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Integração do território brasileiro e expansão do sistema elétrico
nacional: o “Programa Luz para Todos” do governo federal e a
ampliação do acesso aos bens de consumo.
Cecy Meira Rosa de Souza Graduanda do curso de graduação em Geografia
Universidade Estadual Paulista (UNESP-Rio Claro) Email: [email protected]
Fabrício Gallo
Prof. Dr. do Departamento de Planejamento Territorial e Geoprocessamento do Instituto de Geociências e Ciências Exatas da
Universidade Estadual Paulista (UNESP-Rio Claro) Email: [email protected]
Introdução e justificativa
As discussões acerca da integração do território brasileiro são fundamentais para
a busca de elementos que ajudem na compreensão da organização territorial no atual
período. Buscar um método para se tentar aprofundar tal análise é tarefa que consiste
em se levar em conta diversos aspectos da realidade. O recorte analítico de nossa
proposta de trabalho visa entender como se desenvolve o processo de expansão do
acesso às redes de distribuição de energia elétrica no Brasil. No período atual, de um
lado a renovação seletiva das materialidades nos lugares, associada i) ao dinamismo
econômico gerado em alguns municípios beneficiados pela concentração de
infraestruturas e ii) pela elevada densidade técnica seria apenas uma das faces do
processo de integração territorial. A outra face deste processo é a manutenção de
espaços do território nacional onde se observa a inexistência de infraestruturas básicas
para a sociedade, já que em muitas áreas do território brasileiro nem sequer a luz
elétrica é existente.
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A partir do método adotado neste trabalho sugere que não se tome o caminho de
interpretação do território nacional a partir dele mesmo, pode-se buscar sua explicação a
partir de seus usos interpretando-o como uma concreção do espaço geográfico, que é
compreendido por Santos (2002) como um conjunto indissociável, solidário e
contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações. Conforme Santos e Silveira
(2001, p. 11) para se interpretar o território como ator e não apenas como um palco, isto
é, entender o território no seu papel ativo, deve-se buscar “apreender a constituição do
território, a partir dos seus usos, do seu movimento conjunto e de suas partes,
reconhecendo as respectivas complementaridades”.
Para tanto, na análise do território usado considera-se a interdependência e
inseparabilidade entre a materialidade e seu uso. Explicar os nexos entre um processo e
outro se coloca como uma questão chave à compreensão do território usado (SANTOS
et al., 2000; SANTOS & SILVEIRA, 2001; SILVEIRA, 2009).
O território usado constitui-se como um todo complexo onde se tece uma trama de relações complementares e conflitantes. Daí o vigor do conceito, convidando a pensar processualmente as relações estabelecidas entre o lugar, a formação socioespacial e o mundo. (SANTOS et al., 2000, p. 104-105).
Esse território usado pode ser entendido como sinônimo de espaço geográfico
(SANTOS & SILVEIRA, 2001, p. 20), “essa categoria, território usado, aponta para
necessidade de um esforço destinado a analisar sistematicamente a constituição do
território”. Este trabalho está em estágio inicial e, por isso, faz-se conveniente indicar
que seu intuito primário é interpretar o território usado no Brasil a partir da expansão
das redes de distribuição de energia elétrica identificando os agentes neste processo e
suas intencionalidades.
Antas Jr. (2009) lembra que foi a partir dos anos 1950 que o Estado brasileiro
passou a empreender uma intervenção inédita no setor elétrico nacional, inicialmente
com a construção da empresa estatal Furnas (1957) seguida da organização da holding
Eletrobrás (em 1962) que teria o papel de planejar a construção e funcionamento das
empresas estaduais e federais. “Num curto período, organizou-se um sistema de
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produção, transmissão e distribuição de energia elétrica estatal, que regulava aspectos
variados da vida cotidiana, sem mesmo a sociedade notar quanto o Estado estava
presente” (ANTAS JR., 2009, p. 37).
Foi com o Plano Nacional de Desestatização (de 1990), seguido da privatização
das empresas elétricas a partir de 1995 que se fizeram notar diferenças no setor elétrico
brasileiro:
o retorno à lógica da mercadoria conduziu a uma nova relação com o consumo de eletricidade, agora mais elitizada e estratificada devido à maximização dos lucros pelas empresas que, antes, sob domínio do poder público, forneciam a energia elétrica à população (ou era por ela pleiteada) como um bem de direito, e a política tarifária se dava em função da manutenção e da expansão do sistema técnico e não fundada em estabelecimento de preços para remuneração do capital — ocorre assim uma transformação fundamental para o consumidor de energia elétrica que deixa de ser considerado cidadão e passa a ser tratado como cliente (ANTAS JR., 2009, p. 37).
Para atingir nossa proposta de buscar entender o território usado no Brasil a
partir da expansão das redes de distribuição de energia elétrica no período atual, nosso
recorte analítico mais amplo é propor um estudo sobre a gênese e a abrangência do
Programa “Luz para Todos” do governo federal (implantado em 2003).
Segundo o MME – Ministério de Minas e Energia (2010), o programa Luz para
Todos foi criado por meio do Decreto Federal nº 4.873, de 11 de novembro de 2003 e
prorrogado pelo Decreto nº 6.442, de 25 de abril de 2008, para antecipar a universalização
do atendimento pelo serviço público de energia elétrica, mediante aporte de recurso financeiro
a fundo perdido, bem como de financiamento de longo prazo às concessionárias e
cooperativas de eletrificação rural e de comunidades ribeirinhas, de forma a mitigar o impacto
dos custos decorrentes das obras necessárias, na tarifa de todos os consumidores. Esse decreto
regulamentou o disposto nos artigos 13, inciso V, e 14, § 12, da lei nº 10.438, de 26 de abril
de 2002.
Em 22 de junho de 2009, segundo o MME (2010), o programa Luz para Todos
atingiu a marca de 10 milhões de pessoas beneficiadas com o serviço público de eletricidade
em todo o país. Foram conectadas às redes elétricas das empresas distribuidoras mais de 2
milhões de moradias, destas 90% de suas famílias possuem renda de até três salários
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mínimos; portanto, a benfeitoria permitiu-lhes executar atividades simples como utilizar uma
lâmpada ou ferro de passar roupa, assistir à televisão, refrigerar alimentos, entre outras.
O Programa está orçado atualmente em R$ 20 bilhões, dos quais R$ 14,3 bilhões são recursos do governo federal. Em conformidade com a Resolução Aneel nº 223, de 29 de abril de 2003, as concessionárias de energia teriam até dezembro de 2015 para atender a todos os domicílios sem acesso a esse serviço público. Embora seja uma ação de governo, o Programa decorre de uma ação de Estado voltado para a universalização do serviço público de energia elétrica no País, consoante disposto na Lei nº 10.438, de 26 de abril de 2002, modificada pela Lei nº 10.762, de 11 de novembro de 2003 e pela Lei nº 10.848, de 25 de março de 2004. (MME, 2010, p.18).
Segundo o MME (2000), conforme dados do Censo do IBGE do ano 2000, 58% da
região Norte e 25% da região Nordeste, são excluídos do processo de integração ao sistema
elétrico nacional por não obterem energia elétrica (convém apontar que soma-se a tais
informações o baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) apresentado nestas regiões.
Por isso, nessas regiões o governo federal implantou metas e prioridades de atendimento. Os
primeiros a receberem energia elétrica em suas casas e comunidades seriam as comunidades
remanescentes de quilombos, atingidos por barragens de usinas hidrelétricas, extrativistas,
terras indígenas e os assentados, seriam. Além de priorizar também os postos de saúde e
hospitais, escolas, melhorando ou instalando o abastecimento de água e saneamento básico.
Nota-se que a interpretação do Luz para Todos deve incorporar, além da discussão do
acesso à rede de energia elétrica, todo um novo dinamismo econômico local, interpretando a
possibilidade de integração das áreas beneficiadas, no futuro, ao mercado de bens de consumo
eletroeletrônicos. Conforme estimativa do próprio MME (2010), graças ao programa,
aproximadamente 1,57 milhão de aparelhos de TV e 1,46 milhão de geladeiras foram
comprados por beneficiários. Proporcionou oportunidade de estudo para 40,7%, de
trabalho para 34,2%, de renda para 35,6% e de saúde para 22,1% das famílias
beneficiadas. Além disso, quase a metade dos atendidos deixou de gastar com outras fontes
de energia, mais poluentes e com um custo aquisitivo maior, como diesel, gasolina,
querosene, gás ou baterias. Aqueles que foram beneficiados com o programa passam a utilizar
a energia elétrica em suas propriedades sob diversas formas: para irrigação; em bomba
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elétrica para extração d’água dos poços; em maquinários agrícolas; nos resfriadores para leite,
carne ou peixe; nas estufas agrícolas e casas de farinha; ou ainda na substituição de motores a
diesel por motores elétricos. De posse dessas informações, buscamos entender esta expansão
do acesso à energia elétrica como uma das formas de interpretar o processo atual de
integração do território brasileiro à luz das possibilidades de integração dessas áreas ao
mercado de bens de consumo eletroeletrônicos (televisores, geladeiras, liquidificadores etc.),
tradicionalmente associados do modo de vida urbano.
O programa vem trazendo novas possibilidades para as famílias que tinham a terra,
mas sem poder aquisitivo para bancar a energia advinda dos motores a diesel, muitos
trabalhadores deixavam suas próprias terras de lado e iam trabalhar para outras pessoas que
tinham condição de manter maquinários para produção. Segundo MME 4,8% dos que foram
favorecidos com o programa Luz para Todos, retornaram a morar no campo depois da
chegada da energia elétrica. Ou seja, 480 mil pessoas deixaram de dilatar os grandes centros
urbanos.
Assim podemos perceber um maior uso e ocupação do território a partir da
implantação e evolução do programa do governo federal Luz para Todos, onde milhões de
pessoas tiveram novas oportunidades de emprego e renda e serviços púbicos mais
apropriados. Como dito anteriormente o programa trouxe um retorno de algumas famílias ao
campo depois da implantação do programa em diversas regiões, além da saída de pessoas do
campo para a cidade diminuírem. Os espaços opacos – para utilizar a metáfora de Santos e
Silveira (2001) vão sendo incorporados ao sistema elétrico nacional. Ao mesmo tempo a
economia local e o poder de compra vão aumentando, ou seja, o consumo das pessoas
aumenta com eletroeletrônicos, eletrodomésticos, e assim por diante. A proposta de governo
de tornar essas regiões mais produtivas economicamente tem mostrado eficiência na sua
prática.
Como apontado anteriormente, por estar numa etapa inicial, este trabalho apresenta,
ainda, dados e informações preliminares. Para o aprofundamento de nossas análises,
consideramos ser pertinente discutir o processo de renovação das materialidades no território
brasileiro atentando-se para a expansão da rede de distribuição de energia elétrica; estabelecer
uma tipologia e uma topologia das empresas distribuidoras de energia elétrica no Brasil a
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partir dos dados e informações disponível no Ministério de Minas e Energia, no site do ONS
(Operador Nacional do Sistema) e da ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica;
elaboração de série histórica de dados com informações sobre a evolução da demanda e do
consumo de energia elétrica no Brasil; compreender o processo legal de constituição do
Programa Luz para Todos (conhecer os agentes envolvidos, os mecanismos de financiamento
da renovação e implantação das materialidades etc); entrar em contato com empresas do setor
elétrico, em especial aquelas que se dedicam à distribuição da energia, para agendar
entrevistas estruturadas direcionando as questões para temas referentes ao Luz para Todos e a
inclusão de novos “consumidores” à rede de distribuição; e preparar um conjunto de tabelas,
quadros, gráficos e mapas com os dados obtidos no decorrer da pesquisa.
Bibliografia
ANTAS JR. R. M. Uso soberano e uso corporativo das infraestruturas de energia
elétrica no território brasileiro. In Revista Estudos Amazônidas: Fronteiras e
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http://luzparatodos.mme.gov.br/luzparatodos/downloads/Manual_Operacionalizacao_LPT20
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_______. Luz para Todos. Um marco histórico. 10 milhões de brasileiros saíram da
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SANTOS, M. A natureza do espaço. Técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo:
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SANTOS, M. e SILVEIRA, M. L. O Brasil. Território e sociedade no início do
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SILVEIRA, M. L. Ao território usado a palavra: pensando princípios de solidariedade
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Eduardo Mangeon (Org.). Saúde, desenvolvimento e território. São Paulo: Aderaldo
& Rotschild, 2009.