intertextualidade autraniana: relaÇÕes entre … · maria de souza (1996, p. 30), o autor diz:...

15

Click here to load reader

Upload: phungkhuong

Post on 10-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

I S S N 2 2 3 6 - 3 3 3 5

I N T E R T EX T UA L I DA DE AU TR AN I A NA :

R E LA ÇÕE S E N T R E L U CAS P RO C ÓP IO E

M A D AME B OV AR Y

L a r a d a S i l v a C a r d o s o

U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l d e F e i r a d e S a n t a n a ( U E F S )

L i c e n c i a t u r a e m L e t r a s V e r n á c u l a s

l a r a c a r d o o s o @ h o t m a i l . c o m

P r o f a . M a . A n d r é i a S i l v a d e A r a ú j o

U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l d e F e i r a d e S a n t a n a ( U E F S )

D e p a r t a m e n t o d e L e t r a s e A r t e s ( D L A )

a n d r e i a . c o m . a c e n t o @ gm a i l . c o m

R esumo : Esc r i t o r m i n e i r o , Au t r a n Do u ra do ( 1 9 26 - 20 1 2 ) f o i um

defensor da ‚cu l t u ra l e t rada ‛ . Au tor consc i en t e de sua cr i ação

e d e s uas t é cn i ca s l i t e r á r i a s : us and o como r e f e r ê nc i a l i v r o s

c o n s a g r a d o s d a l i t e r a t u r a u n i v e r s a l , s u a s o b r a s s ã o

ca r r egadas de i n t er tex t ua l i dade . Mu i t as das suas personagens ,

i n c l u s i v e , po r s e r em ass í duas l e i t o r a s de ob r a s c l á s s i ca s , a s

mesmas têm uma impor tan te refe rênc i a na compos i ção de suas

persona l i dades . Baseado nes t e un ive rso pa r t i cu l a r da l i t era tura

au t r a n i a na , o t r a ba l ho r ea l i z a do t em como ob j e t i v o ana l i s a r a

i n f l u ê n c i a d a l e i t u r a d e Ma d am e B ov a r y n a c o n s t r u ç ã o d a

i d e n t i d a d e d e I s a l t i n a , uma d as p e r so na g en s d o l i v r o Lu ca s P r o c ó p i o ( 2 0 0 2 ) e d e m o n s t r a r q u e a i n t e r t e x t u a l i d a d e

a u t r a n i a na s e f a z p r e s en t e n as a çõ e s e p e r s o na l i d a d es d a

p ro t a g on i s t a do l i v r o es t u dado . A me t o do l o g i a u t i l i z a da pa r a

a l cança r o p r opós i t o f o i o es t ud o b i b l i o g r á f i co , com base na

o b r a de D ou ra d o i n a ug u r ad a em 1 9 8 5 , n a d e F l a u b e r t q u e a

an t ecedeu nos anos de 1857 e na pesqu i sa e nas noções de

c am po s d e t e ó r i c o s c om o S o u z a ( 1 9 9 6 ) , B r a n d ã o ( 2 0 0 6 ) e

Hossne (2000 ) .

Pa l a v r as - chave : L i t e r a t u r a . Au t r a n Dou rado . Madame Bova ry .

In ter tex tua l i dade .

Page 2: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

178

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

1 I N T RO D U Ç Ã O

Aut ran Dourado ( 1 926 -2012 ) , m ine i ro , nasc i do na c i dade de

Pa tos , fo i um escr i t o r bras i l e i ro de reconhec imento i n ternac i o -

na l com obras t raduz i das para o f rancês, espanho l e a l emão , e

vencedor de grandes prêm ios , i nc l u i ndo o prêm io Camões

( 2000 ) . Embora a l guns aspectos l i t erá r i os s e jam comuns a

out ros autores pós -modernos , como Gu imarães Rosa e C l a r i ce

L i spector (SOUZA, 1 996 , p . 20 ) , o escr i t o r m ine i ro t em suas

par t i cu l a r i dades . Seus l i v ros são f ru tos de uma i nvenção

f i cc i ona l baseada no ret ra to da soc i edade bras i l e i ra , na deca -

dênc i a de M inas Gera i s , i nc l u i ndo uma tendênc i a a t razer m i t os

e l endas para suas obras , e na nar ra t iva i n t im i s ta com um teor

ps i co l óg i co . As personagens de suas obras l i dam com a l oucu -

ra , a so l i dão e o enc l ausuramento de forma repet i t i va , conden -

sando sua escr i t a em uma ‚ teor i a c í c l i ca ‛ (BOSI , 1 999 , p. 22 ) .

Conhec i do por de fender uma formação cu l t u ra l e i n te l ec -

t ua l dos escr i t o res , suas obras são rep l e t as de i n ter tex tua l i da -

de . Pa ra e l e , um bom escr i t o r deve possu i r t écn i cas , re ferên -

c i as e ter consc i ênc i a de sua cr i ação l i t erá r i a . Em um dos seus

l i v ros de ensa i os sobre teor i a da l i t era tura , Aut ran Dourado

escreve :

[ . . . ] Só ace i t e o p i n i ão d e qu em sab e f az e r b em e j á

f e z um bom t ex t o l i t e r á r i o . O r e s t o é ma i s p a l p i t e d e

q uem d esconhece o assu n to . N ão l h e d ê o uv i dos e

so b re t udo só l e i a o s compe t en t e s au t o re s , q u e sabem

e j á mos t r a r am como se esc r eve b em , o s ch amado s

d ono s d a p a l av r a e sc r i t a [ . . . ] . ( DOURADO , 2 009 , p . 8 ) .

As referênc i as l i t e rá r i as de Aut ran ora aparecem d i re ta -

mente re l ac i onadas a e l e , como em seus l i v ros de ensa i os l i t e -

rá r i os , ora aparecem a par t i r da cons t rução i dent i t á r i a de suas

personagens . No depo imento reg i s t rado no l i v ro de Ene i da

Mar ia de Souza ( 1 996 , p . 30 ) , o autor d i z : ‚Uma co i sa é cer ta :

t odos esses l i v ros nar ram a m inha h i s tór i a pessoa l , suas

Page 3: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

179

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

personagens são eu mesmo, mesmo as fem in i nas . ‛ A compos i -

ção i n te l ectua l fe i t a pe l as suas personagens são , de fa to , r efe -

rênc i as às l e i t u ras do própr i o escr i t o r . Mu i t os de seus pro ta -

gon i s tas car regam essa i n ter tex tua l i dade de f orma exp l í c i t a ,

sendo escr i t o res e/ou l e i t o res .

É a par t i r da personagem Isa l t i na , do l i v ro Lucas Procóp i o ( 1 985 ) , que a i n ter tex tua l i dade aut ran i ana será aqu i es tudada . A

abordagem da pesqu isa é fe i t a a t ravés da i n f l uênc i a da l e i t u ra

de Madame Bovary na cons t rução da persona l i dade de Isa l t i na ,

focando nas re lações exp l í c i t as e imp l í c i t as ent re as obras .

2 GU S T A V E F L A U B E R T E A U T RA N D O U R A D O :

R E F E R Ê N C I A S L I T E RÁ R I A S

As re l ações ent re a escr i t a de Aut ran e a de F l auber t j á

foram notadas pe l os es tud i osos da obra de Aut ran Dourado .

Souza ( 1 996 , p . 1 6 ) aponta F l auber t como um mes t re da forma -

ção l i t erá r i a , a qua l é evocada pe l o escr i t or m ine i ro em seus

tex tos de teor i a da l i t era tura . Ce l so Leopo ldo Pagnan (20 15 , p .

53 ) a f i rma que “Aut ran Dourado demons t ra ter uma preocupa -

ção cons tan te com o própr i o processo de cr i ação l i t erá r i a . É

bem verdade que se vo l t a para sua produção ou para obras e

autores que l he deram mot ivo f i cc i ona l , como F l auber t ‛ .

O escr i t o r de Lucas Procóp i o , em depo imento aos a l unos

da Facu l dade de Let ras da UFMG (SOUZA, 1 996 , p . 40 ) ao c i t a r

au tores i n ternac i ona is de impor tante va l i a pa ra sua i dent i dade

l i t erá r i a , c i t a F l auber t . Ao fa l a r da apropr i ação das suas perso -

nagens , Aut ran Dourado d i z , t ambém, no depo imento que ‚A

f rase de F l auber t 'Madame Bovary c ' est mo i ' é per fe i -

t a ‛ (SOUZA, 1 996 , p . 30 ) . O e l o ent re os do i s escr i t o res j á c i t a -

dos se mos t ra presente durante toda obra de Aut ran , mas

vem a se forma l i za r i n te i ramente em Lucas Procóp i o , quando a

personagem l ê e se apa i xona por Madame Bovary : “ [ . . . ] Nunca

porém o coração de Isa l t i na ba teu tão for te como quando l eu

o romance de F l auber t . Quantas horas marav i l hosas , quantas

Page 4: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

180

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

emoções sub l imes . Chorou como poucas vezes com a i n fe l i c i -

dade de Emma Bovary , sof reu com e l a pr ecocemente as dores

do amor ma l cont ra r i ado . ‛ (DOURADO, 2002, p. 104 ) .

Lucas Procóp i o , segundo l i v ro da t r i l og i a a rca i ca do Bras i l ,

apresenta a h i s tór i a da personagem que car rega o nome da

obra . O tex to é d iv i d i do em duas par tes : Pessoa , em que a

h i s tór i a é nar rada sob a pe rspect iva da v i da de Lucas e

Persona, em que se t ra ta da v i da de Isa l t i na e a re l ação de l a

com Procóp io . O autor , como a f i rmara em tes temunho, t em uma

i den t i f i cação ma ior com o sexo fem in i no , po i s , pa ra e l e ‚as

mu lheres [ . . . ] dão me lhores personagens‛ (SOUZA, 1 996 , p . 52 ) ,

sendo i n tenc i ona l a d iv i são do tex to a par t i r da perspect i va de

gêneros d i feren tes na nar ração .

2 . 1 O V Í N C U L O E N T R E M A D A M E B O V A RY E L U C A S P RO C Ó P I O

Há nas pr ime i ras pág i nas em Persona , cap í t u l o I I de

Lucas Procóp i o , em que se nar ra a h i s tór i a de Isa l t i na , t rechos

que fazem a l usão à obra bovar i ana . Isa l t i na t i nha um sonho de

dançar va lsa com um pr í nc i pe : não tendo esse dese jo concre -

t i zado , contentou-se em dançar com um v i sconde :

No en t an to , f o i p a r co n s t an te d o V i sco nd e d e B aur u ,

d i sp u t ado p o r t od as , p e l o p o r t e , man e i r a e r i qu ez a .

[ . . . ] . E l a e o V i sco nd e p rome t e r am amo r e t e rn o . A t é a

mo r t e e s t a r emos d e mão s d ad as , d i z i a e l a . [ . . . ] . T r oca -

r am ca r t as e m a i s c a r t as , c a r t as b e l í s s imas , ap a i xon a -

d as , a r d en t e s , mo l h ad as d e l ág r imas . ( DOURADO , 2 002 ,

p . 1 0 5 ) .

O t r echo descr i t o ac ima parece r efer i r -se à obra Madame Bovary . I sa l t i na , ass im como Emma, personagem pr i nc i pa l da

obra de F l auber t , era uma ass í dua l e i t o ra de romances e

sonhava ter exper i ênc i as de v i da seme lhante às nar radas

pe l os l i v ros que l eu , v ivendo a l e i t u ra de f orma i n tensa e ,

Page 5: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

181

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

mu i t as vezes , cr i ando na própr i a imag i nação cenas parec i das

as das obras l i t e rá r i as . Bovary também consegu iu o l ha res e

a tenção de um v isconde , o qua l a gu i ou para uma dança :

Nes t e momen t o , um d o s q u e v a l sav am , ch amado co l o -

qu i a lmen t e d e v i scond e [ . . . ] v e i o p e l a segund a vez

conv i d ar a Bova r y p a r a d an ça r , asseg ur ando - l h e q ue

a g u i a r i a e q u e e l a se sa i r i a b em . ( F LAUBERT , 2 008 , p .

60 ) .

A va l sa , dese jada por Emma e Isa l t i na , t orna -se o s ímbo lo

do amor i dea l , pr esente nos l i v ros românt icos que l eram. O

amor para e l as de i xa de ser apenas i n ter i o r i zado e passa a ter

a necess i dade da demons t ração a t ravés de ges tos , pa l av ras e

ações seme lhantes aos dos pro tagon i st as das obras romanes -

cas . As personagens ana l i sadas impor tavam -se ma i s com a

representação do amor do que com o sent imento propr i amente

d i t o . Emma, durante seu casamento , despreza o amor do espo -

so , po i s ‚a pa i xão de Char l es não t i nha ma is nada de exorb i -

t an te‛ ( FLAUBERT, 2008 , p . 5 1 ) . E Isa l t i na , a i nda so l t e i ra , possu -

í a uma a lma românt i ca , chorando e sof rendo exageradamente

suas des i l usões amorosas : ‚andava i nconso láve l pe l os cantos ,

chorou amargamente‛ (DOURADO, 2002 , p . 105 ) ao de i xa r de

receber car tas do v i sconde .

3 A C O N C E P Ç Ã O D E A M O R : I N F L U Ê N C I A D A

L I T E RA T U RA RO M A N E S C A

A concepção de amor que Isa l t i na adqu i r i u durante sua

v i da fo i u l t ra r românt i ca . A l ém da prefer ênc i a dos romances , as

mús i cas que ma i s l he apetec i am eram as ba l adas e sonatas ,

peças de Mozar t e Schumann , com um t eor românt i co . Seu

l oca l de v i s i t a pre fer i do era casa da Ch i ca da S i l va , persona -

gem h i s tór i ca da ant i ga D i amant i na , po i s ‚era a aura de sonho

e l enda , o m i to , o u l t ra r romant i smo de um amor imposs íve l ,

Page 6: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

182

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

ma lv i s to e condenado . ‛ (DOURADO, 2002 , p 1 10 ) . As mús i cas

que ma i s gos tava de ouv i r em l ua res , quando a i nda so l t e i ra ,

eram, ent re out ras , É a t i e F l o r do Céu , por desper ta rem l ágr i -

mas e sent imenta l i smos exacerbados .

Emma possu í a uma v i são de amor parec i da . Comp le tamen -

t e i n f l uenc i ada pe l as l e i t u ras romanescas , buscava i ncessante -

mente um amor i gua l aos tex tos l i t erá r i os . Sem encont rá - lo

es tando so l t e i ra , buscava no casamento então ‚ [ . . . ] saber o que

s i gn i f i cam exa tamente , na v ida , as pa l av ras f e l i c i dade , pa i xão ,

embr i aguez , que tão be l as l hes pareceram nos

l i v ros . ‛ ( FLAUBERT, 2008 , p . 42 ) . Ao se tornar uma Bovary ,

Emma fa r i a de tudo para que seu amor fosse o mesmo que

i dea l i zou , en t re tan to , d i versas s i t uações f i zeram com que i sso

não se rea l i zasse .

A pa i xão que Isa l t i na sent i u pe l o v i sconde antes de se

casar teve a mesma força emoc iona l das pa i xões que Bovary

sent i u depo i s do ma t r imôn io . Mot ivadas por i números romances ,

t i veram sua sent imenta l i dade cons t ru í da a par t i r das emoções

das personagens que conhec i am nos romances . Isa l t i na , a

par t i r do amor não cor respond ido do V i sconde de Bauru ,

sent i u , desde cedo , ‚a saudade do l or i da , a hora da so l i t ude , as

no i t es do cão . ‛ (DOURADO, 2002 , p . 106 ) . Emma Bovary exper i -

mentou a mesma emoção antes mesmo de encont ra r -se com

um homem: na mor te de sua mãe , Emma f i cou ‚ [ . . . ] i n t imamente

sa t is fe i t a por t er obt i do na pr ime i ra ten ta t i va aque l e ra ro i dea l

das ex i s tênc ias pá l i das , aonde os corações med íocres nunca

conseguem chegar . ‛ ( FLAUBERT, 2008, p . 47 ) . O nar rador de

Lucas Procóp i o , i nc l us i ve chega a fa l a r das l ágr imas pe l o amor

i na l cançado de Isa l t i na como uma ‚ formação sent imenta l ‛ ,

dando a entender que sua concepção de amor es tava pautada

a sof rer ass im como o des t i no da personagem Bovary que

tan to e la se i dent i f i ca ra .

Page 7: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

183

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

4 A N E C E S S I D A D E D A L E I T U RA RO M Â N T I C A N A V I D A

I N T E R I O RA N A

Tanto Bovary quanto Isa l t i na não gos tavam da v i da i n ter i -

orana . O téd i o , as mesm ices de sempre , os mesmos eventos e

pessoas sempre fazendo as mesmas co i sas as enfurec i am .

Isa l t i na , an tes de casar , por sua fam í l i a t er empobrec i do , t eve

que i r pa ra o i n ter i o r : ‚E então tudo de be l o e l um inoso sub i do

acabou . O pa i vo l t ou com a fam í l i a pa ra a p rov í n -

c i a ‛ (DOURADO, 2002 , p . 108 ) . Depo i s do casamento , a saudade

de sua c i dade na ta l era f requente , ‚ [ . . . ] não t i nha quase nada a

fazer no casarão enorme. ‛ (DOURADO, 2002 , p . 1 32 ) o que

a judava a aumenta r a saudade da v i da urbana: ‚ [ . . . ] aque l e

mato , aque l e i so l amento i n fe l i z na Fazenda do Encantado a

es tavam matando . ‛ (DOURADO, 2002 , p . 142 ) . Madame Bovary ,

mesmo ten tando cu i da r dos negóc i os do mar i do, sent i a sua

v ida , a l i no i n ter i o r , f r i a ‚ [ . . . ] como um ce l e i ro cu ja l uca rna é

vo l tada para o nor te , e o téd i o , a ranha s i l enc i osa , t ec i a sua

te l a na sombra , em todos os cantos de seu cora -

ção . ‛ ( FLAUBERT, 2008 , p . 52 ) . O que ma i s dava desgos to às

duas mu lheres era a so l i dão : t ão bem educadas , cr i adas para

v iver j un to com as dema i s pessoas na cor te , agora se encon -

t ravam no i n ter i o r onde só ex i s t i am pessoas da mesma c l asse

rud imenta r de seus pares , que pouco acrescentavam às suas

conversas i n te l ectua i s .

Lucas Procóp io e Char l es Bovary eram desprov idos da

educação de suas companhe i ras , as qua i s os cr i t i cavam e se

desgos tavam cada vez ma i s . Char l es Bovary , a i nda que méd i -

co , ‚usava sempre botas grossas com duas rugas ob l í quas no

cano que i am do pe i t o do pé a té o tornoze l o . [ . . . ] . E l e d i z i a que ,

pa ra o campo , es tava ma i s que bom ‛ ( FLAUBERT, 2008, p . 50 ,

gr i fo nosso ) . Lucas Procóp i o , pe rsonagem de Aut ran Dourado,

possu í a uma ca l i g ra f i a péss ima e ma l sab i a mast i ga r de boca

fechada . Para I sa l t i na ‚ [ . . . ] a i nda fa l t ava mu i to para e l e ter um

m ín imo de po l i mento para f requenta r , não d i z i a um sa l ão , mas

Page 8: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

184

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

uma sa l a de v i s i ta . ‛ (DOURADO, 2002 , p . 1 2 1 ) . Or i undas de uma

boa educação e i nsp i radas em t ex tos românt i cos , ambas as

personagens dese ja vam um pr í nc i pe , quando , na verdade ,

encont ra ram homens procedentes de uma educação

rud imenta r , na qua l pouco a l imentava seus dese jos emoc iona is .

A l e i t u ra dos l i v ros romanescos era uma necess i dade

para as personagens f em in i nas , supos tamente desva l or i zadas

por seus mar i dos e fam i l i a res . A mãe de Bovary não gos tava

da impor tânc i a que Emma dava aos l i v ros e do pouco caso

que a mesma faz i a para as ta refas de esposa , a f i rmando que

a nora apenas ocupava-se ‚ [ . . . ] l endo romances , maus l i v ros ,

obras que são cont ra a re l i g i ão e que zombam dos padres

a t ravés de d i scursos t i rados de Vo l t a i re . ‛ ( FLAUBERT, 2008 , p .

1 26 ) . Char l es ten tou imped i r a l e i t u ra de Emma , mas não fo i

bem-suced ido . A obra de Aut ran Dourado possu i t ambém as

caracter í s t i cas fam i l i a res das personagens de opos i ção à l e i t u -

ra romanesca. Isa l t i na fo i ques t i onada da u t i l i dade dos roman -

ces para sua v i da pe l o mar i do : ‚Ara , romance ! Que ut i l i dade

pode ter um romance senão encher de caram inho l as as mu lhe -

res?‛ (DOURADO, 2002 , p . 1 39 ) . O i n teresse dos l i v ros era

apenas das personagens , as qua i s sent i am a imensa fa l t a da

l i t era tura : sem a rea l i zação de um amor verdade i ro , seme lhante

às l e i t u ras que faz i am , res tava - l hes a percepção amorosa

cons t ru í da a par t i r da imag i nação .

5 O C A S A M E N T O E A C R Í T I C A A O PA T R I A RC A D O

Embora o casamento tenha s i do esperado pe l as duas

personagens ana l i sadas a f im de uma rea l i zação pessoa l , os

mar i dos de ambas não t i nham a mesma concepção . Hossne

( 2000 , p . 4 ) faz uma aná l i se sobre a s i gn i f i cação do casamento

para os d i fer en tes gêneros , j us t i f i cando a fa l ta de i n teresse do

homem e o cu i dado ma t r imon ia l da mu lher :

O p e r cu r so f em i n in o , t a l c omo é d e t e c t áve l t an t o n o

âmb i t o r omanesco conven c io n a l q u an t o n a ma i o r p a r t e

Page 9: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

185

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

do r omance d a b u rgu es i a o i t o cen t i s t a , adm i t e p a r a a

mu l h e r uma ú n i c a p o ss i b i l i d ad e v i áv e l d e r e a l i z ação

p esso a l : o c asamen to , i d en t i f i c ad o ao Amo r , e , seg u i n -

do- se a e l e , a ma t e r n i d ad e . P a r a o h omem , a r e a l i z a -

ção p esso a l p assa p e l a p r o f i s são o u p e l a sa t i s f a t ó r i a

p o sse d e b en s , p e l o p r e s t í g i o so c i a l , a p o l í t i c a , o u ,

e n f im , p e l a p o ss i b i l i d ad e d e a scen são p ro p r i amen t e

d i t a .

O casamento de ambas as personagens , embora tenham

durado horas , não foram l evados tão a sér i o pe l os no ivos . O

casamento de Emma fo i rea l i zado durante a no i t e para 43

conv idados , ao cont rá r i o do dese jo da no iva que e ra casar -se

à l uz de ve l as durante a passagem da no i t e para a manhã . O

ma t r imôn io de Isa l t i na fo i cu i dado ma i s por e l a , que por e l e ,

que esco l heu os padr i nhos ‚ [ . . . ] por l á mesmo , en t re os

companhe i ros de b i l ha r e de borde l ‛ (DOURADO, 2002 , p . 12 1 ) .

A chegada de um f i l ho fo i um fa to dec i s i vo para a

ruptura da harmon ia da re l ação con juga l das personagens e a

i n f l uênc i a para o adu l t ér i o . Char l es , ao descobr i r a grav i dez da

mu lher , se tornou ma i s ca r i nhoso e Emma fo i l ogo i n f l uenc i ada

por e l e . O seu dese jo era ter um men ino :

Dese j av a um f i l h o ; se r i a f o r t e e mo reno , se ch amar i a

Geo rg es ; e e ssa i d e i a d e t e r um f i l ho homem e r a como

a r ev an ch e d e t o d as su as i m po t ên c i as p a ssad as . Um

homem ao meno s é l i v r e ; p od e p e r co r re r as p a i xõ es e

o s p a í se s . [ . . . ] Ao mesmo t empo i n e r t e e f l e x í v e l , a

mu l h e r t em a seu d es f avo r a s f r aq uez as d a c a r ne e

as d ep end ên c i as d a l e i . ( FLAUBERT , 2 008 , p . 92 ) .

Para Isa l t i na e Lucas , a esperança era , t ambém, de se t er

um bebê do sexo mascu l i no . E l a j á hav i a mos t rado em

cap í t u l os anter i o res , sua i nsa t i s fação nas d i ferenças ent re s er

homem e mu lher : ‚A pos i ção da mu lher , sempre p i o r que a do

homem. F i cam fe i t o ga l o , a r ras tam as asas , as fa l i nhas mansas ,

bobas . Empavonados, che i os de s i . [ . . . ] . Que des t i no t r i s t e ser

mu lher ! susp i rava . ‛ (DOURADO, 2002 , p . 1 17 ) . Pa ra Isa l t i na , a

Page 10: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

186

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

chegada de um f i l ho também poder i a ser cons i derada um t raço

de sua persona l i dade , a qua l es ta r i a l i v re das amarras soc i a is

sof r i das pe l a mu lher . A chegada de um f i l ho não ser i a uma

rea l i zação fem in i na , ma i s uma ação que comp le ta o des t i no das

moças que foram ao mundo e se casaram, mas uma forma de

se rebe l a r cont ra e l e , re l ac i onando com as i de i as de Madame

Bovary , po is , como a f i rma Hossne (2000 , p . 5) :

Também é d i gno d e no t a o f a t o d e q u e Emma n ão

enume r a en t re e ssas cond i çõ es su cess i v as a ma t e r n i -

d ade . E s t a n ão ch eg a a se r j ama i s um ob j e t i v o , n ão s e

t o r n a p a r a e l a uma d as g r and es sa t i s f açõ es d a v i d a ,

c omo p r ev i a o p e rcu r so t í p i c o f em i n i no .

O anse i o por um f i l ho não per tenc i a , de fa to , aos sent i -

mentos das personagens ana l i sadas ; representavam uma

cons t rução t rad i c i ona l da mu lher no sécu l o XIX a qua l não era

bem ace i t a por Isa l t i na e Emma . Segundo Ruth S i l v i ano Brandão

( 2006 , p . 1 55 ) “ [ . . . ] p resa de um s i s tema de representações

v i r i s , a mu lher se l ê anunc i ada num d i scurso que se faz

passar pe l o d i scurso de seu dese jo ‛ , j á que ao sexo fem in i no

não cab i a nenhum i n teresse própr i o , t oda sua v i da era

cons t ru í da pe l o dese jo do pa i e ent regue ao mar i do , após o

ma t r imôn io , cabendo a e l a exc l us ivamente o pape l de boa

esposa e boa mãe para seus f i l hos .

Procóp i o , pro tagon i s ta da obra de Aut ran , que j á hav i a

s i do f i e l por um tempo e depo i s , descontente da esposa, a

ter i a t ra í do , sent i u a f e l i c i dade retornar ao casamento com a

chegada do f i l ho : ‚e l e l he a l i sava a bar r i ga aos poucos se

avo lumando [ . . . ] . Que bom f i ca r j un to de l a , ver - l he a mans i dão

do o l ha r ! ‛ (DOURADO, 2002 , p . 1 35 ) . En t re tanto , o des t i no para

Emma e Isa l t i na fo i , novamente , mu i t o d i fer en te dos seus

sonhos . As duas cr i anças nasceram men inas ; a de Isa l t i na

recebeu o nome da avó ma terna , Teresa . Madame Bovary , ao

saber que t rouxe à l uz uma cr i ança do sexo f em in i no , desma i -

ou ; só depo i s l he fo i dado o nome de Ber the .

Page 11: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

187

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

6 O A D U L T É R I O

Para Isa l t i na e Emma , o casamento não t rouxe nenhuma

fe l i c i dade . A obr i gação de casar , cu i da r das casas e dos f i l hos ,

ace i t a pe l as mu lheres de seu tempo , l hes causava téd i o e

i nsa t is fação . A concepção de amor desenvolv i da pe l as perso -

nagens a t ravés dos romances que l i am não fo i rea l i zada em

suas v idas con juga i s : a pa i xão só se concret i za r i a pe lo adu l t ér i o .

Hossne (2000 , p . 25 ) a f i rma que ‚ [ . . . ] o amor , subentende -se ,

i den t i f i ca -se ao adu l t ér i o . Não se t ra ta a i nda de uma época em

que a mu lher possa esco l her com to ta l l i berdade o fu turo mar i -

do . [ . . . ] Mas , se nem sempre se esco l h i a o mar i do , e ra poss íve l ,

no entan to , esco l her o (s ) amante (s ) ‛ .

Madame Bovary sempre fo i descontente com seu casa -

mento . Em seus monó logos i n ter i o res , de i xava c l a ro seu

descontentamento com o ma t r imôn io e a i ncessante busca de

um amor : ‚E l a se perguntava se não haver i a um me io , por

out ras comb inações do acaso, de encont ra r out ro homem [ . . . ] .

Af i na l , não e ram todos como aque l e . ‛ ( FLAUBERT, 2008 , p . 52 ) .

Encont ra r um amante t rouxe a Emma uma ress i gn i f i cação v i t a l ,

a rea l i zação de um sonho.

E l a r ep e t i a p a r a s i : ‘ T enh o um aman t e ! Um aman te ! ’ ,

d e l e i t an do - se com essa i d é i a , c omo se f o sse uma

n ova pub e rd ade q ue es t i v e sse l h e aco n tecendo . [ . . . ] .

Começava a l go ma r av i l ho so em que t ud o se r i a p a i xão ,

ê x t ase , d e l í r i o ; uma imen s i d ão azu l ad a a ce r c ava , o s

cumes do sen t imen t o c i n t i l a v am sob seu p en samen t o

e a ex i s t ê n c i a ex t r ao r d i n á r i a n ão ap a r ec i a sen ão ao

l o ng e , l á emba i xo , n a sombr a en t r e o s i n t e rv a l o s

d aqu e l as a l t u r as . ( F LAUBERT , 2 008 , p . 1 60 ) .

A exa l tação de Bovary ao encont ra r um homem capaz de

rea l i za r seus anse i os amorosos é seme lhante à a l egr i a de

I sa l t i na quando se envo lve com o Padre Agos t i nho : ‚ [ . . . ] t enho

Page 12: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

188

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

o d i re i t o de ser pe l o menos uma vez na v i da i n te i ramente fe l i z .

A ún i ca vez que conhec i a fe l i c i dade fo i um breve i ns tan -

t e . ‛ (DOURADO, 2002 , p . 172 ) . Embora o adu l t ér i o se j a um peca -

do , i nadm iss íve l para uma cons t rução i dea l de fam í l i a do sécu l o

XIX , para as duas personagens em aná l i se , era o ún i co modo de

consegu i r r ea l i zação pessoa l , de sent i r -se uma mu lher comp le -

t a , v i s to que , segundo Hossne (2000 , p . 33 ) :

O adu l t é r i o é d esv i o , ma s sem ca r á t e r co n t e s t a t ó r io . É

d esv io p a r a en con t r a r a l g o conven c i on a lmen t e a t r i b u í -

do ao p e r cu r so f em i n i no t r ad i c i o n a l – a e xpe r i ê n c i a d o

amor . N ão é a um homem que se j a seu gu i a q u e v a i

b u sca r n o s aman t e s , mas h omens q ue se p a r eçam

ma i s com o i d e a l l i t e r á r i o , c u j a b ase , como j á f o i

o b se r v ado , f u nd amen t a - se n a d es i gu a l d ade , n a supe r i -

o r i d ad e e n a dom i n ação .

O adu l t ér i o deu às personagens cam inhos d i feren tes .

Bovary , end iv idada pe l os a l t os cus tos de se ter um amante ,

envenena-se e morre . Isa l t i na sof re um per í odo de hum i l hação

e o seu casamento é comp le tamente abandonado : seu mar i do

não a perdoa , mas procura esquecer a h i s tór i a , t ra t ando -a

f r i amente . O sof r imento após o descobr imento do adu l t ér i o das

duas personagens fo i grande , t endo impos to a e l as toda hum i -

l hação que uma mu lher no sécu l o X IX sof rer i a ao t ra i r seu

esposo e , consequentemente , sua fam í l i a . A esperança de se

encont ra r um amor seme lhante ao l i do nos romances é , pa ra o

contex to soc i a l das personagens em aná l i se , um desrespe i t o

aos bons modos e à soc i edade . Porém, para e l as , é ma i s que

um s imp l es dese jo ; é uma necess i dade de se v iver baseado

nos i dea i s de amor da l i t era tura romanesca , s endo o adu l t ér i o ,

por tan to , uma evasão à rea l i dade que põe os sent imentos

ac ima dos padrões soc i a i s de compor tamento , sendo que as

re l ações soc i a i s dever i am es ta r ac ima dos sent imentos fem in i -

nos .

Page 13: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

189

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

7 C O N C L U S Õ E S

A l i t era tura pós -modern is t a de Aut ran Dourado t rouxe

formas mu l t i f acetadas à l i t era tura , a qua l buscava por novos

es t i l os de nar ra r o cot i d i ano : ‚ [ . . . ] es tão a í as obras que de 30

a 40 e 50 [décadas do sécu l o 20 ] mos t ram à sac i edade que

novas angús t ias e novos pro je tos enformavam o a r t i s t a bras i -

l e i ro e o obr i gavam a de f i n i r -se na t rama do mundo contempo-

râneo . ‛ (BOS I , 1 999 , p . 4 1 1 ) . A i n ter tex tua l idade exp l í c i t a nas

obras de Aut ran Dourado , a par t i r da r eferênc i a d i re ta da l i t e -

ra tura un iversa l , evoca-se aber tamente na cons t rução da

personagem Isa l t i na , educada a t ravés da l e i t u ra de obras

romanescas , t ranspor tando o gos to l i t erá r i o para as suas

ações e seus sent imentos .

As re l ações ent re Isa l t i na e Madame Bovary es tão pauta -

das em vár i os aspectos desde os autora i s , po i s Aut ran Doura -

do re ferenc i a F l auber t como obra de grande i n f l uênc i a em sua

escr i t a ; t ambém os aspectos po l í t i cos se fazem presentes , a

par t i r de uma seme lhança ent re a v i da i n ter i o rana e as perso -

na l i dades rud imenta res dos mar i dos ; soc i a i s , como uma cr í t i ca

ao pa t r i a rcado, ao ma t r imôn io e à i g re j a ; emoc iona i s , po i s as

personagens demons t ram sent imentos parec i dos durante todo

o percurso nar ra t i vo e l i t erá r i o , j á que ambas demonst ram um

grande i n teresse pe l a l e i t u ra romanesca . Hossne (2000, p . 1 94 ) ,

a f i rmou que , após a cons t rução do Bovar ismo , pe l o romance

de F l auber t ,

O q u e ch ama a a t en ção , en t re t an t o , é a v as t a p r o f u -

são d e o b r as qu e se c r i am em t o rno d e um nú c l e o

comum : a r ep r e sen t ação d a l e i t o r a d e r omances como

um se r p r op en so a co n fund i r imag i n ação e r e a l i d ad e ,

con j ug ado a uma c r í t i c a embu t i d a e d e t e rm in ad o s

g ên e ro s d e f i c ç ão , e o l a s t r o so c i a l , e con ôm i co e p o l í -

t i c o qu e se r eve l a p o r me i o d essa a t i v i d ad e e d essa

cond i ç ão .

Page 14: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

190

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

O e lo ent re as obras Madame Bovary e Lucas Procóp i o

u l t rapassa os gos tos pessoa i s de l i t era tura do autor e torna -

se o cent ro de i dent i dade das personagens . Pa ra B randão

( 2006 , p . 29 ) , o d i scurso do autor “ [ . . . ] se i nsere em out ro l ugar

e d i a l oga sem cessar com out ros d i scursos , mesmo que i sso

se faça de forma i nconsc i en te‛ . Desse modo, conhecer o i n te -

resse l i t e rá r i o do autor m ine i ro é fundamenta l pa ra , não só

entender seu processo de escr i t a , mas também compreender

as personagens como i dent i dades essenc ia i s ao enredo e

rep l e t as de s i gn i f i cação e i n ter tex tua l i dades .

Ab s t r a c t : M i n e i r o w r i t e r , Au t r a n Do u r a d o ( 1 9 2 6 - 20 1 2 ) w as a

l et tered cul tu re defender , he was an author aware of h is creat ion

and l i t era ry techn i ques : h i s works a re l aden w i th i n t er tex tua l i t y ,

re fer r i ng to un iversa l consecra ted l i t era ture books . Many of h i s

characters a re even ass i duous readers of c lass i c works , wh i ch

has an impor tan t re fer ence i n the i r persona l i t i es . Based on th i s

par t i cu la r un iverse of the ‘Aut ran i an ’ l i t erature, the accomp l ished

a r t i c l e means t o ana l y ze t he r ead i ng ’ s i n f l u e nc e o f t he wo r k

Madame Bovary i n the cons t ruct i on o f Isa l t i na ’ s i dent i t y , one o f

t he characters of the book Lucas Procop i o and to demons t rate

t ha t the au t ra n i an i n t e r t ex t ua l i t y i s p r esent i n t he act i ons and

pe rsona l i t i es of the the s tud i ed book . The methodo logy used to

a ch i ev e t h e pu rpose o f ana l ys i s was a b i b l i o g r aph i ca l s t ud y ,

b a s e d o n t h e w o r k o f D o u r a d o ( 1 9 8 5 ) F l a u b e r t ( 1 8 57 ) a n d

research and not i ons of theoret i ca l f i e l ds such as Souza ( 1996 ) ,

Brandão (2006) and Hossne (2000) .

K e yw o r d s : L i t e r a t u r e . A u t r a n D o u r a d o . M a d a m e B o v a r y .

Intertextua l i ty .

R E F E R Ê N C I A S

BOSI , A l f redo . H i s tór i a conc isa da l i t era tura bras i l e i ra . 36 . ed .

São Pau l o : Cu l t r i x , 1999 .

Page 15: INTERTEXTUALIDADE AUTRANIANA: RELAÇÕES ENTRE … · Maria de Souza (1996, p. 30), o autor diz: ‚Uma coisa é certa: ... o romance de Flaubert. Quantas horas maravilhosas, quantas

191

G r a d u a n d o , F e i r a d e S a n t a n a , v . 7 , n . 1 0 , p . 1 7 7 - 1 9 1 , 2 0 1 6

BRANDÃO, Ruth S i lv i ano . Mu lher ao pé da l e t ra . Be l o Hor i zonte :

UFMG, 2006 .

DOURADO, Aut ran . Lucas Procóp i o . R i o de Jane i ro : Rocco ,

2002 .

_ _ _ __ _ . Breve Manua l de es t i l o e romance . Be l o Hor i zonte :

UFMG, 2009 .

FLAUBERT, Gus tave . Madame Bovary . Tradução e notas de

Fú lv ia Mar ia Lu i za Moret to . São Pau l o : Abr i l , 2008 .

HOSSNE , Andrea Saad . Bovar ismo e romance : Madame Bovary

e Lady Orac l e . São Pau l o : Ate l i ê , 2000 .

PAGNAN , Ce l so Leopo ldo . Aut ran Dourado: a consc i ênc i a da

poét i ca do romance . UNOPAR-C ien t . , C i ênc . Human . Educ . Londr i na , v . 10 , n . 1 , p . 53 -59 , j un . 2009.

SOUZA, Ene i da Mar ia de . Aut ran Dourado . Be l o Hor i zonte :

UFMG, 1996 .

Env iado em: 1 3/03/20 16 .

Aprovado em: 3 1/08/20 16 .