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INTERROMPER O SILÊNCIO DA LINGUAGEM ENSAIO SOBRE A ESCRITA DA INTRODUÇÃO Isaac Souza § 1 Uma figura solitária está parada em meio às dunas de um deserto de areia – pequena e desolada entre montanhas móveis de uma paisagem que, apesar desse movimento, parece não se alterar. Esta imagem descreve com bastante fidelidade o sentimento dos escritores no momento em que precisam iniciar seus textos: corpo, consciência, nome – e ao redor o infinito metamorfo das palavras, a imensidão inquieta e incontrolável do vocabulário. Aquele andarilho precisa escolher um rumo e inventar um caminho no deserto, interromper o silêncio da linguagem – ele precisa confrontar a folha limpa e escrever. Iniciar um texto é um desafio angustiante tanto para escritores de circunstância quanto para escritores de ofício. Por que isso acontece? Porque escrever é inventar mundo, é construir realidade através dos recursos da linguagem. Mas, principalmente, porque as primeiras palavras, as primeiras frases e parágrafos, as primeiras páginas são as mais perigosas, são aquelas que mais testam a habilidade e a competência de quem escreve: é nesta fase da escrita que ele tem a tarefa de capturar, de seduzir, é o momento em que ele precisa conquistar o leitor antes mesmo de ter tido a chance de convencê-lo. Ocorre-me outra cena. Um jovem encanta-se com uma linda garota em uma festa. Ele olha para ela e precisa tomar uma decisão. Se ele for infeliz em sua abordagem, poderá perder para sempre a oportunidade de ganhar-lhe a atenção e, quem sabe, o coração. O pulso do rapaz se acelera, suas pálpebras tremem, as pernas traem-no, as mãos esfriam, o pescoço começa a suando e ele sente a pele do rosto arder. Todos os sons lhe engasgam na garganta: ele não pode se dar ao luxo de falar as palavras erradas, mas se não falar nada perderá a garota da mesma forma. É esta mesma tensão e insegurança que assola a alma do escritor quando ele se encontra no desamparo que habita entre a brancura da página virgem e a vastidão do idioma. Não foi à toa que os contadores tradicionais de história estabeleceram fórmulas para iniciarem suas narrativas. A plateia está suspensa num fingimento de silêncio de onde ressaltam espinhos de cochicho. O narrador olha para as pessoas e se sente mirado por elas. Ele pode ser ridicularizado, até mesmo agredido ou – o que talvez seja pior – simplesmente ignorado por ela. Então, com olhar certeiro e voz firme ele dispara: "Era uma vez...", ou "Há muito tempo atrás, em um lugar muito distante. ..". Até mesmo Deus quando quis escrever seu livro recorreu a uma fórmula tradicional, o simples e belo "No princípio...". Em certos aspectos, não somos muito diferentes daqueles narradores tradicionais, contadores de contos de fada ou profetas ensinando as palavras ancestrais de um Deus que, embora criasse pela palavra, era anterior à linguagem. Somos apenas portadores de algum conhecimento que, para ser comunicado, precisa ser modelado em forma narrativa – a diferença é que nossa narrativa precisa ser escrita. E assim como os narradores orais e suas fórmulas pré-formatadas, herdadas da tradição, nós também temos as fórmulas tradicionais nas quais apoiamos a estruturação de nossos textos. O próprio subtítulo INTRODUÇÃO exerce em nosso leitor um efeito similar ao “era uma vez...” dos contos de fadas. Ele dispara uma ansiedade, ele prenuncia, engatilha, uma aventura e uma descoberta, um aprendizado e um divertimento, uma jornada e um final, se não feliz, memorável. No momento em que

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INTERROMPER O SILÊNCIO DA LINGUAGEM

ENSAIO SOBRE A ESCRITA DA INTRODUÇÃO

Isaac Souza

§ 1

Uma figura solitária está parada em meio às dunas de um deserto de areia – pequena e desolada entre montanhas móveis de uma paisagem que, apesar desse movimento, parece não se alterar. Esta imagem descreve com bastante fidelidade o sentimento dos escritores no momento em que precisam iniciar seus textos: corpo, consciência, nome – e ao redor o infinito metamorfo das palavras, a imensidão inquieta e incontrolável do vocabulário. Aquele andarilho precisa escolher um rumo e inventar um caminho no deserto, interromper o silêncio da linguagem – ele precisa confrontar a folha limpa e escrever.

Iniciar um texto é um desafio angustiante tanto para escritores de circunstância quanto para escritores de ofício. Por que isso acontece? Porque escrever é inventar mundo, é construir realidade através dos recursos da linguagem. Mas, principalmente, porque as primeiras palavras, as primeiras frases e parágrafos, as primeiras páginas são as mais perigosas, são aquelas que mais testam a habilidade e a competência de quem escreve: é nesta fase da escrita que ele tem a tarefa de capturar, de seduzir, é o momento em que ele precisa conquistar o leitor antes mesmo de ter tido a chance de convencê-lo.

Ocorre-me outra cena. Um jovem encanta-se com uma linda garota em uma festa. Ele olha para ela e precisa tomar uma decisão. Se ele for infeliz em sua abordagem, poderá perder para sempre a oportunidade de ganhar-lhe a atenção e, quem sabe, o coração. O pulso do rapaz se acelera, suas pálpebras tremem, as pernas traem-no, as mãos esfriam, o pescoço começa a suando e ele sente a pele do rosto arder. Todos os sons lhe engasgam na garganta: ele não pode se dar ao luxo de falar as palavras erradas, mas se não falar nada perderá a garota da mesma forma. É esta mesma tensão e insegurança que assola a alma do escritor quando ele se encontra no desamparo que habita entre a brancura da página virgem e a vastidão do idioma.

Não foi à toa que os contadores tradicionais de história estabeleceram fórmulas para iniciarem suas narrativas. A plateia está suspensa num fingimento de silêncio de onde ressaltam espinhos de cochicho. O narrador olha para as pessoas e se sente mirado por elas. Ele pode ser ridicularizado, até mesmo agredido ou – o que talvez seja pior – simplesmente ignorado por ela. Então, com olhar certeiro e voz firme ele dispara: "Era uma vez...", ou "Há muito tempo atrás, em um lugar muito distante. ..". Até mesmo Deus quando quis escrever seu livro recorreu a uma fórmula tradicional, o simples e belo "No princípio...".

Em certos aspectos, não somos muito diferentes daqueles narradores tradicionais, contadores de contos de fada ou profetas ensinando as palavras ancestrais de um Deus que, embora criasse pela palavra, era anterior à linguagem. Somos apenas portadores de algum conhecimento que, para ser comunicado, precisa ser modelado em forma narrativa – a diferença é que nossa narrativa precisa ser escrita. E assim como os narradores orais e suas fórmulas pré-formatadas, herdadas da tradição, nós também temos as fórmulas tradicionais nas quais apoiamos a estruturação de nossos textos. O próprio subtítulo INTRODUÇÃO exerce em nosso leitor um efeito similar ao “era uma vez...” dos contos de fadas. Ele dispara uma ansiedade, ele prenuncia, engatilha, uma aventura e uma descoberta, um aprendizado e um divertimento, uma jornada e um final, se não feliz, memorável. No momento em que

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escrevemos “Introdução” no canto esquerdo de nossas páginas, nos deixamos interpelar pela responsabilidade agora inescapável de prosseguir.

Gostaria de compartilhar nesse texto algumas reflexões sobre o problema do início da escrita. Talvez se trate apenas de uma forma de compartilhar angústias, mas até mesmo esse ato simples e instintivo pode ser revelador e útil: aquele eremita perdido no deserto da linguagem em silêncio pode agora olhar para o lado e perceber que não está sozinho como imaginava, pois cobertos pelo véu da poeira das palavras, estão todos os outros escritores e escritoras de todos os tempos passados e porvir, sendo assombrados pelos mesmos demônios.

§ 2

Penso que a primeira coisa importante a se pensar sobre a introdução – especialmente as palavras e frases de abertura do texto – é que os aspectos mais importantes são estilísticos, não técnicos nem estruturais. Aquele rapaz da sessão anterior, que queria abordar a jovem bonita na festa, é impossível para ele mostrar o quanto ele é honrado, ou inteligente, ou generoso, ou quaisquer que sejam suas qualidades, em uma conversa rápida de salão. Tudo que ele pode ser é simpático – ele precisa ser tão simpático que a garota sinta vontade de falar com ele um pouco mais, e um pouco mais, e assim, pouco a pouco, ele pode revelar tudo que que ele é e terá a chance de convencê-la do que ele quer.

Essa simpatia é, justamente, o estilo do rapaz. A técnica pode ser útil, mas não é nenhuma garantia de sucesso. Uma pessoa pode ser educada, polida, extremamente refinada, e todo esse refinamento jogar contra ela numa situação como a do rapaz do nosso exemplo. Se ele se aproxima com exagerada formalidade, ela pode acha-lo enfadonho, artificial, até mesmo arrogante. Ás vezes, abrir mão do refinamento pode ser mais produtivo do que lançar mão dele, porque torna a situação mais natural. Mas se o rapaz exagerasse em sua naturalidade, em seu despojamento, a moça poderia acha-lo intrusivo ou grosseiro. O que ela procura no homem que lhe aborde? – Nada além de estilo. E o estilo é a técnica posta em prática de uma maneira elegantemente peculiar.

Nietzsche inicia O Anticristo apresentando o objetivo do livro. Ele poderia escrever alguma coisa parecida com: “O objetivo deste escrito é produzir uma crítica filosófica a respeito da influência da moral cristã sobre a cultura europeia utilizando a filologia como instrumental teórico”. Seria um período muito semelhante a muitos que encontramos entre nossos colegas acadêmicos atualmente. Seria também um período excessivamente técnico, pesado e enfadonho, que tem o poder de provocar em poucos segundos o cansaço de meia hora de leitura. Mas Nietzsche não era adepto do halterofilismo, preferia a leveza ao peso, a beleza à exatidão, era um bailarino das palavras, por isso, preferiu escrever: “Este livro se destina aos homens mais incomuns. Talvez nenhum deles sequer ainda viva. É possível que sejam esses os que compreendem o meu Zaratustra...Como poderia eu misturar-me àqueles para os quais se presta ouvidos atualmente? Só o depois-de-amanhã me pertence. Alguns homens nascem póstumos”.

O conteúdo do livro, sua metodologia, a delimitação do tema – para tudo isso haveria espaço nas centenas de páginas que se seguiriam e que, provavelmente, já estavam escritas. Nietzsche não iria gastar as frases iniciais do seu precioso livro com informações tão monótonas. Ele abriu seu primeiro parágrafo com uma interpelação às inteligências (e talvez às vaidades) de seus leitores: “este livro se destina aos homens mais incomuns”. E encerrou o este mesmo parágrafo com uma das frases de efeito mais brilhantes da filosofia e da literatura modernas: “alguns homens nascem póstumos”. Ou seja, Nietzsche substitui a técnica de redação filosófica pela elegância e criatividade estilística – ele sabia que o que torna o texto

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eficiente é mais a sua capacidade de seduzir do que informar. A informação não está para a eficiência do texto, está para sua importância; o que torna o texto eficiente é a sua beleza, ou seja, a qualidade do seu estilo.

Um estilo depurado não significa, de modo algum, a supressão da técnica. Pelo contrário, ele implica em uma apropriação radical da técnica – o estilo acontece quando o escritor compreendeu a técnica de uma forma tão íntima que se torna capaz de praticá-la como se ela não fosse técnica, mas instinto. Assim como a originalidade não suprime uso de fórmulas prontas, mas pressupõe uma apropriação particular das fórmulas que agradam o escritor – obviamente, ele usará para seduzir aquelas táticas e estratégias pelas quais se sente ele mesmo seduzido. O que nos leva a dois pontos importantes que eu gostaria de discutir como se fossem um só: o recurso a estruturas pré-formatadas como estratégias de escrita e a invenção estilística como tática do escritor.

§ 3

Escrever, como falar, é posicionar-se em uma estrutura, em uma história, em uma ordem que nos é anterior – a estrutura da língua, a história da cultura, a ordem do discurso. O que torna o “começar a escrever” tão angustiante é exatamente o fato de que não se começa a escrever. Ao iniciarmos nossos textos, nós apenas damos continuidade ao discurso que já está sendo enunciado nas camadas profundas de nosso silêncio. Um discurso que, dito ou não-dito, se enuncia e no fluxo do qual nós tomamos posição, nos articulamos e com o qual tensionamos em nossas performances de enunciação. As ferramentas linguísticas que nossa mente dispõe para se comunicar têm correlatos nas mentes daqueles com quem nos comunicamos e é isso o que torna possível a comunicação – o fato de os moldes comunicacionais no emissor e no receptor do discurso serem correspondentes. De partida, percebemos que toda a língua é uma grande estrutura pré-formatada dentro da qual todos nós, comunicantes, estamos inseridos. Pensar a estrutura de um texto qualquer como um molde pré-estabelecido é entender o texto como uma simples ferramenta comunicacional – é entender que toda busca pela originalidade da fala é ingênua quando não ilusória. Por ser estrutural, a língua é estratégica (no sentido de Michel de Certeau), ordenadora, coercitiva. E, por ser estratégica, a língua é eficiente. O texto, para ser eficiente, também precisa ser estratégico – ele precisa ser ordenador, ser um molde que captura a percepção do leitor e o enquadra. A maneira como isso acontece é pelo recurso a estruturas formais consolidadas pela tradição – ou seja, pelas fórmulas, pelos lugares comuns. O narrador oral sabia que para seu conto de fadas ser reconhecido e “lido” como um conto de fadas ele precisava se enquadrar em uma “linha de produção” de contos de fadas, uma estrutura ordenada. A fórmula “Era uma vez em um reino distante” era o primeiro movimento estratégico do texto que o aproximava da tradição e o assimilava a ela, conferindo-lhe a eficácia desejada. Outros elementos estruturais deveriam ser respeitados, por exemplo, a personagem deveria ser ignorante de um importante conhecimento no começo da história e adquirir este saber na jornada que o leva ao final (mesmo que tal aprendizado a conduzisse à morte ou, o que é o mesmo, à transformação).

Mas, se a língua é ordenadora e o texto é ordenador, onde fica a liberdade e a inventividade do escritor e , especialmente, do leitor sem o qual não haveria escritor? Ora, vimos que o estilo é aquilo que confere originalidade ao texto, ou seja, a maneira peculiar como cada autor faz uso da informação herdada da tradição. O timbre particular como ele performa o enunciado subjacente à sua fala. Se a língua/texto é estratégia, o estilo é a tática – o estilo reinventa a ordem e lhe ressignifica. Num texto acadêmico – em que há uma exigência muito mais forte pela objetividade no tratamento das informações fornecidas pelas fontes – a margem de manobra estilística é reduzida e é preciso habilidades muito especiais para se tornar um legítimo estilista mesmo produzindo textos científicos – um Foucault, um Albuquerque Jr. são

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exemplos desse tipo de realização. Talvez seja pelo fato de o texto acadêmico ser tradicionalmente marcado pela secura que a delicadeza e inventividade da introdução seja tão fundamental para esse tipo de escrito. Pois, se o texto já é em si ordenador, o texto acadêmico é ainda mais fortemente marcado por essa tendência ao ordenamento – assim, a leveza da escrita (especialmente no início, quando o jorro de dados e conceitos ainda não ocupou o discurso) torna-se uma ferramenta a favor de quem escreve. Ao mesmo tempo, é na invenção estilística que está, como afirmava Barthes, a possibilidade subverter os sentidos estabelecidos, fazê-los cambalear, duvidar deles e reinventá-los. É possível que tenhamos chegado a um princípio capaz de orientar nossa prática escriturística: é importante recorrer às fórmulas consagradas pela tradição, mas somos nós quem devemos usá-las (uso aqui no sentido de Certeau) e não o contrário. O uso das fórmulas tradicionais nos garante a comunicabilidade e a eficácia do texto; a apropriação estilística nos garante sua eficiência.

§ 4

Podemos parar agora para pensar sobre a introdução dos textos acadêmicos – artigos, monografias, dissertações e teses.

Além de ser o texto de abertura, que exerce a função de seduzir o leitor antes que o escritor tenha todo a chance de convencê-lo com seus argumentos (o que a torna um texto propagandístico), a introdução é também um texto cartográfico. Ela é um mapa que orientará a leitura, percurso do leitor no interior do texto. E, como afirmou Foucault, a respeito dos prefácios, ela é a primeira manifestação do poder do autor de conferir sentido à obra – a introdução procura orientar o leitor na maneira como ele deverá interpretar o material que ele ainda não começou a ler (os capítulos do texto propriamente ditos). Assim, a introdução deve esclarecer os pontos mais importantes que nortearam a escrita e a organização do texto. Mais do que isso: uma vez que o texto acadêmico em Ciências Humanas nada mais é do que o resultado da leitura de uma fonte, a introdução deve informar o leitor quais foram as fontes consultadas e quais os critérios que orientaram a leitura feitas delas feita pelo autor do trabalho.

É possível, de posse desses aportes, começarmos a organizar uma estrutura básica de um texto introdutório de dissertação de mestrado em quatro unidades: 1) Propaganda; 2) Delimitação temática e metodológica; 3) Orientação de leitura das fontes (referencial teórico); 4) Mapeamento do texto a seguir.

Vejamos cada uma destas unidades separadamente:

1. Propaganda Pode ser de apenas um parágrafo, mas pode se estender além. Em sua tese de doutorado, História e Masculinidades, Pedro Vilarinho Castelo Branco, inicia narrando experiências infantis que marcaram sua percepção do mundo e lhe despertaram o olhar para o tema da pesquisa. Edwar de Alencar Castelo Branco inicia sua tese, Todos os Dias de Paupéria, com duas poderosas citações de consagrados autores de literatura atravessados pelo tema da tese – a linguagem bonita e marcante das longas citações não só prende a atenção como excita à leitura. Marc Bloch abre Apologia da História com a frase de seu filho: “papai, então me explica pra que serve a história” (um jeito engraçado e singelo de dizer o objetivo do livro). Hobsbawm inicia A era do capital definindo o período em que se essa palavra apareceu no vocabulário. Todos esses têm uma coisa em comum, eles mostraram seus temas antes de se tornarem temas de pesquisas, quando eram apenas coisas acontecendo na realidade das pessoas. Eles não tentaram definir o trabalho, eles apenas apresentaram percepções cruas, as quais foram refinadas posteriormente no texto. Esse bloco propagandístico de texto pode usar diversas estratégias: a) citação de fontes (cf. o memorável início de

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Vigiar e Punir, com a narrativa detalhada da violenta execução de Demien, copiada inteiramente de seu processo criminal); b) uma narrativa da história da aproximação do pesquisador com o tema ou da evolução do próprio tema (cf. A cultura Popular na Idade Média e no Renasciemento, de M. Bakhtin); um raciocínio sagaz com uma frase de efeito (cf. o começo de O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl); a descrição de uma imagem (Certeau descreve a visão que tem de Nova York do alto do World Trade Center, na abertura de A invenção do Cotidiano). Há dezenas de estratégias possíveis, o importante é se pensar que esse (s) primeiro (s) parágrafo (s) tem o objetivo precípuo de prender a atenção e atiçar a curiosidade.

2. Delimitação temática e metodológica Esse bloco pode ser perfeitamente reaproveitado do projeto da pesquisa – feitas as evidentes atualizações por que passa toda pesquisa em seu percurso. É uma parte mais técnica em que o pesquisador explica o seu objeto de pesquisa, delimita seu espaço, sua temporalidade e o sujeito de sua narrativa. Também aqui, ele apresenta as fontes utilizadas na pesquisa (sem deixar de apontar as fontes das fontes, ou seja, como ele teve acesso às fontes que configurou como seu corpus).

3. Referencial teórico É o bloco de texto em que o autor apresenta os critérios que utilizou para fazer as leituras das fontes. Por exemplo, se ele se valeu de um referencial marxista e adotou o conceito de “ideologia” como chave de leitura das fontes, deve definir a sua compreensão desse conceito, apresentado o (s) teórico (s) que lhe serve de sustentação. Cada um dos conceitos principais deve ser apontado nesse bloco de texto e referenciado. Alguns autores aproveitam esse momento para fazer uma revisão bibliográfica crítica sobre o tema que aborda. Á medida que apresenta outros trabalhos que abordaram o mesmo tema ou temas muito similares, o autor destaca os resultados alcançados por essas pesquisas explicando que referenciais teóricos elas usaram. Então, ele pode fazer análises como: “ tal trabalho utilizou este tipo de fontes e fazendo uso de tal referencial teórico chegou a tal resultado, tal interpretação, enquanto tal trabalho fazendo uso de tais fontes e tais referenciais alcançou estes outros resultados, meu trabalho, valendo destas fontes e destes referenciais aponta para respostas diferentes, que são tais (ou para respostas similares, que são tais). Ainda sobre a questão da revisão bibliográfica, há muitos professores/examinadores que a valorizam muito, porque mostram o nível de erudição do autor do trabalho em questão, outros consideram pouco relevantes, afirmando que não faz sentido reescrever trabalhos que já foram escritos.

4. Mapeamento do texto Nesse bloco de teto são apresentados os objetivos específicos. De um modo geral, são os objetivos específicos que orientam a divisão do texto em capítulos. Cada objetivo específico gera um problema específico, que gera um capitulo da dissertação. Ou seja, cada objetivo específico faz as vezes de objetivo geral de um capítulo e cada capítulo tem o seu próprio problema, subordinado à problemática geral da pesquisa, mas diferente do problema dos demais capítulos da mesma pesquisa. O texto de introdução deve conter uma sinopse de cada capítulo, apresentando preliminarmente: qual o seu objetivo e seu problema, ou seja, qual a pergunta que ele visa responder. Deve apresentar as peculiaridades de cada capítulo – se cada um deles tiver um corpus documental, um conceito teórico, um recorte temporal e/ou espacial exclusivos, cada um dessas aspectos deve ser apontado na Introdução (e também retomado na introdução do próprio capitulo).

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O autor pode escolher dividir a introdução em subtópicos, mas isso não é uma obrigatoriedade. Mesmo os diferentes blocos que foram aqui sugeridos não precisam ser subtitulados.