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Natação Soares, S. (2000). Natação. In: Educação Física no 1º Ciclo, 154 a173, Ed. CMP e FCDEF-UP. Susana Soares FCDEF-UP Introdução A natação é, dentro da expressão e educação físico-motora, uma das modalidades de mais difícil abordagem na escola, o que se deve, principalmente, à ausência de espaços próprios para o seu ensino. Dotar os alunos de competências natatórias significa, na maioria dos casos, deslocações até piscinas municipais ou privadas, situadas em espaços geográficos de acessibilidade nem sempre fácil. Estas dificuldades conduziram, tradicionalmente, a um abandono, não só da natação, como das modalidades afins (polo aquático, natação sincronizada,…). Apesar de, actualmente, ser ainda difícil a deslocação dos alunos, as novas políticas autárquicas de construção de vários tanques, equitativamente distribuídos pelos espaços urbanos e vocacionados para o ensino da natação, abre a porta ao estabelecimento de protocolos de prestação de serviços entre as autarquias e as escolas, destacando-se as do primeiro ciclo. Assim, a maioria dos professores que há muito se haviam esquecido desta modalidade vêm-se agora confrontados com a necessidade de ensinar os seus alunos a nadar. E que natação? Uma natação moderna, cujos padrões técnicos, regulamento técnico e metodologias de ensino sofreram algumas alterações importantes, as quais é necessário dominar para promover um ensino de sucesso. A todos os professores do primeiro ciclo, há muito formados ou ainda em formação, coloca-se o desafio desta actividade nova e foi a pensar neles que nasceu este documento. O trabalho aqui apresentado pretende ser uma proposta metodológica para o ensino da natação, considerando que o aluno parte da inadaptação total à água e vai adquirindo um conjunto de competências que o levam ao domínio das quatro técnicas de nado, respectivas partidas e viragens. Pretende-se, ainda, que professor seja capaz de identificar o nível de evolução de cada um dos seus alunos, resolver possíveis inadaptações respeitantes a fases do ensino anteriores e desenvolver um trabalho variado e criativo, seguindo o fio condutor que aqui se apresenta. 1. Adaptação ao Meio Aquático Ao primeiro grupo de adaptações motoras básicas, no âmbito da natação, chamamos adaptação ao meio aquático (AMA) e nela englobamos todos os sujeitos que apresentam um grau de inadaptação tal que não conseguem sustentar-se dentro de água. O objectivo será, pois, dotar os alunos de um conjunto de competências que lhes permitam deslocar-se autonomamente no meio aquático, mas sem que para isso necessitem, ainda, de usar um padrão de nado estilizado (crol, costas, bruços ou mariposa). Nesta fase, a água, face ao comportamento humano, é um elemento hostil, criando diversas dificuldades (Mota, 1990), as quais podem ser agrupadas em três grandes domínios: a respiração, o equilíbrio e a propulsão (deslocar-se dentro de água). Partindo do pressuposto que o aluno tem uma inadaptação total à água, algo similar a uma ausência total de contacto com este meio, há uma progressão de objectivos destes três domínios a cumprir, antes de passar ao ensino das técnicas propriamente ditas. No quadro 1 apresentamos a proposta metodológica de abordagem desta primeira etapa da aprendizagem da natação. Quadro 1. Proposta metodológica para adaptação ao meio aquático

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Natação Soares, S. (2000). Natação. In: Educação Física no 1º Ciclo, 154 a173, Ed. CMP e FCDEF-UP.

Susana SoaresFCDEF-UP

Introdução

A natação é, dentro da expressão e educação físico-motora, uma das modalidades de mais difícilabordagem na escola, o que se deve, principalmente, à ausência de espaços próprios para o seu ensino.Dotar os alunos de competências natatórias significa, na maioria dos casos, deslocações até piscinasmunicipais ou privadas, situadas em espaços geográficos de acessibilidade nem sempre fácil. Estasdificuldades conduziram, tradicionalmente, a um abandono, não só da natação, como das modalidades afins(polo aquático, natação sincronizada,…). Apesar de, actualmente, ser ainda difícil a deslocação dos alunos,as novas políticas autárquicas de construção de vários tanques, equitativamente distribuídos pelos espaçosurbanos e vocacionados para o ensino da natação, abre a porta ao estabelecimento de protocolos deprestação de serviços entre as autarquias e as escolas, destacando-se as do primeiro ciclo.

Assim, a maioria dos professores que há muito se haviam esquecido desta modalidade vêm-se agoraconfrontados com a necessidade de ensinar os seus alunos a nadar.

E que natação?Uma natação moderna, cujos padrões técnicos, regulamento técnico e metodologias de ensino sofreram

algumas alterações importantes, as quais é necessário dominar para promover um ensino de sucesso. Atodos os professores do primeiro ciclo, há muito formados ou ainda em formação, coloca-se o desafio destaactividade nova e foi a pensar neles que nasceu este documento.

O trabalho aqui apresentado pretende ser uma proposta metodológica para o ensino da natação,considerando que o aluno parte da inadaptação total à água e vai adquirindo um conjunto de competênciasque o levam ao domínio das quatro técnicas de nado, respectivas partidas e viragens. Pretende-se, ainda,que professor seja capaz de identificar o nível de evolução de cada um dos seus alunos, resolver possíveisinadaptações respeitantes a fases do ensino anteriores e desenvolver um trabalho variado e criativo,seguindo o fio condutor que aqui se apresenta.

1. Adaptação ao Meio Aquático

Ao primeiro grupo de adaptações motoras básicas, no âmbito da natação, chamamos adaptação ao meioaquático (AMA) e nela englobamos todos os sujeitos que apresentam um grau de inadaptação tal que nãoconseguem sustentar-se dentro de água.

O objectivo será, pois, dotar os alunos de um conjunto de competências que lhes permitam deslocar-seautonomamente no meio aquático, mas sem que para isso necessitem, ainda, de usar um padrão de nadoestilizado (crol, costas, bruços ou mariposa).

Nesta fase, a água, face ao comportamento humano, é um elemento hostil, criando diversas dificuldades(Mota, 1990), as quais podem ser agrupadas em três grandes domínios: a respiração, o equilíbrio e apropulsão (deslocar-se dentro de água). Partindo do pressuposto que o aluno tem uma inadaptação total àágua, algo similar a uma ausência total de contacto com este meio, há uma progressão de objectivos destestrês domínios a cumprir, antes de passar ao ensino das técnicas propriamente ditas. No quadro 1apresentamos a proposta metodológica de abordagem desta primeira etapa da aprendizagem da natação.

Quadro 1. Proposta metodológica para adaptação ao meio aquático

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Conteúdos

Objectivos Exercícios

Equilíbrio Adoptar e manter a posição vertical, realizandodeslocamentos no espaço aquático, sem perder oequilíbrio.

Respiração

Aceitar o contacto da água com os olhos, o narize a boca, abrindo os olhos debaixo de água econtrolando a respiração em imersão (dentro deágua) e emersão (fora de água).

Equilíbrio Realizar imersões em posição vertical, mantendoa apneia inspiratória*.

*Realizar uma inspiração forçada e manter o ar dentrodo peito.

Adoptar a posição de medusa (igual à posiçãofetal), deixando-se manipular sem perder oequilíbrio.

Realizar a passagem autónoma da posiçãovertical à horizontal, primeiro ventral e,posteriormente, à dorsal.

Deslizar*, quer em posição ventral, quer dorsal,mantendo os segmentos corporais alinhados.

* Acção de empurrar a parede com os pés e deixar ocorpo avançar na água, até começar a perdervelocidade.Rodar em torno dos eixos longitudinal (parafuso)e transversal (cambalhota), mantendo ossegmentos corporais alinhados.

Propulsão

Bater as pernas em posição ventral e dorsal, semperder o alinhamento horizontal (manter o corpoparalelo ao fundo da piscina). Numa primeira fasetrabalhar com placa e, posteriormente, sem apoio.

Respiração

Coordenar a respiração com o batimento daspernas. Numa primeira fase trabalhar com placae, posteriormente, sem apoio.

Propulsão

Realizar, em posição ventral, movimentosalternados ou simultâneos com os membrossuperiores, com recuperação aérea ousubaquática, mantendo o alinhamento horizontal.

Respiração

Realizar a respiração associada aos movimentosdos membros superiores, coordenando os ciclosinspiratórios e expiratórios.

Propulsão

Coordenar os movimentos dos membrosinferiores e superiores entre si e com arespiração, sem perder o alinhamento horizontal(por exemplo, nado à cão).

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Saltar para a água em pé, partindo do bordo dapiscina, mantendo os segmentos corporaisalinhados.

Entrar para a água por mergulho de cabeça,partindo da posição sentado no bordo da piscina,mantendo a cabeça alinhada sob os membrossuperiores.

Design: Paulo Ferreira

Um dos principais erros no trabalho de adaptação ao meio aquático está na ânsia que o professor tem dever os seus alunos a propulsionarem-se na água (bater pernas com e sem placa, nadar crol...), esquecendoas adaptações respiratórias (abrir os olhos, suster a respiração nas imersões, ...) e de equilíbrio (deslizar,...) anteriores. De acordo com a progressão que apresentamos, isto equivaleria a começar pelo penúltimoobjectivo do domínio da respiração, esquecendo todos os objectivos anteriores. É importante ter paciência,não ter pressa (não queimar etapas de aprendizagem), deixando objectivos importantes por cumprir. Porexemplo, um aluno que não consegue imergir a cara na água nunca vai conseguir adoptar uma posiçãohorizontal suficientemente estável para adquirir um padrão de batimento correcto das pernas, isto porquevai ter a cabeça muito elevada, para a água não chegar à boca e aos olhos. A posição alta da cabeça, como pescoço muito esticado, vai ter como consequência o afundamento das pernas. O corpo fica oblíquo, emrelação ao fundo da piscina, e, nesta posição, o nado torna-se penoso, obrigando o aluno a fazer grandesesforços.

Dois aspectos importantes que costumam ser relegados para segundo plano, durante a fase de adaptaçãoao meio aquático, são o ensino da posição hidrodinâmica (fig. 1), quando se abordam os deslizes, e oensino da forma correcta de pega da placa (ver 3.1).

A posição hidrodinâmica é a posição corporal de maior alinhamento segmentar, revestindo-se de extremaimportância na fase de deslize subsequente à realização das partidas e viragens. É muito importante que osalunos se habituem a adoptá-la logo nos primeiros deslizes. É mais fácil o aluno adquirir estecomportamento durante a fase de adaptação ao meio do que, mais tarde, durante o ensino das técnicas departida e viragem.

Posição hidrodinâmicaAlinhamento total dos segmentos corporais. O corpo está

completamente esticado, as mãos sobrepostas e a cabeça sob osbraços.

Design: PauloFerreira

Figura 1 - Posição hidrodinâmica.

2. Técnicas de nado

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Depois das questões essenciais da adaptação ao meio aquático estarem totalmente resolvidas, os alunosestão prontos a iniciar a aprendizagem das quatro técnicas de nado. Sugerimos que se inicie este processopelo ensino simultâneo das técnicas de crol e de costas, passando, seguidamente, ao bruços e, por fim, àmariposa.

2.1. Técnicas de crol e costas

No quadro 2 encontra-se uma proposta metodológica para o ensino das técnicas de crol e de costas.

Quadro 2. Proposta metodológica para o ensino das técnicas de crol e de costas.

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Conteúdos

Objectivos Exercícios

Pernadade crol

Realizar a pernada de crol, com e sem placa,após saída da parede em deslize.

Pernadade crol erespiração

Realizar a pernada de crol, com e sem placa,após saída da parede em deslize, rodando acabeça lateralmente para respirar.

Pernadade costas

Realizar a pernada de costas, com e sem placa,após saída da parede em deslize.

Pernadade crol ebraçada sócom ummembrosuperior

Nadar crol, só com o braço direito ou esquerdo,não parando a pernada durante a realizaçãodas braçadas.

Pernadade costas ebraçada sócom ummembrosuperior

Nadar costas, só com o braço direito ouesquerdo, não parando a pernada durante arealização das braçadas.

Pernadade cro l ,braçada sócom ummembrosuperior erespiração

Nadar crol, apenas com um dos membrossuperiores, virando a cabeça lateralmente pararespirar.

Técnica decrolcompleta

Nadar crol, coordenando as acções dosmembros superiores, inferiores e respiração,num percurso de 25 metros.

Viragemfrontal ouaberta

Realizar a viragem frontal ou aberta*, após nadode crol, respirando apenas durante a rotação docorpo.

* Tocar a parede com as duas mãos e puxar osjoelhos ao peito para apoiar os pés na parede. Deseguida, rodar para a posição ventral e esticar osbraços à frente, levando um por fora e outro pordentro de água. Empurrar a parede e realizar odeslize em posição hidrodinâmica.

Técnica decostascompleta

Nadar costas, coordenando as acções dosmembros superiores e inferiores, num percursode 25 metros.

Partida decrol(partidaengrupada)

Mergulhar de cabeça, a partir da posição desentado no primeiro degrau das escadas deacesso à piscina, mantendo o corpo em posiçãoengrupada (igual à posição fetal).

Mergulhar de cabeça, a partir da posição desentado no bordo da piscina, mantendo o corpoem posição engrupada.

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Mergulhar de cabeça, a partir da posição decócoras, mantendo o corpo em posiçãoengrupada.

Mergulhar de cabeça, a partir da posição de péno bordo da piscina, esticando o corpo duranteo salto.

Realizar a partida de crol, a partir do bloco,esticando o corpo durante o salto e realizando odeslize em posição hidrodinâmica após aentrada na água.

Partida decostas

Realizar a partida de costas*, a partir do bloco,esticando o corpo e realizando o deslize emposição hidrodinâmica após a entrada na água.

*Agarrar o bloco em posição engrupada e realizar apartida de costas atirando a cabeça, o tronco e osmembros superiores para trás, levando o corpo adescrever uma trajectória aérea em posiçãoarqueada.

Viragem decrol(cambalhota)

Realizar um rolamento ventral (cambalhota), acerca de 1 metro da parede, e impulsioná-lacom os pés, por forma a sair em posição dorsal(corpo em posição hidrodinâmica).

Realizar um rolamento ventral a cerca de 1metro da parede, e impulsioná-la com os pés,rodando, simultaneamente, para a posiçãoventral, por forma a executar o deslize emposição hidrodinâmica.Realizar a viragem, após nado de crol, semlevantar a cabeça para respirar antes de iniciaro rolamento ventral.

Viragem decostas(cambalhota)

Nadar costas e, ao chegar a cerca de 1 m daparede, rodar para a posição ventral*, deixando-se deslizar até lhe tocar.

* A rotação realiza-se durante a última braçada.Realizar a viragem*, após nado de costas.

* Rodar para a posição ventral na última braçada decostas, dar uma cambalhota sem tocar com as mãosna parede e empurrá-la com os pés, deslizando emposição dorsal hidrodinâmica.

Design: Paulo Ferreira

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2.2. Técnica de bruços

No quadro 3 encontra-se uma proposta metodológica para o ensino da técnica de bruços.

Quadro 3. Proposta metodológica para o ensino da técnica de bruços.

Conteúdos

Objectivos Exercícios

Pernadade bruços

Realizar a pernada de bruços, após saída da paredeem deslize. No momento em que as pernas dobram,os pés devem estar mais afastados que os joelhos.

Pernadacoordenada com arespiração

Realizar a pernada de bruços, elevando a cabeçapara respirar no momento em que as pernasdobram.

Pernadacoordenada combraçadasó comummembrosuperiorerespiração.

Realizar a pernada de bruços coordenada com arespiração, iniciando o afastamento do braço direitoou esquerdo, após a flexão dos membros inferiores.

Pernadacoordenada com abraçadae arespiração.

Realizar a pernada de bruços coordenada com arespiração, iniciando o afastamento dos braços, apósa flexão dos membros inferiores.

Técnicade bruçoscompleta

Realizar a técnica completa de bruços, iniciando abraçada e elevando a cabeça para respirar, nomomento em que os pés se juntam.

Partidade bruços

Após empurrar a parede com os pés e deslizar emposição hidrodinâmica, realizar uma braçadasubmarina*, fazendo passar as mãos pela frente dotronco. O movimento termina quando as mãoschegam à anca.

* Estando os membros superiores em extensão ao nívelda cabeça, puxar as mãos pela frente do tronco, até aonível das coxas.Realizar a partida (salto) do bloco, deslize e braçadasubmarina, elevando a cabeça para respirar nabraçada seguinte.

Viragemde bruços

Realizar a viragem frontal ou aberta, após nado debruços, efectuando a braçada submarina.

Design: Paulo Ferreira

No ensino do bruços, o aspecto mais importante a considerar está relacionado com a evolução do padrãotécnico do movimento da pernada.

Tradicionalmente, a pernada de bruços era ensinada tendo como imagem o movimento das patas da rã, oque originava um movimento de flexão das pernas com grande afastamento dos joelhos. Actualmente, esta

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pernada já não tem qualquer expressão, uma vez que vários estudos científicos provaram que aqueleafastamento exagerado dos joelhos era pouco eficaz. Assim, hoje, devemos ensinar a pernada pedindo aosalunos para, no momento da flexão das pernas, manterem os pés mais afastados que os joelhos. Uma boamaneira de ensinar esta acção é colocar os alunos de costas para a parede, agarrados ao bordo da piscina,e realizar impulsões (empurrar a parede com os pés) partindo exactamente da posição de joelhos quasejuntos e pés afastados (posição da avózinha a fazer tricot).

2.3. Técnica de mariposa

No quadro 4 encontra-se uma proposta metodológica para o ensino da técnica de mariposa.

Quadro 4. Proposta metodológica para o ensino da técnica de mariposa.

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Conteúdos

Objectivos Exercícios

Movimentoondulatório

Realizar saltos de golfinho*, partindo daposição de pé, colocando o acento tónico domovimento na acção da cabeça.

* Partindo da posição de pé, saltar, arquear o corpono ar e mergulhar, sendo a cabeça a primeira partedo corpo a entrar na água.

Pernadademariposa

Realizar a pernada de mariposa, após saídada parede em deslize, acentuando a acçãodescendente dos membros inferiores (baterforte para baixo).

Pernadacoordenada com arespiração

Realizar ciclos contínuos de 4 pernadas demariposa, elevando a cabeça para respirar àquarta pernada e mergulhando-a à primeira.

Pernadacoordenada c o mbraçada sócom ummembrosuperior

Realizar a pernada de mariposa coordenadacom a acção do braço direito ou esquerdo,efectuando uma pernada durante a entrada dobraço água e outra durante a saída.

Pernadacoordenada c o mbraçada sócom ummembrosuperior erespiração

Realizar a pernada de mariposa coordenadacom a acção do braço direito ou esquerdo,elevando a cabeça para respirar durante aquarta pernada e mergulhando-a na primeirapernada (respirar uma vez em cada duasbraçadas).

Técnicacompleta

Realizar a técnica completa de mariposa,respirando uma vez em cada duas braçadas.

Partidademariposa

Após saída da parede em deslize, realizarvárias pernadas de mariposa, mantendo ocorpo em posição hidrodinâmica.

Realizar a partida do bloco seguida depernadas subaquáticas, tirando os membrossuperiores da água e elevando a cabeça pararespirar durante a última pernada.

Viragemdemariposa

Realizar a viragem frontal ou aberta, apósnado de mariposa, efectuando pernadassubaquáticas numa distância máxima de 15metros.

Design: Paulo Ferreira

Vejamos alguns aspectos importantes a considerar no ensino da mariposa.Em primeiro lugar, logo nas fases inicias do ensino da mariposa, os alunos têm de perceber, muito bem,

que quem produz o movimento ondulatório do corpo, tão característico da técnica de mariposa, são osmembros inferiores. Para que este movimento ondulatório seja eficaz, a anca também não pode estarrígida.

A coordenação correcta das acções respiração/pernada/braçada é algo que deve ser trabalhado, commuita acuidade, logo desde o início. Os alunos devem realizar, sempre, duas pernadas por cada ciclo debraçada (uma pernada à entrada dos membros superiores da água e outra à saída). Nunca os devemos

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deixar respirar quando dá jeito, mesmo nas fases iniciais do ensino. O ciclo respiratório correcto é: emersão(saída) da cabeça para respirar durante a quarta pernada e imersão (entrada) da cabeça, para expiraçãosubaquática, na primeira pernada (sai à quatro e entra à um!). Na figura 2 tentamos expôr, de forma maisclara, a mecânica desta técnica.

Uma última referência importante é a de que a mariposa é das técnicas mais fáceis de ensinar e é muitofácil de nadar, desde que os professores consigam perceber e transmitir, muito bem, aos seus alunos opadrão de coordenação respiração/pernada/braçada correcto.

Entrada dos braços 1ª pernada cabeça dentro deágua

Saída dos braços 2ª pernada cabeça dentro deágua2 ciclos de braços

Entrada dos braços 1ª pernada cabeça dentro deágua

Saída dos braços 2ª pernada saída da cabeçapara inspirar

Entrada dos braços 1ª pernada e n t r a d a dacabeça para expirar

Saída dos braços 2ª pernada cabeça dentro deágua2 ciclos de braços

Entrada dos braços 1ª pernada cabeça dentro deágua

Saída dos braços 2ª pernada saída da cabeçapara inspirar

Entrada dos braços 1ª pernada e n t r a d a dacabeça para expirar Saída dos braços 2ª pernada

cabeça dentro de água2 ciclos de braços

Entrada dos braços 1ª pernada cabeça dentro deágua

Saída dos braços 2ª pernada saída da cabeçapara inspirar

… … … …O que dizer aos alunos:

1) duas pernadas por cada ciclo de braços, uma à entrada, outra à saída2) uma respiração por cada 4 pernadas, a cabeça sai à 4ª e entra à 1ª.

Figura 2. Coordenação das acções de respiração, braçada e pernada na técnica de mariposa.

2.4. Nado de estilos

Depois do ensino das quatro técnicas de nado, o aluno está apto a aprender a articular os quatro estilosentre si, nadando percursos individuais (100 metros estilos) ou estafetas (4x25 metros estilos). No primeirocaso, a ordem dos estilos é mariposa, costas, bruços, crol. Nas estafetas, o primeiro aluno nada costas,realizando a partida dentro de água, e os alunos seguintes nadam bruços, mariposa e crol, por esta ordem,realizando a partida do bloco.

Nesta fase, o que há a aprender de novo são as viragens de estilos: mariposa/costas, costas/bruços ebruços/crol (quadro 5).

Quadro 5. Viragens de estilos.

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Conteúdos Objectivos ExercíciosViragem de

mariposa/costas

Após nado de mariposa, realizara viragem de mariposa paracostas*.

* Tocar com as duas mãossimultaneamente na parede, puxar ospés para a parede e atirar o tronco emembros superiores para trás,deslizando e batendo pernas emposição hidrodinâmica.

Viragem decostas/bruços

Após nado de costas, realizar aviragem de costas para bruços*.

* Realizar uma cambalhota paratrás, após apoiar uma das mãos naparede, seguida de deslize emposição hidrodinâmica e braçadasubmarina.

Viragem debruços/crol

Após nado de bruços, tocar aparede com as duas mãos emsimultâneo e realizar a viragemfrontal ou aberta, seguida ded e s l i z e e m p o s i ç ã ohidrodinâmica.

Design: Paulo Ferreira

3. Outros aspectos didáctico metodológicos

3.1. Pega da placa

A forma como o aluno pega na placa está, logicamente relacionada com o objectivo do exercício que oprofessor propõe. Não deve, pois, ser deixada ao livre arbítrio do aluno. No quadro 6 encontra-se umaanálise de vários tipos de pega da placa, em função de diferentes tipos de exercícios, tadicionalmenteaplicados no ensino da natação.

Quadro 6. Diferentes tipos de pega de placa.

Tipo de pega Pretende-se… FiguraNado ventral

Com a placa no sentido longitudinal,colocar as mãos afastadas no bordoanterior, mantendo os antebraçosapoiados.

AMA: flutuabilidade máxima dotronco e membros superiores

Com a placa no sentido longitudinal,colocar as mãos sobrepostas nobordo anterior, mantendo osantebraços apoiados.

Crol, bruços e Mariposa: mantero corpo numa posição tãohorizontal quanto possível,durante a realização de pernadas,sem respiração.

Com a placa no sentido longitudinal,colocar uma mão no bordo posterior.

Crol e Mariposa: realização depernada de crol com respiraçãolateral ou braçadas de crol emariposa só com um braço.

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Com a placa no sentido longitudinal,colocar ambas as mãos no bordoposterior.

Bruços e Mariposa: realizaçãode pernada com respiração.

Nado dorsalCom a placa no sentido longitudinal,colocar as mãos, com o dorso voltadopara o fundo da piscina, no bordoposterior.

Realização de pernadas com abacia elevada.

Com a placa no sentido transversal,colocada sob a cabeça, colocar asmãos com o dorso voltado para ofundo da piscina, nos bordos laterais.

Realização de pernadas,privilegiando a posição elevadada bacia e a colocação correctada cabeça.

Com a placa no sentido transversal,posicionada ao nível da cintura,colocar as mãos no bordo posterior.

Agarrar a placa, no sentidolongitudinal, com as mãos cruzadas,ao nível do peito.

Realização de pernadas.

*Este tipo de pegas requeralgum cuidado, uma vez que abacia tem tendência a afundar,perdendo-se a horizontalidadecorporal desejada na técnica decostas.

Design: Paulo Ferreira

3.2. Fases subaquáticas das braçadas das técnicas de crol, costas e mariposa

A execução técnica correcta e apurada das fases subaquáticas (parte da braçada que se realiza dentro deágua) das braçadas das técnicas de crol, costas e mariposa é uma preocupação que só pode surgir depoisdo aluno mostrar uma técnica global bem coordenada, um nado harmonioso e sem grandes defeitos.Inicialmente, deixamos que os alunos realizem, dentro de água movimentos circulares ou rectilíneos efocalizamos a nossa atenção nos batimentos dos membros inferiores, na horizontalidade (corpo paralelo aofundo da piscina) , na linearidade corporal (segmentos alinhados) e na coordenação entre as braçadas,pernadas e respiração. Contudo, apesar de permitirmos que os alunos realizem braçadas circulares ourectilíneas, quando mostramos um determinado gesto técnico devemos fazê-lo sempre de forma correcta,para que eles se vão apercebendo que os movimentos dentro de água também obedecem a umdeterminado padrão, também têm uma técnica própria de execução.

3.3. Material didáctico

A utilização de material didáctico no ensino da natação tem de ser devidamente ponderada. Os materiaisde uso mais comum nas nossas piscinas são as placas (ver 3.1.), os pull-buoys, as braçadeiras e os cintosflutuadores.

Os pull-buoys são flutuadores próprios para colocar entre as coxas. Bloqueiam a acção dos membrosinferiores por forma a isolar a acção dos membros superiores. Uma vez que durante o ensino das técnicasde nado devemos começar sempre pela pernada e ir acrescentando, progressivamente, a respiração e asbraçadas, este material não parece ser de grande utilidade. Pode parecer interessante e proveitoso colocarum pull-buoy nos membros inferiores, para o aluno perceber melhor o movimento dos membros superiores,mas não podemos esquecer que, ao fazê-lo, tiramos-lhe capacidade de propulsão (capacidade de sedeslocar) e, principalmente, de equilíbrio (sem bater as pernas a bacia afunda e o corpo fica oblíquo emrelação ao fundo da piscina), o que vai ter consequências negativas do ponto de vista do alinhamentocorporal (arqueamento do corpo). Sem um bom alinhamento é impossível realizar braçadas correctas eeficazes.

O uso das braçadeiras e dos flutuadores na fase de AMA induz falsas adaptações, dado que só com elesé que os alunos se conseguem sustentar no meio aquático, sem eles afundam!. Com este tipo de materiaisos alunos não consegue aprender a equilibrar-se, não conseguem sentir a força de impulsão da água.Ganham, também, uma falsa autonomia. É frequente ouvir histórias de crianças que foram para férias comos pais e saltaram, com confiança, para piscinas de águas profundas (piscinas sem pé), descobrindo, dapior forma, que, sem as braçadeiras ou os cintos flutuadores, não conseguem manter-se à superfície. É

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mais vantajoso, perder um pouco mais de tempo a ensinar os alunos a equilibrarem-se (perceber queconseguem flutuar) sem materiais auxiliares, do que deixá-los ganhar uma autonomia dependente e depoister de voltar atrás e repetir o trabalho todo de novo.

3.4. A brincadeira e o jogo orientado para a tarefa

Durante uma aula de natação não podemos saturar os alunos com exercícios técnicos muito formais, quesolicitem muita atenção e elevado nível de concentração, uma vez que esta vai diminuindo à medida que ocansaço se instala, levando o aluno ao desinteresse e ao aborrecimento. Isto é tanto mais verdadeiroquanto mais longo for o tempo de aula. O professor tem, então, que ser capaz de introduzir algunsmomentos de lazer na aula, podendo fazê-lo de duas formas: deixar que os alunos explorem o meiolivremente (momentos para brincar na água), ou usar jogos em que os alunos se divertem e, sem seaperceberem, também realizam movimentos conducentes à concretização do objectivo da aula. A segundaestratégia é, sem dúvida, mais adequada, nomeadamente em aulas de curta duração.

É muito importante que o professor saiba distinguir, muito bem, estes dois tipos de exercitação, porque sóa actividade orientada leva à aprendizagem do aluno. Apesar de não podermos esquecer que brincarlivremente motiva os alunos e aumenta o seu empenhamento nas aulas, temos de estar conscientes de queessa brincadeira não é sinónimo de aprendizagem.

Um bom exemplo de actividades que, apesar de saírem do âmbito da natação, propriamente dita,permitem a aplicação dos conteúdos nela aprendidos, são a natação sincronizada e o polo aquático,aplicadas formalmente (respeitando integralmente o seu regulamento técnico) ou de forma adaptada.

3.5. Competições, regulamento técnico e festivais de natação

A partir do momento em que os alunos têm um domínio básico das diferentes técnicas de nado é possívelrealizar algumas competições formais, à imagem da natação de competição federada. Utilizando oregulamento técnico da natação de forma flexível, é possível organizar competições interescolas, comprovas de 25 a 50 metros de nado e estafetas de 4x25 ou 4x50 metros. Estas competições são fonte dealegria e grande excitação, motivando as crianças, levando-as a querer aprender sempre mais.

Outro tipo de encontros que podem ser promovidos são os festivais de natação, os quais podem, ou não,conter provas formais. Nestes festivais, o lugar de destaque está nos jogos que os professores criam e quepodem ir de uma simples gincana à realização de jogos tradicionais na água, jogos pais e filhos, jogosinterclasses, etc.

Esperamos, com este documento, ter conseguido solucionar algumas das dificuldades mais importantesrelacionadas com o ensino da natação. Se subsistirem dúvidas, nomeadamente no que respeita à mecânicagestual de cada uma das técnicas de nado, aconselhamos, a título de exemplo, a leitura das obras deNavarro (1990), Schmitt (1997), Pelayo et al. (s.d.) e Chollet (1997).

Bibliografia

Chollet, D. (1997). Natation Sportive. Approche scientifique. Vigot, Paris.

Costill, D. L.; Maglischo, E. W. e Richardson, A. B. (1992). Swimming. Blackwell Scientific Publications,London.

Counsilman, J. E. (1980). A Natação. Ciência e Técnica para a Preparação de Campeões. Livro Ibero-Americano, Ltda, Rio de Janeiro.

Navarro, F. (1990). Hacia el Dominio de la Natation. Éditions Vigot.

Pelayo, P.; Maillard, D.; Rozier, D. e Chollrt, D. (s.d.). Natation au Collège et au Lycée. De L’École…auxAssociations. Éditions Revue EPS, Paris.

Schmitt, P. (1997). Nager, de la Découverte à la Performance. Vogot, Paris.

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Thomas, D. G. (1990). Advanced Swimming. Steps to Success. Leisure Press, Champaign, Illinois.

Design: Paulo Ferreira, aluno do 4º ano da Licenciatura em Desporto e Educação Física da Faculdade deCiências do Desporto e de Educação Física da Universidade do Porto.