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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14 TÓPICO Adolpho José Melfi e Célia Regina Montes 14.1 Introdução 14.2 O ciclo da água 14.3 Intemperismo das rochas 14.4 Intemperismo e Pedogênese 14.5 Morfogênese: formação do relevo terrestre 14.5.1 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais e subterrâneas 14.5.2 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais 14.5.3 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas subterrâneas 14.5.4 As formas de relevo associadas à dinâmica dos ventos 14.5.5 As formas de relevo associadas à dinâmica do gelo 14.5.6 As formas de relevo associadas à dinâmica do mar 14.5.7 As formas de relevo de áreas alagadas

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO14 TÓ

PICO

Adolpho José Melfi e Célia Regina Montes

14.1 Introdução14.2 O ciclo da água14.3 Intemperismo das rochas14.4 Intemperismo e Pedogênese14.5 Morfogênese: formação do relevo terrestre

14.5.1 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais e subterrâneas14.5.2 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais14.5.3 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas subterrâneas14.5.4 As formas de relevo associadas à dinâmica dos ventos14.5.5 As formas de relevo associadas à dinâmica do gelo14.5.6 As formas de relevo associadas à dinâmica do mar14.5.7 As formas de relevo de áreas alagadas

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

14.1 INTRODUÇÃOAs feições morfológicas (isto é, o relevo da superfície da Terra) não são homogêneas, tam-

pouco monótonas. Ao contrário, constituem um verdadeiro mosaico, onde podem ser distin-

guidas cordilheiras montanhosas, montanhas isoladas, assim como planaltos elevados, planícies

deprimidas e regiões pantanosas, entre outras.

Essa variedade de feições encontradas na superfície dos continentes é o resultado da ação

de forças destrutivas e construtivas que promovem a erosão física e/ou químicas das rochas

(intemperismo), o transporte do material intemperizado e posterior sedimentação, que pode

ocorrer na superfície dos continentes ou nas bacias oceânicas. Essas forças, denominadas agentes

geológicos da dinâmica da Terra, tanto podem ser internas ou endógenas, geradas pela energia

interna do planeta (como por exemplo o vulcanismo, os abalos sísmicos e os eventos tectônicos,

de maneira geral), como podem ser externas ou exógenas, geradas sobretudo pela energia solar,

que controla as condições climáticas e o ciclo da água (como é o caso das águas superfíciais e

subterrâneas, do gelo, do vento, dos organismos e dos oceanos). É preciso lembrar que o homem

deve ser considerado igualmente um agente geológico, pois, através de suas atividades, altera, de

forma substancial, as feições morfológicas da superfície do planeta.

O homem sempre demonstrou, desde a Antiguidade, um grande interesse sobre as pos-

síveis causas da formação das diferentes formas de relevo. Os filósofos gregos já meditavam

sobre a durabilidade das montanhas, sobre o aprofundamento dos vales e sobre a evolução

da paisagem em geral. No século XV, Leonardo da Vinci (1452-1519) observou que os

vales eram escavados pelos seus próprios rios e que estes transportavam materiais de um

determinado local e os depositavam em outro. No século XVI, Bernard Palissy (1510-1590)

trouxe importantes contribuições para o conhecimento da superfície do planeta ao mostrar

o antagonismo existente entre as forças geológicas associadas à dinâmica do interior da Terra,

que criam as formas mais elevadas da superfície do planeta, e as forças externas que tentam

destruí-las. Mostrou ainda as relações entre escoamento de água e vegetação, salientando a

importância de plantar vegetais para minimizar os processos erosivos, e as relações existentes

entre relevo (geomorfologia) e solos (pedologia).

Entretanto, essas observações, apesar de importantes, não respondiam às questões frequen-

temente formuladas, tais como: De que modo a superfície da Terra atingiu sua configuração

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

atual? Qual a velocidade das mudanças ocorridas no relevo? Quais as forças que atuaram nas

mudanças geomorfológicas?

Foi somente no final do século XVIII que essas questões começaram, ainda que timidamente,

a ser respondidas com base em evidências científicas. James Hutton (1726-1797), considerado o

“pai da geologia moderna”, apresentou em seu livro “Theory of the Earth” as primeiras noções

sobre uma nova teoria, que viria a se tornar, posteriormente, uma doutrina geológica. A “Teoria

do Uniformitarismo”, que viria a mudar totalmente a compreensão da evolução do planeta,

que se opunha frontalmente aos cientistas da época que, liderados por Cuvier (1769-1832),

postulavam que as mudanças verificadas na superfície da Terra ocorriam por meio de eventos

catastróficos, muitas vezes determinados por intervenção divina. Essa nova teoria pregava que

os eventos geológicos que ocorreram no passado poderiam ser explicados pelos fenômenos

observados no presente, pois as leis naturais que os promoveram eram as mesmas que agem

atualmente. Resumindo, o “presente é a chave para a compreensão do passado”.

No século XIX, John Playfair (1748-1819), em sua obra “Illustrations of the Huttonian

Theory of the Earth”, publicada em 1802, elucidou as ideias de Hutton, cujo grande divulgador

foi Charles Lyell (1797-1875), que popularizou a teoria do Uniformitarismo, sob o nome de

“Princípio do Atualismo”. Deve-se ainda a Lyell o detalhamento dos processos erosivos. Um

importante avanço científico para a compreensão da evolução do modelado da superfície da

Terra veio com o aparecimento de um novo ramo das ciências da Terra - a geomorfologia

(estudo das formas da superfície do planeta). O grande nome dessa nova área das geociências foi

W.M. Davis (1830-1934), que desenvolveu a técnica da “descrição explanatória das paisagens”

definindo os ciclo geológicos que ocorrem na superfície do planeta. Em artigo publicado em

1899, apresentou um conceito fundamental da geomorfologia, que viria a ser decisivo para a

sistematização do estudo do relevo terrestre, o “Ciclo Geográfico”, consagrado posteriormente

com o nome de “Ciclo de Erosão”.

O Ciclo de Erosão estabelece a evolução teórica do relevo, que se inicia pela erosão dos

terrenos mais elevados, deformados bruscamente pela ação das forças geológicas internas do

planeta (fase juvenil de evolução do relevo) e prossegue com a redução progressiva das altitudes,

pela ação das forças geológicas externas da Terra (fase madura), até atingir o desenvolvimento

de formas de relevo suaves, levemente onduladas ou quase planas, a peneplanície (fase senil).

Na realidade, nem sempre o ciclo definido por Davis se completa, pois, enquanto os agentes

da dinâmica externa da Terra trabalham no sentido de aplainar a superfície dos continentes,

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

os agentes da dinâmica interna trabalham em sentido contrário, elevando áreas, formando os

relevos fortemente movimentados. E dessa forma o ciclo se reinicia.

O primeiro desses dois grandes ciclos (interno e externo), que dominam a dinâmica do

planeta, é responsável por trazer à superfície as rochas formadas no interior do planeta, sob

condições de altas pressões e temperaturas (constituem o meio sólido, a crosta terrestre); e o

segundo, por desestabilizar os minerais formadores das rochas, sob condições de baixas pressões

e temperaturas. As rochas, nas condições existentes na superfície, interagem com o meio líquido

(hidrosfera) e o meio gasoso (atmosfera), transformando-se em um material desagregado, friável

(saprolito), que por evolução “in situ” pode dar origem aos solos ou ser transportado e deposi-

tado pelos agentes da dinâmica externa (água, vento, gelo e mar), dando origem aos sedimentos

que posteriormente podem se consolidar, formando as rochas sedimentares.

Esses processos de alteração das rochas (intemperismo), erosão, transporte, que podem

ocorrer em solução ou em suspensão e sedimentação, em função das condições climáticas

reinantes, dão origem aos diferentes tipos de materiais encontrados na superfície do planeta

– rochas alteradas, saprolitos, solos, sedimentos e rochas sedimentares – e às diversas paisagens

que modelam a superfície da Terra. Esse conjunto de processos, principal responsável pelo

relevo, é comandado essencialmente pela água, cujo ciclo é regido por dois motores: a radia-

ção solar e a gravidade.

14.2 O CICLO DA ÁGUAA água, composto fundamental para a existência da vida na Terra, desempenha um papel

preponderante nos processos geológicos que ocorrem na superfície do planeta.

A água é onipresente na superfície da Terra, encontrando-se constantemente em movimento

entre os diversos reservatórios existentes e sob os três estados da matéria: sólido, líquido e

gasoso. Em cada etapa de seu percurso, a água dissolve os elementos químicos contidos nas

rochas ou no ar, nutre os vegetais, deposita sais minerais nos mares, lagos e oceanos, integra-se

nos tecidos e células dos seres vivos, evapora e congela ao sabor das variações de temperaturas.

A água é o composto mais abundante na superfície da Terra. Sua quantidade total, ao redor

de 1.409 x 106 km3, encontra-se distribuída em seis principais reservatórios: oceanos, atmosfera,

geleiras, águas subterrâneas, águas superficiais (lagos e rios) e matéria viva (biosfera). As transferências

de água que se operam entre os diferentes reservatórios definem o ciclo global da água (Tabela 14.1).

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Reservatórios de água Volume de água (106km3)Oceanos 1370

Calotas polares e neve 29

águas subterrâneas 9,5

águas Superficiais 0,13

Atmosfera 0,013

Biosfera 0,0006

Tabela 14.1: Reserva de água da Terra

O ciclo da água é regido, principalmente, pela evaporação da água dos oceanos e, secundariamente,

das águas da superfície dos continentes (rios, lagos, solo e vegetação), as quais se acumulam na atmosfera

sob a forma de vapor, formando as nuvens. A condensação desse vapor provoca seu retorno para a

superfície do globo, sob a forma de precipitações. Uma parte retorna, por precipitação atmosférica,

diretamente para o oceano, enquanto outra parte cai sobre os continentes, onde os solos vão desem-

penhar um papel importante no direcionamento do fluxo de água para três diferentes direções: (i)

parte da água escoa na superfície, formando os cursos d’água (escoamento superficial); (ii) outra parte

pode sofrer evaporação ou, ainda, ser absorvida pelas plantas e em seguida liberada na atmosfera por

transpiração, a chamada evapotranspiração (em áreas de clima quente e úmido, a floresta devolve para

a atmosfera até 70% da precipitação); (iii) e, finalmente, a terceira parte permanece no solo e, pela ação

da gravidade, se aprofunda progressivamente até encontrar as águas subterrâneas (infiltração).

O ciclo da água permite o aparecimento dos quatro grandes processos que atuam na su-

perfície do globo (intemperismo, pedogênese, erosão e sedimentação), responsáveis diretos pela

transformação do modelado terrestre, pela composição química e qualidade das águas e, sobre-

tudo, pela manutenção da vida que se desenvolve na Terra.

14.3 INTEMPERISMO DAS ROCHASO intemperismo das rochas promove modificações na constituição física (desagregação) e

química (decomposição) das rochas aflorantes na superfície dos continentes. Qualquer tipo de

rocha – magmática, metamórfica ou sedimentar, desde que exposta à ação do intemperismo –

sofre transformações que levam à formação de um material que se encontra em equilíbrio com

as condições existentes no meio ambiente (baixas pressões e temperaturas e altamente hidratado).

Esse material, denominado saprolito (rocha podre) ou ainda regolito ou alterita, forma um manto

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de material friável, que recobre, de forma quase contínua, as rochas aflorantes na superfície da

Terra. Sua espessura bastante variável depende da posição ocupada no relevo e da zona climática

onde ele se desenvolve. O estudo e a caracterização de suas propriedades são realizados a partir

da análise do perfil de alteração, que corresponde a uma determinada seção vertical do manto de

intemperismo, que vai desde a rocha fresca até o topo do solo (Figura 14.1).

Dois tipos de intemperismo que, em geral, atuam em conjunto são responsáveis pelas modifi-

cações sofridas pelas rochas na superfície da Terra: intemperismo físico e intemperismo químico.

• Intemperismo físico: é o processo que provoca a desagregação das rochas, isto é, transforma

uma rocha, geralmente dura e compacta, em um material fragmentado e friável. Sua atuação

modifica a estrutura da rocha original sem, contudo, modificar sua composição química e

mineralógica. O intemperismo físico se manifesta pela fragmentação da rocha mediante esfor-

ços físicos causados: (i) pela variação diuturna ou sazonal da temperatura, a qual provoca con-

trações e dilatações diferenciais de seus constituintes minerais, destruindo a coesão da rocha;

(ii) pelo aumento do volume da água situada no interior de fraturas e fissuras das rochas por

efeito do congelamento (cerca de 10%); (iii) pelo aumento da pressão derivada da cristalização

de sais existentes em soluções aquosas no interior de fraturas das rochas; (iv) pela pressão

provocada pelo crescimento de raízes no interior de fraturas das rochas.

Esse tipo de intemperismo é dominante nas regiões áridas e semiáridas do globo, enquanto

nas regiões úmidas sua ação facilita uma maior interação entre as soluções aquosas de alteração

e os minerais formadores das rochas.

Figura 14.1: Perfil de alteração da rocha

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• Intemperismo químico: é o processo dominante na alteração das rochas na superfície do

globo. Ele age por meio de reações entre a água da chuva que percola as rochas e os minerais

que as constituem, promovendo suas dissoluções.

Várias reações químicas se processam entre as soluções aquosas e os minerais, como dissolu-

ção, hidrólise e oxidação, por exemplo. As reações de oxidação afetam somente os minerais que

possuem mais de um estado de oxidação, como o ferro, que nos minerais formadores das rochas

aparece, via de regra, na forma Fe2+, enquanto nos produtos do intemperismo ocorre na forma

de Fe3+ (FeOOH – goethita). A dissolução é o processo pelo qual minerais altamente solúveis,

como o NaCl (sal de cozinha), passa diretamente para a solução (Na+ e Cl-). Entretanto, este

não é o caso da maior parte dos minerais formadores das rochas, como, por exemplo, quartzo, fel-

dspatos, micas, anfibólios etc., que sofrem dissoluções bem mais lentas e quase sempre parciais. Na

hidrólise, reação mais importante do intemperismo, a água se ioniza, agindo por meio de seus íons

H+ e OH-. O íon H+ entra na estrutura dos silicatos, deslocando para a solução especialmente os

cátions alcalinos (Na+ e K+) e alcalinos terrosos (Ca2+ e Mg2+). A estrutura do mineral na interface

sólido/solução entra em colapso, é rompida e libera para a solução Si e Al. Esses elementos, menos

móveis que os alcalinos e alcalinos terrosos, podem se recombinar formando minerais secundários

sílico-aluminosos, como por exemplo os argilominerais (caulinita, por exemplo).

As reações de hidrólise dependem das condições de pH do meio e do fluxo (intensidade)

das soluções no contato com as rochas em vias de alteração. De acordo com o pH, a hidrólise

pode ser normal (hidrólise, propriamente dita – pH 5-9), ácida (acidólise – pH < 5) ou alcalina

(alcalinólise – pH > 9). A hidrólise normal, de maior representatividade na Terra, ocorre nas

regiões tropicais e temperadas do globo e varia em função da intensidade do fluxo das soluções,

que por sua vez depende do clima e da topografia da região.

14.4 INTEMPERISMO E PEDOGÊNESE Significando etimologicamente gênese do solo, pedogênese é o processo que, atuando con-

juntamente com o intemperismo, promove, na parte mais superficial do perfil de alteração,

a formação de um corpo organizado, que é o solo, que pode ser definido “como um corpo

natural que recobre parte da superfície da Terra, suportando o crescimento das plantas e que

apresenta propriedades resultantes do efeito do clima e organismos sobre o material de origem,

condicionados pelo relevo durante um determinado período de tempo”.

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Quem primeiro observou a relação direta existen-

te entre o intemperismo das rochas e os solos foi o

cientista russo B.B. Dokoutchaev, em 1833. Deve-se a

ele o conceito de solo como função de cinco fatores

principais – material de origem, clima, relevo, orga-

nismos e tempo –, reconhecendo igualmente o papel

preponderante exercido pelo clima na sua formação.

Jenny (1941) consagrou esses fatores na conhecida

equação Solo = f (m.o, c, r, o, t), onde o solo é função

do m.o., material de origem, c, clima, r, relevo, o,

organismos e t, tempo.

Os fatores de formação do solo são os mesmos

que controlam o intemperismo e que levam à for-

mação do saprolito.

Quatro mecanismos são fundamentais para re-

organizar o saprolito e promover a formação do

solo: adição, subtração, transformação e translocação

(Figura 14.2). (i) adição de matéria, proveniente de

fontes externas, incluindo matéria orgânica de origem

animal ou vegetal, poeiras minerais vindas da atmosfera e sais minerais trazidos por fluxo as-

cendente de soluções; (ii) perdas de matéria provocada pela lixiviação tanto física (matéria

particulada) quanto química (em solução); (iii) transformação de matéria em contato com os

produtos da decomposição “post mortem” da matéria vegetal e animal, e por intemperismo (iv)

transferência ou translocação de matéria por fluxos de soluções no interior do material (mo-

vimentos laterais e verticais) ou, principalmente, pela fauna (bioturbação), sendo as minhocas,

seguidas pelas formigas, os bioturbadores mais eficazes.

A atuação desses quatro mecanismos no decorrer de um determinado tempo vai pro-

mover o aparecimento de um material organizado em camadas, sensivelmente paralelas à

superfície do terreno e que se diferenciam entre si por características físicas (cor, textura,

estrutura etc.) e químicas/mineralógicas (argilominerais, óxidos, hidróxidos etc.). Essas

camadas, denominadas horizontes, formam no seu conjunto uma sequência vertical que

caracteriza o perfil de solo (Figura 14.3).

Figura 14.2: Mecanismos que permitem a reorga-

nização do saprolito e sua traformação em solo.

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O perfil de solo comporta, portanto, uma série de horizontes, cujo número e propriedades

variam em função do tipo de solo e de seu estágio de evolução. São cinco os principais grupos

de horizontes, denominados “horizontes chaves”, e representados pelos símbolos O, A, E, B e C.

• Horizonte O: Camada orgânica, formada essencialmente por matéria vegetal morta,

parcial ou totalmente decomposta.

• Horizonte A: Nos solos desprovidos do horizonte O, é a camada mais superficial do

perfil, constituída essencialmente por matéria mineral (minerais residuais da rocha original

e/ou minerais neoformados), a qual se encontra associada à matéria orgânica. A presença de

matéria orgânica confere a essa camada uma coloração escura.

• Horizonte E: Camada mineral situada abaixo do horizonte A, mas nem sempre presente,

representando a zona de máxima lixiviação ou eluviação dos constituintes do solo (húmus,

argilominerais, elementos químicos, tais como Fe, Al e outros). A saída de matéria orgânica

e de ferro confere a essa camada uma coloração bastante clara.

• Horizonte B: Camada mineral de máxima iluviação, isto é, representa o horizonte de acumulação

dos materiais do solo provenientes dos horizontes superiores como, por exemplo, os argilominerais.

• Horizonte C: Considerado o material de origem do solo (saprolito), trata-se de um

horizonte quase que unicamente mineral, formado por uma mistura de fragmentos de rocha

alterada e minerais, sendo pouco ou nada afetado pelos processos pedogenéticos.

Figura 14.3: Perfil de solo, onde se encontram representados os horizontes chaves (diagnósticos).

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14.5 MORFOGÊNESE: FORMAÇÃO DO RELEVO TERRESTRE

As formas de relevo encontradas nos continentes estão em constante transformação, que

pode ser muito rápida, como por exemplo um grande evento de deslizamento de terra em áreas

montanhosas, ou, ao contrário, demasiadamente lenta, quase imperceptível ao homem, como

a erosão provocada por um pequeno riacho correndo sobre um terreno levemente ondulado.

Essas transformações são frequentemente provocadas pelos já citados agentes da dinâmica externa

da Terra. O intemperismo, formando geralmente materiais friáveis e inconsolidados (saprolitos e

solos), a partir de rochas compactas e duras, facilita a atuação dos fenômenos de erosão, transporte e

sedimentação e, consequentemente, apresenta um papel relevante na formação do relevo terrestre.

14.5.1 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais e subterrâneas

A ação geológica das águas é de fundamental importância para a formação dos relevos das

regiões continentais do globo. Associadas a ela temos as feições como escorregamentos de

encostas, boçorocas, vales fluviais, planícies aluviais, deltas, carste etc. Algumas dessas feições

representam evoluções aceleradas da paisagem por causas naturais ou induzidas pelo homem,

como por exemplo os escorregamentos de terra e as boçorocas.

• Escorregamentos de encostas: represen-

tam a movimentação das coberturas de alteração

(rocha, saprolitos e solos) em encostas de morros.

Elas podem ser rápidas e catastróficas, atingindo

velocidades superiores a 100km/h, ou muito

lentas, da ordem de alguns centímetros por hora.

O fenômeno ocorre pela intensa infiltração de

água no manto de alteração superposto às rochas

inalteradas em terrenos acidentados. O peso do

material embebido de água e a diminuição do

atrito entre a rocha fresca e o material alterado Figura 14.4: Deslizamento de terra em Teresópolis (RJ).

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provocam o deslizamento desse material morro abaixo, carregando solo, saprolito, blocos de rocha

fresca etc. (Figura 14.4).

• Boçoroca: outra feição ligada ao escorregamento de terra é a formação de boçorocas

(ou voçorocas). São cortes profundos que se instalam no manto de alteração, provocados

pela ação conjunta de águas superficiais (infiltrando e encharcando um manto de alteração

arenoso) e subterrâneas (flutuações do nível freático), permitindo o transporte de uma

grande massa de material alterado.

Esses rasgos, cuja formação é facilitada

pelo mau uso da terra, podem atingir

mais de uma centena de metros de

profundidade, larguras da ordem de

dezenas de metros e comprimentos de

alguns quilômetros. Campos de boço-

rocas são encontrados em vários esta-

dos brasileiros, como Minas Gerais e

São Paulo, por exemplo, e respondem

pela degradação de enormes áreas

com solos próprios para a agricultura

no Brasil (Figura 14.5).

14.5.2 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas superficiais

A dinâmica das águas superficiais dá origem às paisagens que nos são familiares, formadas por

vales separados por cristas, planícies aluviais e planaltos. A evolução desse relevo é comandada

pelos rios que escavam e aprofundam seus leitos e vales, e transportam os fragmentos de rochas,

materiais alterados e solos provenientes das encostas.

O poder de erosão, transporte e sedimentação de um rio varia em função da topografia

local, do regime de chuva da região que ele atravessa e da carga sólida por ele transportada.

Essas variáveis definem sua capacidade de erodir, transportar e sedimentar materiais. A erosão e

o transporte de materiais, além de mecânicos (transporte em suspensão de fragmentos rochosos

de tamanhos variados), podem ser químicos, devido às reações de dissolução que ocorrem entre

Figura 14.5: Boçoroca na região sudeste do Brasil.

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

as rochas e a água. Nesse caso, o transporte se dá em solução, e as espécies químicas transportadas

vão, via de regra, se acumular nas bacias oceânicas.

A ação de erosão, transporte e sedimentação não é a mesma em todo o percurso do rio, variando

em função de sua velocidade e energia. No curso superior do rio, próximo à sua nascente (fase juve-

nil do rio), predominam as atividades erosivas e de transporte. Nesse trecho, o rio escava e aprofunda

seu leito, formando vales em “V” agudo. No curso médio (fase madura), o rio diminui o poder de

transporte, havendo deposição dos fragmentos maiores, que protegem o leito do rio da erosão. Nessa

fase, o vale se alarga (“V” aberto), pois a erosão atua mais lateralmente que no seu leito. É comum a

formação de meandros, no interior dos sedimentos que ele próprio depositou. Finalmente, próximo

à foz (fase senil do rio), o poder erosivo é praticamente nulo e a sedimentação de partículas mais

finas permite a formação de planícies aluviais e em seu interior o rio forma meandros divagantes,

deixando partes de antigos meandros abandonados (Figura 14.6).

Uma feição comum na paisagem fluvial é a presença de cachoeira, cuja formação ocorre

quando o rio atravessa uma zona de contato entre rochas com diferentes resistências à erosão.

Falhas geológicas também podem dar origem a cachoeiras.

Certas regiões litorâneas, nas desembocaduras de rios que transportam grandes quantidades

de sedimentos, podem apresentar formas de relevo particulares, que são os deltas. O nome se

deve à forma da sedimentação, semelhante ao D grego (∆ delta), que caracteriza a desemboca-

dura de rios em mares onde não existem correntes marinhas capazes de transportar os sedimen-

tos depositados, formando-se cones de sedimentação, que avançam mar adentro (Figuras 14.7).

Essas regiões apresentam grande interesse geológico, devido ao fato de que importantes reservas

de petróleo e gás foram encontradas em ambientes deltaicos.

Figura 14.6: Fases de um rio - fase juvenil, máximo poder de erosão, vale em V agudo; fase madura, menor poder erosivo, vale em V aberto, formação de meandros; fase senil, poder erosivo quase nulo e formação de meandros divagantes e formação de planície ampla.

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

14.5.3 As formas de relevo associadas à dinâmica das águas subterrâneas

Uma paisagem bastante particular, associada à ação das águas subterrâneas, é encontrada em

regiões de rochas carbonáticas (calcários e dolomitos). A reação entre a água e essas rochas de fácil

dissolução dá origem a um relevo denominado carste (karst, cidade da antiga Iugoslávia, onde

essa forma de relevo foi descrita pela primeira vez), que se caracteriza pela quase total ausência

de uma rede hidrográfica de superfície, sendo substituída por uma importante circulação de água

subterrânea, que provoca a dissolução das rochas carbonáticas, dando origem a grutas e cavernas

calcárias (endocarste). Na superfície, o relevo (exocarste) se materializa por formas de dissolução

(lapiás), de abatimento do solo (dolinas), paredões, arcos de rochas e cânions (Figura 14.8 a, b,

c). Uma outra característica dos carste é a quase total ausência do manto de intemperismo (solos

e aleteritas) recobrindo as rochas calcárias, devido à sua forte dissolução (erosão química).

14.5.4 As formas de relevo associadas à dinâmica dos ventos

O vento, apesar de ser onipresente na superfície da Terra, atua como agente geológico na formação

de relevos somente em regiões desprovidas de vegetação, isto é, nas regiões desérticas do globo, sejam

elas quentes (deserto do Saara, África), temperadas (deserto de Atacama, Chile) ou frias (tundras da

Sibéria). Nessas regiões, o vento torna-se um importante agente de erosão, transporte e sedimentação.

Mesmo os ventos de alta velocidade têm capacidade para transportar somente partículas finas

Figura 14.7: Dois grande deltas fluviais: a) Delta do rio Nilo (Egito) e b) delta do rio Amazonas (Brasil)

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

(poeiras), que podem ser elevadas a centenas de metros de altura e transportadas a milhares de

quilômetros de distância, como, por exemplo, as tempestades de poeiras vermelhas provenientes

do Norte da África atingindo o sul da Europa (“chuvas de sangue”).

As partículas maiores (areia fina) são transportadas a distâncias menores e depositadas assim

que o vento perde velocidade ao encontrar um obstáculo qualquer. Formam-se então acumu-

lações de sedimentos arenosos finos, dando origem às feições mais características, porém não as

mais representativas, da paisagem de regiões desérticas, que são as dunas. Essas formações móveis

e transitórias podem ser de diferentes tipos, sendo os mais comuns as dunas do tipo barcana

(Figura 14.9 a) e os campos de dunas lineares, “seif ”. Mas a feição mais comum das paisagens

desérticas não são as dunas arenosas, mas sim os desertos pedregosos ou rochosos, onde maciços

rochosos, blocos e fragmentos de rochas se acumulam “in situ”, devido ao transporte das frações

mais finas. O resultado é a formação de um pavimento de pedras, que geralmente constitui a

maior porção das áreas desérticas (Figura 14.9 b).

Figura 14.8: Feições morfológicas em relevos cársticos: a) Lapiás, formação devida a dissolução Superficial das rochas carbonáticas; b) dolina, depressão na superfície do terreno provocada pelo abatimento do teto de cavernas; c) cavernas em rochas calcárias, com rios subterrâneos.

A B

C

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

No interior dos desertos, as depressões formadas pela erosão eólica podem atingir o nível

freático, formando lagos, ou então colocar o nível freático próximo da superfície, de forma que

a umidade do terreno permite o desenvolvimento e manutenção de uma vegetação específica

de climas áridos, formando os Oásis, cuja extensão pode ser por vezes considerável, possibili-

tando a formação de centros populacionais (Figura 14.10).

Figura 14.9: Feições características das paisagens desérticas: a) Dunas do tipo barcanas (formas de meia lua); b)Deserto rochoso, com maciço de rochas e pavimento de pedras

B A

Figura 14.10: Oasis de Huacachima no Peru

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

14.5.5 As formas de relevo associadas à dinâmica do gelo

A acumulação e compactação da neve dão origem às geleiras, que representam grandes

massas de gelo que se acumulam nas zonas altas dos continentes e nas zonas de baixas latitudes.

Existem dois tipos de geleiras – geleiras de montanha (tipo “Alpino”) e geleiras continentais

(tipo “inlandsis”). No primeiro tipo, o gelo se acumula em vales entre cadeias montanhosas e,

no segundo, a massa de gelo cobre grandes áreas continentais (Antártica e Groenlândia).

A ação do gelo para a formação de relevo é bastante diferenciada. Nas zonas montanhosas, o gelo é

um agente erosivo muito eficaz, sobretudo pelos fragmentos rochosos incorporados à sua massa duran-

te o seu deslocamento e que funcionam como verdadeiras escavadeiras. Dessa forma, grandes bacias

(circos glaciais, Figura 14.11 a) e vales em forma de “U” são modelados pelo gelo (Figura 14.11 b).

Feições erosivas comuns em ambientes glaciais são as estrias deixadas em rochas duras pela

passagem do gelo, devido aos fragmentos de rochas incorporados à sua massa (Figura 14.12

a), assim como formas específicas de erosão como, por exemplo, as rochas “moutonnées, assim

chamadas por serem rochas arredondadas que parecem carneiros deitados (Figura 14.12 b).

A B

Figura 14.11: a) Geleira do tipo Alpina, mostrando no alto a zona de alimentação da geleira na forma de uma Grande bacia (circo glacial); b) Vale glacial em forma de U. Difere do vale fluvial em forma de V (Vale Glacial do Zêzere, Portugal).

Figura 14.12: a) Rocha moutonnée, Peninsula de Melville (Canadá); b) Pavimento polido com estriais formadas pela passagem do gelo (Município de Palmeira, PR).

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

Ao se deslocar, a geleira, ao mesmo tempo que provoca erosão, transporta materiais. Ao contrário

das águas superficiais e do vento, que carregam partículas de um determinado tamanho, em função

de sua velocidade, o gelo transporta fragmentos de rochas e partículas de diversos tamanhos, desde

matacões e seixos até partículas muito finas, de dimensões de argilas. Com velocidades que variam

de algumas dezenas de metros a várias centenas de metros por ano, as correntes de gelo transportam

esses materiais que, ao se depositarem por ocasião da fusão do gelo, formam sedimentos mal selecio-

nados que dão origem aos tilitos, rocha típica das paisagens glaciais (Figura 14.13 a).

Na zona a jusante, a fusão dos glaciais possibilita

que a água proveniente do degelo retome o trabalho

de erosão, transporte e sedimentação. Nessas paisagens,

denominada periglacial ou pós-glacial, são depositados

os sedimentos mais finos, transportados pela água, e

são frequentes as ocorrências de lagos, em cujo fundo

ocorre uma sedimentação rítmica, intercalando cama-

das com cores claras e escuras, que correspondem às va-

riações climáticas. Essas rochas, denominadas varvitos,

podem apresentar, incluídos em suas camadas, blocos

de rochas (seixos pingados) originados da fusão do gelo

que boiava nas águas dos lagos (Figura 14.13 b).

Figura 14.13 A: Tilito no Município de Salto, SP, testemunho da glaciação ocorrida no Brasil há cerca de 300 milhões de anos.

Figura 14.13 B: Varvito, formação lacustre-glacial, mostrando bloco de rocha caído devido ao degelo de um bloco de gelo que boiava na superfície do lago. Parque do Varvito, Itú (SP)

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A SUPERFÍCIE DA TERRA : INTEMPERISMO, EROSÃO, TRANSPORTE E SEDIMENTAÇÃO 14

14.5.6 As formas de relevo associadas à dinâmica do mar

A linha de contato entre os continentes e os oceanos, isto é, o litoral, é palco de ações

destrutivas e construtivas realizadas pelos movimentos das águas do mar, que produzem feições

morfológicas bastante variadas.

Apesar de essas águas, pela sua composição química (alta concentração em sais) e dos orga-

nismos marinhos que aí habitam (moluscos, ouriços, algas microscópicas etc.), possuírem poder

de corroer as rochas, favorecendo sua desagregação, o grande trabalho geológico realizado pelos

oceanos nos litorais deve-se aos movimentos de suas águas. Esses movimentos são causados

pelos ventos (ondas), pela atração gravitacional exercida pelo Sol e pela Lua (marés) ou ainda

pelas variações de temperatura e salinidade das águas do mar (correntes marinhas).

Entre esses movimentos, são as ondas que executam a maior parte do trabalho de modela-

gem das paisagens litorâneas pelo seu alto poder destrutivo. As correntes marinhas apresentam

um papel secundário como agente erosivo, mas principal como agente de transporte e de

sedimentação do material detrítico ao longo da costa.

A ação destrutiva das ondas, denominada “abrasão marinha”, se verifica especialmente nas costas

altas – costões ou falésias – onde o impacto das águas contra as rochas pode ultrapassar, durante as

grandes ressacas, pressões de 30.000kg/m2. O impacto das ondas escava as partes baixas dos costões,

e as partes superiores sem apoio desmoronam, fazendo com que os costões recuem. Assim se formam

as “plataformas de abrasão”, faixa litorânea descoberta durante a maré baixa (praias). Se os costões

forem formados por rochas brandas, em geral sedimentares, formam-se grandes plataformas, em

geral arenosas. No caso de costões formados por rochas duras, ígneas ou metamórficas, formam-se

plataformas menores, geralmente com blocos de pedras e seixos (Figura 14.14, b ).

Figura 14.14: Costões ou falésias - a) Costão com rochas sedimentares e ampla plataforma de abrasão arenosa (Prado, BA, foto Google), b) Costão com rochas basálticas e plataforma de abrasão com blocos de rochas e seixos rolados (Grã Bretanha, foto Google).

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AMBIENTE NA TERRA Evolução

Quando a costa é plana ou apresenta uma declividade muito suave, as paisagens resultantes

diferem das de costas abruptas, pois a maior parte das feições morfológicas é de deposição, pois

a energia das ondas é gasta, sobretudo, na ação de transportar sedimentos soltos. A figura 14.15

mostra diversas formas das paisagens que podem ser encontradas nas costas planas, como por

exemplo restingas, tômbolos, baías, lagunas, entre outras.

Um aspecto particular das atividades geológicas do mar

deve-se à ação dos organismos marinhos, que, como já foi

mencionado, desempenham um papel secundário, mas não

desprezível, como um agente geológico. Na formação das

paisagens litorâneas, merecem citação os recifes de corais.

É importante salientar que nem todos os recifes são

de corais, mas certamente estes são os mais importantes,

seja em extensão seja em beleza. Os recifes que se en-

contram ao longo de quase todo o litoral do nordeste

do Brasil, interpretados erroneamente como recifes

de corais, são em sua maior parte constituídos de areia

quartzosa, cimentada por óxidos de ferro e carbonato de

cálcio (Figura 14.16).

Os recifes de corais constituem uma sedimentação

original, típica dos mares tropicais e subtropicais atuais, Figura 14.16: Recifes de arenitos na praia da Boa Viagem (Recife, PE).

Figura 14.15: Paisagem litorânea encontrada em costas baixas

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gerados por organismos coloniais, dotados, em sua maioria, de esqueletos calcários, que são os

responsáveis pela estrutura rochosa formada (Figura 14.17).

14.5.7 As formas de relevo de áreas alagadas

As áreas alagadas ou “wetlands” ocupam cerca de 6% da superfície do planeta, ocorrendo

em todos os continentes, com exceção do continente Antártico, e sob todos os tipos de clima.

Formam extensas planícies, que se encontram temporária ou permanentemente inundadas por

lâminas de águas rasas, via de regra estagnadas ou com fluxo extremamente lento e que podem

ser salgadas, doces ou salobras.

As paisagens formadas nessas planícies são bastante diversificadas, incluindo manguezais,

banhados, pântanos, tundras, entre outras.

A erosão nessas regiões é praticamente nula, sendo a sedimentação o processo geológico

dominante, caracterizado pela deposição de sedimentos constituídos por partículas muito finas,

dando origem a um material friável argiloso, rico em matéria orgânica, em nutrientes e em

matéria vegetal em decomposição (turfas). São habitats ricos em biodiversidade e favoráveis

para o desenvolvimento de muitas espécies de animais e vegetais. São áreas importantes para o

meio ambiente por constituírem sorvedouros naturais de gases de efeito estufa, por protegerem

da erosão as margens dos rios, por prevenirem enchentes e melhorar a qualidade das águas, pois

são verdadeiros filtros naturais purificando as águas de superfície. Apesar disso, infelizmente, são

Figura 14.17: Recifes de corais na baía dos Porcos (Arquipélago de Fernando de Noronha).

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áreas fortemente agredidas pelas atividades antrópicas, que visam ao desenvolvimento urbano,

ao uso agrícola do solo, ao desmatamento etc.

Nas regiões litorâneas, os manguezais, formando uma estreita faixa de floresta alagada com

água salobra, são feições representativas das regiões tropicais e subtropicais do planeta (Figura

14.18). No Brasil, os manguezais ocupam uma área de 20.000km2, distribuindo-se desde o Amapá

até o Estado de Santa Catarina (Figura 14.19), estando comumente associados a regiões estua-

rinas, com importante sedimentação de argila, e recortadas por canais (gamboas), lagoas ou bacias.

Figura 14.18: Em verde, representação da distribuição mundial dos manguezais tropicais e subtropicais.

Figura 14.19. Manguezais da região nordeste do Pará e noroeste do Maranhão. Áreas alagadas com água salobra e sedimentação argilosa.

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Os pântanos, com distribuição mundial, apresentam características semelhantes aos mangue-

zais, representando áreas de sedimentação argilosa. Um bom exemplo desse tipo de área alagada

é o Pantanal Mato-grossense, conhecido e reputado em todo o mundo pela sua beleza natural

e pela diversidade de sua fauna e flora (Figura 14.20).

Finalizando, é importante frisar que os agentes naturais modeladores do relevo, e importantes

na formação desse magnífico mosaico de paisagens, encontram hoje um aliado muito impor-

tante, o homem. O homem representa um agente geológico que não pode ser negligenciado,

pois seu poder de movimentar materiais na superfície da Terra (mineração, construções civis

etc.) é comparável àquele representado pelas forças da dinâmica externa.

Figura 14.20: Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense

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