instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

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INSTRUMENTAÇÃO E DIAGNÓSTICO DE OBRAS HIDRÁULICAS A PARTIR DA MODELAGEM NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS Gabriel Guibu Pereira Rio de Janeiro Março de 2016 Projeto de Graduação apresentado ao Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários para a obtenção do título de Engenheiro Mecânico. Presidente da banca: Anna Carla Araujo

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Page 1: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

INSTRUMENTAÇÃO E DIAGNÓSTICO DE OBRAS HIDRÁULICAS A PARTIR DA

MODELAGEM NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS

Gabriel Guibu Pereira

Rio de Janeiro

Março de 2016

Projeto de Graduação apresentado ao

Departamento de Engenharia Mecânica da

Escola Politécnica, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários para a obtenção do título de

Engenheiro Mecânico.

Presidente da banca: Anna Carla Araujo

Page 2: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

ii

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Departamento de Engenharia Mecânica

DEM/POLI/UFRJ

INSTRUMENTAÇÃO E DIAGNÓSTICO DE OBRAS HIDRÁULICAS A PARTIR DA

MODELAGEM NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS

Gabriel Guibu Pereira

PROJETO FINAL SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO DEPARTAMENTO DE

ENGENHARIA MECÂNICA DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE

FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS

PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO MECÂNICO.

Examinada por:

RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL

MARÇO de 2016

_______________________________________________

Prof. Anna Carla Araujo, DSc

_______________________________________________

Prof. Nísio De Carvalho Lobo Brum, DSc

_______________________________________________

Prof. Daniel Onofre de Almeida Cruz, DSc

Page 3: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

iii

Guibu Pereira, Gabriel

Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

modelagem numérica de escoamentos/ Gabriel Guibu Pereira. -

Rio de Janeiro: UFRJ/ Escola Politécnica, 2016.

VIII, 53 p.: il.; 29,7cm

Orientadora: Anna Carla Araujo

Projeto de Graduação - UFRJ/ Escola Politécnica/ Curso de

Engenharia Mecânica, 2016

Referências Bibliográficas: p. 49.

1. Modelagem numérica tridimensional de escoamentos fluidos.

2. Instrumentação. 3. Redes hidráulicas urbanas. I. Araujo, Anna

Carla. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola

Politécnica, Curso de Engenharia Mecânica. III. Instrumentação e

diagnóstico de obras hidráulicas a partir da modelagem numérica

de escoamentos.

Page 4: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

iv

Agradecimentos

Deve-se aqui agradecer a todos aqueles que permaneceram ao meu lado e me

auxiliaram a superar esta etapa:

A meus pais, meus avós e meu irmão Victor, por me apoiarem em todas as

circunstâncias e aceitarem, mesmo que a contragosto, as minhas decisões.

A todos os membros da 3D EAU, e especialmente a Jonathan Wertel, que desde o

início acreditou em meu potencial, e a quem espero não decepcionar.

A Sandra Isel, que se dedica diariamente a decifrar esta esfinge (e a fazê-la sorrir).

A meus amigos Antonio, Felipe, Lucas, Thiago e Yuri, por terem comparecido ao

inexistente pré-release.

Por fim, a meus professores e colegas da UFRJ, com quem tive o privilégio de

conviver durante esses anos.

Page 5: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

v

Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte

dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Engenheiro Mecânico.

INSTRUMENTAÇÃO E DIAGNÓSTICO DE OBRAS HIDRÁULICAS A PARTIR DA

MODELAGEM NUMÉRICA DE ESCOAMENTOS

Gabriel Guibu Pereira

Março/2016

Presidente da banca: Anna Carla Araujo

Curso: Engenharia Mecânica

O estudo das vazões de águas residuais e pluviais no interior das redes hidráulicas de

saneamento, em particular no caso de vertedouros, é de vital importância para a

prevenção de graves impactos ambientais e de danos à infraestrutura urbana. Grande

parte das técnicas de análise e de medição de vazão implementadas nesse contexto

se mostram imprecisas ou de cara manutenção. Este projeto apresenta a realização

do estudo de duas obras reais por meio da modelagem numérica tridimensional de

escoamentos (CFD), com os seguintes objetivos:

No primeiro é realizada a implementação da instrumentação da vazão através de um

vertedouro, com o estabelecimento de uma correlação entre a vazão extravasada e a

altura d'água medida a partir dos resultados das simulações. O segundo estudo utiliza

essa ferramenta para efetuar o diagnóstico do mau funcionamento de uma estrutura

hidráulica. Em ambos os projetos se leva em conta a característica bifásica dos

escoamentos, utilizando o método do Volume of Fluid (VoF) para determinar as fases

presentes em cada célula do domínio de cálculo, de forma a identificar a superfície

livre (interface entre o ar e a água).

Palavras-chave: Modelagem Numérica de Escoamentos, Escoamento Bifásico,

Superfície Livre, Vertedouro, Instrumentação

Page 6: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

vi

Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of

the requirements for the degree of Engineer.

INSTRUMENTATION AND DIAGNOSIS OF HYDRAULIC STRUCTURES USING

COMPUTATIONAL FLUID DYNAMICS

Gabriel Guibu Pereira

March/2016

Advisor: Anna Carla Araujo

Course: Mechanical Engineering

ABSTRACT: Measuring wastewater and stormwater flow is one of the most important

issues to overcome in the context of water sanitation systems, in particular for

Combined Sewer Overflows (CSOs). Poor flow measurement can result in serious

environmental impacts, as well as infrastructure damage. Most of the well-known flow

measurement techniques turn out to be inaccurate or expensive to maintain. This

project presents two on-site projects using a computational fluid dynamics (CFD)

software for the following objectives:

The first one displays the implementation of the flow measurement technique relying on

CFD to establish a specific correlation between the flowrate and water level

measurements. The second project show the interest of this tool in the diagnosis of an

hydraulic structure’s malfunction. Both projects are based on a two-phase approach

using the Volume of Fluid (VoF) method to determine the phases between grid cells so

as to identify the free surface level (water and air interface).

Keywords: CFD, Biphasic Flow, Free Surface, Combined Sewer Overflow,

Instrumentation

Page 7: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

vii

Sumário

1. Introdução .............................................................................................................. 1

1.1. Contexto do estudo ......................................................................................... 1

1.2. Motivação e objetivos ..................................................................................... 2

2. Revisão teórica ...................................................................................................... 3

2.1. Escoamentos internos em canal aberto .......................................................... 3

2.2. Equações de Navier-Stokes ........................................................................... 5

2.3. Fundamentos do CFD .................................................................................... 6

2.3.1 Equações médias de Navier-Stokes ........................................................ 7

2.3.2 Hipótese de Boussinesq .......................................................................... 8

2.3.3 Modelo de turbulência k-ε ........................................................................ 9

2.3.4 Modelo de turbulência k-ω ....................................................................... 9

2.3.5 A lei da parede ...................................................................................... 10

2.3.6 Volume of fluid ....................................................................................... 11

3. Modelagem 3D do vertedouro Lac d'Allier ........................................................... 13

3.1. Análise da obra hidráulica ............................................................................. 13

3.2. Modelagem do funcionamento hidráulico ...................................................... 16

3.2.1 Concepção do modelo ........................................................................... 16

3.2.2 Malha .................................................................................................... 17

3.2.3 Simulações e hipóteses de cálculo ........................................................ 20

3.3. Análise das simulações ................................................................................ 21

3.3.1 Conservação da massa ......................................................................... 21

3.3.2 Superfície Livre ...................................................................................... 21

3.3.3 Evolução estática .................................................................................. 21

3.3.4 Evolução temporal ................................................................................. 25

3.3.5 Posicionamento dos captadores ............................................................ 25

3.4. Elaboração da correlação altura x vazão ...................................................... 26

3.5. Identificação da incerteza associada às medidas ......................................... 30

4. Diagnóstico hidráulico das câmaras C e J em Auxerre. ....................................... 34

4.1. Análise da obra hidráulica ............................................................................. 34

4.2. Modelagem do funcionamento hidráulico ...................................................... 38

4.2.1 Configuração das simulações ................................................................ 38

4.2.2 Malha .................................................................................................... 39

4.2.3 Resultados das simulações ................................................................... 40

4.2.3.1 Configuração 1 ............................................................................... 40

Page 8: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

viii

4.2.3.2 Configuração 3a ............................................................................. 43

4.2.3.3 Configuração 3b ............................................................................. 44

4.3. Diagnóstico hidráulico ................................................................................... 47

5. Conclusão ............................................................................................................ 48

Bibliografia ....................................................................................................... 49

Apêndice 1 .................................................................................................................. 50

Apêndice 2 .................................................................................................................. 51

Page 9: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

1

1. Introdução

O conteúdo técnico deste projeto foi realizado no âmbito de um programa de duplo-

diploma da UFRJ com a escola francesa École Nationale Supérieure d'Arts et Métiers

(ENSAM), onde também foi apresentado como projeto de conclusão de curso e

aprovado pela professora Bénédicte Haÿne, conforme mostrado na ficha de registro

presente no apêndice 1. Os estudos aqui detalhados foram efetuados durante um

estágio na start-up de consultoria de engenharia hidráulica 3D EAU, proveniente do

laboratório ICube, que é vinculado à Universidade de Estrasburgo.

1.1. Contexto do estudo

As redes de saneamento urbano como as conhecemos hoje começaram a ser

construídas a partir do século XIX, primeiramente na Inglaterra e na França. Elas têm

como objetivo primordial a evacuação dos rejeitos líquidos produzidos nas cidades,

bem como das águas pluviais que caem sobre ela, evitando assim inundações

recorrentes.

As primeiras redes de saneamento construídas misturam os rejeitos domésticos às

águas das chuvas em enormes galerias subterrâneas, num sistema hoje conhecido

como unitário. Esse sistema é ainda hoje existente em muitas cidades européias, que

ainda se utilizam de suas antigas infra-estruturas.

Não existia, à época da construção dos primeiros esgotos, a menor preocupação com

o tratamento das águas coletadas. Isso tornava verdadeiramente insalubre o meio

natural onde elas eram despejadas. A partir do século XX a preservação ambiental

passou a ser um fator a se levar em conta, e métodos de purificação biológica da água

começaram a ser implementados [1].

Atualmente, modernas estações de tratamento estão disponíveis em cidades de médio

e grande porte. Entretanto, seria economicamente inviável projetá-las para o

tratamento de todo o volume d'água coletado. Dessa forma, elas são construídas para

atender a todo o volume de esgoto mais um certo volume correspondendo a uma

chuva de pequena ou média intensidade. Em casos de chuvas fortes, torna-se

inevitável o despejo na natureza (em geral nos rios) de uma parte do volume d'água

coletado pela rede de saneamento, de forma a evitar uma sobrecarga das estações de

tratamento. Em alguns casos, pode-se estocar uma parte do volume em excesso num

reservatório, para depois bombeá-lo à estação de tratamento. Se os reservatórios

forem preenchidos, então ocorre o despejo na natureza.

No sistema unitário, o mecanismo mais utilizado para o desvio do volume excedente

nas canalizações é o vertedouro. Ele se trata geralmente de uma abertura a uma

certa altura da canalização, através da qual ocorre o extravasamento da vazão

percorrendo essa canalização para uma outra, que conduz o volume aos rios e/ou

reservatórios. O resto da vazão é conservada no conduto original.

Page 10: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

2

Figura 1. Esquema de um vertedouro lateral

Dessa forma, num dia de pouca ou nenhuma chuva, a altura da água não atingirá o

nível da abertura, logo não haverá extravasamento. Assim, todo o volume será

conduzido à estação de tratamento. Por outro lado, num dia de chuva mais intensa,

ocorrerá extravasamento.

1.2. Motivação e objetivos

Como é de se imaginar, é extremamente importante saber quantificar o volume d'água

despejado na natureza para se estimar o impacto ambiental causado. Na França, país

onde foi efetuado este projeto, entrou recentemente em vigor uma lei que exige a

implementação de uma instrumentação que realize a monitoramento da vazão

extravasada pelos vertedouros. Isso fez crescer ainda mais a demanda por métodos

de instrumentação inovadores.

Tradicionalmente, os métodos de instrumentação da vazão d'água é realizada com a

instalação de captadores de velocidade imersos na água em conjunto com captadores

medidores da altura do nível da água. Alternativamente, pode-se propor uma

instrumentação apenas com medições da altura da água, obtendo-se a vazão a partir

de relações empíricas como a de Kindsvater ou de modelagens simplificadas com as

equações de Barré de Saint-Venant.

Entretanto, esses métodos apresentam alguns sérios problemas práticos. A instalação

de captadores de velocidade imersos na água são de cara manutenção. Uma vez que

as águas que percorrem as redes de saneamento são poluídas, transportando uma

grande quantidade de partículas sólidas, deve-se freqüentemente limpar as sondas

para garantir a precisão das medidas. Dessa forma, uma instrumentação capaz de

relacionar a vazão em função apenas da altura do nível da água se revela mais

rentável. O problema é que as relações empíricas e modelagens já mencionadas são

Page 11: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

3

válidas apenas em casos muito específicos, com hipóteses de escoamentos simples e

geometrias uniformes.

O objetivo deste projeto é o de aplicar a técnica de modelagem numérica

tridimensional (CFD) para uma obtenção mais detalhada e precisa das características

dos escoamentos através das obras hidráulicas das redes de saneamento.

No capítulo 3 é mostrado um estudo de caso cujo fim é implementar a instrumentação

para a medida de vazão d'água extravasada num vertedouro de geometria complexa.

Com os resultados das simulações CFD através dessa obra, é obtida uma correlação

única entre a altura da água e a vazão extravasada. Isso permite a instalação apenas

de captadores de medição de altura para a obtenção da vazão d'água extravasada.

O capítulo 4 mostra como as simulações CFD são aplicadas para o diagnóstico de um

mal funcionamento hidráulico. É detalhado o caso de uma grande câmara subterrânea

pertencente ao coletor de águas pluviais de uma cidade, que apresenta

transbordamentos na superfície em dias de chuva forte. Com as simulações, é

mostrado o porquê da ocorrência desses transbordamentos.

2. Revisão teórica

Neste capítulo são apresentados os fundamentos teóricos necessários para a

realização deste projeto. Primeiramente, detalha-se os princípios e propriedades dos

escoamentos aqui estudados. Define-se o conceito de superfície livre presente em

escoamentos bifásicos, os dois tipos de regimes possíveis nessa configuração e as

características da transição de um regime a outro. Esses conceitos são fundamentais

para a correta interpretação e análise dos resultados das simulações realizadas.

Em seguida, mostra-se resumidamente os alguns conceitos do CFD, que para este

projeto consiste na resolução das equações médias de Navier-Stokes através da

modelagem da turbulência. Apresenta-se também o método do Volume of Fluid, que

foi implementado nas simulações para a reprodução dos escoamentos bifásicos

estudados.

2.1. Escoamentos internos em canal aberto

Os escoamentos internos podem der divididos em escoamentos em seção plena e em

canal aberto [2]. No primeiro tipo, pode-se dizer que toda a área interna da parede do

tubo está em contato com o fluido. Os escoamentos em seção plena são relativamente

fáceis de se estudar, visto que as seções transversais do volume de controle possuem

a área constante ao longo do tempo. Isso permite a criação de relações simplificadas

para o cálculo de perda de carga e da vazão.

Os escoamentos em canal aberto são de muito mais difícil análise. A diferença se dá

por conta da superfície livre, que é a interface entre dois fluidos (normalmente o ar e

Page 12: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

4

a água), inexistente no caso da seção plena. Escoamentos com superfície livre

ocorrem por exemplo ao longo do curso de rios, ou ao através de tubos cujas seções

transversais não estão completamente cheias. A existência da superfície livre pode

ocasionar diversos fenômenos nos escoamentos, notadamente a variação do

preenchimento da seção transversal devido aos efeitos transitórios. Os escoamentos

com superfície livre ocorrem em dois diferentes regimes: Fluvial e Torrencial.

Para ilustrar esses diferentes comportamentos, considere um fluido em repouso num

canal horizontal, aberto e sem inclinação. Se num determinado momento uma

perturbação for aplicada nesse fluido, será observada a formação de ondas, que se

deslocam na velocidade de ondas de gravidade em todas as direções [3] e [4]:

𝑐2 = 𝑔𝐷𝑕 (2.1)

Onde: g é a aceleração da gravidade [m.s-2],

Dh é o diâmetro hidráulico da seção do canal [m],

c é a velocidade de onda [m.s-1].

Se refizermos a mesma experiência, mas desta vez com o fluido escoando a uma

velocidade U, podemos prever três resultados possíveis:

1. Se U < c, as ondas formadas seguirão no mesmo sentido que aquelas da

experiência original com o fluido em repouso, mas suas velocidades serão

somadas ou diminuídas à de U, segundo seus sentidos. Esta configuração é

chamada de regime fluvial.

2. Se U > c, todas as ondas formadas se propagarão no sentido do escoamento.

Isso indica que perturbações geradas num escoamento em regime torrencial

não influenciam a montante do escoamento.

3. Se U = c, atingimos o regime crítico. Nesse caso, as ondas que se

propagariam no sentido oposto do escoamento permanecem imóveis no

canal.

Podemos concluir a partir desses experimentos que o regime fluvial é caracterizado

por uma altura elevada e pequenas velocidades (energia potencial dominante) e que o

regime torrencial se caracteriza por uma altura pequena e velocidades mais elevadas

(energia cinética dominante).

É possível identificar uma transição do regime torrencial ao fluvial outro pela existência

de ressaltos ao longo do escoamento. Os ressaltos são variações bruscas da altura

da superfície livre de um escoamento em regime permanente, que indicam uma

grande perda de energia cinética.

Dessa forma, um escoamento inicialmente em regime torrencial pode sofrer perda de

carga até atingir o regime fluvial, o que é evidenciado pela presença de um ressalto

hidráulico. Isso significa que se o escoamento for perturbado em um ponto onde ele se

encontra e regime fluvial, as ondas ocasionadas por essa perturbação não

ultrapassarão o ressalto, e assim o escoamento em regime torrencial a montante não

Page 13: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

5

será afetado. Em outras palavras, os escoamentos em regime torrencial não estão

sujeitos a influências a jusante no regime permanente.

Figura 2. Representação de um ressalto hidráulico [3]

No caso da Figura 2, o escoamento a montante do ressalto é torrencial, e a jusante ele

é fluvial.

2.2. Equações de Navier-Stokes

Todas as partículas de um fluido newtoniano dentro de um volume de controle

submetidas a qualquer tipo de escoamento são regidas pelas equações de Navier-

Stokes, que representam o princípio de conservação da quantidade de movimento.

Além disso, é necessário acrescentar ao sistema o princípio da conservação da

massa. Esses dois princípios são suficientes para a descrição de escoamentos onde

não há troca de calor.

A forma derivada do princípio de conservação de massa no caso tridimensional é

escrita a seguir:

𝜕𝜌𝑢1

𝜕𝑥1+

𝜕𝜌𝑢2

𝜕𝑥2+

𝜕𝜌𝑢3

𝜕𝑥3+

𝜕𝜌

𝜕𝑡= 0

(2.2)

Para um escoamento monofásico incompressível, o valor da massa específica

permanece constante no tempo e no espaço. Nesse caso a equação se simplifica em:

𝜕𝑢1

𝜕𝑥1+

𝜕𝑢2

𝜕𝑥2+

𝜕𝑢3

𝜕𝑥3= 0

(2.2.1)

O principio da conservação da massa se simplifica também se o escoamento ocorre

em regime permanente. O termo da taxa de variação temporal da massa dentro do

volume de controle se iguala a zero:

𝜕𝜌𝑢1

𝜕𝑥1+

𝜕𝜌𝑢2

𝜕𝑥2+

𝜕𝜌𝑢3

𝜕𝑥3= 0 (2.2.2)

Page 14: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

6

Forças de campo

(gravidade)

Esforços viscosos

A conservação da quantidade de movimento para escoamentos incompressíveis e de

viscosidade constante se verifica a partir da resolução do sistema de equações

diferencias a seguir:

𝜌 𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑡+ 𝑢1

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥1+ 𝑢2

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥2+ 𝑢3

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥3 = 𝜌𝑔𝑖 −

𝜕𝑝

𝜕𝑥𝑖+ 𝜇

𝜕²𝑢𝑖

𝜕𝑥12 +

𝜕²𝑢𝑖

𝜕𝑥22 +

𝜕²𝑢𝑖

𝜕𝑥32

Com i variando de 1 a 3, temos um sistema tridimensional. A equação diferencial

mostrada acima nada mais é do que a Segunda Lei de Newton aplicada aos fluidos.

Apesar da apresentação relativamente simples das equações de Navier-Stokes, elas

consistem em equações diferenciais parciais não-lineares, o que torna muito difícil a

obtenção de suas resoluções analíticas. Dessa forma, as equações de Navier-Stokes

devem ser resolvidas com a ajuda de métodos numéricos. Esse tema será abordado

na seção 2.3.

2.3. Fundamentos do CFD

A modelagem computacional em três dimensões dos escoamentos, mais conhecida

pela sigla em inglês CFD (" Computational Fluid Dynamics"), é hoje a mais completa

ferramenta utilizada para a resolução de problemas complexos em mecânica dos

fluidos, sendo capaz de fornecer de maneira aproximada os campos escalares e

vetoriais inerentes a todos os escoamentos fluidos. Tradicionalmente empregado nas

indústrias aeronáutica e automotiva, é também usado na meteorologia, na industria

naval e, agora, na hidráulica urbana. Ao longo deste projeto foi utilizado o software

OpenFOAM® tanto para a geração da malha (a partir da ferramenta snappyHexMesh)

quanto para a realização do cálculo numérico.

Como dito ao fim da seção anterior, torna-se obrigatória a utilização de métodos

numéricos para a resolução de problemas mais complexos de mecânica dos fluidos.

Sendo o fluido considerado uma substância contínua no espaço, o emprego do

método de descrição euleriano é mais conveniente. Portanto, efetua-se um cálculo

iterativo com o espaço e o tempo discretizados.

O volume de controle estudado deve ser repartido numa malha, com células

suficientemente pequenas para levar em conta os efeitos turbulentos de pequena

escala. Essa técnica é conhecida como método dos volumes finitos. Foi demonstrado

[5] que para cada propriedade física do sistema, existe uma determinada escala

mínima, onde os turbilhões são completamente dissipados pelas forças viscosas. Elas

Termo de forças inerciais do

sistema

Gradiente de pressão

(2.3)

Page 15: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

7

são chamadas de escalas dissipativas de Kolmogorov e são escritas abaixo para o

espaço, tempo e velocidades:

𝑙 =

𝜈3

1/4

(2.4)

𝑡 =

𝜈

1/2

(2.5)

𝑣 = 𝜈휀 1/4

(2.6)

Onde: 𝑣 é a viscosidade cinemática do fluido [m².s-1],

ε é a taxa de dissipação viscosa [m².s-3].

Uma vez que 𝑣 é da ordem de 10-5 para o ar, e ε é proporcional ao cubo da velocidade

dividido pelo comprimento característico, vemos que l pode atingir uma ordem de

grandeza inferior à do milímetro. Isso impõe um enorme obstáculo para a realização

de simulações numéricas, já que quanto maior o numero de células, maior o tempo de

cálculo necessário.

Uma solução bastante eficaz para esse problema consiste em empregar as equações

de Navier-Stokes sobre as médias temporais das grandezas, o que reduz

sensivelmente a necessidade de um número tão grande de células e de tempo de

cálculo. Em compensação, a qualidade do resultado é menor, mas suficiente para a

grande parte dos casos.

2.3.1 Equações médias de Navier-Stokes

As equações médias de Navier-Stokes, também conhecidas pelo acrônimo em inglês

"RANS", foram desenvolvidas a partir da hipótese que os valores de velocidade e

pressão podem de decompostos em seus valores temporais médios adicionados de

suas flutuações [5]:

𝑢 = 𝑢 + 𝑢′

(2.7)

𝑝 = 𝑝 + 𝑝′

(2.8)

Dadas as seguintes operações com média:

𝑎 = 𝑎

(2.9.1)

𝑎 + 𝑏 = 𝑎 + 𝑏

(2.9.2)

𝑎𝑏 = 𝑎 𝑏

(2.9.3)

Pode-se facilmente deduzir que:

𝑢′ = 0

(2.10.1)

Page 16: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

8

𝑢𝑣 = 𝑢 𝑣 + 𝑢′𝑣′

(2.10.2)

Portanto, as equações médias de Navier-Stokes para escoamentos incompressíveis

são escritas como:

𝜕𝜌

𝜕𝑡+

𝜕𝜌 𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑗= 0

(2.11.1)

𝜌

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑡+ 𝜌𝑢𝑗

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗= 𝜌𝑔𝑖 −

𝜕𝑝

𝜕𝑥𝑖+

𝜕

𝜕𝑥𝑗 𝜇

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗− 𝜌𝑢′𝑖𝑢′𝑗

(2.11.2)

Nota-se que as equações médias de Navier-Stokes são idênticas às originais para as

grandezas médias, salvo pela aparição de um termo dependente das flutuações de

velocidades. Esse novo termo é chamado de Tensor de Reynolds. Trata-se de um

esforço existente devido à presença da turbulência, e que acrescenta variáveis

desconhecidas ao sistema de equações. Assim, necessita-se criar um modelo para o

tensor de Reynolds, de modo a fechar o sistema.

2.3.2 Hipótese de Boussinesq

Grande parte dos métodos de resolução das equações médias de Navier-Stokes se

baseiam na hipótese de Boussinesq. Ela consiste em considerar que o tensor de

Reynolds é proporcional à deformação do escoamento médio da mesma forma que os

esforços viscosos, de modo à linearizá-lo. Desse modo, introduz-se o conceito de

viscosidade turbulenta [5]. Diferentemente da viscosidade dinâmica, a viscosidade

turbulenta não é uma propriedade do fluido, mas sim uma medida local do grau de

turbulência a cada ponto do escoamento. Assim, o tensor de Reynolds é modelado

como:

−𝑢𝑖′𝑢𝑗 ′ = 𝜈𝑡

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗+

𝜕𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑖 −

2

3𝛿𝑖𝑗 𝑘

(2.12)

Onde: xi,j é a distância da parede a cada direção [m],

ui,j é o vetor velocidade a cada direção [m.s-1],

𝜈𝑡 é a viscosidade turbulenta [m².s-1],

k é a energia cinética turbulenta [m².s-2],

δij é o delta de Kronecker.

Um grande número de opções para a modelagem da viscosidade turbulenta foi

desenvolvido. Eles consistem geralmente na adição de novas equações a serem

resolvidas no sistema, cada uma com uma nova grandeza a ser calculada.

Naturalmente, deve-se especificar seus valores nas condições de entrada para a

realização dos cálculos (para escoamentos internos são em geral considerados função

Elemento de turbulência

Page 17: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

9

do n° de Reynolds do escoamento). Serão abordados aqui os modelos ditos de duas

equações, notadamente o k-ε e o k-ω. O modelo utilizado durante o projeto foi o k-ω

SST, que de certa forma combina os pontos positivos do k-ε (longe da parede) e do k-

ω (mais próximo à parede) [6].

2.3.3 Modelo de turbulência k-ε

O modelo k-ε deve seu nome às duas variáveis adicionadas ao sistema: k [m².s-2] é a

energia cinética turbulenta, calculada a partir das flutuações das velocidades; e ε

[m².s-3] é a taxa dissipação da energia cinética turbulenta. As duas equações do

modelo são concebidas a partir de uma manipulação da equação de Navier-Stokes, e

apresentam termos distintos que equilibram o transporte, a dissipação, a produção e a

difusão. Por fim, a viscosidade turbulenta é definida segundo uma análise dimensional

em termos de k e de ε.

𝜕𝑘

𝜕𝑡+ 𝑢𝑗

𝜕𝑘

𝜕𝑥𝑗=

𝜕

𝜕𝑥𝑗 𝜈𝑡

𝜎𝑘

𝜕𝑘

𝜕𝑥𝑗 + 𝜈𝑡

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗+

𝜕𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑖

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗 − 휀

(2.13.1)

𝜕휀

𝜕𝑡+ 𝑢𝑗

𝜕휀

𝜕𝑥𝑗=

𝜕

𝜕𝑥𝑗 𝜈𝑡

𝜎휀

𝜕휀

𝜕𝑥𝑗 + 𝑐휀1

𝑘𝜈𝑡

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗+

𝜕𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑖

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗 − 𝑐휀2

휀²

𝑘

(2.13.2)

𝜈𝑡 = 𝑐𝜇

𝑘²

휀 (2.13.3)

Os valores das constantes Cμ, Cε1, Cε2, ζk e ζε são determinadas experimentalmente.

O modelo k-ε apresenta limitações segundo as características do escoamento

simulado, porque ele parte da hipótese de um escoamento homogêneo e de

turbulência com comportamento isotrópico [5]. Os escoamentos dotados de fortes

curvaturas das linhas de corrente, de grandes gradientes de pressão negativos, e

próximos a regiões de descolamento são em geral mal estimados pelo modelo k-ε.

2.3.4 Modelo de turbulência k-ω

O modelo k-ω segue a mesma lógica do modelo k-ε, com o incremento de duas

equações de transporte para fechar o sistema. A diferença entre os dois é o cálculo da

frequência de turbulência ω [s-1] no lugar de ε.

𝜕𝑘

𝜕𝑡+ 𝑢𝑗

𝜕𝑘

𝜕𝑥𝑗=

𝜕

𝜕𝑥𝑗 𝑐∗𝜈𝑡

𝜕𝑘

𝜕𝑥𝑗 + 𝜈𝑡

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗+

𝜕𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑖

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗 − 𝑐′𝜇𝑘𝜔

(2.14.1)

𝜕𝜔

𝜕𝑡+ 𝑢𝑗

𝜕𝜔

𝜕𝑥𝑗=

𝜕

𝜕𝑥𝑗 𝜎𝜈𝑡

𝜕휀

𝜕𝑥𝑗 + 𝛼

𝜔

𝑘𝜈𝑡

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗+

𝜕𝑢𝑗

𝜕𝑥𝑖

𝜕𝑢𝑖

𝜕𝑥𝑗 − 𝛽𝜔²

(2.14.2)

Page 18: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

10

𝜈𝑡 = 𝑘

𝜔 (2.14.3)

Onde as constantes α, β, c’μ, ζ et ζ* do modelo são também definidos

experimentalmente.

A vantagem do modelo k-ω em relação ao k-ε é de uma melhor estimativa do

escoamento na presença de gradientes de pressão contrários ao escoamento. Ele é

mais estável nas proximidades da parede que o último, que necessita de um termo de

correção para o cálculo do escoamento nessa região. O modelo k-ω tem como

inconveniente a grande instabilidade do cálculo de ω nas zonas mais afastadas da

parede.

2.3.5 A lei da parede

Observa-se experimentalmente que o perfil de velocidades médias numa camada

limite turbulenta pode ser aproximado de uma sucessão de leis logarítmicas segundo a

distância em relação à parede (Figura 3). Podemos dividir a camada limite turbulenta

grosso-modo em três sub-camadas diferentes:

1. A pequena região chamada sub-camada viscosa imediatamente acima da

parede, onde os efeitos da turbulência não exercem um impacto significativo. O

perfil de velocidades segue uma função retilínea:

𝑈+ = 𝑦+

(2.15)

𝑈+ =

𝑈

𝑢𝜏

(2.16)

𝑦+ = 𝑢𝜏𝑦

𝜈

(2.17)

𝑢𝜏 =

𝜏𝑤

𝜌

(2.18)

2. A sub-camada turbulenta, onde as tensões viscosas são menos importantes

que os esforços provenientes da presença da turbulência. O perfil de

velocidades assume uma lei logarítmica na sub-camada turbulenta:

𝑈+ = 𝐴 ln 𝑦+ + 𝐵

(2.19)

Onde 𝑢𝜏 [m.s-1] é a velocidade de atrito, y [m] é a distância da parede, 𝑦+ é a

distância adimensional da parede, 𝜏𝑤 [Pa] é a tensão de cisalhamento na

parede, 𝑈 [m.s-1] é a velocidade média, e A e B são constantes.

3. A última sub-camada antes do fim da camada limite, também chamada de

região externa da camada limite segue a seguinte lei:

Page 19: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

11

𝑈∞+ − 𝑈+ = −𝐴 ln 𝜂 + 𝐶

(2.20)

𝜂 = 𝑦

𝛿

(2.21)

Onde A e C são constantes, e δ é a espessura da camada limite.

Figura 3. Perfil de velocidades numa camada limite turbulenta [7]

A lei da parede consiste numa boa aproximação para a implementação da condição de

contorno do contato com a parede, sobretudo nas simulações deste projeto, onde não

foi feito um refinamento especial da malha nas regiões próximas à parede. Isso

permite a realização das simulações num intervalo de tempo razoável.

2.3.6 Volume of fluid

Ao longo do projeto, foi utilizada a técnica chamada Volume of Fluid (VoF) para a

realização das simulações de escoamento bifásico. O método VoF consiste na

marcação de cada célula da malha de um determinado valor α variando de 0 a 1.

Cada um desses dois valores extremos corresponde a uma das duas fases do

escoamento. A função de marcação α é transportada juntamente com os campos de

velocidade e pressão, que influenciam no seu comportamento [8]:

𝜕𝛼

𝜕𝑡+ 𝑢

𝜕𝛼

𝜕𝑥+ 𝑣

𝜕𝛼

𝜕𝑦+ 𝑤

𝜕𝛼

𝜕𝑧= 0

(2.22)

Em geral, adota-se o valor 0 para representar o ar, enquanto o valor 1 corresponde à

água. Um valor intermediário indica que existe uma mistura dessas duas fases dentro

Page 20: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

12

da célula. Dessa forma, identificamos as células que contêm a superfície livre, ou seja,

a interface entre as duas fases.

Figura 4. As diferentes fases de um escoamento vistas numa seção transversal

Na Figura 4 identificamos que as células vermelhas são preenchidas de água, e as

azul-escuras contêm ar. Nas células de outras cores fica a interface entre as duas

fases. Uma simples função de interpolação é capaz de nos fornecer a forma dessa

superfície, e assim obtemos a altura da água a cada ponto do volume de controle, que

é um dos principais objetivos do projeto. O método VoF está contido no solver

InterFoam, presente na versão básica do OpenFOAM®.

α

Page 21: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

13

3. Modelagem 3D do vertedouro Lac

d'Allier

Neste capítulo é mostrado um estudo cujo objetivo é a implementação da

instrumentação para o monitoramento da quantidade de água extravasada num

vertedouro presente na rede de saneamento da cidade de Vichy, na França.

O vertedouro Lac d'Allier é um dos maiores existentes em Vichy. A Figura 5 mostra

esquematicamente a posição desse vertedouro em relação aos outros e aos rios

Sichon e Allier, em azul claro. As linhas verdes indicam o caminho percorrido pelas

águas residuais até a estação de tratamento de águas, e as linhas em azul escuro

indicam o fluxo das águas extravasadas pelos vertedouros, posteriormente despejadas

nos rios.

3.1. Análise da obra hidráulica

O vertedouro Lac d'Allier consiste em dois condutos paralelos idênticos, sem

inclinação, de seção transversal constante oval, com 1,7 metros de altura e 20 metros

de comprimento. Um dos dois condutos leva a água até a estação de tratamento, o

Figura 5. Localização do vertedouro Lac d'Allier na rede de saneamento de Vichy

Page 22: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

14

outro recolhe a vazão d'água extravasada do primeiro. Os dois condutos são ligados

um ao outro por dez janelas laterais de um metro de largura cada uma, sendo

separadas umas das outras de um metro.

Figura 6. Esquema do vertedouro Lac d'Allier

A base das janelas está situada a 45 cm acima da cota inferior da seção transversal

do conduto d'água conservada. Isso significa que se o nível d'água ultrapassar essa

altura, haverá um extravasamento de água para o outro conduto.

Um metro à jusante da última janela de extravasamento do lado conservado fica o

fundo de um bueiro quadrado que liga a obra até a rua, o que causa um alargamento

da seção transversal do conduto. Ao fim da fossa, existe uma válvula de abertura fixa

a uma altura de 80 cm que limita a passagem da água na ocorrência de chuvas mais

fortes.

Figura 7. Foto da válvula fixa a jusante do bueiro

a) Análise a montante

Segundo um estudo hidráulico previamente realizado, para uma chuva de período de

retorno de dez anos (ou seja, uma chuva com probabilidade de ocorrer a cada dez

anos) obtém-se uma vazão de entrada de 3 m3/s. Analisar qualquer valor acima desse

ultrapassa os objetivos do projeto de monitoramento, já que se trataria de um evento

muito raro. Também foi observado empiricamente que não há extravasamento para

uma vazão de entrada menor que 0,55 m3/s.

A inclinação nula ao longo do vertedouro impõe um regime fluvial de escoamento.

Vazão conservada

Vazão extravasada

Page 23: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

15

b) Análise a jusante da vazão conservada

A jusante da válvula de abertura fixa do lado conservado existe uma queda abrupta

d'água, seguida de uma inclinação de 5,4%. Essa ruptura geométrica nos indica que

uma influência a jusante se torna muito improvável, mesmo para fortes vazões de

entrada.

c) Análise a jusante da vazão extravasada

Como se pode ver na Figura 5, a jusante do lado extravasado da obra, existe uma

junção com as águas extravasadas do vertedouro a montante do Lac d'Allier, o

vertedouro do Boulevard Sichon. A vazão extravasada desses dois vertedouros é

conduzida a uma galeria de águas pluviais, que são em seguida rejeitadas no rio Allier.

Neste caso, devemos considerar a hipótese de uma influência causada seja por um

forte extravasamento do vertedouro anterior, seja por uma elevação do nível d'água na

galeria a jusante. Estabelece-se uma influência equivalente a 0,8 metros a jusante

como uma altura máxima possível em dias chuvosos. Uma influência maior de que 0,8

metros causaria uma funcionamento inverso da obra, ou seja, haveria um

extravasamento d'água do lado extravasado para o lado conservado, se

prescrevermos uma entrada equivalente a uma chuva de período de retorno de 1 mês.

Esse funcionamento adverso foi verificado em simulações realizadas, mas não foi

considerado para a análise final devido à sua ínfima probabilidade de ocorrência.

Todas as particularidades do vertedouro Lac d'Allier, notadamente a sucessão de

janelas laterais, a presença da válvula e do bueiro, tornam impossível uma análise

empírica precisa.

A modelagem em 3D nos fornece uma boa compreensão dos escoamentos através da

obra [9] e uma quantificação da vazão d'água extravasada a partir da construção de

uma relação altura da água x vazão [10] e [11]. A metodologia mostrada na Figura 8 é

conforme à proposta por [11].

Page 24: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

16

Figura 8. Esquema da metodologia aplicada

3.2. Modelagem do funcionamento hidráulico

São aqui descritas todas as etapas prévias ao início da fase de simulações do projeto.

Deve ser construída a geometria num software de desenho computacional, através da

qual ocorre o movimento dos fluidos. Uma vez concluída, essa geometria deve ser

discretizada em um número finito de volumes de controle, onde serão resolvidos os

cálculos. Deve-se ainda estabelecer as condições limites a serem implementadas em

cada simulação, de forma a se obter uma gama representativa dos escoamentos que

ocorrem através da obra.

3.2.1 Concepção do modelo

A construção da geometria em 3D do vertedouro foi realizada respeitando-se

integralmente as cotas dos planos fornecidos e de medidas tomadas durante visitas

técnicas. Atentou-se especialmente para a posição de cada janela lateral, a seção oval

dos condutos, assim como o seu alargamento ocasionado pelo bueiro e a abertura da

válvula.

Page 25: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

17

Figura 9. Detalhe da entrada do modelo da obra

Um prolongamento fictício de 40 metros foi adicionado a montante (Figura 10), para

garantir a reprodução de um escoamento estável e na altura normal associada à

vazão de entrada do vertedouro.

Figura 10. Vista global do modelo, incluindo o prolongamento a montante

3.2.2 Malha

Nesta etapa discretizamos o domínio de cálculo em um grande número de células, nas

quais serão resolvidas as equações médias de Navier-Stokes (com o modelo de

turbulência k -ω SST).

Foi feita uma malha hexagonal estruturada a partir da geometria criada. Esse tipo de

malha se mostra mais precisa na visualização das superfícies livres de escoamentos

1,7

m

Page 26: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

18

bifásicos, além de permitirem uma definição mais precisa das zonas de refinamento

com a ferramenta de construção de malha à disposição.

O refinamento da malha é desejável onde se necessita de uma maior precisão de

cálculo da altura da superfície livre. As regiões em torno da válvula fixa (Figura 12) e

através das janelas de extravasamento (Figura 13) são locais onde os valores de

altura d'água são de uma importância crítica para a compreensão do funcionamento

do vertedouro.

Dessa forma, estabelecemos três níveis de refinamento, com uma malha mais

grosseira (10cm) ao longo do prolongamento fictício a montante (Figura 11), uma

malha de tamanho intermediário (5cm) no vertedouro real, e uma malha refinada (2,5

cm) nas janelas e na válvula.

Deve-se atentar para o fato de que não há um refinamento especial nas proximidades

das paredes, onde se obtém um valor médio de y+ na ordem de 103. Isso certamente

causa uma determinada imprecisão nos cálculos pontuais do campo de velocidades.

Entretanto, a determinação da altura da superfície livre e da vazão dependem apenas

da precisão dos valores médios das velocidades (o que é garantido pelo modelo

utilizado), já que se tratam de variáveis integradas.

Figura 11. Malha do modelo (com detalhe do refinamento no início do vertedouro)

Page 27: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

19

Figura 12. Detalhe do refinamento da malha em volta da válvula fixa

Figura 13. Vista interna da malha (detalhando as janelas de extravasamento)

Chega-se assim ao total de 1,2 milhões de células, o que necessitou de um tempo de

cálculo de aproximadamente 24 horas para a convergência de cada simulação pelo

computador disponibilizado.

Page 28: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

20

3.2.3 Simulações e hipóteses de cálculo

O coerente estabelecimento das condições limites das simulações é fundamental para

a pertinência do estudo. Como mostrado anteriormente, pudemos estimar os valores

limites de vazão de entrada e da altura d'água a jusante no conduto d'água

extravasada:

Tabela 1. Valores máximos e mínimos das condições limites

Vazão de entrada (m3/s) Altura água jusante (m)

Mínimo 0,55 m3/s 0,0

Máximo 3,00m3/s 0,8

Dessa forma definimos uma série de simulações com condições limite compreendidas

entre esses valores máximos e mínimos, de forma a obter um número suficiente de

pontos com os quais deduziremos uma relação entre altura e vazão d'água

extravasada:

Tabela 2. Simulações realizadas no projeto

Simulação Vazão de entrada (L/s) Altura água jusante (m)

1 550 0

2 1000 0

3 1300 0

4 550 0,2

5 1000 0,2

6 1300 0,2

7 1000 0,8

8 1300 0,8

9 1800 0,8

10 3000 0,8

11 3000 0

12 3000 0,2

13 2000 0

14 550 0,4

15 1000 0,6

16 600 0,4

17 900 0,6

18 700 0,4

19 1100 0,6

20 1500 0,8

21 1300 0,7

Resta ainda definir os valores de entrada das grandezas k e ω calculadas no modelo

de turbulência empregado nas simulações. No software utilizado para o cálculo, basta

Page 29: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

21

definir o valor da intensidade de turbulência na entrada. A intensidade da turbulência é

expressa na porcentagem do módulo das flutuações da velocidade em relação ao

modulo da velocidade média. Assim, foi arbitrado um valor de 5% de intensidade

turbulenta na entrada, e as grandezas k e ω são função desse valor e do número de

Reynolds segundo o diâmetro hidráulico.

3.3. Análise das simulações

Nesta seção é explicado como foi feita a análise de cada simulação realizada, desde o

critério de convergência adotado até a determinação das localizações interessantes a

serem medidas.

3.3.1 Conservação da massa

Ao longo do projeto foi utilizado como critério de convergência do cálculo as variáveis

integradas das vazões de saída e de entrada. Espera-se atingir o regime permanente

do escoamento, o que resulta na conservação da massa. Em outras palavras, o

volume d'água de entrada deve ser o mesmo da soma dos volumes nas saídas. Uma

pequena diferença entre esses valores é tolerado, devido principalmente aos efeitos

transitórios existentes nos escoamentos com superfície livre, notadamente o

movimento de ondas (além de flutuações numéricas residuais, que induzem um certo

erro no cálculo). Todas as simulações convergiram com um desvio máximo de 5% na

conservação da massa.

3.3.2 Superfície Livre

A visualização da superfície livre em cada simulação é essencial para a escolha dos

locais a se instalar os captadores de medida de altura da água. O objetivo é de

encontrar locais onde o escoamento seja suficientemente estável e onde seja

observado um crescimento monótono da altura quanto maior for a vazão.

Será feita uma análise estática da superfície livre de cada simulação para se encontrar

locais candidatos para a instalação do captadores. Em seguida, uma análise temporal

será realizada para validarmos esses locais.

3.3.3 Evolução estática

A Figura 14 e a Figura 15 mostram superfícies superpostas de algumas das

simulações realizadas:

Page 30: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

22

Figura 14. Vistas superpostas das superfícies livres de diferentes simulações (região próxima ao bueiro)

Observamos em detalhe na Figura 14 as superfícies livres na região do bueiro. Mesmo

se as superfícies não são tão estáveis ao longo de toda a seção quadrada do bueiro,

nota-se que em suas quinas as variações não são muito bruscas.

Figura 15. Vista das superfícies superpostas (a montante)

Page 31: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

23

Nota-se pela Figura 15 que as superfícies tanto do lado conservado quanto do

extravasado são aparentemente estáveis a montante da primeira janela. Porém, se

traçarmos uma linha da superfície ao longo do perfil do conduto conservado,

chegamos a uma conclusão diferente:

Figura 16. Perfis longitudinais das superfícies livres (lado conservado)

Observando a Figura 16, concluímos que não podemos instalar os captadores a

montante da entrada no vertedouro (atrás da linha vertical vermelha), já que não

notamos a existência de uma correlação entre a vazão e a altura da superfície livre

nesse local. Por outro lado, no conduto d'água extravasada observamos a

possibilidade de uma correlação.

Figura 17. Perfis longitudinais das superfície livres (lado extravasado)

Finalmente, notamos que existe uma forte instabilidade na superfície na última janela,

mas elas tendem a se normalizar a alguns metros a jusante.

Distância no conduto de vazão extravasada (m)

Altura

d'á

gua(m

)

Montante

Vertedouro

Jusante

Distância no conduto de vazão conservada (m)

Altura

d'á

gua(m

)

Page 32: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

24

Figura 18. Vista das superfícies livres sobrepostas (a jusante)

A partir da análise estática das superfícies livres, encontramos três localizações

possíveis para instalar os captadores. Como mostrado na Tabela 3, observamos a

existência de uma estabilidade estática na quina do bueiro, a montante e a jusante do

conduto extravasado.

Tabela 3. Validação do posicionamento das sondas

Local do Captador Estabilidade

estática

Quina do bueiro

Montante conduto

extravasado

Jusante conduto

extravasado

Em seguida deve-se verificar a estabilidade temporal nesses locais para validar a

instalação dos captadores de altura.

Page 33: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

25

3.3.4 Evolução temporal

Observamos nos gráficos do Apêndice 2 a evolução temporal da altura da superfície

livre de três diferentes simulações durante alguns segundos nos locais especificados.

Observa-se em todos os gráficos uma certa variação da altura indicada. Essas

variações se comportam de maneira periódica na maior parte dos casos, com uma

amplitude máxima de 3 cm. Esse intervalo possui a mesma ordem de grandeza do

grau de incerteza da medida dos captadores encontrados no mercado. Dessa forma,

considera-se aceitável o tamanho dessas oscilações. A correlação entre a altura e a

vazão deve ser feita a partir da média dessas alturas medidas num pequeno intervalo

de tempo, de maneira a atenuar a incerteza.

Portanto, confirma-se os locais de instalação dos captadores previamente propostos.

Tabela 4. Validação do posicionamento das sondas

3.3.5 Posicionamento dos captadores

A identificação exata da posição dos captadores é fundamental para a utilização das

leis de correlação. Seus posicionamentos são explicitados na Tabela 5 e nas Figuras

19 e 20:

Figura 19. Esquema do posicionamento aconselhado dos captadores 1, 2 e 3

Local do captador Estabilidade

estática Estabilidade

temporal

Quina do bueiro

Montante conduto extravasado

Jusante conduto extravasado

1 2

3

Page 34: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

26

Tabela 5. Posição recomendada dos captadores

N° Local captador Cotas

1 Montante conduto

extravasado

No centro da linha transversal conduto; 0,5m a montante da primeira janela

2 Jusante conduto

extravasado No centro da linha transversal conduto ; 5m a jusante da

última janela

3 Quina do bueiro A partir da vista superior do plano da obra, instalar o

captador no canto inferior esquerdo, a 10cm de distância de cada lado do quadrado

Figura 20. Vista superior do bueiro, com a posição do captador 3

3.4. Elaboração da correlação altura x vazão

Uma vez que a posição dos captadores é definida, chega a hora de estabelecer uma

relação entre os dados de altura da superfície livre medidos e a vazão extravasada.

Observando o perfil das superfícies ao longo do lado extravasado nas Figuras 21 e 22,

podemos separar as simulações em dois diferentes grupos: Aquelas que sofrem e

aquelas que não sofrem com a influência imposta a jusante do lado extravasado. Eles

são facilmente identificados de maneira visual, com a altura das superfícies livres

permanecendo aproximadamente constante para o caso com influência; para o caso

sem influência a superfície livre tem uma queda abrupta logo após a última janela

(aproximadamente em x = 20m).

3

Page 35: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

27

Figura 21. Perfis longitudinais das superfícies livres do lado extravasado (com influência a jusante)

Figura 22. Perfis longitudinais das superfícies livres do lado extravasado (sem influência a jusante)

Esses diferentes comportamentos são uma conseqüência direta da distribuição das

vazões extravasadas através de cada janela. Para os escoamentos sem influência a

jusante, a vazão é predominante através da primeira e, sobretudo, da última janela.

Esse comportamento se traduz com a presença da queda da altura a jusante da última

janela. Pela conservação da carga específica, um aumento da vazão ocasiona a

diminuição da altura d'água. Esse fenômeno também é observado, de maneira menos

intensa, na primeira janela.

Por outro lado, para os escoamentos com uma influência a jusante importante, a

vazão extravasada é bem distribuída entre as dez janelas. Dessa forma, é possível

determinar se o escoamento do lado extravasado sofre ou não uma influência a

jusante ao se comparar os valores obtidos com os captadores 1 e 2.

Captador 1 Captador 2

Captador 1

Captador 2

Distância no conduto de vazão extravasada (m)

Altura

d'á

gua(m

)

Distância no conduto de vazão extravasada (m)

Altura

d'á

gua(m

)

Page 36: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

28

Foi adotado como critério de análise a razão entre essas duas alturas. Se existir uma

diferença igual ou inferior a 10%, a influência a jusante existe. Senão, a altura d'água

imposta a jusante não é suficientemente importante para impactar a vazão

extravasada.

Tabela 6. Razão entre as alturas d'água das sondas 1 e 2

Simulação H1/H2

1 1,29

2 1,38

3 1,42

4 1,27

5 1,39

6 1,44

7 0,97

8 1,06

9 1,05

10 1,32

11 1,39

12 1,39

13 1,50

14 0,99

15 1,04

16 1,03

17 1,02

18 1,03

19 1,09

20 1,08

21 1,07

Identificamos na Tabela 6 em verde as simulações em que notamos a existência de

uma influência a jusante importante, e em laranja aquelas sem influência a jusante.

As leis de correlação entre a altura d'água e a vazão extravasada foram estabelecidas

em função da presença ou não dessa influência a jusante. Em outras palavras, as

simulações em verde seguem uma lei diferente das simulações em laranja.

A lei construída para o caso sem influência a jusante põe a vazão extravasada [L/s]

em função da altura [m] medida pelo captador 1:

Page 37: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

29

Figura 23. Lei de altura x vazão extravasada (caso sem influência a jusante)

𝑄𝐸𝑥𝑡1 = 885,24𝑕12 − 106,51𝑕1 + 29,939; 𝑕1 → {0,3𝑚 ; 1,1𝑚}

(3.1)

Para a lei com influência a jusante, traçamos a vazão extravasada [L/s] em função da

altura [m] medida na quina do bueiro pelo captador 3:

Figura 24. Lei altura x vazão extravasada (caso com influência a jusante)

𝑄𝐸𝑥𝑡2 = 1483,5𝑕32 − 1458𝑕3 + 408,65; 𝑕3 → {0,53𝑚 ; 0,9𝑚}

(3.2)

y = 885,24x2 - 106,51x + 29,939R² = 0,9981

0,0

200,0

400,0

600,0

800,0

1000,0

1200,0

0,0000 0,2000 0,4000 0,6000 0,8000 1,0000 1,2000

Q E

xtra

vasa

da

(L/s

)

H1 (m)

Lei sem influência a jusante

y = 1483,x2 - 1458x + 408,6R² = 0,911

0,0

50,0

100,0

150,0

200,0

250,0

300,0

350,0

0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

Q E

xtra

vasa

da

(L/s

)

H3 (m)

Lei com influência a jusante

Page 38: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

30

3.5. Identificação da incerteza associada às

medidas

A metodologia para identificar a incerteza dos resultados é conforme às

recomendações da norma ISO IEC 98-3 [12]. A incerteza é calculada para um

intervalo de confiança de 95%, ou seja, existe uma probabilidade de 95% que o valor

real da vazão esteja dentro do intervalo apresentado.

As fontes da incerteza sobre a vazão são as seguintes:

- Incerteza da medida da altura da superfície livre: Este fator é proveniente da

incerteza de medida dos captadores de altura do nível da água; ela é determinada

segundo as recomendações da norma ISO 6416 [13]. A incerteza de medida desse

tipo de captador sem contato (trata-se em geral de um ultra-som) é fixada a 1 cm.

Esse valor não leva em conta os efeitos oscilatórios do nível d'água ocasionado pelas

ondas, visto que se trata de uma medida instantânea. Dessa forma, para fixar a

incerteza da medida a 1 cm, recomenda-se tomar uma média de diversas medidas ao

longo de um curto intervalo de tempo (aproximadamente 30 segundos).

Para as leis QExt1= f(h1) e QExt2= g(h3) previamente definidas, as incertezas de medida

absolutas se escrevem como:

∆𝑄𝐸𝑥𝑡1 =

𝑑𝑓

𝑑𝑕1

2

∗ ∆𝑕12

(3.3)

∆𝑄𝐸𝑥𝑡2 =

𝑑𝑔

𝑑𝑕3

2

∗ ∆𝑕32

(3.4)

Onde: Δh1= Δh3 = 1cm;

Q = vazão extravasada (L/s)

A incerteza relativa de medida se exprime em:

𝛥𝑚𝑒𝑑𝑖𝑑𝑎 = ∆𝑄

𝑄

(3.5)

Page 39: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

31

- Incerteza da relação altura x vazão interpolada: Proveniente da interpolação dos

resultados pela lei Q = f(h). Os resultados verdadeiros são distribuídos em torno da

curva de tendência. Dessa forma, esse fator de incerteza é função da vazão. A

incerteza relativa de interpolação se escreve como:

𝛥𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑝𝑜𝑙 =

𝑄𝐸𝑥𝑡 _𝑆𝑖𝑚𝑢𝑙𝑎 çã𝑜 − 𝑄𝐸𝑥𝑡 _𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑝𝑜𝑙𝑎 çã𝑜

𝑄𝐸𝑥𝑡 _𝑆𝑖𝑚𝑢𝑙𝑎 çã𝑜

(3.6)

Sendo:

𝑄𝐸𝑥𝑡 _𝑆𝑖𝑚𝑢𝑙𝑎 çã𝑜 a vazão extravasada calculada pela simulação;

𝑄𝐸𝑥𝑡 _𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑝𝑜𝑙𝑎 çã𝑜 a vazão extravasada dada pelas relações altura x vazão interpoladas

- Incerteza da modelagem numérica: Este fator de incerteza se deve à discretização

do domínio de cálculo em volumes finitos. Ele é identificado por meio de uma análise

de sensibilidade à malha e pelo cálculo do chamado Grid Convergence Index (GCI)

segundo o procedimento de Roache [14]. A incerteza diminui quanto maior o número

de células de cálculo. Entretanto, a partir de um certo número de células, esse

parâmetro passa a apresentar um comportamento assintótico. A incerteza da malha

representa a diferença entre os resultados obtidos e esse valor de convergência.

Assim, uma mesma simulação deve ser realizada com diferentes tamanhos de malha

para se aplicar o protocolo proposto por Roache [14]. O GCI é então incluído no

cálculo da incerteza global.

A incerteza global para cada vazão extravasada é finalmente escrita como:

𝛥𝑔𝑙𝑜𝑏𝑎𝑙 = 𝛥𝑚𝑒𝑑𝑖𝑑𝑎

2 + 𝛥𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑝𝑜𝑙2 +

𝐺𝐶𝐼

2

2

(3.7)

Assim estimamos as incertezas em função da vazão dada por cada lei interpolada.

Percebe-se que as incertezas relativas diminuem quanto maiores forem as vazões.

Page 40: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

32

Figura 25. Lei Vazão x Incerteza (caso sem influência a jusante)

A incerteza das vazões extravasadas sem influência a jusante seguem uma tendência

relativamente bem definida. Podemos estimá-las segundo a seguinte relação:

𝛥𝑄𝐸𝑥𝑡1 = 0,4677𝑄𝐸𝑥𝑡1−0,267

(3.8)

Figura 26. Lei Vazão x Incerteza (caso com influência a jusante)

Por outro lado, a incerteza das vazões com influência a jusante não seguem nenhuma

relação. Assim, torna-se necessário criar um envelope de incerteza máxima definida

pela seguinte relação:

y = 0,467x-0,26

R² = 0,859

0%

2%

4%

6%

8%

10%

12%

14%

16%

0,0 200,0 400,0 600,0 800,0 1000,0 1200,0

Ince

rtez

a g

lob

al (

%)

Vazão Extravasada (L/s)

Incerteza da lei Q(Ext1)

y = -0,001x + 0,524

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

0,0 50,0 100,0 150,0 200,0 250,0 300,0 350,0

Ince

rtez

a g

lob

al (

%)

Vazão Extravasada (L/s)

Incerteza da lei Q(Ext2)

Page 41: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

33

𝛥𝑄𝐸𝑥𝑡2 = −0,0013𝑄𝐸𝑥𝑡2 + 0,5243

(3.9)

Deve-se atentar ao fato que o domínio válido para o calculo das incertezas é igual à

imagem das leis de correlação altura x vazão extravasada.

Dessa forma, para o monitoramento das vazões extravasadas no vertedouro Lac

d'Allier, prevemos a necessidade da instalação de três captadores de altura d'água,

cujos dados irão servir para o cálculo dessas vazões a partir das leis de correlação

altura x vazão deduzidas a partir das simulações em 3D.

Com as alturas medidas pelos captadores calculamos a vazão extravasada aplicando

o procedimento sintetizado na Figura 27:

Figura 27. Procedimento para obtenção da vazão extravasada

Page 42: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

34

4. Diagnóstico hidráulico das câmaras C e

J em Auxerre.

Este capítulo apresenta um estudo cujo objetivo consiste em diagnosticar uma obra

hidráulica com funcionamento problemático. As simulações em 3D nos permitem

visualizar os fenômenos físicos ocorrentes, com os quais chegamos à compreensão

do problema.

O presente estudo concerne uma das maiores câmaras subterrâneas de águas

pluviais na cidade francesa de Auxerre. Esta câmara (denominada "C") tem como

função o transporte das águas até um reservatório na ocorrência de chuvas fracas. Em

eventos pluviais mais importantes, além de alimentar o reservatório, a câmara rejeita o

volume em excesso no rio Yonne que corta a cidade, funcionando como um

vertedouro.

O problema constatado nessa obra são os constantes transbordamentos dos bueiros

que comunicam a câmara "C" até o nível da rua, mesmo com chuvas não muito fortes.

Esses transbordamentos indicam que a câmara foi completamente preenchida de

água, apesar dela ter sido concebida para evacuar todo o volume presente sem

grandes acumulações.

Dessa forma, foram realizadas simulações em 3D para identificar as causas desse

problema. Na Figura 28 observamos todo o domínio de cálculo, incluindo além do

objeto de principal interesse (câmara "C"), a câmara intermediária "J" a montante do

reservatório e o tubo de diâmetro Φ800 mm conectando as duas.

Figura 28. Vista global da obra

4.1. Análise da obra hidráulica

As águas pluviais são injetadas na câmara "C" a partir de um conduto oval de 1,7

metros de altura com forte inclinação. A vazão de água conservada é transportada por

um tubo de seção circular de diâmetro Φ800 mm, também com forte inclinação até a

câmara intermediária denominada "J", que por fim conduz o volume até o reservatório.

A vazão extravasada da câmara "C" é rejeitada no rio Yonne por um conduto idêntico

Câmara "C" Câmara "J" Tubo Φ800mm

Page 43: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

35

ao de entrada (Figura 29). Existem ainda três chaminés conectando a câmara "C" até

a rua na superfície, que exercem a função de "respiro" da câmara (e por onde ocorrem

os transbordamentos indesejados). No modelo computacional os tamanhos das

chaminés foram superdimensionados de forma a poder quantificar a altura dos

possíveis transbordamentos.

Figura 29. Vista da Câmara C

A câmara C foi concebida para rejeitar água no rio Yonne a cada chuva de período de

retorno de superior às de um mês. A partir de uma análise pluviométrica e da área de

coleta destinada a essa obra, são obtidas as vazões máximas em relação ao período

de retorno das chuvas. Temos uma vazão máxima de 1,9m3/s para uma chuva

mensal. Portanto, devemos esperar para essa vazão uma situação em limite de

extravasamento.

As Figuras 30 e 31 mostram o interior da câmara C. Deve ser chamada a atenção para

a presença de pequenos postes, dentes e barreiras no chão da câmara C, que foram

posicionados com a intenção de desacelerar o escoamento que chega a montante.

Figura 30. Interior da Câmara C

Vazão

extravasada

Vazão de entrada

Vazão conservada

Chaminés

Page 44: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

36

Figura 31. Interior da Câmara C (saídas)

A vazão de entrada na câmara J vem em sua maior parte diretamente da câmara C.

Existe também uma pequena vazão de águas pluviais secundária assinalada na

Figura 32. As águas são em seguida transportadas ao reservatório.

Figura 32. Câmara J

Como se pode observar na Figura 33, a vazão de entrada na câmara "J", proveniente

da câmara C, sofre uma queda acentuada num tobogã ao adentrá-la. Logo a jusante

da queda, existe uma espécie de barreira que reduz drasticamente a velocidade do

escoamento. A jusante da barreira encontramos uma soleira que também contribui

para a desaceleração, um pouco a montante do conduto de saída.

Vazão conservada

da câmara C

Entrada secundária

Saída para o

reservatório

Φ800 mm

1700 mm

Page 45: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

37

Figura 33. Interior da Câmara J

Deseja-se avaliar se existe a possibilidade de um carregamento (ou seja, uma

elevação do nível d'água criando um gradiente de pressão adverso) do conduto

Φ800mm na entrada da câmara J causado pelas sucessivas barreiras a jusante. Essa

influência poderia ser uma das causas dos transbordamentos excessivos.

Um aspecto fundamental da obra é a presença de uma válvula de proteção no tubo

Φ800mm que liga as duas câmaras (Figura 34). Essa válvula atua como um

mecanismo de proteção do reservatório; ela é fechada automaticamente no momento

em que um certo volume d'água preenche o reservatório. Com a válvula fechada,

impede-se o trânsito da câmara C até a câmara J, e todo o volume d'água injetado

deve ser rejeitado sobre o rio Yonne.

Figura 34. Vista global da obra

Válvula

Tobogã Barreiras

Page 46: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

38

4.2. Modelagem do funcionamento hidráulico

Para se efetuar os cálculos, deve-se estabelecer as condições limite das simulações a

lançar, e realizar a discretização do domínio de cálculo numa malha. O objetivo é de

reproduzir escoamentos característicos de chuvas de intensidades variadas e

identificar seus comportamentos através da obra.

4.2.1 Configuração das simulações

Foram escolhidas cinco configurações de funcionamento:

- Configuração 1: Modelagem para a vazão critica de extravasamento. A câmara C

não deve extravasar para vazões menores 1,9 m3/s. Injetando essa vazão, esperamos

não verificar nenhum extravasamento.

- Configuração 2: Modelagem para uma vazão de 3,5 m3/s ocasionada por uma

chuva real ocorrida durante a realização do estudo.

- Configuração 3a: Simulação para uma chuva de período de retorno de 10 anos,

com vazão de 8,5 m3/s.

- Configuração 3b: Simulação para uma chuva de período de retorno de 10 anos,

com vazão de 8,5 m3/s e com a válvula fechada.

- Configuração 4: Simulação para uma chuva intermediária com vazão de 6 m3/s e

com a válvula fechada.

Essas configurações são sintetizadas na Tabela 7:

Tabela 7. Condições limites das configurações estabelecidas

Vazão montante

câmara C (m3/s)

Vazão montante

câmara J (m3/s) Objetivo

Configuração 1 1,9 0,2 Verificar o não extravasamento

Configuração 2 3,5 0,36

Identificar a repartição entre

vazões conservada e

extravasada;

Identificar um possível

transbordamento;

Avaliar a influência da câmara J

Configuração 3a 8,5 0,75 Identificar um possível

transbordamento Configuração 3b 8,5

Válvula fechada Configuração 4 6

Sabe-se que não há risco de existirem influências a jusante, tanto na saída de água

extravasada na câmara C quanto na saída para o reservatório na câmara J. Assim,

para cada configuração definida temos apenas uma simulação a ser realizada. Da

mesma forma que no capítulo 3, foi arbitrada uma intensidade turbulenta de 5% na

entrada.

Page 47: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

39

4.2.2 Malha

A construção de uma boa malha é fundamental para a convergência e precisão dos

cálculos. Foi adotado o mesmo procedimento do estudo anterior, com a escolha por

células hexaédricas e refinamento em locais precisos (em volta dos postes, dentes e

barreiras). No total, chegamos a uma malha com y+ médio na ordem de 103 e

aproximadamente 1,5 milhões de células nas configurações 1, 2 e 3a, e 0,7 milhões

nas configurações 3b e 4.

Figura 35. Malha da Câmara C

Figura 36. Vista interna da malha da Câmara C (entrada)

Page 48: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

40

4.2.3 Resultados das simulações

Uma vez efetuados os cálculos, chega-se à etapa de análise das simulações. Foi aqui

utilizado como critério de convergência a conservação da massa, da mesma forma

que no capítulo 3. Os valores das vazões conservadas e extravasadas, as alturas

d'água e os campos de velocidade dos escoamentos são os principais aspectos a

serem analisados.

Dessa forma, serão mostrados os resultados das configurações 1, 3a e 3b para a

caracterização fenomenológica dos escoamentos resultantes. Com isso, são

identificadas as causas do transbordamento observado.

4.2.3.1 Configuração 1

Com uma vazão de entrada de 1,9 m3/s, observamos como esperado uma situação de

quase-extravasamento, com a altura da superfície livre equivalente ao nível do chão

do conduto de saída para o meio natural.

Figura 37. Escoamento resultante na configuração 1

Notamos uma grande desaceleração do escoamento logo na entrada da câmara C.

Essa diminuição da velocidade causa a transformação o escoamento inicialmente

torrencial em fluvial, evidenciada pela aparição de um ressalto hidráulico.

Page 49: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

41

Figura 38. Ressalto hidráulico visível na entrada da Câmara C

Assim, temos um escoamento inicialmente dotado de uma grande energia cinética,

que é transformada em energia potencial, traduzida pelo acúmulo de água. A energia

é novamente convertida em cinética quanto mais se aproxima do tubo Φ800, que

possui uma forte inclinação, transportando a água até a câmara J.

Figura 39. Campo de velocidades do escoamento (vista lateral)

Ressalto

Page 50: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

42

Figura 40. Campo de velocidades do escoamento (detalhe recirculação)

Observamos ainda na Figura 40 a presença de recirculações do fluxo da água na

câmara C, o que contribui ainda mais na desaceleração. A ocorrência desse fenômeno

é verificada experimentalmente por Dufresne [15], que estudou o escoamento em

superfície livre numa geometria bastante similar.

O escoamento que chega na câmara J é severamente desacelerado pela barreira logo

a jusante do tobogã, tornando o escoamento fluvial a partir do ressalto, observado na

Figura 41. Dessa forma, podemos dizer que nessa configuração a câmara J não

influencia no escoamento da câmara C, uma vez que o ressalto se apresenta apenas

na própria câmara J.

Figura 41. Escoamento na Câmara J

Ressalto

Ecoulement

fluvial

Escoamento

fluvial

Escoamento

torrencial V (m/s)

Page 51: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

43

Em conclusão, podemos dizer que a rede hidráulica funciona perfeitamente para a

vazão de referência de 1,9 m3/s para chuvas mensais.

4.2.3.2 Configuração 3a

O comportamento do escoamento com vazão de entrada de 8,5 m3/s, correspondente

a uma chuva de período de retorno de dez anos, permanece essencialmente o mesmo

observado na configuração anterior. A única diferença é, como esperado, a

constatação de uma grande vazão extravasada.

Notamos que o conduto de extravasamento conduz a vazão de maneira eficaz,

inexistindo portanto um transbordamento pelas chaminés. Na câmara J, o ressalto

evidenciando a passagem do regime torrencial ao fluvial é visível no mesmo local

observado na configuração 1. Assim, a câmara J não impõe nenhuma influência na

câmara C.

Figura 42. Escoamento resultante na Câmara C da configuração 3a

Figura 43. Campo de velocidades do escoamento (vista superior)

V (m/s)

Page 52: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

44

Figura 44. Campo de velocidades do escoamento (vista lateral)

Figura 45. Escoamento resultante na câmara J na configuração 3a

Em síntese, o funcionamento para uma chuva de período de retorno de dez anos

também é normal, sem a ocorrência de transbordamentos.

4.2.3.3 Configuração 3b

Consideramos finalmente o caso em que a válvula de proteção do reservatório é

fechada, impedindo o transporte de água para a câmara J. Assim, toda a vazão

injetada deve ser evacuada para o meio natural. A simulação realizada mostra o

completo preenchimento da câmara C, com a altura da água ultrapassando inclusive o

nível do terreno natural, indicando assim o transbordamento.

V (m/s)

Page 53: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

45

Figura 46. Escoamento resultante na Câmara C na configuração 3b

As Figuras 47, 48 e 49 mostram os campos de velocidade e as linhas de corrente

presentes no escoamento. Notamos especialmente a grande redução da velocidade

no fosso logo a montante do tubo de Φ800 e a forte recirculação gerada. Um outro

aspecto fundamental é a aparição de um estrangulamento do escoamento na saída da

câmara C para o conduto de extravasamento. Esses fenômenos são determinantes

para a o acúmulo de água na câmara C, e, por conseguinte, para o transbordamento

indesejado.

Figura 47. Campo de velocidades (vista lateral)

V (m/s)

Page 54: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

46

Figura 48. Campo de velocidades (vista superior)

Figura 49. Linhas de corrente (vista superior)

V (m/s)

Page 55: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

47

Os resultados de todas as simulações estão sintetizados na Tabela 8.

Tabela 8. Resultados das simulações

Entrada Resultados

Vazão

montante

(m3/s)

Vazão

conservada

(m3/s)

Vazão

extravasada

(m3/s)

Transbordamento

Configuração 1 1,9 1,9 0 – 0,01 Não

Configuração 2 3,5 2,3 1,2 Não

Configuração 3a 8,5 2,9 5,6 Não

Configuração 3b 8,5 Válvula

fechada 8,5

Sim (83 cm acima do

nível do solo)

Configuração 4 6 Válvula

fechada 6

Sim (3 cm acima do

nível do solo)

4.3. Diagnóstico hidráulico

Pelos resultados obtidos através das simulações realizadas, constata-se o correto

funcionamento da rede hidráulica nas configurações de válvula aberta, segundo os

objetivos desejados.

Entretanto, para as configurações em que a válvula estava fechada, as simulações

reproduzem o mau funcionamento da obra, apresentado os transbordamentos

indesejáveis. A causa dessa subida excessiva do nível da água se dá certamente pela

existência do estrangulamento do escoamento na saída da câmara C. O problema dos

transbordamentos pode ser solucionado com a realização de uma reforma que

reorganize a estrutura hidráulica da câmara, de maneira a reduzir o efeito do

estrangulamento.

Uma possível continuidade a este projeto poderia ser dada com a realização de novas

simulações, integrando-se ao domínio de cálculo as modificações desejadas para

evitar novos transbordamentos. As simulações em CFD forneceriam uma validação

numérica ao projeto, e podem mesmo servir como uma ferramenta de otimização.

Page 56: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

48

5. Conclusão

Neste projeto foi realizada a modelagem de escoamentos fluidos tridimensionais num

domínio de aplicação relativamente novo, que é o das redes urbanas de saneamento.

A modelagem aplicada nesse contexto apresenta particularmente a dificuldade da

característica bifásica de seus escoamentos, onde se detecta a presença da interface

entre as fases da água e do ar, chamada de superfície livre. Foram feitos dois

diferentes estudos de obras reais situadas em duas cidades francesas:

No estudo do vertedouro Lac d'Allier apresentado no capítulo 3, foram realizadas 21

simulações representativas dos escoamentos através da obra. Com seus resultados

foi possível compreender toda a lógica de seu funcionamento, com a identificação de

dois mecanismos distintos de extravasamento da vazão. Dessa forma, foi deduzida

uma relação de altura x vazão extravasada para cada mecanismo e a definição de

suas incertezas de medida.

No caso da câmara subterrânea "C" em Auxerre, as simulações serviram para

observar as causas dos transbordamentos ocorridos nas ruas acima da obra.

Enquanto que para chuvas fracas a câmara funciona de acordo com o seu projeto, na

ocorrência de chuvas fortes ela não é capaz de evacuar todo o volume d'água sem

transbordamentos, quando a válvula de proteção do reservatório é ativada. Constatou-

se com as simulações que a principal razão de tal acúmulo é o estrangulamento do

escoamento na saída da câmara para o conduto de extravasamento, causando uma

queda acentuada de sua velocidade.

Em ambos os estudos chegou-se aos resultados desejados, com uma proposta de

implementação de instrumentação para o vertedouro Lac d'Allier e o diagnóstico dos

transbordamentos da câmara "C" em Auxerre. Para esse último, as simulações podem

ser validadas, tanto pela coerência de seus resultados com a condição de projeto da

câmara para chuvas mensais quanto pela reprodução fenomenológica de

recirculações do escoamento observadas experimentalmente na referência [15].

Por fim, reitera-se a importância das simulações em 3D no contexto do saneamento

urbano. Com essa técnica obtém-se um grande detalhamento das características dos

escoamentos, e é especialmente útil no estudo de casos mais complexos, onde as

técnicas tradicionais encontram limitações. Dessa forma, a modelagem de

escoamentos em 3D se mostra na vanguarda para a compreensão e redução de

impactos econômicos e ambientais causados pelas chuvas, além de uma boa

alternativa à implementação da instrumentação em canais.

Page 57: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

49

Bibliografia

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assainissement: Du pilote expérimental à l'ouvrage réel, Tese de Ph.D., Université

Louis Pasteur, Estrasburgo, França

Page 58: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

50

Apêndice 1

Page 59: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

51

Apêndice 2 Evolução temporal da altura nos captadores 1, 2 e 3:

Simulação 8 :

Qentrada = 1,3m3/s Influência jusante =

0,8m

Simulação 10 : Qentrada = 3m3/s

Influência jusante = 0,8m

Simulação 19 :

Qentrada = 1,1m3/s Influência jusante =

0,6m

Simulação 8 : Qentrada = 1,3m3/s

Influência Jusante = 0,8m

Page 60: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

52

Simulação 10 : Qentrada = 3m3/s

Influência jusante = 0,8m

Simulação 19 :

Qentrada = 1,1m3/s Influência jusante =

0,6m

Simulação 8 : Qentrada = 1,3m3/s

Influência jusante = 0,8m

Simulação 10 : Qentrada = 3m3/s

Influência jusante = 0,8m

Page 61: Instrumentação e diagnóstico de obras hidráulicas a partir da

53

Simulação 19 :

Qentrada = 1,1m3/s Influência jusante = 0,6m