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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação GESTÃO DE COMUNICAÇÃO DA MARCA - BRANDING 1 Uma abordagem semiótica da marca nas organizações Fernanda Mendes Santiago Pereira 2 Luiz Carlos Assis Iasbeck 3 Resumo: As organizações necessitam ter sob seu controle uma série de elementos que fogem normalmente aos seus cuidados administrativos. Um deles e talvez o mais significativo é a gestão da marca. O denominado branding é aqui discutido a partir de sua composição discursiva e de suas possibilidades de leitura em ressignificações subjetivas e muitas vezes alheias às intenções estratégicas das organizações. Trata-se de uma contribuição à gestão de marcas, indispensável tarefa para manter sob coesão a comunicação integrada nas organizações. Palavras-Chave: 1. Gestão de marca 2. Branding 3. Semiótica Organizacional 1. Introdução O termo branding, tão utilizado nos meios organizacionais, designa o conjunto de ações ligadas à gestão da comunicação da marca 4 . Essa atividade envolve todas as relações que a marca 1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação em Contextos Organizacionais”, do XX Encontro Nacional da Compós, na UFRGS, Porto Alegre, RS, em junho de 2011. 2 Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected]. 3 Doutor em Comunicação pela PUC/SP e Professor no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília – UCB-DF. E-mail: [email protected] 4 A palavra marca se refere tanto às marcas institucionais quanto comerciais. www.compos.org.br 1

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Page 1: Insira aqui o título · Web viewNessa inter-relação, o processo de semiose ou ação do signo se torna evidente. Segundo Lucia Santaella e Jorge Vieira, “a ação do signo é

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

GESTÃO DE COMUNICAÇÃO DA MARCA - BRANDING1

Uma abordagem semiótica da marca nas organizações

Fernanda Mendes Santiago Pereira2

Luiz Carlos Assis Iasbeck3

Resumo: As organizações necessitam ter sob seu controle uma série de elementos que fogem normalmente aos seus cuidados administrativos. Um deles e talvez o mais significativo é a gestão da marca. O denominado branding é aqui discutido a partir de sua composição discursiva e de suas possibilidades de leitura em ressignificações subjetivas e muitas vezes alheias às intenções estratégicas das organizações. Trata-se de uma contribuição à gestão de marcas, indispensável tarefa para manter sob coesão a comunicação integrada nas organizações. Palavras-Chave: 1. Gestão de marca 2. Branding 3. Semiótica Organizacional

1. IntroduçãoO termo branding, tão utilizado nos meios organizacionais, designa o conjunto de ações

ligadas à gestão da comunicação da marca4. Essa atividade envolve todas as relações que a

marca estabelece e mantém com seus diversos públicos5, funcionários, clientes, parceiros de

negócio, fornecedores, concorrentes, dentre outros. A finalidade assumida do branding é criar

valor e fidelidade à marca, fazendo com que ela obtenha e permaneça valorizada no mercado.

É portanto, antes de um conceito, uma prática administrativa que envolve peculiaridades do

processo da comunicação e demanda sensibilidade comunicativas.

As marcas, entretanto, são bem mais antigas que as práticas do branding. Elas estão em

todos os lugares e se impõem como signo poderoso, capaz de sensibilizar, designar e rotular

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação em Contextos Organizacionais”, do XX Encontro Nacional da Compós, na UFRGS, Porto Alegre, RS, em junho de 2011.2 Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected] Doutor em Comunicação pela PUC/SP e Professor no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília – UCB-DF. E-mail: [email protected] A palavra marca se refere tanto às marcas institucionais quanto comerciais. 5 “Públicos” ou também conhecido como stakeholders em administração, refere-se a grupos que detêm interesse

nas atividades da empresa, sejam acionistas, funcionários, governo, comunidade, fornecedores etc. (TYBOUT; CALKINS, 2006, p. 40).

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sentidos. Elas fazem parte do convívio das pessoas, que – não raras vezes – se reconhecem e

se apropriam dos mitos e mundos criados por elas.

Por isso, fazer gestão da marca é ir muito além de sua mera concepção e representação

gráficas; é assumir uma complexidade de fatores, muitos deles sutis e quase imperceptíveis,

que interagem na dinâmica da produção de sentido. Por isso, podemos dizer que a marca é

um fenômeno semiótico.

No final dos anos 90, uma grande revolução ocorreu em nosso país com a abertura de

mercados em decorrência da globalização. Não foram poucos os setores produtivos que

sofreram drásticas mudanças e influências de idéias e ideais estrangeiros. O setor empresarial

foi, com certeza, o mais afetado. Obrigadas a buscar alternativas frente à intensificação da

concorrência multinacional, as empresas brasileiras foram obrigadas a importar know-how de

produção e distribuição de bens e serviços para se destacarem de forma diferenciada nos

mercados interno e externos. E, sob certo enfoque, os concorrentes estavam em pé de

igualdade. É nesse contexto que a marca começa a revelar o seu valor.

A globalização, de fato, mudou a forma de atuação das empresas. Procurando adequar-

se aos modelos de administração internacionais, investiram pesado nas marcas. Daí nasce um

novo conceito de administração empresarial: o branding.

Branding é uma evolução dos programas de identidade corporativa, associado ao

marketing e ao design, que demanda nova configuração do modelo de administração de

marca. Essa nova ferramenta leva em conta elementos como a imagem da organização, a

percepção dos públicos, as associações mentais do discurso com as subjetividades da

recepção, etc. Surge, então, uma nova forma de entender e gerir o consumo da marca.

Atualmente, o branding é um modelo de gestão empresarial direcionado àqueles que

buscam vantagem competitiva de mercado, por meio da fidelidade do cliente à marca. Saber

construir uma marca forte e administrar todos os seus pontos de contato com o cliente,

elevando-a a verdadeiros vínculos emocionais é o grande objetivo do gestor de marca.

Esta nova atividade [...] está ligada a todo sistema de construção e gerenciamento da identidade de uma empresa ou produto, visando gerar percepção de valor em torno de uma marca, observando todos os pontos de contato da organização com seus diversos públicos e, ainda, desenvolver manifestações visuais, verbais e experiências da marca através de expressões que usam elementos sensoriais, abrangendo desde a concepção do nome da empresa ou produto até o simples ato de atender um cliente pelo telefone6. (RODRIGUES, 2005, p. 15).

6 Carlos Delano Rodrigues é designer e consultor de identidade de marca. Membro da atual diretoria nacional da ADG Associação de Designers Gráficos do Brasil gestão 2007-2009, é MBA em Marketing e mestre em

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Aqui, nossa proposta é contribuir para o desenvolvimento dessa ferramenta de gestão

de marca analisando uma de suas principais dimensões: a dimensão sígnica7. Sua abordagem

segue a perspectiva da Teoria Geral dos Signo, de Charles Sanders Peirce8.

Segundo pesquisa realizada pela Brand Finance9 em 2007, em média 66% do valor das

empresas nos EUA e Europa é atribuído aos ativos intangíveis (marca). E ainda, de acordo com

pesquisa realizada pela Troiano Consultoria de Marca (TROIANO, 2009, pp. 314-317), entre

2007 e 2008, 85% dos CEOs10 concordam que a marca é o ativo intangível mais valioso de

uma empresa e 63% concordam que o papel das marcas é agregar valor.

Claramente observamos que marca se tornou um ativo de sentidos, um poderodo signo

gerador de valor para as empresas e para os mercados.

2. BrandingO termo branding vem do verbo to brand, que significa “marcar”, no sentido de

queimar com ferro e fogo, tal como ainda hoje no meio rural se marcam os animais. A

metáfora se tornou comum nos Estados Unidos e tomou todo o mundo em pouco tempo.

Em geral, o branding está associado ao processo de gestão de marca, às ações que

visam associar o signo da marca a uma série de atributos desejáveis e economicamente

favoráveis, comercializados na forma de produtos ou serviços (SOUZA; NEMER, 1993).

Um dos principais objetivos do branding é transformar a marca em objeto do desejo

dos consumidores, um estímulo para atrair a atenção e uma provocação à interação. Por isso a

marca precisa obter uma imagem confiável e capaz de provocar empatia, levando o produto a

ser consumido.design pela PUC-Rio. Desde 1997 leciona em cursos de design e comunicação, e em 2003 implantou a disciplina de Branding na PUC-Rio, além de ministrar cursos de Naming e Branding para empresas e instituições de ensino de todo o Brasil. É articulista dos portais designbrasil.org.br e mundomarketing.com.br.

7 As demais dimensões do processo de comunicação da marca, discursiva e sistêmica, podem ser encontradas no projeto de dissertação desenvolvido pela presente pesquisadora. PEREIRA, Fernanda Mendes Santiago. Gestão da comunicação em marcas contemporâneas: um estudo semiótico da dinâmica sistêmica da complexidade na gestão de marcas. 2010. 180 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. 8 Charles Sanders Peirce (1839-1914), norte-americano, era matemático, cientista, lógico, filósofo e ainda se dedicou a astronomia, química, linguística, psicologia e história. Criador da Teoria Geral dos Signos, também conhecida como Semiótica.9 Empresa de Consultoria líder mundial em avaliação de marcas. Disponível em:

<http://www.brandfinance.com>. Acesso em: 3 abr. 2009.10 A pesquisa foi realizada com 50 CEOs (Chief Executive Officer termo em inglês utilizado para designar a

pessoa com a mais alta responsabilidade ou autoridade numa organização) de empresas, que representam 6% do PIB brasileiro e abrangem mais de 15 segmentos de negócios, entre eles construção civil, alimentício, tecnologia da informação e bebidas.

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A tradução mais aproximada de branding em língua e cultura brasileira seria algo como

“gestão” ou “administração de marca”. Incluem-se aí atividades como design, naming,

pesquisa de mercado, avaliação financeira, posicionamento, marketing, relações públicas e

comunicação corporativa, tudo, enfim, que envolva a comunicação de uma marca, em seu

sentido mais amplo. O branding é, pois, uma ação de gestão da comunicação organizacional.

Vista sob tal prisma, a essência do branding está nas peculiaridades da marca e na

competência que ela desenvolve para, de acordo com Oliveira (2001), estreitar o

relacionamento com o cliente; é o gerenciamento de todos os pontos de contato vividos

pelo cliente por meio da marca e a relação da marca com múltiplas dimensões humanas que

constituem a essência do branding. Oliveira (2001) afirma ainda que o branding não pode

se limitar à marca do produto ou ao rótulo da embalagem; ele tem de examinar e

administrar também a ação da marca na mente das pessoas.

Dessa forma ampliado, o branding possibilita que a marca assuma uma posição de

convívio, tornando-se parte da vida do consumidor, motivando-o não só a utilizar cativamente

uma determinada marca, mas a consumir também tudo o que está direta ou indiretamente

relacionado a ela.

Segundo Naomi Klein (2002), o que torna diferente o branding é que ele busca trazer a

marca de uma simples representação gráfica para uma realidade da vida.

Nesse contexto, o fim do branding é a conquista da fidelidade do cliente à marca, e

conseqüentemente, uma vantagem competitiva de mercado. Tudo isso pode ser avaliado pela

alavancagem das vendas dos produtos ou serviços ou da adesão a uma ideologia ou proposta

de trabalho.

Conforme entrevistas11 realizadas em 2010 (PEREIRA, 2010, p. 54-59) com principais

empresas de branding do Brasil, a marca foi categoricamente considerada o ativo de maior

valor das empresas. Em contrapartida, ao perguntarmos sobre o branding aplicado atualmente

no Brasil, verificamos que na prática, o branding ainda está em fase de consolidação e em

processo de formação de reconhecimento como diferencial competitivo. Enfrenta ainda

muitas dificuldades, principalmente pela pouco convincente avaliação de seus resultados na

11 Entrevistas de caráter qualitativo-quantitativo realizadas, entre os meses de abril, maio e junho de 2010, com as principais empresas de branding do Brasil, segundo a Top Brands, empresa de consultoria e gestão de marcas, parceira da ABA, Associação Brasileira de Anunciantes. São elas: Brand Analytics Consultoria de Marcas, Brand Finance Consultoria, Grupo Troiano de Branding, Thymus Branding e Top Brands Consultoria e Gestão de Marca.

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prática empresarial. Os empresários não parecem convencidos do fato de que o branding

agrega valor para suas organizações.

A abordagem do branding segundo a perspectiva da Teoria Geral dos Signos de Peirce,

que aqui desenvolveremos, tem como finalidade gerar condições e técnicas capazes de suprir

as deficiências observadas nesta prática no Brasil, especialmente voltadas para a evidenciação

de sua eficácia nas empresas brasileiras.

2.1 Benefícios advindos do branding

Segundo Keller (1998), os principais benefícios decorrentes de uma marca forte, com

alto nível de consciência do consumidor e uma imagem de marca positiva são a alta

rentabilidade do negócio e o baixo custo de gerenciamento.

Aaker (1996), Davis (2000), Keller (1998), sintetizam desse modo os benefícios que

uma organização pode obter com o branding:

a) Maior lealdade dos consumidores;

b) Menor vulnerabilidade frente às ações competitivas do mercado;

c) Menor vulnerabilidade para comercializar em tempos de crise;

d) Maiores margens de negociação do preço;

e) Estabilidade de demanda do consumidor frente ao aumento de preços;

f) Elasticidade de resposta do consumidor às diminuições de preço ou descontos;

g) Maior cooperação e suporte por parte de quem comercializa os produtos

(vendedores ou representantes);

h) Maior eficácia e eficiência nas comunicações de Marketing, que se tornam menos

suscetíveis aos “ataques” dos anúncios competitivos, mais amigáveis a estratégias

criativas e menos vulneráveis a reações negativas quando da redundância

concentrada de uma mensagem;

i) Oportunidades adicionais de comercialização de licenciamentos, aumentando a

exposição da marca e seu conjunto de associações;

j) Oportunidades adicionais de extensão de marca na mesma linha ou para uma nova

categoria de produto.

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Alguns autores também consideram como benefícios adicionais a capacidade de atrair

empregados mais competentes, de gerar maior interesse de investidores e apoio dos acionistas

(KELLER, 1998).

Ainda segundo entrevistas realizadas por Pereira (2010, p. 56-57), com as principais

empresas de branding do Brasil, os benefícios de maior visibilidade na utilização do

branding são: fidelidade do cliente, diferencial competitivo frente à concorrência e vantagens

na negociação de preço.

3. Processo comunicativo da marca

O branding envolve um conjunto de ações em que todos os pontos de contato entre os

diversos públicos são administrados. Para que o processo da comunicação flua, não poderá

acontecer qualquer entrave que não possa ser alcançado e resolvido pelas ações

administrativas do branding, sob pena de o conceito ou ideia da marca ficarem

comprometidos na cadeia de proliferação dos processos comunicativos.

Comunicação não é aqui uma atividade entendida apenas no âmbito da transmissão de

informações, como acontece no marketing ou em outras esferas de gestão de informações.

Aqui comunicação é ação bilateral de troca, de compartilhamento e, portanto, de interação

(ação-reação). É ela a responsável pela conexão e mediação entre intenções estratégicas e a

percepção e reposta do público. O valor da marca só pode ser assegurado se esse processo

puder ser realizado em ambiente favorável e cuidadosamente monitorado.

Baitello Júnior (2005, p. 70, grifo nosso) afirma que “[...] ‘comunicação’ nada mais é que

a ponte entre dois espaços distintos” e que “[...] processos comunicativos são construções de

vínculos”. A construção de vínculos é, pois, a chave para o estabelecimento e o crescimento de

uma marca forte e, também é o principal objetivo do modelo de gestão, branding. É pelo

estabelecimento de um vínculo que a fidelidade e confiança do indivíduo à marca são

instituídas. Por isso, o empenho dos gestores na condução do processo comunicativo de uma

marca é de tamanha relevância para o sucesso de suas empresas.

Acrescentemos ainda, que, segundo Santaella e Nöth (2004, p. 36), a comunicação só

pode acontecer como “relação, transmissão, agenciamento, influência, troca e interação” e,

para isso, são necessários, no mínimo dois elementos em diálogo e um meio, uma conexão

entre ambos. “Relação” e “interação” são conceitos sem os quais não é possível se pensar em

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comunicação e ambos se dão na forma de mediação. Não dependem apenas de um dos lados do

processo da comunicação.

Acrescentemos ainda uma simples e curiosa definição de comunicação, elaborado por

Barbara Stanosz (apud IASBECK, 1997, p. 30) em que o outro (alter) assume prioritariamente

papel decisivo para o sucesso do processo de comunicação, em oposição à hegemonia do

emissor, tão alardeada nos estudos tradicionais dessa ciência. Stanosz cita que “comunicação é

a resposta” e, portanto, só se realiza no retorno da situação de troca. Não pode ser aferida em

termos qualitativos senão pela qualidade da resposta, não pelas boas intenções do emissor ou da

formulação isolada de uma mensagem. Não é outra a expectativa dos gestores de marca: é o

público que deve reagir positivamente. É a qualidade dessa reação que vai definir o grau de

eficácia dos processos comunicativos levados a termo pelo branding.

Assim, podemos observar que em todas essas concepções de comunicação estão

presentes a clássica tríade proposta por Shannon e Weaver (apud SANTAELLA; NÖTH,

2004, p. 36) em 1949 e apoiada nas tríades de Charles Peirce: a presença de um emissor, uma

informação ou mensagem e um receptor também ativo, que tem interesses, expectativas e

responde em autonomia. Apesar de Shannon e Weaver estarem interessados nas

possibilidades matemáticas da transmissão de informações, eles nos chamam a atenção para a

necessidade de se promover a interação entre esses elementos.

Peirce (apud Ibid., p. 202) postulou que o signo é uma espécie de medium ou mesmo

média, mídia, dois objetos, entre um objeto que se dá a perceber e um outro que o percebe,

processa e interpreta. É esse o mecanismo básico do sentido, que nasce na percepção e se

consubstancia pela ação interpretante deliberada. Aqui, o medium não é apenas a mídia, como

também pode vir a sê-lo em algumas situações. É um outro signo que se interpõe na relação,

mediando interesses, possibilidades e circunstâncias. É o medium que possibilita tornar

comum o incomum e, portanto, torna viável a comunicação. O medium une, conecta, sem

descaracterizar a autonomia, a individualidade dos elementos colocados em relação.

A marca é um signo que faz a ponte, a mediação, o elo entre os desejos estratégicos da

organização que emite seus discursos para o mercado e seus públicos, representados pelas

pessoas (subjetividades) que recebem e processam esses discursos, resultando em adesão ou

não à proposta comunicativa da empresa.

“Não pode haver comunicação sem ação de signos e vice-versa”, dizem Santaella e

Nöth (2004, p. 77), apoiados em Peirce. A ação dos signos ou “semiose”, conforme Peirce, é

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um produto direto dos processos comunicacionais. A ação do signo é sempre em relação a um

outro signo. É portanto, uma proposta de diálogo na qual atuam relações de referência,

ligações extra e intra contextuais, processos de emissão e os efeitos que produzem nos

receptores. O signo-marca expressa valores que levam o receptor a reagir, criando em sua

mente uma signo igual ou mais evoluído, de acordo com as possibilidades e as circunstâncias

de cada ato comunicativo particular.

Não é possível haver comunicação sem produção de sentidos, qualquer que ela seja, do

mesmo modo que não é possível haver produção de sentido sem comunicação. Por isso, não

podemos estudar os processos comunicativos sem entendermos os mecanismos semióticos

que operam na produção do sentido. O branding não pode prescindir da semiótica, sob pena

de tornar-se uma ferramenta meramente administrativa, focada em processos formais e

burocráticos, em cumprimento de tarefas e atribuições.

Interessa-nos sobretudo estudar o que ocorre na recepção do discurso da marca, quando

o consumidor processa (e como processa) o discurso que recebe de forma a aderir ou não,

com suas variantes, ao apelo mercadológico. Essa impressão – contrapartida da expressão

discursiva – é o lugar do vínculo. É estudando-a que poderemos caracterizar a qualidade do

processo comunicativo à vista de suas metas e objetivos. A carência de ferramentas eficazes

para medir com critério tais sutilezas deixa uma lacuna visível nos processos de branding,

falha que localizamos como principal motivo da não aceitação dessa atividade nos meios

empresariais brasileiros12.

Criada para atingir seus públicos, a marca busca seus efeitos por meio da inter-relação,

do ponto de contato com o consumidor potencial. Esse contato é o lugar onde deve ser criado

o vínculo, pois sem ele o processo da comunicação não tem como prosseguir. Os primeiros

vínculos, que possibilitam o contato, devem estar a serviço de um processo que apenas se

inicia, mas que deve prosseguir na relação. A marca é criada para gerar curiosidade, despertar

atenção e comunicar interesses.

Vejamos a ilustração abaixo:

12 Cf. nota nº 11.

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Figura 1 – Inter-relação marca/indivíduo

Fonte - PEREIRA, 2010, p. 66.

A relação não é um contato estático. Ela oscila a todo momento e se compromete no

processo comunicativo. Sua dinâmica é tensa, um processo efêmero de trocas em interação

no qual os signos se batem e embatem buscando pontos comuns e administrando o incomum.

Cada vez que o consumidor, de alguma forma, entra em contato com a marca, uma nova

gama de relações é gerada, pois os contextos, a mente e o repertório do indivíduo não são

mais os mesmos, suas experiências e vivências também são outras. Por isso, a cada novo

contato, a marca é ressignificada pelo consumidor. A ilustração acima esboça e capta apenas

um momento congelado do processo comunicativo.

É nesse sentido que evidenciamos a importância da constante análise tanto do discurso

quanto da imagem da marca formada na mente do indivíduo receptor, pelos gestores de

marca: o signo-marca, que incessantemente é ressignificado, precisa atualizar seu discurso de

modo a não se tornar, nessa dinâmica, redundante, vazio ou estéril. Uma marca que não é

capaz de gerar significados múltiplos e coerentes com o seu discurso não resiste aos contatos

ressignificantes com seus interpretantes.

3.1 A composição do signo-marca

Sob a perspectiva de Peirce podemos compreender como opera a dinâmica do signo

com seu objeto e seu interpretante. A semiótica nos mostra como o signo é produzido, como

pode efetivamente representar, transmitir e gerar interpretantes. Ensina-nos, ainda, a

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Marca Indivíduo

Inter-relação Marca/Indivíduo

RELAÇÃO

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PONTOS DE CONTATO

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compreender mecanismos de recepção, como o receptor percebe, sente, metaboliza

significados, reagindo.

A semiótica não se limita, portanto, ao estudo dos signos produzidos pela competência

humana. Antes, ela é, segundo Peirce, uma ciência de todo e qualquer fenômeno que produz

significados e sentido, incluindo não apenas a linguagem verbal, mas todo tipo de linguagem

como gestual, sígnica, sonora e muitas outras. (SANTAELLA, 2008, pp. 7-13). Ainda

segundo Winfried Nöth (2008, p.17), "a semiótica é a ciência dos signos e dos processos

significativos (semiose) na natureza e na cultura". Portanto, a semiótica pode ampliar as

possibilidades de entendermos o signo marca para além dos processos restritos do diálogo

com o consumidor, que se dá intermediado pela mídias.

A natureza triádica do signo (que não pode ser pensado sem seu objeto e seu

interpretante) nos condiciona a examinar a marca em conexão com o discurso (expressão) e a

imagem (impressão) que produz, como um produto único e indissociável. Isto é “significar”,

para Peirce. A representação é a natureza do signo, pois ele nada mais é que a representação

de seu objeto. Representar segundo o conceito peirceano é “estar em lugar de, isto é, estar

numa relação com outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como

se fosse esse outro.” (CP13 2.273). O signo, ao representar o objeto para um interpretante

assume seu objeto e não pode ser pensado sequer como um produto dele. Ele se confunde

com ele. A marca de uma empresa não é outra coisa, mas a própria empresa.

Figura 2 – Relação triádica.Fonte: GOMES, 2000.

A função mediadora da marca assume por representação a cultura de uma empresa.

Segundo Peirce, signo é o representamen14, que se remete a um objeto. Ele diz: um signo ou

13 CP é abreviação de Collected Papers, que são a coletânea dos escritos de Peirce, divididos em livros. Os números das citações referem-se respectivamente aos volumes e parágrafos.14 Termo em latim empregado por Peirce.

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representamen é “aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo ou dirige-se para

alguém, isto é, cria na mente interpretante um signo equivalente ou talvez mais

desenvolvido”. (SANTAELLA, 2008, p. 12).

Assim, a marca pode representar tanto objetos reais como produtos e a empresa, como

também imateriais, sua ideologia, conceito, cultura:

[...] inclui não só o produto, mas também o ambiente sócio-cultural, o histórico da empresa que detém a marca, suas instalações físicas, a visão de seus dirigentes, os valores da empresa e da marca, os preços de seus produtos, os gostos e preferências de seu público-alvo, o “caminho criativo” que a agência desenvolveu para a publicidade da marca, entre tantos outros. (CIMATTI, 2003, pp. 82-83).

Entretanto, o objeto dinâmico da marca, conforme nos mostra Peirce com sua definição

de signo, só nos é dado a conhecer através de um outro signo, aquele que ele denomina o objeto

imediato, ou seja, aquelas determinações do objeto dinâmico que vão compor um novo signo,

mas que não são todo o objeto dinâmico. Seria impossível ao signo representar seu objeto em

totalidade, no mesmo tempo e espaço.

O terceiro elemento da tríade de Peirce, que devemos lembrar é o interpretante ou, como

Peirce dizia: um signo "dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo

equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino

interpretante do primeiro signo." (CP 2.228, grifo nosso).

Como o interpretante é gerado pelo próprio signo, isto nos possibilita antever quais as

probabilidades de recepção da mensagem produzida pelo signo, mas não todas. O processo

mental (interpretação) que o indivíduo realiza na escolha de uma marca está apenas

parcialmente relacionado aos efeitos proporcionados pelo signo-marca, ou seja, aquilo que a

marca simboliza sócio-culturalmente, os valores que são capazes de transmitir e as sensações

e benefícios que advêm dessa relação.

3.2 Imagens – impressões da marca

Nos discursos da marca, i.e., na maneira como a marca se “expressa” verbalmente ou

não, são reveladas a visão, a ideologia, a face pública de uma organização, o que torna

possível ao indivíduo receptor perceber elementos da identidade desejada do

produto/serviço/empresa. Resta-nos saber se a “impressão” despertada no receptor

corresponderá - e em que grau - aos elementos discursivos dessa marca.

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No ano de 1997, os termos “expressão” como discurso de uma empresa e, “impressão”

como imagem formada na mente do receptor foram trabalhados pelo pesquisador Iasbeck

(1997), em sua tese de doutoramento. Schmitt e Simonson, em 2002 (pp. 64-66), também

utilizam os termos “expressões” e “impressões”, no livro A estética do marketing, para

propor um “gerenciamento da estética corporativa e da marca”, através de um “projeto de

identidade”.

As “expressões” se relacionam aos discursos ou textos produzidos pela comunicação da

marca, como já dito, e as “impressões” fazem parte da formação da imagem de marca, como

demonstra Iasbeck: Assim, quando nos referimos à “imagem”, falamos do produto dinâmico da elaboração mental (imaginação) de quem mantém com o objeto de sua percepção e experiência uma relação comunicativa. Nessa relação, o objeto da percepção se mescla com os dados do imaginário do percebedor e o resultado poderia ser a impressão causada nessa mente interpretante. Poderíamos simplesmente denominá-la “impressão”. (2007, p. 91).

3.3 Imagens de marca

Em meio a tanta possibilidade de concepções, o conceito de imagem que nos valeremos

advém dos autores Santaella e Nöth (2001, p. 15), pois nessa obra os autores nos fornecem

elementos que asseguram a operacionalização de nossa proposta de branding. Segundo eles a

imagem se divide em dois domínios. A imagem como representações visuais: desenhos,

pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas,

objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual e as imagens

mentais, que pertencem ao “domínio imaterial” e que nos aparecem como visões, fantasias,

imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais.

Segundo tais concepções, a marca pode ser entendida tanto como representação visual

(seu desenho, formas gráficas, aplicações em papelaria, materiais promocionais, televisão,

internet, fachada, loja, produtos etc.), quanto como representação mental, nos mitos, sonhos e

imaginários que é capaz de despertar no indivíduo.

Para Iasbeck, a formação da imagem de empresa, de produto ou das marcas se dá com base em possibilidades e se configura por associações mentais, que são representadas por um panorama provisório (signo) de múltiplas determinações (as referências seletivas à experiência de uma mente com o objeto do signo). Os interpretantes desse signo são suas determinações e o interpretante mental da imagem assim formada se dirigirá mais a essas determinações que ao objeto (no caso, e a grosso modo, a empresa, a marca, o produto). [...] todo ato de percepção (e recepção) é também um ato de fabricação de sentido. Em outras palavras, [...], a imagem não reproduz com

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fidelidade os dados do discurso, do conjunto dos textos que chegam ao receptor – interpretante mental (observador, leitor, usuário, cliente, etc.). (IASBECK, 1997, p. 88, grifo nosso).

A imagem de uma marca é, pois, formada a partir das experiências dos seus públicos,

dos conhecimentos adquiridos sobre produtos, história, hábitos e convivência com os textos

do discurso – dos textos culturais – que o sistema cultural “marca” produz. Na recepção, i.e.,

na percepção da imagem de marca, temos a interação de mecanismos culturais como o

repertório, as experiências comuns, os valores, sonhos e crenças que povoam o imaginário

dos públicos aos estímulos externos captados pelos sentidos. Conforme nos afirma Almeida,

No que diz respeito à formação da imagem, Almeida indica que elas estão relacionadas à experiência individual e, simultaneamente, é o conjunto de sensações, percepções e inter-relações dos atores sociais, que corrobora com a idéia de que um ator social pode deliberadamente criar uma determinada impressão em um público específico.15 (tradução nossa).

Em razão das constantes alterações a que estão sujeitas tais apreensões, do aspecto

dinâmico do processo de formação da imagem, concordamos com Chevalier e Mazallovo

(2007, p. 159) quando afirmam que “as percepções da marca sempre serão múltiplas, podem

aumentar e ser cada vez mais diversificadas”, pois a sociedade humana se transforma, assim

como a identidade dos indivíduos e as culturas que a compõem. Essa dinâmica evidencia a

importância de um constante acompanhamento pelo gestor de marca, das imagens presentes

na mente dos consumidores.

Junto com as determinações e indeterminações do interpretante, podemos concluir que

a absorção da marca pelos sentidos é sempre parcial, sujeita à interferência de novos signos

presentes nas circunstâncias e na memória do indivíduo percebedor. Como afirmam De Toni

e Schuler (2007), a formação da imagem “não depende apenas das mensagens racionalmente

emitidas, na estratégia de comunicação do produto, mas também da forma como o

consumidor vai recriar o significado das mensagens que recebe.” (2007, p. 133).

No ano de 2004, a revista norte-americana New Scientist16 divulgou os resultados de

uma pesquisa envolvendo as duas maiores marcas de refrigerante do mundo, Coca-Cola e 15 Regarding to the image formation, Almeida (2005) indicates that they are related to individual experience

and simultaneously is the amount of sensations, perceptions and interrelations of social actors, which corroborates to the idea that a social actor can deliberately create a particular impression on a specific audience (2005 apud COELHO; ALMEIDA, 2010 , p. 6).

16 In They know what you want, publicado no New Scientist em 31 de julho de 2004. Disponível em: <www.newscientist.com>. Acesso em: 5 out. 2007.

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Pepsi, no intuito de verificar a força representativa das marcas na mente das pessoas.

Utilizando equipamentos de ressonância magnética funcional, o neurocientista Read

Montague, da Universidade de Baylor, Texas, escaneou o cérebro de voluntários norte-

americanos no momento em que bebiam os refrigerantes sem identificação de marca. Os

resultados foram os seguintes: com relação ao sabor, o refrigerante preferido foi a Pepsi, mas

após a identificação da marca, a preferência recaiu sobre a Coca-Cola porque a marca ativava

áreas do cérebro associadas, não só ao sabor, mas às memórias e impressões do que a marca

representava. (NICOLAU, 2007).

Os resultados dessa pesquisa nos mostram como a percepção e a representação mental

podem alterar sentidos, fato que aponta para a eficácia da linguagem das marcas em seu

processo de branding.

3.4 A percepção e o juízo de percepção

Peirce nos diz que há três elementos formais e universais em todos os fenômenos que se

apresentam à percepção e à mente. Em um nível de generalização máxima, esses elementos

foram chamados de primeiridade, secundidade e terceiridade.

Segundo Peirce, a percepção dos fenômenos flui da seguinte maneira: 1) Primeiro

ocorre a observação, o que nos afeta; 2) após a afecção, ocorre uma ação deliberada ou uma

reação e, 3) posteriormente ocorre o pensamento, a razão.

Não são outros os processos que a marca percorre para efetivamente ser percebida e

fazer parte da mente do receptor.

A Primeiridade ou Qualidade representa o primeiro estágio de percepção. É a primeira

impressão ou sentimento que recebemos das coisas. É quando o indivíduo constata, sem

interpretar. Segundo Peirce, é a categoria que mais se aproxima da realidade. Nessa fase não

ocorre uma mediação ou interpretação relevantes, mas apenas o primeiro impacto, uma

possibilidade ou hipótese. São qualidades ou sensações que estão no mundo, antes da

manifestação da consciência humana, e que não têm relação com qualquer outra coisa. "É o

modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a outra coisa qualquer.”

(CP 8.328). "Sem partes ou aspectos, e sem corpo”, “um poder-ser não necessariamente

realizado". (2002 apud CIMATTI, 2003, 70).

Secundidade ocorre quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundo

fenômeno qualquer: é a "categoria da comparação, da ação, do fato, da realidade e da

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experiência no tempo e no espaço" (NÖTH, 2008, p. 64). Portanto é reação, força bruta,

surpresa, choque, conflito, fenômenos em sua reação na consciência, onde é possível distinguir.

Terceiridade ocorre quando aquilo que é se coloca em relação com um segundo e gera

um terceiro, uma conseqüência, um resultado qualquer. É o estágio da mediação ou da nova

representação de uma idéia que passa a adquirir aspectos de generalização, abstração do

fenômeno singular, podendo resultar numa uma lei, norma, regra ou hábito.

A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2005, p. 7, grifo nosso).

Podemos aplicar as categorias universais peirceanas ao processo de percepção da

imagem de marca porque, afinal, são signos que se manifestam e agem nesse processo. O

indivíduo ao entrar em contato com a marca, por quaisquer das formas de manifestação

(visual, sonora, gustativa, olfativa e tátil) primeiramente é afetado por uma qualidade

expressiva, que gera uma impressão individual, ainda que estimulada pela expressão do

discurso marcário.

Para Peirce, apenas essa sensação de início não permite a fixação de uma imagem na

mente do receptor. Em um segundo momento, o indivíduo se torna consciente desse estímulo

e recebe influência de outros signos decorrentes de experiências e história de vida, para só

então formular em sua mente uma imagem da marca com a qual entrou em contato.

A imagem de marca criada na mente percebedora, então se configura pela

primeiridade, somada à secundidade e com a intervenção dos signos da terceiridade.

Portanto, cada experiência ou relacionamento se torna uma fonte de significados que agrega

novos sentidos à marca como signo.

4. Os interpretantes da marca

Resta-nos ainda salientar a relação do signo com seu interpretante. Segundo Santaella

(2005, p. 23), “[...] o interpretante é o efeito interpretativo que o signo representa.”

Interpretante não quer dizer “intérprete”, é algo muito mais amplo, mais geral. O intérprete é

apenas uma parte do processo interpretativo. (Ibid., p. 24).

Três são os tipos básicos de interpretantes referidos por Peirce: o imediato, o dinâmico

e o final. O primeiro nível é o interpretante interno ao signo. “Trata-se do potencial

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interpretativo do signo, quer dizer, de sua interpretabilidade ainda no nível abstrato, antes de

o signo encontrar um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive.” (Ibid., passim).

Uma marca possui em si ingredientes de interpretação em potencial, que só se

realizarão como interpretações a partir do primeiro contato com o indivíduo interpretante. O

elementos internos do signo-marca já são um interpretante imediato, na medida que

compelem a interpretação mental, subjetiva, que se segue. Santaella lembra que “[...] cada

Signo deve ter sua interpretabilidade peculiar, antes que ele alcance qualquer intérprete.” (SS,

p. 111 apud SANTAELLA, 2008, p. 71).

Assim, o interpretante imediato ao discurso só pode exercer sua função comunicativa

após a percepção do indivíduo. Ao perceber a marca, o indivíduo assume a posição do

interpretante dinâmico.

O interpretante dinâmico ou mental resulta de uma correlação de signos, de um embate

entre as determinações do interpretante imediato com as contingências e características do

interpretante dinâmico. “Tem-se aí a dimensão psicológica do interpretante, pois se trata do

efeito singular que o signo produz em cada intérprete particular.” (SANTAELLA, 2008,

passim, grifo nosso).

Peirce nos confirma que o interpretante dinâmico é o “efeito realmente produzido na

mente pelo Signo.” (CP 8.343 apud SANTAELLA, 2008, p. 72, grifo nosso), é o “efeito real

que o Signo, como Signo, de fato, determina.” (CP 4.536).

O interpretante dinâmico é aquele que consegue apreender o significado do signo in

concreto, portanto, é aquele que confere significado à marca. E por ser dinâmico, está em

constante transformação e evolução. Não há nessa relação uma simetria, ou equivalência de

forças. O que acontece, como nos diz Santaella, é “equilíbrio assimétrico” entre as partes, mas

com proporções irregulares, podendo apresentar mais elementos de um e menos de outro.

Ao compreendermos como o interpretante mental entra em contato com a marca,

percebemos que a marca se ressignifica desde o momento da percepção, adaptando-se às

peculiaridades e singularidades do consumidor, bem como aos seus desejos, humores e

contextos culturais. Essa informação é de sumo valor para um gestor de marca, pois

corresponde à imagem que o indivíduo ou seus públicos têm da marca.

Em razão dessa constante ressignificação, como tornar administrável a complexidade

da marca contemporânea? Entendemos que o caminho é o estudo da marca, do indivíduo e,

sobretudo a antecipação planejada da relação entre eles.

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5. Administração da identidade sígnica

O conhecimento dos contornos da imagem ressignificada da marca na mente do

receptor proporcionará ao gestor a promoção dos ajustes necessários para que a expressão

marcaria consiga obter sucesso como veículo sígnico do discurso da marca. É o consumidor,

o público que se deseja atingir, o melhor agente para proporcionar segurança acerca da

efetividade de um discurso quando de sua elaboração. O gestor de marca precisa, pois, focar

sua atenção não apenas no conceito de imagem de marca criada pela empresa, nos seus

planejamentos estratégicos, mas desviar o olhar para aquele que – em sua concepção – é o

ponto final do processo, o consumidor.

Trata-se de uma mudança de postura em relação ao processo da comunicação. A

imagem formada na mente interpretante é fundamental para que o gestor possa verificar se os

seus objetivos podem ser atingidos e em que grau. Caso exista um distanciamento

significativo, o gestor precisará possuir elementos para apontar caminhos que busquem uma

aproximação desejável entre as “imagens”.

A figura abaixo ilustra o processo que ocorre na formação da imagem mental, ou seja,

quando uma marca entra em contato com seu interpretante dinâmico.

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Figura 3 – Processo de inter-relação – Identidade sígnica relacional da marca.Fonte – PEREIRA, 2010.

Podemos observar que o resultado final da inter-relação entre signo-marca (que contém

o interpretante imediato) percebido pelo indivíduo interpretante e os elementos da

subjetividade ou signos da memória e experiências do interpretante (interpretante dinâmico

ou mental) é a conformação de um terceiro signo, aquilo que denominamos a Identidade

Sígnica Relacional da Marca. Nesse processo inter-relacional aproximamo-nos de um ponto

desejável de identidade, quando a marca produz no indivíduo efeitos muito próximos dos

desejados pelo planejamento estratégico do discurso.

6. Conclusão

Nessa inter-relação, o processo de semiose ou ação do signo se torna evidente. Segundo

Lucia Santaella e Jorge Vieira, “a ação do signo é de ser interpretado em outro signo.” (2008,

p. 78). “[...] signos levando a outros signos, uma sucessão em princípio sem fim.” (Ibid., p.

81). Por isso, é importante ressaltar que o terceiro-signo - a Identidade Sígnica Relacional -

não se esgota em si mesma, mas somente por meio do processo infinito de semiose gera

terceiros-signos, fato que não exime o gestor de marca de manter rigoroso e constante

controle do processo de ressignificação, aferindo as possibilidades desse processo. Todavia,

conforme Semprini (2006) nos informa, “às vezes, uma única manifestação de marca pode

ser suficiente e assim dar acesso à identidade da marca, reconhecer e compreender a

identidade da marca e seu projeto subjacente.” (2006, p. 170).

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Por isso, o caminho que consideramos mais adequado para uma verificação eficaz da

identidade sígnica da marca é a repetição do processo analítico aplicado aos principais

pontos de contato da marca.

Conforme nos lembrou, ainda Semprini (2006), semelhante aos fractais, cada ponto

de contato contém parte da identidade total da marca, ou ao menos representa a identidade

formada na mente de um único indivíduo, em um dado momento.

O mínimo esperado de uma marca forte é que, em cada contato entre esta e o indivíduo

seja confirmado e reiterado o conjunto, ou a maioria dos traços de sua identidade.

Em suma, a análise de cada ponto de contato entre a expressão marcária e a impressão

do indivíduo receptor, na dimensão sígnica, permite a formação de uma parte da Identidade

da marca, ainda que nem sempre total ou absoluta.

Assim, um guia para manutenção, sobrevivência, fortalecimento e evolução da marca

contemporânea só poderá estar na capacidade dos gestores identificarem e compreenderem a

dinâmica presente na inter-relação entre marca e consumidor. Só assim será possível ter, sob

algum controle e comando a conformação da identidade de uma marca.

Assim, esperamos com este artigo ter colaborado com os gestores responsáveis por

essa difícil tarefa que é administrar o bem que vem se tornando, dia a dia, o maior valor de

uma empresa: a marca.

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