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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A DOGMÁTICA BRASILEIRA SAMUEL ALVES SENA São José 3, novembro de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A

DOGMÁTICA BRASILEIRA

SAMUEL ALVES SENA

São José 3, novembro de 2008.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A

DOGMÁTICA BRASILEIRA

SAMUEL ALVES SENA

Monografia apresentada à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau em Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori.

São José 3, novembro de 2008.

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DEDICATÓRIA

À minha mãe e tia pela segurança que sempre me passaram e apoio

incondicional em todas as fases da minha vida. A vocês não mais que com justiça,

dedico esta conquista!

Dedico esta monografia, também, ao meu Orientador, Dr. Luiz Henrique

Urquhart Cademartori, pela ajuda e empenho dedicado a este trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por sempre me dar força e coragem nos momentos difíceis;

Aos meus familiares, que nunca mediram esforços, amor e carinho para

me proporcionar as melhores oportunidades.

Ao Professor Orientador, Luiz Henrique Urquhart Cademartori, que

transmitiu dados precisos para o aprimoramento desta monografia;

Aos meus amigos, Carol, Marlo, Mayra, pela força, companhia e

compreensão indispensáveis para tornar este longo caminho mais fácil de ser

percorrido;

Por fim, a todos que de uma forma ou outra contribuíram nesta

caminhada.

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DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total

responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a

Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca

Examinadora e a Orientadora de toda e qualquer responsabilidade acerca do

mesmo.

São José, 3 de novembro de 2008.

Samuel Alves Sena Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do

Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Samuel Alves Sena, sob o

título INTERPRETAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO SEGUNDO A DOGMÁTICA

BRASILEIRA foi submetida em 12 de novembro de 2008 à Banca Examinadora

composta pelos seguintes Professores: Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori

(Orientador e Presidente da Banca), Fabiano Pires Castagna (Membro) e Roberta

Schneider Westphal (Membro) e aprovada com a nota ______ (____).

São José (SC), 3 de novembro de 2008.

Profº. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori Orientador e Presidente da Banca

Profª MSc. Elisabete Wayne Nogueira Profª. Responsável da Coordenação de Monografia

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“... não há verdadeiro sentido de um

texto; um texto é como um aparelho de

que cada qual se pode servir a seu

talento e segundo seus meios...”.

Paul Valéry (Varieté III. Paris, NRF. 1953)

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RESUMO

A presente monografia evidencia os aspectos legais doutrinários e gramaticais que influenciam o processo criativo de interpretação das normas de Direito Tributário. A análise do assunto comporta incursões na seara dos direitos publico e privado. O referido tema apresenta-se em quatro capítulos. Num primeiro momento, foi necessário definir os conceitos básicos, pontos de partida para a compreensão dos termos empregados ao longo do trabalho. Definiu-se o significado, para a obra, de interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas, de antinomia entre normas, de correção do Direito e de hermenêutica jurídica. A metodologia empregada é essencialmente bibliográfica e indireta, utilizando-se de livros, artigos científicos, dados obtidos através da Internet e orientações jurisprudenciais dos tribunais. Estabelecido o significado das palavras-chave empregadas no decorrer do livro, partiu-se para a análise das regras legais constantes dos artigos 107 a 112 e 118 do Código Tributário Nacional. Nesse capítulo, procurou-se não só avaliar de que forma elas influenciam o intérprete no processo de interpretação das demais normas tributárias, como também fornecer a melhor interpretação dessas próprias normas. O terceiro capítulo é dirigido à compreensão dos diversos métodos ou procedimentos de interpretação condensados pela Ciência do Direito e das premissas que influenciam a interpretação das leis tributárias. Basicamente traçou-se um paralelo entre o que diz a teoria e a aplicação prática desses conceitos no campo do Direito Tributário. Encerra-se o livro fazendo um apanhado geral sobre as condicionantes do processo de interpretação, para depois concluir que o intérprete, apesar de gozar de liberdade no processo criativo de interpretação das normas de Direito Tributário, tem sua atividade balizada pelas regras legais, concernentes à interpretação, previstas no Código Tributário Nacional, além de não poder o mesmo afastar-se das premissas básicas, dos princípios, dos métodos ou procedimentos interpretativos condensados pela Ciência do Direito, visto que não existe verdadeira interpretação jurídica fora dos valores estabelecidos pelo ordenamento. Palavras-Chave: Direito Tributário, Código Tributário Naciaonal, Interpretação, normas jurídicas, leis tributárias, métodos ouprocedimentos interpretativos.

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ABSTRACT

To present monograph it evidences the legal aspects doctrinal and grammatical that influence the creative process of interpretation of the norms of Tributary Right. The analysis of the subject holds incursions in the seara of the publish and private rights. In a first moment, it was necessary to define the basic concepts, starting points for the understanding of the employed terms along the work. The meaning was defined, for the work, of interpretation, integration and application of the juridical norms, of antinomia among norms, of correction of the Right and of juridical hermeneutics. The used methodology is essentially bibliographical and indirect, being used of books, scientific goods, data obtained through Internet and orientations legal guidelines for the courts. Established the meaning of the employed word-key in elapsing of the book, started for the analysis of the legal constants rules of the articles 107 to 112 and 118 of the National Tributary Code In that chapter, it was sought not only to evaluate that forms they influence the interpreter in the interpretation's process of the other tributary norms, as well as to supply the best interpretation of those norms. The third chapter is layed hold to the understanding of the several methods or interpretation procedures condensed by the Science of the Right and of the premises that influence the interpretation of the tributary laws. Basically traced a parallel among what said the theory and the practical application of those concepts in the field of the Tributary Right. It closes up the book doing a general of the interpretation process, for later to end that the interpreter, in spite of enjoying of freedom in the creative process of interpretation of the norms of Tributary Right, has your activity by the legal rules, concerning to the interpretation, foreseen in the National Tributary Code, besides not being able to the same to stand back of the basic premises, of the beginnings, of the methods or interpretative procedures condensed by the Science of the Right, because true juridical interpretation doesn't exist out of the established values for the ordenament. KEY-WORDS: Tax Law, Code Tributary Naciaonal, interpretation, legal standards, tax laws, interpretative methods ouprocedimentos

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AG - Agravo

ART. - Artigo

CF - Constituição Federal

CLT - Consolidação das Leis do Trabalho

COFINS - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social

CPC - Código de Processo Civil

CTN - Código Tributário Nacional

DJU - Diário da Justiça da União

ITBI - Imposto de Transmissão de Bens Imóveis

LICC - Lei de Introdução ao Código Civil

Min. - Ministro

1ª T. - Primeira Turma

Rel. - Relator

RP - Representação

REsp. - Recurso Especial

RExt. - Recurso Extraordinário

STF - Supremo Tribunal Federal

STJ - Superior Tribunal de Justiça

TRF4 - Tribunal Regional Federal da 4ª Região

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..........................................................................................................13

CAPÍTULO 1 – REGRAS LEGAIS DE INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO..............17

1.1 O Art. 107 CTN...................................................................................................17

1.1.1 Lei de Introdução do Código Civil ................................................................18

1.1.2 Princípios Gerais do Direito ..........................................................................19

1.1.3 Princípio da Interpretação conforme a Constituição ..................................20

1.2 O Art. 108 CTN...................................................................................................20

1.2.1 Lacuna.............................................................................................................21

1.2.2 Hierarquia e taxatividade dos métodos elencados .....................................24

1.2.3 Métodos de Integração ..................................................................................26

1.2.3.1 Analogia .......................................................................................................26

1.2.3.2 Princípios Gerais de Direito Tributário......................................................29

1.2.3.3 Princípios Gerais de Direito Público..........................................................31

1.2.3.4 Eqüidade ......................................................................................................32

1.3 O Art. 109 CTN...................................................................................................34

1.4 O Art. 110 CTN...................................................................................................36

1.5 O Art. 111 CTN...................................................................................................38

1.6 O Art. 112 CTN – Interpretação do Direito Penal Tributário...........................43

1.7 O Art. 118 CTN – Interpretação dos Fatos.......................................................45

CAPÍTULO 2 – PREMISSAS E MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO ..........49

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2.1 Soluções Apriorísticas......................................................................................49

2.2 Métodos de Interpretação.................................................................................50

2.2.1 Quanto às fontes ............................................................................................51

2.2.1.1 Interpretação autêntica ...............................................................................51

2.2.1.2 Interpretação doutrinária ............................................................................52

2.2.1.3 Interpretação judicial ..................................................................................52

2.2.2 Quanto aos meios ..........................................................................................54

2.2.2.1 Interpretação literal, gramatical, lingüístico ou verbal.............................54

2.2.2.2 Interpretação histórico-evolutiva ...............................................................57

2.2.2.3 Interpretação lógico-sistemática ...............................................................58

2.2.2.4 Interpretação sociológica ...........................................................................61

2.2.2.5 Interpretação econômica ............................................................................61

2.2.2.6 Interpretação teleológica ............................................................................63

2.2.3 Quanto aos efeitos .........................................................................................65

2.2.3.1 Interpretação declarativa ............................................................................65

2.2.3.2 Interpretação restritiva................................................................................66

2.2.3.3 Interpretação extensiva ..............................................................................68

CAPÍTULO 3 – A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO.70

3.1 Quanto à Observância das Disposições do Código Tributário Nacional .....70

3.2 Quanto à Utilização dos Métodos de Interpretação – O Pluralismo Metodológico......................................................................................................75

CONCLUSÃO... ........................................................................................................78

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................83

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INTRODUÇÃO

Baseado no Direito Tributário é que esta pesquisa jurídica se propõe a

analisar as normas legais, os preceitos e os diversos métodos de interpretação e

integração sistematizados pela Ciência do Direito e sua aplicação no Direito

Tributário. A idéia define meios de interpretação das normas tributárias para que

sirvam de fonte a interessados em pesquisas e verificar se uma norma tributária

incide ou não no caso concreto.

Em que pese o art. 107 do Código Tributário Nacional ser categórico e

sua redação dar a entender que estaria totalmente normatizada a teoria da

interpretação tributária, demonstra-se aqui que ele não limita a atividade do

intérprete, a qual deve se conformar também às diretrizes gerais de interpretação

das normas jurídicas e aos princípios gerais de Direito.

Constitui-se assim o Direito Tributário como um ramo específico do

Direito Público. Integrado por princípios e normas consiste principalmente na relação

de superioridade do Estado que busca, através da tributação, parte do patrimônio

dos particulares para fazer frente às despesas públicas. Entretanto, essa

característica não implica considerá-lo como ramo estanque e isolado, sujeito a

critérios interpretativos distintos dos demais ramos do Direito. Pelo contrário,

justamente porque esse ramo procura os fatos manifestadores de capacidade

contributiva dos contribuintes, elege alguns deles como fatos geradores de tributos,

no Direito Privado (Civil, Comercial) é que se verifica a interseção. Não se pode

esquecer também que todas as matérias e todos os ramos sofrem limitações de

índole constitucional e que a atividade aplicadora, fiscalizadora e arrecadatória é

realizada por órgãos da Administração Pública. Surge daí a constante necessidade

de aplicação das regras e dos princípios de Direito Constitucional e Administrativo.

Percebe-se que o estudioso da hermenêutica no Direito Tributário

deve, em primeiro lugar, conhecer todo o ordenamento jurídico, sua estrutura e

alicerces, os princípios fundamentais que informam cada ramo do Direito, em

especial os do Direito Tributário. Os princípios, tanto os específicos de cada ramo

quanto os constitucionais, formam diretrizes superiores que iluminam a

compreensão dos textos legais.

O hermeneuta também não deve limitar-se diante de quaisquer

conceitos apriorísticos no seu trabalho de compreensão e interpretação. Deve-se,

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pois, despir-se das velhas teorias que pregam a permanente utilização das máximas:

a favor do fisco ou a favor do contribuinte, pois constituem uma inadmissível

limitação do processo lógico representado pela interpretação da lei.

Defende-se, portanto, a liberdade do intérprete. Não a liberdade

decorrente da aleatória análise da letra da lei, pois as palavras são símbolos e, como

tais, ficam sujeitas a determinadas opções que se dão em função de uma atitude

psicológica e valorativa do intérprete. A liberdade defendida nesta monografia terá

como limites os métodos e sistemas condensados pela ciência jurídica, através da

hermenêutica.

Os conceitos operacionais, na definição de Miguel Reale, devem distinguir-

se em três conceitos técnicos distintos: interpretação, integração e aplicação da lei.

Para aplicar o Direito, precisa-se, antes, interpretá-lo. “A aplicação é um exercício

condicionado a uma prévia escolha entre as várias interpretações possíveis”.1

Denomina-se aplicação da lei a atividade pela qual o caso concreto é

enquadrado em uma norma jurídica adequada. “É fazer com que a relação da vida

real se subsuma à determinada regra existente na ordem normativa.” 2 No direito

tributário a aplicação se dá, seja mediante atividade dos contribuintes no sentido de

cumprir a lei, seja pela ação do Fisco e dos Tribunais às violações das normas. A

primeira é a aplicação voluntária do direito tributário, a segunda, a forçada.

Entretanto, para a aplicação de uma norma jurídica a um caso concreto, é

necessário, primeiro, determinar-se seu conteúdo e alcance, através da

interpretação. Interpretação, na visão de MACHADO:

(...) é a atividade de conhecimento do sistema jurídico,

desenvolvida com o objetivo de resolver o caso concreto, seja

pela aplicação de uma norma específica, seja pela aplicaçãode

uma norma mais geral, seja pelo uso de um dos meios de

integração. 3

1 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 135. 2 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998. p. 228.

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Portanto, de acordo com o conceituado acima, integração nada mais é que

uma etapa mais profunda da atividade interpretativa. Segundo CARVALHO, "a

integração se situa dentro da interpretação. É a segunda fase do processo

interpretativo." 4

Integração "pressupõe a lacuna da lei em relação à determinada situação

concreta" 5. E, para suprir a lacuna, o aplicador socorre-se de recursos previstos no

próprio sistema jurídico e vai em busca de outro mandamento legal capaz de

enquadrar o fato, adapta o ordenamento, de modo que seja suplementada a vontade

do legislador.

Já antinomia, de acordo com ENGISCH, “são erros, incorreções ou

contradições entre normas ou princípios do Direito.” 6 Elas são superadas pelo

método hermenêutico que PAULICH, denominou correção7. A correção difere da

integração, pois, de acordo com SAVIGNY, “aquela (correção) opera negativamente,

excluindo a antinomia, enquanto a integração age positivamente, colmatando as

lacunas.” 8

Convém destacar que não existe possibilidade lógica de o aplicador do

direito se decidir pela existência de lacunas ou pela ocorrência de antinomia, sem

precedentemente interpretar a norma.

Vê-se, portanto, que a interpretação é processo fundamental na aplicação do

Direito. No Direito Tributário, não poderia ser diferente, a interpretação é importante,

seja para a Administração Pública, seja para o contribuinte. No caso da

Administração precisa definir se o fato concreto cabe ou não dentro da moldura da

norma, já o contribuinte precisa saber se o seu comportamento sofre ou não a

incidência daquela. Entretanto, como as palavras são signos, símbolos, o processo

interpretativo está sujeito a determinadas opções que se dão em função de uma

atitude psicológica e valorativa do intérprete.

A incerteza decorrente da multiplicidade de intérpretes e da subjetividade do

processo de interpretação somente é minorada se a interpretação seguir os métodos

3 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 20 ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 92. 4 CARVALHO, Paulo de Barros apud RIBEIRO, op. cit. p. 225-226. 5 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Tributário. 16 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. p. 464. 6 K. ENGISCH apud TORRES, Ricardo Lobo. id. ibid. p. 25. 7 PAULICK apud TORRES, Ricardo Lobo. id. ibid. p. 25. 8 SAVIGNY apud TORRES, Ricardo Lobo. id. ibid. p. 25.

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e sistemas condensados pela ciência jurídica, daí a importância da hermenêutica no

Direito Tributário.

Define-se a Hermenêutica Jurídica através do conceito de MAXIMILIANO,

como a Ciência do Direito que “tem por objeto o estudo e a sistematização dos

processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões do

direito. (...) é a teoria científica da arte de interpretar.” 9 Assim, Hermenêutica no

Direito Tributário seria a parte da Hermenêutica Jurídica que estuda e sistematiza os

processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões usadas

no Direito Tributário.

Este trabalho tem o objetivo de analisar as principais regras legais e

métodos de interpretação das normas de Direito Tributário, sempre na busca da

definição na atuação dos aplicadores desse ramo do Direito.

Procurou-se, pois, na medida do possível, elaborar este tema com uma

visão objetiva sem se pretender aprofunda-lo. Desnecessário será dizer que o

assunto é complexo e impossível seria abrangê-lo na sua totalidade. Reforça-se aqui

o interesse de apenas apresentá-lo como iniciante do estudo em questão.

Nesse contexto, esta monografia contém definições significativas das quais

se efetivam as fontes esclarecedoras do tema discutido.

9 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 1.

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CAPÍTULO 1 – REGRAS LEGAIS DE INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO E

APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

O Código Tributário Nacional traz diversas regras legais que se propõem a

reger o processo interpretativo e de integração do Direito Tributário. Neste capítulo

analisaremos a extensão e o alcance dessas normas.

1.1 O Art. 107 CTN

De acordo com Torres10, a regra transcrita acima é vazia e insuficiente, visto

que o CTN não esgota a disciplina da hermenêutica e sendo que esta prescinde de

quaisquer princípios escritos.

Roque Antonio Carraza entende que ao CTN não é dado disciplinar a

interpretação e a integração da legislação tributária: “... nos parece que o Código

Tributário Nacional não pode estabelecer o modo pelo qual deverão ser entendidas

e aplicadas, nos casos concretos, as leis tributárias federais, estaduais, municipais e

distritais.”11 Ele justifica a sua posição dizendo que o art. 146 da Constituição não

deu poderes para o legislador complementar (o CTN foi recepcionado como lei

complementar) determinar o método de interpretação a ser observado pelos

aplicadores do Direito. Paulsen 12 discorda desse posicionamento, pois entende que

o art. 146, III da Constituição deixa claro que suas alíneas não são taxativas.

A crítica que os doutrinadores fazem desse dispositivo reside no fato de,

sendo a interpretação uma matéria por natureza, doutrinária, a fixação de regras

impede a evolução. Ademais, para Nogueira, o exame e a discussão de cada caso

concreto exige o concurso de elementos tão diversificados que é difícil, senão

impossível, estabelecer regras apriorísticas que possam resolver adequada e

suficientemente todas as relações.13

10 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 31-32. 11 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 16ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 35-46. 12 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. p. 606. 13 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva,

1999, p. 98.

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Rui Barbosa Nogueira salienta que as disposições do CTN sobre

interpretação não esgotam sequer as especificidades e, portanto, devem ser vistas

apenas como normas de orientação, as quais visam conduzir a descoberta da

vontade objetivada na lei tributária e impedir distorções contra quaisquer das partes

da relação jurídico-tributária. 14 Para esse autor o art. 107 significa que:

(...) ocorrendo as hipóteses especiais previstas nas disposições

desse capítulo, é por ela que se resolvem os casos, pois aí não

estão todas as regras possíveis de interpretação, mas apenas

algumas das chamadas normas peculiares do Direito Tributário

e que são previstas de acordo com a estrutura deste ramo

jurídico.15

Bernardo Ribeiro de Moraes 16 acrescenta que as normas de interpretação e

integração do CTN são normas de orientação mais vinculantes. Obrigam, como

obrigam as normas da Lei de Introdução ao Código Civil, de redação semelhante,

que se aplicam a todos os ramos do Direito (inclusive o Tributário).

Rubens Gomes de Souza 17 aponta que o art. 107 é totalmente

desnecessário, porque um artigo não precisa dizer que tudo o que o segue deve ser

cumprido. “Tudo o que está na lei é para ser cumprido”, daí concluí-se também pelo

caráter vinculante das disposições do Código.

No decorrer deste trabalho, as normas de Direito Tributário devem ser

interpretadas como quaisquer outras normas de outros ramos do Direito. Não há,

portanto, qualquer especificidade com relação aos métodos empregados para a sua

interpretação, embora devam ser respeitadas as particularidades desse ramo, assim

como fazemos ao interpretar as normas constitucionais, administrativas, comerciais,

etc.

1.1.1 Lei de Introdução do Código Civil

Diante da não especificidade da interpretação no Direito Tributário, serve-se,

além das normas do CTN, as contidas na Lei de Introdução ao Código Civil, em

14 Ibidem, p. 90. 15 Ibidem, p. 98. 16 MORAES apud RIBEIRO, Maria de Fátima,1998, p. 227.

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especial o art. 5° o qual estabelece que o Juiz, na aplicação da lei, atenderá os fins

sociais a que ela se destina e às exigências do bem comum. Conforme adiante

veremos, essa norma encerra o método teleológico, ao mandar observar a finalidade

para a qual foi elaborada a lei. 18

1.1.2 Princípios Gerais do Direito

Os princípios informam a criação, a interpretação, a integração e a correção

do direito. Esses podem ser explícitos ou implícitos, positivos ou supra-positivos e

estão situados entre os valores jurídicos abstratos e as normas positivadas. Podem

ser ainda aprendidos pela doutrina, pelo legislador e pela jurisprudência, por indução

ou dedução, a partir da idéia do Direito como um sistema. 19

Como as normas de interpretação do CTN são insuficientes, é lícito ao

intérprete recorrer aos princípios gerais do direito, escritos ou não, explícitos ou

implícitos.

Na verdade, o Direito Tributário se insere dentro do sistema jurídico, e a

unidade desse sistema é ponto importantíssimo a ser considerado pelo intérprete. A

interpretação sistêmica, melhor especificada adiante, manda ao intérprete que

busque a harmonia entre as normas e princípios tributários com as normas e

princípios dos outros ramos do Direito, porque o Direito Tributário não encerra, em si

mesmo, um sistema global e fechado de normas e valores.

Através dos princípios, dentre os quais podemos citar o da boa-fé, da

igualdade, da legalidade, da liberdade de iniciativa e da propriedade privada, o

intérprete orienta-se para atualizar-se acerca dos valores da sociedade, posto que a

interpretação nada mais é que o ato de cotejar e sopesar tais valores.

Para Nogueira, entretanto, o art. 109 afastou os princípios gerais de Direito

Privado como meio supletivo da integração da lei fiscal. 20

Baleeiro, porém, chancela essa autorização do Direito Tributário, de tomar

como empréstimo princípios de Direito Privado e os aceita em suas linhas originais

17 SOUZA apud RIBEIRO, Maria de Fátima,1998, p. 231. 18 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 673. 19 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 58.

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ou os classifica sob o ponto de vista fiscal. Tais empréstimos são, por vezes,

indispensáveis, posto que o Direito Privado mais antigo, na sistematização de regras

escritas e lógicas, tem maior perfeição técnica e dispõe, por isso, de maior riqueza

de instrumentos. Enquanto que o Direito Público, em especial o Constitucional, é

infinitamente mais novo e menos aprimorado pela doutrina. 21

1.1.3 Princípio da Interpretação conforme a Constituição

A interpretação se divide em presunção de constitucionalidade das leis e

interpretação das normas tributárias de acordo com os princípios constitucionais. É

permitido ao intérprete das leis tributárias recorrer aos princípios constitucionais.

Onofre22 diz que é imprescindível que a interpretação das normas tributárias se faça

em cotejo com os princípios constitucionais.

1.2 O Art. 108 CTN

Dessa forma, o artigo em exame parece ser dirigido à autoridade

administrativo-tributária, quando diz: autoridade competente para aplicar a legislação

tributária. Assim entende Balleiro. 23

Existem, porém, outros agentes na sociedade que interpretam as normas

jurídicas. O Juiz, evidentemente, interpreta e aplica o Direito. O contribuinte precisa

interpretar as normas para saber se será atingido ou não por esta ou aquela exação

e para defender os seus direitos. Igualmente os advogados interpretam-nas para

orientar seus clientes e assim contadores e economistas, os planejadores fiscais e

peritos. De igual forma, os sociólogos e cientistas políticos e os cientistas do Direito

acatam-nos através da interpretação doutrinária.

20 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 104. 21 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 681. 22 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 131. 23 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 678.

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21

Ao citar Paulo de Barros Carvalho, Paulsen entende que a norma é dirigida

tanto ao funcionário da Fazenda, quanto ao Órgão judicial. 24 Torres também

observa, que vincular uns e outros não, criaria uma natural divergência de resultados

e interferência no diálogo do Direito. 25

1.2.1 Lacuna

Quando o dispositivo coloca “na ausência de disposição expressa” prevê a

possibilidade de o aplicador do Direito estar diante de uma lacuna, a qual poderá ser

suprida mediante aplicação dos métodos elencados.

A possibilidade de, por via hermenêutica, suprirem-se as lacunas do

ordenamento é um problema típico da teoria da dogmática da interpretação.

Diniz diz que o problema da existência de lacunas depende da concepção

que se tem do ordenamento jurídico. Existem basicamente duas correntes: a que

afirma a inexistência de lacunas e sustenta que o sistema jurídico forma um todo

orgânico sempre bastante para disciplinar todos os comportamentos humanos e a

que sustenta a existência de lacunas no sistema que, por mais perfeito que seja, não

pode prever todas as situações, ainda mais aquelas decorrentes da constante

evolução da vida. 26 Para Kelsen, aliado à primeira corrente, tudo o quanto não está

juridicamente previsto no sistema está permitido. 27 Já a segunda corrente toma em

consideração ser o sistema aberto por natureza, pois regula as relações mutantes da

vida, estando em constante movimento.

Kelsen acrescenta ainda que é importante o dogma da completude do

ordenamento para a investigação do direito enquanto ciência e é possível manter tal

dogma se não confundir as normas com o sistema jurídico, pois essas são apenas

uma parte do Direito. Desse modo, fazem parte do sistema não só as normas

jurídicas, como também os elementos fáticos e normativos (teoria da

tridimensionalidade jurídica de Miguel Reale). A lacuna, portanto, aparece quando

há uma incongruência ou alteração entre esses elementos. Preserva-se, assim, a

24 CARVALHO apud PAULSEN, Leandro, 2002, p. 607. 25 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 46-47. 26 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 434. 27 KELSEN apud DINIZ, Maria Helena, 2003, p. 435.

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teoria da completude do ordenamento, pois para a resolução de lacunas o intérprete

passa de um subsistema (normativo, fático e valorativo) a outro, sem sair de dentro

do sistema jurídico. 28

No Direito Tributário Brasileiro existe ainda muito do positivismo. Dizem

certos tributaristas que a falta de regulamentação legal não implica em lacuna a ser

preenchida, mas em espaço ajurídico, devendo o juiz denegar a pretensão do autor.

Como adeptos dessa corrente, Torres cita Rubens Gomes de Souza, que afirma:

“não havendo norma, a pretensão do autor não é reconhecida pelo Direito ou a

defesa do réu não tem apoio em lei” 29; e Alberto Xavier que completa: “é que uma

tipologia taxativa, como a tributária, opera, no seu âmbito, como uma plenitude

lógica da ordem a que se refere, tornando-a, do mesmo passo, completamente livre

de lacunas.” 30

A consideração em pauta, acerca das lacunas, parte do pressuposto do

direito como ordenamento completo (completude do sistema) e da necessidade do

preenchimento das lacunas, basicamente, como um problema de decisão, diante da

proibição da denegação da justiça inserta no art. 4° da Lei de Introdução ao Código

Civil e art. 126 do Código de Processo Civil.

Diniz coloca que o direito é sempre lacunoso, mas, ao mesmo tempo, sem

lacunas:

É lacunoso o direito porque, como salientamos, a vida social

apresenta nuanças infinitas nas condutas humanas, problemas

surgem constantemente, mudam-se as necessidades com os

progressos, o que torna impossível a regulamentação, por meio de

norma jurídica, de toda sorte de comportamento, mas é

concomitantemente sem lacunas porque o próprio dinamismo do

direito apresenta soluções que serviriam de base para qualquer

decisão. 31

28 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, Tradução Luís Carlos Borges, 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 436-437. 29 SOUZA apud TORRES, Ricardo Lobo, 1991, p. 53. 30 XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 44.

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Portanto, o Direito se auto-integra ao suprir seus espaços vazios. O sistema

jurídico tido como incompleto, pode ser completado. Daí, conclui-se que as lacunas

são provisórias, as quais podem ser supridas pela própria força do Direito.

Quando, porém, o juiz defere a decisão, mesmo diante da inexistência de

norma específica àquele caso concreto, não supre a lacuna, de modo a completar o

Direito, mas apenas a colmata, cria uma norma jurídica individual que vale para

aquele caso concreto, o que põe fim ao conflito, não para outros, embora a sua

decisão possa ser usada como base firmadora de Jurisprudência e resolução de

tantos outros casos similares. Daí conclui-se que a regra do dever de julgar 32 (art.

4°, LICC e art. 126, CPC) não determina a completude do ordenamento, pois

conforme se disse antes, a lacuna continua a existir.

Diniz acredita que a constatação da lacuna resulta de um juízo de

apreciação, dependente do processo metodológico a ser empregado para a sua

colmatação, pois os mecanismos de constatação de lacunas são,

concomitantemente, de integração. 33

Do mesmo modo, Onofre expressa que a existência ou não de lacunas

depende da valoração do intérprete e chama a atenção para o fato dessa valoração

se situar no plano da interpretação, pois, somente depois, o agente opta ou não,

pela integração (colmatação de lacunas). Tal valoração parte do pressuposto que o

Direito é uma “ordem axiológica ou teleológica de princípios gerais” 34, de modo que,

quando há identidade de razão jurídica, deve haver identidade de disposição dos

casos análogos.

No mesmo sentido, Torres, ao se referir à lacuna, apenas constata que

quando não há completude é insatisfatória ao Direito, isto é, quando o vazio carece

de preenchimento para tornar satisfatória a ordem jurídica como um todo, em seus

programas e seus valores. 35 Daí porque não é qualquer vazio que é suscetível de

preenchimento. Somente quando houver insatisfação diante dos valores supra

31 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 445. 32 Proibição ao non liquet. 33 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003 p. 447. 34 CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1996, p. 145. 35 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 43.

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positivos, aos princípios gerais e ao plano do legislador que se pode cogitar de

integração. Se não for relevante a carência de regulamentação, trata-se de espaço

ajurídico e prevalece o argumento a contratio sensu. 36

1.2.2 Hierarquia e taxatividade dos métodos elencados

Balleiro esclarece que os agentes do Fisco (somente para quem entende

que a norma é dirigida) não são livres para escolher os vários métodos de

hermenêutica. O art. 108 impõe-lhes uma ordem de preferência, a ser utilizada

sucessivamente. Cada uma depois de esgotada a anterior. Assim, no caso de falta

de disposição expressa de lei, a autoridade competente recorrerá à analogia, aos

princípios gerais de Direito Tributário, aos princípios gerais de Direito Público e,

finalmente, à eqüidade. 37

Calmon também declara que o próprio Código alerta o intérprete que a

hierarquia de métodos deve ser observada, igualmente Maria .38

Torres faz críticas veementes à hierarquização dos métodos, pois diz que

eles se confundem:

De feito, são ralas as diferenças entre os diversos métodos. Apesar

do esforço infrutífero dos positivistas para estremar a analogia juris

da analogia legis, o certo é que o raciocínio analógico postula,

inclusive na analogia legis, as valorações e as apreciações ligadas

aos princípios gerais do Direito ou à ratio que serve de elo para a

comparação. A eqüidade, por seu turno, abrange os princípios gerais

do Direito, eis que consiste na aplicação da justiça ou de seus

princípios específicos (capacidade contributiva ou custo/benefício)

aos casos emergentes. Infundada, igualmente, a distinção entre

princípios gerais do Direito Público, ao fito de hierarquiza-los,

porquanto qualquer princípio, ainda que se aplique a um determinado

fenômeno jurídico, constitui emanação ou modificação dos princípios

36 Ibidem, p. 44; “a contratio sensu”: argumento lógico utilizado no processo de interpretação. Significa “presume-se, mediante oposição, uma solução contrária à legal para o que não está expresso no texto normativo” (Campaz, p. 34). 37 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 678. 38 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, p. 462; RIBEIRO, Maria de Fátima, p. 240.

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gerais do Direito; poder-se-ia até admitir a preeminência dos

princípios constitucionais, mas para priorizá-los frente aos demais, e

não para colocá-los em posição subalterna, como faz o art. 108 do

CTN. 39

A verdade é que pela proximidade e intersecção dos métodos, ninguém

pode dizer, com clareza, qual aquele que um certo intérprete adotou para a

supressão de uma determinada falha. Esse fenômeno decorre do fato de a

interpretação ser atividade complexa, onde todos os recursos apontados pelos

incisos agem simultaneamente no espírito do exegeta. 40 Tal discernimento, porém,

implica no conhecimento da ciência do Direito, coisa que nem todos os intérpretes

da norma jurídica tributária têm.

De acordo com o pensar de Balleiro, o próprio Código, nas disposições

seguintes (arts. 109 a 112), sinaliza que o rol do art. 108 não é taxativo. Os demais

processos de hermenêutica podem entrar na busca do sentido e alcance das leis

fiscais, mas somente “depois de exauridos os meios do art. 108”. 41

Torres 42 defende igualmente que a enumeração do art. 108 não é taxativa,

posto que é incompleta e lacunosa. Sustenta ainda que a completude da ordem

jurídica só pode ser atingida com a invocação de outros métodos não arrolados.

Assim como os argumentos a contrario sensu e a fortiori 43 e os princípios gerais do

Direito são mais abrangentes e genéricos que os princípios gerais de Direito

Tributário e Público.

39 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 48-50. 40 CARVALHO, Paulo de Barros, apud PAULSEN, 2002, p. 607. 41 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 678. 42 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 50. 43 a fortiori: argumento axiológico de interpretação que “representa a passagem de uma proposição para a segunda, para a qual devem valer as mesmas razões da primeira e ainda com maior força. A razão subjacente não é a semelhança, (...) mas sim o fundamento de mérito ou a identidade de razões entre as hipóteses. Tal argumento está expresso no dito popular segundo o qual ‘quem pode o mais, pode o menos’.” Campaz, 36.

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1.2.3 Métodos de Integração

Nogueira 44 salienta que os momentos de integração são muito raros no

Direito Tributário, porque as peculiaridades desse ramo do Direito, como direito de

intervenção no patrimônio de particulares, levou o Estado de Direito a dar muito

maior importância ao texto legal.

Discorda-se, no entanto, desse posicionamento. Justifica-se que, apesar do

Sistema Tributário Brasileiro ser eminentemente positivista, diante de imposições

tributárias, para todas as demais questões, ele está aberto à possibilidade de

integração, conforme adiante exposto.

1.2.3.1 Analogia

Ferrara afirma que “analogia não é criação de Direito novo, mas descoberta

de Direito existente.” Realmente, apesar do Direito Positivo não apresentar

disposições específicas para todos os casos, ele contém força intrínseca, bem como

os germes de uma série infinita de normas não expressas, mas latentes no sistema.

Se de uma só norma ou de um grupo de normas se deduz um princípio jurídico

amplo, forçoso é concluir que tal princípio possa ser aplicado a um caso particular

não regulado, uma vez que a ordem jurídica o aprova em sua generalidade. 45

A analogia consiste na aplicação de um princípio jurídico que a lei põe para

certo fato a outro não regulado, mas semelhante ao primeiro. Diante de casos que o

legislador não cogitou, o intérprete busca regulá-los no sentido em que o legislador

os teria decidido se neles tivesse pensado.

Ferrara 46 diz que a analogia pode ser de dois tipos: analogia legis, quando

decide-se um caso não regulado segundo uma norma que rege um caso afim, trata-

se de aplicação por semelhança (indução) e analogia juris, quando inexiste essa

disposição afim, mas ela é construída a partir da combinação de várias normas que

44 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 99. 45 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 56. 46 Ibidem, p. 51.

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denotam a aplicação de um princípio geral não expresso. Trata-se, portanto, de

aplicação por dedução. 47

Para que se possa recorrer à analogia é necessário 48:

1) que falte norma para o caso a decidir. É necessário que a questão não se

encontre regulada por dispositivo de lei, pois se ela estiver na letra de

alguma norma, que poderia ser aplicada segundo o critério lógico,

encontra-se diante de caso passível de interpretação extensiva;

2) que exista igualdade jurídica, na essência, entre o caso a regular e o

caso regulado. Ao confrontar os casos, mister ao intérprete isolar

elementos essenciais, os traços juridicamente relevantes e que, por isso,

mereçam o mesmo tratamento jurídico. A decisão acerca das

semelhanças, bem como da importância dessas semelhanças, permitem

ao intérprete exercer seu poder de violência simbólica. Na verdade, a

força persuasiva da analogia depende da capacidade do intérprete

argumentar, com maior ou menor êxito, que a semelhança tem

fundamento no próprio sistema, na ordem jurídica. Se o consenso sobre

a semelhança é alto, dizemos que a analogia é rica, se é baixo, é

pobre.49

O uso da analogia funda-se no princípio geral de que se deva dar tratamento

igual a casos semelhantes. Analogia é harmônica igualdade, proporção e

paralelismo entre relações semelhantes. 50

Nogueira51 relata que analogia não é interpretação, mas integração.

Igualmente, Campaz salienta que somente a resolução de casos subsumidos às

47 WARAT, Luiz Alberto. Introdução Geral ao Direito. v. 1. Porto Alegre: Fabris, 1994., p. 302. 48 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 53. 49 WARAT, Luiz Alberto,1994 p. 301, 303. “trata-se do poder capaz de impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que estão no fundamento da própria força.” O emissor, no caso, o intérprete, exerce no receptor poder de controle: o receptor conserva as suas possibilidades de interpretar, mas age conforme o sentido determinado pelo emissor. Na verdade, o emissor neutraliza as alternativas de ação do receptor, fazendo com que as suas alternativas não contem, não sejam levadas em consideração. (Warat, p. 276) 50 Ferrara, p. 51. 51 No FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 100.

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normas particulares includentes está subordinada à interpretação, sendo que a

solução de casos não normatizados ou se faz pelo emprego da analogia ou pelo

argumento a contrario, em cuja hipótese a conduta seria juridicamente permitida,

pela aplicação da norma geral negativa ou regra geral de liberdade. 52

Desse modo, a opção pela analogia é uma questão de interpretação, assim

como o é a possibilidade de se utilizar o argumento a contrário ao invés de se

recorrer à analogia. São questões que dependem da apreciação valorativa do

intérprete e, portanto, eminentemente subjetivas. 53

Consoante Campaz54 a analogia é perfeitamente utilizável no Direito

Tributário, mas sua aplicação é vedada no exercício do poder de tributar.

Igual vedação se encontra estabelecida, mutatis mutantis, em legislações de

quase todo o mundo 55 e, nas que não dispõem de regras assim, a doutrina se

encarrega de fazê-la, como na Alemanha. É a tradição positivista do Direito

Tributário, herdada do modelo de Estado liberal vigente na Europa no século XVIII.

Paulsen cita Rui Barbosa Nogueira que vai um pouco mais além, concluindo:

“a nosso ver, o que resta é apenas a possibilidade da analogia in favorem ou no

campo do Direito Tributário Formal, ou seja, jamais em relação aos elementos

constitutivos da obrigação tributária.” 56

A verdade é que, a matéria de configuração da obrigação tributária é

adotada pela própria legislação à tipicidade fechada da teoria do fato gerador, sendo

que esse não pode ser ampliado por analogia. 57

Deve-se frisar que a restrição ao emprego da analogia é dirigida ao

intérprete e não ao legislador. Assim, o próprio legislador instituidor de normas de

incidência poderá optar pelo tipo aberto, aquele que contém expressões de

semelhança, tais como: e casos semelhantes, e casos análogos, e demais negócios

que visem o mesmo efeito jurídico, ocasião em que o recurso ao argumento a simile

(analogia) deriva de autorização legal e poderá ser largamente utilizado pelo

52 CAMPAZ, Walter. Direito: Interpretação, Aplicação e Integração. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 64. 53 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 55. 54 CAMPAZ, Walter. Direito: Interpretação, Aplicação e Integração. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 62. 55 Onofre cita Holanda, Bélgica e Japão, p. 149. 56 NOGUEIRA, Rui Barbosa, apud PAULSEN, 2002, p. 608. 57 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 99.

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intérprete e aplicador do direito (Paulo Elias Sá – a lei pode ser mais sábia que o

legislador). Nesse sentido, Torres confirma:

Do princípio da tipicidade não emana, como imagina o positivismo

ingênuo, a possibilidade do total fechamento das normas tributárias e

da adoção de enumerações casuísticas e exaustivas dos fatos

geradores. A norma de Direito Tributário não pode deixar de conter

alguma indeterminação e imprecisão, posto que se utiliza também

das cláusulas gerais e tipos, que são abertos por definição. 58

Onofre59 concorda que, no tocante às normas de incidência, a analogia não

é permitida, porém lastima a existência dessa vedação. Explica que, muitas vezes, o

intérprete vê-se diante de uma lacuna dessas e percebe a utilização da norma geral

exclusiva resultará em solução contrária ao espírito e às finalidades do ordenamento

tributário, mas nada pode fazer para salvar o sistema, diante da expressa disposição

legal.Tem-se o sacrifício dos princípios da isonomia, da justiça fiscal e da

capacidade contributiva, em prol do princípio da segurança jurídica reforçada.

Onofre defende que, contra quase toda a doutrina brasileira, está mais do

que em tempo de o Estado Brasileiro evoluir de um Estado Liberal para um Estado

Social de Direito. Só assim, se permite a analogia para evitar o abuso das formas e a

fraude ao espírito da lei fiscal, o que visa equilibrar a tributação com os princípios da

igualdade, justiça e capacidade contributiva (art. 145, § 1°, CF/88). Defende,

portanto, que contribuintes com a mesma capacidade de contribuir estejam

englobados pela mesma norma de incidência, ainda que se utilize a analogia para

atingir os que não estão sob a égide legislativa se considerada a letra da lei. 60

1.2.3.2 Princípios Gerais de Direito Tributário

Rui atribui que os princípios gerais de direito tributário são aqueles que

resultam de todo o sistema jurídico tributário brasileiro, sendo que muitos estão na

58 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 65. 59 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 144-145. 60 Ibidem, p. 149-152.

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Constituição e no Código Tributário Nacional. Já os princípios gerais de Direito

Público resultam de todo o sistema do Direito Público. 61

Embora não tenha discorrido diretamente sobre o caso, Maximiliano

considera a opção do legislador tributário, de enumerar os princípios gerais do

Direito Tributário antes dos princípios gerais de Direito Público e exclui os princípios

gerais do direito, como acertada. Diz o autor que, na utilização de princípios para

oferecer uma resposta a questões as quais não podem ser resolvidas pelo

repositório de normas, nem pela analogia, o intérprete faz o caminho inverso do

legislador. Procede do particular ao geral, subindo gradativamente, em

generalizações sucessivas até encontrar uma solução. Nessa indução, vai-se,

gradativamente, do menos ao mais geral, sendo que quanto menor for a amplitude,

o raio de domínio adaptável à espécie, menor a possibilidade de o intérprete falhar

no processo indutivo. Daí porque foi determinado ao intérprete do direito tributário

que, após pesquisar a possibilidade do recurso analógico, busque a solução dentro

do direito tributário, utilizando-se de seus princípios, somente depois abrindo para os

princípios gerais de direito público. 62

Torres 63, já citado, critica a tentativa do dispositivo de separar os princípios

gerais do direito tributário e público, dos princípios gerais do direito, posto que

qualquer princípio, mesmo que seja de direito público ou privado, é, antes princípio

geral do direito.

No entanto, Maximiliano64 também diz que o intérprete deve buscar primeiro

os princípios norteadores da estrutura positiva do caso em análise, só depois

pesquisar os princípios que informam o livro ou parte do diploma legal no qual se

insere a instituição. Depois pesquisar no próprio diploma, para só então ir até a

disciplina no qual se insere a lei e assim sucessivamente, até chegar aos princípios

gerais do direito escrito. Somente depois deve procurar no direito consuetudinário,

no direito comparado e, por fim, poderá invocar os elementos de justiça, isto é, dos

princípios essenciais e ir para o campo da jusfilosofia.

61 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 102. 62 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 241. 63 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 49. 64 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 465.

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É importante frisar que os princípios que servem de base para preencher

lacunas não podem se opor às disposições do ordenamento, pois devem fundar-se

na natureza do Sistema Jurídico. Evitar, assim, o emprego dos princípios de forma

arbitrária ou conforme as aspirações, valores ou interesses do intérprete. 65

Para facilitar o estudo, embora a enumeração de princípios não seja

recomendada pela doutrina, posto que são infinitas as possibilidades de indução de

princípios a partir do sistema, Maria66 cita quais seriam os princípios gerais de

Direito Tributário, atendo-se, especialmente, aos positivados na Constituição:

capacidade contributiva, legalidade tributária, da igualdade tributária, da

anterioridade da lei em relação ao exercício financeiro, da proibição do confisco , da

proibição de limitações tributárias interestaduais e intermunicipais, das imunidades,

das competências privativas e outros.

1.2.3.3 Princípios Gerais de Direito Público

Segundo Balleiro 67, a utilização dos princípios de Direito Tributário e de

Direito Público é a seguinte: os princípios de direito tributário “consistem na primeira

base do método sistemático, pela qual os pontos silentes, obscuros ou contraditórios

duma lei do imposto (talvez do tributo) se completam, esclarecem-se ou se corrigem

pelas leis de outros tributos ou pelas regras básicas do CTN.” 68

Já os princípios gerais de direito público reservam uso prudente, para os

casos novos ou excepcionais. 69

Eliana70 diz que os princípios gerais de direito público tem origem na

Constituição e menciona alguns deles, como a vedação da utilização de tributo com

65 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 459. 66 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3ª. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 243. 67 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 191. 68 O próprio CTN estatui a aplicação de regras de um tributo a outros, como por exemplo, arts. 74 e 75. 69 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3ª. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 243. 70 ALVES, Eliana Calmon, 4 ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 463.

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efeito de confisco, da igualdade de todos perante a lei, da ampla defesa, da

liberdade de exercício do trabalho.

Maria71 menciona os seguintes princípios constitucionais: República

Federativa unitária, separação de poderes, soberania da lei, da igualdade (art. 5º,

XXXVI, CF), da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV, CF), da ampla defesa (art. 5º,

XIII, CF), mas diz que, embora a maior fonte desses princípios seja a Constituição,

esta não é a única, pois os princípios gerais de Direito Público existentes em outras

fontes também são invocáveis, tal como o art. 5º da Lei de Introdução ao Código

Civil.

Balleeiro 72 acentua que não só os princípios constitucionais merecem

invocação, como as regras consagradas da hermenêutica constitucional, por

exemplo: quando a Constituição quer os fins, concede os meios adequados, quem

pode mais, pode geralmente menos. O todo explica as partes, a prática longa,

pacífica e uniforme. Entende-se que o que corresponde à melhor interpretação, as

exceções são estritas, estatuídas às circunstâncias para o gozo do direito ou

aplicação de pena, devem ser só as expressas, isto é, elas são taxativas, etc.

1.2.3.4 Eqüidade

A eqüidade pressupõe uma apreciação subjetiva, cujo critério reside no

senso de justiça de cada aplicador do Direito. Esse critério poderá ser utilizado,

consoante Maria 73, para proporcionar tratamento igual (de acordo com a igualdade

material), a criação de norma pelo magistrado ou a mitigação ou suavização dos

rigores da lei.

Torres74 observa que a eqüidade, referida pelo dispositivo, é a de

integração, aquela que age na falta de dispositivo e não a eqüidade de correção,

aquela que visa corrigir o direito, abrandando a disposição legal em prol do justo.

71 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3ª. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998,, p. 244. 72 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 682. 73 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 245. 74 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 59.

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Salienta ainda que a eqüidade de integração não é muito importante para o Direito

Tributário, pois somente atua quando há “conceitos indeterminados, cláusulas

gerais, discricionaridade administrativa ou judicial, consciente ou inconscientemente

colocadas pelo legislador” 75, o que são raras dentro de um campo que prima pela

utilização de conceitos determinados e enumerações taxativas.

Já a eqüidade como forma de correção do direito surge no art. 172, IV do

Código Tributário Nacional, em que a autoridade administrativa é autorizada a emitir

juízo de eqüidade com relação às características pessoais ou materiais do caso e

conceder remissão, abrandando a letra fria da lei. 76

E continua o autor a dizer que a eqüidade atua não só como forma de

integração e correção, mas como forma de interpretação, o que influi na

interpretação de qualquer norma do Direito Tributário, em especial, nas penalidades

fiscais previstas no art. 112 do Código. 77

Conclui que, sendo a eqüidade do art. 108, forma de preenchimento de

lacunas, certamente não poderia haver dispensa de tributo (§ 2°). No caso de a

eqüidade visar a correção, autorizada no art. 172, IV, CTN, poderá resultar na

dispensa do tributo devido. 78

Diniz 79, ao contrário, fala que eqüidade é forma de integração, ainda que

vise corrigir o texto legal, porque considera que a inadequação dos dispositivos

legais às circunstâncias seria forma de lacuna a ser suprida.

Na verdade, a divisão de Torres80 é bastante esclarecedora, embora não se

tenha encontrado outros autores que se preocupassem em diferenciar, com tamanha

clareza, como a eqüidade age em cada campo: na interpretação, na integração e na

correção. Os diversos autores consultados ocupam-se somente em tratar a eqüidade

como forma de supressão de lacunas. Alguns autores consideram lacuna a

inadequação da lei ao caso concreto e outros apenas a admitem enquanto na

supletiva de lacunas e a consideram imprestável quando dispensa de tributos,

embora se ressalve o art. 172, IV.

75 Ibidem, p. 59-60. 76 Ibidem, p. 61. 77 Ibidem, p. 58-59, 68. 78 Ibidem, p. 68. 79 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 465-470. 80 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 103-104.

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O fato é que a eqüidade, dada a carga de subjetividade contida nela, pode

levar a abusos quando utilizada para minorar ou suavizar as disposições de lei, no

processo interpretativo, ou quando é forjada como método supletivo de lacunas, em

que ajuda a criar a disposição específica para o caso concreto ou ainda quando é

usada para corrigir as normas jurídicas.

A apreciação por eqüidade confere um poder discricionário ao aplicador do

direito, mas a discricionaridade tem limites na própria lei que permitiu a abertura para

a apreciação eqüitativa, ou no direito, quando a permissão não foi conscientemente

admitida na lei.

O aplicador da lei, mesmo o magistrado ou a autoridade administrativa, não

pode esquecer que a eqüidade reside dentro do ordenamento jurídico. De modo que

a apreciação do que é justo, do que é igual, apesar de ser atividade subjetiva do

intérprete, não pode estar destoante dos subconjuntos valorativos, fáticos e

normativos que integram o sistema jurídico. 81

1.3 O Art. 109 CTN

O art. 109 constitui impedimento ao intérprete modificar a definição, o

conteúdo e alcance de um instituto, conceito ou forma de direito privado. Uma vez

que o legislador importa conceitos já elaborados por outros ramos do direito, esses

conceitos hão de ser interpretados segundo aquele ramo do direito.

O intérprete tem que considerar a vontade do legislador que, ao elaborar a

lei, importou conceitos já definidos para o direito nacional. Caso o legislador deseje ir

além, ele certamente o fará na própria norma editada, como o faz em muitos casos,

sem modificar os conceitos já existentes no direito privado (não é essa a melhor

técnica legislativa), mas por meio da fórmula consagrada: "equiparam-se a 'renda',

'mercadoria', 'sócios', 'administradores', o seguinte:" e passa a citar novos fatos que

sofrerão a incidência da norma tributária. Parênteses aqui para a possibilidade de o

legislador criar um tipo aberto, e introduzir, após a caracterização do fato gerador, os

seguintes dizeres: "e situações análogas", "e situações que denotem a mesma

capacidade contributiva", o que visa preparar a norma para não ficar ultrapassada

em frente à rapidez com que evoluem os negócios de direito privado. Nesse sentido

81 DINIZ apud RIBEIRO, Maria de Fátima,1998 p. 249.

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Geraldo Ataliba, citado por RIBEIRO 82. Se o legislador não dá esse tipo de abertura,

não caberá ao intérprete aplicar a analogia (vedação § 1º, art. 108, CTN) para

adequar uma norma dita ultrapassada.

Os conceitos acima, muito repetidos pelos doutrinadores, são vazios se

desvinculados da prática. Dessa forma, importante mencionar aqui o julgamento do

Superior Tribunal de Justiça, do ano de 2000, onde restou decidido que a Cofins não

incide sobre bens imóveis, uma vez que "mercadoria", conceito de direito privado

adotado pelo legislador tributário, é bem móvel 83. Se o legislador instituidor da

Cofins quisesse que esta incidisse também sobre bens imóveis, teria tipificado a sua

incidência. O raciocínio da Administração, ao interpretar a lei e visar sua aplicação,

tanta alcançar os negociantes de imóveis, e os conduz à categoria de mercadores

de imóveis. Como se viu, essa tentativa foi frustrada, uma vez que já assentado no

direito privado que mercadoria é bem móvel.

O exemplo clássico da utilização de institutos privados no Direito Tributário é

a questão da compensação dos tributos que personifica todo o art. 109 do Código

Tributário.

Desde a edição do Código Tributário Nacional, que a compensação é

classificada como forma de extinção do crédito tributário. Entretanto, o art. 170, do já

citado diploma, impõe a necessidade de lei para fixação das condições e garantias.

De forma que, embora o legislador tributário houvesse buscado o instituto da

compensação no direito privado, não se podia aplicar à compensação tributária os

artigos 1.009 e seguintes do Código Civil, mesmo na ausência da regulamentação

preconizada pelo art. 170, CTN. Essa tese foi vencedora em todos os tribunais, já

que o legislador, mesmo quando se utiliza do conceito de direito privado, pode impor

restrições, que afetem os efeitos tributários.

A regulamentação do art. 170, CTN só veio a acontecer 25 anos depois, com

o art. 66, Lei nº 8.383/91, redação da Lei nº 9.069/95. De acordo com o próprio art.

170, CTN, há necessidade do crédito do contribuinte contra a Fazenda ser líquido e

certo. Desse modo, conforme § 4º do art. 66 da Lei 8.383/91, tanto a Secretaria da

82 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3 ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998. p. 233. 82 REsp 179723/MG, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJU, 02/05/2000, p. 131. 83 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 179723/MG, Diário de Justiça da União. Rel. Min. Francisco Peçanha Martins. Brasília 02 de maio 2000, p. 131.

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Receita Federal quanto o INSS expediram normas que obrigam o contribuinte a

submeter os seus supostos créditos à autoridade administrativa, para apuração de

liquidez e certeza. Somente a partir daí se autoriza a compensação (ressalva-se a

questão dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação). A exigência decorre

da supremacia do Estado, do interesse público presente na tributação. No direito

privado, a certeza e liquidez do crédito do devedor não são submetidas à análise do

credor, mas a compensação opera-se ipso jure e, se houver algum prejudicado, a

saída serão as vias judiciais 84.

No caso apresentado, o instituto da compensação previsto no direito privado

não sofreu nenhuma modificação restritiva ou ampliativa; apenas os seus efeitos

foram balizados de acordo com a necessidade do Fisco e do interesse público.

Assim sendo, outros requisitos são somados à lei tributária, que não aqueles do

direito civil, para produção dos efeitos.

CARRÁ 85 afirma que, sendo a ciência do direito uma ciência, o intérprete

não pode valer-se de subterfúgios, pois altera o sentido de figuras já consagradas

pela própria ciência, com a finalidade de estender a base de contribuintes contra a

lei.

1.4 O Art. 110 CTN

O artigo em questão visa garantir o sistema de rigidez constitucional adotado

pelo direito brasileiro, pois se o legislador infraconstitucional pudesse mudar

estender, encurtar ou redefinir os termos empregados na Constituição Federal, ele

estaria mudando a própria Constituição, sem observar as regras necessárias para

tanto.

No mesmo raciocínio desenvolvido no tópico anterior, tanto o legislador

infraconstitucional quanto o constitucional valem-se de formas de direito privado já

conhecidas e as elegem como suficientes para definir a hipótese de incidência. Se o

intérprete não pode modificar o sentido dos vocábulos empregados pela lei, também

84 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp. 143201/SP. Diário de Justiça da União. Rel. Min. José Delgado. Brasília 24 de Agos.1998 , p. 14. 85 CARRÁ, Bruno Leonardo Câmara. Aplicação de Conceitos de Direito Privado em Direito Tributário. Disponível em <http://www.fesac.org.br/revist01_art12.html> Acesso em: 15 de jul. 2008.

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o legislador infraconstitucional tem que respeitar as expressões eleitas pelo

legislador constitucional.

A discussão com relação a esse artigo é se a vedação da alteração da

definição, do conteúdo e o alcance dos institutos, conceitos e formas de direito

privado para o fim de definir ou limitar as competências tributárias seria garantia do

princípio federativo ou dos contribuintes.

Quanto a esse ponto, o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal

Federal divergem claramente. Enquanto o primeiro já firmou jurisprudência no

sentido de que, desde que não haja sobreposição de competências tributárias, a

alteração é possível 86, o segundo assentou posição contra qualquer possibilidade

de alteração dos institutos, conceitos e formas, cumprindo o seu mister de guardião

da Constituição. Nesse sentido:

CONSTITUIÇÃO - ALCANCE POLÍTICO - SENTIDO DOS

VOCÁBULOS - INTERPRETAÇÃO. O conteúdo de uma Constituição

não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras,

muito menos do técnico, considerados institutos consagrados pelo

Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem,

possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que a revelam

conceito estabelecido com a passagem do tempo, quer por força de

estudos acadêmicos quer, no caso do Direito, pela atuação dos

Pretórios. 87

A decisão citada acima diz respeito à Lei nº 7.789/89, que tentou dar uma

alcance maior à expressão "folha de salários", contida no art. 195, I, a, da

Constituição Federal, ao dizer que os autônomos contratados pelas empresas teriam

seus serviços satisfeitos, através da folha de salários e, via de conseqüência,

86 TRIBUTÁRIO. ARTIGO 110 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. O artigo 110 do Código Tributário Nacional apenas impede que, modificando a natureza do instituto de Direito Privado, o legislador usurpe competência que a Constituição Federal reservou a outrem; essa norma não tem qualquer aplicação, quando se trata de lei federal dispondo sobre o lucro de pessoa jurídica, que é fato gerador de imposto federal (se a lei abandonou o conceito de lucro adotado no Direito Privado, sua validade deve ser aferida à luz do artigo 109 do Código Tributário Nacional). Recurso especial não conhecido. REsp. 173.240/PR, Rel. Min. Ari Pargendler, DJU 07/06/1999, p. 93. 87 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt. 94580/RS. Diário de Justiça da União. Rel. Min. Djaci Falcão. Brasília 07 de Jun.1985, p. 8890.

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sujeitando as empresas ao recolhimento da correspondente contribuição

previdenciária. O Supremo deixou patente que salários somente são percebidos por

empregados, contratados sob os auspícios da CLT, que a natureza do contrato entre

tomador e prestador de serviços é civil e não é satisfatória através de folha de

salários e julgou inconstitucional o art. 3º da Lei referida.

Ainda sob a égide da Constituição anterior, o Supremo Tribunal Federal

julgou inconstitucional, forte art. 110, CTN, exigência do ITBI como obstáculo ao

registro da sentença de usucapião, tendo em vista ser o usucapião a forma de

aquisição originária da propriedade e não de transmissão dela 88.

Com relação ao ITBI, negou o STF a possibilidade de sua cobrança quando

o fato gerador fosse compromisso de compra e venda, ou promessa de cessão de

direitos aquisitivos, que respeita a natureza privatista desses contratos preliminares,

não hábeis à transmissão da propriedade 89.

Recentemente, o STF julgou inconstitucional a cobrança de imposto sobre

serviços incidentes nos contratos de locação de bens móveis e destacou a diferença

entre locação de serviços, prevista na Constituição Federal, e locação de móveis 90.

Ao se almejar um Estado que não fique à mercê dos governantes e de seus

modelos políticos, mas firmemente calcado no respeito à Lei Maior, não se pode

admitir outra posição, senão aquela que preserva a Constituição, em toda a sua

inteireza.

1.5 O Art. 111 CTN

Paulo de Barros Carvalho faz severa crítica ao dispositivo, pois diz que não

se pode lançar mão, isoladamente, da técnica de interpretação literal, sob pena de

não se apreender o verdadeiro conteúdo da norma. 91

88 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt. 94580/RS. Diário de Justiça da União. Rel. Min. Djaci Falcão. Brasília 07 de Jun.1985, p. 8890.. 89 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RP 1211/RJ. Diário de Justiça da União. Rel. Min. Octavio Gallotti. Brasília 05 de Jun.1987, p. 11112. 90 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt. 116121/SP. Diário de Justiça da União. Rel. Min. Marco Aurélio. Brasília 25 de maio 2001, p. 17. 91 CARVALHO, Paulo de Barros, apud PAULSEN, p. 615.

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O conceito de interpretação literal abra-se a três abordagens diferentes,

conforme se cuide do início, limite ou resultado da interpretação. 92

O método gramatical é apenas o início do processo interpretativo, que deve

partir do texto escrito. Tem por objetivo compatibilizar a letra com o espírito da lei 93.

Em outro sentido, a interpretação literal significa limite para a atividade do intérprete.

Tendo ele por início o texto da norma, encontra o seu limite nele mesmo, somente

pode ir até o sentido possível da expressão lingüística. Já quanto à temática

resultado, a interpretação literal leva à interpretação declarativa, ou seja, aquela que

reconstrua a vontade do legislador histórico 94.

A interpretação literal é sempre o ponto de partida do intérprete 95. O art. 111

não prevê que todas as leis que disponham sobre suspensão ou exclusão do crédito

tributário, outorga de isenção, dispensa do cumprimento de obrigações acessórias

levam o intérprete na mesma direção do legislador (interpretação declarativa), pois

muitas vezes não é possível apreender o objetivo da lei da simples leitura de seus

dispositivos. Por ser sempre um ponto de partida e não se poder prever o resultado,

conclui-se que o artigo referido não é um limitador do resultado. Neste sentido: “faça-

se sempre interpretação declarativa”, mas um limitador de início: o intérprete só

pode se servir das palavras que foram proferidas pelo legislador, não lhe cabe tomar

qualquer outro método para a interpretação dessas normas.

Embora Torres conclua ser essa a intenção do art. 111 96, ele não concorda

com essa limitação. Diz que o artigo é ambíguo, confuso e unilateral, de modo que

sua leitura não pode levar a outra conclusão que não a tirada por Balleiro, no sentido

de que a disposição não impõe qualquer método específico de interpretação, está ali

somente para homenagear o princípio da legalidade e impedir o recurso à analogia e

à eqüidade. 97 Assim também defende MACHADO:

92 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 99. 93 Vide capítulo seguinte, sobre interpretação literal e sua utilização como ponto de partida na interpretação das normas jurídicas. 94 Vide capítulo seguinte, tópico referente à interpretação declarativa. 95 Detalhes no capítulo posterior, no subitem pertinente. 96 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 109. 97 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 102-103.

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Ocorre que o elemento literal, como por nós várias vezes afirmado, é

absolutamente insuficiente. Assim, a regra do art. 111 do Código

Tributário Nacional há que ser entendida no sentido de que as

normas reguladoras das matérias ali mencionadas não comportam

interpretação ampliativa nem integração por eqüidade. Sendo

possível mais de uma interpretação, todas razoáveis, ajustadas aos

elementos sistemático e teleológico, deve prevalecer aquela que

mais se aproximar do elemento literal. O elemento literal é de

pobreza franciscana, e utilizado isoladamente pode levar a

verdadeiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve

utilizar todos os elementos da interpretação, especialmente o

elemento sistemático, absolutamente indispensável em qualquer

trabalho sério de interpretação, e ainda o elemento teleológico, de

notável valia na determinação do significado das normas jurídicas. 98

Para Onofre, Maria e Nogueira, esse artigo quer dizer que as normas que

outorgam benefícios fiscais não admitem interpretação extensiva, muito menos

interpretação analógica, devendo prevalecer o sentido mais próximo da literalidade

da lei. 99 Onofre frisa que esse entendimento vem ao encontro do tratamento dos

benefícios fiscais pela CF/88 a qual, no art. 150, § 6º, agrava o princípio da

legalidade e exige lei específica para veicular normas desagravadoras. Nogueira

menciona as disposições do próprio CTN, arts. 97, VI, 113, § 2° e 176.

Na verdade, o dispositivo não restringe apenas a interpretação extensiva, o

emprego da analogia e da eqüidade, pois assim prescreveria, caso quisesse. O

objetivo do artigo foi, sem dúvida, o de afastar os demais métodos e processos de

interpretação, e prevalecer o método literal. Ocorre que, nem sempre, a leitura do

texto interpretado propicia a sensação de se obter do texto tudo o que o legislador

quis dizer100. Nesse caso, o dispositivo não veda o recurso a outros métodos

interpretativos, desde que, das interpretações possíveis, prevaleça aquela que o

mais adequado relacionamento guarde com a interpretação literal. 101 E entende-se

98 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 82. 99 Onofre,2002 p. 142; Ribeiro,1998 p. 252; Nogueira,1999 p. 90. 100 Sobre interpretação literal, ver capítulo seguinte. 101 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 469.

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a rigidez do legislador, posto que, o rol constante dos incisos traz matérias de nítido

cunho excepcional. 102

A isenção tributária, por exemplo, revela conveniência política, busca a

concretização de interesses econômicos e sociais, beneficia e estimula

determinadas situações merecedoras de tratamento privilegiado. Por esse motivo, é

insuscetível de controle, por parte do Poder Judiciário, que deve abster-se de

estender os benefícios fiscais às situações não abrangidas pela norma. 103

Enquanto exceção ao princípio constitucional de que todos são iguais

perante a lei, a isenção constitui-se exceção, razão pela qual o intérprete deve ater-

se exclusivamente dentro dos limites de sua letra. Daí a regra do art. 177, CTN, a

dispor que, salvo disposição de lei em contrário, a isenção não é extensiva às taxas,

à contribuição de melhoria e aos tributos instituídos posteriormente à sua concessão. 104

Com relação às obrigações acessórias, vê-se que o art. 175, parágrafo único

do CTN vem ao encontro do inciso III mencionado acima, ao estabelecer que a

isenção ou anistia - formas de exclusão do crédito tributário - não dispensam o

cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo

crédito seja excluído, ou dela conseqüente. Isso quer dizer: somente a lei poderá

dispensar o cumprimento de obrigações acessórias, ainda que a obrigação principal

tenha sido excluída ou suspensa. Nem mesmo a imunidade dispensa o cumprimento

de obrigações acessórias e do dever geral de colaborar com a fiscalização (arts. 14,

III e 194, parágrafo único, CTN). 105

Deve-se observar que, na prática dos Tribunais, o disposto no artigo em

estudo é, por vezes, flexibilizado. Fenômeno característico e muito discutido ocorreu

com o alargamento das hipóteses de suspensão do crédito tributário, previstas no

próprio Código Tributário Nacional, art. 151, anteriormente à edição da Lei

Complementar 104/2001.

Em que pese o disposto no art. 111, I, no sentido de que a legislação

tributária deve ser interpretada literalmente quando se trata de causas de suspensão

102 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, 1999, p. 469 e MACHADO, Hugo de Brito,1997, p. 82. 103 ESCOBAR, Des. Tânia, TRF 4a, acórdão março 2000, apud PAULSEN, p. 616. 104 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 432.

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de exigibilidade do crédito tributário e a regra do art. 141 do mesmo Código,

entendia considerável parcela dos juízes, que também as medidas cautelares

poderiam provocar a suspensão do crédito tributário, estando compreendido no

inciso IV do referido dispositivo o qual previa somente: "a concessão de medida

liminar em mandado de segurança106".

Seus argumentos estão resumidos nos seguintes julgados:

PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. AÇÃO CAUTELAR.MEDIDADE

LIMINAR. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO

TRIBUTÁRIO. CTN/66, ART. 151, INC. IV. REQUISITOS NÃO

CONFIGURADOS. CARÁTER SATISFATIVO. Admite-se a liminar

em ação cautelar com o fim de suspender a exigibilidade do crédito

tributário, à semelhança daquela permitida em mandado de

segurança, porque, à época de elaboração do CTN/66, aos juízes

não se atribuía o amplo e geral poder de cautela. Entretanto, para ser

concedida, devem estar presentes os requisitos do periculum in mora

e do fumus boni iuris, bem como é vedada a concessão de medida

de caráter satisfativo. (TRF4, 1ª T., AG 0421807, rel. Juíza Ellen

Gracie Northfleet, set/1995). No mesmo sentido: TRF4, 1ª T., AG

0417675, rel. Juiz Carlos Sobrinho, set/1995 e TRF4, 1ª T., AG

0431882, rel. Juiz Vladimir Passos de Freitas, ago/1995. 107

O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, guardou a tese no sentido da

taxatividade do rol do art. 151, não chancelando a interpretação extensiva do inciso

IV. Nesse sentido cita-se os seguintes arestos: STJ, 2ª T., REsp 118.022/RS, rel.

Ministro Achemar Maciel, AJU 11.05.98, p. 98. 108

105 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 616. 106 O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nessa Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias. 107 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 731. 108 Ibidem, p. 732.

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A discussão, no entanto, foi superada com a entrada em vigor da Lei

Complementar nº 104/2001, a qual acrescentou o inciso V ao artigo 151 e previu,

como causa de suspensão do crédito tributário: "a concessão de medida liminar ou

de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial".

1.6 O Art. 112 CTN – Interpretação do Direito Penal Tributário

A parte do Direito Tributário que se ocupa das infrações e penalidades

recebeu, em virtude da natureza das relações que se ocupa, decisiva influência do

Direito Penal. 109 Daí porque o dispositivo acima determina que, na dúvida em

matéria de infrações e penalidades, prevaleça a interpretação mais benigna ou in

dubio pro reo.

Deve-se anotar, pelo que se disse anteriormente e dir-se-á após, que a

máxima in dubio pro reo não é aplicável a qualquer lei tributária, apenas para aquela

que defina infrações ou comine penalidades. 110 Nessa parte do Direito Tributário é

que se verifica a consagração desse princípio, originário do Direito Romano, que

prega o respeito ao ser humano, consagra a eqüidade 111 e, segundo Calmon 112,

contém forte cunho social, ao considerar as finalidades sociais das pessoas

jurídicas.

Maria ressalta que “não podia ser de outra maneira. O princípio da estrita

legalidade tributária, traz consigo uma tipificação rigorosa, qualquer dúvida sobre o

perfeito enquadramento do fato ao conceito da norma compromete aquele postulado

básico que se aplica com a mesma força no campo do direito penal in dubio pro

reo.”113 Sábia observação, a de considerar o artigo como decorrência do princípio da

109 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 82. 110 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 433. 111 TORRES, Ricardo Lobo, p. 110-111; ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio, p. 433. 112 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 474. 113 RIBEIRO, Maria de Fátima. Legislação tributária in NASCIMENTO, Carlos Valder do (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3ª. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 252.

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estrita legalidade tributária, pois aqui se refere à definição de infrações e cominação

de penalidades, matéria reserva de lei, consoante art. 97, V, CTN 114.

É importante frisar que a interpretação benigna só é admitida em caso de

dúvida. Ao se tratar de interpretação, quase sempre haverá dúvidas, visto que

dificilmente a cognição da norma não oferecerá um só resultado tido como correto,

ou que persuada os demais envolvidos. Daí porque o aplicador do direito sempre

contribuirá com a sua concepção ético-política, a fim de auferir se existe mesmo

dúvida, o que é o caso de aplicação do art. 112. 115

Pode se situar na própria capitulação legal do fato: o fato é conhecido, mas

se tem dúvida tanto ao direito aplicável, quanto à sua capitulação legal (inciso I).

Pode ser também que o fato seja conhecido, mas existam dúvidas acerca de sua

natureza ou quanto às circunstâncias materiais em que se verificou, ou ainda que a

natureza do fato seja certa, mas a incerteza paire na natureza e extensão dos

efeitos do fato (inciso II).

A dúvida quanto à autoria, é a incerteza de quem praticou a infração. Quanto

à imputabilidade, é a incerteza sobre ser o agente imputável ou não, e a dúvida

quanto à punibilidade, é a incerteza quanto à condição de o autor certo e imputável

ser punível ou não (inciso III).

Quanto à penalidade aplicável, haverá quando não se tem certeza de qual

tipo de penalidade deverá ser aplicada: multa, perdimento de bens, interdição do

estabelecimento, etc. Por último, a dúvida também pode residir na graduação da

pena (inciso IV).

Alguns autores vêem o art. 112 como abrandamento da teoria da

responsabilidade objetiva por infrações 116, adotada pelo art. 136 do CTN 117. Torres

chega mesmo a dizer que o dispositivo é conflitante com o art. 136, pois pende para

114 Art. 97, CTN – Somente a lei pode estabelecer: (...) V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas; (...) 115 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 11ª. Ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 83. 116 ROSA JÚNIOR, Luiz Emygdio F. da. Manual de Direito Financeiro e Direito Tributário. 10ª. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 433 117 Art. 136, CTN – Salvo disposição de lei em contrário, a responsabilidade por infrações da legislação tributária intedende da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato.

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a teoria subjetiva, aquela que leva em conta a intenção (dolo) ou culpa do agente

para a consideração das penalidade e infrações. 118

Parece, no entanto, que o art. 136 não previu a responsabilidade objetiva,

sendo que o art. 112 só corrobora tal assertiva. Com efeito, o art. 136 não diz que a

responsabilidade por infrações independe de culpa, ele diz que independe da

intenção, e a intenção significa vontade, ou dolo de lesar o fisco. 119 Daí porque o

art. 136 não prescinde a existência de culpa. Conseqüentemente, não se pode dizer

que existe infração à lei tributária se não há ao menos culpa. Apóia-se na lição de

Nogueira, a qual se transcreve:

Portanto, o que o art. 136, em combinação com o item III do art. 112,

deixa claro é que para a matéria da autoria, imputabilidade ou

punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos das

infrações fiscais mais graves e para as quais o texto de lei tenha

exigido esse requisito.

Para as demais, isto é, não dolosas, é necessário e suficiente um

dos graus de culpa. De tudo isso decorre o princípio fundamental e

universal, segundo o qual se não houve dolo nem culpa, não existe,

em nosso sistema, a arqueológica ‘responsabilidade objetiva’ ou

infração sem culpa. 120

1.7 O Art. 118 CTN – Interpretação dos Fatos

O Código Tributário Nacional apresenta mais uma regra de interpretação

que, no entanto, está fora do Capítulo IV do Título I, que se está analisando. Trata-

se, pois do artigo 118, situado no Capítulo II do Título II, na parte referente ao fato

gerador, o qual contém preceitos para a conceituação de fato gerador, antes que as

normas de interpretação de lei. 121

118 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 111-112. 119 AMARO, Luciano, apud PAULSEN, 2002, p. 677. 120 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 106-107. 121 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 114.

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Para a análise do dispositivo, é importante fazer a distinção entre fato

gerador e hipótese de incidência, consagrada no livro Hipótese de Incidência

Tributária, de Geraldo Ataliba 122. Mesmo que o Código Tributário Nacional não a

empregue, a expressão hipótese de incidência designa com melhor propriedade a

descrição, contida em lei, da situação necessária e suficiente ao nascimento da

obrigação tributária. Dispõe da descrição legal de um fato que hipoteticamente

poderá vir a concretizar-se. Já a expressão fato gerador consagrou-se, no direito

brasileiro, de acordo com o CTN, como a concretização da hipótese, do

acontecimento legalmente previsto. Tal distinção é importante para a caracterização

das diversas figuras contidas no art. 118, embora o artigo contemple regras de

interpretação tanto para as hipóteses, quanto para os fatos.

Conforme Sacha Calmon, citado por Onofre 123, o art. 118, inciso I, permite a

interpretação econômica dos fatos, quando preconiza a irrelevância da invalidade

jurídica dos atos 124 para o Direito Tributário.

O posicionamento acima divide-se em duas interpretações: a de que a

Administração não está obrigada a investigar a validade dos atos praticados pelo

contribuinte e a de que o ato, sendo nulo ou anulável, não faz desaparecer a

obrigação tributária dele decorrente, e nem o contribuinte poderá repetir o tributo que

pagou. No entanto, de acordo com Torres, ele não permite a leitura da irrelevância

da declaração judicial de invalidade no caso de o ato jurídico não haver produzido

qualquer efeito econômico. Isso porque o negócio jurídico será tributado na medida

em que incorporar as conseqüências econômicas, previstas na hipótese de

incidência, mesmo que declarada judicialmente a sua invalidade. Não se pode

cogitar a tributação sobre um negócio jurídico que não produziu qualquer efeito

econômico, pois daí verifica-se a desconformidade do fato com a descrição

hipotética da norma, ou hipótese de incidência. Sintetiza-se assim: “se o fato for

economicamente ineficaz, não produzindo na realidade os efeitos previstos na lei,

122 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1973. 123 CALMON, Sacha, apud ONOFRE, 2002, p. 118. 124 Validade, invalidade, nulidade, anulabilidade ou mesmo anulação judicial já decretada dos atos jurídicos.

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deixará de ter repercussões tributárias tanto que anulado, ou inversamente, que será

tributado se inválido mas eficaz.” 125

O inciso I ainda preconiza que a ilicitude dos atos praticados nada tem a ver

com a relação tributária. Isso não implica admitir, segundo Machado 126, a tributação

de atos ilícitos. São diferentes as seguintes situações: ato ilícito como elemento da

hipótese de incidência do tributo e ilicitude eventualmente verificada na ocorrência

do fato gerador. Uma coisa é a venda de drogas como hipótese de incidência de um

tributo, outra é se admitir a incidência de imposto de renda sobre os rendimentos

auferidos na referida atividade. Nesse caso, tem-se que a hipótese de incidência do

imposto de renda é a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda

ou proventos de qualquer natureza (art, 43, CTN). É irrelevante que a aquisição

tenha se verificado em decorrência de atividade lícita ou ilícita127. O artigo não

admite a descrição da hipótese de incidência de um tributo baseada num ato ilícito.

Note-se que: “a tributação dos atos simulados ou inválidos, mas

juridicamente eficazes, visa adequar a conseqüência econômica à jurídica,

125 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 121-122. 126 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 93. 127 Nesse sentido: PENAL. CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA. CONEXÃO ENTRE TRÁFICO INTERNO DE ENTORPECENTES E SONEGAÇÃO FISCAL DE TRIBUTO FEDERAL. CF, ART.109, IV E CPP, ART-76, II E III. É competente a Justiça Federal para julgar crime de tráfico interno de entorpecentes conexo com crime de sonegação fiscal de tributo federal. (...) TRÁFICO INTERNO DE ENTORPECENTES. CÁPSULAS PARA EMAGRECIMENTO. LEI 6368/76, ART.12. PORTARIA 29/86 DO DIMED. O comércio de entorpecentes de substâncias de uso proibido pelas autoridades administrativas (cápsulas para emagrecer) constitui tráfico como outro qualquer. Todavia, por não tratar-se das chamadas drogas pesadas, deve ser encarado sem rigor excessivo e apenado com menor severidade. (...) SONEGAÇÃO FISCAL. ORIGEM ILÍCITA DO DINHEIRO. IRRELEVÂNCIA. LEI 8137/90, ART.2º, INC.I. Independentemente da punição pelo crime principal ( no caso tráfico de entorpecentes ), a omissão no recolhimento do imposto de renda sobre os lucros auferidos com a atividade criminosa configura delito de sonegação fiscal, devendo as penas serem aplicadas em concurso material. Brasil, Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Criminal nº 199804010825761/RS, 1ª Turma, Data da decisão: 25/05/1999, Documento: TRF400072347, Fonte DJ DATA:09/06/1999, PÁGINA: 382, Relator(a) Juiz Vladimir Freitas, Decisão por maioria. Disponível em <http://www.cjf.gov.br/Jurisp/Juris.asp> Acesso em 06/08/2003.

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conseqüências estas que se obtêm pela subjunção do fato concreto na norma

interpretada segundo critério teleológico128. “ 129

O inciso II consagra que a definição legal do fato gerador é interpretada ao

abstrair os efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. Vale, aqui, todas as

observações feitas para o inciso I, pois mesmo que se trate de ato, fato, situação

jurídica, conjunto de fatos, etc., a hipótese de incidência é sempre considerada como

fato. 130

128 Sobre o critério teleológico, ver explicação no próximo capítulo. 129 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 123. 130 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 12ª. Ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 94.

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CAPÍTULO 2 – PREMISSAS E MÉTODOS DE INTERPRETAÇÃO, INTEGRAÇÃO

E APLICAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Além das regras legais incertas, no Código Tributário Nacional, outras

variáveis devem ser analisadas na interpretação das normas tributárias. Esse

capítulo passa a se tratar das premissas e dos preconceitos que podem afetar o

processo de interpretação, bem como, dos métodos de interpretação condensados

pela hermenêutica jurídica.

2.1 Soluções Apriorísticas

Não se pode discutir que o direito tributário é decorrente do exercício da

soberania do Estado. Desse modo o interesse do ente público prevalece

naturalmente sobre os particulares. Muitos doutrinadores, por essa razão, apontam

restrições ao trabalho do intérprete tributário, quer decorrentes do brocardo in dubio

pro reo (contribuinte), quer decorrentes da observância da legalidade estrita, assim

como no Direito Penal.

Muitas das restrições interpretativas vigentes até hoje, no âmbito tributário,

têm origem histórica, por ser o Direito Tributário tomado como um direito impositivo,

singular, excepcional e que, por isso, segundo BATISTA JÚNIOR, exige “normas

especiais de interpretação” 131.

Desde Roma até o surgimento do Estado de Direito, o patrimônio público

confundia-se com o patrimônio dos soberanos e esses tinham poderes absolutos na

criação e exigência dos tributos. Por esse motivo, nos primórdios do direito tributário,

os juristas purgavam pela interpretação em favor do contribuinte, minorante dos

efeitos unilaterais da imposição tributária e dos poderes de vida e morte do

soberano. Essa interpretação traduzia e se traduz, ainda hoje, para os que ainda a

pleiteiam com fulcro no arts. 150, IV e 170, II da Constituição Federal (vedação ao

confisco, direito è propriedade), no brocardo latino: in dubio contra fiscum.

Em reação ao in dubio contra fiscum, uma parte da doutrina, em especial a

estrangeira e proeminentemente a do século passado132, sustenta não ser o tributo,

131 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O planejamento fiscal e a interpretação no direito tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p. 76. 132 MANTELLINI apud BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. id. ibid. p. 78.

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em frente ao Estado de Direito, democrático e social. Essa é uma imposição odiosa

do soberano, mas decorrente de um reconhecimento de um dever dos particulares

frente à pátria. Afinal, as leis são decretadas por representantes eleitos pelos

próprios contribuintes, estes apóiam a exigência de antemão.

BATISTA JÚNIOR defende que: “nem a favor nem contra o Fisco – a lei

tributária deve ser aplicada sem preferência alguma por qualquer dos sujeitos da

relação tributária.” 133 GRECO diz que a composição dos conflitos concretos, na

seara tributária, não se resolve pela simples invocação de um único princípio: “Não é

pura e simplesmente invocar a legalidade, a proteção ao patrimônio, é também

invocar a solidariedade, a capacidade contributiva e a isonomia. (...) a solução passa

pela reunião dos valores dos Estado de Direito e valores do estado Social.” 134

Assim expõe VANONI:

(...) as normas tributárias, como quaisquer outras, devem ser

interpretadas com o fito de atribuir ao preceito jurídico o valor real

que lhe compete na regulamentação das relações da vida que

constituem seu objeto; qualquer orientação apriorística do trabalho

interpretativo a favor do fisco ou a favor do contribuinte, constitui uma

inadmissível limitação do processo lógico representado pela

interpretação da lei. 135

2.2 Métodos de Interpretação

Métodos de interpretação são regras técnicas seguidas para a realização do

processo interpretativo. Podem ser classificados segundo as fontes, os meios e os

efeitos.

133 Ididem, p. 79. 134 GRECO, Marco Aurélio apud BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. id. ibid. p. 80. 28 VANONI apud MELLO, José Eduardo Soares. Interpretação e Integração da Legislação Tributária. Disponível em <http://www.mariacristinaneubern.hpg.ig.com.br/governo_e_ politica/93/index_int_9.html> Acesso em: 13 de out. 2007.

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2.2.1 Quanto às fontes

Os métodos de interpretação, quanto às fontes das quais emanam, ou seja,

de onde procedem, podem ser subdivididos em: interpretação autêntica, doutrinária

e judicial.

2.2.1.1 Interpretação autêntica

Ao lado da interpretação científica, isto é, aquela dada pelos estudiosos da

ciência do direito, existe a interpretação legal, quando a determinação do sentido da

norma se dá por força de uma outra lei. FERRARA aponta que o costume pode

definir o sentido de uma lei e que esta também seria uma interpretação autêntica.136

O mesmo autor diz que a interpretação autêntica não é verdadeira

interpretação, pois a lei nova, dita interpretativa, ganha vida própria e meramente

reprodutora da lei anterior. Ela só vem à lume para confirmar e ratificar a norma

anterior, dita interpretada. Possui força obrigatória ainda que destoe dos

elementares princípios de hermenêutica. O costume, da mesma forma, como carece

de força vinculante dada sua posição subordinada à lei, não pode ser considerado

verdadeira interpretação. 137

É interpretativa toda a lei que, ou por declaração expressa nela contida, ou

pela sua intenção manifesta, propõe-se a determinar o sentido de uma lei anterior, e

visa que essa seja aplicada nesse ou naquele sentido que especifica. É importante

que a intenção da lei interpretativa seja a aplicação da anterior em conformidade

com os parâmetros que ela fornece e não simplesmente regular relações futuras ou

completar as lacunas da outra lei. Contudo, convém observar que, no Brasil ao

contrário de alguns outros países 138, a lei interpretativa, que segue a regra geral,

também não retroage. 139

Para ser considerada interpretação autêntica, a norma interpretativa deve

emanar, necessariamente, do mesmo Poder emissor da norma interpretada e

136 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 27. 137 Ibidem, p. 27. 138 Ibidem, p. 28. 139 Maximiliano, p. 72-73.

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através do mesmo processo legislativo (lei só se interpreta senão por lei,

regulamento por regulamento, etc.). Por essa razão, os atos, expedidos pelo Poder

Executivo, que visam interpretar a lei, não são exemplos de leis interpretativas, uma

vez que não fornecem interpretação autêntica da norma.

Maximiliano140 destaca os efeitos nocivos da edição de normas

interpretativas, tanto por, geralmente, não objetivarem a justiça e atenderem

interesses regionais ou pessoais dos quais naturalmente se imbui o processo

legislativo, quanto porque restringem o trabalho do hermeneuta e retiram da ciência

do direito a possibilidade de estudar a norma e determinar o seu real alcance e

significado. Enfim, porque usurpa a competência interpretativa dos demais Poderes

– Executivo e Judiciário – aplicadores do Direito.

2.2.1.2 Interpretação doutrinária

A interpretação doutrinária é proveniente de ato livre do intelecto humano, e

se origina das lucubrações de particulares e das pesquisas científicas. Para alguns,

vale mais se confirmadas ou defendidas por jurisconsultos de reconhecido valor, em

especial junto aos Tribunais do país. Entende-se, aqui, que a interpretação

doutrinária vale enquanto respeitem os critérios científicos e deduzam o raciocínio

lógico e coerente.

2.2.1.3 Interpretação judicial

Novamente, Maximiliano coloca a interpretação judicial como uma

subdivisão da doutrinal. Assim, a interpretação doutrinal divide-se em: doutrinal

propriamente dita, privada ou científica e judiciária ou usual. Enquanto aquela é

elaborada pelos estudiosos do direito, esta é a interpretação produzida nos

Tribunais. 141

Como se propõe dividir a interpretação conforme as fontes das quais

emanam, vê-se um melhor sentido em separar a interpretação doutrinária, aquela

que os cientistas do direito preparam, daquela interpretação produzida pelos

Tribunais.

140 Ibidem, p. 74-76.

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Para valer como critério científico, a interpretação dos Tribunais, acerca de

determinada norma jurídica, deve ser constante e uniforme e não calcada em

decisões isoladas que surgem aqui e ali. Define-se, portanto, interpretação judicial

como a Jurisprudência que se forma com decisões constantes e uniformes dos

pretórios: “um só julgado não constitui jurisprudência142”.

O estudo da Jurisprudência é uma tradição brasileira. Ela atua como

suplemento da legislação, pois oferece exemplos práticos de aplicação de uma

norma a um determinado caso concreto, o que reduz o trabalho científico

investigativo do alcance da norma. Nesse sentido, pode-se dizer que ela ajuda a

preencher as lacunas deixadas pelos textos legislativos.

A Jurisprudência revigora a lei, quando a adapta às necessidades

contemporâneas. Ao tornar mais flexível o texto legal, essa contribui para evitar

desnecessárias renovações legislativas e, numa outra ponta, fornece críticas que

poderão culminar em reformas legislativas.

O respeito e a orientação, conforme a interpretação dos Tribunais, não

descambam no fanatismo, à obediência cega e desprovida de filtros e à

Jurisprudência.

Deve se entender que a jurisprudência é analítica, e examina as espécies

uma a uma. Não se deve restringir a investigação científica livre sem antes observar,

atentamente, se o caso em exame apresenta pontos elementares de convergência

dos parâmetros da Jurisprudência, pois generalizar pode conduzir o intérprete a

erros graves.

Depois se deve ter em conta que os Tribunais são órgãos conservadores por

excelência e, muitas vezes, estão destoantes das reclamações populares. Observa-

se inclusive, na Magistratura brasileira, uma resistência em aplicar novos

dispositivos constitucionais e legais contrários à orientação já firmada. E isso se

deve, não só ao fato de as Cortes serem refratárias a mudanças, mas também ao

descrédito no Poder Legislativo no âmbito de todas as suas esferas. É difícil para os

magistrados romperem com o pensamento construído e fica mais difícil ainda

quando se perde o respeito pelo Poder elaborador das leis.

Apesar disso, cita-se o conselho, sempre atual, de Maximiliano:

141 Ibidem, p. 70.

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Os julgados constituem bons auxiliares de exegese, quando manuseados

criteriosamente, criticados, comparados, examinados à luz dos princípios,

com os livros de doutrina, com as exposições sistemáticas do Direito em

punho. A jurisprudência, só por si, isolada, não tem valor decisivo, absoluto.

Basta lembrar que a formam tanto os arestos brilhantes, como as sentenças

de colégios judiciários onde reinam a incompetência e a preguiça. 143

Isso quer dizer: a jurisprudência deve auxiliar o trabalho do intérprete e não

anulá-lo.

2.2.2 Quanto aos meios

No tocante aos recursos racionais utilizados para a interpretação, esta pode

ser: literal, gramatical, lingüístico-verbal, histórico-evolutiva, lógico-sistemática,

sociológica e econômica.

2.2.2.1 Interpretação literal, gramatical, lingüístico ou verbal

FERRAZ explica que “os problemas sintáticos referem-se a questões de

conexão das palavras nas sentenças: questões léxicas; à conexão de uma

expressão com outras expressões dentro de um contexto: questões lógicas; e a

conexão das sentenças dentro de um todo orgânico: questões sistemáticas.” 144

Quando se está diante de uma questão léxica, a doutrina fala em interpretação

gramatical.

Na interpretação gramatical, busca-se o significado da norma através do

estudo da ordem das palavras e do modo como elas estão conectadas. Isto é, a

ciência do direito busca na ciência da língua o melhor significado da norma, que

nada mais é que uma expressão escrita integrada ao pensamento do legislador.

Com efeito, o primeiro esforço do intérprete deve ser no sentido de entender

a linguagem empregada: “a interpretação literal é o primeiro estágio da

interpretação. Efetivamente, o texto da lei forma um substrato de que deve partir e

142 Ibidem, p. 149. 143 Ibidem, p. 149. 144 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª. Ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 287.

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em que deve repousar o intérprete. Uma vez que a lei está expressa em palavras, o

intérprete há de começar por extrair o significado verbal que delas resulta, segundo

a sua natural conexão e regras gramaticais.” 145

Maximiliano 146, a fornecer uma orientação ao intérprete, enumera os

seguintes preceitos, serviçais da exegese literal:

1) cada palavra pode ter mais de um sentido;

2) presume-se que o legislador utilizou-se dos vocábulos no sentido vulgar;

porém, quando são empregados termos jurídicos, deve-se primar pela

observância da linguagem técnica. Do mesmo modo defende FERRARA 147. O próprio Código Tributário Nacional traz dois artigos que orientam

nesse sentido, arts. 109 e 110, analisados em capítulo anterior;

3) ficar atento, pois o sentido das palavras pode variar com o tempo.

Mudou-se, com o tempo, o sentido de uma palavra, prefere-se o da

época em que foi redigida a norma, em caráter definitivo;

4) atentar-se aos usos locais relativos à linguagem e do próprio legislador 148. Nesse caso, prevalece o significado individual;

5) presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas;

6) na dúvida, pressupõe-se geral o princípio contido na norma e não uma

exceção;

7) verificar a posição do texto pois, se o objeto é idêntico, as palavras,

embora diversas, tendem a ter significados semelhantes. As palavras

devem entender-se em sua conexão, isto é, “o pensamento da lei deve

inferir-se do complexo das palavras e não de fragmentos destacados,

deixando no escuro uma parte da disposição.” 149 Assim, não se pode

considerar o caput, os parágrafos, incisos e alíneas isoladamente, nem

determinado dispositivo em dissonância do resto do texto legal;

145 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 33. 146 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 89-92. 147 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 33-34. 148 Ibidem, p. 34. 149 Ibidem, p. 34.

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8) o lapso na redação deve ser demonstrado claramente. Não se presume.

Se a letra da lei não é contraditada por nenhum elemento exterior, não se

deve hesitar, deve-se observá-la.

Sob este ponto, cabe observar o seguinte: a doutrina mais antiga

apregoava a máxima (in claris, cessat interpretatio). Entretanto, tal

declaração encontra-se superada, uma vez que, se a lei é dita clara, é

porque alguém já a analisou e conferiu tal certificado. Só que, ao analisá-

la, utilizou-se, basicamente, do método interpretativo mais simples:

interpretação gramatical. Ao ler a letra da lei, conferiu-se que o legislador

conseguiu passar, através de seu texto, pensamento semelhante àquele

que tinha ao confeccionar a lei, razão pela qual concluiu que o texto é

suficiente para inferir o sentido da norma;

9) deve-se abandonar o apego excessivo às palavras, pois a palavra é

pobre e não pode descrever com minúcias toda a multiplicidade das

relações que servem de substrato para a vida jurídica, que aquele texto

contemplou ou pode contemplar. Deve-se tirar da fórmula tudo que ela

contém, daí as noções de interpretação restrita que resume o texto, e de

interpretação extensiva que alarga o alcance da norma. Essas noções

serão pormenorizadas mais tarde.

O intérprete deve saber que, ao redigir a norma, o legislador está sujeito a

cometer falhas sintáticas, sendo que muitas vezes sequer segue os padrões da

língua culta. A linguagem pode, também, parecer escorreita, mas inexata, de modo

que, ao aplicarmos outros métodos de interpretação, obtém-se um resultado

totalmente diverso da letra escrita. Nos dizeres de FERRARA:

De resto, mesmo quando o sentido é claro, não pode haver logo a

segurança de que ele corresponde exatamente à vontade legislativa,

pois é bem possível que as palavras sejam defeituosas ou

imperfeitas (manchevole), que não reproduzam em extensão o

conteúdo do princípio ou, pelo contrário, sejam demasiado gerais e

façam entender um princípio mais lato do que o real, assim como,

por último, não é excluído o emprego de termos errôneos que

falseiem abertamente a vontade legislativa. O sentido literal é incerto,

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hipotético, equívoco. Também os que atuam in fraudem legis

observam o sentido literal da lei e, no entanto, violam o seu

espírito.150

Pelos perigos que representa a interpretação gramatical, não pode ser o

único método auferido para a interpretação de uma norma; ela serve como uma

primeira aliada na busca da solução de qualquer problema de hermenêutica, em

especial, presta-se para demonstrar, analiticamente, a falha encontrada na análise

de determinada norma.

2.2.2.2 Interpretação histórico-evolutiva

O elemento histórico da interpretação consiste em auferir, para buscar a

inteligência de um texto, a sua origem histórica, seguindo o seu desenvolvimento e

suas transformações, até o momento presente. A idéia central é a de que o presente

é um simples desdobramento do passado e conhecê-lo parece imprescindível para

compreensão de textos atuais.

O elemento evolutivo aparece porque o intérprete não deve apenas verificar

o desenvolvimento que os institutos jurídicos tiveram no passado, mas também a

sua evolução contemporânea, dentro e fora do país. Deve-se estudar toda a

elaboração do Direito Positivo e além disso, as suas tendências recentes, seus

objetivos, os resultados obtidos pelos processos modernos de busca da verdade, as

regras, os métodos e os sistemas que melhor se adaptam ao progresso social.

FERRAZ Jr. 151 distingue interpretação sociológica da histórica conforme se

leve em consideração a estrutura momentânea da situação ou sua gênese no

tempo, ou seja, na interpretação sociológica busca-se a situação atual e na

interpretação histórica, o momento de criação da norma. A interpenetração de

ambas constitui-se a interpretação histórico-evolutiva.

O fato é que não deve o intérprete limitar-se a analisar o passado, mas

compreender o momento presente para uma proveitosa exegese. Essa é a

interpretação histórico-evolutiva.

150 Ibidem, p. 36. 151 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª. Ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 289-290.

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Insere-se, no método em análise, o uso dos materiais legislativos ou

trabalhos preparatórios da confecção do texto interpretado. Para a doutrina, esse

material tem uso limitado e restrito para o caso de a lei interpretada romper com a

evolução geral do Direito. Quando a lei é nova, ao analisá-la não se encontra

elementos históricos, posições de doutrinadores e da jurisprudência nos quais se

pode apoiar. Dessa forma, é importante os fatores e circunstâncias que rodeiam a

elaboração do texto. Nesse caso, é admissível recorrer aos trabalhos parlamentares,

às exposições de motivo, aos anteprojetos e a outros, porém se deve cercar dos

devidos cuidados, posto que as opiniões individuais esboçadas em votos em

separado e em pareceres delineiam a vontade daquele que emitiu o pensamento e

não a vontade do legislador.

No entanto, não se justifica voltar aos motivos determinantes dos trabalhos

legislativos quando a ciência do direito já forneceu outros subsídios para a

interpretação da norma Isso porque o texto legal, após confeccionado, adquire vida

própria e independente do legislador. Nesse caso, deve-se voltar ao estudo histórico

do direito, à jurisprudência, à doutrina, pois essas são fontes vivas, que

acompanham a evolução do Direito, ao contrário da vontade do legislador, que é

limitada pelo tempo.

O estudo do complexo de circunstâncias específicas atinentes ao objeto da

norma, que constituíram o impulso exterior para a sua edição, causas, razões

políticas e jurídicas, momento histórico, ambiente social, condições culturais e

psicológicas sob as quais a lei surgiu e que diretamente contribuíram para a

promulgação (occasio legis Maximiliano)152, somente se justifica logo após o

momento em que a norma foi editada, posto que depois a ciência do direito se

encarregará de adaptá-la às novas exigências da vida moderna.

2.2.2.3 Interpretação lógico-sistemática

Para TORRES, na interpretação sistemática, os conceitos e institutos

jurídicos descritos em uma norma devem ser compreendidos segundo o lugar ou

152 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 121-123.

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sistema de onde foram extraídos, mantendo intacta a unidade do Direito. 153 E

segundo a interpretação sistêmica, os conceitos de Direito Privado, empregados no

Direito Tributário, conservam seu sentido originário.

Também chamada de interpretação lógico-sistemática, tendo em vista o

importante papel que o elemento lógico exerce no processo de interpretação; afinal,

trata-se da interpretação da lei de um ponto de vista lógico, para apreensão de seu

sentido e finalidade.

TORRES154 ao analisar os arts. 109 e 110 do CTN, discute longamente se o

legislador teria optado pelo método sistêmico de interpretação e se a autonomia do

Direito Tributário não estaria ameaçada pelo engessamento do intérprete às formas

e aos institutos de direito privado.

No tópico pertinente, conclui-se que o intérprete tem que respeitar a eleição,

feita pelo legislador, de termos técnicos, advindos de outro ramo do Direito. Não se

pode alterar, conforme desejar, a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos

importados do Direito Privado. Entende-se que a restrição contida nos arts. 109 e

110 em nada fere a autonomia do Direito Tributário.

BECKER sublinha que:

(...) não existe um legislador tributário, distinto e contraponível

a um legislador civil e comercial. Os vários ramos do Direito

não constituem compartimentos estanques, mas são partes de

um único sistema jurídico, de modo que qualquer regra jurídica

exprimirá sempre uma única regra (conceito ou categoria, ou

instituto jurídico) válida para a totalidade daquele único sistema

jurídico. 155

Muito embora se deva respeito aos princípios gerais do Direito Privado para

a pesquisa da definição, conteúdo e alcance dos seus institutos, conceitos e formas,

a lei tributária pode dar aos mesmos outros efeitos, conforme as características

peculiares do próprio Direito Tributário. O art. 109 não nega a autonomia do Direito

153 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 72-73. 154 Ibidem, p. 72- 77. 155 BECKER, Alfredo Augusto apud MELLO, José Eduardo Soares de, op. cit.

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Tributário, ao contrário, reafirma dizendo o legislador tributário livre do direito privado

para estabelecer outras conseqüências.

O art. 110 não contempla problemática semelhante, pois nada mais visou

senão resguardar a competência constitucional para alterar a própria Constituição.

Com efeito, não é a lei infraconstitucional tributária que irá definir as palavras da

Constituição. O legislador infraconstitucional deve obediência ao legislador

constitucional e não é através de lei que se vai alterar os institutos, conceitos e

formas de direito privado elencados na Constituição.

Dessa forma, ainda que os arts. 109 e 110 do Código Tributário Nacional

espelhassem a opção do legislador, unicamente, pelo método sistêmico – o que não

é o caso – mesmo assim o próprio Código Tributário Nacional tratou de resguardar a

autonomia do Direito Tributário em frente ao Direito Privado.

A aplicação do método sistemático no Direito Tributário não se restringe

apenas à investigação dos institutos, formas e conceitos de Direito Privado dentro

das normas tributárias, isto é, aos arts. 109 e 110 do CTN. O processo compreende

também comparar qualquer dispositivo sujeito à exegese “com outros do mesmo

repositório ou leis diversas, mas referentes ao mesmo objeto” 156 e com o próprio

sistema em vigor, que visa conhecer, por uma norma, o espírito de outras.

Parte-se do pressuposto de que o direito objetivo não é um aglomerado

caótico de disposições, mas uma unidade, um único organismo que enfeixa um

sistema de preceitos coordenados ou subordinados. Há os princípios gerais dos

quais outros são deduzidos e princípios que se condicionam e restringem-se

mutuamente. 157 Assim, na análise do objeto interpretado, os princípios, ainda que

pertencentes a outro ramo do direito, fornecem uma luz para o intérprete, e o permite

valorizar e compreender a norma dentro do sistema jurídico, que é aberto,

direcionado para os valores, em especial justiça e segurança, e dotado de

historicidade. A idéia vetor é a unidade entre os vários ramos do Direito e

respectivas teorias.

156 MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 19ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 104. 157 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002.

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2.2.2.4 Interpretação sociológica

A interpretação sociológica parte do pressuposto que o Direito não pode

deixar de atender as manifestações da vida social e econômica. As regras

formuladas pelos legisladores devem sofrer adaptações necessárias para atender a

situações emergentes e imprevistas.

Ao observar a sociedade, o julgador preocupa-se com a influência do seu

veredicto no seio dessa e, por esse motivo sempre busca fazer a justiça

corresponder ao bem estar social. Aliás, essa é a base da Escola do Direito Livre,

doutrina surgida na França e Alemanha do início do século passado. Essa doutrina

prega a total liberdade do legislador em frente às regras jurídicas escritas. Propõe,

como único guia, a convicção pessoal, voltada para o ideal de justiça reinante na

sociedade. Tal Escola, porém, é a interpretação sociológica levada às últimas

conseqüências, com o desrespeito aos demais Poderes do Estado e com a

exaltação da Sociologia em desprezo à ciência do Direito e à segurança jurídica. Por

esse motivo, recebeu muitas e fundadas críticas, e com isso prevaleceu a versão

moderada da interpretação sociológica.

Os moderados salientam que o bom intérprete é aquele que renova as

disposições escritas – o sociólogo do Direito – de acordo com os fatores econômicos

e sociais – interpretação evolutiva – mas que usa tal poder com temperança, e evita

assim que essa liberdade se torne arbítrio do juiz.

2.2.2.5 Interpretação econômica

Conforme se explica anteriormente, para os que defendem o método

sistêmico de interpretação, quando o legislador adotar expressões, institutos, formas

de Direito Privado no Direito Tributário, há que se respeitar essa opção.

Tal posicionamento acaba por permitir a prática da evasão lícita de tributos,

pois se o negócio jurídico, praticado pelo particular, não estivesse totalmente

descrito, na hipótese de incidência tributária, não haveria a subsunção.

Contrariamente a isso, surgiu na Alemanha, com Enno Becker, a teoria da

interpretação econômica. Segundo essa teoria, ao Direito Tributário não interessaria

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a forma jurídica utilizada, mas os efeitos econômicos subjacentes, ou seja, efeitos

econômicos idênticos, efeitos tributários idênticos 158.

Essa teoria da interpretação foi muito criticada, pois desloca a interpretação

das normas jurídico-tributárias do âmbito do direito para o âmbito econômico. De

acordo com PINTO: “A substituição do critério jurídico, que é objetivo e seguro, pelo

critério econômico do fato gerador, implica em trocar o princípio da legalidade por

cânones da insegurança e de arbítrio, incompatíveis com o sistema constitucional

brasileiro.” 159

O Código Tributário Nacional não acolheu a tese da interpretação

econômica. Conforme se conclui:

(...) somente o legislador poderá atribuir efeitos tributários distintos,

alterando o alcance e o conteúdo dos institutos e conceitos de Direito

Privado, se inexistir obstáculo na Constituição. Não o intérprete e

aplicador da lei. A licença, como diz Baleeiro, contida no art. 109, a

contrariu sensu, dirige-se ao legislador, mesmo assim, naqueles

casos, que são restritíssimos, em que institutos, conceitos e formas

de Direito Privado não foram utilizados pela Constituição para definir

ou limitar competências. 160

Como minorante da interpretação econômica, surgiu a teoria do abuso das

formas, defendida por ATALIBA161, o qual admite a interpretação econômica

somente na hipótese de anormalidade da forma jurídica pelo contribuinte que deseja

fugir da tributação, situação característica da evasão fiscal.

NOGUEIRA, conforme cita Onofre, entende que:

(...) se o contribuinte, abusando do direito de uso das formas

jurídico-privadas, empregar formas anormais, inadequadas, na

estruturação de suas relações, com o intuito de impedir ou

fraudar a tributação, estaremos diante do abuso de formas com

o fito de evasão, inoponível ao Fisco.” Assinala, porém, se a

158 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves opus cit. p. 83. 159 PINTO, Bilac apud BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. id. ibid. p. 83. 160 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 690.

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estrutura jurídico-privada oferecer várias formas jurídicas e o

contribuinte optar pela menos onerosa, não há desvio e o Fisco

não poderá impor o efeito mais oneroso.162

Para os adeptos da teoria do abuso das formas, a ação do Fisco quando faz

incidir a norma tributária sobre um negócio feito com abuso de direito está apoiada

no art. 118, I, CTN, quando diz que na interpretação do fato gerador deve-se abstrair

os efeitos dos atos efetivamente praticados.

2.2.2.6 Interpretação teleológica

A interpretação econômica vigorou na Alemanha na época do Reich até

1977, com a entrada em vigor de um novo Código Tributário. Anteriormente à

modificação legislativa, a Jurisprudência já adotava a tese da primazia da “estrutura

normativa do direito civil” e da concepção de unidade do ordenamento jurídico

(interpretação sistêmica). A interpretação econômica foi mitigada e ressurgiu,

renovada, como interpretação teleológica.

A interpretação teleológica se orienta, em certas situações especiais, pelo

critério econômico, baseada no princípio da igualdade. 163 Pretende assim que

situações economicamente idênticas se submetam a idêntico tratamento tributário,

repelindo as simulações e fraudes jurídicas. Seu objetivo é impedir que o apego

excessivo à forma civilística permita a violação do princípio da igualdade.

No Brasil, os que pregam a interpretação teleológica, das normas de direito

tributário, defendem que “interpretar uma lei pressupõe compreendê-la na plenitude

de seus fins sociais, e determinar o sentido de cada um dos seus dispositivos” 164.

Pressupõe-se que a ordem jurídica, como um todo, seja sempre um conjunto de

preceitos para a realização da sociabilidade humana. Assim, deve-se encontrar nas

leis o seu fim, que jamais pode ser anti-social. A própria Lei de Introdução ao Código

Civil contém uma exigência teleológica: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins

sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art. 5º).

161 ATALIBA, Geraldo apud BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. id. ibid. p. 98. 162 NOGUEIRA apud ONOFRE. id. ibid, p. 99. 163 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, atualizado por Mizabel Abreu Machado Derzi. 11ª. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 689. 164 REALE, Miguel apud BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. id. ibid. p. 158.

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O Direito Tributário tem por finalidade a obtenção de receitas para o Estado,

ao captar riquezas dos particulares, em especial no tocante aos impostos. No alvo

da norma tributária está uma finalidade econômica e por essa razão não pode o

intérprete somente se ater à forma jurídica, mas observar o conteúdo econômico

visado. É a perspectiva econômica que permeia a interpretação jurídica e não age

independentemente do jurídico, conforme priorizado pela teoria da interpretação

econômica. Salienta NOGUEIRA que a consideração econômica poderá, em certos

casos, demonstrar a finalidade autêntica de dispositivos e impedir abusos. 165

Nesse sentido defende MACHADO:

A natureza econômica da relação de tributação é importante para o

intérprete da lei tributária, porque faz parte integrante do próprio

conteúdo da vontade da norma, sendo elemento seguro de indicação

do fim ou do objetivo visado pela regra jurídica. Por outro lado,

inspira um princípio prevalente em Direito Tributário, que é o da

capacidade econômica, em função do qual se devem tanto o

legislador como o intérprete orientar. 166

NOGUEIRA mais uma vez se posiciona: “a consideração econômica, dentro

da interpretação teleológica, deve ser correlacionada com o princípio da

uniformidade da tributação, segundo o qual fatos iguais devem, em princípio, ser

igualmente tributados.” Entretanto, o autor adverte que o uso da consideração

econômica para desconfigurar uma relação jurídica encontra limites na ciência

jurídica, pois só poderá ser utilizada como recurso do intérprete se “juridicizada ou

admitida pelas disposições isoladas ou correlacionadas do Direito.” Em outras

palavras resume:“a consideração econômica só é vinculante até onde tenha sido

admitida pelas normas jurídicas.”167

Em igual sentido, BATISTA JÚNIOR:

Portanto, no combate à evasão e elisão fiscais, a correta

interpretação das leis tributárias assume importância capital devendo

165 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 93. 166 MACHADO, Hugo de Brito. op. cit. p. 101-102.

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o intérprete, observado o caso concreto, dentro da elasticidade

admitida pelo texto da lei de incidência, estender ou restringir o

resultado da interpretação, conforme a realidade econômica dos

negócios, em atenção ao elemento teleológico e respeito aos

princípios constitucionais da capacidade contributiva e igualdade.168

2.2.3 Quanto aos efeitos

Para interpretar uma norma jurídica, faz-se opção por um ou mais métodos

acima descritos. Ao analisar o resultado da interpretação, pode se verificar que o

resultado final coincide com as palavras no que a lei exprime que ha

correspondência entre as palavras e o pensamento da lei. Nesse caso, está-se

diante da interpretação declarativa. Pode acontecer que, ao interpretar uma norma,

se reconheça que o legislador, embora tenha se exprimido de forma genérica e

ampla, quis referir-se apenas a uma das relações. Diz-se que a interpretação foi

restrita das palavras do legislador. Já a interpretação extensiva visou corrigir uma

formulação legislativa estreita demais. 169

2.2.3.1 Interpretação declarativa

A interpretação declarativa, ou como chama FERRAZ Jr. 170, a interpretação

especificadora, parte do pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra do

seu enunciado. É a hermenêutica dominada pela economia do pensamento, da

onde nasceu o aforismo, hoje posto de lado, in claris cessat interpretatio.

No Direito Tributário, reina a imprecisão a respeito do significado dos termos.

Não somente no Direito Tributário, porque é a linguagem do Direito que se abre para

conceitos indeterminados, intimamente ligados à ciência do Direito. A possibilidade

de clareza, quando se fala de interpretação, parece uma ilusão, de modo que não há

realmente como se sustentar o brocardo acima.

167 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 93-94. 168 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 175. 169 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 40-44.

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O que ocorre, na interpretação declarativa, é que a letra da lei produziu no

intérprete uma orientação. No mesmo sentido do pensamento do legislador, ou seja,

a decodificação caminhou no mesmo vetor da orientação legislativa. Daí porque o

intérprete diz que “a lei é clara”.

2.2.3.2 Interpretação restritiva

Na interpretação restritiva, o intérprete limita os domínios de aplicação da

incidência da norma, o que impede que ela produza efeitos contrários ao seu

espírito.

A interpretação estrita ou tipicidade fiscal é até hoje defendida por parte

considerável da doutrina brasileira.

CAMPAZ, em sua monografia sobre interpretação, integração e aplicação do

Direito, num primeiro momento posiciona-se no sentido de que, para a interpretação

das normas jurídicas, seria lícita a utilização de todos os métodos, mas faz ressalva

às normas que determinam a incidência de regras tributárias, pois em se tratando de

normas que restringem a propriedade, deve “abster-se o aplicador de lhes restringir

ou dilatar o sentido.” 171

NEUBERN172 arrola diversas regras para interpretação da legislação

tributária, sendo que entre elas se destacam: a interpretação restritiva das

disposições que limitam a liberdade (liberdade de locomoção, trabalho, profissão,

indústria e comércio, etc.) e as que impõem limites ao exercício normal dos direitos

de propriedade (uso, fruição e disposição).

Para NOGUEIRA173, a interpretação da norma material tributária deve ser

estrita, isto é, não se deve ampliar, nem restringir. Se houver omissão na lei, deve

ser sentenciada a inexistência da obrigação, mas se a obrigação estiver prevista,

também não deverá ser restringida.

170 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 2ª. Ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 293. 171 CAMPAZ, Walter. op. cit. p. 23 e 28-29. 172 NEUBERN, Maria Cristina. Interpretação das Normas de Imunidade Tributária. Disponível em <http://www.mariacristinaneubern.hpg.ig.com.br/governo_e_politica/93/index_int_4.html> Acesso em: 13 de out. 2007. 173 NOGUEIRA, Rui Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 101.

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MAXIMILIANO prega que, dentro do Direito Tributário, algumas normas têm

interpretação restrita, como as que estabelecem impostos ou taxas: “tratam-se as

normas de tal espécie como se fossem rigorosamente taxativas; deve, por isso,

abster-se o aplicador de lhes restringir ou dilatar o sentido” 174. Nesse caso aplica-se

o brocardo in dubio contra fiscum.

Ao contrário das normas que excepcionalmente deferem benefícios fiscais,

citadas pelo art. 111, CTN, não existe norma jurídica que ampare a tese da

interpretação literal ou estrita das normas impositivas fiscais. Essa posição era

defensável nos primórdios, no Estado totalitário e voltado às necessidades do

soberano. Entretanto, deflui do sistema atual, amparado no modelo democrático do

Estado de Direito, que a imposição é a regra, e o desgravamento a exceção. Do

sistema Constitucional deriva que todos os cidadãos brasileiros devem contribuir

para custear o Estado de acordo com a sua capacidade contributiva. Por essa razão,

as normas impositivas também devem ser interpretadas de modo a corresponder às

características desse sistema onde estão inseridas, bem como para atender às

finalidades para as quais foram redigidas.

Entende-se, dessa forma, que no Direito Tributário, assim como em qualquer

outro ramo do Direito, a interpretação estrita em lugar, como diz FERRARA, apenas

quando se reconhece que o legislador, embora tenha se exprimido de forma

genérica e ampla, quis referir-se a uma classe especial de relações. Esse autor

distingue algumas situações indicativas (de freqüente ocorrência no Direito

Tributário): "1º) se o texto, entendido no modo tão geral como está redigido, viria

contradizer outro texto de lei; 2º) se a lei contém em si uma contradição íntima (é o

chamado argumento ad absurdem); 3º) se o princípio, aplicado sem restrições,

ultrapassa o fim para que foi ordenado." 175

Cumpre lembrar que não se pode retorcer um princípio estabelecido em

favor de certas pessoas via interpretação restrita das expressões. Por esse motivo,

as normas que conferem benefícios fiscais, citadas pelo art. 111, CTN, não admitem

restrições em prejuízo do contribuinte para qual foi feita a concessão nela prevista

(conclusão da Comissão, citada por Torres). 176

174 MAXIMILIANO, Carlos. op. cit. p. 271. 175 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 43. 176 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 105-106.

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3.2.3.3 Interpretação extensiva

A interpretação extensiva realiza-se quando o intérprete, na busca pela

obediência à lei e seu espírito, deve ultrapassar o que resulta dos seus termos

estritos. Ela destina-se a corrigir uma formulação estreita demais: quando o

legislador introduz um elemento que designa a espécie, quando quis aludir ao

gênero ou formula, para um caso singular, conceito que deve valer para toda a

categoria.

De acordo com FERRARA a interpretação extensiva é um dos meios mais

fecundos para o desenvolvimento dos princípios jurídicos e para o seu

reagrupamento em sistema. E como a interpretação extensiva não é mais que

reagrupamento do sistema, aplica-se a todas as normas, inclusive as de caráter

excepcional, as penais e as tributárias. 177

Não há qualquer impedimento ou limitação à interpretação extensiva no

Direito Tributário Brasileiro, nem mesmo quando a sua utilização nas normas de

incidência, aquelas impositivas de tributos. Deve-se atentar, porém, se a elasticidade

do texto legal comporta o acréscimo. Assim, se o legislador enumera uma série de

atos e negócios da vida privada sobre os quais deve recair o tributo, o intérprete

deve perceber se sua intenção foi indicar uma categoria genérica, quando a

interpretação extensiva faz alongar a norma para uma série de outros fatos que,

embora não façam parte da letra da lei, se compreendem nessa categoria utilizada

pelo legislador, ou se a sua intenção foi indicar hipóteses exclusivas, quando não se

pode estender os domínios da aplicação para além dos fatos, circunstâncias e

situações expressamente veiculadas pela letra da lei.

A interpretação extensiva, como diz FERRARA, serve para combater os atos

in fraudem legis, quando o contribuinte, ao utilizar de estreita interpretação (literal ou

restritiva) do texto legal, viola o seu espírito. Nesse caso, deve-se entender e aplicar

a lei não de acordo com o seu sentido literal, mas ao seu conteúdo espiritual, posto

que a disposição quis realizar um fim, ao negar eficácia àqueles outros meios.178

Dessa maneira, cumpre distinguir analogia com interpretação extensiva:

177 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 44. 178 Ibidem, p. 44.

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Na analogia, há integração da legislação tributária mediante

aplicação da lei a situação de fato nela não prevista, embora

semelhante àquela a qual a lei se refere expressamente; na

interpretação extensiva, não há integração da legislação

tributária, pois se trabalha dentro dos limites da sua

incidência.179

Torres observa que a distinção entre analogia e interpretação extensiva é

particularmente complicada, posto que os tribunais escamoteiam o argumento

analogia, apelida-o de interpretação extensiva e alarga as possibilidades de

complementação do direito (como se vê, a analogia para imposição de tributos é

vedada). 180

179 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição, Código Tributário e Lei de Execução Fiscal à luz da doutrina e da jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 608. 180 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 55.

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CAPÍTULO 3 – A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS DE DIREITO TRIBUTÁRIO

3.1 Quanto à Observância das Disposições do Código Tributário Nacional

As disposições do Código Tributário Nacional constantes dos Capítulos III e

IV são claras a ponto que se pode afirmar, com absoluta convicção, que esse

diploma legal quis esgotar o tema referente à aplicação, à integração e à

interpretação das leis tributárias. Entretanto, poucos são os doutrinadores que

propalam a obediência cega às disposições do Código, sem cotejá-las com os

demais processos hermenêuticos.

Tanto TORRES181 quanto RIBEIRO182 destacam que o principal objetivo do

CTN é o de separar a integração da aplicação do direito tributário, conforme deflui-se

do seguinte trecho, extraído dos Trabalhos da Comissão Especial do Código

Tributário:

Por conseguinte, a hermenêutica, como puro trabalho de exegese

científica do direito pode filiar-se a uma ou outra das diferentes

escolas ou orientações teóricas, próprias do direito tributário ou

compreensivas do direito em geral. Ao contrário a aplicação da lei,

como trabalho pragmático e funcional, deve visar diretamente a sua

atuação em cada caso concreto como instrumento integral das

instituições que constituem o seu fundamento e o seu objetivo. Cd.

Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional, Rio

de Janeiro: IBGE, 1954, p. 180. 183

Certamente a intenção da Comissão foi louvável ao procurar garantir a

segurança jurídica, e ao tentar evitar que os funcionários do Fisco – a quem compete

verificar, num primeiro momento, a ocorrência do fato gerador – interpretem a lei

segundo a sua visão subjetiva e experiências sociais e sem nenhum conhecimento

de técnicas de interpretação da ciência jurídica. A prática revela, porém, que não é

possível a aplicação do direito sem a prévia interpretação e, ainda que a

181 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991. p. 17. 182 RIBEIRO, Maria de Fátima. op. cit. p. 223. 183 Comissão Especial do Código Tributário Nacional apud TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 17 e RIBEIRO, Maria de Fátima. op. cit. p. 223.

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Administração edite normas inferiores ao buscar minuciar as variadas hipóteses de

incidência de uma norma, ainda assim essa norma inferior é interpretada no

momento anterior à aplicação.

A hermenêutica é um processo único, no qual se identificam os seguintes

momentos:

(...) compreensão, da interpretação e da aplicação: interpreta-se para

aplicar, constituindo a aplicação, muito mais que um momento

posterior de concretização do genérico interpretado, a própria

compreensão da totalidade. Nem se aplica o Direito sem interpretá-lo

(a não ser em casos excepcionais de normas técnicas), nem se

interpreta a norma sem aplicá-la, salvo em casos especialíssimos

como o do controle da constitucionalidade em abstrato. 184

O Código Tributário Nacional apresenta, no Capítulo IV, a interpretação e a

integração como se fossem processos independentes – o art. 107 é reservado à

interpretação e o 108 à integração.

Para CARVALHO “a integração se situa dentro da interpretação. É a

segunda fase do processo interpretativo. O intérprete tratará, desde logo, de

encontrar o significado do comando, mas não podendo, de plano, encontrá-lo, pela

existência de lacuna exercitará, então, as formas previstas de integração, e, entre

elas, a analogia.” 185

Os doutrinadores identificam pouca ou nenhuma fronteira entre interpretação

e integração. LARENZ salienta que eventuais diferenças existentes entre

interpretação e integração residem no campo da hermenêutica, no grau de

intensidade da atividade hermenêutica.186

Segundo RIBEIRO, o Código Tributário Nacional falha ao não prever formas

para correção das antinomias, apenas dispõe, no art. 172, inciso IV, sobre a

remissão por eqüidade.187 No mesmo sentido, TORRES clama pela necessidade de

utilização de outros meios de correção das antinomias no Direito Tributário, a serem

buscados na Lei de Introdução ao Código Civil ou nos princípios gerais do Direito. 188

184 TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 20/22. 185 CARVALHO, Paulo de Barros apud RIBEIRO, Maria de Fátima. op. cit. p. 226. 186 K. Larenx apud TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 25. 187 RIBEIRO, Maria de Fátima. op. cit. p. 223. 188 TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 29.

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TORRES conclui a análise do capítulo do Código Tributário dedicado à

“Interpretação e Integração da Legislação Tributária”, e o classifica como ambíguo e

insuficiente. Suas normas, ao separarem a interpretação da aplicação e da

integração e desconsiderarem a correção, deixam de apreender o processo

hermenêutico na sua totalidade, em sua verdadeira natureza de concretização do

Direito. 189

De qualquer forma, não é o caso de ignorar ou massacraras regras

codificadas, mas adaptá-las e conformá-las às diretrizes gerais de interpretação,

integração e correção das normas jurídicas, bem como aos princípios gerais de

Direito.

A interpretação dos casos específicos, ou normas gerais, previstos pelo

Código Tributário Nacional, se faz de acordo com as normas ali estabelecidas, cujo

alcance e limites foi estudado no Capítulo 1.

Ao contrário do parece apregoar o art. 107, o CTN não consegue

contemplar todas as normas necessárias para a interpretação do complexo de

relações jurídicas que se forma a partir da incidência das normas tributárias. Ele

contém apenas algumas regras preliminares e outras tantas de caráter excepcional.

Assim, ao ocorrer alguma das hipóteses ali previstas, é por elas que se deve guiar o

intérprete.

Destaca-se bem que o dispositivo supra referido não exclui a visão do Direito

Tributário enquanto parte do sistema jurídico nacional, e, que por isso, está sujeito

às variáveis axiológicas, sociológicas e valorativas que determinam os demais ramos

do direito. Justifica-se, por estar localizado dentro do sistema jurídico, que a

interpretação das normas tributárias não pode deixar de sofrer a influência das

demais normas e princípios de Direito. Em especial cita-se o Direito Constitucional,

que é base de sustentação do ordenamento, o Direito Administrativo, porque é no

âmbito da Administração Pública que se desenrolam as questões tributárias e o

Direito Privado, Civil e Comercial, porque ele dá o suporte técnico para a busca dos

fenômenos geradores de capacidade contributiva (e também os limites do intérprete

- art. 109).

No que tange à integração, o rol do art. 108, embora aparentemente dirigido

apenas à autoridade administrativa por questões lógicas, acaba por vincular os

189 id. ibid. p. 29-30.

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demais intérpretes. Eles devem se servir da hierarquia dos métodos de integração ali

mencionados - analogia, princípios gerais do Direito Tributário, princípios gerais do

Direito Público e eqüidade - quando se depararem com lacuna na legislação

tributária. Porém, tal disposição não é taxativa, e pode sofrer, ela mesma, a

integração de outros métodos de integração, tal como o recurso aos princípios gerais

de Direito Privado, por causa da visão sistêmica do Direito, conforme se disse antes.

De qualquer forma, concorda-se que há certa diluição entre os diversos

métodos de integração, o que faz com que os contornos do método porventura eleito

não sejam nítidos. Assim, para os intérpretes que dominam a técnica da

argumentação, é muito fácil se valer de um princípio de Direito Público para integrar

uma norma tributária, antes mesmo de recorrer à analogia e assim sucessivamente.

Diz-se isso, muito embora se sabe que a hierarquização se explique,

consoante o método indutivo, porque quanto mais próximo o intérprete se situar do

texto legal, do ramo do Direito, menos chance ele terá de se afastar das

especificidades que servem aquela norma lacunosa.

Ainda com relação à integração, sofre o intérprete um tipo de limite que não

está disposto no art. 108, mas dele é corolário lógico: a integração tem como

moldura os subconjuntos valorativos, fáticos e normativos que informam o sistema

positivo, sob pena de se permitir a arbitrariedade. Não existe integração por

elementos vazios, buscados no âmago do intérprete, ou mais especificamente de

suas convicções pessoais, em especial a política.

No que se firma nos artigos 109 e 110 do Código, urge observar que, nem

de longe, negam a autonomia do Direito Tributário enquanto ramo específico do

Direito Público. Esses artigos dizem o seguinte: o Direito é uma ciência e como

ciência possui linguagem própria. O legislador ao utilizar-se de escorreita linguagem,

no sentido técnico, o intérprete não pode ir além do que esse pretende, e nem

modificar o sentido dos termos e expressões de Direito Privado utilizados. Da

mesma forma, o legislador infraconstitucional, via lei infraconstitucional, não pode ir

além do que pretendeu o legislador constitucional.

A realização dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e

isonomia tributárias pelo Estado Fiscal não passa pelo desprezo à definição, ao

conteúdo e ao alcance dos institutos de Direito Privado utilizados pelo legislador,

mas por uma livre escolha deste, através da adoção de tipos mais abertos ou, via lei

complementar, de norma geral de Direito Tributário que autoriza a Administração a

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agir além das hipóteses estritamente previstas. O legislador brasileiro claramente

realizou essa última vontade. Ele introduziu, no sistema tributário, o parágrafo único

do art. 116, CTN, como modo de frear a profusão de normas jurídicas. Isso como

conseqüência natural da defesa da estrita legalidade tributária, não justificável em

frente ao dinamismo das relações econômicas.

Ao contrário do que apregoam os positivistas ferrenhos, no Direito Tributário

somente encontra-se legislada a única hipótese em que é obrigatória a adoção da

interpretação literal: o art. 111 do Código.

Nota-se que a interpretação gramatical é sempre o início do processo

interpretativo, inclusive no Direito Tributário. Da letra da norma o intérprete parte a

sua jornada criativa (a intepretação é um processo de criar o direito, pois enaltece as

hipóteses descritas friamente pela lei).

Nos casos relacionados no art. 111, suspensão ou exclusão do crédito

tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias.

Não há restrição ao processo criativo, mas limitação quanto ao resultado: mesmo

que o intérprete possa se servir de todos os métodos interpretativos condensados na

hermenêutica jurídica, o resultado deverá ser aquele que mais se aproximar da letra

da lei.

Tal restrição é plenamente justificável, pois se trata de matérias de cunho

excepcional. A regra geral, na instituição de um tributo, é que todos os sujeitos de

mesma capacidade contributiva paguem igualmente e que todos, ainda aqueles que

não sejam contribuintes, tenham a obrigação de colaborar com o Fisco. As exceções

são as hipóteses de suspensão e exclusão do crédito tributário, de isenção e de

dispensa no cumprimento das obrigações acessórias. A fim de resguardar a

titularidade de instituir tais exceções, é que o Código foi prudente ao apor o art. 111

e precaver-se contra interpretações fora do texto absoluto da norma.

A dúvida, no Direito Tributário, não se resolve a favor do Fisco, nem do

contribuinte. A legislação não endossa essa solução e muito menos a ciência jurídica

a chancela. O intérprete tem que tentar extrair o sentido da norma, ao usar os

métodos de interpretação disponibilizados pela ciência do direito, sem quaisquer

preconceitos metodológicos ou apriorísticos.

Somente no caso do art. 112 do CTN, quando as dúvidas se referirem às

infrações à legislação tributária, é que prevalece a máxima: in dubio pro reo, porque

somente nesse caso o Direito Tributário sofre larga influência do Direito Penal.

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Neste capítulo, deve-se ater ao art. 118, o qual mereceu bastante reverência

por parte dos doutrinadores. Ele dispõe acerca da interpretação dos atos e fatos e

sua influência na tributação. O dispositivo convalida a teoria básica da tributação, e

determina a irrelevância do objeto, da invalidade jurídica dos atos e dos efeitos dos

atos ou fatos para a incidência da norma tributária.

À teoria da irrelevância dos efeitos dos atos, ressalva-se a impossibilidade

de aplicação da norma tributária quando os atos não produzem qualquer efeito

econômico. Nesse caso o que não se destacou foi a ocorrência do fato gerador que

determinava a incidência da norma, por absoluta ausência de manifestação de

capacidade contributiva.

Do exposto acima, conclui-se que as disposições do Código, atinentes à

interpretação, além de não contemplarem todas as variáveis possíveis de

interpretação nesse ramo do Direito, ainda com relação aos casos que prescreve,

não excluem a busca livre por todas as formas e métodos de interpretação

condensados pela hermenêutica jurídica.

Dessa forma, além dos princípios e casos específicos de interpretação

previstos no Código, latente é que se deve buscar todas as formas e métodos de

interpretação do direito e moldá-las para o uso no direito tributário, a fim de melhor

definir o sentido da norma interpretada.

3.2 Quanto à Utilização dos Métodos de Interpretação – O Pluralismo

Metodológico

Existem correntes que pregam a prevalência de métodos interpretativos,

como o gramatical, o histórico e o lógico. Mesmo que a sua utilização exclusiva seja

afastada pelos estudiosos da hermenêutica tributária, baseadas em outros critérios

que não sejam os da ciência jurídica, eles não puderam deixar de ser mencionados

e estudados. Em primeiro lugar, porque são muito utilizados para a aplicação do

Direito por parte de pessoas não conhecedoras da ciência jurídica. Em segundo

lugar, porque constituem métodos que podem ser utilizados para a interpretação das

normas de Direito Tributário, mas não de forma exclusiva e isolada.

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Entende-se, no entanto, que a razão está com os estudiosos que defendem,

assim como TORRES, que:

(...) a interpretação do Direito Tributário se subordina ao pluralismo

metodológico. Inexiste a prevalência de um único método (...) o que

se observa é a pluralidade e equivalência, sendo os métodos

aplicados de acordo com o caso e com os valores ínsitos na norma;

ora se recorre ao método sistêmico, ora ao teleológico, ora ao

histórico, até porque não são contraditórios, mas se completam e

intercomunicam. 190

FERRARA191 relata que um método não exclui os outros. Quando

combinados, eles se complementam e se controlam reciprocamente, e contribuem

com a busca do sentido legislativo.

Batista Júnior192 diz que a tarefa de interpretação é una e se assenta em um

elemento literal (conforme se disse, no primeiro contato do intérprete) e em

elementos extraliterais (sistemático, histórico, sociológico, teleológico). Não se trata

de diferentes métodos de interpretação, mas de pontos de vista metódicos que

devem ser tomados em consideração para o resultado da interpretação. Todos se

manifestam no processo de interpretação, se complementam e se apóiam para

descobrir o verdadeiro sentido da lei. 193 E continua: “as leis tributárias devem ser

interpretadas como quaisquer outras (...) não se pode admitir qualquer preconceito

metodológico no âmbito da teoria da interpretação das leis impositivas.” 194

A liberdade do intérprete tributário, para recorrer a todos os métodos de

interpretação (pluralismo metodológico), está balizada pelas próprias regras da

hermenêutica e pelos dispositivos legais do CTN, os quais contêm normas de

princípio e outras para regular casos específicos.

190 TORRES, Ricardo Lobo. op. cit. p. 83. 191 FERRARA, Francesco. Como aplicar e interpretar as leis. Belo Horizonte: Líder, 2002, p. 26. 192 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 142. 193 LARENZ, Karl, MÜLLER, Friedrich e CARVALHO, Barros, apud ONOFRE, p. 156. 194 BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves. O Planejamento Fiscal e a Interpretação no Direito Tributário. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 134.

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Apesar do Direito Tributário requerer uma interpretação com respeito aos

dispositivos legais do CTN, não se pode dizer que o intérprete das normas de Direito

Tributário sofra limitações por ter que observar o contido no Código.

Isso porque o próprio Código Tributário Nacional, nas disposições dos arts.

107 a 112 e 118, não pretende se filiar a nenhuma corrente metodológica, mas

deixar livre o hermeneuta para qualquer que seja a sua opção 195. Torres diz que a

Comissão optou pelo ecletismo, não só ao misturar as diversas teorias entre os

diversos dispositivos, como também ao mistura-las dentro de um mesmo

dispositivo.196

A interpretação da norma varia conforme o caso concreto, e deve se guiar

pelos princípios do Direito, em especial do ramo a qual pertence. O Código Tributário

contém nada além do que as normas de princípio. Essas devem ser, sempre,

observadas pelo intérprete, ainda que não se encontrem positivadas, além de

algumas normas específicas a serem observadas nos casos regulados. Isso não

impede o recurso aos demais processos da hermenêutica, que são capazes de, por

critérios científicos, fornecerem uma interpretação com respeito ao sistema tributário

nacional.

Nesse sentido Diniz coloca a liberdade do intérprete como pressuposto da

hermenêutica jurídica. Aponta que a função da atividade interpretativa é encontrar

uma interpretação e um sentido que prepondere, com propósito de por um fim

prático à cadeia das várias possibilidades interpretativas, e, ao mesmo tempo, criar

condições para uma decisão possível. 197

195 Observe-se o texto transcrito na página 53. 196 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de Interpretação e Integração do Direito Tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 143 e 144. 197 DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 5ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 1999, LICC, p. 137.

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CONCLUSÃO

Com a realização desta pesquisa, chega-se a algumas considerações acerca

do tema proposto. Destaca-se, todavia, que estas ponderações finais foram

construídas durante a elaboração do presente trabalho, quando se enfrentou as

matérias específicas no decorrer de cada capítulo, restando, neste momento,

sintetizá-las para uma melhor cognição de seu conjunto.

A interpretação dos casos específicos, ou normas gerais, previstos pelo

Código Tributário Nacional, no Capítulo IV, se faz de acordo com as regras ali

estabelecidas, cujo alcance e limites foram estudados no Capítulo 2 deste trabalho.

Sim, pois, ao contrário do que parece apregoar o art. 107, o CTN não

conseguiu contemplar todas as normas necessárias para a interpretação do

complexo de relações jurídicas que se forma a partir da incidência das normas

tributárias. Ele contém apenas algumas regras preliminares e outras tantas de

caráter excepcional. Assim, ocorrendo algumas das hipóteses ali previstas, é por

elas que deve se guiar o intérprete.

Destaque-se bem que o dispositivo supra referido não exclui a visão do

Direito Tributário enquanto parte do sistema jurídico nacional e que, por isso, está

sujeito às variáveis axiológicas, sociológicas e valorativas que determinam os

demais ramos do direito. Também porque este está localizado dentro do sistema

jurídico é que a interpretação das normas tributárias não pode deixar de sofrer a

influência das demais normas e princípios de direito, em especial do direito

constitucional, que é base de sustentação do ordenamento; do direito administrativo,

porque é no âmbito da Administração Pública que se desenrolam as questões

tributárias e do Direito Privado, civil e comercial, porque ele dá o suporte técnico

para a busca dos fenômenos geradores de capacidade contributiva (e também os

limites do intérprete - art. 109).

No que tange à integração, o rol do art. 108, embora aparentemente dirigido

apenas à autoridade administrativa, por questões lógicas acaba vinculando os

demais intérpretes. Eles devem se servir da hierarquia dos métodos de integração ali

mencionados - analogia, princípios gerais do Direito Tributário, princípios gerais do

Direito Público e eqüidade - quando se depararem com lacuna na legislação

tributária. Porém, tal disposição não é taxativa, podendo sofrer, ela mesma, a

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integração de outros métodos de integração, tal como o recurso aos princípios gerais

de Direito Privado, por causa da visão sistêmica do direito, conforme se disse

precedentemente.

De qualquer forma, concorda-se que há certa diluição entre os diversos

métodos de integração, o que faz com que os contornos do método porventura eleito

não sejam nítidos. Assim, para os intérpretes que dominam a técnica da

argumentação, é muito fácil se valer de um princípio de Direito Público para integrar

uma norma tributária, antes mesmo de recorrer à analogia e assim sucessivamente.

Diz-se isso, muito embora se saiba que a hierarquização se explique,

consoante o método indutivo, porque quanto mais próximo o intérprete se situar do

texto legal, do ramo do direito, menos chance ele terá de se afastar das

especificidades que servem àquela norma lacunosa.

Ainda com relação à integração, sofre o intérprete um tipo de limite que não

está disposto no art. 108, mas dele é corolário lógico: a integração tem como

moldura os subconjuntos valorativos, fáticos e normativos que informam o sistema

positivo, sob pena de se permitir a arbitrariedade. Não existe integração por

elementos vazios, buscados no âmago do intérprete, ou mais especificamente de

suas convicções pessoais, em especial a política.

No que concerne aos artigos 109 e 110 do Código, urge observar que, nem

de longe, negam a autonomia do Direito Tributário enquanto ramo específico do

Direito Público.

Eles apenas dizem o seguinte: o direito é uma ciência e como ciência possui

linguagem própria. Utilizando-se o legislador de escorreita linguagem, no sentido

técnico, o intérprete não pode ir além do que este pretendeu, modificando o sentido

dos termos e expressões de Direito Privado utilizados. Da mesma forma, o legislador

infraconstitucional, via lei infraconstitucional, não pode ir além do que pretendeu o

legislador constitucional.

A realização dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e isonomia

tributárias pelo Estado Fiscal não passa pelo desprezo à definição, ao conteúdo e ao

alcance dos institutos de Direito Privado utilizados pelo legislador, mas por uma livre

escolha deste, através da adoção de tipos mais abertos ou, via lei complementar, de

norma geral de Direito Tributário que autorizasse a Administração a agir além das

hipóteses estritamente previstas. O legislador brasileiro claramente realizou esta

última vontade ao introduzir no sistema tributário o parágrafo único do art. 116, CTN,

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como modo de frear a profusão de normas jurídicas, conseqüência natural da

defesa da estrita legalidade tributária, não justificável frente ao dinamismo das

relações econômicas.

No mais, ao contrário do que apregoam os positivistas ferrenhos, no Direito

Tributário somente encontra-se legislada a única hipótese em que é obrigatória a

adoção da interpretação literal: o art. 111 do Código.

Note-se que a interpretação gramatical é sempre o início do processo interpretativo,

inclusive no Direito Tributário. Da letra da norma o intérprete parte para a sua

jornada criativa (a interpretação é um processo de criar o direito, pois dá vida às

hipóteses descritas friamente pela lei).

Nos casos relacionados no art. 111 - suspensão ou exclusão do crédito tributário,

outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações acessórias - não há

restrição ao processo criativo, mas limitação quanto ao resultado: embora o

intérprete possa se servir de todos os métodos interpretativos condensados na

hermenêutica jurídica, o resultado deverá ser aquele que mais se aproximar da letra

da lei.

Tal restrição é plenamente justificável, pois se tratam - todas - de matérias de cunho

excepcional. Veja, a regra geral, na instituição de um tributo, é que todos os sujeitos

de mesma capacidade contributiva paguem igualmente e que todos, ainda aqueles

que não sejam contribuintes, têm a obrigação de colaborar com o Fisco; exceções

são as hipóteses de suspensão e exclusão do crédito tributário, de isenção e de

dispensa no cumprimento das obrigações acessórias. A fim de resguardar a

titularidade de instituir tais exceções é que o Código foi prudente ao apor o art. 111 e

precaver-se contra interpretações fora do texto absoluto da norma.

A dúvida, no Direito Tributário, embora muitos possam ainda assim apregoar, não se

resolve a favor do Fisco, nem do contribuinte. A legislação não endossa essa

solução e muito menos a ciência jurídica a chancela. O intérprete tem que tentar

extrair o sentido da norma, usando os métodos de interpretação disponibilizados

pela Ciência do Direito, sem quaisquer preconceitos metodológicos ou apriorísticos.

Somente no caso do art. 112 do CTN, quando as dúvidas se referirem a infrações à

legislação tributária é que prevalece a máxima: in dubio pro reo, porque neste caso -

e somente neste caso - o Direito Tributário sofreu larga influência do Direito Penal.

O art. 118, embora situado fora do Capítulo específico do Código destinado à

interpretação e integração das normas, mereceu bastante reverência por parte dos

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doutrinadores. Ele dispõe acerca da interpretação dos atos e fatos e sua influência

na tributação.

O dispositivo convalida teoria básica da tributação, determinando a irrelevância do

objeto, da invalidade jurídica dos atos e dos efeitos dos atos ou fatos para a

incidência da norma tributária.

À teoria da irrelevância dos efeitos dos atos, ressalva-se a impossibilidade de

incidência da norma tributária quando os atos não produziram qualquer efeito

econômico, porque neste caso o que não se vislumbrou foi a ocorrência do fato

gerador que determinava a incidência da norma, por absoluta ausência de

manifestação de capacidade contributiva.

Do dito acima, conclui-se que as disposições do Código, atinentes à interpretação,

além de não contemplarem todas as variáveis possíveis de interpretação neste ramo

do direito, ainda com relação aos casos que prescrevem, não excluem a busca livre

por todas as formas e métodos de interpretação condensados pela hermenêutica

jurídica.

Desta forma, além dos princípios e casos específicos de interpretação

previstos no Código, patente é que se deve buscar todas as formas e métodos de

interpretação do direito e amoldá-las para o uso no Direito Tributário, a fim de melhor

definir o sentido da norma interpretada.

Porém, a liberdade do intérprete tributário para recorrer a todos os métodos

de interpretação (pluralismo metodológico) está balizada pelas próprias regras da

hermenêutica e também pelos dispositivos legais do CTN, os quais contêm, como

visto, normas de princípio e outras para regular casos específicos.

Apesar do Direito Tributário requerer uma interpretação com respeito aos

dispositivos legais do CTN, não se pode dizer que o intérprete das normas de Direito

Tributário sofra limitações por ter que observar o contido no Código.

Isso porque o próprio Código Tributário Nacional, nas disposições dos arts.

107 a 112 e 118, não pretendeu se filiar a nenhuma corrente metodológica, mas

deixar livre o hermeneuta para qualquer que fosse a sua opção.

E, também, porque a interpretação da norma varia conforme o caso concreto,

devendo guiar-se pelos princípios do direito, em especial do ramo ao qual pertence a

norma interpretada. O Código Tributário nada mais contém que normas de princípio,

que deveriam ser, sempre, observadas pelo intérprete, ainda que não se

encontrassem positivadas, além de algumas normas específicas a serem

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observadas nos casos regulados, o que igualmente não impede o recurso aos

demais processos da hermenêutica, capazes de, por critérios científicos, fornecerem

uma interpretação com respeito ao sistema tributário nacional.

Enfim, entre os diversos métodos de interpretação, condensados pela hermenêutica

jurídica, não existe qualquer tipo de hierarquia. O intérprete é livre para utilizá-los,

isoladamente ou globalmente, de modo sucessivo ou simultâneo, sem que se possa

conferir preeminência a quaisquer dos procedimentos aventados. E nem poderia ser

diferente, pois a aplicação do método varia conforme o caso concreto (fato), o

conteúdo da norma interpretada e os princípios que regem o campo do direito (no

caso, tributário).

Mas, justamente porque a interpretação varia conforme o caso é que as normas de

interpretação (aqui também contidas as normas de integração) do Código Tributário

Nacional não podem ser descartadas e devem ser utilizadas, tanto como

contenedoras de princípios quanto nos casos específicos ali regulados.

Elas visam preservar a segurança jurídica, num campo do direito em que todos

precisam conhecer as normas, mas que nem todos têm os conhecimentos técnicos

para corretamente interpretá-las, protegendo o cidadão contra eventuais abusos do

Estado e também protegendo o Estado contra arbítrios cometidos pelos intérpretes

judiciários.

Conclui-se que, para a interpretação das normas de Direito Tributário, é lícita a

utilização de todos os métodos hermenêuticos, observadas as disposições do CTN e

os limites do próprio ordenamento, pois não existe interpretação, integração,

correção fora dos valores condensados pelo ordenamento, sob pena de se ficar

totalmente à mercê da arbitrariedade dos intérpretes.

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