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INTERFACES DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE: POLÍTICAS DE FORMAÇÃO, ENSINO E APRENDIZAGEM, CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA Amarilia Mathilde da Silva (IFMT, Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva) Edson Gomes Evangelista (IFMT, Campus São Vicente) Filomena Maria de Arruda Monteiro (UFMT, Campus Cuiabá) Rosimeire Montanuci (IFMT, Campus Cuiabá Bela Vista) RESUMO Neste painel constam análises advindas de três dissertações de mestrado apresentadas ao PPGE/UFMT. Pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos, resguardam entre si similitudes. A compreensão da docência como profissão (NÓVOA, 1995), o entendimento de que nos percursos e trajetórias formativas as dimensões políticas, institucionais, profissionais e pessoais se entrelaçam, compondo um continuum (GARCÍA,1999) de desenvolvimento profissional docente, o aporte metodológico com aproximações à Pesquisa Narrativa (CLANDININN e CONNELLY,2005; 2011; PASSEGGI, 2010 ) e a histórias de vida (SOUZA, 2006) são características integradoras dos três estudos. No primeiro artigo são apresentadas análises referentes a dois professores do IFMT. Interessada em compreender como professores de um curso profissionalizante ofertado pelo IFMT, mobilizam saberes para atuarem na prática pedagógica, a pesquisadora conclui que os saberes mobilizados na formação docente não podem ser compreendidos isoladamente. No segundo artigo a autora apresenta análises de processos de ensinar a partir do estudo desenvolvido junto a dois professores da área técnica dos cursos de Tecnologia em Desenvolvimento de Sistema para Internet e Tecnologia em Redes de Computadores no IFMT - Campus Cuiabá, aponta a necessidade de se desenvolver na instituição uma política de formação continuada voltada ao desenvolvimento do conhecimento pedagógico. No terceiro texto, o autor analisa trajetórias pessoais e profissionais de formadores de Língua Portuguesa do CEFAPRO de Cuiabá. Buscou compreender como são interpretadas por formadores, nos respectivos percursos formativos, a política de formação vigente na instituição. Ressalta a necessidade de se inscrever as políticas de formação de formadores de Língua Portuguesa que atuam no CEFPRO de Cuiabá em uma ciência da mediação e acompanhamento. O painel ambiciona a contribuir com o debate acerca da articulação entre políticas de formação continuada, aprendizagens da docência e constituição identitária, dimensões que se entrelaçam no desenvolvimento profissional docente. Palavras-chave: Desenvolvimento profissional docente. Políticas de formação. Constituição identitária. XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 7639 ISSN 2177-336X

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INTERFACES DO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE:

POLÍTICAS DE FORMAÇÃO, ENSINO E APRENDIZAGEM,

CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA

Amarilia Mathilde da Silva (IFMT, Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva)

Edson Gomes Evangelista (IFMT, Campus São Vicente)

Filomena Maria de Arruda Monteiro (UFMT, Campus Cuiabá)

Rosimeire Montanuci (IFMT, Campus Cuiabá Bela Vista)

RESUMO

Neste painel constam análises advindas de três dissertações de mestrado apresentadas ao

PPGE/UFMT. Pesquisas desenvolvidas em diferentes contextos, resguardam entre si

similitudes. A compreensão da docência como profissão (NÓVOA, 1995), o

entendimento de que nos percursos e trajetórias formativas as dimensões políticas,

institucionais, profissionais e pessoais se entrelaçam, compondo um continuum

(GARCÍA,1999) de desenvolvimento profissional docente, o aporte metodológico com

aproximações à Pesquisa Narrativa (CLANDININN e CONNELLY,2005; 2011;

PASSEGGI, 2010 ) e a histórias de vida (SOUZA, 2006) são características

integradoras dos três estudos. No primeiro artigo são apresentadas análises referentes a

dois professores do IFMT. Interessada em compreender como professores de um curso

profissionalizante ofertado pelo IFMT, mobilizam saberes para atuarem na prática

pedagógica, a pesquisadora conclui que os saberes mobilizados na formação docente

não podem ser compreendidos isoladamente. No segundo artigo a autora apresenta

análises de processos de ensinar a partir do estudo desenvolvido junto a dois professores

da área técnica dos cursos de Tecnologia em Desenvolvimento de Sistema para Internet

e Tecnologia em Redes de Computadores no IFMT - Campus Cuiabá, aponta a

necessidade de se desenvolver na instituição uma política de formação continuada

voltada ao desenvolvimento do conhecimento pedagógico. No terceiro texto, o autor

analisa trajetórias pessoais e profissionais de formadores de Língua Portuguesa do

CEFAPRO de Cuiabá. Buscou compreender como são interpretadas por formadores,

nos respectivos percursos formativos, a política de formação vigente na instituição.

Ressalta a necessidade de se inscrever as políticas de formação de formadores de

Língua Portuguesa que atuam no CEFPRO de Cuiabá em uma ciência da mediação e

acompanhamento. O painel ambiciona a contribuir com o debate acerca da articulação

entre políticas de formação continuada, aprendizagens da docência e constituição

identitária, dimensões que se entrelaçam no desenvolvimento profissional docente.

Palavras-chave: Desenvolvimento profissional docente. Políticas de formação.

Constituição identitária.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7639ISSN 2177-336X

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APRENDIZAGEM DOCENTE: COMO OS PROFESSORES DOS CURSOS DE

TECNOLOGIA EM DESENVOLVIMENTO DE SISTEMA PARA INTERNET E

DO CURSO DE REDES DE COMPUTADORES NO IFMT LIDAM COM O

PROCESSO DE ENSINAR

Amarilia Mathilde da Silva

IFMT, Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva

[email protected]

Filomena Arruda Monteiro

UFMT – Universidade Federal de Mato Groso

[email protected]

RESUMO

Este artigo resulta de pesquisa desenvolvida no âmbito do mestrado, PPGE/UFMT,

sobre o processo de ensinar de 2 (dois) professores da área técnica dos cursos de

Tecnologia em Desenvolvimento de Sistema para Internet e do curso de Tecnologia em

Redes de Computadores no IFMT - Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva,

nomeados de P1 e P5. A temática relaciona-se à experiência da pesquisadora, docente

do IFMT – Campus Cuiabá em um contexto em que a instituição passou de Centro de

Educação Tecnológica para Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia.

Processo de transformação que provocou significativas mudanças nas atividades

docentes, uma vez que muitos professores, pertencentes ao quadro de professores de 1º

e 2º graus, passaram a ministrar aulas nos cursos tecnológicos de graduação. Parte-se do

pressuposto de que a aprendizagem docente dos professores de disciplina da área

técnica, sujeitos desta pesquisa, se instaurou ao longo de um percurso que integra as

ideias de trajetória e de formação. Referencia a pesquisa a literatura sobre formação de

professores, conhecimento e aprendizagem da docência: Nóvoa, Garcia, Imbernón,

Shulman, Mizukami, Sácristan e outros. Nesta pesquisa de cunho qualitativo, a coleta

de dados se efetivou por meio de análises documentais, das narrativas escritas, das

observações de sala de aula, da elaboração dos protocolos das observações e das

entrevistas narrativas. Recorreu-se à narrativa escrita, instrumento que possibilita aos

docentes interpretarem os sentidos e significados que produzem e põem em jogo quando

escrevem, leem, refletem e dialogam sobre práticas educativas. A pesquisa aponta para

a necessidade de se implantar na instituição, lócus desta investigação, política de

formação continuada voltada, em especial, para o desenvolvimento do conhecimento

pedagógico, viabilizando, assim, formação crítica, reflexiva e emancipadora, para que

os professores possam ser sujeitos das respectivas práticas.

Palavras-chave: Formação de Professores. Aprendizagem da docência. Educação

Tecnológica.

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A PROFISSÃO PROFESSOR E A CONSTITUIÇÃO DA DOCÊNCIA

A inserção na atividade docente muitas vezes se inicia por meio de diferentes

caminhos e com diferentes histórias, podendo até mesmo não ter sido planejada. Como

no IFMT- Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva, os professores da área técnica,

são, em grande parte, formados na área do bacharelado ou das engenharias, não tiveram

acesso à formação pedagógica, voltada para o desenvolvimento de atividades docentes.

Diante desse quadro, surgiram questionamentos que nortearam esta pesquisa os

quais me encaminharam para a busca do que significa, para os professores de Educação

Profissional Tecnológica, ser professor no IFMT. Como se constitui a trajetória

acadêmica e profissional dos professores investigados? Que conhecimentos e práticas

são utilizados como fontes de aprendizagem para a constituição da docência de

Educação Profissional? No bojo dessas inquietações, emergiu o seguinte problema

central desta pesquisa: como os professores da área técnica dos cursos de Tecnologia

da área de informática do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia de

Mato Grosso - Campus Cuiabá Cel. Octayde Jorge da Silva lidam com o processo

de ensinar?

Para Imbernón (2002), a docência implica uma referência à organização do

trabalho no sistema educativo e à dinâmica externa do mercado de trabalho. Ser

profissional significa dominar uma série de capacidades e habilidades especializadas

que o tornam competente em um determinado trabalho, além de ligá-lo a um grupo

profissional organizado e sujeito a controle.

Hoje, em uma sociedade marcada pelo encurtamento de fronteiras, pela

informação online e pela globalização ou mundialização, o professor não pode se limitar

a ser mero transmissor de um conhecimento acadêmico, ou apenas se voltar para a

transformação do conhecimento comum do aluno em um conhecimento acadêmico. No

atual contexto, faz-se necessário que o professor deixe de atuar como um técnico que

implementa conhecimentos produzidos ou que implementa inovações prescritas, para se

posicionar como um profissional que pensa, elabora e reelabora sua prática, seus

conhecimentos e concebe a educação como um compromisso político, constituído de

valores éticos e morais.

Ensinar é uma atividade complexa que envolve especificidades e formação

profissional além da questão técnica/instrumental. A esse respeito, Nóvoa (1992, p.23)

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assevera que a “profissionalização deve voltar-se para um processo através do qual os

trabalhadores melhoram o seu estatuto, elevam os seus rendimentos e aumentam o seu

poder/autonomia”. Para Nóvoa (1995), é imperativo que os professores adquiram maior

poder político, maior visibilidade social e afirmação social dos seus saberes. Ou seja,

precisam estabelecer processos equilibrados de relacionamento com a comunidade

científica e que sejam construídos lugares de partilha e reflexão coletiva. Nesse sentido,

uma formação docente que entrelace a produção do professor, da profissão docente e da

escola deve ser uma busca constante.

APRENDIZAGEM DA DOCÊNCIA

Segundo Mizukami (2006), o processo de aprender a ensinar e a ser professor é

contínuo, e aprender a ensinar relaciona-se com o entendimento do outro, dos

estudantes, da matéria, da pedagogia, do desenvolvimento do currículo, das estratégias e

técnicas associadas à facilitação da aprendizagem do aluno. Ser professor, portanto,

envolve as características específicas do ensinar.

Os professores lidam, na prática docente, com a base de conhecimento para o

ensino e o processo de raciocínio pedagógico. Os estudos de Shulman (1987) revelam

para que o professor propicie processos de ensinar e de aprender em diferentes áreas de

conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino, ancora-se em uma base do

conhecimento constituída por um corpo de compreensão, conhecimentos, habilidades e

disposições necessárias. Vale destacar que essa base de conhecimento, ainda limitada na

formação inicial, torna-se mais profunda, diversificada e flexível a partir da experiência

profissional refletida e objetivada.

De acordo com Shulman (1987), a base do conhecimento utilizado na docência

se constitui do conhecimento de conteúdo específico referente a conteúdos específicos

da matéria que o professor leciona, conhecimento pedagógico geral correspondente a

conhecimento que transcende uma área específica e o conhecimento pedagógico do

conteúdo. Este último, segundo o autor, é um novo tipo de conhecimento construído

constantemente pelo professor ao ensinar a matéria, enriquecido e melhorado quando se

amalgamam a outros tipos de conhecimentos explicitados na base.

Para compreender a tarefa docente como ato de ensinar, faz-se necessário que o

professor seja considerado profissional assim como ocorre em outras áreas. Para isso, é

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imperativo assegurar aos profissionais docentes domínio da ciência, da técnica e da arte

da profissão que exercem, para que ele seja dotado de competência profissional.

Para dar maior consistência a este estudo, recorri às narrativas como

instrumento de coleta de dados, visando à possibilidade de o professor, ao falar de si,

rememorize fatos que ele considera relevantes. A investigação de como se dá o processo

de ensinar na área técnica dos cursos de tecnologia pesquisados, ancora-se em uma

investigação baseada na perspectiva da abordagem qualitativa, sustentada em Bogdan e

Biklen (1994). Para a escolha dos sujeitos, adotei os seguintes critérios: a) professores

de dedicação exclusiva no IFMT; b) deveriam estar em sala de aula; c) experiência no

magistério e no IFMT numa faixa de 10 a 20 anos.

No recorte proposto neste artigo, destaco os professores P1 e P5, caracterizados

no quadro abaixo, conforme critérios acima apresentados.

Caracterização dos Sujeitos

SUJEITOS IDADE FORMAÇÃO

INICAL PÓS- GRADUAÇÃO TEMPO DE SERVIÇO NO

MAGISTÉRIO NO IFMT

PP1

43 anos

Engenheiro

Elétrico

Mestre em Engenharia Elétrica

pela Universidade Federal de

Uberlândia. 2001

Doutor em Computer

Networks and Distributed

Systems - University of Bern.

2005

Atualmente é post doc -

Purdue University.

15 anos

PP5

34 anos

Bacharel em

Ciências da

Computação

Mestre em Ciências da

Computação pela

Universidade Federal de Santa

Catarina. 2003

Doutora em Física aplicada a

medicina e biologia pela USP

13 anos

Fonte: Gerência de Recursos humanos do IFMT. 2009.

A narrativa escrita foi usada na expectativa de que os professores relatassem o

início de sua atividade como professor, as experiências iniciais construídas na sala de

aula com os alunos, a construção do processo de ser professor e como se definem no

curso tecnológico. Segundo Bauer e Gasckell (2004), as narrativas proporcionam

lembrança de acontecimentos que constroem a vida individual e social do ser humano.

Assim, esse tipo de instrumento de pesquisa tem como ideia básica a ressignificação de

acontecimentos importantes de acordo com a perspectiva do informante.

Neste estudo, optei pela observação das ações pedagógicas no ambiente natural

da sala de aula, por entender que esse instrumento possibilita compreender a sala de

aula com um espaço cultural, onde se constituem significados particulares.

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Para compreender como os professores da área técnica lidam com o processo

de ensinar na educação tecnológica, a interpretação dos dados baseou-se na fala e escrita

dos sujeitos investigados e na observação da dinâmica de sala de aula.

Na análise das entrevistas, emergiu o eixo fontes de aprendizagens e

conhecimentos para a constituição da docência. Como a compreensão das fontes de

aprendizagens profissional da docência e os conhecimentos essenciais para a

constituição da docência são elementos relevantes para o entendimento do aprender a

ensinar e o processo de se tornar professor, o acesso às aprendizagens do docente nos

encaminhou para o desafio de buscar o entendimento da atuação do professor na sala de

aula e para além dela.

A partir do entendimento de que o exercício da docência sofre influências

devido à complexidade e a múltiplas situações, os professores, no decorrer de suas

trajetórias profissionais, vão aprendendo, elaborando e reelaborando sua ação de ensinar

e de ser professor, em consonância com os conhecimentos de naturezas diversas e o

contexto onde ocorre essa ação pedagógica. Vale destacar que a reflexão da prática

possibilita aos professores avançarem na atuação em sala de aula com mais autonomia,

à medida que reelaboram conhecimentos, construindo estilos próprios de ensino, enfim,

compreendendo melhor o seu papel dentro de um projeto educativo. No entanto, não se

pode negar que a rotina do trabalho docente, o distanciamento do conhecimento

produzido sobre o ensino, e, por fim, o isolamento do trabalho em sala de aula podem

produzir práticas cristalizadas, calcadas em estereótipos (MELLO, apud MIZUKAMI,

2002, p. 44)

Para Sacristan (1999), certos conhecimentos específicos são importantes para o

desempenho da atividade docente. Segundo ele, é importante compreender que esses

conhecimentos não se resumem ao conhecimento científico. Assim, a perspectiva

intelectual seria sempre insuficiente na fundamentação da prática.

Consubstanciada por esse entendimento sobre a relação conhecimentos e

desempenho da atividade docente, passo, neste espaço, a fazer análise dos dados

construídos em que os sujeitos investigados relatam sobre fontes de aprendizagens e

conhecimentos a que recorrem para a constituição da docência e sua prática pedagógica.

Na entrevista, PP1 relata que a disciplina Redes sem Fio tem como objetivo

informar, trazer para os alunos informações da atualidade sobre tecnologias de

comunicações sem fio. O professor relata que começo a disciplina falando sobre a

história da comunicação sem fio, das principais tecnologias que foram criadas, desde o

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início até hoje, culminando nas comunicações de telefonia sem fio, por exemplo, que

hoje não é só telefone.

Nesse relato, o professor explica que contextualiza a disciplina numa

perspectiva histórica, apontando as mudanças que ocorreram na comunicação sem fio

em decorrência do surgimento de novas tecnologias. No seu relato, PP1 demonstra

compreender a construção de conhecimento da disciplina específica, confirmando a

ideia postulada por Shulman(1987) de a base de conhecimento a que o professor recorre

para atuar em situações de ensino e aprendizagem se fundamenta em diferentes tipos de

conhecimento, como, por exemplo, o conhecimento de conteúdo específico. Detecta-se

na fala de PP1 que, na organização de suas práticas, ele se apoia no conhecimento de

conteúdo específico.

Sobre o objetivo da disciplina, PP1 diz o objetivo da disciplina é trazer um

panorama para os estudantes do que é, do que são as comunicações sem fio hoje. A

respeito da organização da disciplina, ele relata que sempre segue uma fundamentação

teórica que considera básica, não muda, são coisas, por exemplo, o histórico, quando

começou essas comunicações, quais são as principais tecnologias até então. O

professor diz que complementa o repertório de sua estratégia de ensino com atualidades:

eu sempre peço para eles lerem no mínimo um artigo na área.

Ao preparar as suas aulas, o professor conta que seleciona artigos mais recentes

para ser trabalhado em sala de aula, geralmente em grupo formados por dois alunos.

Como os artigos são, em sua maioria, em inglês, o professor diz que eles [os alunos]

reclamam um pouco (...) dão conta, mas não fica cem por cento, mas eles aprendem.

PP1 narra que, após a leitura dos artigos, os alunos fazem um resumo e os socializam na

turma, por meio de apresentação de slides.

Percebe-se no relato de PP1 que ele demonstra preocupação com aspectos

técnicos da apresentação dos resumos por meio de perguntas e críticas aos slides

elaborados, porém, não se constata, na sua fala, referência à intervenção sobre o

conteúdo específico abordado nessas apresentações. Assim, ele não deixa claro como

exerce sua função pedagógica durante esse processo de ensino e aprendizagem.

No protocolo de observação, consta o registro de que PP1, na aula em que

abordava o conteúdo VHF, perguntou se algum aluno já tinha ouvido falar sobre VHF,

onde estava localizado e como era utilizado. Na entrevista, ele relata que usa essa

estratégia para instigar, para ver o que os alunos já sabem sobre o assunto, para ver se

sai alguma discussão (...) aí eu acho que a pessoa memoriza melhor. PP1 também relata

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que, quando os alunos não sabem, eu peço para eles acessarem a internet e procurar e

às vezes um acha uma definição, outro acha uma definição um pouquinho diferente, um

contesta o outro (...).

Observa-se nesse relato que a prática desenvolvida por PP1 consiste na

tentativa de organizar sua aula tomando por base o conhecimento prévio do aluno. No

meu entendimento, o uso dessa estratégia se deve ao fato de que, nessa turma

observada, havia um aluno formado na área de telecomunicações e inclusive outro que

já trabalhava na área de informática.

Na entrevista, PP1 faz referência a um exemplo de experimento que consiste

em fazer a comunicação usando Bluetooth para transmissão de voz. Ele diz que

normalmente, quando você quer comunicar usando voz, a gente usa a operadora, você

paga para fazer isso, paga uma tarifa. PP1 pondera que os alunos, usando Bluetooth,

fazem um experimento considerado útil numa sala, por exemplo. Numa comunicação

com um colega você pode fazer uma ligação para ele sem precisar pagar nada extra,

porque é uma comunicação próxima.

Como se pode observar, emerge na fala de PP1 uma preocupação em

desenvolver situações práticas. Ele diz que os experimentos são bem práticas, são

simples, bons para a vida profissional dos estudantes. No seu relato, PP1 destaca que,

na educação tecnológica (...), a gente tenta mostrar o aprender fazendo, mostrar como

se faz para eles saberem fazer amanhã ou depois.

Nos relatos de PP1 constata-se a ênfase dada à prática como elemento central

no seu processo de ensinar. Apesar de constatar, durante o período de observação, PP1

procurava relacionar as fundamentações teóricas ao desenvolvimento de situações

práticas, e os exemplos utilizados em sala de aulas reforçavam a ideia do aprender fazer,

priorizando o como fazer.

No relato, PP1 revela que, mesmo diante das dificuldades dos alunos em

compreender a prática, ele não altera seu modo de ensinar. Para ele, a sua função

compreende ensinar o “basicozinho”, voltado para o “como fazer”, e aos alunos

compete “correr atrás”. Essa declaração de PP1 me leva a entender que, nesse

processo, cabe ao aluno aprofundar sobre os conhecimentos teóricos, dessa forma o

professor deixa de exercer sua função docente de tornar ensinável algo a alguém.

Acerca da estratégia de ensino, PP1 fala que o fato de os alunos terem acesso à

internet facilita que ele cobre mais da turma. PP1 considera essa prática interessante,

porque estimula o aluno ir atrás da informação, confrontar com o que você está

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falando. Para PP1, ele [aluno] vê que o que você está falando é realmente coisa bem

atualizada e vê até a importância disso e tento acordá-lo, porque você sabe que a aula

às vezes fica monótona. Então são procedimentos que eu acho interessante.

Sobre o desenvolvimento da prática pedagógica, PP1 fala que eles [os alunos]

têm que fazer, desenvolver alguma atividade usando os conhecimentos que vão

adquirindo e correndo atrás de alguma coisa a mais. Ele afirma que passa o básico e

acho que eles têm que trazer novidade dentro daquilo lá. Ele complementa dizendo que,

em geral, o resultado tem sido bom, eles implementam coisas muito interessantes, às

vezes até eu me surpreendo, às vezes eles têm muita criatividade.

A análise dos dados levantados nos processos de investigação revela que PP1

exerce a docência apoiado na experiência construída ao longo de sua experiência

pessoal e profissional. Os dados apontam ainda que o professor, no desenvolvimento do

processo de ensino-aprendizagem, enfatiza o uso da pesquisa como foco para

transmissão de informações atualizadas, a memorização e o aprender fazer fazendo

como processo de aprendizagem.

No período em que realizei esta pesquisa, PP5 havia retornado recentemente à

instituição, após um período de cinco anos afastada para fazer doutorado na área de

Física. Na entrevista, a professora relatou que, para ela, está tudo muito novo ainda,

essas disciplinas técnicas do curso de Web, principalmente porque cada hora você

deixa em aberto para pegar uma coisa do mercado. Evidencia-se no relato da

professora que, ao retornar do doutorado, deparou-se com mudanças significativas no

currículo do Curso Sistema para Internet. Pressupõe-se da fala de PP5 que essas

mudanças, ditadas pelo mercado, afetam diretamente a disciplina que está ministrando,

possibilitando-me entender que o mercado estabelece o que deve ser ensinado na escola.

A respeito da disciplina, PP5 relata que não conhecia nada. Quando eu saí

daqui, em 2004, esses cursos técnicos aí. Eu acho que a única matéria que eu tinha

dado para esses tecnólogos de internet era o HTML que ainda (...) estava no auge (...)

estava todo mundo ainda começando, há seis anos.

Observa-se, no seu relato, que PP5 está em processo de construção do

conhecimento do conteúdo específico. Como assumiu a disciplina recentemente, sente

dificuldade para desenvolver o conhecimento pedagógico do conteúdo, a fim de torná-lo

ensinável.

Em seu relato, PP5 narra que, antes de sair para o doutorado, havia tido pouco

contato com o curso tecnológico. Além disso, para a professora, a disciplina que

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atualmente ministra ainda é novidade na área de informática, por isso ela ainda está em

processo de aprendizagem dos conteúdos a serem trabalhados. Na entrevista, PP5

afirma que aqui na escola a gente tem essa dificuldade enorme no planejamento.

Como a professora se distanciou da área de Informática, ao retornar do

doutorado e assumir a disciplina Técnica de Dados, exigiu que aprendesse os conteúdos

concomitantemente ao processo de ensinar. Depreende-se desse relato que, embora PP5

esteja no processo de construção do conhecimento do conteúdo específico, se vê

obrigada a ensinar a disciplina, segundo ela, por falta de planejamento.

PP5, na sua fala, cita dificuldade enorme no planejamento institucional, mais

especialmente quanto à criação de novos cursos. Entendo que, para a professora, essa

falta de planejamento interfere diretamente na sua atividade profissional. Uma vez que

precisa estudar os conteúdos da disciplina que lhe foi atribuída ao mesmo tempo em que

tem que ensiná-los, PP5 não tem possibilidades de construir antecipadamente o

conhecimento do conteúdo específico que compõe o curso.

Sobre a organização do trabalho com a disciplina, PP5 afirma que estava

fazendo, como aquelas coisas assim... a toque de caixa, vamos dizer assim. Em seu

relato, PP5 afirma que recorre a seu marido que fez doutorado na área de computação

(...) ele teve essa disciplina (...) Eu estava pegando o material, até o livro que eu estou

usando foi livro que ele precisou comprar.

Após três semanas de observação, PP5 assumiu a disciplina Protocolo de Redes

e Internet. Devido à alteração de horário, passei a observar aulas no mesmo curso,

porém na disciplina Protocolo de Redes e Internet. Na entrevista, PP5 revela que no

começo foi um choque. Assim, às vezes é um choque por que você tem que pegar, você

vai para aquela reunião lá e não tem nada planejado e o professor foi embora, não tem

substituto, e você tem que pegar, porque os alunos não podem ficar sem aula (...)

Constata-se nesse relato de PP5 que na dinâmica de atribuição de aulas não se

considera a possibilidade de o docente não ter domínio do conteúdo específico para

trabalhar a disciplina, pois a prioridade foi assegurar que os alunos não ficassem sem

aulas dessa disciplina, independente das circunstâncias em que seriam ministradas.

No seu relato, PP5 revela que se sente desestimulada em função de problemas

referentes à infraestrutura da escola. Segundo ela, a falta de materiais essenciais para o

desenvolvimento do processo de ensino aprendizagem afeta diretamente o desempenho

das atividades desenvolvidas em sala de aula. PP5, ao afirmar que na escola você mesmo

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tem que se estimular aqui, dar um jeito de você se estimular para ver se consegue

estimular os alunos, revela o quanto os professores sentem-se isolados na instituição.

Acerca do desenvolvimento da disciplina, PP5 relata que discuto com meu

marido (...) acompanhei ele também na USP (...) Vejo os trabalhos dele e mais ou

menos estou jogando num nível um pouco mais baixo, porque lá era pós-graduação.

Estou fazendo assim com os alunos, estou trabalhando dessa forma (...) Eu tenho,

vamos dizer assim, um professor em casa que pode estar me ajudando e eu posso estar

passando para os alunos.

Os dados elaborados nos processos de investigação revelam que PP5 está em

processo de construção do conhecimento do conteúdo específico, em virtude de ter

assumido recentemente as disciplinas já citadas anteriormente. Nesse processo, a

professora recorre ao ambiente familiar, já que o seu esposo também é da área de

informática. Ela alega ainda que problemas de falta de planejamento no âmbito

institucional interferem negativamente na construção do conhecimento do conteúdo

específico a ser utilizado no desempenho da docência e consequentemente ela se vê

obrigada a assumir disciplina mesmo sem ter construído o conhecimento do conteúdo

específico.

A análise dos dados apresentada neste eixo revelou como os professores lidam

com o processo de ensinar na educação profissional tecnológica. No decorrer da

pesquisa, constatei que os professores enfatizam a prática como meio de o aluno

desenvolver conhecimentos necessários para serem aplicados no exercício da profissão.

Ou seja, priorizam uma prática de ensino voltada para o aprender a fazer fazendo.

Percebe-se que, nesse processo, o aluno corre o risco de ficar restrito apenas

reproduzindo conhecimentos já elaborados, algo que parece distanciar-se das

expectativas da educação profissional tecnológica.

A partir dos dados construídos, percebe-se que esses professores têm excessiva

fidelidade a um quadro teórico apoiado na perspectiva tradicional de ensino. Ao agirem

dessa forma, entendo que eles ficam impossibilitados de pensar a formação de seus

alunos de forma mais aberta, de modo a criar condições que propiciem a interação entre

os conhecimentos específicos e as experiências vivenciadas pelos docentes na sua

inserção social enquanto adultos. (GARCIA, 1999).

No processo de construção da aprendizagem do adulto, o professor também

precisa desenvolver-se. Para que esse processo se efetive, é imprescindível a

colaboração entre os pares, a fim de que seja desenvolvida uma prática coerente com o

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7649ISSN 2177-336X

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contexto onde estão inseridos, objetivando a produção de novos saberes teóricos e

experienciais.

Para Stenhouse (1987), citado em Imbernón (2010), o poder de um professor

isolado é limitado. Mas, sem seus esforços, jamais se poderá conseguir a melhoria das

escolas. Nesse sentido, a colaboração é um processo que pode ajudar o professor

entender a complexidade do trabalho educativo e dar respostas mais assertivas a

situações problemática da prática. Segundo Imbernóm (2010), o trabalho colaborativo

entre os professores é uma tentativa que possibilita o desenvolvimento de habilidades

individuais e grupais, de troca e de diálogo, a fim de se conhecerem, compartilharem e

ampliarem as metas de ensino.

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

As fontes de aprendizagens profissionais e os conhecimentos essenciais para a

constituição da docência foram elementos relevantes para que eu pudesse acessar as

aprendizagens empreendidas pelos docentes, a fim de entender a atuação do professor

na sala de aula e para além dela. Os dados construídos revelaram que os professores da

educação profissional tecnológica, no processo de ensino e aprendizagem, recorrem ao

uso da técnica de pesquisa como estratégia de formação para que alunos construam o

conhecimento do conteúdo específico a ser utilizado no desenvolvimento da prática. No

meu entendimento, esses professores recorrem a essa estratégia não por ausência do

conhecimento do conteúdo específico, e sim porque eles não tiveram acesso, no

decorrer da sua trajetória profissional, a uma formação que lhes viabilizasse a

construção do conhecimento pedagógico do conteúdo. Outro fator que não pode ser

desprezado é que a pesquisa permeia, via mestrado ou doutorado, a trajetória

profissional desse grupo de professores.

Os dados evidenciam a ênfase que os professores atribuem à prática como meio

de o aluno desenvolver conhecimentos necessários para serem aplicados no exercício da

profissão. No processo de ensino e aprendizagem, os professores priorizam uma prática

de ensino focada no aprender fazer fazendo e, nesse processo, parece que compete ao

aluno reproduzir conhecimentos específicos já elaborados.

O estudo aponta para a necessidade de implantar no IFMT – Campus Octayde

Jorge da Silva política de formação continuada voltada, em especial, para o

desenvolvimento do conhecimento pedagógico, viabilizando, assim, formação crítica,

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7650ISSN 2177-336X

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reflexiva e emancipadora, para que os professores possam de fato ser sujeitos das

respectivas práticas.

REFERÊNCIAS

BAUER, M. W.; GASKELL, G. Pesquisas qualitative com texto, imagem e som: Um

manual prático. 3. Ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

BOGDAN, Roberto; BIKLEN. Sari. Investigação qualitativa em educação: uma

introdução à teoria aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994.

GARCÍA, Carlos Marcelo. Formação de Professores – Para uma mudança educativa.

Portugal: Porto editora. 1999.

GIMENO, J. S. Consciencia e ação sobre a prática como libertação profissional dos

professores. In: Nóvoa, A. (org.) Profissão Professor. Portugal: Porto Editora, 1999.

IMBERNÓN, Francisco. Formação Continuada de Professores. Porto Alegre: Artmed,

2010.

________ Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza.

São Paulo: Cortez, 2002.

MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Escola e Aprendizagem da docência: Processos

de investigação e formação. São Carlos: EdUFSCar, 2002.

NÓVOA, A. (Org.) Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

_________ O passado e o presente dos professores. In: Nóvoa, A. (org.) Profissão

Professor. Portugal: Porto Editora, 1999.

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7651ISSN 2177-336X

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RESSIGNIFICANDO A DOCÊNCIA: O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO DA

IDENTIDADE PROFISSIONAL DE UM GRUPO DE PROFESSORES DO IFMT

Rosimeire Montanuci

IFMT, Campus Cuiabá Bela Vista

[email protected]

RESUMO

O trabalho aqui apresentado toma como referência o recorte de uma pesquisa de

mestrado que teve como questão principal: Como os Professores de um Curso

profissionalizante ofertado pelo IFMT, na Educação Profissional Técnica de Nível

Médio Integrada mobilizam seus saberes para atuarem na prática pedagógica?

Para os efeitos pretendidos neste artigo, optou-se por abordar uma das questões que

compõem a pesquisa mencionada, qual seja: Que contextos e experiências formativas

vêm contribuindo para as aprendizagens dos saberes docentes na prática pedagógica

(formação inicial/continuada – experiências e aprendizagens pessoais/profissionais –

cursos – socialização – seminários – congressos e outros)? O referencial teórico ancora-

se em autores que discutem aprendizagens da docência, formação de professores,

saberes docentes, profissionalidade e narrativas. Buscamos também literaturas que

trataram da compreensão da Educação Profissional, na Educação Profissional Integrada

ao Ensino Médio. Considerando a literatura utilizada, nos apoiamos em vários teóricos,

sendo os internacionais: Tardif (2000-2002-2005), Garcia (1999), Nóvoa (1995-1997),

Huberman (1995), os nacionais: Mizukami et al. (1996), Borges (2003), Monteiro-

Arruda (2003-2004), Cunha (1997), Souza (2006-2008), Gomes (2004), Machado

(2008). A opção teórico-metodológica que orienta a pesquisa encontra-se nas

abordagens qualitativas de investigação e ganha especificação nos pressupostos da

Pesquisa Narrativa (CLANDININ e CONNELLY, 1995; 2011), como método

investigativo. Os dados foram coletados por meio de questionários e narrativas orais e

escritas. Para fins pretendidos neste artigo são apresentadas análises referentes a 02

(dois) professores do IFMT, sujeitos da pesquisa. Ao analisar os dados mediante as

narrativas dos professores apontamos algumas conclusões: os saberes mobilizados na

formação docente não podem ser compreendidos isoladamente, mas em relação aos

demais saberes constituídos ao longo da trajetória profissional, particularmente, em

relação aos saberes da experiência na prática profissional.

Palavras-chave: Saberes docente; Aprendizagens da docência; Pesquisa Narrativa.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O trabalho ora apresentado constitui-se a partir do recorte de uma pesquisa

realizada no IFMT – Instituto Federal de Mato Grosso”. Trata-se de uma dissertação de

mestrado. A abordagem metodológica se situa no âmbito da pesquisa qualitativa,

ancorada numa aproximação com a perspectiva teórico-metodológico da pesquisa

narrativa (CLANDININ & CONNELLY, 2011), com enfoque nas narrativas como

método de pesquisa.

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7652ISSN 2177-336X

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A pesquisa aqui relatada esta estruturada nas discussões sobre os saberes da

docência de 2 (dois) professores que atuam na Educação Profissional e Tecnológica

(EPT). Tornou-se necessário refletir sobre esse assunto, para tentar compreender o

processo de formação de professores e como eles ressignificam processos na docência

no IFMT – Instituto Federal de Mato Grosso.

Considerando o estado da arte por meio de pesquisas, artigos publicados e

estudos versando sobre formação de professores com foco na educação profissional foi

possível afirmar que durante muito tempo a formação de professores esteve mais

voltada aos cursos de capacitação profissional de cunho teórico, em detrimento a outros

aspectos que também são importantes para a formação docente como: os conhecimentos

do professor adquiridos no contexto social e cultural, da experiência e da prática

pedagógica no cotidiano profissional deste professor.

Nessa perspectiva de conceber a formação de professores , os estudos sobre os

saberes docentes vêm ganhando impulso e emergem no campo das pesquisas, na

tentativa de se identificarem os diferentes saberes implícitos na prática docente. Nessa

situação nuclear, tem-se em vista que [...] é preciso investir positivamente nos saberes

de que o professor é portador, trabalhando-os de um ponto de vista teórico e conceptual

(NÓVOA, 1995, p. 27).

A legitimação desses novos conceitos, entre outros pressupostos, foi

caracterizada pela emergência do movimento de profissionalização do ensino e por suas

consequências relacionadas às questões dos conhecimentos dos professores,

convergindo na busca de um repertório de conhecimentos que valide e garanta a

profissionalização docente, como assevera Raymond e Tardif (2000). Na investigação

de um respaldo científico para compreender e validar as questões aqui postas recorri a

uma ampla pesquisa bibliográfica e leituras sobre saberes docentes e formação

profissional de professores com propósitos de contextualizar a pesquisa.

Nesta trajetória, fiz a opção por uma pesquisa de cunho qualitativo, ancorando-

me em literaturas sobre aprendizagens da docência, formação de professores, saberes

docentes, profissionalidade e narrativas, como estratégia investigativa. Busquei também

literaturas que possibilitaram compreender a Educação Profissional, no contexto da

prática pedagógica do professor que atua na Educação Profissional Técnica Integrada de

Nível Médio. Na pesquisa, interessei-me por conhecer os saberes que os professores

mobilizam para construírem a sua prática pedagógica no contexto do trabalho, bem

como aquilo que facilita ou dificulta esse processo. Segundo teóricos que discutem essa

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7653ISSN 2177-336X

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temática, os saberes mobilizados pelos professores resultam de um conjunto de saberes

constituídos e legitimados pelos professores no decorrer de sua trajetória profissional.

Tardif (2002, p. 39) assevera que estes saberes [...]se caracterizam como a síntese de

várias fontes de saberes provenientes da história de vida individual, da sociedade, da

instituição escolar, dos outros atores educativos, das universidades, etc..

Na pesquisa em pauta interessei-me por compreender as questões relacionadas

aos saberes docentes mobilizados na docência dos professores no IFMT, bem como

reafirmar minhas concepções e teorias sobre as questões relacionadas a esses saberes,

tomando como referência a minha atuação profissional e os saberes que venho

construindo ao longo da minha trajetória profissional, amalgamados aos meus saberes

pessoais tecidos ao longo da minha carreira no magistério, e também por meio de outras

atividades desenvolvidas como docente e/ou como técnica pedagógica no IFMT.

Sensibilizada pelas questões relacionadas à formação de professores, seus

saberes e práticas pedagógicas, aprofundei em leituras, a fim de construir uma postura

reflexiva acerca das minhas ações como professora e técnica na área de educação

profissional.

Neste movimento pedagógico, reconheço que o cotidiano e as práticas da

Educação Profissional, bem como, os alunos inseridos nesse contexto, apontam

caminhos para possíveis descobertas, instigando a investigação. Frente a esta trajetória

pessoal e profissional, mobilizei meus saberes, assumindo a questão principal desta

pesquisa que é investigar Como os Professores de um Curso profissionalizante

ofertado pelo IFMT, na Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada

mobilizam seus saberes para atuarem na prática pedagógica?

Enfim, todo este processo me conduziu a refletir na condição de pesquisadora e

pedagoga do IFMT, responsável pelo acompanhamento das atividades docentes dos

professores em seu ofício e na complexidade que envolve os saberes da docência,

proporcionando os seguintes questionamentos: Como os professores significam seus

saberes da docência na sua atuação? Quais e como são os saberes mobilizados pelos

professores na prática pedagógica. Que contextos e experiências formativas vêm

contribuindo para as aprendizagens dos saberes docentes na prática pedagógica

(formação inicial/continuada – experiências e aprendizagens pessoais/profissionais –

cursos – socialização – seminários – congressos e outros)?

Na perspectiva de alcançar aos objetivos propostos e à questão central da

pesquisa, dialoguei com teóricos que desenvolvem estudos e pesquisas sobre

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7654ISSN 2177-336X

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aprendizagens da docência, formação de professores, saberes docentes,

profissionalidade da docência e narrativas. Ancorei-me também em literaturas que

tratam da compreensão da Educação Profissional, mais precisamente Integrada ao

Ensino Médio. Considerando as literaturas utilizadas, fundamentei-me em vários

teóricos como: Tardif (2000-2002-2005), Nóvoa (1995 – 1997), Marcelo Garcia (1999),

Mizukami et al. (1996), Monteiro-Arruda (2003-2004), Cunha (2003), Souza (2001-

2007). Os teóricos aqui citados e outros apontam novos rumos para aprender a ensinar

na contemporaneidade, com vistas ao futuro, uma vez que vivemos em uma realidade

dinâmica, com exigências inéditas em função do rápido processo de transformações

culturais, econômicas e sociais que culminam e interferem diretamente no contexto

educativo e no processo de saber ser professor.

TECENDO MODOS E SIGNIFICADOS DA CONSTITUIÇÃO DA

IDENTIDADE PROFISSIONAL: o que narram os professores

Começamos o debate apresentando uma tabela sobre os professores

pesquisados. Considerando as limitações de páginas que este artigo exige-se, optamos

por fazer um recorte dos sujeitos de uma pesquisa maior, apenas 02 (dois) professores

que dos que participaram da pesquisa estarão presentes na análise. Primando pela

individualidade e pelo anonimato dos sujeitos que fizeram parte da pesquisa, foi

adotado um pseudônimo com o significado de “Professor da Educação Profissional

Integrada ao Ensino Médio – PEPIEM”, diferenciado um do outro pelos numerais 5 e 6.

Esta medida foi incorporada ao processo da pesquisa pela necessidade de manter o

anonimato dos sujeitos pesquisados.

Tabela I – Caracterização dos Professores Pesquisados

PROFESSORES

PESQUISADOS

IDADE SEXO NATURALIDADE TEMPO DE

SERVIÇO NO

MAGISTÉRIO

TEMPO DE SERVIÇO NO MAGISTÉRIO

NO IFMT PEPIEM/5 38 anos Masculino Cuiabá - MT 10 a 15 10 a 15 PEPIEM/6 56 anos Feminino Poxoréu – MT 20 a 25 10 a 15

Fonte: Dados organizados pelo autor a partir de questionário de caracterização

Avaliando as trajetórias e percursos da docência vividos pelos professores

pesquisados no início das suas carreiras no magistério, valho-me de partes de suas

narrativas e depoimentos para contextualizar as análises nos caminhos percorridos nesta

pesquisa. Com relação à forma como os professores iniciam suas atividades da

docência, é possível afirmar que o processo traz imbricado no seu contexto, a dimensão

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7655ISSN 2177-336X

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pessoal e a profissional, revelando assim os vários elementos que compõem a

constituição da identidade profissional dos professores pesquisados caracterizando ainda

a trajetória da constituição da sua docência.

Nos relatos que seguem afloram desejos e aspirações dos professores

pesquisados no seu processo inicial de docência que, no meu entendimento se

movimenta em uma rede relacional, fazendo parte deste corpo às questões relacionadas

aos: saberes, valores, condutas, emoções, conflitos, frustrações, reconhecimento,

valorização e desvalorização do professor da/na sua profissão.

Assim, neste contexto, elaboro e reelaboro os pontos principais que os

professores relatam a respeito do que é ser professor. Reportando-se ao início da

construção da docência dos professores pesquisados, como uma opção e as possíveis

mudanças ocorridas desde então nas suas trajetórias de formação e aprendizagens

profissionais, ouvi diferentes percursos e experiências desses professores, conforme

fragmentos das entrevistas abaixo:

“Então, eu comecei trabalhando aqui na antiga Escola Técnica, com um curso (...), foi à

primeira vez que eu comecei a dar aula, quando vim de São Paulo. Formei-me em Ciências da

Computação, ai eu morei por oito meses lá. Ai de lá que vim para cá para trabalhar como

substituto [...] e diante disso, (...) eu entrei como substituto no IFMT, dando aula de informática.

Mas só que na época eu não tinha muita experiência, entendeu, eu tinha acabado de formar e

tinha pouca experiência na área de computação, não tinha muita firmeza para trabalhar como

professor entendeu? Na parte pedagógica, não tinha muita noção. A forma como eu dou aula

hoje em dia eu não tinha no início, hoje eu já tenho bem mais firmeza, já consigo entender mais

as dificuldades dos alunos, no início eu não tinha isso, entendeu? Então para min dar aula era

bem difícil”. (PEPIEM/5 )

“Eu comecei no início da década 70 como professora interina, eu ainda estava fazendo o antigo

ginásio, a 8º série na época. Eu fui convidada para dar aula no grupo escolar em Jaciara.

Comecei como professora interina. [...] comecei numa escola da zona urbana na cidade de

Jaciara”. (PEPIEM/6)

Analisando os relatos dos 02 (dois) professores pesquisados, quando revelam

suas opções pela docência, observamos em PEPIEM/5, pelo seu depoimento que o

início na docência se deu na condição do acaso. Recém-formado e com a necessidade de

se firmar como profissional, o IFMT surgiu na sua vida como uma opção de

concretização e realização na sua carreira profissional. Ao mesmo tempo deixa claro na

sua fala as dificuldades que teve no início da sua atividade docente pelo fato de não

possuir conhecimentos profissionais requeridos para a prática pedagógica em sala de

aula. Ele afirma que esta lacuna se fez presente no início da sua carreira profissional em

decorrência de na época não ter experiência na área do conhecimento da didática.

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Segundo ele, tinha acabado de se formar e não possuía segurança para atuar como

professor faltava-lhe, portanto, noção da parte pedagógica, que para ele dificultava sua

atuação como professor. Ele comenta que hoje, mudou muita a sua forma de ministrar

aulas em comparação com o início da sua profissão como professor. Diz compreender

melhor os alunos e ter adquirido mais segurança nas atividades como professor, assim

ele comenta: “[...] no decorrer desses anos que eu trabalhei aqui no IFMT e em outras

faculdades, fui ficando mais seguro no que fazia em sala de aula”. PEPIEM/5;

PEPIEM/6 teve como sua primeira opção profissional a carreira docente, para

os professores a docência nasceu em suas vidas por diferentes motivos, desencadeada

por diferentes possibilidades e interesses.

Buscando ainda legitimar fatos e atos que trouxeram lembranças aos

professores pesquisados com relação as suas trajetórias e percursos do/no processo da

docência, os relatos escritos produzidos por meio de uma narrativa pessoal de cada um

deles, retrata suas histórias de vida no magistério, alguns com mais história a contar e

outros com poucos fatos, mas também não menos importantes. Eles descrevem alguns

trechos que julgo interessante rememorar e que serão pontos de partidas e chegada à

compreensão da ressignificação da prática pedagógica desses professores na construção

da docência.

A respeito do “Ser Professor”, nas palavras abaixo os professores se

evidenciam, ressignificando sua docência num processo continua de constituição da

identidade profissional.

“Vou tentar em poucas linhas expressar uma trajetória de vida profissional que se mistura, em

grandes pontos, com a trajetória de vida pessoal. A minha vida sempre foi sustentada

(literalmente) pelo magistério. Filha de mãe professora convivi, desde a infância com atividades

ligadas à sala de aula. Cadernos, livros, lápis fizeram parte das minhas brincadeiras de criança e,

numa escola rural multisseriada, aprendi, ainda nos primeiros anos de escola, a boniteza do

magistério na figura da minha mãe, a minha primeira professora. Não tinha como fugir no ofício

de educar[...]”. (PEPIEM/6 )

“O início da minha docência foi um período marcado por sentimentos ambíguos. De um lado,

foi caracterizado por uma etapa de angústias, tensões, e inseguranças, por outro, me senti alegre

frente à situação de possuir e estar a frente de uma turma de alunos e pertencer a um grupo de

profissionais tão importantes nesse país. Como todo início de profissão, esses primeiros anos

foram etapas de profundas mudanças e aprendizagens [...]”. (PEPIEM/5 )

Percebemos que PEPIEM/6 traz em seus relatos escritos uma forte influência da

figura de sua mãe que também foi professora influenciando na sua escolha pelo

caminho da docência. Fica bastante evidente para ela o sentimento de realização que

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

7657ISSN 2177-336X

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tem dentro de si por “ser professora”. Estes indícios são sempre presentes em seus

relatos e também o carinho que tem pelo magistério e a tudo que possa lembrá-lo. Esta

gratidão, ela diz ser graças à oportunidade que teve de conviver com o que ele define

como “a boniteza do magistério”.

Ainda PEPIEM/5 relata de forma escrita o sentimento de orgulho de pertença

que tem por fazer parte de um grupo de profissionais tão importantes (o professor) para

o nosso país. Ele também relata que o percurso inicial da sua docência foi marcado por

um misto de sentimentos, de angústias, inseguranças e alegrias por ser e estar professor

e ao mesmo tempo, por saber se a sua escolha era o que levaria a sua realização

profissional.

Estudos que versam sobre a possibilidade de compreender a história de vida e

carreira profissional de uma pessoa, entendem que, apesar dela ser única e singular,

pode ser visualizado também como uma trajetória com pontos fortes e fracos,

principalmente quando estes são encontrados em outras histórias de vida profissional.

Tais pontos podem servir como um exemplo para futuras gerações de professores. Por

essa razão é que procuro fazer uma conexão com as histórias de vidas pessoal e

profissional dos professores pesquisados. Cabe-nos, entretanto, evidenciar que existe

uma "interpenetração de vida pessoal, profissional” e que "os relatos não são lineares

nem simétricos nos diferentes momentos das trajetórias, mas permitem uma visão,

senão global, pelo menos a mais aproximada possível da trajetória de vida”,

(MIZUKAMI, 1996, p. 89).

Via de regra, as análises dos relatos escritos dos professores por meio das

narrativas pessoais, também vem confirmar o que Mizukami (1996) defende com

relação às trajetórias de vida pessoal e profissional. Ainda na intenção de fundamentar

as percepções acerca das trajetórias de vidas pessoais e profissionais dos professores

que fazem parte desta pesquisa, trago Huberman (1995), quando analisa as tendências

gerais do ciclo da vida dos professores como um processo específico na docência,

dividido em fases, referenciado em diversos estudos empíricos.

As motivações para o ingresso na carreira docente dos professores aqui citados

são várias, porém, a fase de entrada, de contato inicial do professor com a sala de aula, é

um tanto homogênea, nos dois ou três primeiros anos de ensino, fatos estes que se

assemelharam ao ingresso e permanência dos professores que fazem parte desta

pesquisa quando narram e relatam os seus percursos profissionais na carreira do

magistério mais particularmente no IFMT.

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7658ISSN 2177-336X

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Huberman (1995) assevera que nessa época dois aspectos são essenciais à

profissão: o da “sobrevivência”, denominada de “choque do real” em que o professor

busca a sua singularidade diante da complexidade da ação profissional e busca a

superação para continuar na carreira, e o da “descoberta”, vivida com entusiasmo inicial

na experimentação de ser e relacionar-se numa situação profissional, a exaltação em ter

a sua sala de aula, os seus alunos. Após esse percurso inicial, às vezes impactante, o

professor passa para a segunda fase: a de adesão ou estabilização. Identificar-se com a

profissão, passar a ser professor, significa pertencer a um corpo profissional. É nessa

fase que se percebe o delineamento mais consistente do processo identitário profissional

do docente. A estabilização precede ligeiramente ou acompanha um sentimento de

„competência pedagógica crescente” (ibd.p.40), despertando no professor a busca por

novos saberes e conhecimentos com apoio dos colegas e da instituição. É uma fase

demarcada pela libertação, autonomia pedagógica, segurança e descontração em seu

trabalho docente.

Ainda analisando a fala dos professores pesquisados com relação a sua atuação

docente e o processo de ingresso desses professores na instituição IFMT, ouvi os

seguintes depoimentos:

“[...] no IFMT eu comecei [...] engraçado, eu entrei no IFMT como telefonista em 1992, eu já

havia concluído, terminado o curso de letras e eu em seguida fui convidada para ser professora

substituta na UFMT e aqui eu era telefonista e no ano seguinte que eu havia tomado posse aqui

como telefonista eu tive a oportunidade de fazer um curso de formação continuada na UFMT

[...]. Nesta época também comecei a fazer uma especialização em linguística. [...]. Eu fiquei um

ano na verdade em desvio de função, porque na verdade eu era telefonista, mas a escola

precisava de uma professora e eles me convidaram. Aí em 1994 houve um concurso para

efetivação, eu fiz o concurso e fui aprovada. No começo meus alunos, sempre gostavam que eu

contasse a minha história para eles em como que eu tinha começado aqui no IFMT”.

(PEPIEM/6)

“[...] Entrei no IFMT em 2005, como substituto [...] e ai como professor efetivo eu entrei em

2007, em julho de 2007”. (PEPIEM/5)

Durante as entrevistas, os professores pesquisados descreveram diferentes

percursos e trajetórias como professores no IFMT, onde foi possível observar que cada

um tem uma história pessoal de vida que acaba por se misturar com a sua vida

profissional e a docência surge como um complemento de realização profissional. Neste

sentido descrevo o pensamento de cada professor pesquisado acerca do que representa a

docência na vida deles.

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7659ISSN 2177-336X

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A constituição do processo da docência do PEPIEM/6 se deu de maneira

bastante peculiar em relação aos demais pesquisados. Ele ingressou na instituição por

meio de um concurso público, porém em um cargo administrativo, na área

administrativa e, através desta posição profissional e por uma circunstância da realidade

da época e ainda por uma condição de necessidade da instituição, foi convidada a ser

professora assumindo assim um desvio de função, ainda que para ela fosse uma

oportunidade de mostrar suas competências e ser reconhecida e vista dentro da

instituição como professora. Seu desejo foi atendido, assumiu então uma sala de aula e

num período próximo teve a oportunidade de realizar um novo concurso no IFMT agora

para a carreira de docente. Ele relata que seus alunos sempre gostam de ouvi-lo falar de

suas experiências e de sua trajetória profissional na Instituição.

O ingresso no IFMT, do PEPIEM/5 se deu como professor substituto e só após

dois anos que prestou concurso e foi efetivado. De acordo com os resultados e análises

desta pesquisa, encontramos semelhanças entre os professores em relação ao percurso

de ingresso destes no IFMT. Primeiro, o fato dos professores terem ingressado por meio

de concurso público.

Os dois professores destacam a importância e a persistência atribuída em

submeter-se a um concurso e o orgulho de terem sido aprovados. Os dados revelam o

interesse motivacional dos professores pesquisados para ingressarem no magistério a

partir das experiências de vida, da valoração positiva atribuída ao “ser professor”, ao

“gostar de estudar” e “gostar de ensinar” (grifos meu). De certa maneira é destacado

pelos professores pesquisados, que ingressar no magistério significou a possibilidade de

realização e sucesso pessoal e profissional.

Portanto, no decorrer da análise dos dados vamos encontrando indícios de que

a docência no início de carreira dos professores no IFMT se fez mediante contextos

semelhantes e ao mesmo tempo diferenciados, acompanhados de diferentes experiências

vividas considerando a realidade de vida pessoal e profissional de cada professor. Neste

sentido, deparamo-nos com uma variedade de motivos que levaram os professores a

escolherem a docência como opção profissional cada um a seu modo e com suas

expectativas diante da profissão escolhida.

REFLEXÕES EM CONSTRUÇÃO

Revelando os dados encontrados a partir das narrativas escritas e orais dos

professores pesquisados, identificamos elementos constituintes das suas identidades

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profissionais docente, onde ficou evidente que o movimento do ir e vir nesta construção

não é algo que pode ser obtido de forma definitiva e acabada, e sim, de maneira

maleável e se constitui ao longo de uma trajetória de (re)construção e/ou

(des)construção permanente, pois a cada espaço e a cada tempo demandam redefinições

na identidade dos professores na instituição IFMT.

Estas concepções estão centradas no núcleo de que podemos chamar de

processo de produção do sujeito, historicamente situado (o professor), ocorrendo em um

determinado contexto social e cultural. Nesta perspectiva de sujeito sociocultural, o

professor vai construindo sua identidade profissional considerando seus inúmeros

referenciais teóricos e experienciais.

Corroborando com Caldeira (2000), e justificando os resultados da pesquisa

ora apresentada quando ele afirma que de um lado, estão à significação social da

profissão docente e as relações com as instituições escolares e de outro, está o

significado que cada professor confere ao seu trabalho docente, o que inclui desde sua

história familiar, sua trajetória escolar e até seus valores, interesses e sentimentos, suas

representações e conhecimentos/saberes, enfim, o sentido que tem em sua vida de “ser

professor”.

No sentido de compreender a constituição da identidade profissional do

professor é indispensável estabelecer um diálogo com a história pessoal de vida passada

e recente, considerar também as mudanças que veem ocorrendo ou poderão ocorrer no

campo da educação e do ensino, pois só se apreende a realidade atual articulando-a com

uma reconstrução teórica.

Relendo as narrativas que se encaminham para a construção da identidade

profissional docente, sob outros olhares, percebemos que esta se constitui na relação

com seus pares, com seus os alunos e família, com a instituição escolar e demais atores.

O contraste nesta relação só é possível quando o professor se depara com o outro e, é

nesta relação pedagógica que tem início, o ensinar e o aprender que são produzidos na

relação entre o aluno e o docente.

Identificamos uma compreensão ampliada dos professores pesquisados como

sujeitos da produção do seu próprio saber, interessados em criar possibilidades para a

construção no processo da sua docência, ressaltando a dimensão peculiar da docência,

aqui caracterizada como o “ato de ensinar”, não numa perspectiva de transmissão de

conhecimentos de forma “mecanicista, tradicional”, mas, sim, de forma criativa,

reflexiva e interativa.

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Completando nossas percepções, os dados levantados mediante as narrativas

dos professores apontaram para algumas conclusões em processo permanente de

reconstruções: os saberes mobilizados na formação docente não podem ser

compreendidos isoladamente, mas em relação aos demais saberes constituídos ao longo

da trajetória profissional, particularmente, em relação aos saberes da experiência na

prática profissional.

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SIGNIFICADOS DE POLÍTICAS DE FORMAÇÃO NOS PERCURSOS

FORMATIVOS: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES-FORMADORES DE

LÍNGUA PORTUGUESA

Soluções para os problemas postos pelos textos políticos serão localizados e

deveria ser esperado que discernissem determinados fins e situações

confusas. Ball

Edson Gomes Evangelista

IFMT, Campus São Vicente

[email protected]

RESUMO

Este texto advém de uma dissertação apresentada ao PPGE/UFMT, Grupo de Estudos e

Pesquisas em Políticas e Formação docente, sob a orientação da professora doutora

Filomena Maria de Arruda Monteiro. A mencionada pesquisa foi delineada em torno

das seguintes questões: como se constituem os percursos formativos e identitários dos

formadores de professores de Língua Portuguesa que atuam no CEFAPRO de Cuiabá-

MT? Como os formadores interpretam, nos respectivos percursos de formação, a

política vigente na instituição? Que políticas de formação são evidenciadas a partir da

análise interpretativa de narrativas feitas por estes profissionais acerca dos percursos

delineados por eles? Que concepções concernentes à formação continuada de

professores podem ser inferidas quando considerada a análise mencionada? A pesquisa

ancorou-se metodologicamente na abordagem qualitativa de Pesquisa em Educação,

com aproximações à Pesquisa Narrativa (SOUZA, 2010; PASSEGGI 2010 e

MONTEIRO, 2003). Está ancorada na compreensão de Formação como

Desenvolvimento Profissional que implica as dimensões: pessoal, organizacional e

contextual (GARCÍA, 1999). Foram perscrutadas trajetórias pessoais e profissionais de

formadores de Língua Portuguesa que atuavam no CEFAPRO de Cuiabá. Buscou-se

compreender como são interpretadas (RICOUER, 2011) pelos formadores, nos

respectivos percursos formativos, a política de formação vigente na instituição. Foram

utilizados como instrumentos de coleta de dados: narrativas orais e escritas, casos de

ensino e situação-problema, produzidos por cinco formadores de professores de Língua

Portuguesa do CEFAPRO de Cuiabá, para os efeitos pretendidos neste artigo são

apresentadas análises referentes a quatro formadores. As análises apontam para a

necessidade de se inscrever as políticas de formação de formadores de Língua

Portuguesa que atuam no CEFPRO de Cuiabá em uma ciência da mediação

(FERRAROTTI, 1988; PASSEGGI, 2010) e do acompanhamento (SOUZA, 2010).

Palavras-Chave: Percursos formativos, Pesquisa narrativa, formadores de professores.

CONSIDERAÇÕES PREAMBULARES

Este artigo resultou de uma dissertação apresentada ao PPGE/UFMT em 2011;

foi delineada com fulcro na Pesquisa Narrativa (SOUZA, 2010; PASSEGGI 2010 e

MONTEIRO, 2003) e está ancorada na compreensão de Formação como

Desenvolvimento Profissional que implica as dimensões: pessoal, organizacional e

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contextual (GARCÍA, 1999). Na pesquisa mencionada buscamos compreender as

trajetórias pessoais e profissionais de formadores de Língua Portuguesa que atuam no

CEFAPRO de Cuiabá, de modo que, foram pesquisados percursos formativos, aspectos

identitários e concepções de política de formação e de formação continuada por meio de

interpretações (RICOUER, 2011), tendo como instrumentos de coleta de dados as

narrativas, casos de ensino e situação-problema, produzidos por cinco formadores de

professores de Língua Portuguesa do CEFAPRO de Cuiabá, os quais foram

denominados no âmbito desta pesquisa pelos pseudônimos: Aurora, Sol, Dia, Mar e

Ocaso. A escolha destes codinomes, resultou de sucessivos ensaios metalingüísticos

voltados à tentativa de construir uma sequencia narrativa sustentada nos pseudônimos

atribuídos aos sujeitos pesquisados. Após laboriosas incursões neste sentido,

elaboramos a partir da organização pautada na coincidência de dois tempos: o tempo

oriundo do movimento de rotação da Terra, do qual advém a passagem do dia e da

noite, e do tempo costumeiramente utilizado para delinear o enredo da narração, uma

sequencia narrativa com ancoragem na ordenação destes nomes fictícios. Tendo

consultado os sujeitos partícipes da pesquisa sobre a concordância em serem, no âmbito

da pesquisa, apresentados pelos pseudônimos mencionados, delineamos desde o modo

como ordenamos a apresentação das narrativas daqueles sujeitos uma sequência que,

fulcrada na passagem do tempo típica na narração, constitui ela própria uma pequena

narrativa, a qual poderia ser metaforizada na história do ser que tendo presenciado a

aurora, contempla o nascer do sol, adentra o dia em um banho de mar e, deleita-se em

contemplá-lo até o por do sol, a chegada do ocaso. Então, a escolha dos nomes fictícios

e o modo, como estes estão organizados, configuraram mais uma narrativa, no escopo

da dissertação de onde advém este texto.

Assim, referendados por interpretações das narrativas elaboradas junto aos

formadores de Língua Portuguesa, pelo conceito de Políticas de Ball (1992) e pela

compreensão da formação como desenvolvimento que engendra concomitantemente as

dimensões pessoais, profissionais e institucional (GARCÍA, 1999), apresentamos aqui

análises referentes a políticas de formação e formação continuada, com vistas a

interpretar os conceitos, inferir os significados e concepções presentes em narrativas dos

mencionados formadores de professores de Língua Portuguesa que atuam e/ou atuavam

no CEFAPRO de Cuiabá, bem como compreender como os mencionados formadores

interpretam, no âmbito dos respectivos percursos formativos a política de formação

vigente na instituição a que venho me referindo.

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QUEM SÃO E O QUE DIZEM OS FORMADORES DO CEFAPRO DE CUIABÁ

SOBRE POLÍTICAS DE FORMAÇÃO DOCENTE?

Cumpre esclarecer que, neste texto, os termos Formador, Professor-formador

ou Formador de Professores, referem-se ao profissional que tendo sido aprovado em

concurso para provimento do cargo de professores da Educação Básica, promovido pela

Secretaria de Estado de Educação, submete-se a um novo processo seletivo, no qual

tendo sido aprovado, passa a atuar na Formação Continuada de Professores nos

CEFAPROs. Aprovado no Seletivo para atuar no Centro de Formação e atualização dos

Profissionais da Educação -CEFAPRO- o professor se insere em uma instituição

vinculada diretamente à Secretaria de Estado de Educação, cujo metier precípuo é

auxiliar no planejamento e consecução das políticas de Formação de Professores em

âmbito estadual. Então, passa a ser denominado Professor-formador, e, lotado no

CEFAPRO, assume funções específicas, no mais das vezes, voltadas a demandas de

formação continuada de professores.

Assim, o trabalho do formador de professores no CEFAPRO engendra

conhecimentos que ultrapassam em muito, as especificidades formativas de cada Área

do Conhecimento, configurando uma atuação em demandas variadas, nas quais as

fronteiras entre as disciplinas são transpostas constantemente.

Possivelmente, este fator contribua para que ao disposto explicitamente no

texto político “mediar as necessidades formativas e as políticas oficiais, fortalecendo e

dinamizando a rede de formação” (MATO GROSSO: Secretaria de Estado de

Educação, 2010, p. 22), surjam múltiplas interpretações, discursivamente enunciadas

pelos formadores ao situarem a compreensão da respectiva ação de formação nos

meandros do CEFAPRO de Cuiabá.

Eu vejo a gente assim muito sem uma direção assim, sabe. E, não sei eu to tendo que... refazer,

repensar qual é o meu papel aqui. Assim, meu papel... qual o nosso papel como formadores aqui né,

porque eu não tenho encontrado espaço pra fazer esse trabalho... porque além de... não sei, as escolas

são muito difíceis sabe, infelizmente o que eu imaginava que ia acontecer....que, eu...assim...talvez eu

tenha... não tenha ainda bem delineado o que significa... ser formador. Eu imaginava que eu aqui...

eu ia ter uma atuação muito... assim mais voltada pra essa questão mesmo de estudar, sabe. De

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estudar e de... fazer formações que proporcionasse ao professor essa...esse arcabouço teórico. (Aurora,

Narrativa oral).

Nesse ínterim, a professora-formadora parece interpretar a política de formação

instituída em âmbito estadual e operacionalizada no Centro de formação desde uma

perspectiva bastante pessoal, ao passo em que parece apresentar certa dubiedade no que

tange à concepção de formação continuada de professores vigente no CEFAPRO de

Cuiabá.

Eu não sei... eu não vejo as nossas formações, as vezes... é assim...gerarem frutos produtivos. Eu não

vejo transformação na prática! Eu to há um no e meio aqui, eu não vejo mudanças nos professores.

Eu não consigo ver! Não consigo...sabe é Sala de Professor, é... assim um encadeamento de idéias

desconexas, de temas que muitas vezes, não contemplam absolutamente nada que seria necessário

para mais... renovação de postura do professor, tá. Então, então assim, eu não sei se eu vou saber

responder. Eu não to conseguindo nem responder a sua pergunta porque eu to...sem saber direito, qual

é a nossa concepção, eu... estou um pouco perdida... (Aurora, Narrativa oral).

A dubiedade conceitual de Aurora quando referida a concepção de formação

continuada vigente institucionalmente, contrasta com a firmeza conceptual quando se

trata da concepção pessoal da formadora acerca do tema: “eu compreendo essa

formação como uma renovação de postura mesmo. [...] fazer essa formação é dar esse

sustentáculo ao professor de perceber que a... o quanto, por exemplo, em relação à

gramática, o quanto a gramática ela está ligada, é intrínseca ao texto” (Narrativa oral). A

perspectiva de formação apresenta por Aurora resguarda, ao que parece, proximidades

conceptuais com os trabalhos de Giroux (1997), para o qual

O conhecimento torna-se importante na medida em que ajuda os seres

humanos a compreenderem não apenas as suposições embutidas em

sua forma e conteúdo, mas também os processos através dos quais ele

é produzido, apropriado e transformado dentro de ambientes sociais e

históricos específicos. (GIROUX, 1997, p. 39)

Para Aurora, atrelado a esta perspectiva em que o conhecimento e a mudança

da prática estão imbricados, está o entendimento de que o enfoque metodológico

dado aos conteúdos em âmbito escolar está ultrapassado, necessitando porquanto, em

termos de formação, de uma profunda inovação dos pressupostos pedagógicos que

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sustentam a educação no Brasil. Assim, no entrecho a seguir a formadora discorre sobre

a necessidade da inovação pedagógica

Um debate que instaure o desequilíbrio de velhos alicerces e que possa assegurar uma reflexão

profunda acerca dos valores passadistas em que repousam a educação brasileira, que insiste em

nortear suas ações por idéias ultrapassadas, impedindo, muitas vezes, de forma reacionária, os

avanços propostos pelas esferas educacionais, sob o equívoco discurso de que “as mudanças sempre são

instituídas de forma autoritária”. (Narrativa escrita)

Já Sol, entrelaça a formação continuada com a formação inicial, segundo esta

professora-formadora “a formação continuada volta pra formação” (Narrativa oral).

Para a formadora, a experiência na docência de sala de aula é importante para a atuação

do professor-formador “eu acho que a falta de experiência de alguns formadores como

professor, em sala de aula, pé „mesmo‟ ali no chão interfere muito né” (Narrativa oral).

A óptica de formação perspectivada por Sol permite traçar alguma similitude com os

estudos de García (1999), nos quais ele pontua no âmbito do desenvolvimento

profissional do professor quatro níveis que vão desde a despreocupação/indiferença até

a orientação e assessoria. Assim, ao longo da trajetória de formação o docente para

perfazer os quatro níveis de desenvolvimento implicar-se-ia em projetos de inovação,

assessorados por outros professores, antes de se tornarem formadores, já numa

dimensão mais vasta desta trajetória profissional. Todavia, a discursividade de Sol

parece voltar-se sobremaneira para a dimensão individual da trajetória profissional e,

nisto se distancia dos postulados de Garcia (1999), para quem

Faz sentido falar-se também de trajectórias grupais de formação, na

medida em que correspondem ao trabalho realizado por um grupo de

professores ao longo de um determinado tempo. [...] Deste modo, os

professores em níveis superiores de desenvolvimento profissional

poderiam assessorar grupos de trabalho de outros professores.

(GARCÍA, 1999, p. 209)

Assim, ao enfocar no âmbito da formação continuada de professores a relação

entre o formador e o professor pautada na confiança e na tutoria que primeiro exerceria

em relação ao segundo, tal como expressa no excerto seguinte;

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é preciso atenção, é preciso que o professor tenha confiança no professor-formador pra que ele...

procure, pra que ele não tenha vergonha, não tenha medo de procurar o professor do CEFAPRO para

orientá-lo. “Eu não sei isso, dá pra você me ensinar isso?” E, não é o que acontece... infelizmente.

Não é o que acontece... Eu pego na mão mesmo e ensino, não sabe vamos aprender eu to aqui pra isso.

Então não vejo nenhum problema em ensinar meu professor a dar aula. Se ele não sabe, se ninguém o

ensinou, vamos ensinar, vamos começar lá de baixo (Narrativa oral)

Sol parece estar sustentada em termos de concepção no que concerne à

formação continuada de professores no paradigma da Racionalidade Prática, pois

O modelo de aprendizagem associado a esta orientação na formação

de professores é a aprendizagem pela experiência e pela observação.

Aprender a ensinar é um processo que se inicia através da observação

dos mestres considerados “bons professores”, durante um período de

tempo prolongado. (GARCÍA, 1999, p. 39)

De modo que, a formadora, ao centrar a necessidade de formação na figura dos

professores que atuam em sala de aula, parece desconsiderar e/ou não incluir em termos

de formação, a necessidade formativa dela própria na condição de formadora de

professores, por vezes, é impossível inferir que ela parece se sustentar em uma

perspectiva na qual a própria não é questionada, como se aprendizagem da docência

fosse uma particularidade dos professores, e, conforme venho enunciando, no âmbito da

formação continuada o formador ao mediar e acompanhar o docente no respectivo

percurso formativo torna-se também ele, um aprendiz, já que toda ação formativa pauta-

se pela interação dialógica, de modo que sejam compartilhados entre aquele que se

forma e o formador, o passo e o pão (PASSEGI, 2006).

Assim, a mencionada formadora parece não circunscrever a própria concepção

de formação continuada no âmbito de um única concepção, posto que ao narrar o modo

como desenvolveria uma formação que objetivasse a implementação das novas

orientações curriculares estaduais, apresenta uma perspectiva centrada na abordagem

tradicional da prática (PEREZ GÓMEZ, 1992), muito embora não negligencie a

interação dialógica com os professores e o debate junto ao equipe do centro de

formação, parece voltar-se para “esta concepção de formação de professores

caracterizada pelo seu tradicionalismo na medida em que favorece um tipo de

aprendizagem passiva”(COHEN e MANION, 1977 apud GARCÍA, 1999, p. 40)

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Bem, em primeiro lugar, independentemente da localidade/ bairro, eu entraria em contato com a

equipe gestora e forneceria o material a ser estudo e pediria que repassasse aos professores para que,

juntos e/ ou individualmente, apreciassem o material antes do encontro no qual faríamos nossas

considerações a respeito do documento.

Quando percebo uma situação que poderá ser de conflito, seja por falta de compreensão do material

em discussão ou por termos opiniões – eu enquanto professora formadora do CEFAPRO de Cuiabá –

adversa, procuro ouvir no primeiro momento e, em seguida peço para apresentem os problemas

encontrados e as possíveis soluções para cada um deles. Só então depois de tudo exposto pelo grupo é

que faria as devidas intervenções, esclarecendo os pontos obscuros apresentados por eles e,

orientando-os a fazerem uma segunda leitura, levando em conta o que havia sido discutido naquele

momento e, proporia novo encontro para retomarmos os temas que geraram as discussões. Por último

abriria para sugestões, as quais traria para a socialização com os demais colegas e equipe gestora do

CEFAPRO. (Narrativa escrita).

entra na parte da formação. Você pode acompanhar os seus colegas professores né. (Narrativa oral)

Para Ocaso, a formação continuada deve ter em conta a especificidade da área

de atuação do professor, sem desconsiderar o espaço onde atua e o aspecto identitário

do ser professor, isto posto em uma perspectiva holística

Nossas formações, na medida do possível deveriam fazer o professor pensar um pouco sobre a sua...eu

sou da área de Linguagem, sobre a sua especificidade. Ter as concepções de Língua Portuguesa claras,

ter claro as concepções de Linguagem, em que concepções ele se insere, como esse professor vê a prática

dele. Sem perder de vista o lugar da sala dele, de ser professor. [...] Se a gente pensa entender o aluno

como um todo, entender o aluno de forma holística, entender o aluno como um ser humano né,

entender o aluno... respeita esse ciclo de formação do aluno né, tem que pensar que esse ciclo de

formação não é só do aluno, tem professores também, tem escola, instituição. (Narrativa oral)

Ao fazerem, nas respectivas narrativas, menção à formação em uma

perspectiva em que os fatores de ordem contextual, institucional e pessoal estão inter-

relacionados, ao que parece no âmbito de uma política de formação que deveria ser

sistemática e abrangente, Mar e Ocaso, de certa maneira se aproximam em termos

conceptuais do conceito de formação suleador deste trabalho, posto que aqui a formação

é compreendida como desenvolvimento profissional e, este último

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implica não só indivíduos, mas essencialmente grupos: os professores

no coletivo, os formadores dos professores, os responsáveis pelas

instituições formadoras e os responsáveis pelas políticas de formação.

(Monteiro, 2006, p. 67)

Mar parece assumir, em alguns aspectos, o princípio enunciado por Monteiro

(2006), pois ao narrar como procederia em uma situação de formação onde deveria

abordar as Novas Orientações Curriculares implantadas no Estado, enfatizou a

importância de firmar parceria com a equipe gestora, construindo o entendimento sobre

a relevância do tema; buscando sensibilizar os envolvidos e entender o nível de

conhecimento dos docentes sobre o assunto, de modo a integrar na formação aspecto

teórico-práticos e metodológicos. Em uma perspectiva pautada na flexibilidade, na

contextualização e na avaliação, donde parece vicejar contextualmente o grupo.

Em primeiro lugar entraria em contato com a equipe gestora da unidade escolar. É de suma

importância que a gestão da escola seja parceira e entenda a importância da formação e das

orientações curriculares. A partir dessa sensibilização, fazer um diagnóstico sobre quais as reais

necessidades de ações formativas para estes professores. Perceber até onde os professores leram e quais

os caminhos que precisam ser percorridos para o entendimento das orientações curriculares.

Após o diagnóstico, fazer o planejamento levando em consideração os aspectos conceituais e os

aspectos metodológicos, ou seja, teoria e prática (oficinas).

Lembrar sempre que o planejamento tem que ser flexível e indicativo;

Que as disciplinas e as áreas se interrelacionam;

Trabalha-se por resolução de problemas em situações contextualizadas;

Aprende-se por meio da observação atenta, da criação e da condução de projetos;

Pratica-se uma avaliação formadora diante de situações reais. (Narrativa escrita)

Atento às transformações no contexto da atuação e da formação docente, Mar

situa o CEFAPRO como uma instituição vinculada ao processo de mudanças ocorridas

no contexto histórico e social em que são demandas novas políticas para a formação

continuada de professores

Mas, as coisas tão mudando, né, o professor hoje, né, a qualidade do ensino hoje ta muito aquém

daquilo que deveria estar né e, um dos responsáveis por isso é o professor né, é a formação do professor

né, é a profissionalidade desse profissional! Da Educação... Então, e, ele tem percebido isso e neste

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caso é... nesse aspecto, o...o Centro de Formação de Mato Grosso, ele vem trabalhando justamente pra

suprir essa necessidade que o professor tem sentido na...na, lá na sala de aula e, e porque que ele tem

sentido isso né, porque há uma cobrança também da sociedade.(Mar, Narrativa oral)

Por outro lado, Ocaso apresenta uma perspectiva que se afasta sensivelmente

daquela apresentada por Mar no que se refere a política de formação presente na

instituição mencionada e, parece mirar nos meandros da concepção de formação vigente

no CEFAPRO de Cuiabá limitações bastante acentuadas, pois estaria desde a ótica deste

formador voltada para uma perspectiva Tecnicista - Racionalidade Técnica (SHÖN,

1988)

O esforço que a gente tem né...quando a gente pensa formação, quando eu digo a gente, eu digo a

Instituição, pensa formação sempre pensa que o professor venha até o CEFAPRO ou vá até...que o

CEFAPRO vai até o professor e dê um curso e que esse curso possa...o professor possa utilizar esse

curso com o aluno né. Como se fosse bem instrumental mesmo né. Então, o aluno...o professor vem

aqui...o professor-aluno né, vem aqui fazer uma...um curso de...é “O Uso do Computador em Sala de

Aula” ou qualquer coisa assim “Gêneros Textuais” e pega esse exemplo que o professor deu aqui e leva

pros alunos dele. Ou seja, pensa-se no sentido de que o professor estude aqui e ele possa repassar lá

pro aluno dele. Eu não sei se é uma questão de concepção né, mas, é...eu...penso...que esse tipo de

formação não auxilia muito. Auxilia de forma imediata porque o professor vem aqui fazer um curso e

sai com uma aula já pronta né, que o formador montou né. [...] Eu penso que isso é tecnicista.

Tecnicista no sentido de que não provoca um processo reflexivo. O professor não se dobra sobre sua

prática, não começa pensar sua prática. E, isso é muito ruim. (Narrativa oral)

A problematização apresentada por Ocaso, no que se refere ao caráter das

formações desenvolvidas no CEFAPRO de Cuiabá, a que ele denomina Tecnicista “Eu

penso que isso é tecnicista, tecnicista no sentido de que não provoca um processo

reflexivo, o professor não se dobra sobre sua prática, não começa pensar sua prática”,

parece confirmar a necessidade já anunciada de que é preciso repensar a política de

formação continuada vigente nesta instituição, pois a partir do conceito de formação tal

como compreendido neste trabalho desenvolvimento profissional, (GARCIA, 1999) e

do entendimento de que pairam nos meandros educacionais e formativos, políticas

(BALL, 1992), às quais todos os profissionais da educação precisam entender e situar

seu respectivo desenvolvimento profissional e ação educativa, parece infactível a

aceitação de que, no âmbito da formação continuada, seja concebida uma perspectiva

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7672ISSN 2177-336X

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em que todos os envolvidos não estejam comprometidos com uma reflexão constante,

sistemática e conjuntural acerca do contexto onde atuam.

CONSIDERAÇÕES

As políticas de formação vigente no CEFAPRO de Cuiabá, a julgar pelas

narrativas destes formadores, são interpretadas desde um prisma singular e

multifacetado. Assim, parece possível depreender que ocorre na mencionada instituição

a interpretação destas políticas (BALL, 1992), desde uma perspectiva bastante pessoal,

pautada nas crenças e nos conhecimentos de cada formador. Desta maneira, estes

formadores parecem situar o texto político a partir do modo como este interfere na ação

deles, como formadores. Assim, é possível inferir que não concebem as políticas de

formação continuada em uma perspectiva que engendre diferentes contextos, nos quais

se instaura uma discursividade perene, pautada no devir infindo de idéias,

interpretações, práticas, movimento.

É possível, portanto, dizer que as análises, aqui apresentadas apontam para a

necessidade de que a política de formação continuada vigente no CEFAPRO de Cuiabá

seja ressignificada a partir do desenvolvimento de uma nova concepção de formação

continuada, capaz de açambarcar toda a complexidade que envolve as trajetórias de

formação, a identidade dos formadores, o desenvolvimento profissional e os contextos.

Nos meandros desta nova concepção político-epistemológica de formação é preciso

considerar que aos limites do texto político, soluções precisam ser encontradas e, isto

requer dos formadores de professores o entendimento de como se processam tais

políticas, bem como uma mobilização capaz de aglutinar em torno da concepção de

formação como desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional, uma atuação no

sentido de compreender que a formação se estende ao longo da vida e que mescla

aspectos pessoais, coletivos e organizacionais.

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