intervenÇÃo a relevÂncia da construÇÃo de...

12
Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24 313 313 313 313 313 ARTIGO DE REVISÃO ARTIGO DE REVISÃO ARTIGO DE REVISÃO ARTIGO DE REVISÃO ARTIGO DE REVISÃO INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NAS EMPRESAS: A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE MÉTODOS PROFILÁTICOS E ASSERTIVOS QUE VISEM À ERRADICAÇÃO DO FENÔMENO ASSÉDIO MORAL Márcia Oliveira de Carvalho RESUMO - O presente artigo científico situa a Psicopedagogia Institucional como disciplina capaz de atuar no redimensionamento psicológico dos espaços corporativos vitimados pelo fenômeno do assédio moral. Apresenta, em seu argumento, os desafios enfrentados pelos setores de recursos humanos, em função da complexidade do objeto, e defende a criação de políticas afirmativas que utilizem, prioritariamente, metodologias comprometidas com a dinâmica do “ensino/aprendizagem”. Destina-se, enfim, a fomentar a construção de instrumentos de intervenção educativos, visando minorar os danos no ambiente das relações entre empregados e empregadores. UNITERMOS: Relações trabalhistas. Relações interprofessionais. Má conduta profissional. Hostilidade. Educação. Márcia Oliveira de Carvalho - Ceteb - Centro de Ensino Tecnológico de Brasília, Universidade Gama Filho. Correspondência Márcia Oliveira de Carvalho Rua Professor Henrique Costa, 830 – ap. 204 – bl.3. - Jacarepaguá – Rio de Janeiro – RJ - CEP: 22770-235 E-mail: mmarcmarcialuiza.carvalho@gmail

Upload: leliem

Post on 18-Jan-2019

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

313313313313313

ARTIGO DE REVISÃOARTIGO DE REVISÃOARTIGO DE REVISÃOARTIGO DE REVISÃOARTIGO DE REVISÃO

INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NAS EMPRESAS:A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE MÉTODOS

PROFILÁTICOS E ASSERTIVOS QUE VISEM ÀERRADICAÇÃO DO FENÔMENO ASSÉDIO MORAL

Márcia Oliveira de Carvalho

RESUMO - O presente artigo científico situa a PsicopedagogiaInstitucional como disciplina capaz de atuar no redimensionamentopsicológico dos espaços corporativos vitimados pelo fenômeno do assédiomoral. Apresenta, em seu argumento, os desafios enfrentados pelos setoresde recursos humanos, em função da complexidade do objeto, e defende acriação de políticas afirmativas que utilizem, prioritariamente, metodologiascomprometidas com a dinâmica do “ensino/aprendizagem”. Destina-se,enfim, a fomentar a construção de instrumentos de intervenção educativos,visando minorar os danos no ambiente das relações entre empregados eempregadores.

UNITERMOS: Relações trabalhistas. Relações interprofessionais. Máconduta profissional. Hostilidade. Educação.

Márcia Oliveira de Carvalho - Ceteb - Centro de EnsinoTecnológico de Brasília, Universidade Gama Filho.

CorrespondênciaMárcia Oliveira de CarvalhoRua Professor Henrique Costa, 830 – ap. 204 – bl.3. -Jacarepaguá – Rio de Janeiro – RJ - CEP: 22770-235E-mail: mmarcmarcialuiza.carvalho@gmail

Page 2: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

314314314314314

INTRODUÇÃORecorrentemente amalgama-se a imagem da

Psicopedagogia às intervenções no cenárioescolar e no grupo de atores que o compõe,muito embora trate de uma ciência cujo braçoestende-se a espaços e realidades bem maisamplos e distintos,... [tais quais] o ambientedas empresas, universo no qual esse artigo sesitua.

Percebe-se, em sua veia relacionada àsorganizações de trabalho, que a Psicopeda-gogia - por sua vocação e atenção à diversidadede vozes - posiciona-se como a disciplina maisbem preparada para intervir nos conflitossocioculturais de caráter danoso – possíveis nasrelações horizontais e verticais entre empre-gados e empregadores. Este artigo, espe-cificamente, direciona-se ao fenômeno assédiomoral [assédio, do latim obsidere, em portu-guês: “atacar”] – cuja baixa produção biblio-gráfica no Brasil a respeito das intervençõespsicopedagógicas, neste início de século XXI,não compromete uma abordagem significativasobre o tema e a urgente necessidade daconstrução de modelos de atuação psico-profiláticos.

Entende-se que, teoricamente, o sujeitocarrega em si o desejo de oferecer um retornoafirmativo às demandas da sociedade moderna;porém, na condição de “humano” - “ser” quese encontra em constante interação com o meio– o desequilíbrio constitui-se uma possibilidadea ser considerada diante do “novo”... [Nestemomento,] quando do desequilíbrio no lócusdo labor, verifica-se que o especialista psico-pedagogo, por meio de sua ação multi-disciplinar, encontra-se apto a coordenar otrabalho de investigação de diagnoses e, senecessário, solicitar um redimensionamento doespaço psicológico do indivíduo, do grupo oudaquele universo, visando o cultivo de hábitossociais saudáveis para o todo.

Estruturado na base teórica de Marie-FranceHirigoyen1 e Enrique Pichon-Rivière2, o artigoconsidera oportuno descrever, o que se temdiscutido a respeito, situações reais, alguns de

seus desfechos e a dinâmica do processo quedenuncia o quanto os setores de recursoshumanos sentem-se impedidos de atuar diantedas ocorrências.

Não se pretende, neste artigo, desfilarmodelos e planilhas prontas para execução daspráticas de diagnóstico e de intervenção. Segue-se, em seu arrazoado, a doutrina psico-pedagógica que preconiza o princípio de quecada demanda solicita uma abordagem própria.O que se pretende é revelar a necessidade dopsicopedagogo no contexto e, para tanto, trazerpara o centro da peça o evento sob um olharresenhado da psicanálise, da psicologia sociale da educação. Propõe-se, assim, oferecer infor-mações e referências para que cada profissionalconstrua seu instrumento, pertinente à realidadee às necessidades de cada instituição com finslucrativos. Porquanto, propõe o trabalho:estudar o evento, seus personagens e as lesõesdecorrentes; diferençar o fenômeno real de umfalso aparente, tratar de sua prática [dofenômeno] e de sua realidade antagônica à teseda Responsabilidade Social; apresentar casosreais vivenciados em empresas e consignadosna produção jornalística; e definir a Psico-pedagogia e sua excelência, sustentada pelabase teórica e por sua práxis, na elaboração deprojetos psicoprofiláticos, tais quais: campanhasinstitucionais, palestras, cursos e demais ações/atividades de cunho educativo junto aosfuncionários e aos executivos das corporações.

Nesta perspectiva, e em face do que ora sediscorre, pretende-se que o artigo, dentreoutros fatores, consubstancie interesse nacomunidade acadêmica, com ensejo de que sereconheça a conjugação “ensino/aprendiza-gem” como principal ferramenta para minoraçãode práticas danosas no ambiente de trabalho.Estima-se que o artigo, ainda, seja capaz delevar à reflexão a sociedade economicamenteativa sobre seu modelo de operação emanalogia às premissas da ResponsabilidadeSocioambiental no mundo corporativo, comespecial atenção à consideração dos valoresÉticos na relação com o outro.

Page 3: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

315315315315315

MÉTODOO artigo utilizou acervo jornalístico próprio,

construído ao longo de cinco anos de pesquisa,coleta e catalogação para subsidiar a elaboraçãode uma grande tese a respeito da importânciada educação na empresa. As consultas, emcaráter de pesquisa bibliográfica – exigênciada instituição de ensino -, iniciaram na obrados teóricos e profissionais citados no artigo eestenderam-se ao acervo dos periódicos pu-blicados por entidades sindicais; especialmenteos relacionados ao Sindicato dos Bancários doMunicípio do Rio de Janeiro e ao Sindicato dosTrabalhadores na Indústria de Petróleo no estadodo Rio de Janeiro: duas das categorias maisvitimadas pelo fenômeno assédio moral,segundo estatísticas.

Realizou-se, ainda, para melhor com-preensão das diagnoses psicopatológicasrelacionadas ao tema, entrevista exclusiva coma psicóloga do Sindicato dos Bancários doMunicípio do Rio de Janeiro e com uma dasprincipais médicas psiquiátricas que atende aclasse dos bancários do estado do Rio deJaneiro, cujas citações não foram publicadas emobediência às normas da Universidade ao qualo trabalho vincula-se.

RESULTADOSPercebe-se que os casos denunciados aos

Sindicatos de classe e, posteriormente, levadosà mídia seriam, em tese, passíveis de soluçõesinternas (no espaço da empresa), caso hou-vesse um projeto para os recursos humanos queprivilegiasse a educação e sua qualidade dedialogar com as diversas contradições quecompõem a corporação. Todavia, a não inter-venção ou a prática de políticas de relacio-namento inadequadas junto aos funcionárioslevaram o fenômeno a assumir vultos grandiosos– capazes de desgastar ambas as partes edirimir somente na esfera judicial.

Constata-se, a partir da análise dos casosreais selecionados, que os atores envolvidos nadinâmica do fenômeno consideram o problemacomo próprio ou parte do “outro”. Entretanto,

os profissionais de educação em suas consi-derações, a exemplo de Soares3 (2008), lembramque, nessa hora, torna-se prioridade ensinar osujeito a assumir um compromisso com sua“verticalidade (singularidade) e com suahorizontalidade” (interação com os outros).

As teorias, para casos que envolvemconflitos nas relações de trabalho em geral,indicam participação dos funcionários emcursos de relações humanas promovidos naprópria empresa. Os profissionais defendemque, por meio de atividades em grupo, pode-se reativar no sujeito a visão do “ser” integradono “todo”.

Soares3 (2008) recomenda como propostapara minorar desavenças, pleitos internosvoltados para eleger líderes capazes deidentificar as dificuldades que os funcionáriospossuem em relação ao “novo” para, porconseguinte, promover ações que despertem,em cada um deles, “autonomia, criatividade eliberdade” – movimentos que geram aconstrução do saber. Nesse aspecto, nota-se acapacidade do Psicopedagogo Institucionalenquanto profissional com melhor preparo paradesenvolver um novo projeto de relacionamentonas corporações, a partir das propostas dereestruturação oficialmente previstas na tese deResponsabilidade Social.

ASSÉDIO MORAL NAS EMPRESAS: OFENÔMENO E A QUESTÃOPara intervir nas empresas tanto psico-

profilaticamente quanto do conflito já diagnos-ticado, demanda-se conhecer as origens, aprática, os atores e os enredos do assédio moral– expressão que se refere, no lócus laboral, àshumilhações que um funcionário submete-sedurante sua jornada de trabalho e que atinge,primeiramente, seu espectro moral.

Foi estudado nos países anglo-saxões enórdicos e qualificado pelo pesquisador empsicologia do trabalho, Heinz Leymann comomobbing, termo derivado de mob (plebe), emuma referência a algo inoportuno. Em suapesquisa, realizada há mais de dez anos na

Page 4: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

316316316316316

Suécia, qualificou o fenômeno como “psico-terror”. Anos mais tarde, deu-se o interesse emoutros países por parte de sindicatos, médicosdo trabalho e organizações de plano de saúde.Na França, a tipificação do assédio sexual, umadas manifestações do assédio moral, como crimelevantou a discussão, in lato sensu, tanto nasempresas quanto na mídia1.

Em tese, diz-se que o assédio moral ocorrequando um indivíduo submete outro a situaçõesde vexame e de constrangimentos de formasistemática e contínua, usando normalmentepalavras e gestos contundentes para reiterar aagressão: “não se morre diretamente de todasessas agressões, mas perde-se uma parte de simesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto,humilhado, deprimido. É difícil recuperar-se” –afirma Hirigoyen1. Sobre a questão, Moraes4

mostra-se mais direto: “Por vezes, materializam-se outros problemas que podem ser diretamenteassociados à questão do alcoolismo, drogas e,em caso extremo, suicídio”.

Trata-se de uma situação que podeestabelecer-se nos mais diversos modelos derelações inter-pessoais, tais como entre mãe efilha e marido e mulher. Entretanto, de acordocom as estatísticas da Doutora MargaridaBarreto5, parte da pesquisa “Uma Jornada deHumilhações” (PUC/SP-05/2000), o local detrabalho revela-se o ambiente mais fértil para ocultivo desta conduta, normalmente qualificadapelos psicólogos como “tirana” e “perversa”...Os resultados apresentados na pesquisa daDoutora Margarida Barreto5 revelam que ochamado “ultraje ao trabalhador” (promovidopelo empregador) cresceu de forma alarmantenos últimos anos – muito embora se reconheçaque este tipo de relação remete à idade tãoantiga quanto a da própria organização dotrabalho como meio de sobrevivência.Especialmente, no início deste novo século,percebe-se que a concorrência acirrada no novomundo global uniformiza, também, práticaspertinentes à dinâmica do assédio. Ostrabalhadores, em geral, produzem sobjornadas cada vez mais exaustivas – a exemplo

do que ocorre na China - e ainda se descobremem meio a exigências para o cumprimento demetas absurdas de vendas, visando a garantiade sua posição (dos trabalhadores) em algumasinstituições. Sobre os efeitos provocados pelaGlobalização e seu neoliberalismo, Barreto5

(2000) cita:‘’A violência moral no trabalho constitui um

fenômeno internacional, segundo levantamentorecente da Organização Mundial do Trabalho(OIT), com diversos países desenvolvidos. Apesquisa aponta para distúrbios da saúdemental relacionados com as condições detrabalho em países como Finlândia, Alemanha,Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. Asperspectivas são sombrias para as duaspróximas décadas, pois segundo a OIT e aOrganização da Saúde, estas serão as décadasdo “mal estar na globalização”, ondepredominarão depressões, angústias e outrosdanos psíquicos, relacionados com as novaspolíticas neoliberais5’’.

Alguns dos profissionais das áreas de saúde,ciências sociais e humanas que se manifestamsobre o tema, mostram-se quase todos unânimesao relacionar a sistemática do assédio, e oemprego da “tirania” na busca do êxito, àcultura do “vale tudo” na rota da compe-titividade pessoal e negocial. Neste percurso,alegam que não se percebe a pessoa humanacomo indivíduo e, sim, coopta-se como umnúmero, um objeto, uma “coisa” a mais quecompõe a empresa.

Por meio de consulta ao Jornal do Sindicatodos Bancários do Estado do Rio de Janeiro(período de 2003 a 2008) – uma das categoriasmais afetadas, uma vez que o mercadofinanceiro exige respostas imediatas – percebe-se que o número de denúncias, anônimas ounão, cresce a cada edição. Exibem-se relatosde funcionários expostos, cotidianamente,durante a jornada de trabalho, às mais variadasformas de coação com o objetivo de alcançarresultados de relevância quantitativa. Nestemomento, quando após algum tempo sobcoerção, a vítima resolve expor o caso,

Page 5: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

317317317317317

comprova-se que a sistemática da agressãomoral é quase sempre a mesma.

O assédio começa, geralmente, compequenas desavenças e maus-tratos, dos quaisa vítima prefere não reclamar. Até que osataques vão se multiplicando ao ponto dedeixar a vítima acuada. Em um grupo é normalque os conflitos ocorram. A ofensa, seguida deum pedido de desculpas, ou mesmo umcomentário ferino, isolado, numa hora deirritação, não podem ser qualificados comoassédio. O que qualifica o assédio é a repetiçãodos vexames, das humilhações, sem qualqueratitude para abrandá-lo, e que o torna algoextremamente destruidor1.

Grande parte dos empregados que denun-ciam apontam seus superiores hierárquicos comoautores do constrangimento - o que faz notar,nas relações verticais, maior incidência dofenômeno. De acordo com o relato das vítimas,muitos (administradores) demonstram exercer oautoritarismo com a conivência da empresa.Outros o exercem sem alegar parcimônia daentidade, mas afirmam utilizar seu “poder”,indiscriminadamente, como ferramenta decobrança e de controle, buscando alcançarresultados financeiros positivos exigidos pelaprópria organização, representada, na maioriadas vezes, pelos mais altos escalões.

Todavia, especialistas das áreas de saúde ede recursos humanos concordam que se trata deuma metodologia que se desenvolve como parteda personalidade do próprio gestor, de suaformação cultural e, muitas vezes, emdecorrência de sua problemática sócio-dinâmica:

É um método muito utilizado por chefes quedesconhecem o assunto [rotina de trabalho] oupsicologicamente se acham inferiores. Sãopessoas frustradas, que têm situações pessoaisnão resolvidas fora da empresa e pegam umsubordinado como bode expiatório paradescarregar sua frustração ou ira6.

Hirigoyen1 alerta que se a empresa nãointervém, o conflito degenera todo o ambiente.Ganha, inclusive, proporções capazes dedesviar (o ambiente) de seu fim: a ação

produtiva e a saúde financeira (qualitativa) daprópria empresa.

Apontam-se, nos dias de hoje, psico-patologias das mais variadas relacionadas aostranstornos de ansiedade decorrentes da prática.Médicos do trabalho citam como uma das maisfrequentes a Síndrome de Burnout 7 - conceitoque surgiu nos Estados Unidos em meados dosanos 70 para dar explicação ao processo dedesgaste aos cuidados e vigilância profissionalnos trabalhadores de organizações. O termocompõe-se de burn=queima e out=exterior:alusão ao sujeito neste quadro de estresse, que“explode”: ou seja, exterioriza seu desequilíbriofísico e emocional. Freudenberger (1974, apudHamze7,(2008) cita que o Burnout é resultadodo esgotamento, decepção e perda de interessepela atividade de trabalho... Em síntese, define-se “burnout” como uma tentativa do organismode se proteger de uma coação. Todavia, apsicopatologia diferencia-se por despertar osujeito para o valor de sua própria vida - o quenão ocorre em trabalhadores que desenvolvemDepressão e Síndrome do Pânico. Médicos dotrabalho concluem, entretanto, que a maior partedas patologias que derivam do Burnout em nadadiferem das demais relacionadas aos transtornosda ansiedade: insônia, úlcera, dores de cabeçae fadiga crônica.

Esta realidade, de estresse “globalizado” noambiente de trabalho, levou, no final do séculoXX, diversos movimentos sociais a exigir dasautoridades governamentais, das grandescorporações e da sociedade uma profunda“autocrítica de caráter ético-político, com vistaà criação de um projeto societário contrário aosinteresses imediatistas da troca mercantil [...]”8. Esperava-se que os diversos aspectosrelacionados aos modos de superação da criseque se alastrava do ponto de vista social eambiental se congregassem, sem que para issotivessem de insistir nos mesmos paradigmassócio-técnicos, políticos e culturais que aengendraram na trajetória do século XX. Destaperspectiva nasceu o termo ResponsabilidadeSocioambiental, que trata do compromisso das

Page 6: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

318318318318318

entidades vinculadas à produção econômicacom o seu meio - o que inclui uma relação sadiacom seus funcionários.

A disciplina Responsabilidade Socioam-biental coloca-se como instrumento destinadoa fortalecer a idéia de que as empresas podemser consideradas co-responsáveis na manu-tenção das condições de reparação, demanutenção e de reprodução do meio ambientejuntamente com a valorização dos direitossociais enquanto elementos intrínsecos edesejáveis aos negócios8.

Na prática, cria-se, em decorrência doconceito de Responsabilidade Social (termocomumente utilizado na teoria da gestão depessoas) um modelo de marketing em torno doqual a empresa comprometida com os valoresde respeito ao ser humano passa a ter maioraceitação de seus produtos. Nasce a tese:“investimentos em cidadania e qualidade devida representam ganhos incalculáveis paratodos”8.

Nota-se que às empresas interessa muitomais, nas tramas do conceito da Respon-sabilidade Social, difundir a realização profis-sional e o bem- estar social de seus empregadosa deixar transparecer o contrário... o que acabapor abrir espaço, aos psicopedagogos insti-tucionais, à possibilidade - livre de interessesmeramente “marketeiros” – de elaborarintervenções afirmativas, comprometidas emenxergar a problemática do assédio moral comolhares criteriosos, vide a complexidade dosconflitos que modularam-se nos últimos tempos.

PRÁTICAS QUE COMPROMETEM ASRELAÇÕES NO AMBIENTE DE TRABA-LHO: SITUAÇÕES DE ASSÉDIO MORALREGISTRADAS NA LITERATURAMuitas vezes, o assédio moral passa

despercebido, devido à banalização e só ganha“capacidade de indignação” quando os fatossão ampliados pelo poder de divulgação damídia. Na empresa, do encontro do desejo depoder com a perversidade nascem a violênciae a perseguição. Pode-se, entretanto, afirmar

que as pequenas perversões cotidianas que sebanalizam estão em maior número1.

Neste capítulo não se mencionam os nomesdas entidades, visto que as situações baseiam-se em relatos das vítimas ou em processos queainda tramitam na esfera judicial. O primeiroexemplo, entretanto, foi citado pelo consultor decarreiras, na Rádio CBN, Max Gehringer, e, maistarde, publicado no livro Emprego de A a Z(Editora Globo, 2008). Relata a reação de umsuperior hierárquico, cujas competênciasmostram-se abaixo das de sua subordinada.Gehringer9 utiliza codinomes para identificar ospersonagens, onde ao chefe atribui a alcunhade Xuxão: ‘’[...] Um dia a copeira faltou e Xuxãopediu para Fernandinha fazer o café, e aFernandinha foi e fez. O Xuxão provou o café edisse que estava amargo e a Fernandinha foibuscar o açúcar. O Xuxão provou de novo e disseque estava frio, e perguntou para Fernandinhapor que ela tinha tantos diplomas se não sabianem fazer café direito. Aí, a Fernandinha,delicadamente, pegou a xícara, despejou o caféna mesa do Xuxão e pediu as contas.

Alguns anos depois, encontrei, por acaso, oXuxão, e ele estava igualzinho... E comenteique a Fernandinha tinha tido uma carreiraincrível depois que deixara de trabalhar comele. Tinha conseguido ser promovida comfrequência e viajava constantemente ao exteriorpara fazer apresentações na matriz da empresa.E o Xuxão, o protótipo perfeito do assediadormoral, cuja ficha nunca cai, me disse: pois é,imagine só onde essa menina teria chegado se,além de tudo, soubesse fazer um café decente‘’9.

A seguir, síntese da denúncia de umaassociação de funcionários, que alerta para odesfecho de um caso de assédio moral:

‘’Em maio de 2005, a diretoria do Sindicatodos Bancários de São Paulo organizou mani-festação para denunciar que o assédio moralacabara de contabilizar mais uma vítima fatal.Segundo a entidade, a gerente de agência,parte de um grande grupo privado, suicidou-se por não mais suportar pressões, em escalaconsiderada acima do aceitável, e contínuas

Page 7: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

319319319319319

coações no ambiente de trabalho, orientadaspara o alcance de metas de vendas demasiadoaltas.

O Sindicato afirma que a funcionária, comvinte e cinco anos de Casa, já havia sofrido uminfarto no ano anterior e, desde então, parasuportar a excessiva cobrança, fazia uso demedicamentos antidepressivos’’10.

Abaixo, resenha de uma situação que mostraa metodologia utilizada pelo gestor de umaunidade – parte de uma grande empresa - parase comunicar com seus funcionários:

‘’Segundo um dos diretores do Sindicato dosBancários do Rio de Janeiro, os funcionários deuma agência, localizada no centro da cidade,consideram o local de trabalho algo como a“sucursal do inferno”. O movimento da agênciabancária é grande e o número de funcionáriosreduzido, o que acarreta sobrecarga. Indiferenteà situação, segundo a matéria, o administradorda agência utiliza vários mecanismos parapressionar seus subordinados a superar as metasde venda de produtos, inclusive com ameaçasde demissão àqueles que não alcançarem aspropostas. De acordo com o depoimento dodiretor do Sindicato, que esteve no local, mesmoquando não está presente o administrador fazquestão de deixar sua “metodologia” registrada,a exemplo do correio eletrônico que enviou aosfuncionários dias depois do final da greve de2004. Nele, o gestor alertava para que todos se“virassem para alcançar os resultados, nem quetivessem de ficar sem roupa ou pintar o cabelode vermelho”11.

TEORIAS QUE PRECEDEM A PRÁTICA –A EPISTEMOLOGIA DE ENRIQUEPICHON-RIVIÈRE ENQUANTO REFERÊN-CIA TEÓRICA AO PSICOPEDAGOGO NACONSTRUÇÃO DE SUA FERRAMENTA DEINTERVENÇÃODefine, em seu arrazoado, Pichon-Rivière2:

“O sujeito não é só um sujeito relacionado, éum sujeito produzido. Não há nada nele quenão resulte da interação entre indivíduos,grupos e classes”.

O profissional de Psicopedagogia detém aprerrogativa da escolha ao definir a base teóricaque sustentará o instrumento de intervençãopara o alcance de seus objetivos. Nestetrabalho, sugere-se atenção à Teoria do Vínculo,do psiquiatra argentino Pichon-Rivière2, queenxerga o ser humano a partir de trêsdimensões: individual, grupal, institucional ousociedade. Para o psiquiatra, o sujeito nascecom uma demanda – carência – instintiva deuma espécie de “pacote” (estímulos, afetos,situações) que o insira em seu meio. Para oteórico, a construção da subjetividade seconstitui na dependência do outro e se sustentanuma rede de vínculos.

A epistemologia de Enrique Pichon-Rivièredescobre um novo campo de indagação,conceitualização e intervenção que transcendeo discurso do paciente - método pertinente àpercepção do assédio moral enquanto fenômenoconstruído ao longo da formação cultural dosujeito (agressor). Apresenta-se pertinente,ainda, visto que possibilita ao psicopedagogoum cabedal de conhecimento indispensávelpara postular e interagir com profissionais dasáreas de saúde que possam fazer parte de suapráxis.

É um conceito similar ao que será proposto,anos depois, por Michel Foucault, com suateoria da caixa de “ferramentas”.Isto o leva apropor que para além do campo específico dapsicanálise está a psicologia social como âmbitode indagação dessas tramas vinculares que,transcendendo a subjetividade, criam condiçõespara a sua própria produção12.

Pichon-Rivière visualiza o ser humano emuma permanente dialética com o mundo...Quando, na tese do argentino, esse diálogo seinterrompe, o sujeito perde seus referenciaise, como consequência, pára no tempo e anulasua capacidade de transformar o meio –característica, segundo especialistas, muitocomum no perfil do assediador moral.

Sua Teoria do Vínculo apresenta três palcosonde o diálogo para a construção da identidadedo indivíduo se desenvolve: o psicossocial -

Page 8: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

320320320320320

que parte do indivíduo para fora (para oambiente externo); o campo da sócio-dinâmica- que analisa o grupo como estrutura; e oinstitucional - que percebe todo o ambientecomo objeto de investigação... O ECRO(Esquema Conceitual Referencial e Operativo)– assim denominado o eixo de seu estudo -pichoniano alicerça-se, também, sobre trêsgrandes campos disciplinares: as ciênciassociais, a psicanálise e a psicologia social.

Da psicanálise, Pichon-Rivière tomaemprestado o termo inconsciente, “seu conceitode desejo que re-traduz como necessidade, nãono sentido psicanalítico, mas como anecessidade que se transforma a partir daprática social que Marx postula em A IdeologiaAlemã”12 – o que possibilita mensurar asidentificações inconscientes que atuam naconstituição do esquema referencial subjetivodo indivíduo. Ou seja: o que opera como um“conjunto de experiências, conhecimentos eafetos com os quais o indivíduo pensa e faz” eque lhe permite relacionar-se com o mundo,ou cultura particular na qual está socialmenteinserido12. Ainda, da psicanálise, baseia-se paraa compreensão das instabilidades subjetivasnos processos de mudança.

Das ciências sociais, Pichon-Rivière agregaa concepção que permite pensar o sujeito“situado e sitiado” em uma relação estruturadano seu lócus (ambiente) social e na cultura àque pertence. Da psicologia social coaduna comas concepções de George Mead e os aspectosteóricos-técnicos da dinâmica grupal de KurtLewin e de alguns de seus seguidores, comoLippit e Wight. Uma dinâmica que pressupõeo homem diante do desafio de transformar omundo como condição para a realização de seusdesejos. Realização que proporciona efeitos detransformação no próprio sujeito e comportapensar a relação sujeito-mundo como umarelação conflitiva e contraditória.

A compreensão da dinâmica que situa osujeito como um “ser” diante do constantedesafio da mudança – cuja alta frequênciapontua os tempos modernos – permite, segundo

o teórico, a criação de diferentes metodologias,técnicas e ferramentas de intervenção.

A IDENTIDADE DO ASSEDIADOR MO-RAL PELOS OLHOS DA PSICANÁLISE:UMA ABORDAGEM ESPECÍFICA, EMRESENHAUm indivíduo perverso é permanentemente

perverso; ele está fixado neste modo de relaçãocom o outro e não se questiona em momentoalgum. Os perversos só podem existir“diminuindo” alguém: eles têm necessidade derebaixar os outros para adquirir uma boa auto-estima e, com ela, obter o poder, pois são ávidosde admiração e de aprovação. Não têm a menorcompaixão nem respeito pelos outros, porquenão se envolvem em um relacionamento. Erespeitar o outro é considerá-lo como um serhumano e reconhecer o sofrimento que lhe éinfligido1.

Os estudiosos do fenômeno assédio moralreiteram - e tornam questão sine qua nonrepercutir – que, antes de intervir, torna-senecessário observar, criteriosamente, se o atopode ser cogitado como assédio moral ou trata-se, apenas, de um evento isolado pautado porum eventual desentendimento entre colegas detrabalho. Reconhecer o limite entre ambasmanifestações – o desvio intencionado oupsicopatológico de conduta, de origem “tirana”,e uma desavença sem maiores consequências– mostra-se tão fundamental quanto o pode sercomplexo diferençar. Segundo especialistas dasáreas de medicina do trabalho, a primeiraorientação para evitar o equívoco volta-se parao diálogo. Diante de uma situação na qual oempregado sente-se humilhado, agredido ouofendido, indica-se, prioritariamente, umaconversa franca com seu superior imediato. Sehouver um entendimento entre as partes e asocorrências constrangedoras não se repetirem,a situação (mal entendido) pode considerar-seencerrada (resolvido), tendo como marco umsimples gesto de desculpas.

Ao mesmo tempo em que propõem cautelana investigação do fenômeno, especialistas

Page 9: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

321321321321321

aconselham certa agilidade na promoção desteprimeiro diálogo entre a possível vítima e opossível agressor. Esta dosagem de tempo torna-se necessária visto que em caso de confirmaçãoda hipótese do dolo – ou seja: quando, de fato,no ambiente estiver presente o fenômeno, e istoinclui a possibilidade do assédio sexual –,quanto mais cedo a vítima, ou o departamentode recursos humanos ou outros atoresdetectarem o problema, e a intervençãoadequada for promovida, mensura-se menor ocogito de que aniquilada emocionalmente a realvítima se torne.

Do ponto de vista da psicanálise, apsiquiatra francesa Marie-France Hirigoyenestudou de forma minuciosa a personalidadedo assediador. Sua conclusão considera oagressor um “perverso narcisista”, que possui“uma fria racionalidade, combinada a umaincapacidade de considerar os outros comoseres humanos”.

Especificamente, ao associar dados einformações de fontes diversas, pôde-seconcluir que pelo menos um dos traços abaixolistados compõe a personalidade de quempratica o assédio moral:a. utiliza gestos, expressões ou palavras que

possam ofender, humilhar ou constrangero(s) par(es) ou subordinado(s);

b. apavora a equipe, constantemente, durantereuniões ou jornada de trabalho, compossibilidade de demissão, transferência oudescomissionamento;

c. exige ou induz que o subordinado trabalhefora de seu horário, muitas vezes sem auferirganhos extras;

d. manifesta indiferença ao estado de saúde dofuncionário, cuja debilidade pode relacionar-se à sobrecarrega de trabalho;

e. repete a mesma ordem centenas de vezesaté desestabilizar emocionalmente o(a)subordinado(a);

f. impede os colegas de almoçarem juntos,ainda que a rotina de trabalho permita queo façam;

g. aproveita qualquer oportunidade para

reiterar seu apreço por movimentosintimidadores, tais como: dar socos à mesa,bater as portas, arremessar objetos, desligaro telefone com violência;

h. discrimina por raça, sexo ou religião, eridiculariza as escolhas do assediado;

i. provoca ciúmes, elegendo preferências ereafirmando a predileção pelo funcionárioque se sujeita aos seus desmandos;

j. busca privar o assediado de todos osmecanismos de defesa.Em linhas gerais, segundo Hirigoyen1

(2003), o assediador é fundamentalmentereconhecido por um traço que carrega naessência de seus gestos: a necessidade dediminuir o outro para que possa se destacar;transluzir; “pois são sujeitos obcecados poradmiração”.

A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO DOSCONFLITOSVerifica-se que o entendimento da

necessidade de se planificar um élan entreempresa/educação trata-se, ainda, dearquitetura em construção.

Há algum tempo atrás, acreditava-se que aeducação fazia parte de algumas agências insti-tucionais como a família e a escola. Agia-se, naprática, como se a empresa e a sociedade emgeral não fossem atingidas diretamente peloprocesso da Educação. Esperavam que o sujeitoao sair da escola estivesse pronto para atuarno mercado de trabalho e que assim ele deveriadevolver à sociedade o que esta investiu nele,através da sua produção, da sua qualificaçãoprofissional3.

Há instituições que esboçam projetos paraconter a curva ascendente de práticas danosasno ambiente de trabalho. Todavia, nota-se que,em maior número, as iniciativas partem dossindicatos ou dos funcionários organizados. Porvezes, inclusive, ao analisar o material deintervenção, pressupõe-se que tratar do assuntoé colocar-se do lado oposto aos interesses daempresa... A visão “funcionários versusempresa”, equivocada e possivelmente reflexo

Page 10: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

322322322322322

da ausência de profissionais da área deeducação, denuncia a precariedade do “sabercientífico a respeito” e compromete a qualidadedas intervenções. Verifica-se, ainda, que asações aproximam-se dos aspectos legislativos,mas não apresentam sistemáticas ou sugestõesque motivem a mudança de comportamento emsua essência e que incentivem propostas quecontemplem ações de reflexão e/ou novasabordagens sócio-dinâmicas.

Adota-se como exemplo, enquanto inter-venção relacionada especificamente ao assédiomoral - e cuja proposta inclui reflexão -, acartilha elaborada pelo Sindipetro-RJ13 -Sindicato dos Trabalhadores na Indústria dePetróleo no estado do Rio de Janeiro. Intitulada“Assédio Moral - acidente invisível que põe emrisco a saúde do trabalhador” (2002) - originou-se a partir do número cada vez maior depetroleiros que procuravam o sindicato paradenunciar situações de constrangimento e dehumilhação a que eram submetidos nasrelações com seus superiores.

A cartilha do Sindipetro-RJ obteve osdireitos de reprodução de parte do trabalho daDra. Margarida Barreto, onde possibilita-seapresentar aos trabalhadores o fenômeno emtese e em números. O material não aborda,diretamente, a intervenção psicopedagógica,mas evidencia que o fenômeno demanda ainterferência de profissionais externos aoambiente e especialmente comprometidos compolíticas de educação:

Freud afirmava que somente quando ocristal se quebra é que a estrutura se tornavisível. Mas, no caso da violência moral, aspessoas não conseguem fazer esta relação, poisquando buscam ajuda são aconselhadas a deixara empresa e procurar outro emprego. Assim, aautoculpa é reforçada, o medo e a vergonhapassam a predominar.

Por exemplo: no ambiente de trabalho, sejano setor administrativo ou na produção, háintriga, fofoca, sedução, medo, inveja, indivi-dualismo, laços de amizade e ambiçõesvariadas. Essa afetividade é recriada nas

brincadeiras, nos comentários, nas piadas, noscontos e nas confidências. Entretanto, aosentir-se destruído emocionalmente e semapoio, fica difícil para o trabalhador(a)analisar, refletir sobre as causas, enxergar arealidade concreta e tomar uma decisãoadequada, razoável13.

Para que se cogite a construção de taispolíticas é fundamental que os empregadoresse disponham a participar democraticamente doprocesso. Esta disposição permitirá aopsicopedagogo observar, construir hipóteses,conduzir entrevistas, dinâmicas e cursos,precedidos pela liberdade que conduz a umnovo olhar, que se predispõe a promover umagir diferente, fundamentado no sentir e nopensar de todos.

CONSIDERAÇÕES FINAISPercebe-se que, embora o assédio moral seja

um evento demasiado conhecido no ambientecorporativo e amplamente reconhecido pelosmédicos do trabalho, até o momento, não seinstitucionalizou um movimento quedeflagrasse a erradicação do fenômeno naprática.

Cabe pertinência ao afirmar que fenômenosdessa natureza não se erradicam do dia para anoite. Tanto quanto se contabilizou, na medidado tempo, práticas que o levaram a existir, deve-se destinar critérios para que sua minoraçãoseja fundamentalmente qualitativa, ou seja:baseada numa transformação cultural e não naimposição, meramente, de leis que vão“apenas” punir, mas não redimensionarão oespaço psicológico onde os fatos danososocorrem.

Em face do evento ora abordado, observou-se que somente uma intervenção multidis-ciplinar, coordenada por profissionais da áreade educação, pode se mostrar capaz deevolucionar o ambiente de forma global. A visãointerdisciplinar do psicopedagogo indica seupreparo para um diálogo produtivo comdiversos profissionais de Educação e de Saúdee o posiciona apto a intervir nos aspectos mais

Page 11: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

O VALOR DA EDUCAÇÃO NA EMPRESA

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

323323323323323

SUMMARYThe Psychopedagogy intervention at corporation: the importance

about building cognitive instruments to face any kind of “bullying”

The scientist article introduces the Institucional Psychopedagogy as thecompetent discipline to work up educational interventions in organizationalenvironment when they find themselves victim of some kind of “bullying”. Itshows, all text long, some matters that professional at human resourcedepartment has got to face because of the complexity of this kind of event. Itdefenses the creation of affirmative actions that think about “teaching/learning” as priority in this ambient. So, it intends to call attention ofInstitucional Psychopedagogy professionals to the importance about buildingcognitive instruments to attend the corporation and its urgent necessary toreduce this kind of conflict between employee and employers.

KEY WORDS: Labor relations. Interprofissional relations. Professionalmisconduct. Hostility. Education.

complexos que envolvem a realidade de umambiente vitimado pelo assédio moral.

Aos que desejam propor instrumentosintervenientes, especificamente nos casos deassédio moral no ambiente de trabalho, torna-se fundamental estabelecer consonância entreo poder de crítica e o bom senso. Para isso, opsicopedagogo dispõe de teorias que precedema prática e que se dedicam a estudar osprincípios da psicanálise e da psicologia social:ciências que, periodicamente, revêem oselementos que coadunam com o movimento ecom o desenvolvimento do sujeito na relaçãoensino/aprendizagem.

Independente dos meios utilizados (cartilhas,palestras, campanhas internas, cursos...), o signoda qualidade estará intimamente relacionado coma capacidade do profissional de Psicopedagogiade contribuir com o setor de recursos humanosdas empresas e de comprometer-se com aconstrução de um ambiente saudável para o labore para o exercício do respeito e da consolidaçãodas premissas da ResponsabilidadeSocioambiental. Ou seja, primar por apresentardiagnósticos construídos sobre bases cristalinas;bem como avaliações pautadas na ciência, nassuas convicções teóricas e nos escores da interaçãomultidisciplinar.

Page 12: INTERVENÇÃO A RELEVÂNCIA DA CONSTRUÇÃO DE …pepsic.bvsalud.org/pdf/psicoped/v26n80/v26n80a16.pdf · modelos e planilhas prontas para execução das práticas de diagnóstico

CARVALHO MO

Rev. Psicopedagogia 2009; 26(80): 313-24

324324324324324

Trabalho realizado no Ceteb em parceria com aUniversidade Gama Filho (Programa PosEAD),Brasília, – DF.

Artigo recebido: 17/10/2008Aprovado:05/03/2009

REFERÊNCIAS1. Hirigoyen M-F. Assédio moral: a violência

perversa no cotidiano. 6ª ed. Tradução:Kühner MH. Rio de Janeiro:BertrandBrasil;2003.

2. Pichon-Rivière E. Teoria do vínculo. SãoPaulo:Martins Fontes;1998.

3. Soares DCR. A empresa e a educação: umaleitura psicopedagógica. São Paulo: PedagoBrasil;2008. Disponível em: www.pedagobrasi l .com.br/pedagogia/aempresaeaeducacao.htm Acesso em: 8/6/2008.

4. Moraes A. In: Luques I. Assédio moralprejudica a ‘saúde’ profissional, física emental do funcionário. Rio de Janeiro:OGlobo on line;2008. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/seubolso/mat/2008/03/13/assedio_moral_preju Acesso em:17/1/2008.

5. Barreto M. Violência, saúde e trabalho (umajornada de humilhações). São Paulo:ColeçãoHipótese;2000.

6. Sanchez F. In: Luques I. Assédio moral:confira o perfil do agressor. Rio de Janeiro:OGlobo on line;2008. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/economia/seubolso/mat/2 0 0 8 / 0 3 / 1 3 / a s s e d i o _ m o r a l _confira_perfil_do_agressor Acesso em: 17/1/2008.

7. Hamze A. Síndrome da desistência do

educador – burnout. São Paulo:BrasilEscola;2008. Disponível em: http://pedagogia.brasilescola.com/trabalho-docente/sindrome-desistencia.htm Acessoem: 8/6/2008.

8. CEAD, INEPAD, UNB. Responsabilidadesocioambietal. Brasília:CEAD, Inepad,UnB;2007.

9. Gehringer M. Emprego de A a Z. Rio deJaneiro:Editora Globo;2008.

10. Instituto Observatório Social. Bancáriosdenunciam morte por assédio moral. SãoPaulo: Instituto Observatório Social;2005.Disponível em:www.observatoriosocial.org.br/portal/index.php?option=content&task=view&id=165&ltemid=112 Acesso em: 17/5/2005.

11. Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro.Estratégia do varejo é assédio no atacado.Rio de Janeiro:Jornal BancasRio;fev. 2005.

12. Adamson G. O ECRO de Pichon-Rivière.São Paulo:Interpsic;2000. Disponível em:www.interpsic.com.br/saladeleitura/textos/EcroPichon.html Acesso em: 11/6/2008.

13. SINDIPETRO-RJ – Sindicato dostrabalhadores na indústria de petróleo noestado do Rio de Janeiro. Assédio moral:acidente invisível que põe em risco a saúdedo trabalhador. Rio de Janeiro:SINDIPETRO-RJ;2002.