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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Tecnologia Departamento de Engenharia Civil Coordenação do Curso de Engenharia Ambiental Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de reservatórios tropicais semiáridos Hérika Cavalcante Dantas da Silva Natal 2016.

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Centro de Tecnologia

Departamento de Engenharia Civil

Coordenação do Curso de Engenharia Ambiental

Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de

reservatórios tropicais semiáridos

Hérika Cavalcante Dantas da Silva

Natal

2016.

Hérika Cavalcante Dantas da Silva

Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de reservatórios

tropicais semiáridos

Trabalho de Conclusão de curso apresentado à

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

como parte dos requisitos para obtenção do

título de Engenheiro Ambiental

Orientadora: Profª Dra. Vanessa Becker

Co-orientadora: Dra. Fabiana Araújo

Natal

2016.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Central Zila Mamede

Silva, Herika Cavalcante Dantas da.

Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de

reservatórios tropicais semiáridos / Herika Cavalcante Dantas da

Silva. - 2016.

20 f.: il.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de

Tecnologia, Departamento de Engenharia Ambiental. Natal, RN,

2016.

Orientadora: Profª. Drª. Vanessa Becker.

Coorientadora: Profª. Drª Fabiana Araújo.

1. Engenharia sanitária - Monografia. 2. Secas - Monografia.

3. Fósforo - Monografia. I. Becker, Vanessa. II. Araújo,

Fabiana. III. Título.

RN/UF/Biblioteca Central Zila Mamede CDU 628

Agradecimentos

Agradeço à minha orientadora Vanessa Becker pelos conselhos, orientações, pulso

firme e também carinho (cada um no momento certo), momentos de confraternização e

por toda dedicação e amor ao que faz. Isso serve de inspiração para que eu procure

sempre fazer o melhor.

À minha co-orientadora Fabiana Araújo, por ser a melhor co-orientadora que alguém

poderia ter. Obrigada pelas orientações, ensinamentos, carinho, amizade, e paciência.

À minha família, em especial à minha mãe, Marizete, e à minha tia Margarete, por todo

apoio nas minhas escolhas e todo amor e cuidado que tem por mim. Ao meu namorado,

Rennan, pelo apoio, carinho, companheirismo e por aturar meus momentos de

desespero durante a graduação.

Aos meus colegas e amigos do Projeto Elisa: Carlos Júnior, Gabriela Trigueiro, Jéssica

Leite, Jéssica Papera, Silvana Santana, Caroline Fragoso, Isaac Falcão, Débora, Ingridh

Diniz, Neuciano, Mariana Rodrigues, Jurandir Júnior, Jéssica Mitizy e Raul. Muito

Obrigada pela amizade, pelo apoio e ajuda nas análises e nas coletas.

Interação água-sedimento na degradação da qualidade da água de

reservatórios tropicais semiáridos

Resumo: Objetivo: O objetivo deste estudo foi verificar a distribuição vertical de

fósforo na coluna d’água, bem como relacioná-la com a liberação de fósforo do

sedimento, durante um período de seca extrema. Métodos: Foram analisados dois

reservatórios da região semiárida do Rio Grande do Norte, durante o período de Maio

de 2015 a Junho de 2016. Foram analisados: sólidos suspensos (SS), clorofila-a (Chl-a),

oxigênio dissolvido (OD) e temperatura. Perfis verticais foram traçados para fósforo

total (PT), fósforo total dissolvido (PTD), fósforo particulado (PP), fósforo orgânico

dissolvido (POD) e fósforo reativo solúvel (FRS). Resultados: Gargalheiras apresentou

condições anóxicas próximo ao sedimento em vários meses durante período de

estratificação. Cruzeta apresentou um mínimo de OD de 1mg.L-1

, porém, apenas em

dois meses. Os valores de fósforo distribuídos na coluna d’água foram bastante elevados

para ambos os reservatórios, apresentando os maiores valores durante os períodos com

menor profundidade. Gargalheiras apresentou os maiores valores de PT e PP, enquanto

Cruzeta apresentou os maiores valores de FRS. Os valores de Chl-a e SS também foram

condizentes com os valores de fósforo: a Chl-a foi maior em Gargalheiras, enquanto os

SS, principalmente inorgânicos, foram maiores em Cruzeta. Alguns meses que

apresentaram condições anóxicas no fundo também apresentaram os maiores valores de

PT e FRS, o que pode indicar liberação. Além disso, os valores demasiadamente

elevados durante os meses mais rasos podem ter sofrido influência do vento, havendo

ressuspensão do sedimento, propiciando a liberação. Conclusões: A distribuição das

formas e quantidades de fósforo na coluna d’água é importante para planos de

restauração de lagos eutrofizados, porém, não é suficiente. É necessário conhecer o

fluxo de P liberado, bem como as formas de P existentes para entender os mecanismos e

variáveis que influenciam na liberação.

Palavras-chave: liberação de fósforo, seca extrema, fertilização interna.

Water-sediment interaction on the water quality degradation of semi-

arid tropical reservoirs

Abstract: Aim: The aim of this study was to verify the phosphorus vertical distribution

in the water column, and relate it to the phosphorus release from sediment, during a

period of extreme drought. Methods: Were analyzed two reservoirs of the Rio Grande

do Norte semi-arid region, during the period of May 2015 to June 2016. Were analyzed:

suspended solids (SS), chlorophyll-a (Chl-a), dissolved oxygen (OD) and temperature.

Vertical profiles were set for total phosphorus (TP), total dissolved phosphorus (TDP),

particulate phosphorus (PP), dissolved organic phosphorus (DOP) and soluble reactive

phosphorus (SRP). Results: Gargalheiras presented anoxic conditions near the sediment

for several months, during stratified period. Cruzeta presented a OD minimum of 1mg

L-1

, however only two months. The values of phosphorus distributed in the water

column were enough high for both reservoirs, Gargalheiras presented the higher TP and

PP, while Cruzeta presented the higher SRP. The Chl-a and SS also were consistente

with phosphorus: Chl-a was higher in Gargalheiras, while SS, mainly inorganic, were

higher in Cruzeta. Some months have anoxic conditions at the bottom also presented the

higher TP and SRP, which may indicate release. In addition, the excessively high values

during the shallower months may have been the influence of wind, there ressuspension

of sediment, providing release. Conclusions: The distribution of phosphorus forms and

amounts in the water column is important for restoration plans of eutrophic lakes,

however, it isn’t enough. It is necessary to know the P flux released and existing P

forms for to understand variables that influence in release mechanisms.

Key-words: phosphorus release, extreme drought, internal loading.

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1. Introdução

O Fósforo (P) é o principal nutriente responsável pela eutrofização, já que é comumente o

macronutriente limitante para o crescimento dos produtores primários em ecossistemas aquáticos

(Wetzel, 2001). A fim de reverter a eutrofização de lagos, muitas medidas têm sido tomadas para

reduzir as cargas externas de fósforo (Søndergaard et al., 2003). Vários lagos respondem

rapidamente a essas reduções, mas um atraso ou mesmo ineficácia na recuperação é muitas vezes

notável (Marsden, 1989; Jeppesen et al., 1991; van der Molen & Boers, 1994). Uma das razões para

isso é o acúmulo de fósforo no sedimento durante um período de alta carga, que continua a ser

liberado na coluna d’água por um longo período de tempo.

A liberação de fósforo do sedimento para a coluna d’água pode ser tão intensa e persistente

que impede qualquer melhoria da qualidade da água por um período considerável após a redução do

carregamento externo (Granéli, 1999). Portanto, ele funciona como um mecanismo de fertilização

interna, agindo como uma nova fonte de poluente para a água (Lijklema et al., 1993; Wu et al.,

2001). Logo, para obter eficácia na restauração de um ambiente, é importante entender a

distribuição do fósforo na água, bem como sobre o potencial de liberação do sedimento.

Na região semiárida brasileira os mananciais possuem usos múltiplos, sendo utilizados

principalmente para o abastecimento humano, irrigação e dessedentação animal. Porém, muitos

reservatórios sofrem impactos negativos na qualidade da água ocasionados pelas atividades

humanas e até por condições naturais da região (Barbosa et al. 2012). A poluição difusa, como

agricultura e pecuária, é uma grande vilã para os ambientes aquáticos do semiárido, já que em

muitos deles é a principal fonte externa de nutrientes, chegando aos reservatórios durante períodos

chuvosos através da lixiviação (Oliveira, 2012; Medeiros, 2016)

Já durante os longos períodos de estiagem, as entradas externas de nutrientes são praticamente

nulas em alguns reservatórios do semiárido, porém, os valores de nutrientes, principalmente fósforo

são, geralmente, elevados. Isso pode ser resultado do aumento do tempo de renovação da água dos

reservatórios, que concentra os nutrientes no sistema (Braga et al. 2015). Mas também, esses

períodos de estiagem, deixam os reservatórios mais susceptíveis a fatores ambientais que podem

influenciar na liberação de fósforo do sedimento.

Por muito tempo foi aceito o fato de que em condições óxicas na interface água-sedimento

havia retenção de P, enquanto em condições anóxicas a liberação era favorecida, conceito que foi

inicialmente proposto por Einsele (1936) e depois refinado por Mortimer (1941). O Fe(OH)3(s) tem

uma forte capacidade de adsorver o fosfato inorgânico na coluna d’água e nos sedimentos óxicos.

Porém, quando o Fe(III) é reduzido a Fe(II), em ambiente anóxico, ele e o P adsorvido são liberados

na solução tornando este último biodisponível (Lake et al., 2007). Porém, os sedimentos de alguns

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lagos rasos já demonstraram liberação de fósforo em condições óxicas (Lee et al., 1977; Boström et

al., 1982; Jensen & Andersen, 1992), sugerindo que outros fatores, além do potencial redox e da

razão Fe:P, também estão envolvidos. Alguns desses fatores são temperatura e resuspensão

(Søndergaard et al., 2003), os quais podem ter mais influência durante períodos de estiagem, visto

que, com uma profundidade pequena, as temperaturas próximo ao sedimento podem ser maiores e o

vento pode ressuspendê-lo mais facilmente.

A hipótese deste é trabalho é que os altos valores de P na água, durante períodos de escassez

hídrica, podem ser resultado não apenas da concentração de nutrientes, mas também da alta

liberação do sedimento. Logo, o objetivo desse trabalho é verificar a distribuição vertical de fósforo

na coluna d’água, bem como relacioná-la com a liberação de fósforo do sedimento, durante um

período de seca extrema.

2. Materiais e Métodos

2.1. Área de Estudo

Os reservatórios Marechal Dutra – mais conhecido como Gargalheiras - e Cruzeta (Figura 1)

são frutos dos barramentos do rio Acauã e do Riacho São José, respectivamente, ambos

pertencentes à bacia hidrográfica do rio Piranhas-Assu.

O reservatório Gargalheiras localiza-se no município de Acari, na região semiárida do estado

do Rio Grande do Norte (Nordeste, Brasil). O manancial tem capacidade máxima de 44.421.480 m³

(SEMARH, 2016). Já o reservatório Cruzeta localiza-se no município Cruzeta, também inserido no

semiárido do Rio Grande do Norte. Ele possui capacidade máxima de 23.545.745 m³ (SEMARH,

2016). Ambos os reservatórios são utilizados para múltiplos usos, incluindo abastecimento humano.

O clima da região é semiárido tropical com temperatura em média superior a 25° C e

evapotranspiração da ordem de 1500–2000 mm.ano-1

(SEMARH, 2016). O estudo foi realizado de

maio de 2015 a junho de 2016, compreendendo um período de seca prolongada desde 2012.

2.2. Amostragens

Amostras de água foram coletadas em um ponto próximo à barragem (Figura 1). Foram

medidos in situ a profundidade máxima do ponto, através de um profundímetro (DATALOGGER

ITT 71440), os perfis de oxigênio dissolvido (OD) e a temperatura, através de um oxímetro

8

(HONDEX PS-7), a cada 0,5 m de profundidade, da superfície até o fundo, para definir o perfil

vertical dessas variáveis.

A partir do perfil vertical de OD e temperatura, foram coletadas amostras integradas no

epilímnio e no hipolímnio com uma garrafa de van Dorn, para posterior análise de sólidos

suspensos e clorofila-a (apenas epilímnio). Também foram coletadas amostras a cada 0,5 m de

profundidade, com o auxílio da garrafa de van Dorn, para análise da distribuição do P na coluna

d’água.

Posteriormente, as amostras foram armazenadas em garrafas de polietileno, previamente

lavadas com HCl 10% e água deionizada, e acondicionadas em caixas térmicas com gelo durante o

transporte para o laboratório.

Figura 1. Localização dos reservatórios estudados Gargalheiras e Cruzeta, e os pontos de

amostragem próximos à barragem.

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2.3. Análise das Amostras

A concentração de sólidos suspensos totais foi determinada por gravimetria após secagem dos

filtros a 105°C e a concentração de sólidos suspensos inorgânicos foi mensurada após ignição em

mufla a 550º C por 3h (APHA, 2005). Os sólidos suspensos orgânicos foram determinados pela

diferença entre as concentrações de sólidos suspensos totais e inorgânicos. A concentração de

clorofila-a foi mensurada por espectrofotometria a partir da extração com etanol 96% (Jespersen &

Christoffersen, 1987).

Foram determinadas as concentrações de fósforo reativo solúvel (FSR) – forma mais

biodisponível –, fósforo total dissolvido (PTD), fósforo orgânico dissolvido (POD), fósforo total e

fósforo particulado – incorporado na biota.

O Fósforo Total (PT) e o Fósforo Total Dissolvido (PTD) foram mensurados pelo método

colorimétrico (Murphy & Rilley ,1962) após digestão das amostras (Valderrama, 1981). O Fósforo

Reativo Solúvel (FSR) foi obtido por meio do método colorimétrico de Murphy & Rilley (1962). O

Fósforo Orgânico Dissolvido (POD) e o Fósforo Particulado (PP) são determinados por meio de

diferenças entre PTD-PID e PT-PTD, respectivamente. As amostras para as análises de fósforo

solúvel reativo e fósforo total dissolvido foram filtradas em membranas de fibra de vidro 0.45 µm.

2.4. Análise de Dados

Os dados de série histórica ( 1963 - 2013) de precipitações foram fornecidos pela Empresa de

Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte (EMPARN) e os dados de variações volumétricas

foram cedidos pela Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Rio Grande do Norte

(SEMARH).

Os perfis verticais de OD, temperatura e tipos de fósforo foram elaborados por meio do

software Surfer® 11. Os dados foram divididos em dois períodos: anteriores e posteriores a aos

eventos de chuva. E em seguida feitos mosaicos desses períodos.

3. Resultados

As precipitações mensais foram abaixo da média histórica na maioria dos meses estudados,

para ambos reservatórios (Figura 2). O acumulado no período foi de 575 mm para Gargalheiras e

546 mm, ambos menores que a média histórica, que foi de 658 mm para Gargalheiras e 755 mm

para o reservatório Cruzeta.

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Durante todo o período o volume dos reservatórios se manteve em níveis muito baixos,

havendo uma queda acentuada até o início de 2016, quando houveram as maiores chuvas

registradas no período estudado, aumentando assim o volume tanto de Gargalherias, quanto de

Cruzeta (figura 2).

Figura 2. Precipitações mensais, média histórica de precipitação e logaritmo do volume dos

reservatórios Gargalheiras e Cruzeta, de maio/2015 a junho/2016.

Os perfis verticais de oxigênio dissolvido (OD), mostraram algumas diferenças entre os

reservatórios (figura 3). Gargalheiras, que possui maior profundidade, apresentou estratificação

química, com anoxia próximo ao sedimento durante diversos meses. Já Cruzeta mostrou uma

11

mistura maior, porém, ainda com valores baixos de OD (mínimo de 1mg.L-1

), observado apenas no

início de 2015 e de 2016. Um comportamento apresentado por ambos, e já esperado, é o aumento da

mistura durante os meses mais secos e, portanto, com menor profundidade.

Figura 3. Perfis verticais de oxigênio dissolvido (OD) dos reservatórios de A –Marechal Dutra e B

- Cruzeta, de maio/2015 a junho/2016.

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Figura 4. Perfis verticais de temperatura dos reservatórios de A –Marechal Dutra e B- Cruzeta, de

maio/2015 a junho/2016.

Ambos os reservatórios não apresentaram estratificação térmica, com exceção para o período

posterior a chuva (em meados de abril e maio) principalmente em Gargalheiras, onde foi possível

observar uma variação de 6°C na coluna d´água com 6,4m de profundidade.

Figura 5. Perfis de Fósforo Total (PT), Fósforo Total Dissolvido, Fósforo Particulado (PP), Fósforo

Orgânico Dissolvido (POD) e Fósforo Reativo Solúvel (FRS) do reservatório Gargalheiras no

período de maio de 2015 a junho de 2016.

Os valores de fósforo para Gargalheiras (figura 5) e Crueta (Figura 6) apresentaram-se

bastante elevados durante todo o período de estudo, com valores médios apresentados na tabela 1. O

13

PT, em especial, apresentou valores superiores ao limite considerado eutrófico (50 μg.L-1

), de

acordo com Thornton & Rast (1993), para ambos os reservatórios.

FORMAS DE FÓSFORO GARGALHEIRAS CRUZETA

Mín Méd Máx Mín Méd Máx

FRS (μg.L-1

) 6,71 106,29 504,55 65,17 174,17 467,5

POD (μg.L-1

) 24,69 135,63 503,46 5,96 145,99 1317,48

PP (μg.L-1

) 96,45 502,3 1255,42 18,13 239,72 1286,67

PTD (μg.L-1

) 76,2 241,99 854,44 108 320,15 1743,33

PT (μg.L-1

) 203,65 744,3 1853,33 169,6 559,88 3030

Tabela 1. Valores médios, máximos e mínimos das formas de fósforo analisadas na água.

Os perfis de fósforo em Gargalheiras apresentaram maiores valores nos meses com menor

profundidade. Porém, no período posterior a este, quando o reservatório aumentou a profundidade

devido aos altos valores de precipitação, vemos também altas concentrações – que se assemelham

as anteriores – no fundo, próximo ao sedimento.

Os resultados de fósforo mostraram que os ambientes estudados são bem diferentes. O fósforo

total (PT) é composto pelo fósforo particulado (PP) e pelo fósforo total dissolvido (PTD). Em

Gargalheiras, a fração de PT predominante é o PP, já que Cruzeta, predomina o PTD (figura 6). O

PTD por sua vez, é composto pelo fósforo orgânico dissolvido (POD) e pelo fósforo reativo solúvel

(FRS). Em Gargalheiras, há uma maior quantidade do POD, já em Cruzeta, do FRS (figura 7).

A concentração de sólidos suspensos não mostraram um padrão nos dois reservatórios (figura

8). O reservatório Gargalheiras apresentou uma quantidade maior de sólidos suspensos orgânicos

(SSO) em 71% dos meses analisados. Enquanto Cruzeta apresentou maior quantidade de sólidos

suspensos inorgânicos (SSI) em 64% dos meses.

A concentração de clorofila-a foi superior em Gargalheiras na maior parte dos meses

analisados, (Figura 8). Porém ambos apresentaram valores superiores ao limite considerado

eutrófico (15 μg.L-1), de acordo com Thornton & Rast (1993).

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Figura 6. Perfis de Fósforo Total (PT), Fósforo Total Dissolvido, Fósforo Particulado (PP), Fósforo

Orgânico Dissolvido (POD) e Fósforo Reativo Solúvel (FRS) do reservatório Cruzeta no período de

maio de 2015 a junho de 2016.

15

Figura 7. Fósforo Total (PT) relativo para Gargalheiras e Cruzeta, composto pelas frações de

Fósforo Particulado (PP) e o Fósforo Total Dissolvido (PTD); e Fósforo Total Dissolvido (PTD)

relativo, composto pelas frações de Fósforo Reativo Solúvel (FRS) e Fósforo Orgânico Dissolvido

(POD).

Figura 8. Concentração de Sólidos Suspensos Inorgânicos (SSI) e Orgânicos (SSO) e Clorofila-a

(Chl-a) nos reservatórios Gargalherias e Cruzeta.

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4. Discussão

Nossos resultados mostraram uma elevada concentração de P em toda a coluna d’água durante

todo o período estudado, para ambos reservatórios. Contudo, não foi observado um indício da

contribuição do P oriundo do sedimento uma vez que não foi verificado maiores concentrações de

fósforo dissolvido na camada de água acima do sedimento.

O modelo clássico de liberação de fósforo do sedimento ocorre com a redução e dissolução de

hidróxido de ferro quando a superfície do sedimento encontra-se em anoxia (Amirbahman et al.,

2003). Observando os perfis de OD, constatamos que Gargalherias apresentou anoxia em vários

meses, enquanto que o reservatório Cruzeta apresentou hipoxia em alguns momentos. Durante os

períodos de anoxia em Gargalheiras, não foram registrados maiore valores de FRS, a forma de

fósforo mais biodisponível e mais móvel, no hipolímnio, o que poderia indicar liberação deste

nutriente pelo sedimento. Contudo, com a diminuição da profundidade do reservatório, foi

observado um aumento da concentração de P em toda a coluna d’água.

Entretanto, os sedimentos de lagos rasos podem liberar fósforo em condições óxicas, através

da ressuspensão do sedimento pelo vento (Boström et al., 1982; Jensen et al., 1992; Jeppesen, et al.

1997; Søndergaard et al., 2003). Este processo pode então ter contribuído para o aumento das

concentrações de P durantes os períodos em que ambos reservatórios estavam com baixa

profundidade (< 2 m).

Os períodos de seca extrema causam grandes variações nos níveis d'água, o que pode causar

modificações nas características físicas, químicas e biológicas de ambientes aquátios (Jeppesen et

al., 2015; Moss et al., 2011). No semiárido do Rio Grande do Norte, onde localizam-se os

reservatórios estudados, a seca é considerada prolongada desde 2012.

A diminuição brusca no volume de ambos os reservatórios piorou muito a qualidade da água,

aumentando significativamente a quantidade de fósforo e, consequentemente, a biomassa algal

(Naselli-Flores, 2003). A principal entrada deste nutriente em ambientes aquáticos do semiárido se

dá por poluição difusa, chegando ao corpo hídrico por meio das chuvas (Oliveira, 2012; Medeiros,

2016). Em períodos de escassez de chuvas, não há entradas externas de nutrientes (Naselli-Flores,

2003), logo o aumento do fósforo na água é devido, principalmente, à quantidade de nutriente

autóctone que foi concentrada por causa da diminuição na volume de água (Volohonsky, Shaham,

& Gophen, 1992).

Durante o período analisado (de 2015 a 2016), foram registradas chuvas resultando no

aumento do volume dos reservatórios. Esse aumento de volume refletiu na diminuição das

17

concentrações de fósforo, principalmente total, sólidos e clorofila-ɑ, sendo resultado da grande

entrada de água nos reservatórios oriunda das chuvas, proporcionando uma melhoria na qualidade

da água (Arreghini et al., 2005). Contudo, foi observado um aumento da proporção de FRS em

ambos os reservatórios, ressaltando a importância da chuva como fonte de entrada de nutrientes

para esses ambientes em decorrência da lixiviação da poluição difusa. Por isso a melhoria pode ser

momentânea, visto o que o altos valores de FRS associados com as elevadas temperaturas da região

podem favorecer o crescimento fitoplanctônico.

Os dados apresentados mostraram que os reservatórios Gargalheiras e Cruzeta são ambientes

bastante distintos quanto a sua composição das formas de P. Em Gargalherias encontramos a

predominância de sólidos orgânicos, além de valores maiores de clorofila, em grande parte do

período de estudo. Como consequência as formas de fósforo predominantes neste reservatório

foram o PP e o POD. Os menores valores de concentração de FRS no reservatório de Gargalheiras

foram encontrados nos períodos de maior concentração de biomassa algal. Esta relação é explicada

pela rápida captura do FRS pelo fitoplâncton (Reynolds, 2006).

O reservatório Cruzeta teve um comportamento singular para os reservatórios do semiárido. A

predominância de sólidos inorgânicos nesse reservatório propiciou uma elevada turbidez. Este fato

pode ser causado pela ressuspensão do sedimento através da ação dos ventos, já que o mesmo

reservatório apresentou baixas profundidades (< 2,5 m) durante todo o período do estudo. Uma

menor disponibilidade de luz na coluna d’água pode levar a inibição do crescimento

fitoplanctônico, como reportado em outros estudos no semiárido brasileiro (Medeiros et al., 2015;

Braga et al., 2015). Como resultado, o reservatório Cruzeta apresentou menores valores de

clorofila, apesar das altas concentração de FRS, em comparação com o reservatório Gargalheiras.

Em um estudo realizado no lago Vest Stadil Fjord, na Dinamarca, durante 7 dias variando a

velocidade do vento, verificou-se os maiores valores de sólidos suspensos e fósforo total na água,

evidenciando que a ressuspensão e o aumento de fósforo na água podem ter relação (Søndergaard et

al., 2003). Este é um fator que pode ter influenciado os valores elevados durante os meses mais

secos (menos profundos) em ambos os reservatórios. Os valores de sólidos também são condizentes

com essa situação. Em ambos os reservatórios aumentaram tanto os sólidos orgânicos quanto os

inorgânicos nos meses mais rasos, nos quais o vento conseguiu misturar mais a coluna dágua e

chegar até o sedimento, podendo indicar a ressuspensão desse e provavelmente maior liberação de

fósforo. Em Cruzeta, como mencionado anteriormente, essa situação foi observada durante todo o

período analisado, por causa de sua baixa profundidade.

Em abril e maio de 2016, a coluna d’água de Gargalherias estratificou termicamente. Isso

porque com as chuvas elevadas em março e abril, houve uma grande entrada de água, a qual estava

com um termperatura superior a da água do reservatório. Isso fez com que a coluna d’água não

18

fosse misturada. Os dados de fósforo de Gargalheiras podem comprovar isso: os maiores valores de

P verificados no fundo não representam liberação do sedimento, mas sim, a camada de água que

estava superficial no mês anterior às chuvas, e que apenas foi sobreposta pela camada de água nova.

A hipótese deste trabalho era de que os altos valores de P na água, durante períodos de

escassez hídrica, podem ser resultado não apenas da concentração de nutrientes, mas também da

alta liberação do sedimento. Entretanto, a distribuição vertical de P na coluna d’água não é

suficiente para verificar se está havendo liberação ou ainda qual o potencial do sedimento de liberar

P. É necessário conhecer o comportamento do fluxo de P liberado de acordo com as variáveis

ambientais, bem como qual a composição e os tipos de fósforo existentes no sedimento, afim de

verificar os mecanismos e variáveis que mais influenciam na liberação. Essas informações darão

suporte para planos de restauração dos ambientes estudados, assim como as quantidades e os tipos

predominantes de fósforo na coluna d’água, aqui apresentados, também são importantes.

Referências

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of Water and Waste-water, 20a edn. Washington: APHA, AWWA and W.E.F, Washington,

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