internet imagens no espaço e tempo

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João Pessoa – Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 155 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X Internet: imagens no espaço e tempo Internet: images in the space and time ENTREVISTA: Marcos Palacios Interview: Marcos Palacios REALIZADA EM 21 DE SETEMBRO DE 2012 TRANSCRITA EM 26 DE OUTUBRO DE 2014 Resumo Entrevista concedida pelo professor Marcos Palacios, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ao Programa Olhar da TV UFPB por ocasião da realização do III Pentálogo, promovido pelo Centro Internacional de Semiótica e Comunicação (CISECO), na cidade de João Pessoa, Paraíba, em setembro de 2012. Tema: “Internet: imagens no espaço e tempo”. A entrevista foi conduzida pelas professoras Emília Barreto e Virgínia Sá Barreto (professora do Programa de Pós-graduação em Jornalismo da UFPB). Transcrição: Profa. Dra. Sandra Regina Moura (PPJ-UFPB). Palavras-chave Internet; Jornalismo digital; Jornalismo móvel; Interatividade. Abstract Interview given by Professor Marcos Palacios, of the Universidade Federal da Bahia (UFBA) to the Olhar Program of the TV UFPB at the completion of CISECO in the city of João Pessoa, Paraíba, in September of 2013. Theme: "Internet: images in space and time". The interview was conducted by teachers Emilia Barreto and Virginia Sá Barreto (teacher PPJ / UFPB). Transcript: Prof. Dr. Sandra Regina Moura (PPJ-UFPB). Keywords Internet; Digital journalism; Mobile journalism; Interactivity. Marcos Palacios JORNALISTA. Doutor em Sociologia pelo Center for Latin- American Studies da University of Liverpool (1979). Atua na área de pesquisa e ensino de Comunicação, com ênfase em Webjornalismo, Jornalismo Comparado e Novas Tecnologias de Comunicação. Criador, juntamente com o Prof. André Lemos (UFBA) do Grupo Ciberpesquisa, pioneiro no Brasil em estudos de Cibercultura (1996); criador juntamente com o Prof. Elias Machado, do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (GJOL), um dos grupos pioneiros no estudo do ciberjornalismo no Brasl (1995). Em 2009 recebeu o Prêmio Adelmo Genro Filho como Pesquisador Senior, outorgado pela SBPJor (Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo). É professor-titular da Universidade Federal da Bahia. Autor e organizador dos livros Modelos de jornalismo digital (2003), Manual de Laboratório de Jornalismo na Internet (2007), Ferramentas para análise de qualidade no Ciberjornalismo (2011), dentre outros.

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  • Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 155 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Internet: imagens no espao e tempo Internet: images in the space and time

    ENTREVISTA: Marcos Palacios

    Interview: Marcos Palacios

    REALIZADA EM 21 DE SETEMBRO DE 2012 TRANSCRITA EM 26 DE OUTUBRO DE 2014

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    Resumo Entrevista concedida pelo professor Marcos Palacios, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) ao Programa Olhar da TV UFPB por ocasio da realizao do III Pentlogo, promovido pelo Centro Internacional de Semitica e Comunicao (CISECO), na cidade de Joo Pessoa, Paraba, em setembro de 2012. Tema: Internet: imagens no espao e tempo. A entrevista foi conduzida pelas professoras Emlia Barreto e Virgnia S Barreto (professora do Programa de Ps-graduao em Jornalismo da UFPB). Transcrio: Profa. Dra. Sandra Regina Moura (PPJ-UFPB).

    Palavras-chave Internet; Jornalismo digital; Jornalismo mvel; Interatividade.

    Abstract Interview given by Professor Marcos Palacios, of the Universidade Federal da Bahia (UFBA) to the Olhar Program of the TV UFPB at the completion of CISECO in the city of Joo Pessoa, Paraba, in September of 2013. Theme: "Internet: images in space and time". The interview was conducted by teachers Emilia Barreto and Virginia S Barreto (teacher PPJ / UFPB). Transcript: Prof. Dr. Sandra Regina Moura (PPJ-UFPB).

    Keywords Internet; Digital journalism; Mobile journalism; Interactivity.

    Marcos Palacios JORNALISTA. Doutor em Sociologia pelo Center for Latin-American Studies da University of Liverpool (1979). Atua na rea de pesquisa e ensino de Comunicao, com nfase em Webjornalismo, Jornalismo Comparado e Novas Tecnologias de Comunicao. Criador, juntamente com o Prof. Andr Lemos (UFBA) do Grupo Ciberpesquisa, pioneiro no Brasil em estudos de Cibercultura (1996); criador juntamente com o Prof. Elias Machado, do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Online (GJOL), um dos grupos pioneiros no estudo do ciberjornalismo no Brasl (1995). Em 2009 recebeu o Prmio Adelmo Genro Filho como Pesquisador Senior, outorgado pela SBPJor (Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo). professor-titular da Universidade Federal da Bahia. Autor e organizador dos livros Modelos de jornalismo digital (2003), Manual de Laboratrio de Jornalismo na Internet (2007), Ferramentas para anlise de qualidade no Ciberjornalismo (2011), dentre outros.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 156

    professor Marcos Palacios esteve em Joo Pessoa, em setembro

    de 2013, entre os convidados do I Colquio Semitica das Mdias,

    promovido pelo CISECO Centro Internacional de Semitica e

    Comunicao. Na ocasio o professor concedeu esta entrevista especial s

    professoras Emlia Barreto e Virgnia S Barreto, gravada para o programa

    Olhar, da TV UFPB. O professor fala sobre sua trajetria acadmica e

    sobre as pesquisas que vem desenvolvendo nas reas de jornalismo

    digital, palataformas mveis e novos recursos de veiculao jornalistca.

    Novas pesquisas em jornalismo digital

    Eu atualmente estou trabalhando em duas reas de preocupao dentro

    do jornalismo digital, que o espao acadmico em que me tenho movido

    nos ltimos vinte anos. Por um lado, tenho me dedicado a questes

    relacionadas aos novos suportes para o jornalismo digital os

    smartphones e os tablets - e seu impacto no ecosistema miditico

    contemporneo. E nesse sentido estou particularmente interessado nas

    potencialidades que se abrem com uma nova caracterstica propiciada por

    esses suportes que a tactilidade.

    Ns temos tradicionalmente pensado o jornalismo na internet em termos

    de caractersticas prprias desse suporte para a prtica jornalstica e para

    o consumo da informao jornalstica: a hipertextualidade, a

    interatividade, a multimidialidade, a instantaneidade, a potencializao da

    memria e a personalizao. Com as novas possibilidades abertas pelos

    dispositivos que servem de suporte para o jornalismo na mobilidade surge

    uma nova caracterstica: a tactilidade. O uso do tctil como um sentido

    humano tremendamente potencializado. claro que poderamos dizer

    que quando usamos o mouse j estamos, de alguma forma, envolvidos

    com a dimenso tctil. Mas nas telas tactis isso se potencializa

    enormemente: utilizamos os dedos, o toque e os diferentes movimentos

    de dedos, para produzir diferentes aes, e no s isso, pois podemos

    tambm pelo tctil receber informao. Podemos ter um feedeback de

    informao a partir do dispositivo. Com o mouse isso no acontece. Na

    tela tctil voc pode, por exemplo, fazer um determinado movimento e

    sentir uma vibrao como resposta a esse movimento. Esta uma das

    reas de reflexo e experimentao na qual tenho trabalhado

    recentemente.

    O

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 157 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    A outra rea que tem me interessado, j de algum tempo, e que foi o

    objeto mais direto de minha participao no evento realizado pelo Centro

    Internacional de Semitica e Comunicao (Ciseco), a questo da

    memria associada ao jornalismo, mais especificamente ao jornalismo nas

    redes de alta velocidade e agora sua prtica nos suportes da mobilidade.

    Tenho produzido reflexes sobre essa relao entre o jornalismo, a

    memria e a Histria.

    Tactlidade, Jornalismo e dispositivos mveis

    O tipo de trabalho que tenho feito sobre a tactilidade no vai pelos

    caminhos da cognio ou das relaes entre a tactilidade e os processos

    psicolgicos ou fisiolgicos da tactilidade. Essas so reas importantes,

    nas quais h muitos trabalhos realizados, mas que fogem minha

    competncia.

    Tenho me direcionado mais para questes prticas ligadas ao jornalismo,

    associando a tactilidade ao design, equacionando os desafios de como

    adaptar a produo jornalstica nas interfaces da mobilidade a essa nova

    potencialidade e dela tirar proveito. E aqui entram tambm em cena as

    ideias de [Marshall] McLuhan, porque o McLuhan diz que o contedo de

    um meio sempre o meio

    anterior. E nesse caso

    tambm isso se verifica. O

    que ns temos em relao

    aos suportes da mobilidade,

    aos smartphones e aos

    tablets, num primeiro

    momento, a transposio

    das formas de fazer do

    jornalismo que j esto

    consolidadas, que j esto

    testadas no jornalismo da

    web. Isso ocorre da mesma

    maneira que nas primeiras

    fases da produo na web, quando foram transpostos para o novo suporte

    os modelos existentes do jornalismo impresso: transpunha-se, fsica e

    metaforicamente, o jornalismo impresso para o jornalismo na web. Agora

    temos um fenmeno semelhante que a transposio da metfora da

    web para o dispositivo mvel. A metfora facilita para o usurio a

    utilizao dos novos dispositivos, ao apresentar o semelhante, o j

    conhecido. E facilita para o produtor que ainda no inventou formas

    O que me tem interessado e ao grupo do Laboratrio de Jornalismo

    Convergente da Universidade Federal da Bahia, ao qual estou

    ligado nesse projeto, como criar uma linguagem prpria dessas

    novas plataformas, desses novos suportes, que no seja

    simplesmente a utilizao transpositiva.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 158

    capazes de explorar cabalmente as novas potencialidades que lhe so

    oferecidas pelos novos suportes.

    O que me tem interessado, e ao grupo do Laboratrio de Jornalismo

    Convergente da Universidade Federal da Bahia, ao qual estou ligado nesse

    projeto, como criar uma linguagem prpria dessas novas plataformas,

    desses novos suportes que no seja simplesmente a utilizao

    transpositiva. At porque a utilizao transpositiva no contempla a

    tactilidade, ou contempla a tactilidade de uma maneira muito primria,

    porque no h o potencial da interao. O que me parece importante

    pensar justamente de que maneira essa tactilidade pode incrementar o

    controle do usurio sobre o produto e isso naturalmente se liga a duas

    caractersticas do jornalismo na web: interatividade, por um lado, e

    personalizao, pelo outro.

    A interatividade afetada,

    no sentido de que a

    tactilidade um elemento

    para acrescer essa

    interatividade, o uso do tctil

    naturalmente expande as

    possibilidades de interao

    entre o usurio e o produto,

    isso bastante claro,

    especialmente quando se

    considera a possibilidade de

    um feedeback tctil. No se

    trata apenas de que eu

    possa fazer mais movimentos e acessar mais facilmente menus, ter uma

    agilidade maior nessa minha interao, mas eu posso, a partir do

    feedeback, ter uma interao nos dois sentidos, quer dizer, eu interajo

    com o dispositivo e recebo uma resposta do dispositivo, uma resposta

    tctil e que me leva a uma outra forma de interao, por exemplo. Isso

    por um lado.

    Por outro lado, no Laboratrio de Jornalismo Convergente ns estamos

    tambm interessados no potencial de costumizao que essa forma de

    interagir traz consigo, o potencial para que a informao seja cada vez

    mais pessoal, mais personalizada. A forma de consumir cada produto pode

    A forma de consumir cada produto

    pode ser ajustada s necessidades

    de cada usurio, aos seus

    interesses. Se me interessa mais

    um determinado tipo de informao

    ou outro determinado tipo de

    informao, eu posso personalizar

    o consumo do produto jornalstico.

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 159 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    ser ajustada s necessidades de cada usurio, aos seus interesses. Se me

    interessa mais um determinado tipo de informao ou outro determinado

    tipo de informao, eu posso personalizar o consumo do produto

    jornalstico. Acredito que a tactilidade incrementa a possibilidade dessa

    personalizao. Em parceria com Rodrigo Cunha, um especialista da rea

    do design, temos nos preocupado em pensar as formas de traduzir essa

    potencialidade em termos de design, em termos de interfaces que

    possibilitem o mximo de aproveitamento da caracterstica e, ao mesmo

    tempo, percebendo que isso se liga fortemente a essas outras duas

    caractersticas [interatividade e personalizao], pr-existentes em

    qualquer suporte web para o jornalismo.

    Jornalismo, Memria e armazenamento de dados

    Outra rea que tenho pesquisado, que tem me interessado no mbito do

    jornalismo de uma maneira geral e do jornalismo digital, nas redes

    telemticas mais particularmente, a questo da relao entre o

    jornalismo, a memria e a Histria.

    Inicialmente eu diria que o

    primeiro mito a ser desfeito

    a ideia que se resume num

    ditado popular que diz: o

    jornal de ontem s serve

    para embrulhar peixe. Isso,

    absolutamente, no

    verdade. Serve tambm para

    embrulhar peixe, certamente,

    mas no serve s para

    embrulhar peixe; embrulhar

    peixe uma nobre funo do

    jornal do dia anterior, mas

    no a nica. O jornal de

    ontem sempre foi uma fonte,

    uma forma de guardar a memria, uma forma de preservar a memria e

    uma fonte para a Histria. Isso sempre ocorreu.

    O jornal impresso registra o cotidiano, a atualidade que imediatamente se

    torna passado, e esse cotidiano registrado e posteriormente resgatado, no

    futuro se torna um elemento de reconstituio do passado e, portanto,

    uma fonte para o historiador, o especialista na interpretao

    Se um poltico se manifesta sobre alguma coisa, o que ele j disse

    antes sobre isso? O que ele disse antes est de acordo com o que

    ele est dizendo hoje, ou est em contradio? So formas de

    recuperao da memria, fazendo a memria dinmica na produo e

    na recepo e possibilitando um jornalismo mais contextualizado,

    que uma marca do jornalismo de qualidade.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 160

    historiogrfica. Claro que o jornalismo enquanto uma fonte da Histria, o

    jornalismo enquanto um reservatrio da memria, demanda uma

    interpretao como todo documento histrico, os documentos histricos

    s existem num processo de interpretao.

    H uma autora norte-americana, Barbie Zelizer, que diz que, de uma certa

    maneira, o jornalismo se constitui no primeiro borrador, um primeiro

    rascunho da Histria, que depois aproveitado pelo historiador. O

    historiador d a esse borrador uma forma mais definitiva atravs do

    mtodo historiogrfico, dos recursos da multiplicidade de fontes a que

    recorre, atravs da juno dessas diferentes fontes e do dilogo que o

    historiador estabelece entre essas diferentes fontes.

    Ento, fica claro que desde os primrdios do jornalismo impresso, essa

    atividade produzia um

    reservatrio de memria. Era

    uma memria de acesso um

    pouco complicado, porque

    para acess-la era necessrio

    ir a uma biblioteca, ao

    arquivo do jornal, ou a uma

    hemeroteca que tivesse

    preservado as colees dos

    jornais. Muitas vezes isso era difcil ou mesmo impossvel porque esse

    material se deteriorava, j no existia mais.

    Com a digitalizao da informao de uma maneira geral, com a

    digitalizao da informao jornalstica de maneira mais particular, esses

    reservatrios de memria se potencializam enormemente. Essa memria

    que era uma memria esttica, escondida, por assim dizer, nesses

    arquivos e nessas hemerotecas, passa a ser uma memria dinmica, no

    sentido de que pode ser utilizada tanto no processo de produo da

    informao quanto no processo de recepo. Por que? Porque o jornalista

    ao trabalhar a informao jornalstica da atualidade, do momento, pode

    imediatamente recorrer aos arquivos que esto digitalizados.

    Naturalmente isso pressupe a digitalizao desses arquivos; nem todos

    os jornais tm os seus arquivos digitalizados hoje em dia, mas isso algo

    que vem acontecendo de maneira crescente. Acho que podemos prever

    que no futuro todos tero os seus arquivos passados digitalizados e os

    O jornal de ontem sempre foi uma

    fonte, uma forma de guardar a

    memria, uma forma de preservar a

    memria e uma fonte para a

    Histria. Isso sempre ocorreu.

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 161 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    seus arquivos de internet preservados. Assim, ao produzir a informao, o

    jornalista pode se socorrer e ilustrar seu texto com a informao j

    acumulada sobre aquele assunto ou assuntos correlacionados; no

    processo de produo jornalstica, a memria acionada e se torna uma

    memria dinmica em contraposio memria esttica que dormia nos

    arquivos de jornais e nas hemerotecas.

    No processo de recepo acontece algo similar: cada vez mais o jornal

    online, o jornal nos suportes novos da mobilidade, aciona a memria. J

    estamos acostumados a encontrar indicaes ao p da notcia do tipo leia

    mais, ou veja tambm, que remetem ao percurso anterior daquela

    informao ou a assuntos correlacionados no passado, remetem, portanto,

    memria jornalstica. Como consumidores podemos agora mais

    facilmente acessar essa informao passada. E o que isso produz? Produz

    uma maior contextualizao do fato jornalstico, o que um elemento

    fundamental para a qualidade do produto jornalstico. O que temos?

    Temos essa transformao de uma memria esttica numa memria mais

    dinmica, e de certa maneira, dado o grau de potencializao, isso

    quase uma ruptura em termos da memria anterior.

    O jornalismo nos suportes anteriores internet tambm usava a memria.

    Estamos acostumados a ver no jornal impresso aquele quadro aquele

    olho no meio da matria, fazendo uma recuperao de memria. Todo

    jornal sempre teve um setor de pesquisa dentro da sua organizao. Eu

    prprio j trabalhei no setor de pesquisa de um jornal, onde fazamos

    justamente isso. Um fato importante ocorria e ns ramos solicitados a

    produzir uma memria desse fato ou de fatos correlacionados; quando

    no havia muito que fazer, escrevamos obiturios de pessoas vivas,

    aquele l est com o p na cova.... A memria naturalmente era

    acionada, mas acionada de uma maneira muito menos frequente e

    habitual.

    A memria era acionada em momentos muito especficos, em momentos

    comemorativos. Era o Dia 7 de Setembro? Ento tinha que entrar um

    quadrinho lembrando as margens do Ipiranga; completava-se o

    aniversrio da morte de algum, ento tinha que ter uma biografiazinha

    para recuperar a memria. Ou ento morreu fulano de tal e ai vai a

    histria completa do monstro ou santo, a depender do posicionamento do

    jornal. A memria s era acionada esporadicamente, como um

    complemento de certo tipo de narrativa jornalstica.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 162

    A memria dinmica do jornalismo online possibilita uma outra utilizao,

    que entretecer o fato da atualidade com essa memria, seja qual for o

    fato. Todo acontecimento de alguma forma tem memria, tem fatos

    correlatos do passado que podem ampliar essa contextualizao, facilitar

    essa contextualizao. Se um poltico se manifesta sobre alguma coisa, o

    que ele j disse antes sobre isso? O que ele disse antes est de acordo

    com o que ele est dizendo hoje ou est em contradio? So formas de

    recuperao da memria fazendo a memria dinmica na produo e na

    recepo e possibilitando um jornalismo mais contextualizado, que uma

    marca do jornalismo de qualidade.

    Eu diria que o jornalismo de qualidade hoje o jornalismo que produz

    contexto. Porque produzir a informao direta e imediata do fato a prpria

    internet, em grande medida, produz, atravs de seus mltiplos

    mecanismos de gerao e circulao de informao. Tivemos na palestra

    do professor Marc Abls, no Ciseco, e numa passagem ele dizia que o

    jornalista j no necessrio como mediador porque a internet produz a

    informao e o jornalista apenas comenta. Discordo, porque acho que

    muito mais do que isso, o jornalista continua tendo uma funo de

    mediao, porque h uma imensa quantidade de informao que tem que

    ser checada, filtrada, que tem que ser hierarquizada e colocada num

    formato especfico que o formato jornalstico.

    H uma diferena entre informao e informao jornalstica, entre

    informao e discurso jornalstico estruturado, entre informao bruta e

    informao hierarquizada, entre

    informao descontextualizada e

    informao contextualizada.

    Contextualizao uma tarefa

    fundamental para o jornalista de

    hoje e para o jornalista do

    futuro, se ns pensarmos em

    termos de produo de um

    jornalismo de qualidade. claro

    que a recuperao da memria,

    da informao passada, um

    poderosssimo elemento na criao dessa contextualizao. Contextualizar

    ligar o que est acontecendo hoje com outras coisas que esto

    acontecendo hoje e que fazem alguma conexo, mas tambm ligar essa

    O jornalista continua tendo uma funo de mediao, porque h uma imensa quantidade de informao que tem que ser checada, filtrada, que tem que ser hierarquizada e colocada num formato especfico que o formato jornalstico.

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 163 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    informao ao que aconteceu ontem, h um ms, h vrios anos. O

    passado tambm produz contexto.

    Marginlias Jornalsticas Contemporneas

    Primeiro gostaria de explicar

    um pouco o que marginlia.

    Entendo marginlia no

    sentido dicionarizado da

    palavra, como anotaes de

    margem. Nada tem a ver com

    marginal no sentido

    pejorativo da palavra, mas

    tem a ver com margem no

    sentido da margem de um

    texto. A marginlia enquanto

    processo de produo textual

    existe desde sempre; no sei

    se podemos ir at a Idade da

    Pedra, mas de repente at na

    Idade da Pedra algum

    escrevia alguma coisa, fazia

    algum sinal e algum ia l e fazia outra anotao, feita por outro autor a

    partir de um signo produzido por um primeiro autor, um comentrio aqui

    seria uma marginlia da Pedra Lascada. Nas pinturas rupestres da Serra

    da Capivara [Piau] h desenhos que foram posteriormente

    complementados por outros autores. Teramos ali exemplos de uma

    marginlia grfica primitiva?

    Pensando em termos mais recentes, os manuscritos eram frequentemente

    anotados. O material usado para os manuscritos, o suporte para a escrita,

    era muito caro, por isso era necessrio utilizar todo o espao disponvel e

    as margens eram largamente usadas para anotaes no s sobre o texto

    do manuscrito, mas algumas vezes at para a produo de outros textos.

    Quando a imprensa inventada e o livro se estabelece, a marginlia

    continua sendo uma prtica, porque at antes da segunda fase da

    revoluo industrial os livros ainda eram caros e cada volume impresso

    tinha uma circulao ampla. Circulavam por grupos de pessoas e, muitas

    vezes, esses grupos se serviam das anotaes de quem havia lido antes,

    como forma de trocar comentrios, trocar impresses sobre aquele texto.

    O que me interessa a relao

    entre memria, Histria e

    jornalismo. Esses comentrios

    podem ser vistos de duas formas.

    Podemos procurar nesses

    comentrios uma forma de

    alargamento da informao

    jornalstica. Os comentrios de

    alguma forma complementam essa

    informao, contradizem essa

    informao, trazem elementos de

    tenso, trazem outras vozes.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 164

    O que estou tentando estabelecer um paralelo entre esse tipo de prtica

    e os comentrios de leitor como uma forma de marginlia ao texto

    jornalstico. H quem diga que os comentrios nos jornais no so

    novidade e sempre existiram na forma mais restrita das cartas do leitor,

    das cartas ao diretor, cartas redao, que so comentrios que os

    leitores faziam e que eram naturalmente filtrados e colocados na edio

    seguinte. No entanto, hoje o que ns temos a possibilidade de um

    comentrio imediato com o jornalismo digital. Essa escrita margem do

    texto principal na forma de comentrios de leitor passa a ter uma

    ocorrncia imediata aps a divulgao do texto. Estou fazendo esse

    paralelo entre a marginlia clssica, a marginlia literria, a que sempre

    existiu, e essa nova forma de marginlia no texto jornalstico que seriam

    os comentrios.

    O que me interessa a relao entre memria, Histria e jornalismo.

    Esses comentrios podem ser vistos de duas formas. Podemos procurar

    neles uma forma de alargamento da informao jornalstica. Os

    comentrios de alguma forma complementam essa informao,

    contradizem essa informao, trazem elementos de tenso, trazem outras

    vozes. O comentrio aparece como elemento de multivocalidade nesse

    jornalismo produzido para web, para o suporte da mobilidade. Por outro

    lado, certos comentrios podem ser verdadeiras prolas como, por

    exemplo, a interveno de um especialista que d uma viso muito

    precisa sobre aquilo que est veiculado na informao, ou a manifestao

    de uma personalidade ilustre, que tem ou vem a adquirir no futuro um

    interesse intrnseco. O New York Times colocou todo o seu arquivo de

    jornais impressos na web e uma das coisas que se pode fazer garimpar

    personalidades que foram publicadas enquanto comentadores, que

    assinaram cartas de leitores, pessoas ilustres, com Einstein ou Mark

    Twain, que frequentaram as pginas do jornal enquanto comentadores de

    notcia. Muitas personalidades podem ser recuperadas a. Isso tambm

    acontece no jornalismo na internet, onde o pesquisador pode pinar certas

    prolas.

    Outra dimenso que me interessa, para alm das possveis prolas, que

    esses comentrios, no futuro, podem tambm servir como um indicador

    de um certo esprito do tempo: o que se comenta ali reproduz um pouco

    qual era o contexto em que aquilo acontecia e quais eram as opinies

    mais recorrentes sobre um determinado assunto. Tambm o nmero de

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 165 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    comentrios pode constituir uma informao valiosa: se uma notcia

    mais comentada, outra menos comentada, o que que isso pode nos

    indicar em termos da situao em que essa recepo se deu naquele

    momento? Esse tipo de produo discursiva, que estou chamando de

    marginlia jornalstica, atravs dos comentrios de leitores pode se

    constituir num outro tipo de reservatrio de memria para utilizao

    futura e em fonte para estudos de atitudes e comportamentos.

    Eu costumo dar o exemplo de um vdeo que foi produzido pela Unio

    Europeia, fazendo uma defesa da economia europeia, na base do apelo

    compre produtos europeus e no compre produtos de outros pases.

    Nesse vdeo havia uma super-herona, que era a Europa, e apareciam trs

    viles, que eram o Brasil, a ndia e a China. O Brasil era o capoerista que

    ia l lutar contra a herona, o chins atacava com uma cortante arma

    chinesa e a ndia era representada por um hindu com poderes mgicos.

    Isso provocou muito mal-estar, muitas crticas, acusaes de racismo e

    etnocentrismo. O vdeo acabou sendo retirado do ar. Encontrei e guardei

    uma notcia sobre a retirada do vdeo, publicada no jornal portugus

    Dirio de Notcias, com muitos comentrios de leitores. muito curioso

    porque ali esto comentrios de brasileiros e portugueses. H muitos

    brasileiros trabalhando, vivendo em Portugal. E h brasileiros vivendo no

    Brasil que lem jornais portugueses. Ento havia muitos comentrios de

    brasileiros e portugueses. Numa verdadeira guerra. Muito daquilo era pura

    troca de insultos.

    Para se apreciar esses comentrios e essa guerra de insultos preciso

    levar em conta o contexto. A troca de farpas est, de certa maneira,

    refletindo o contexto em que a produo e a retirada do vdeo se deram.

    O fato ocorreu num momento em que se estava justamente invertendo

    uma relao que era da movimentao desses brasileiros e desses

    portugueses. Os brasileiros que l esto foram para Portugal h cinco,

    seis, 10 anos atrs, quando havia prosperidade em Portugal, ofereciam-se

    muitas oportunidades, os brasileiros foram para l para usar essas

    oportunidades. Com a crise econmica, isso foi se invertendo: os

    brasileiros foram perdendo os seus empregos l e os portugueses esto se

    movimentando para o lado de c. Sente-se nos comentrios um reflexo

    dessa situao e isso interessante em termos de evidenciar um

    determinado contexto, um determinado momento, as circunstncias

    especficas em que aquela recepo se d e porque a recepo se d

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 166

    daquela forma. Esse um exemplo concreto do interesse que eu tenho

    em relao a esses comentrios, a essa marginlia jornalstica.

    O que digo tambm que esses comentrios, e a classificao que deles

    fazem as empresas de comunicao (notcias mais comentadas, mais

    compartilhadas), tambm evidenciam o que eu chamaria de agenda

    secundria, no secundria no sentido de menos importante, mas sim

    secundria no sentido de que a agenda primria seria a agenda dos mdia,

    o que est sendo agendado pelos mdia. E esses comentrios produzem o

    agendamento da recepo, fornecem pistas de como a agenda primria

    foi recebida. So informaes muito valiosas para a empresa: para que

    lado isso vai? Como retenho e fidelizo minha audincia? Mas so tambm

    valiosas para o jornalista, pois indicam o interesse da audincia, a

    oportunidade de se dar continuidade a um assunto.

    Mas para alm da questo de mensurao de audincia, est tambm a

    questo do esprito de tempo, traduo aproximada da expresso alem

    Zeitgeist. O professor Antonio Fidalgo, da Universidade da Beira Interior,

    que participou da jornada do Ciseco, fez comentrios pertinentes, tem

    reservas ao uso da expresso Zeitgeist porque a expresso tem um

    sentido bem estabelecido na Filosofia. Eu a utilizo de uma forma menos

    rigorosa, com um sentido genrico, do dicionrio: Zeitgeist como esse

    esprito de tempo, uma determinada configurao que independe da

    vontade de cada um, como o conjunto dessas vontades, o conjunto

    dessas manifestaes e da forma como nos manifestamos em

    determinados momentos. Se a proibio do vdeo, que usamos como

    exemplo, tivesse acontecido em um momento anterior, as manifestaes

    seriam de outra ordem. Vejo o Zeitgeist como aquilo que leva os atores,

    coletivamente, a terem um mbito de expresso e no outro mbito de

    expresso; como um delimitador dos caminhos das opinies, um

    demarcador de fronteiras de pensamento e posicionamentos em um

    determinado momento, em determinadas circunstncias. Sempre

    possvel ir contra o Zeitgeist, claro, mas teremos ento um pensamento

    e um posicionamento contra a corrente, a contrapelo, com suas

    consequncias positivas ou negativas.

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 167 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    Interatividade e produo de informao

    Quando falamos de participao do leitor preciso desfazer alguns mitos.

    Em primeiro lugar, essa ideia do cidado reprter. Vamos com calma!

    Uma coisa ser fonte, produzir uma informao factual. Estou em casa e

    cai um avio no terreno do lado e eu filmo isso. uma forma de registro.

    Em seguida, ligo para o jornal e digo: caiu um avio. Isso uma forma

    de produo de informao, de registro, de testemunho. A produo

    jornalstica mais que isso. o registro de um fato dentro de uma

    determinada lgica discursiva e balizado por uma prtica que histrica e

    no essencialista. No existe uma essncia do jornalismo, mas existe

    uma histria do jornalismo e existe o jornalismo na Histria e, portanto,

    esse texto que reconhecido como jornalstico mutvel. Mas mesmo

    sendo mutvel, ele , a cada momento, reconhecido como tal; a cada

    momento histrico h um formato discursivo jornalstico com suas

    especificidades, em contraposio ou complementao a outros formatos

    textuais, discursivos, como por exemplo o formato discursivo jurdico, o

    formato discursivo literrio, o cientfico e por ai afora.

    Quando ns lemos um texto, que est inserido em um determinado

    tempo, somos capazes de dizer: isso um texto jurdico, isso um texto

    literrio, isso um texto jornalstico. Dizer que todos somos jornalistas

    quando colocamos alguma coisa na internet uma bobagem. Somos,

    cada vez mais, produtores de informao, verificveis ou no. Somos

    jornalistas ainda que no tenhamos diplomas de cursos de jornalismo,

    registro de jornalista ou o que seja quando produzimos textos dentro de

    um formato jornalstico e balizado pelos critrios que configuram a prtica

    jornalstica num determinado momento histrico. A, sim, o cidado pode

    ser considerado jornalista, no sentido de que produziu um texto com essas

    caractersticas.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 168

    Quando uma empresa jornalstica se prope a transformar todos os seus

    leitores em jornalistas, devemos tomar isso com muito cuidado. Na

    verdade, o maior interesse da empresa jornalstica a fidelizao do

    leitor, e estou falando do jornalismo das grandes empresas, do chamado

    mainstream. No estou

    falando, claro, do

    jornalismo alternativo, mas

    sim do jornalismo da grande

    mdia. Quando se abre ao

    cidado, com o intuito de

    fideliz-lo como leitor, a

    possibilidade de contribuir na

    produo de informao, os

    resultados so em geral

    risveis. Se vocs tomarem

    uma pgina do chamado

    jornalismo cidado nos

    grandes jornais, o que vamos

    ver um mosaico de

    informaes retrabalhadas

    pela redao, um mosaico de

    informaes totalmente

    descabeladas, desconectadas,

    sem qualquer critrio de

    hierarquia de informao. O

    que chegar serve, o que

    chegar se encaixa. Se eu disser foi atropelado um gato em minha rua, a

    informao publicada. Uma festa familiar que aconteceu, a formatura de

    um grupo de estudantes do ensino fundamental em uma escola da

    periferia da cidade, tudo publicado e com o mesmo destaque do

    atropelamento do gato. Onde esto os critrios de noticiabilidade? Onde

    est a hierarquia da informao? A quem aquele conjunto heterogneo

    pode interessar? Olho pra aquilo e nem consigo me situar ali. Interessa

    para os amigos e famlia daquele que viu o gato atropelado e teve seu

    testemunho publicado no jornal, interessa para os alunos daquela escola

    de periferia e seus familiares. Isso fideliza os leitores, pois eles se sentem

    acolhidos. Busca-se dessa maneira a formao de comunidade, a

    comunidade dos produtores e dos consumidores da informao, vende-se

    A produo jornalstica o registro

    de um fato dentro de uma

    determinada lgica discursiva e

    balizado por uma prtica que

    histrica e no essencialista. No

    existe uma essncia do jornalismo,

    mas existe uma histria do

    jornalismo e existe o jornalismo na

    Histria e, portanto, esse texto que

    reconhecido como jornalstico

    mutvel. Mas mesmo sendo

    mutvel ele , a cada momento,

    reconhecido como tal; a cada

    momento histrico h um formato

    discursivo jornalstico com suas

    especificidades, em contraposio

    ou complementao a outros

    formatos textuais, discursivos (...)

  • Internet: imagens no espao e tempo

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 169 Revista Latino-americana de Jornalismo | ISSN 2359-375X

    a ideia de que ns formamos uma comunidade. Faz sentido? Muito

    pouco enquanto produo jornalstica de qualidade, com interesse pblico,

    critrios claros de noticiabilidade, padres ticos, hierarquia informativa,

    contextualizao, ainda que, eventualmente, peas produzidas pelos

    leitores tenham de fato valor jornalstico e possam at mesmo subir para

    as pginas principais do jornal. Mas faz muito sentido, principalmente,

    quando o objetivo fidelizar a audincia.

    A fidelizao do leitor no jornal impresso sempre se deu pela formao de

    comunidade. Os leitores e assinantes de O Estado de S. Paulo formam

    uma comunidade. O meu pai era leitor e assinante de O Estado de So

    Paulo e passou para mim,

    como que uma herana, o

    hbito de assinar e ler esse

    jornal, ao qual me acostumei

    desde a infncia. Nas redes

    isso mais complicado.

    Porque os contedos se

    tornam muito homogneos.

    Como fidelizo? Como fao

    com que esse leitor volte ao

    meu site e no a outro? Uma

    das maneiras buscar

    fidelizar o leitor criando esse

    sentimento de comunidade e

    acolhendo a sua participao

    dentro dessa comunidade

    no apenas como leitor, mas

    como colaborador, como

    coenuciador, ainda que isso

    acontece apenas em pginas

    especialmente concebidas para tal finalidade, ainda que suas contribuies

    acabem em um gueto noticioso em forma de mosaico.

    Por outro lado, isso se reflete tambm nos comentrios do leitor. Nessa

    modalidade de acolhimento, abre-se tambm a notcia principal para que

    o leitor se expresse. Da mesma maneira que j se abria com as cartas. S

    que agora de uma maneira muito mais potencializada e muito menos

    filtrada. Em geral h pouca censura nos comentrios de leitores e passam

    muitas coisas. Existem filtragens, existe censura no sentido de retirar ou

    Dizer que todos somos jornalistas quando colocamos alguma coisa na internet uma bobagem. Somos, cada vez mais, produtores de informao, verificveis ou no. Somos jornalistas ainda que no tenhamos diplomas de cursos de jornalismo, registro de jornalista ou o que seja quando produzimos textos dentro de um formato jornalstico e balizado pelos critrios que configuram a prtica jornalstica num determinado momento histrico. A, sim, o cidado pode ser considerado jornalista, no sentido de que produziu um texto com essas caractersticas.

  • Marcos PALACIOS ENTREVISTA

    Joo Pessoa Brasil | ANO 1 VOL.1 N.1 | JUL./DEZ. 2014 | p. 155 a 170 170

    impedir a entrada de textos ou expresses que venham a gerar processos

    jurdicos contra a empresa, mas pelo geral os comentrios so publicados

    na ntegra. Por outro lado, se no h muita filtragem, tampouco h

    respostas.

    Os comentrios ficam l, essa marginlia fica por l e eu espero que

    venha a ser til no futuro, para nos ajudar a recuperar a Histria e a

    memria do nosso tempo. Mas no momento presente muito pouco do que

    se comenta respondido por aqueles que abrem esse espao, pelas

    empresas e pelos prprios jornalistas. muito raro que o jornalista leia

    aqueles comentrios e em determinado momento entre ali e responda:

    Olha fulano, voc disse isso, mas na verdade tambm tem isso, eu vi, eu

    afirmo que sim, porque eu entrevistei. verdade que o que voc comenta

    no entrou na matria, mas para compensar eu vou colocar aqui esse

    texto da entrevista com essa outra pessoa, com uma outra verso, etc

    etc. Isso no acontece ou acontece muito raramente na imprensa

    tradicional. Nesse sentido, essa marginlia vale mais como elemento de

    fidelizao no momento presente, mas pode vir a servir como elemento de

    recuperao de memria e de construo da narrativa histrica no futuro.