2 1 + 2 = 2 + 2 = 4. Observe que, do mesmo modo que 2 = 1 + 1 = 2 e 3 = 2 + 1, temos 4 = 3 + 1, 5 = 4 + 1, 6 = 5 + 1, , 12 = 11 + 1. Observe ainda que 3 = 2 + 1 = 1 + 1 + 1, 4 = 3 + 1 = 1 + 1 + 1 + 1 e, assim, para um natural n qualquer, n = 1 + 1 + + 1, com o segundo membro contendo n parcelas, ou seja n vezes 1. Isto justifica a denominao vezes para o operador da multiplicao. Vale observar tambm que estas so as operaes com nmeros naturais que aprendemos nos primeiros anos do ensino fundamental. A imagem n + m chamada soma de n e m. Neste caso, n e m so chamados parcelas. A imagem n . m chamada produto de n por m. Neste caso, n e m so chamados fatores. Um produto do tipo n . n pode ser representada por n2 (lido n ao quadrado). Observe que o conceito de antecessor introduzido na seo anterior e a definio de adio implicam que se n 1, ento (n 1) + 1 = n. Para analisar a comutatividade, a associatividade e a existncia de elemento neutro da multiplicao, necessitamos do seguinte lema. Lema 1.2 Para todo n , temos i) n + 1 = 1 + n; ii) n . 1 = 1 . n. Demonstrao i) Consideremos o predicado em p(n) = V se n + 1 = 1 + n. Temos que p(1) = V pois, evidentemente, 1 + 1 = 1 + 1. Suponhamos agora que p(n) = V e provemos, a partir da, que p(s(n)) = V. De p(n) = V, temos n + 1 = 1 + n e ento 1 + s(n) = s(1 + n) = s(n + 1) = (n + 1) + 1 = s(n) + 1 e, portanto, p(s(n)) = V. Assim, pelo Princpio da Induo, p(n) = V para todo n . ii) Consideremos o predicado em , p(n) = V se n . 1 = 1 . n. Temos que p(1) = V pois, evidentemente, 1 . 1 = 1 . 1. Suponhamos agora que p(n) = V e provemos, a partir da, que p(s(n)) = V. De p(n) = V, temos n . 1 = 1 . n e ento s(n) . 1 = s(n) = n + 1 = n . 1 + 1 = 1 . n + 1 = 1 . s(n), onde, na ltima igualdade, utilizamos o item26

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(b) da definio da multiplicao. Logo p(s(n)) = V. Uma implicao imediata da igualdade n + 1 = 1 + n a inexistncia de elemento neutro da adio. De fato, se existisse um natural e tal que n + e = e + n = n, para todo natural n, teramos 1 + e = e + 1 = 1, contrariando o segundo postulado de Peano. Por seu turno, as igualdades n = n . 1 = 1 . n implicam que o natural 1 o elemento neutro da multiplicao. Sobre as demais propriedades das operaes temos a seguinte proposio. Proposio 2.2 As operaes adio e multiplicao so associativas e comutativas e a multiplicao distributiva em relao adio. Isto , para todos n, m, p , temos i) n + (m + p) = (n + m) + p (associatividade da adio); ii) n . (m + p) = n . m + n . p (distributividade da multiplicao em relao adio); iii) n . (m . p) = (n . m) . p (associatividade da multiplicao); iv) n + m = m + n (comutatividade da adio); v) n . m = m . n (comutatividade da multiplicao); Demonstrao. i) Sejam n, m e consideremos o predicado em p(k) = V se (n + m) + k = n + (m + k). Temos p(1) = V, pois (n + m ) + 1 = s(n + m) = n + (m + 1), onde na ltima igualdade foi utilizada o item b da definio da adio. Suponhamos que p(k) = V, ou seja, suponhamos que (n + m) + k = n + (m + k), e provemos que p(s(k)) = V. Temos (n + m) + s(k) = s((n + m) + k) = s(n + (m + k)) = n + s(m + k) = n + (m + s(k)). ii) Sejam n, m e consideremos o predicado em p(k) = V se n . (m + k) = n . m + n . k. Temos p(1) = V, pois n . (m + 1) = n . m + n = n . m + n . 1. Suponhamos que p(k) = V, ou seja, suponhamos que n . (m + k) = n . m + n. k, e provemos que p(s(k)) = V. Temos n . (m + s(k)) = n . s(m + k) = n . ((m + k) + 1) = n . (m + k) + n = (n . m + n . k) + n = = n . m + (n . k + n) = n . m + n . s(k). iii) Sejam n, m e consideremos o predicado em p(k) = V se (n . m) . k = n . (m . k). Temos p(1) = V, pois (n . m) . 1 = n . m = n . (m . 1). Suponhamos que p(k) = V, ou seja, suponhamos que (n . m) . k = n . (m . k), e provemos que p(s(k)) = V. Temos (n . m) . s(k) = (n . m) . k + (n . m) (n . m) . s(k) = n . (m .k) + n . m (n . m) . s(k) = n . (m . k + m) (n . m) . s(k) = n . (m . s(k)) (definio da multiplicao) (hiptese indutiva) (distributividade "ao contrrio") (definio de multiplicao)

iv) Seja n e consideremos o predicado em p(m) = V se n + m = m + n. Pelo lema 1.2, temos p(1) = V. Suponhamos que p(m) = V, ou seja, suponhamos que n + m = m + n, e provemos que p(s(m)) = V. Temos n + s(m) = n + (m + 1) (definio de sucessor)27

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n + s(m) = (n + m) + 1 n + s(m) = (m + n) + 1 n + s(m) = m + (n + 1) n + s(m) = m + (1 + n) n + s(m) = (m + 1) + n n + s(m) = s(m) + n

(associatividade da adio) (hiptese indutiva) (associatividade da adio) (lema 1.2) (associatividade da adio) (definio de sucessor)

v) Seja n e consideremos o predicado em p(m) = V se n . m = m . n. Pelo lema 1.2, temos p(1) = V. Suponhamos que p(m) = V, ou seja, suponhamos que n . m = m . n, e provemos que p(s(m)) = V. Inicialmente, provemos que (n + m) . p = n . p + m . p, quaisquer que sejam os naturais n, m e p. Para isto, consideremos o predicado em q(k) = V se (n + m) . k = n . k + m . k. Temos que q(1) = V, pois (m + n) . 1 = m + n = m . 1 + n . 1. Suponhamos que q(k) = V e provemos que q(s(k)) = V. Temos (m + n) . (k + 1) = (m + n) . k + m + n (m + n) . (k + 1) = m . k + n . k + m + n (m + n) . (k + 1) = m . k + m + n . k + n (m + n) . (k + 1) = m . (k + 1) + n . (k + 1) Agora, voltando ao predicado p, temos n . (m + 1) = n . m + n n . (m + 1) = m . n + n n . (m + 1) = m . n + 1 . n n . (m + 1) = (m + 1) . n (definio de multiplicao) (hiptese indutiva) (n = n . 1 = 1 .n) (demonstrao acima) (distributividade e associatividade da soma) (hiptese indutiva) (comutatividade da adio) (distributividade "ao contrrio")

As propriedades mostradas acima, entre outras finalidades, servem para facilitar a determinao de resultados de operaes. Por exemplo, 3 + 4 = 4 + 3 = 4 + (2 + 1) = 4 + (1 + 2) = (4 + 1) + 2 = 5 + 2 = 5 + (1 + 1) = 6 + 1 = 7 2 . 4 = 2 . (2 + 2) = 2 . 2 + 2 . 2 = 4 + 4 = 4 + (3 + 1) = (4 + 3) + 1 = 7 + 1 = 8. A prtica diuturna permite memorizar os resultados das operaes envolvendo os naturais de 1 a 9: so as tabuadas da adio e da multiplicao. Observe que a distributividade da multiplicao em relao soma, dada por n . (m + p) = n . m + n . p, foi algumas vezes utilizada do segundo membro para o primeiro. Quando se utiliza esta propriedade neste sentido, se diz que se est fatorando n ou que se est colocando n em evidncia. Observe tambm que, como m = 1 + 1 + + 1, m vezes, a distributividade implica que m . n = (1 + 1 + + 1) . n = n + n + + n, m vezes. Ou seja, um produto pode ser visto como uma soma de parcelas iguais. Corolrio 1.2 Se n, m , ento s(n) + m = n + s(m). Demonstrao Temos s(n) + m = (n + 1) + m = n + (1 + m) = n + (m + 1) = n + s(m) Pela injetividade da funo sucessor estabelecida no primeiro axioma de Peano, temos que n + 1 = m + 1 implica m = n. Na verdade, esta concluso pode ser generalizada, de acordo com a seguinte proposio, chamada lei do corte (ou do cancelamento) da adio. Proposio 3.228

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Sejam n, m, k . Se n + k = m + k, ento n = m. Demonstrao Consideremos o predicado em definido por p(k) = V se n + k = m + k implicar n = m. Pela observao acima temos que p(1) = V. Suponhamos que p(k) = V e provemos que p(s(k)) = V. Ora, se n + (k + 1) = m + (k + 1), temos, por associatividade, (n + k) + 1 = (m + k) + 1 e ento, pelo primeiro axioma de Peano, n + k = m + k. Da, pela hiptese de induo, n = m, provando que p(s(k)) = V.

2.4 Equaes no conjunto dos nmeros naturaisPara analisarmos uma lei do corte para a multiplicao e definirmos uma relao de ordem no conjunto dos nmeros naturais, consideremos a seguinte definio. Se x uma indeterminada em e n, m so nmeros naturais, uma igualdade do tipo n + x = m chamada de uma equao em . Um natural r tal que n + r = m chamado soluo da equao e se uma equao admitir uma soluo ela dita solvel. Por exemplo, a equao 1 + x = 3 solvel, sendo 2 uma das suas solues. Claramente, a soluo de uma equao em solvel nica. De fato, se r e r so solues da equao n + x = m, temos n + r = m e n + r = m o que implica, pela transitividade da igualdade, n + r = n + r, advindo da, pela lei do corte para adio, r = r. Assim, 2 a soluo da equao 1+x=3 Sobre equaes em , temos a seguinte proposio Proposio 4.2 Sejam n, m , i) A equao n + x = n no solvel. ii) Se a equao n + x = m for solvel, ento a equao m + x = n no solvel. iii) Se a equao n + x = m for solvel, ento s(n) = m ou a equao s(n) + x = m solvel. iv) Se a equao n + x = s(m) no solvel, ento a equao n + x = m tambm no . v) Se a equao n + x = m no for solvel, ento n = m ou a equao m + x = n solvel. Demonstrao i) Se existisse r tal que n + r = n, teramos n + (r + 1) = n + 1 o que implicaria, pela lei do corte, r + 1 = 1, contrariando o segundo axioma de Peano. ii) Se as equaes n + x = m e m + x = n fossem solveis, existiriam naturais r e p tais que n + r = m e m + p = n. Da, n + (r + p) = n e a equao n + x = n teria soluo. iii) Seja k a soluo da equao n + x = m. Se k = 1, temos n + 1 = m e, portanto, m = s(n). Se k 1, temos k = s(k 1) e ento n + s(k 1) = m o que implica, pelo corolrio 1.2, s(n) + (k 1) = m. Esta igualdade mostra que a equao s(n) + x = m solvel. iv) Se a equao n + x = m fosse solvel, existiria um natural r tal que n + r = m, o que implicaria n + (r + 1) = m + 1 e a equao n + x = s(m) seria solvel. v) Seja n e consideremos o predicado em p(m) = V se a equao n + x = m no for solvel, ento n = m ou a equao m + x = n solvel. Temos que p(1) = V, pois se n + x = 1 no for solvel e tivermos n 1, temos s(n 1) = n e ento 1 + (n 1) = s(n 1) = n e a equao 1 + x = n solvel. Suponhamos que p(m) = V e provemos que p(s(m)) = V. Para isto, suponhamos que a equao29

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n + x = s(m) no seja solvel. Da, pelo item iv, a equao n + x = m no solvel o que implica pela hiptese de induo n = m ou n + x = m solvel. Porm, n m, pois, do contrrio, n + 1 = s(m), o que contraria a hiptese levantada acima de que a equao n + x = s(m) no solvel. Logo, m + x = n solvel e ento, pelo item iii, s(m) = n ou s(m) + x = n solvel, mostrando que p(s(m)) = V. Observe que o item (i) da proposio acima implica que dado um natural n no existe um natural k tal que n + k = n. Desta observao segue que s(n) n, para todo natural n. Agora temos condies de provar a lei do corte para a multiplicao. Proposio 5.2 Se n, m, p e n . p = m . p, ento n = m. Demonstrao Pela proposio anterior, se n m, uma das equaes n + x = m ou m + x = n seria solvel. Se existisse um natural r tal n + r = m, teramos (n + r) . p = m . p o que implicaria n . p + r. p = m . p e a equao n . p + x = m . p seria solvel, contrariando o item i da proposio anterior, pois, por hiptese, n . p = m . p. Como evidente que este raciocnio se aplica possibilidade de que a equao m + x = n seja solvel, temos que n = m.

2.5 Uma relao de ordem no conjunto dos nmeros naturaisNo conjunto dos nmeros naturais definimos uma relao, chamada menor do que ou igual a e indicada pelo smbolo , por n m se n = m ou a equao n + x = m solvel. Observe que, como a solubilidade da equao n + x = m implica a existncia de um natural r tal que n + r = m, a relao poderia ser definida da seguinte forma n m se n = m ou existe um natural r tal que n + r = m. Proposio 6.2 A relao uma relao de ordem. Isto , reflexiva, antissimtrica, transitiva e total. Demonstrao Sejam a, b e c nmeros naturais quaisquer. Pela prpria definio da relao, se a = b, temos a b. Assim, a a e a relao reflexiva. Suponhamos agora que a b e b a. Se a e b fossem diferentes, as equaes a + x = b e b + x = a seriam solveis o que contrariaria a proposio 4.2. Logo a = b e a relao antissimtrica. Se a b e b c, temos a = b ou existe um natural p tal que a + p = b e b = c ou existe um natural r tal que b + r = c. Da, a = c ou a + (r + p) = c, o que mostra que a c. Assim, transitiva. Finalmente, a proposio 4.2 garante que a = b ou a +