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INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA QUE ENVOLVE AS RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS) EM APRESENTAÇÕES FEITAS POR ALUNOS EM AULAS DE FÍSICA Arivaldo Lopes 1 Orientador: Mauro Sérgio Teixeira de Araújo 2 RESUMO A pesquisa descreve uma intervenção didática no 2º ano do Ensino médio, em aulas de Física, analisando apresentações feitas pelos alunos a partir de anotações de campo. O objetivo da pesquisa é evidenciar indícios de desenvolvimento de conhecimentos de Física, concepções CTS e competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), provenientes de um diário de campo. As apresentações feitas pelos alunos envolvem seminários, apresentações de vídeos e de um termômetro, uma roda de discussão e um júri simulado. Os resultados da pesquisa apontam para o desenvolvimento de conhecimentos de Física sobre Astronomia, Cosmologia e Calorimetria, concepções do movimento CTS para uma formação crítica e reflexiva, com atitudes e valores, evidenciando uma formacão cidadã. Também apontam para o desenvolvimento de todas as competências gerais da BNCC. Palavras-chaves: CTS, BNCC, Física. ABSTRACT The research describes a didactic intervention in the 2nd year of high school, in Physics classes, analyzing presentations made by students from field notes. The objective of the research is to evidence of development of knowledge of Physics, CTS conceptions and general competencies of the National Common Curricular Base, from a field diary. The presentations made by the students involve seminars, presentations of videos and of a thermometer, a discussion panel and a simulated jury. The research results point to the development of physics knowledge about Astronomy, Cosmology and Calorimetry, conceptions of the CTS movement for a critical and reflective formation, with attitudes and values, showing a citizen formation. They also point to the development of all the general competences of National Common Curricular Base. Keywords: STS, BNCC, Physics. 1 Doutorando em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) . E-mail: [email protected]

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INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA QUE ENVOLVE AS RELAÇÕES ENTRE

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS) EM APRESENTAÇÕES FEITAS

POR ALUNOS EM AULAS DE FÍSICA

Arivaldo Lopes1

Orientador: Mauro Sérgio Teixeira de Araújo2

RESUMO

A pesquisa descreve uma intervenção didática no 2º ano do Ensino médio, em

aulas de Física, analisando apresentações feitas pelos alunos a partir de

anotações de campo. O objetivo da pesquisa é evidenciar indícios de

desenvolvimento de conhecimentos de Física, concepções CTS e

competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),

provenientes de um diário de campo. As apresentações feitas pelos alunos

envolvem seminários, apresentações de vídeos e de um termômetro, uma roda

de discussão e um júri simulado. Os resultados da pesquisa apontam para o

desenvolvimento de conhecimentos de Física sobre Astronomia, Cosmologia e

Calorimetria, concepções do movimento CTS para uma formação crítica e

reflexiva, com atitudes e valores, evidenciando uma formacão cidadã. Também

apontam para o desenvolvimento de todas as competências gerais da BNCC.

Palavras-chaves: CTS, BNCC, Física.

ABSTRACT

The research describes a didactic intervention in the 2nd year of high school, in

Physics classes, analyzing presentations made by students from field notes.

The objective of the research is to evidence of development of knowledge of

Physics, CTS conceptions and general competencies of the National Common

Curricular Base, from a field diary. The presentations made by the students

involve seminars, presentations of videos and of a thermometer, a discussion

panel and a simulated jury. The research results point to the development of

physics knowledge about Astronomy, Cosmology and Calorimetry, conceptions

of the CTS movement for a critical and reflective formation, with attitudes and

values, showing a citizen formation. They also point to the development of all

the general competences of National Common Curricular Base.

Keywords: STS, BNCC, Physics.

1 Doutorando em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL) . E-mail: [email protected]

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2 Professor orientador, Doutor do curso de Ensino de Ciências e Matemática da Universidade

Cruzeiro do Sul – São Paulo-SP. E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Durante aulas de Física para alunos de Ensino médio de uma escola

pública municipal, houve uma série de apresentações feitas por esses

estudantes que foram registradas em um diário de campo pelo pesquisador ao

longo de um trimestre.

O objetivo do trabalho é levantar indícios provenientes de diário de

campo a respeito de conhecimentos de Física, aspectos do movimento CTS e

competências gerais da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), durante

apresentações feitas pelos alunos.

A questão de pesquisa é: Quais conhecimentos de Física, aspectos do

movimento CTS e competências gerais da BNCC, podem ter sido

desenvolvidas durante as apresentações dos estudantes?

O movimento CTS surge na Europa e nos Estados Unidos como uma

resposta ao desenvolvimento de Ciência e Tecnologia que geravam impactos

negativos na Sociedade nas décadas de 1960 e 1970. Esse sentimento tem

início no século XX quando os desenvolvimentos tecnológicos e científicos

passam a gerar não só bem-estar social, mas guerras, poluição ambiental e

acentuamento de desigualdade social (AULER e BAZZO, 2001). Isso gera o

movimento que passa a perceber as relações entre Ciência, Tecnologia e

Sociedade em diversas áreas do conhecimento. Na Educação o enfoque CTS

tem algumas concepções ou aspectos. Estas concepções ou aspectos são

características do movimento que são evidenciadas em suas publicações

acadêmicas e que costumam guiar práticas de sala de aula nesta perspectiva.

Uma destas perspectivas é a Educação Ambiental Crítica (EAC), que entende o

Meio Ambiente como um campo social formado por atores que lutam por

hegemonia neste campo, transmitindo valores, crenças e visões de mundo, ao

mesmo tempo que produzem forças de dominação (BOURDIEU, 2005). A

exemplo de como tem início o movimento, há uma preocupação com a relação

entre os avanços tecnológicos e científicos que buscam a dominação da

sociedade e a conscientização desta sociedade para que possa pensar e agir

sobre estes avanços que nem sempre trazem benefícios. Essa vertente CTS

costuma explicitar o tema ambiental, usando a sigla CTSA, deste modo a letra

A, de Ambiental evidencia como o movimento também tem preocupação neste

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aspecto (MORAES e ARAÚJO, 2012). Um estudo que levantou publicações

nos principais periódicos e encontros nacionais científicos no período de 2010

até 2016, mostra os aspectos ou concepções CTSA (LUZ, QUEIROZ e

PRUDÊNCIO, 2019). A maioria das publicações era empírica (24 dos 27

trabalhos), ou seja, eram em sua maioria intervenções didáticas como a

apresentada aqui. Elas mostram essa tendência a uma formação alinhada a

Educação Ambiental Crítica, onde se busca mostrar as relações de poder

existentes entre CTSA. De acordo com Santos (1999) as concepções CTS para

a formação global do aluno em Ciências são: contextos interdisciplinares, onde

o aluno seja levado a pensar sobre a participação da sociedade em tomadas de

decisão a respeito de Ciência e Tecnologia (C e T); libertar o aluno dos mitos

de uma ideia de que um empreendimento científico é linear, mecanicista,

esquemático e simplista, mas passa por momentos históricos de ruptura;

proporcionar momentos para o despertar de consciência sobre problemas

sociais e ambientais, evidenciando as responsabilidades da sociedade em

relação a ciência e a tecnologia; os impactos profundos provenientes do

desenvolvimento tecnológico na atualidade, no ambiente natural e social,

colocando em jogo valores, atitudes e conceitos; capacitar o aluno enquanto

cidadão, ao saber lidar com conhecimentos científicos e tecnológicos, na ação,

como protagonista do processo; a alfabetização científica crítica para perceber

que tomadas de decisões em C e T não podem ser tecnocrática, baseada na

ideia de que as decisões técnicas são as eticamente boas, mas democráticas,

onde há participação da sociedade na tomada de decisão. Em suma, o enfoque

CTS busca uma formação crítica e reflexiva, desenvolvendo atitudes e valores

para uma formação cidadã. O presente trabalho pretende mostrar como pode

ser possível trabalhar algumas destas concepções quando alunos fazem

apresentações de diferentes temas.

Autores que defendem estas concepções CTS vêm evidenciando como

as orientações curriculares nacionais como a Lei de Diretrizes e Base da

Educação (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), têm relações

com o movimento (DELIZOICOV, ANGOTTI e PERNAMBUCO, 2011;

PINHEIRO, SILVEIRA e BAZZO, 2007). Baseado e anunciado pela

Constituição Federal e pela LDB, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é

um documento normativo que propõe uma reformulação no currículo da

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Educação Básica, sendo que nesta reformulação algumas competências e

habilidades são prescritas pelo documento e devem ser desenvolvidas junto

aos estudantes, outras podem ser incorporadas pelo currículo local (BRASIL,

2017). Sendo baseada na LDB, esse documento continua mostrando

alinhamento aos pressupostos CTS, sendo que no caso deste trabalho, as dez

competências gerais da BNCC mostram relações com está abordagem. Estas

dez competências gerais devem ser desenvolvidas por todos os estudantes da

Educação Básica no país, ou seja, o documento normatiza que desde a

Educação Infantil até o Ensino Médio estas competências devem ser buscadas

pelos docentes em sala de aula. A seguir são listadas a dez competências

gerais e posteriormente evidenciada sua ligação com os preceitos CTS.

(BRASIL, 2017, p.9-10).

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre

o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,

continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,

democrática e inclusiva.

2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das

ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a

criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e

resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos

conhecimentos das diferentes áreas.

3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das

locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção

artístico-cultural.

4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como

Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos

das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar

informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e

produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e

comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas

práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e

disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer

protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

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6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se

de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações

próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da

cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência

crítica e responsabilidade.

7. Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para

formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que

respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o

consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento

ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8. Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional,

compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e

as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9. Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a

cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos

direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos

e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem

preconceitos de qualquer natureza.

10. Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade,

flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em

princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários

A competência 7 prescreve que os discentes devem argumentar sobre

pontos de vista e decisões que promovam entre outras coisas, a consciência

socioambiental. A competência 10 defende a ação pessoal e coletiva para

tomadas de decisão sustentáveis. Estas competências se alinham a vertente

CTSA do movimento (MORAES e ARAÚJO, 2012). A competência 2 orienta a

recorrer a abordagens próprias da ciência, incluindo a investigação para

resolução de problemas. O que tem o potencial de proporcionar situações onde

haja reflexão sobre as relações CTS (SANTOS, 1999). Para que seja possível

essa reflexão, a competência 4 dá como possibilidade o uso da linguagem

científica para se expressar e a competência 1 orienta a valorização e utilização

dos conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico. Neste

sentido a linguagem científica pode ser encarada como uma construção

histórica, o que pode facilitar o entendimento das construções de conhecimento

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científico e tecnológico e a participação da sociedade neste processo. As

demais competências têm o potencial de serem desenvolvidas de acordo com o

modo com que é feita a intervenção didática e podem auxiliar na construção

destes preceitos CTS. A competência 5, por exemplo, trata de utilização de

tecnologias digitais, o que acaba sendo possível desenvolver apenas com uso

de novas tecnologias como smartphones, computadores, etc.

A BNCC fala de protagonismo juvenil, quando trata especificamente do

Ensino Médio (BRASIL, 2018). Este protagonismo prevê que o aluno tenha

autonomia para resolver problemas e tomar decisões. Certamente que esse

processo precisa que o aluno exponha suas ideias e possa discutir sobre elas

com seus colegas e docentes. Um caminho para que isso ocorra é a pesquisa,

que pode ser seguida de apresentação do tema pesquisado (DEMO, 2015). As

intervenções pedagógicas podem acontecer de modo que o docente proponha

um tema a ser pesquisado e os alunos façam alguma atividade ligada a um tipo

de apresentação oral, onde há espaço para que possam ter esse protagonismo

defendido pela BNCC. Seminários e rodas de discussões são possibilidades de

intervenções didáticas que podem desenvolver os conhecimentos de Física, os

aspectos CTS e consequentemente as competências, como alguns trabalhos

da área têm evidenciado (LARA, 2017; SILVA, 2018).

1 A INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

Este trabalho é um recorte de uma pesquisa de doutorado em

andamento que propôs intervenções didáticas na perspectiva CTS para alunos

de segundos anos do Ensino médio de uma escola pública municipal de São

Caetano do Sul (SP), durante aulas de Física. A pesquisa envolveu 180 alunos

de seis turmas de segundos anos. Entre as propostas didáticas, havia as de

apresentações feitas pelos discentes. O instrumento de coletas de dados foi um

diário de campo usado pelo professor que também era o pesquisador. Visando

dar protagonismo aos estudantes, foram propostos temas para apresentações

de seminários, uma roda de discussão, uma apresentação de vídeos, um

julgamento simulado e a apresentação de como um grupo de alunos montaram

e calibraram um termômetro.

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2 METODOLOGIA

Esta pesquisa tem natureza qualitativa. A pesquisa qualitativa envolve a

obtenção de dados descritivos, onde o pesquisador tem contato direto com a

situação em estudo, tem ênfase no processo e não no produto final e busca

evidenciar a perspectiva dos participantes da pesquisa. (LÜDKE e ANDRÉ,

1986). Segundo Yin (2016) a pesquisa qualitativa tem cinco características. A

primeira é estudar o significado da vida de um grupo de pessoas em condições

da vida real. No caso desta pesquisa, as pessoas são os alunos de Ensino

Médio de Física e a situação de vida real é a sala de aula. O segundo é

representar as opiniões e perspectivas das pessoas, o que pode ter sido feito

neste estudo durante as anotações de campo. A terceira é abranger as

condições contextuais das pessoas, neste sentido, as anotações em diário de

campo buscavam fazer relações entre as pessoas, suas ideias, suas intenções,

entre outras contextualizações, que pretendiam ir além da percepção do

individuo isoladamente (fora de contexto). A quarta é a percepção de situações

emergentes que podem ajudar a explicar comportamentos, nesse caso, as

anotações também faziam anotações de comportamentos, buscando atitudes e

valores ligados a formação CTS. A quinta diz respeito a ter uma visão mais

holística dos dados, para poder perceber como cada registro da fonte de dados

pode contribuir com a pesquisa. No caso deste trabalho, são inseridos no texto

algumas transcrições do diário de campo para facilitar a percepção de como foi

feita a interpretação destes dados.

3 APRESENTAÇÕES FEITAS PELOS ALUNOS

3.1 Seminários Cosmologia

Os Seminários Cosmologia eram apresentados em grupos entre quatro e

seis estudantes e tinham a orientação de fazer uma apresentação nos moldes

que escolhessem sobre a Cosmologia de um povo escolhido pelo grupo. A

única restrição era que não poderia ser apresentada a Cosmologia, grega,

nórdica, egípcia, hebraica e atual, pois essas Cosmologias foram apresentadas

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pelo docente nas aulas teóricas. Após a apresentação de três grupos, havia

uma discussão mediada pelo professor a respeito do que foi apresentado,

buscando desenvolver alguns dos aspectos CTS. Os conteúdos envolvidos

nesses seminários estavam ligados ao conteúdo: “Evolução dos modelos

astronômicos por diferentes civilizações”. E a habilidade de “Reconhecer e

comparar modelos explicativos sobre a origem e a constituição do Universo,

segundo diferentes culturas ou em diferentes épocas” (SÃO CAETANO DO

SUL, 2016, p. 112). Algo que chama a atenção nas apresentações é que todas

foram feitas nas seis turmas na lousa digital (a maioria) ou na lousa comum de

giz, apesar de ser permitido abordar o tema com qualquer abordagem que

quisessem. Todas as salas têm lousa digital. Isso mostra uma tendência dos

alunos em reproduzir o que os docentes fazem para apresentar conteúdos em

aulas teóricas. Para Vasconcelos e Gomes (2017) há uma reprodução

sociocultural feita pelos estudantes que vem de uma tradição que para estes

autores evidencia como instituições de ensino reproduzem as relações de

poder entre classes, onde as elites devem falar e as classes menos favorecidas

devem ouvir, o que caracteriza uma aula expositiva com auxílio de lousa digital

ou comum, como ocorreu nas apresentações. Os aspectos do enfoque CTS

possíveis de serem desenvolvidos são a autonomia para pesquisa, já que há

uma abertura para que os alunos pudessem pesquisar sobre o povo que

escolhessem (DEMO, 2015). O que evidencia isso, são registros provenientes

do diário de campo que mostram apresentações não só de povos, mas de

concepções de religiões, sobre a Cosmologia, com destaque a religião espírita

Kardecista. Isso pode ser explicado pelo fato de ser essa a terceira religião

mais declarada pelos munícipes de São Caetano do Sul, segundo o último

censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). As duas

primeiras religiões em números de membros são os Católicos Apostólicos

Romanos em primeiro lugar e os Evangélicos em segundo lugar. O que

provavelmente explica o fato de não ter sido feita apresentação de Cosmologia

baseada na religião de origem judaico cristã (Católica e Evangélica) está ligada

ao fato de o professor ter restringido a apresentação do povo hebreu, que é a

concepção Cosmológica destas religiões. Outro registro no diário de campo que

evidencia autonomia é o fato destes grupos que apresentaram Cosmologias

religiosas, terem vindo falar com o docente para negociar está mudança inicial

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que propunha apresentação de povos, para a apresentação Cosmológica de

uma religião. A argumentação e o pensamento científico crítico, ligado a

Alfabetização Científica Crítica (ACC), são outros aspectos naturais de uma

proposta como essa. ACC, para Chassot (2006) vai além de apenas alfabetizar

os estudantes em linguagem científica para que possam entender fenômenos,

que passa por entender as diferentes possibilidades de interpretação da

realidade do ponto de vista de diferentes povos. A ACC também pode

transcender ao simples entendimento de fenômenos, para que os estudantes

possam ser levados a como transformar o cotidiano para uma melhor qualidade

de vida quanto à degradação ambiental e se tornar mais crítico em relação a

isso. O que vai ao encontro de temas de algumas das apresentações feitas

pelos discentes. Para Plantin e Plantin (2009) a capacidade de argumentação

no ensino de Ciências surge em situações pedagógicas em que os alunos são

protagonistas da ação em desenvolvimento e podem se expressar livremente

tendo o docente apenas como mediador de suas interações. A apresentação

de diferentes modelos Cosmológicos também coaduna com o tema central do

trimestre, que pretende mostrar modelos explicativos para a realidade

observada. Mostrar os modelos Cosmológicos de diferentes povos pode ajudar

os estudantes a entender a Natureza da Ciência como mais uma das

interpretações possíveis da realidade, o que pode quebrar com a ideia da

Ciência como uma crença cega, gerando consciência crítica que pode leva-los

a melhores decisões cívicas e em questões tecnocientíficas de interesse social

(ACEVEDO et. al., 2005).

3.2 Apresentação de vídeos

A Apresentação de vídeos consistia em uma proposta onde um grupo de

alunos (entre quatro e seis) deveria buscar um vídeo de até 5 minutos que

mostrasse seres vivos em um planeta e explicar quais condições poderiam

fazer o ser sobreviver naquele planeta. O conteúdo era Astronomia e as

habilidades eram: “Identificar condições essenciais para a existência da vida, tal

como é hoje conhecida na Terra;” “Formular e debater hipóteses e explicações

científicas acerca da possibilidade de vida fora da Terra” (SÃO CAETANO DO

SUL, 2016, p. 111-112). A lousa digital era usada para apresentar o vídeo

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selecionado pelo grupo e cada um dos componentes do grupo apresentava os

motivos que poderiam fazer o planeta apresentado abrigar vida, além de outros

aspectos que o grupo acreditasse serem relevantes. Um registro do diário que

evidencia manifestação de autonomia é a negociação feita por alguns grupos

com o docente para apresentar vídeos com jogos eletrônicos que simulavam

mundos onde sobreviviam seres vivos. Novamente a educação através da

pesquisa foi fomentada, como no primeiro seminário (DEMO, 2015). Os

mesmos aspectos do enfoque CTS do seminário também são trabalhados

como a Alfabetização Científica, o pensamento científico crítico, a capacidade

de argumentação e a Natureza da Ciência.

3.3 Júri simulado

Para preparar o Júri simulado o docente perguntou a cada uma das seis

turmas se havia alguém que gostaria de ser advogado, para atuar neste papel

no Júri. Isso tenderia a facilitar a pessoa a interpretar a situação com mais

facilidade. Em cada uma das salas havia uma ou mais pessoas interessadas

que acabaram sorteando entre si os papéis. Para facilitar a condução do

julgamento, a (ou o) representante de sala era o (a) juiz (a), pois sua posição

de liderança na sala o facilitava a conduzir o julgamento. Os réus, testemunhas

e jurados eram sorteados. Os réus eram o Heliocentrismo e o Geocentrismo, as

testemunhas eram “cientistas” defensores dos dois modelos como: Aglaonice,

Enheduana, Ptolomeu, Aristóteles etc. (Geocentrsitas), Caroline Hershel,

Hipátia, Copérnico, Galileu etc.(Heliocentristas). Há um maior protagonismo das

mulheres no julgamento como defende o enfoque CTS (PORRO; RONCAGLIA,

2010), quanto a valorização da mulher no âmbito da construção do

conhecimento, são cinco juízas (a maioria das representantes era mulher), seis

advogadas (as três pessoas que gostariam de cursar direito eram mulheres e

os outros três papéis de advogadas foram sorteados apenas entre as alunas),

doze rés (o sorteio de réus também envolveu apenas meninas) e maioria de

juradas. As aulas teóricas também contavam com figuras femininas e suas

descobertas científicas. Outra questão que motiva essa valorização feminina é

o fato de a maioria discente era composta por meninas. Segundo Rosemberg

(2001) há uma proporção maior de mulheres matriculadas no Ensino médio

brasileiro e demonstram melhores desempenhos em exames de avaliação. Isso

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pode explicar o maior número de meninas no Ensino médio, sendo que o

ingresso na instituição através do Vestibulinho, também colabora em seu

ingresso, já que estatisticamente têm melhor desempenho em avaliações dessa

natureza. Cada pessoa devia vir caracterizada de acordo com aquilo que faria

no julgamento, portanto, as testemunhas deviam vir com roupas características

da época do papel que representavam. As rés deviam vir representando o

Heliocentrismo e o Geocentrismo através de sua vestimenta ou caracterização.

O mesmo para as juízas (ou juiz), advogadas e juradas (os). Além disso, havia

uma pesquisa a ser feita de acordo com seu papel no julgamento e anotações a

serem tomadas durante o mesmo, no caso dos jurados. Ao final da oitiva dos

réus e das testemunhas, as advogadas de cada parte faziam perguntas a quem

escolhessem. Próximo ao final da aula de 50 minutos, os jurados saiam da sala

e de acordo com suas opiniões sobre a capacidade de argumentação de cada

grupo (defensores do Heliocentrismo e do Geocentrismo) definiam quem era o

modelo a ser adotado pela sociedade, declarando-o inocente e o outro modelo

como culpado. O resultado final foi um empate, em três turmas o

Heliocentrismo venceu e em igual número o Geocentrismo venceu. Os

conteúdos curriculares evolviam todos os conteúdos e habilidades do Currículo

ligado a Astronomia, já que o julgamento era o ponto de culminância de

Astronomia. A argumentação e o pensamento científico crítico são

manifestados em várias das situações envolvidas na atividade como a

expressão oral feita pelos personagens do julgamento, nas pesquisas escritas,

nas decisões dos jurados, entre outras situações. A autonomia e a

investigação são manifestas na condução do julgamento feita pela (o) juiz(a)

com auxílio da turma, nas anotações feitas pelos jurados a respeito dos

argumentos dos depoentes e nas pesquisas dos depoentes e advogadas.

3.4 Apresentação dos termômetros

A Apresentação do termômetro era uma proposta em que os discentes

deveriam montar em grupo um termômetro e calibrá-lo. Por medida de

segurança, eles foram orientados a não usar mercúrio para fazer o termômetro.

Após montar o termômetro, deveriam apresentar a turma e ao docente como

ele foi montado, calibrado e como funcionava. Era uma proposta aberta de

investigação, uma vez que não havia uma orientação de como fazer o

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termômetro, apenas a proposta para a realização da tarefa. Os conteúdos

curriculares envolviam escala termométrica, trocas de calor e condutividade

térmica. As habilidades envolviam selecionar material apropriado para a

construção do termômetro, propriedades térmicas de materiais, calor como

energia em trânsito e equilíbrio térmico em situações reais, como era o caso da

construção do termômetro. (SÃO CAETANO DO SUL, 2016) O aspecto CTS

mais evidente desta atividade era a investigação e o pensamento científico,

passando pela Alfabetização Científica Crítica (CHASSOT, 2006). A pesquisa

feita pelo grupo para montar o termômetro (DEMO, 2015) e seu processo de

confecção podem ter desenvolvido nos estudantes estes aspectos. A

argumentação e o pensamento científico crítico também estão presentes nas

apresentações.

3.5 Seminário Temas Ambientais

O Seminário de temas ambientais tinha a proposta de que cada grupo de

alunos apresentasse um dos seguintes temas: Camada de Ozônio e a questão

dos buracos dela; Influência dos raios UVA e UVB na pele humana; Principais

gases envolvidos no Efeito Estufa; Importância do Efeito Estufa para a vida na

Terra; Fatores Naturais e Antrópicos relacionados ao Aquecimento Global;

Influência da Pecuária e dos Hábitos Alimentares no Desmatamento. Os

conteúdos e habilidades curriculares estavam ligadas aos estudos de

Calorimetria. Cada grupo fazia uma apresentação de no máximo 12 minutos,

após três apresentações se tinha no máximo 36 minutos de apresentações

seguida de 14 minutos de discussão sobre os temas apresentados (cada aula

dura 50 minutos). Nos mesmos moldes da apresentação feita no Seminário

sobre Cosmologia. Para fomentar as discussões o docente fazia perguntas aos

alunos e alguns deles manifestavam suas opiniões sobre as questões

apresentadas. As discussões eram balizadas pela premissa CTS de

desenvolver atitudes e valores nos estudantes, com ênfase a construção de

consciência ambiental (MORAES e ARAÚJO, 2012). A argumentação, fazendo

uso de pensamento científico crítico e a investigação também são elementos

presentes nas apresentações. As discussões e apresentações permitiam fazer

relações entre a Ciência, a Tecnologia e seus impactos na Sociedade, através

da degradação ambiental, o que evidenciava as discussões em CTSA.

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3.6 Roda de discussão

Foram dados temas aos alunos a fim de que apresentassem esses

temas em uma Roda de discussão, cada grupo apresentava seu tema e depois

era feita uma discussão mediada pelo professor através de questionamentos,

como ocorreu nos dois seminários. Os temas eram: Tabela de calorias dos

alimentos; Perda de calorias e como são calculadas; Hábitos saudáveis para

manter o peso (massa) e equilíbrio energético; Gasto de energia e água nas

diferentes atividades produtivas: indústrias, agropecuária, residências etc.;

Meios de produção de energia brasileiros; Meios de isolamento térmico

(ambientes, roupas, carros etc.). Os conteúdos curriculares estavam ligados a

trocas de calor e condutividade térmica. As habilidades pretendiam desenvolver

a capacidade de entender a participação do calor em processos naturais e

tecnológicos, relacionar a liberação de energia dos alimentos e sua fonte

nutricional, reconhecer as propriedades térmicas de materiais, identificar

equilíbrio térmico e a ocorrência dos processos de transmissão de calor (SÃO

CAETANO DO SUL, 2016). Os aspectos do enfoque CTS tratados na roda de

conversa são ligados a construção de atitudes e valores, no que se refere a

preocupação com o meio ambiente e com um estilo de vida mais saudável. A

Roda de discussão tem como tema central a discussão da energia em

diferentes âmbitos, o que pode levar os alunos a terem uma visão mais

holística a respeito de conteúdos Físicos. Essa visão mais ampliada de mundo

leva a um pensamento científico crítico, através das argumentações feitas

durante a apresentação e discussão dos temas.

4 ANÁLISE DOS DADOS

A tabela a seguir apresenta as competências desenvolvidas nas

apresentações feitas pelos alunos. Elas são retiradas do diário de campo,

sendo que seus surgimentos nas apresentações são pormenorizados.

Tabela 4: Competências das apresentações

Atividade Competências

Seminário Cosmologia 1,2,3,4,5,6,7,8,9 e 10

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Apresentação de vídeos 1,2,3,4,5,6,7,8,9 e 10

Julgamento 1,2,3,4,6,7,8,9 e 10

Apresentação do termômetro 1,2,4,7,8,9 e 10

Seminários de temas ambientais 1,2,4,5,6,7,8,9 e 10

Roda de discussão 1,2,4,6,7,8,9 e 10

Fonte: Produção dos autores.

Todas as apresentações dos alunos manifestam indícios das

competências 1, 2 , 4, 6 , 7 , 8, 9 e 10. Os seminários de Cosmologia de

diferentes povos, a apresentação de vídeos e o julgamento são os únicos a

apresentar a competência 3, por envolver aspectos de manifestações artístico-

culturais. Apenas os seminários e a apresentação de vídeos envolve a

competência 5, pelo fato dos alunos terem usado a lousa digital para fazer

essas duas apresentações. As apresentações dos alunos são as que mostram

mais indícios de desenvolvimento de diferentes competências no diário de

campo, por serem as que mais se alinham aos preceitos do movimento CTS no

que se refere a dar protagonismo ao aluno para discutir temas envolvendo

Ciência, Tecnologia e seus impactos na Sociedade como defendem autores da

área (AULER e BAZZO, 2001; CHRISPINO, 2008; MORAES e ARAÚJO, 2012;

DEMO, 2015).

As apresentações recorreram a utilizar e valorizar o conhecimento

historicamente construído sobre conceitos de Astronomia, Cosmologia e

Calorimetria, o que manifesta a competência 1.

A transcrição a seguir mostra como tipicamente surgia essa

competência, neste caso ligada a alguns conceitos de calorimetria, durante os

seminários de temas ambientais.

___Define camada de Ozônio, fala dos raios ultravioletas [...] mostra a

composição química.

A transcrição mostra como tipicamente os alunos recorriam ao

conhecimento historicamente construído, neste caso especificamente sobre os

conceitos de Camada de Ozônio, raios ultravioleta e composição química da

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camada de Ozônio.

As apresentações levam os alunos a pesquisarem, o que requer utilizar a

curiosidade intelectual para investigar (pesquisa dos temas de seminários e da

roda de conversa, como supor vida no vídeo selecionado, como defender seu

ponto de vista geocentrista ou heliocentrista no julgamento e como montar um

termômetro), recorrendo a abordagem própria das ciências envolvidas, que

nesse caso eram a Astronomia, a Cosmologia e a Calorimetria. Isto mostra

indícios da competência 2. A transcrição do diário de campo que segue, mostra

como tipicamente essa competência surgia.

___Aluno vem conversar com o professor a respeito das pesquisas que

seu grupo fez sobre aquecimento global.

A transcrição mostra como houve um processo de investigação antes

que ocorresse efetivamente a apresentação, o que evidencia a competência 2.

A competência 3 envolve valorizar e participar de práticas artísticas e

culturais, neste sentido o seminário de Cosmologia de diferentes povos

precisou tratar das manifestações artístico-culturais dos povos ao descrever

suas concepções sobre a origem e desenvolvimento de sua visão de mundo.

Os próprios vídeos, na apresentação para supor vida em outro planeta

(ambiente), manifesta produções artístico-culturais. No caso do julgamento as

encenações teatrais para se tornar os personagens atribuídos a cada aluno e

as vestimentas caracterizando os personagens, fez os discentes participarem

de prática artístico-cultural.

A transcrição a seguir mostra como essa competência surgiu no Júri

simulado.

___Encenação feita por cada um como em um teatro (roupas, falas,

etc.).

A transcrição chega a tratar da situação usando uma prática artística e

cultural, o teatro, o que evidencia a competência 3.

Todas as apresentações têm produção escrita dos alunos, o que

manifesta está linguagem. Os seminários têm registros escritos nos slides das

apresentações e eventualmente em escritas feitas no celular ou em papel para

guiar/apoiar a fala dos alunos durante a apresentação. Os registros escritos

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para apoiar a fala também são usados na Roda de discussão, apresentação

dos termômetros, julgamento e apresentação de vídeos. Em todas as

apresentações se recorre a linguagem científica fazendo uso de linguagem

verbal, corporal (gestos durante a fala) e escrita, o que coaduna com a

competência 4.

A transcrição a seguir evidencia o uso de apoio escrito em

apresentações.

___Todas as apresentações da turma foram feitas usando texto em

Power Point.

A anotação de campo mostra como tipicamente era usada a lousa digital

para apresentação, já que todas as salas tinham esse recurso. Apesar de ser

possível o uso de outras mídias, nestes casos predominava a o uso de

linguagem escrita para balizar a fala, o que manifesta essas duas linguagens e

a competência 4.

A competência 5 gira em torno da compreensão e utilização de

tecnologias digitais, que no caso das apresentações está ligado a montar

apresentações de slides, mostrar vídeos e usar a lousa digital para exibir esse

material. Os dois seminários e a apresentação dos vídeos são as atividades

onde está competência aparece.

A transcrição a seguir mostra um problema técnico que evidencia a

necessidade de uso de tecnologia digital para a apresentação dos vídeos.

__Troca da sala para o auditório, a lousa digital estava em manutenção.

O registro mostra como era essencial o uso de projetor e som para

mostrar o vídeo sobre suposição de vida em outro planeta. O uso desta

tecnologia nas apresentações era muito recorrente, o que evidenciou essa

competência.

Todas as apresentações podem gerar experiências para que o aluno

entenda as relações próprias do mundo do trabalho e de seu projeto de vida, no

que se refere a fazer uma apresentação em público. Esses são elementos da

competência 6. No caso do julgamento há mais um elemento que é personificar

profissões como advogado, juiz e ator.

A transcrição a seguir mostra como no Júri simulado surge essa

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competência na transcrição do diário de campo.

___Ocupar posições de funções profissionais, como juíza, advogada,

ator, etc.

A transcrição mostra como o pesquisador interpreta o surgimento da

competência 6 na personificação de profissões.

Os argumentos baseados em fatos, dados e informações, para formular,

negociar e defender ideias e pontos de vista, inclusive de consciência

socioambiental, foi expresso em todas as apresentações, como defende o texto

da competência 7. A argumentação precisa ser usada em todas as

apresentações a fim de convencer os interlocutores a respeito do que se falava,

bem como nas discussões, onde cada um defendia seu ponto de vista.

A transcrição a seguir mostra como foi registrada a discussão após a

apresentação do seminário de Cosmologia.

___Houve uma discussão após a apresentação dos grupos. Parte da

turma se coloca a favor de que as concepções dos cientistas (religiosas,

pessoais, etc.) influenciam nas suas pesquisas e outros se colocaram contra.

A transcrição evidencia como nessa turma houve discussão que fez uso

da argumentação a favor ou contra a ideia de que as concepções pessoais de

cientistas podem influenciar em suas pesquisas.

As emoções perpassaram por todas as apresentações, havia ansiedade,

medo e vergonha de apresentar, alegria e contentamento (aos que mostravam

facilidade em falar em público), desapontamento, entre outros sentimentos que

podiam fazer o aluno conhecer-se emocionalmente e conhecer seus pares com

autocrítica e capacidade para lidar com elas. Isto vai ao encontro da

competência 8.

A transcrição a seguir mostra como ocorre o desapontamento durante a

apresentação de um dos termômetros que não funciona.

___A ideia era colocar água de uma garrafa térmica para fazer funcionar

o termômetro. Ele não funcionou. O grupo mostra desapontamento e tenta

continuar melhorando a vedação para fazer o termômetro funcionar [...]

A transcrição mostra o desapontamento dos alunos, o que evidencia a

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manifestação de emoções.

Ao organizar a apresentação e ao expor para sua turma, o grupo de

alunos teve que recorrer ao diálogo e a cooperação e eventualmente a

resolução de conflitos, o que está de acordo com a competência 9.

A transcrição mostra um caso típico de cooperação.

___O grupo apresenta um vídeo onde aparecem vários integrantes do

grupo fazendo testes do termômetro que é apresentado na sala.

A competência 10 está ligada a agir pessoal e coletivamente com

autonomia, o que caracteriza todas as apresentações já que havia um tema a

ser abordado e a escolha de como fazer isso ficava na mão do grupo ou do

aluno (no caso de alguns papéis do julgamento), o que demostra ação pessoal

e coletiva com autonomia. A transcrição que segue mostra a ação coletiva de

um dos grupos.

___A maioria dos integrantes do grupo que introduz o tema diz: “A

pesquisa do nosso grupo” [...] mostra uma ação coletiva.

A transcrição ocorre durante a roda de conversa ou de discussão e

mostra como a pesquisa era considerada uma ação coletiva.

A seguir é apresentado o gráfico com as distribuições percentuais das

competências provenientes das apresentações dos alunos e extraídas do diário

de campo. Para obter as porcentagens presentes no gráfico para cada

competência, foi dividido o número de indícios provenientes do diário de campo

para cada competência, pelo total de indícios de todas as competências. Por

exemplo, a competência 1 mostrou 42 indícios de um total de 443. Para

determinar a porcentagem de participação desta competência, foi feito:

42/443=0,0948, o que foi arredondado para 9,5%.

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Gráfico 4: Dados do diário de campo sobre as apresentações dos alunos

Fonte: Dados da pesquisa.

Os maiores valores de porcentagens são das competências 2 e 7, o que

concorda com as propostas de apresentações baseadas em pensamento

científico crítico e criativo, fazendo uso da investigação (competência 2) e

recorrendo a argumentação para apresentar e discutir os temas das

apresentações (competência 7). As competências 9 e 10, com porcentagens

muito próximas de participação na amostra de dados, evidencia a ação coletiva

e pessoal com autonomia (competência 10) proveniente do trabalho em grupo

(competência 9), ou seja, a manifestação destas competências está associada

ao trabalho em grupo feito nas apresentações. Aparece com a segunda maior

porcentagem pelo fato de todas as atividades terem sido feitas coletivamente.

As manifestações de emoções durante as atividades são representadas no

gráfico pela competência 8, evidenciando emoções ligadas ao fato de ser

preciso fazer uma apresentação em público. Chama a atenção o fato das

competências 1, 4 e 6 terem a mesma porcentagem de incidência. Isso se deve

ao fato de que ao recorrer a linguagem científica oral, escrita ou gestual

(competência 4) para apresentar, os discentes também fazem uso do

conhecimento historicamente construído de Astronomia, Cosmologia e

Calorimetria (competência 1). As experiências ligadas ao mundo do trabalho

(competência 6) também acompanham essas duas competências, no que se

refere a fazer uma apresentação em público ou assumir uma profissão, no caso

do julgamento. As competências 3 e 5 são as com porcentagens menores por

9,5%

12,6%

5,4%

9,5%

7,0%

9,5%

13,8%

9,9%

11,5% 11,3%

0,0%

2,0%

4,0%

6,0%

8,0%

10,0%

12,0%

14,0%

16,0%

Competências das apresentações

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não estarem em todas as apresentações, como as demais. Ambas

competências aparecem em três atividades. A competência 5 aparece nos

seminários e na apresentação dos vídeos e a competência 3 aparece no

Seminário Cosmologia, apresentação dos vídeos e julgamento. Como os

seminários também contavam com vídeos, em alguns casos, isso explica o

motivo de apesar das duas competências estarem em três atividades, a

competência 5 aparecer com maior porcentagem, ou seja, os registros no diário

de campo do uso de vídeo nas apresentações, fazem surgir mais

manifestações da competência 5.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os indícios provenientes do diário de campo mostram que foi possível

abordar conhecimentos de Física referentes aos conteúdos e habilidades

curriculares ligados a Astronomia, Cosmologia e Calorimetria. Também

apontam para o desenvolvimento de algumas concepções CTS sendo que o

pensamento científico crítico e reflexivo, a capacidade de argumentação e a

Alfabetização Científica Crítica se destacam entre as que mais surgem em

todas as atividades. A capacidade de pesquisa autônoma também está

presente nas atividades, bem como se evidencia o entendimento da Natureza

da Ciência como mais uma das possibilidades de interpretação da realidade,

principalmente no seminário sobre Cosmologia de diferentes povos. A

dimensão ligada à questão Ambiental (CTSA) é mais salutar nos seminários de

temas ambientais e na roda de discussão, já que os temas propostos vêm ao

encontro desta dimensão. A valorização da mulher também é presente na

preparação e execução do júri simulado. Os indícios também mostram que

todas as apresentações juntas foram capazes de desenvolver todas as dez

competências da BNCC, com destaque para as competências 1, 2, 4, 6, 7, 8, 9

e 10, presentes em todas as apresentações. Percebe-se uma relação entre

algumas das competências que estão presentes em todas as apresentações e

as concepções CTS. A competência 2 é definida como recorrer a abordagem

própria da ciência incluindo a investigação, a reflexão e análise crítica. As

concepções CTS também defendem o desenvolvimento de pensamento

científico crítico e reflexivo, concordando com a competência. A competência 7

e 10 trazem dimensões ligadas a consciência socioambiental e princípios

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sustentáveis, respectivamente. Além da capacidade de argumentação também

presente na competência 7. O que concorda com os preceitos CTSA.

Respondendo a questão de pesquisa e alcançando o objetivo proposto,

foi possível perceber evidências provenientes do diário de campo a respeito de

conhecimentos de Física, concepções CTS e competências gerais da BNCC.

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