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INTERATIVIDADE, AMBIENTES VIRTUAIS DE APRENDIZAGEM E

ENSINO INOVADOR: RELATOS DE SUCESSOS E DESAFIOS DE UMA

IES PARANAENSE

KUCHARSKI, Marcus Vinicius Santos1 – PUCPR [email protected]

Área temática: Educere – Comunicação e Tecnologia

Resumo Este artigo traz considerações acerca dos percalços e sucessos na implementação de uma proposta inovadora de ensino e aprendizagem com NTIC realizada ao longo dos dois últimos anos por uma IES privada paranaense. Situadas numa região limítrofe entre os estudos de Comunicação e Tecnologia e aqueles de Profissionalização Docente e Formação, as três pesquisas que geraram a presente comunicação – duas das quais ainda inéditas – partiram do pressuposto de que o trabalho educativo não-presencial, especialmente mediado em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), justifica-se pela proposta metodológica da interatividade, da aprendizagem colaborativa, da co-autoria, ou seja, do âmbito das propostas do paradigma da complexidade na Educação (BEHRENS, 2006). A partir dos indicadores de interatividade pedagógica apontados por Marco Silva ([s.d.] e 2004), da delimitação de interatividade feita por Andrew Lippman (1998) e da explicitação dos pressupostos teórico-metodológicos construcionistas subjacentes à arquitetura do AVA TelEduc feita por Heloísa Rocha, Jane Oeiras e outros (2001 e 2002), o artigo apresenta as conclusões iniciais de pesquisas realizadas na citada IES desde 2006/2 durante o processo de inserção de disciplinas semipresenciais em seus cursos de graduação dentro do preconizado pela Portaria Ministerial 4.059 de 10/12/2004. Os resultados das investigações comprovam a tendência de aplicar ao trabalho com mediação de AVA os pressupostos metodológicos típicos do ensino tradicional e a precedência da adoção de um discurso tecnológico-progressista em relação à apropriação efetiva de competências e habilidades de ensino inovador com mediação tecnológica. Há duas opções de reação comum às constatações desse tipo: contentar-se com a superficialidade ou capitular ao percebê-la, ambas dois erros fatais aos projetos bem-intencionados de se implementar uma nova forma de educar. No que tange à IES pesquisada, nenhuma das duas ocorreu, predominando um esforço de recriação do processo de formação docente para atuação realmente inovadora à distância. Palavras-chave: Educação à distância; Ambientes virtuais de aprendizagem; Interatividade; Formação docente

1 Licenciado em Letras (PUCPR, 1996), Especialista em Língua Portuguesa e em Literatura Brasileira (PUCPR, 1999), Mestre em Educação – Formação de Professores e Pensamento Educacional Brasileiro (PUCPR, 2004), Doutorando em Educação – Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores (PUCPR), Coordenador de Educação à Distância da Universidade Tuiuti do Paraná.

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Interatividade: um conceito que pede esclarecimento

A afirmação acima não pretende dizer que interatividade não seja um conceito

definido; implica, na verdade, que esteja pluralmente definido – por diversos pesquisadores,

nos mais diversos sentidos, de acordo com o sabor dos objetivos. Interatividade e interação,

por exemplo, constantemente se confundem na literatura técnica e, com a mesma freqüência,

se lhes defende uma separação radical. Portanto, seria uma inocência prejudicial trabalhar o

termo sem delimitá-lo novamente pelo nosso entendimento de que interatividade é diferente,

sim, de interação.

Interação, no âmbito deste trabalho, define-se, grosso modo, como a atividade possível

a um sujeito quando tem liberdade de escolher itens, conteúdos, seqüências de apresentação

ao “dialogar” diretamente com a interface de um programa computacional. Linearmente ou

não, opções são apresentadas ao sujeito que, de acordo com seus objetivos, escolhe “a e não

b” ou “a e b” e depois “c” até que o resultado final que tinha em mente seja alcançado:

imprimir um extrato de sua conta corrente, definir data e hora corretos para programar a

gravação de um programa televisivo, realizar compras pela Internet, “driblar” todo o menu de

opções de seu TeleBanco até conseguir conversar com um atendente humano, acertar

programações automáticas de altura de banco e posições de retrovisores de seu automóvel

último tipo. Compreendemos interação, portanto, como um relacionamento homem/máquina

em que tudo ocorre em função apenas dos objetivos do primeiro, que comanda as reações do

segundo dentro das possibilidades que este lhe oferta. Desta forma, falamos de uma relação

unidirecional.

Subentende-se, então, a diferenciação de interatividade. Andrew Lippman,

pesquisador do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dá contornos claros ao assunto,

ao dizer: “Em vez de trabalhar com a idéia de relacionamento entre homens e máquinas,

considere pessoas com pessoas” (LIPPMAN, 1998, p.16). Esta contribuição de Lippman

delimita a compreensão de interatividade que adotamos neste texto: a atividade realizada

simultaneamente ou não por pelo menos duas pessoas que compartilham ao menos um

objetivo comum que as põe em contato e ação para encontrarem soluções adequadas ao(s)

seu(s) objetivo(s) com mediação tecnológica. Para a interatividade, o instrumental tecnológico

e suas potencialidades têm valor coadjuvante, e não principal, como ocorre no sentido de

interação, exposto anteriormente. Marco Silva reforça essa noção ao definir interatividade

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como “(...) a comunicação que se faz entre emissão e recepção entendida como co-criação da

mensagem.” (SILVA, 2004, p.97) Mais adiante, afirma:

Trata-se, portanto, de mudança paradigmática na teoria e pragmática comunicacionais. A mensagem só toma todo o seu significado sob a intervenção do receptor que se torna, de certa maneira, criador. Enfim, a mensagem que agora pode ser recomposta, reorganizada, modificada em permanência sob o impacto das intervenções do receptor dos ditames do sistema, perde seu estatuto de mensagem emitida. (Idem, p.99)

A interatividade é um processo bidirecional, humano e que tem nas novas tecnologias

de informação e comunicação (NTIC), por mais modernas que sejam, instrumental de apoio.

Dessa forma, renegamos toda banalização do termo tão comum hoje em dia, especialmente no

âmbito da publicidade, e toda disposição contrária na literatura técnica.

A educação à distância (EAD) brasileira e os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA)

O crescimento da EAD no Brasil, especialmente após a Lei 9.394/96 (BRASIL, 1996)

que lhe abriu as portas da Educação Superior, é um fenômeno tão relevante numericamente

que não pode ser ignorado. Temos centenas de milhares de alunos matriculados em pouco

mais de cem instituições credenciadas para ofertar cursos de graduação e pós-graduação à

distância, e os modelos pedagógico-metodológicos que essas instituições adotam variam

muito: desde ofertas tecnicamente presenciais, em que os alunos se encontram para assistir

teleaulas, estudar e realizar avaliações semanalmente até cursos em que a maior parte do

conteúdo é trabalhada efetivamente à distância e os encontros presenciais reduzem-se a um

final de semana ao mês, sendo toda comunicação entre professores e alunos realizada, no

entremeio, em AVA.

Entender a EAD mediada pelas NTIC como expressão do paradigma da complexidade

na Educação, com tudo que isso implica pedagógica e metodologicamente, de forma especial

na revisão dos papéis docente e discente no processo de construção e validação coletivas do

conhecimento (BEHRENS, 2006), exige que dispensemos atenção concentrada aos caminhos

para os quais migra a interatividade nos cursos cuja matriz metodológico-tecnológica prevê

maior distanciamento físico entre seus atores2.

Sendo a NTIC mais valiosa para a construção de espaços virtuais a serem partilhados 2 Atores é utilizado, aqui, no sentido da Lingüística Pragmática, ou seja, de pessoas que efetivamente agem discursivamente num contexto de acordo com seus objetivos comuns, sem que isso implique engessamento de funções ou possibilidades criativas, como a metáfora primeira – e errônea – de um texto fechado de teatro poderia elicitar.

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por estudantes de cursos à distância, a Internet tem-se disseminado como a primeira opção no

design da maioria desses cursos, e os AVA têm sido opção primordial para dar guarida a todo

processo de interatividade que deve ocorrer no espaço de tempo entre um e outro encontro

presenciais.

Como coleção de ferramentas de comunicação mais ou menos complexas e de fácil

acesso e implementação, os AVA são ambientes agregadores fundamentais para a lógica da

EAD digital. Entretanto, seus usuários por vezes desconhecem a lógica subjacente à

arquitetura específica de cada AVA – tipo, funcionalidade e forma de apresentação de cada

ferramenta do ambiente – e, ainda menos, os pressupostos pedagógico-metodológicos

orientadores da própria concepção do AVA que utilizam. Claro que isso prejudica a

potencialidade do trabalho a ser realizado, mas, ainda assim, intuitivamente, por ensaio e erro,

professores e alunos conseguem desenvolver algum tipo de trabalho pedagógico coerente com

o ambiente e suas ferramentas. Foi justamente a ressignificação da arquitetura geral e das

ferramentas particulares do AVA TelEduc por professores que atuaram com ele quase

intuitivamente que pudemos pesquisar em 2007.

O TelEduc: sua proposta metodológica subjacente e coleção de ferramentas

O TelEduc é um AVA de utilização gratuita (open source) que vem sendo

desenvolvido pelo Núcleo de Informática Aplicada à Educação (NIED) da Unicamp desde

1997 numa perspectiva de construção contextualizada do conhecimento (ROCHA, 2002,

p.198). A arquitetura específica do TelEduc tem sido pensada, desde o início, para servir a

uma abordagem colaborativa e construtiva do conhecimento em EAD, “(...) apoiando-se em

estudos e pesquisas a respeito do processo construcionista de formação de professores, que

enfatiza entre outros aspectos, o conhecimento contextualizado (...).” (ROCHA, OEIRAS,

FREIRE e ROMANI, 2001, p.3) A opção metodológica que tem permeado todo o

desenvolvimento deste AVA tem sido, portanto, de valorização da interatividade, da

construção partilhada do conhecimento.

Sua coleção de ferramentas, que permitem trabalho síncrono ou assíncrono entre os

atores do grupo de estudos, foi dimensionada a partir da importância central dada à ferramenta

Atividades (pois uma atividade, um problema a ser resolvido coletivamente, é o ponto de

partida da abordagem metodológica privilegiada). A partir de uma atividade, podem-se

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utilizar basicamente três grupos de ferramentas (ROCHA, 2002, p.201-2)3: ferramentas de

coordenação (Agenda, Dinâmica do Curso, Estrutura do Ambiente, Leituras, Material de

Apoio, Exercícios, Avaliações, Parada Obrigatória e a própria ferramenta Atividades), de

comunicação (Correio, Bate-Papo, Fóruns de Discussão, Mural, Portfólio, Diário de Bordo e

Perfil) e de administração (coleção de funcionalidades que, nas versões mais atuais do

TelEduc, ganharam uma área específica bem mais completa que permite ao professor

formador controlar todos os aspectos principais de gerenciamento do AVA).

Relato de experiência com o TelEduc na implementação de disciplinas semipresenciais

em cursos de graduação: ainda a prevalência do tradicional

Entre as centenas de instituições que utilizam o TelEduc como ambiente de apoio à

EAD, há uma IES privada no Paraná cuja experiência formal envolvendo o sistema pudemos

acompanhar e pesquisar no período de 2006/2 a 2007/2, e apresentamos aqui um resumo do

que foi essa experiência preliminar e seus resultados pela manifestação dos docentes

envolvidos.

No momento em que a IES em questão decidiu implementar experiências formais de

ensino semipresencial em seus cursos de graduação reconhecidos, apoiada pela Portaria

Ministerial 4.059/04 (BRASIL, 2004), já havia a determinação de que o processo começasse

pela formação inicial dos professores a serem envolvidos para utilização do AVA escolhido.

Convocaram-se os professores que assumiriam turmas no projeto experimental para que

participassem de um curso semipresencial de 20h de duração para se tornarem familiarizados

com a operação básica do TelEduc. Esta convocação ocorreu cerca de quinze dias antes do

início do período letivo (2006/2), não permitindo, pelo fator tempo, que essa formação inicial

fosse muito aprofundada. O “calcanhar de Aquiles” da proposta, que se tornaria mais claro

após o início das atividades formais com os alunos da graduação, foi justamente não ter

havido tempo para ultrapassar o aspecto técnico de utilização do AVA; no curso, não se tocou

em especificidades de planejamento, metodologia de trabalho, fundamentação pedagógica

para EAD e funções diferenciadas de um professor formador em relação àquelas do professor

3 As categorias apontadas no texto de Heloísa Rocha continuam sendo as mesmas pelas quais podemos analisar a distribuição das ferramentas mais atuais do TelEduc, mas a enumeração de ferramentas por nós apresentada já inclui funcionalidades típicas das versões mais atuais, ainda não presentes naquelas vigentes quando da autoria do texto.

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na sala de aula presencial. Era necessário garantir, naquele primeiro momento, que os

professores soubessem o mínimo necessário para operar as funções mais importantes do

ambiente: upload e download de arquivos e uso de ferramentas de comunicação uni e

bidirecional com os alunos, além de gerenciar inscrições e acessos à sala. O desenvolvimento

metodológico necessário para atuar em EAD mediada pela Web foi, então, legado à

descoberta empírica de cada professor.

Logo após o início das atividades, a equipe gerencial de EAD daquela IES passou a ser

“inundada” por questionamentos que advinham da simples inabilidade para operar o AVA

fluentemente (por exemplo: pedidos de que membros da equipe fossem explicar aos alunos,

em laboratório, como operar as ferramentas mais simples do sistema) e, especialmente, de

dúvidas metodológicas práticas quanto à proposta (como atribuir presença ou falta para

atividades semipresenciais? Deve-se levar em consideração, avaliativamente, o número de

acessos ao ambiente? É possível evitar plágios de trabalhos no ambiente? etc.). A busca

constante pela equipe por parte de professores e alunos e a recorrência das dúvidas

metodológicas deixava clara a necessidade de um espaço aberto de discussões e

aprimoramento das capacidades docentes para o trabalho.

Em 2007/1, durante a semana pedagógica da IES, criou-se um espaço para que a

equipe gerencial de EAD pudesse debater com os professores suas principais dúvidas e

angústias sobre a primeira fase da experiência e, simultaneamente, apresentar-lhes algumas

propostas de solução às questões mais recorrentes, na tentativa de agir preventiva e

“curativamente” num mesmo espaço. Reuniram-se cinqüenta docentes envolvidos na primeira

fase da experiência para uma hora e meia de conferência com a equipe de EAD para esta

atividade. Em direção oposta ao esforço, houve novamente o pouco tempo disponibilizado

para a atividade e, também, a sobreposição desta, no calendário da semana, à atividade de

formação inicial para o AVA de mais quarenta professores que naquele momento se uniam à

proposta da semipresencialidade; em suma: avançava-se um pouco com quem já participara

da primeira fase e preparavam-se professores para a tarefa no mesmo formato pelo qual se

formara o primeiro grupo – para as mesmas dificuldades pelas quais aquele passara, o que se

confirmou durante o semestre letivo, ampliando o leque de necessidades pedagógicas com as

quais o grupo gerencial de EAD precisou lidar no período. Estava patente a necessidade de

outro espaço de discussão, mais amplo, e de novos caminhos para a formação e

acompanhamento pedagógico dos professores da IES.

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Como resposta às necessidades apontadas, realizou-se, em setembro de 2007, o I

Fórum Interno [IES] de Educação com Novas Tecnologias. Pela proposta, convidaram-se

docentes, coordenadores de cursos e demais profissionais envolvidos na implementação da

semipresencialidade na IES (representantes administrativos, de tecnologia da informação e

alguns discentes que realizavam monitorias em disciplinas semipresenciais) para que os

rumos do trabalho pudessem ser discutidos e replanejados.

Dos trinta participantes efetivos, apenas metade eram docentes. Buscando justificar a

pouca participação docente, foram posteriormente apresentadas à equipe de EAD razões que

variavam de compromissos profissionais anteriormente assumidos, a data de realização do

Fórum (um sábado, durante o dia todo) e o fato de a atividade não ser remunerada. Ainda

assim, qualitativamente, o encontro se provou útil, tendo sido palco de depoimentos e debates

sobre as possibilidades e limites do processo de implementação da EAD na instituição.

No que tocava exclusivamente à apreciação do AVA utilizado na IES, o TelEduc, foi

aplicado um questionário com 36 questões subdivididas em cinco grupos, em que estavam

assim distribuídas: sobre a facilidade ou não do uso do sistema (5); sobre a assiduidade da

presença do professor na sala virtual (2); sobre a utilização de cada ferramenta do sistema

(17); sobre possibilidades pedagógicas do sistema (7); sobre a facilitação, pelo sistema, da

gestão do material de estudo da turma (5). Para cada uma das asserções, o respondente daria

uma nota de 1 a 4, sendo 4 a mais alta, ou marcaria NO (não-observado) para aquelas sobre as

quais não se sentisse à vontade para responder. Essas subdivisões funcionariam como

categorias e subcategorias a priori para a posterior análise interpretativa dos resultados,

dentro de uma das propostas de trabalho de análise do conteúdo citadas por Laurence Bardin

(1995).

Dez dos quinze docentes presentes foram selecionados para responder ao questionário,

dando-se a preferência para aqueles que já houvessem utilizado o sistema por mais de um

semestre, o que imediatamente denotava terem participado do primeiro grupo formador e,

posteriormente, recebido atualizações sobre as possibilidades pedagógicas do sistema.

Considerando-se somente as ocorrências que apresentaram no mínimo 7 (sete)

respondentes dando nota 3 (muito bom) ou 4 (ótimo) ao item avaliado, eis o que os

professores disseram:

� Quanto à facilidade de operação, o sistema é descomplicado, não apresentando

qualquer dificuldade para quem domine habilidades básicas de computação

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doméstica (criar, anexar e baixar arquivos, enviar e receber e-mails, participar

em fóruns de discussão e salas de bate-papo).

� Em termos de assiduidade, os professores afirmaram o costume de acessar o

ambiente ao menos 3 (três) vezes por semana, atualizar a agenda e verificar o

trabalho realizado e postado pelos alunos.

� As ferramentas mais freqüentemente utilizadas da arquitetura foram o Correio,

os Portfólios, a Agenda, o espaço para indicação de Leituras, o espaço para

indicação de Atividades e o espaço para postagem de Material de Apoio.

� O AVA possibilita ao docente, com facilidade, atualizar conteúdos no sistema,

construir atividades didático-pedagógicas com clareza dos passos a seguir e

dos objetivos a serem buscados, o acompanhamento discente do que se dispõe

nos materiais de apoio e leituras indicadas e maior coerência nos critérios de

correção das atividades solicitadas.

� Em relação à gestão do ensino, os professores percebem que o AVA lhes

confere recursos suficientes para que se possam postar materiais de uso na

disciplina, potencializa a aprendizagem dos alunos a partir das atividades

solicitadas e lhes anima a elaborar outras atividades a serem realizadas com

apoio de um ambiente virtual.

Analisando mais detidamente o que os docentes consideraram positivo sobre o uso do

AVA, chama especialmente nossa atenção o fato de as ferramentas mais utilizadas refletirem,

em sua maioria, unidirecionalidade pedagógica; com exceção do Correio, as outras

ferramentas melhor avaliadas são tipicamente espaços para postagem e recolha de materiais,

indicação de atividades e disponibilização de resultados, ou seja, repositórios de materiais

úteis à realização de atividades previamente acordadas e que têm no professor um

centralizador tanto no momento do design quanto no acompanhamento e valoração de todo o

trabalho discente.

Coerentemente, ainda que na direção oposta dos princípios norteadores do

desenvolvimento do TelEduc, as ferramentas que receberam avaliação menos positiva dos

professores foram, em sua maioria, as desenvolvidas para propiciar interatividade e

pessoalidade na execução da atividade proposta: Mural, Fóruns de Discussão, Bate-Papo,

Grupos e Perfil. Reflexo da transposição para a EAD de metodologias escolares tradicionais, a

escolha nega alguns princípios fundamentais da interatividade apontados por Marco Silva

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(2004): (re)construção coletiva do conhecimento, mudança paradigmática da transmissão-

recepção para a interatividade (p.97-8), a construção do sentido da informação sob a

intervenção do receptor (p.99), a utilização dos elementos da arquitetura dos AVA para

promoção da bidirecionalidade no processo por meio de agregações, reconstruções e novas

relações (p.102). Nega, também, o que Heloísa Rocha e Jane Oeiras definiam como princípio

metodológico importante para o desenvolvimento e utilização do TelEduc ao afirmarem que

em

(...) um ambiente de curso a distância, as pessoas podem estabelecer relações, em parte, através da interação4 que ocorre pelas ferramentas de comunicação. Dentre as disponíveis, geralmente são usados programas de bate-papo, correio eletrônico, listas de discussão e os fóruns. (ROCHA e OEIRAS, 2001, p.2)

Inicialmente, a baixa avaliação também dada às ferramentas Avaliação e Exercícios

pareceu uma incongruência em relação à tendência mais tradicional percebida. Entretanto, o

fato de ambas as ferramentas terem sido adições relativamente recentes ao AVA, e para cujo

uso os professores não tivessem ainda recebido formação específica, derruba a impressão de

incoerência.

A sensação de tradicionalidade mascarada de inovação foi, posteriormente,

comprovada por estudo exploratório realizado por Ademir Santos e Dinamara Machado

(2008). Acessando mais de duzentas salas virtuais com atividades finalizadas entre 2006/2 e

2007/2 naquela IES, a análise dos procedimentos pedagógicos utilizados pelos professores

demonstrou clara transposição de elementos tradicionais do ensino presencial para os

ambientes virtuais: a centralidade do professor na concepção, controle e avaliação das

atividades; a solicitação de atividades de ciclo fechado (ou seja, de resultado possível único,

sem exigência de interatividade criativa); a prevalência de atividades desenvolvidas

individualmente; a freqüente utilização das atividades a serem realizadas fora do cenário da

IES para compensar a impossibilidade da presença do professor em determinadas datas

previamente definidas etc. Quem efetivamente sofreu as piores conseqüências dessa lacuna

entre os objetivos mais amplos do projeto inovador e sua realização prática, nos momentos

iniciais, foi justamente a intenção de promover a interatividade no processo educativo. As

exceções virtuosas remontam a menos de 10% (dez por cento) dos ambientes pesquisados e,

em sua maioria, foram possíveis por terem sido organizadas por professores com experiência

4 Ainda que utilizem a terminologia “interação”, as autoras, que são pesquisadoras envolvidas há muito tempo no desenvolvimento do AVA TelEduc, sempre remetem metodologicamente a situações de interatividade conforme a definimos neste trabalho.

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e formação anteriores em EAD, realizadas fora da IES em questão.

Um estudo de caso complementar, realizado por Ademir Santos, Dinamara Machado e

Marcus Vinicius S. Kucharski (2008), que envolveu entrevistas com professores e alunos

envolvidos nas atividades semipresenciais investigadas no estudo anterior (SANTOS e

MACHADO, 2008), trouxe à tona uma outra faceta do fenômeno: no discurso manifesto de

professores e alunos, tratados pelos pressupostos da análise de conteúdo (BARDIN, 1995),

predominou a visão favorável ao uso de NTIC na prática pedagógica, que foi apontada pelos

alunos como uma vantagem à formação de sua autonomia (ainda que o estudo anterior tivesse

demonstrado a vigência de metodologias tradicionais de trabalho) e, pelos professores, como

um diferencial positivo para o controle da realização das tarefas dentro das datas aprazadas e

como experiência que os fez melhorar o planejamento e confecção de materiais didáticos

utilizados no ensino presencial.

Considerações finais

Confundir autonomia com simples responsabilidade por prazos e NTIC como meras

ferramentas de controle de tarefas ou instrumentos de melhoramento formal, como o último

parágrafo da seção anterior demonstra, não são novidades para quem observa projetos de

implementação de atividades educacionais à distância em IES com histórico de educação

presencial tradicional. Da mesma forma, se pode observar que a adoção de um discurso

tecnológico progressista ocorre bem antes de as ações pedagógicas efetivamente espelharem

uma nova maneira de pensar a forma e a função do ensino. Tanto a transposição imediata de

aspectos metodológicos tradicionais ao trabalho com AVA quanto a adoção puramente

“modernosa” de um novo discurso são pistas de que uma semeadura de novidades já se

iniciou, e que também se puseram a caminho os mecanismos de “enquadramento” e/ou de

resistência ao novo. Contentar-se com a superficialidade ou capitular ao percebê-la são dois

erros fatais aos projetos bem-intencionados de se implementar uma nova forma de educar.

Longe de representarem um fator de desânimo à IES pesquisada, os resultados das

investigações realizadas trouxeram a certeza de ser necessário redesenhar o processo

formativo e de acompanhamento da ação docente nas atividades semipresenciais. A formação

inicial de caráter simplesmente técnico, operacional, que já fora modificada pela criação de

um segundo momento de formação continuada em 2007/1, conforme anteriormente citado, foi

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submetida a melhoramentos sensíveis dando origem a um projeto de formação dividida em

quatro níveis seqüenciados e cumulativos em termos de complexidade de informações

trabalhadas, num projeto implantado na semana pedagógica de 2008/1 e cujos resultados

serão melhor compreendidos por novas pesquisas que estão sendo realizadas neste momento.

Um dos conceitos mais importantes da nova proposta de formação continuada de professores

para EAD é justamente a aplicação radical dos conceitos de interatividade e construção

coletiva dos conhecimentos: as questões e problemas abordados no nível I do curso serão

trabalhadas não apenas com auxílio do moderador, mas de todos aqueles docentes que já

fazem parte do grupo do nível II – que, por sua vez, trabalharão com outros do nível III e,

estes, com os do nível IV. Simultaneamente, os níveis III e IV funcionarão como fóruns

permanentes de discussão e aprimoramento das questões pedagógicas referentes à

modalidade, criando massa crítica que dê suporte à formação continuada dos níveis anteriores.

O grupo de gerência de EAD da IES pesquisada, movido pelas constatações feitas no

decorrer do seu trabalho, também inovou em pelo menos duas outras frentes de formação

docente, contando com parcerias internas importantes: formatação e oferta do primeiro curso

de Metodologia do Ensino Superior com Novas Tecnologias de Comunicação e Informação,

que, após reformulações do projeto piloto realizado em 2007/1, está indo para sua segunda

oferta, e a proposição de um curso Lato Sensu interinstitucional para especialização de

professores para a EAD, focalizado especialmente nas competências relacionais, na

compreensão diferenciada da interatividade como forma eficaz de ensinar e aprender e em

variações metodológicas necessárias ao melhor desempenho e resultados na modalidade. Este

curso está em fase final de aperfeiçoamento de projeto e deve ser ofertado em 2009/1.

Ficou especialmente claro no estudo realizado que a interatividade, como elemento

fundamental de uma educação que se pretenda inovadora, de promoção da autonomia

responsável, da aproximação de pessoas num processo de parceria e co-autoria, é a categoria

mais complicada de se fazer compreender e implementar eficazmente, e isso vale tanto para a

educação mediada por NTIC quanto para a presencial. A aplicação de estratégias e

metodologias tradicionais, unidirecionais e instrucionistas de ensino em ambientes virtuais

cuja arquitetura privilegie a interatividade materializa o mais importante foco de resistência: o

“paredão ideológico” que busca isolar o ambiente escolar da vida e suas transformações,

isolar o ambiente escolar tradicional de outras propostas que lhe representariam avanços.

Na IES em que este estudo foi realizado, sobressai-se a insistência na formação

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docente continuada como o caminho mais indicado de aprimoramento dos esforços pela

inovação educacional. É pelo caminho da formação continuada e efetivamente interativa que

se pode buscar superar a mera adoção de um discurso tecnológico progressista no sentido de

promover, efetivamente, a compreensão de que a interatividade aplicada à Educação, em

situações em que haja mediação tecnológica para superação de uma distância espaço-

temporal,

(...) o essencial não é a tecnologia, mas um novo estilo de pedagogia sustentado por uma modalidade comunicacional que supõe interatividade, isto é, participação, cooperação, bidirecionalidade e multiplicidade de conexões entre informações e atores envolvidos. Mais do que nunca, o professor está desafiado a modificar sua comunicação em sala de aula e na educação. Isso significa modificar sua autoria enquanto docente e inventar um novo modelo de educação. (SILVA, [s.d.])

Proposição com que também concordam Alex Primo e Márcio Cassol (2006, p.2):

“Pouco adiantam os sofisticados recursos informáticos, a complexidade envolvida nas linhas

de programação e a estética das interfaces se o aluno de um curso on-line, por exemplo, se

sente preso e com sérias dificuldades de interagir, tirar dúvidas, etc.”

Na Educação, as inovações se constroem paulatinamente: primeiro vem o discurso e,

logo após, sua “acomodação” – que, caso não se esteja atento como a IES pesquisada tem

estado, será o ponto final da proposta. Depois, é preciso que ocorra um trabalho de formação

continuada cada vez melhor estruturado e moldado efetivamente dentro do que há de mais

inovador na proposta pedagógica que subjaz às novidades tecnológicas e nova parada para

apreciação crítica. Os resultados até agora obtidos nos levam a crer que os próximos poderão

ser ainda melhores, e isso nos renova o propósito de continuar acompanhando com a lupa de

investigação os desdobramentos atuais do processo. Se não imediatamente generalizáveis, os

resultados e os processos de esforços localizados podem e devem balizar incursões futuras no

desafio de educar interativamente para a autonomia.

REFERÊNCIAS

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