interação e socialização: contribuições de mead e...

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 X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                            p.1         Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin     Resumo Este artigo terá o propósito de discutir como a linguagem contribui para os processos de interação, socialização e individuação do sujeito, a partir das contribuições de George Herbert Mead e Mikhail Bakhtin. Inicialmente, serão apresentadas as concepções de Bakhtin sobre o papel da linguagem nos processos de socialização do sujeito. A seguir, serão abordadas as principais contribuições de Mead na formação do eu, considerando a centralidade da comunicação e da linguagem nesse processo de constituição do indivíduo, estabelecendo, assim, um contraponto entre os dois autores. Considerando a necessidade de inserção do sujeito em uma sociedade altamente complexa e pluralista, este texto também fará uma abordagem a respeito do compromisso da escola no sentido de ampliar as possibilidades do uso da linguagem em diferentes contextos de realização, sendo, portanto, a escola um espaço significativo de socialização, mediado pela linguagem.   Palavraschave: Linguagem.Interação.Individuação.Socialização.   Rosangela Hanel Dias  Escola Municipal de Ensino Fund.Giocondo Canali [email protected]           

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.1 

 

 

 

 

    Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin    

 

Resumo Este artigo  terá o propósito de discutir como a  linguagem contribui  para  os  processos  de  interação,  socialização  e individuação  do  sujeito,  a  partir  das  contribuições  de George Herbert Mead e Mikhail Bakhtin. Inicialmente, serão apresentadas  as  concepções de Bakhtin  sobre o papel da linguagem  nos  processos  de  socialização  do  sujeito.  A seguir, serão abordadas as principais contribuições de Mead na  formação  do  eu,  considerando  a  centralidade  da comunicação  e  da  linguagem  nesse  processo  de constituição  do  indivíduo,  estabelecendo,  assim,  um contraponto  entre  os  dois  autores.  Considerando  a necessidade  de  inserção  do  sujeito  em  uma  sociedade altamente  complexa  e  pluralista,  este  texto  também  fará uma  abordagem  a  respeito do  compromisso da  escola no sentido de  ampliar  as possibilidades do uso da  linguagem em diferentes contextos de  realização,  sendo, portanto, a escola  um  espaço  significativo  de  socialização,  mediado pela linguagem.   Palavras‐chave: Linguagem.Interação.Individuação.Socialização.  

 Rosangela Hanel Dias  

Escola Municipal de Ensino Fund.Giocondo Canali [email protected] 

     

 

 

 

 

 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.2 

 

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Introdução    

  Sabemos  que  o  domínio  da  língua  tem  estreita  relação  com  a  possibilidade  de 

plena participação social, já que é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à 

informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, 

produz conhecimento. (BRASIL, 1997). O domínio da linguagem verbal, seja ela escrita ou 

falada, possibilita a construção de novos saberes, conceitos, paradigmas que aperfeiçoam 

a ação humana e pode tornar o homem um sujeito esclarecido. 

   Desse ponto de vista, podemos afirmar que a  linguagem é um sistema de signos 

que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade. Assim, aprendê‐la não significa 

aprender só as palavras, mas os seus significados culturais e, com eles, os modos pelos 

quais as pessoas do seu meio social entendem e  interpretam a realidade e a si mesmas. 

(BRASIL, 1997).  

  A linguagem é considerada uma produção da humanidade e constituída, portanto, 

como uma prática social. Através dela o homem tem a possibilidade de torna‐se sujeito, 

capaz de  construir  sua própria  trajetória,  tornando‐se, assim, um  ser histórico e  social. 

Nesse sentido, a  linguagem vai além de sua dimensão comunicativa, pois os sujeitos se 

constituem por meio das interações sociais.  

  Vale salientar também que a linguagem verbal possibilita ao homem representar a 

realidade  física  e  social;  assim,  desde  o momento  em  que  é  apreendida,  conserva  um 

vínculo muito estreito com o pensamento. Dessa forma, podemos dizer que a linguagem 

não  só possibilita a  representação e a  regulação do pensamento e da ação, próprios e 

alheios, como também, comunicar ideias, pensamentos, intenções de diversas naturezas, 

e,  desse modo,  influenciar  o  outro  e  estabelecer  relações  interpessoais  anteriormente  

inexistentes.   

  A  linguagem  é  o  sistema  simbólico  básico  de  todos  os  grupos  humanos,  é, 

portanto, socialmente dada. É o grupo cultural onde o  indivíduo se desenvolve que  lhe 

fornece  formas de perceber e organizar o  real, as quais vão constituir os  instrumentos 

psicológicos que fazem a mediação entre o indivíduo e o mundo. A linguagem é, por isso, 

uma  atividade  humana,  histórica  e  social.  Então,  podemos  afirmar  que  é  na/pela  

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

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linguagem que o ser se constitui.  Assim, a ação humana se faz pela linguagem, ou seja, a 

linguagem pode ser entendida como um mecanismo de ação do sujeito; agimos mediados 

pela linguagem.  

  Com base nesses pressupostos recuperamos dois autores que contribuem 

para uma compreensão mais alargada da relação entre linguagem, sociedade e indivíduo. 

São  eles: Mikhail Bakhtin  e George Herbert Mead1. Ambos  os  autores  apresentam  em 

suas  abordagens  teóricas  pontos  de  convergência  no  que  se  refere  ao  papel  da 

linguagem na constituição do sujeito, por isso consideramos significativo estabelecer um 

diálogo entre eles, no sentido de aprofundar as discussões a respeito das relações entre 

linguagem, indivíduo e o social.                

   A exposição seguirá organizada em dois momentos. Primeiramente faremos uma 

síntese das concepções de Bakhtin no que tange ao papel da linguagem nos processos de 

socialização do sujeito. A seguir, trataremos das principais contribuições de Mead no que 

diz  respeito  à  formação do  eu, numa perspectiva da  linguagem  enquanto uma prática 

comunicativa concreta. Ao  final, estabeleceremos um diálogo com os dois autores e os 

                                                            1 Mikhail  Bakhtin  (1895‐1975)  é  uma  das  figuras mais  fascinantes  e  enigmáticas  da  cultura  europeia  de 

meados  do  século  XX.  A  obra  de  Bakhtin  chamou  a  atenção  do  público  em  1963,  ano  em  que  foi reeditada  sua  obra  sobre  Dostoiévski,  publicada  originalmente  em  1929.  Bakhtin  teve  formação  em estudos  literários. Atuou como professor, embora sem vínculos  institucionais, até ser preso em  1929. Condenado a um exílio no Cazaquistão, só pode encontrar um emprego permanente depois da Segunda Guerra Mundial, tornando‐se professor de literatura do Instituto Pedagógico (depois, Universidade) de Saransk, Mordóvia.  Os  membros  do  Círculo  (um  grupo  de  intelectuais  constituído  por  pessoas  de diversas formações, interesses intelectuais e atuações profissionais) que recebeu seu nome tinham em comum a paixão pela filosofia e pelo debate das ideias. Tinham um profundo interesse pelas discussões de  filósofos  do  passado,  sem  deixar  de  se  envolver  criticamente  com  autores  de  seu  tempo. Outro interesse que invadiu progressivamente o Círculo de Bakhtin foi a paixão pelos estudos da linguagem. O tema da linguagem se tornou tão forte para os membros do grupo que foi considerado o elemento que unia o pensamento do grupo, considerando a diversidade de  interesses que havia nele. Bakhtin e seus amigos afirmam o  caráter primordial do  social na  constituição do  sujeito. Para eles, a  linguagem e o pensamento, constitutivos do homem,  são necessariamente  intersubjetivos.  (FARACO, 2009). George Herbert  Mead  (1863‐1931)  pode  ser  considerado  um  representante  do  denominado  pragmatismo filosófico americano, vertente do pensamento que concede uma grande importância à ação humana. A abordagem  de  Mead  foi  posteriormente  denominada,  por  Herbert  Blumer,  seu  sucessor  na Universidade de Chicago, de  interacionismo  simbólico. Mead propõe a  compreensão do processo de individuação  através  da  socialização.  Para  esse  autor,  o  sujeito  se  torna  indivíduo  no  processo  de interação verbal. Nesse sentido, Mead destaca em sua abordagem a centralidade da comunicação e da linguagem no processo de  formação do eu. Para esse autor, portanto, o mecanismo de adoção e da internalização dos papéis sociais e das atitudes do outro deflagra um processo correlativo  interno no qual a criança desenvolve a autoconsciência, pois o eu pessoal está inscrito numa matriz intersubjetiva simbólica, sendo atravessado pelas relações sociais. (CASAGRANDE, 2012).                

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

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desafios  que  a  escola  enfrenta  no  sentido  de  se  constituir  como  um  espaço  de 

socialização e individuação.  

    

1 Linguagem, interação verbal e socialização: as contribuições de Bakhtin    

  Segundo  Bakhtin  (1997),  para  entender  o  fenômeno  da  linguagem  humana,  o 

único objeto real e material de que dispomos é o exercício da fala em sociedade. Assim, a 

linguagem existe a partir de um sistema extremamente complexo de diálogos que nunca 

se interrompe.  

Segundo  Faraco  (2009),  o  ponto  de  partida  de  Bakhtin  é  o  vínculo  entre  a 

utilização da linguagem e a atividade humana. Para Bakhtin, todas as esferas da atividade 

humana  estão  sempre  relacionadas  com  a  utilização  da  linguagem.  Essa  utilização  se 

efetiva  em  forma  de  enunciados  que  surgem  de  uma  ou  outra  esfera  da  atividade 

humana. 

Para Bakhtin  (2011)  não  falamos no  vazio,  não produzimos  enunciados  fora das 

múltiplas e  variadas esferas do  agir humano. Os nossos enunciados  (orais ou escritos) 

terão sempre um conteúdo temático, uma organização composicional e estilo próprios, 

que estarão ligados às condições de realização e às finalidades específicas de cada esfera 

de atividade. Por isso, todo enunciado, para Bakhtin, está sempre relacionado ao tipo de 

atividade em que os participantes estão envolvidos. 

Segundo Bakhtin (2011), falamos, portanto, por meio de gêneros de discurso que 

se realizam no  interior de uma determinada esfera da atividade humana. Falar, para ele, 

não  é  apenas  utilizar  um  código  gramatical  num  vazio, mas moldar  o  nosso  dizer  às 

formas de um gênero no interior de uma atividade. Aprender os modos sociais de fazer é 

também aprender os modos sociais de dizer. 

Nesse  sentido,  destaca  o  autor  que  o  enunciado  acontece  num  determinado 

tempo  e  local  e  é  produzido  por  um  sujeito  histórico  e  é  recebido  por  outro. O  que 

identifica  um  enunciado  é  aquilo  que  ele  efetivamente  representa  naquele momento, 

para aquele enunciatário e nas condições específicas em que foi produzido e recebido. A 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

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mesma palavra poderá ser repetida, mas nunca terá a mesma significação, uma vez que 

se mudam as condições de sua enunciação e de sua recepção.  

O que se repete é a palavra e esta pertence ao plano da língua. Mas a verdadeira 

substância da  língua não é  constituída por um  sistema abstrato de  formas  linguísticas, 

nem pela enunciação monológica  isolada, mas fundamentalmente pelo fenômeno social 

da  interação verbal que se efetiva através da enunciação ou das enunciações. A  língua, 

portanto,  para  Bakhtin,  não  é  uma  atividade  individual, mas  sim  um  legado  histórico‐

cultural  da  humanidade.  A  língua  vive  e  evolui  historicamente  na  comunicação  verbal 

concreta,  não  no  sistema  linguístico  abstrato  das  formas  da  língua  nem  no  psiquismo 

individual  dos  falantes.  Destaca,  então,  que  a  interação  verbal  constitui  a  realidade 

fundamental da  língua, sendo o diálogo uma das mais  importantes formas de  interação 

verbal.  

Nesse  contexto explicativo,  cada enunciado produzido por um  sujeito é um  ato 

histórico  novo,  portanto,  irrepetível.  Em  cada  caso,  é  a  situação  que  confere  a  uma 

mesma  palavra  significações  distintas  em  cada  um  dos  enunciados  produzidos.  Para  o 

autor, é este enunciado a unidade básica do conceito de linguagem. 

 Assim, segundo o que acentua Faraco (2009), na abordagem de Bakhtin, não há 

nem  pode  haver  enunciados  neutros.  Todo  o  enunciado  emerge  sempre  e 

necessariamente  num  contexto  cultural,  carregado  de  significados  e  valores,  sendo, 

portanto, um ato responsivo, ou seja, uma ação na qual um sujeito assume uma posição 

nesse contexto.   

Conforme Bakhtin  (1997), o enunciado não é  simplesmente um conceito  formal. 

Um  enunciado  é  sempre  um  acontecimento,  uma  vez  que  ele  exige  uma  situação 

histórica definida, atores sociais plenamente  identificados, compartilhamento da mesma 

cultura  e  o  estabelecimento  de  um  diálogo.  Assim,  para  o  autor,  todo  o  enunciado 

demanda  outro  a  que  se  responde  ou  outro  que  o  responderá.  Ninguém    cria  um 

enunciado para não ser respondido.   

 Nesse processo, ganha especial importância, portanto, o conceito de enunciação.  

 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

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A  enunciação  é o produto da  interação de dois  indivíduos  socialmente organizados e, mesmo que não haja um  interlocutor real, este pode ser substituído pelo representante médio do grupo social ao qual pertence o locutor.  A  palavra  dirige‐se  a  um  interlocutor:  ela  é  função  da  pessoa desse  interlocutor: variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social  ou  não,  se  esta  for  inferior  ou  superior  na  hierarquia  social,  se estiver ligada a um interlocutor por laços sociais mais ou menos estreitos (pai, mãe, marido, etc.). Não pode haver um  interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado. (BAKHTIN, 1997, p.116).  

 O autor destaca que toda a enunciação é um diálogo e faz parte de um processo 

comunicativo  ininterrupto,  em  meio  ao  qual  as  palavras  dos  outros  penetram 

interativamente nas nossas palavras. Nesse sentido, podemos dizer que a  linguagem vai 

além de  sua dimensão  comunicativa, pois  considera que os  sujeitos  se  constituem por 

meio  das  interações  sociais.  Então,  para  Bakhtin,  a  língua,  no  seu  uso  prático,  é 

inseparável  de  seu  conteúdo  ideológico  ou  relativo  à  vida,  e,  portanto,  está  ligada  à 

evolução ideológica.  

Nas palavras do autor:  

 Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades  ou  mentiras,  coisas  boas  ou  más,  importantes  ou  triviais, agradáveis  ou  desagradáveis,  etc. A palavra  está  sempre  carregada  de um  conteúdo  ou  de  um  sentido  ideológico  ou  vivencial.  É  assim  que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em  nós  ressonâncias  ideológicas  ou  concernentes  à  vida.  (BAKHTIN, 1997, p.99).  

 Uma das grandes  contribuições de Bakhtin no que  se  refere  aos  estudos  sobre 

linguagem foi o de considerá‐la como um constante processo de interação mediada pelo 

diálogo e não simplesmente um sistema autônomo, fechado em sua própria estrutura. O 

autor  acentua  que  conhecemos  a  língua  materna,  seu  vocabulário,  sua  estrutura 

gramatical  não  por  meio  de  dicionários  ou  manuais  de  gramática,  mas  devido  aos 

enunciados  concretos  que  ouvimos  e  reproduzimos  na  comunicação  efetiva  com  as 

pessoas  que  estão  a  nossa  volta.  Bakhtin  (1997)  também  acentua  que  a  língua  se 

desenvolveu  historicamente  a  serviço  do  pensamento  participativo  e  dos  atos 

efetivamente  realizados e  só, posteriormente, passou  também a  servir ao pensamento 

teórico.   

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.7 

 

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Salienta  ainda que, nessa  relação dialógica entre  locutor e  interlocutor no meio 

social, a  interação por meio da  linguagem se dá num contexto em que todos participam 

em  condição  de  igualdade.  Diz  o  autor  que  aquele  que  enuncia  seleciona  palavras 

apropriadas  para  formular  uma mensagem  compreensível  para  seus  destinatários.  Por 

outro  lado,  o  interlocutor  interpreta  e  responde  com  postura  ativa  àquele  enunciado, 

internamente, por meio de seus pensamentos, ou externamente, por meio de um novo 

enunciado oral ou escrito.   

Acrescenta também o autor que: 

 Toda palavra  comporta duas  faces. Ela é determinada  tanto pelo  fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da  interação do  locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de expressão a um em relação a outro. Através da palavra defino‐me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra  apoia‐se  sobre  o meu  interlocutor.  A  palavra  é  o  território  comum  do locutor e do interlocutor. (BAKHTIN, 1997, p.117).  

 

Nesse sentido, para Bakhtin (2011), todas as palavras, além de minhas próprias são 

palavras do outro. Segundo o autor, nós vivemos em um mundo de palavras do outro e as 

complexas  relações de  reciprocidade  com  a palavra do outro  em  todos os  campos da 

cultura e da atividade completam toda a vida do homem. 

 Eu vivo em um mundo de palavras do outro. E toda a minha vida é uma orientação  nesse mundo;  é  reação  às  palavras  do  outro  (uma  reação infinitamente  diversificada),  a  começar  pela  assimilação  delas  (  no processo  inicial do discurso) e terminado na assimilação das riquezas da cultura  humana  (expressas  em  palavras  ou  em  outros  materiais semióticos).  A  palavra  do  outro  coloca  diante  do  indivíduo  a  tarefa especial de  compreendê‐la  (essa  tarefa não  existe  em  relação  à minha própria  palavra  ou  existe  em  seu  sentido  outro).  Para  cada  indivíduo, essa  desintegração  de  todo  o  expresso  na  palavra  em  um  pequeno mundinho de  suas palavras  (sentidas  como  suas)  e o  imenso  e  infinito mundo das palavras do outro são o fato primário da consciência humana e da vida humana. (BAKHTIN, 2011, p.379).   

Assim, para haver  relações dialógicas é preciso que qualquer material  linguístico 

tenha entrado na esfera do discurso,  tenha sido  transformado num enunciado, ou seja, 

tenha  fixado  a  posição  de  um  sujeito  social.  Para  o  autor,  só  dessa  forma  é  possível 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.8 

 

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responder,  fazer  réplicas  ao  dito,  confrontar  posições,  acolher  a  palavra  do  outro, 

confirmá‐la ou rejeitá‐la, buscar um sentido profundo ou ampliá‐la. 

  A  enunciação  compreendida  como  uma  réplica  do  diálogo  social,  é  a unidade de base da  língua, trata‐se do discurso  interior (diálogo consigo mesmo) ou exterior. Ela é de natureza social, já que cada locutor tem um “horizonte social”. Há sempre um  interlocutor, ao menos em potencial. (BAKHTIN, 1997, p. 16).   

Nesse  sentido,  para  Bakhtin  (1997),  as  relações  dialógicas  são  relações  entre 

índices sociais, que constituem parte inerente de todo enunciado, entendido não apenas 

como  unidade  da  língua, mas  como  um  elemento  de  interação  social.  Não  como  um 

complexo de relações entre palavras, mas como um complexo de relações entre pessoas 

que estão organizadas socialmente.    

Segundo o que  afirma  Faraco  (2009), para Bakhtin  nas  relações dialógicas  nem 

sempre  haverá  consenso,  ou  seja,  essas  relações  não  apontam  apenas  na  direção  das 

consonâncias, mas  também das multissonâncias e das dissonâncias. Nas dinâmicas das 

relações dialógicas pode surgir tanto a convergência quanto a divergência. Dessa forma, 

Bakhtin entende as relações dialógicas como espaços de tensão entre enunciados.    

  Dentro dessa perspectiva a  língua só existe em função do uso que os  locutores e 

interlocutores  fazem  dela  em  situações  de  comunicação.  O  ensinar,  o  aprender  e  o 

empregar  a  linguagem  passam  necessariamente  pelo  sujeito,  o  agente  das  relações 

sociais é o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Assim, esse sujeito se 

vale dos conhecimentos de enunciados anteriores para formular suas falas ou redigir seus 

textos. A  linguagem,  portanto,  na  abordagem  de  Bakhtin,  contribui  significativamente 

para a constituição do sujeito enquanto um ser social e individual. 

  Por outro lado, é importante frisar que Bakhtin, conforme o que apresenta Faraco 

(2009), materializa  sua  crença nas possibilidades de  verbalizarmos nossas experiências 

vividas  a  partir  de  seu  interior, mas  nos  chama  a  atenção  para  o  fato  de  que  nunca 

conseguiremos expressá‐las em sua totalidade. Bakhtin alerta que dar sentido ao vivido 

verbalmente é um processo possível, mas nunca acabado, sempre aberto, algo que está 

presente como aquilo que está por ser alcançado. 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.9 

 

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  Para Bakhtin  (1997),  a  vida humana é por  sua própria natureza dialógica. Nesse 

sentido destaca:  

 Viver  significa  tomar  parte  do  diálogo:  fazer  perguntas,  dar  respostas, dar  atenção,  responder,  estar  de  acordo  e  assim  por  diante.  Desse diálogo, uma pessoa participa  integralmente e no decorrer de  toda sua vida: com seus olhos, lábios, mãos, alma, espírito, com seu corpo todo e com  todos os seus  feitos. Ela  investe seu ser  inteiro no discurso e esse discurso  penetra  no  tecido  dialógico  da  vida  humana,  o  simpósio universal. (1997, p.293).  

  Então,  para  o  autor  o  sujeito  se  constitui  e  se move  nesse  denso  simpósio 

universal,  sendo  a  alteridade  e  a  intersubjetividade  constitutivas  do  processo  de 

individuação,  do movimento  de  tornar‐se  indivíduo. Nas  palavras  do  autor:  “Eu  não 

posso me arranjar sem o outro; eu não posso me tornar eu mesmo sem um outro; eu 

tenho de me encontrar num outro para encontrar um outro em mim.”(BAKHTIN,1997, 

p.287). 

  Para  o  autor,  portanto,  o  agir  humano  não  se  dá  independentemente  da 

interação e nem os discursos podem ser compreendidos fora desses dois âmbitos.   

Segundo Bakhtin (2011), a experiência discursiva  individual de qualquer pessoa se 

forma  e  se  desenvolve  em  uma  interação  constante  e  contínua  com  os  enunciados 

individuais dos outros. Para ele, nosso discurso, ou seja, todos os nossos enunciados são  

repletos das palavras dos outros. As palavras dos outros trazem consigo a sua expressão, 

o seu tom valorativo que assimilamos, reelaboramos e reacentuamos.  

 Não  pode  haver  enunciado  isolado.  Ele  sempre  pressupõe  enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não pode ser estudado.  Entre  os  enunciados  existem  relações  que  não  podem  ser definidas  em  categorias nem mecânicas nem  linguísticas. Eles não  têm analogias consigo.  (BAKHTIN, 2011, p.371).    

A compreensão não é, portanto, uma simples experiência psicológica da ação dos 

outros, mas  antes  é  de  tudo  uma  atividade  dialógica,  que,  diante  de  um  texto,  gera 

outro(s)  texto(s). Então para Bakhtin, compreender não é um ato passivo, ou  seja, um 

simples reconhecimento, é uma réplica ativa, uma resposta, uma tomada de posição, um 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.10 

 

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modo de o sujeito se situar no lugar do qual participa, um modo de estar com os outros, 

de estabelecer o seu lugar na sociedade.     

 

2 O  papel  da  linguagem  e  da  comunicação  na  formação  do  indivíduo:  as contribuições de Mead 

  Mead  (1968)  considera  que,  na  gênese  social  de  formação  de  personalidade,  a 

referência a uma segunda pessoa é  fundamental para qualquer autorreferência. Para o 

autor,  já  com  os  gestos  começam  a  surgir  os  sinais,  os  símbolos  e  mais  tarde  as 

convenções semânticas válidas intersubjetivamente, inaugurando a linguagem como algo 

que parte da conduta social.  

Mead  destaca  que  a  individuação  não  resulta  de  um  procedimento  solitário  do 

sujeito, mas de um processo socializado mediado  linguisticamente. Dessa forma, para o 

autor,  a  autoconsciência não  é  algo gerado  imediatamente no  interior do  sujeito, mas 

proveniente da subjetividade em relação à linguagem. 

  Nesse  sentido, Mead  atribui  primazia  à  linguagem  como  uma  possibilidade  de 

entendimento,  de  cooperação  social  e  como  elemento  constitutivo  da  consciência.  A 

linguagem  usada  na  vida  cotidiana  fornece  ao  sujeito  continuamente  as  necessárias 

objetivações  e  determina  a  ordem  em  que  estas  adquirem  sentido  e  na  qual  a  vida 

cotidiana também ganha sentido.  

  Dessa  forma, podemos afirmar esse  considerou a  linguagem  como o “médium” 

fundamental  que  possibilita  a  formação  do  self  no  processo  de  interação  entre  o 

indivíduo  e  a  sociedade.  Ele  propõe,  portanto,  a  compreensão  do  processo  de 

individuação  através  da  socialização.  O  sujeito  se  torna  indivíduo  no  processo  de 

interação  social  e,  nesse  processo  de  formação,  a  linguagem  constitui‐se  como  um 

recurso extremamente importante. 

Para Mead, as bases do pensamento e da personalidade são sociais, sendo que a 

essência do pensamento é cognitiva. 

  

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.11 

 

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La esencia de la persona, como hemos dicho, es cognoscitiva: reside en la conversación de gestos subjetivada que constituye el pensamiento, o en términos de la cual el  opera el pensamiento o la reflexión.Y de ahí que  el origen  y  las  bases  de  la  persona,  como  los  del  pensamiento,  sean sociales. (1968, p. 201).   

   Para o  autor,  a  formação da personalidade é um processo  social que envolve  a 

interação  dos  indivíduos  de  um  determinado  grupo,  implicando  também  atividades 

cooperativas  entre  os  diferentes  indivíduos  desse  grupo.  Nisso,  tem  um  valor muito 

importante a comunicação entre os sujeitos, pois ela não se dirige apenas para os outros, 

mas também para si mesmo.  

Nessa  relação  de  comunicação,  os  indivíduos  convertem‐se  em  objetos  de  si 

mesmo.  Por  isso,  para  o  autor,  é  impossível  a  formação  da  personalidade  fora  da 

experiência social. No entanto, destaca que cada uma das pessoas é distinta de todas as 

demais;  porém,  é  preciso  que  exista  uma  estrutura  comum  para  que  possamos  fazer 

parte de uma determinada comunidade ou grupo social.  

Para  Mead,  adotar  atitudes  do  grupo  social  organizado  do  qual  o  indivíduo 

pertence  é  base  para  o  desenvolvimento  da  personalidade  do  indivíduo.  Na  verdade, 

considera  que  a  comunidade  exerce  o  controle  sobre  o  comportamento  de  seus 

membros individuais e que somente adotando a atitude do outro é possível pensar. 

 ... la base esencial y prerrequisito para el desarrollo de la persona de ese individuo;  solo en  la medida en que  se adopte    las actitudes del grupo social organizado  al  cual pertenece, hacia  actividade  social organizada, cooperativa,  o  hacia  la  serie  de  actividades  en  la  cual  ese  grupo  está ocupado,  sólo  en  esa  medida  desarrollará  una  persona  completa  o poseerá la clase de persona completa que ha desarrollado. (MEAD, 1968, p. 185).      

As pessoas,  segundo Mead,  só podem existir em  relações definidas  com outras 

pessoas.  O  indivíduo  possui  uma  personalidade  somente  em  relação  com  outros 

membros de  seu grupo  social. Para  ele, por exemplo, o  indivíduo  só pode  ter direitos 

mediante atitudes comuns.      

Segundo o que  afirma Casagrande  (2012),  na  teoria de Mead,  a organização da 

mente, a emergência do self e a evolução da sociedade humana pautam‐se na linguagem 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.12 

 

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e na capacidade de comunicação. O mecanismo da comunicação é o princípio e a base 

estrutural desses processos. O processo de evolução da sociedade humana, bem como 

dos  indivíduos  humanos,  fundamenta‐se  no  desenvolvimento  e  na  utilização 

comunicativa  da  linguagem.  Portanto,  conforme  destaca  Casagrande  (2012),  uma  das 

grandes  contribuições  de  Mead,  consiste  na  afirmação  de  que  a  subjetividade  e  a 

consciência são produtos da intersubjetividade e da interação social. 

Ainda conforme Casagrande (2012), a mente e o self na perspectiva  interacionista 

de Mead se desenvolvem a partir das relações sociais que são mediadas pela linguagem. 

Dito de outra  forma, a  linguagem, em  forma de gesto vocal é o mecanismo para a sua 

emergência. Assim, a possibilidade de estruturação do self e da sociedade pauta‐se pelo 

papel  mediador  da  linguagem,  pela  prática  comunicativa  concreta,  mediante  a  qual 

somos capazes de falar, de nos ouvir falar e de responder aos outros e a nós mesmos. 

Segundo Casagrande  (2012), a  linguagem, em Mead,  tem um papel  fundamental 

porque é através dela que o  indivíduo estabelece  interações simbólicas com os demais 

membros do grupo, criando assim possibilidade de o sujeito colocar‐se no lugar do outro. 

Portanto,  ao  tratar  da  linguagem  e  da  comunicação  dessa  forma,  o  modelo  de 

abordagem  de Mead  é  o  da  interação  simbólica  ou  comunicativa, mediante  a  qual  ao 

menos dois organismos reagem um ao outro. 

Para Mead (1968), a linguagem é sempre um processo social, no qual atingimos os 

outros  e  a  nós mesmos  através  do  que  expressamos.  No  entanto,  salienta  que,  para 

existir  a  comunicação,  em  qualquer  atuação  linguística,  é  necessário  um  processo  de 

compreensão.  É  fundamental  que  cada  indivíduo  entenda  o  que  disse  e,  ao  mesmo 

tempo, sinta‐se atingido pela mensagem proferia do mesmo modo que essa mensagem 

afeta os receptores. 

Nas palavras de Mead:  

  A  característica  destacada  da  comunicação  humana  é  que  alguém formula  uma  declaração,  assinalando  algo  que  é  comum  em  seu significado  tanto para o grupo  inteiro como para o  indivíduo, de modo que o  indivíduo está adotando a atitude do grupo  inteiro na medida em que existe algum significado dado. Quando um homem grita “fogo”, não 

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.13 

 

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estimula somente as outras pessoas, mas, de igual maneira, se estimula a si  mesmo.  Sabe  o  que  está  fazendo.  Isso,  como  vemos,  constitui biologicamente  o  que  denominamos  um  “universo  discursivo”.  É  um significado  comum  que  é  comunicado  a  todos  e,  ao  mesmo  tempo, comunicado a si mesmo. (1984, p.38).   

Portanto, a possibilidade de estruturação de uma  consciência de  si mesmo está 

ligada  diretamente  aos  processos  de  interação  simbólica  e  de  comunicação  que  se 

desenvolvem no meio social. Então, para Mead, a palavra carregada de sentido é também 

a  responsável  pela  estruturação  da  mente,  da  consciência  e  da  personalidade.  A 

sociedade  humana  para  a  sua  forma  de  organização  distintiva  depende  do 

desenvolvimento da  linguagem. Nesse sentido, para ele, a  linguagem e a capacidade de 

comunicação  diferenciam  os  seres  humanos  dos  animais.  A  diferença  fundamental 

encontra‐se na capacidade de comunicação simbólica e, segundo Mead, de participação 

intencional em projetos sociais. 

Esse  aspecto  também é destacado por Casagrande  (2102) para quem  a  abordagem 

psicossocial de Mead se distingue por conceber o fato de que é através da comunicação que 

os homens adquirem a capacidade de organizar simbolicamente as mais distintas condutas 

possíveis. Ou seja, mediante a comunicação é possível que os diversos seres humanos, tanto 

individualmente, quanto em comunidade, articulem as próprias ações e, ao mesmo  tempo, 

levantem pretensões em relação às condutas recíprocas. 

Na  abordagem  a  respeito  da  formação  da  personalidade  do  indivíduo,  Mead 

defende que a vida se organiza e se desenvolve sob um fundamento social.  Isso  implica 

no  reconhecimento, segundo Casagrande  (2012), do caráter social da vida humana e da 

interioridade da sociedade em relação ao indivíduo, bem como da indissociabilidade entre 

o sujeito e a sociedade.    

Para Mead, a evolução da sociedade e a estruturação da consciência, da mente e 

do  self ocorrem mediante  a  comunicação,  a  cooperação  e  a participação  social. O  self 

emerge  através  de  um  processo  social  que  pressupõe  a  internalização  das  estruturas 

comunicativas do mundo no qual o indivíduo está inserido. 

Conforme  o  que  apresenta  Casagrande  (2012),  para Mead,  a  internalização  do 

gesto  ou  a  atitude  do  outro  é  o  primeiro  passo  para  a  estruturação  simbólica  da 

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.14 

 

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comunicação, da  interação social, bem como do desenvolvimento da mente e do self. A 

consciência  de  si  se  desenvolve mediante  um  processo  no  qual  um  indivíduo  reage  à 

atitude ou à ação do outro, sendo a  linguagem e a comunicação elementos centrais no 

processo de formação do eu.  

Dessa  forma,  destaca‐se  que  uma  das  importantes  contribuições  da  teoria 

psicossocial de Mead diz respeito ao reconhecimento de que nós somos  inscritos numa 

matriz  intersubjetiva, ou  seja, numa  rede de  relações  e de  interações,  a partir da qual 

surge  a  consciência,  a  identidade  individual  e  um  mundo  de  sentidos,  resultados  da 

interação social. (Casagrande, 2012).  

 

Considerações Finais  

Toda  educação  verdadeiramente  comprometida  com  a  formação  do  sujeito 

precisa  criar  condições  para  o  desenvolvimento  da  capacidade  do  uso  eficaz  da 

linguagem que satisfaça necessidades pessoais e sociais, que podem estar relacionadas às 

ações  efetivas  do  cotidiano,  à  transmissão  e  busca  de  informação,  ao  exercício  da 

reflexão.  

   Assim,  no  decorrer  deste  texto,  verificou‐se  a  importância  das  abordagens 

teóricas de Bakhtin e de Mead no que se refere ao papel central que a linguagem ocupa 

na constituição, no desenvolvimento e na formação do sujeito enquanto um ser social e 

individual. Em ambos, o  sujeito  se  torna um  indivíduo no processo de  interação  social, 

mediado fundamentalmente pela linguagem.   

  Tanto Mead quanto Bakhtin destacam que o desenvolvimento da  linguagem e o 

processo de  comunicação  não  são  atividades  individuais, mas  sim  um  legado  histórico 

cultural  da  humanidade.  Para  eles,  a  experiência  discursiva  de  qualquer  pessoa  se 

desenvolve  através  de  uma  interação  constante  e  contínua  com  os  enunciados  ou 

discursos individuais dos outros. A atividade discursiva, portanto, tem raízes sociais.   

  Nesse contexto, para Mead, a possibilidade da estruturação do self e da sociedade 

como  um  todo,  pauta‐se  no  papel mediador  da  linguagem  e  na  prática  comunicativa 

concreta. Assim, é  impossível pensar  a  formação humana  fora da experiência  social. A 

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X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.15 

 

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comunicação entre os sujeitos  tem um valor significativo, pois ela não se dirige apenas 

para os outros, mas também para si mesmo. Portanto, é um processo autorreflexivo, que 

cria possibilidades de pensar sobre si mesmo, suas ações e atitudes no contexto social e 

cultural. 

  Bakhtin, por sua vez, considera o diálogo como uma das formas mais importantes 

da  interação  verbal,  e,  por  consequência,  da  interação  social.  Para  este  autor,  a  vida 

humana é por natureza dialógica. Destaca que as relações de reciprocidade com a palavra 

do  outro  em  todas  as  formas  da  atividade  humana,  sejam  elas  sociais,  culturais  ou 

políticas, completam a vida do homem.  

Ambos  ressaltam  em  suas  abordagens  que  é  pela  comunicação  que  criamos 

condições de  articular  nossas  ações,  desenvolvendo,  portanto,  possiblidades de  agir  e 

interagir no contexto social. Assim, a linguagem, na perspectiva de Mead e de Bakhtin, é 

um  recurso  fundamental  de  que  dispõem  os  indivíduos  com  vistas  a  contribuir  no 

entendimento,  na  cooperação  social  e,  fundamentalmente,  na  constituição  da 

consciência.   

  Considerando  as  contribuições das perspectivas  teóricas de Bakhtin e de Mead, 

poderíamos  esboçar  aqui  alguns  desdobramentos  pedagógicos  importantes  para  a 

constituição do sujeito, das estruturas do eu, e, portanto, da formação humana. 

  Se concordarmos com as  ideias defendidas por Bakhtin e Mead de que o sujeito 

humano se constitui através das relações sociais, da interação com o outro, do diálogo e 

das atividades discursivas, poderíamos  inferir que a  instituição escolar  seria um espaço 

privilegiado para auxiliar na formação desse sujeito, tanto como no seu aspecto individual 

como social. Dessa forma, pensar a escola como um espaço de  interação simbólica e do 

desenvolvimento da consciência reflexiva é contribuir na formação da identidade.  

 Embasado nas concepções de Mead, Casagrande (2012) afirma que das relações e 

interações sociais origina‐se o material para a formação de conceitos e significados, tarefa 

fundamental  da  educação. Nessa  perspectiva,  segundo  Casagrande  (2102)  a  educação 

consiste  num  processo  de  criação  ou  de  transformação  de  significados  mediante  a 

interação comunicativa de seus membros. Então, sob esse ponto de vista, a escola deve 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.16 

 

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ser  uma  instituição  pautada  na  interação,  no  diálogo,  no  desenvolvimento  das 

capacidades  discursivas  em  diferentes  contextos  e  na  construção  de  sentidos 

coletivamente. 

 Outro desdobramento importante a ser considerado, a partir das contribuições de 

Bakhtin  e de Mead diz  respeito  ao  compromisso que deve  ter  a  escola  no  sentido de 

garantir a  integração social,  instalando processos de socialização que visem à formação 

da cidadania e à participação democrática. 

Nesse sentido, a escola poderia ser um espaço privilegiado de relações dialógicas,  de 

posicionamentos com respeito a valores, como nos mostra Bakhtin quando afirma que viver é 

assumir uma posição avaliativa a cada momento. Por isso, a escola deveria dar condições ao 

sujeito  de  “viver”,  de  posicionar‐se,  de  expressar‐se  nas  mais  variadas  circunstâncias 

comunicativas  e  com  o  maior  número  possíveis  de  interlocutores,  recriando  e/ou 

reproduzindo, dentro dela, espaços de diálogos e de  representação de discursos presentes 

no meio social.   

Para Bakhtin, como  já  foi dito anteriormente, a consciência  individual se constrói na 

interação  e o  universo da  cultura  tem primazia  sobre  a  consciência  individual.  Então,  aqui 

poderíamos  apontar mais  um  compromisso  na  escola:  o  desenvolvimento  da  consciência 

individual mediado pelas relações sociais que se estabelecem entre os sujeitos. 

Casagrande  (2012) afirma que a escola é um dos mais  importantes  instrumentos de 

que  dispõe  uma  comunidade  se  ela  realmente  quiser  possibilitar  a  seus  jovens  o 

desenvolvimento  de  competências  cognitivas  e  morais  necessárias  para  o  exercício 

esclarecido da cidadania, assim como  também é a  instituição  responsável em aproximar os 

alunos dos bens culturais construídos pela humanidade. 

Por  isso, as práticas de reflexão nos espaços escolares devem se efetivar a partir de 

textos e discursos, na medida em que se façam necessários e significativos para a construção 

e reconstrução de sentidos que esses discursos representam no meio social. Desse ponto de 

vista, a prioridade da escola é a de criar oportunidades diárias para que as crianças e os jovens 

possam construir, analisar, discutir, levantar hipóteses, refletir a partir de diferentes gêneros 

do discurso, pois  assim os  alunos poderão  compreender não  só  funcionamento da  língua, 

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.17 

 

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mas,  fundamentalmente,  o  valor  que  ela  representa  na  elaboração  de  sentidos,  nos mais 

variados contextos comunicativos.          

  Cabe, portanto, à escola viabilizar o acesso do aluno ao universo dos textos, dos 

diferentes discursos que  circulam  socialmente,  ensinar  a produzi‐los  e  interpretá‐los.  É 

preciso  que  a  escola  assuma  o  compromisso  de  ampliar  o  uso  da  linguagem  em  

diferentes situações comunicativas, possibilitando aos alunos a capacidade de  assumir a 

palavra,  tanto  na modalidade  oral  como  escrita,  produzindo,  assim  textos  coerentes, 

coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos 

tratados. 

  Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais  (BRASIL,  1997), a  importância e o 

valor dos usos da linguagem são determinados historicamente segundo as demandas de 

cada momento.  Inserida em uma  sociedade  complexa, que exige níveis de  leitura e de 

escrita diferentes e muito  superiores aos que  satisfaziam as demandas  sociais até bem 

pouco  tempo  atrás,  a  escola  não  pode  se  eximir  da  tarefa  de  oferecer  aos  alunos 

condições de melhoria e ampliação na capacidade discursiva do sujeito, para que possa 

desempenhar as atribuições que lhe são impostas na contemporaneidade. 

Se  a  escola  assim  o  fizer,  estará  certamente  oferecendo  recursos  para  que  os 

alunos  aprofundem  a  experiência  de  socialização,  capacitando‐se  a  interagir  numa 

sociedade complexa e pluralista, que exige cada vez mais o domínio efetivo do uso da 

linguagem em diferentes espaços sociais. 

 

Referências Bibliográficas  

BAKHTIN, Michael. Marxismo e filosofia da linguagem. 10.ed. São Paulo: Huditec, 1997. 

BAKHTIN, Michael.  Estética  da  Criação  Verbal.  6ª  ed.  São  Paulo:  Editora WMF Martins Fonte, 2011.  

BRASIL,  Secretaria de  Educação  Fundamental.  Parâmetros  Curriculares Nacionais:  língua portuguesa. Brasília, 1997.    

Linguagem, interação e socialização: contribuições de Mead e Bakhtin  Rosangela Hanel Dias  

X ANPED SUL, Florianópolis, outubro de 2014.                                                                                p.18 

 

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CASAGRANDE, Cledes Antonio. A formação do eu em Mead e em Habermas [ manuscrito] : desafios e implicações à educação. Tese (Doutorado em Educação ). Pontífice Universidade Católica do Rio Grande do Sul,  Porto Alegre,  2012.      

DICKEL,  Adriana.(orgs).  Processos  Educativos  e  linguagem:  teorias  e  práticas.  Ed. Universidade de Passo Fundo; Ijuí: Ed. Unijuí, 2010. 

FARACO, Carlos Alberto. Linguagem & Diálogo: as  ideias  linguísticas do círculo de Bakhtin. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.     

MEAD, G.H. Espíritu, persona y sociedade. Buenos Aires: Paidós, 1968. 

___________. Espíritu, persona y sociedad: desde el punto de vista del conductismo social. Barcelona: Paidós, 1973.