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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação
GESTÃO DE COMUNICAÇÃO DA MARCA - BRANDING1
Uma abordagem semiótica da marca nas organizações
Fernanda Mendes Santiago Pereira2
Luiz Carlos Assis Iasbeck3
Resumo: As organizações necessitam ter sob seu controle uma série de elementos que fogem normalmente aos seus cuidados administrativos. Um deles e talvez o mais significativo é a gestão da marca. O denominado branding é aqui discutido a partir de sua composição discursiva e de suas possibilidades de leitura em ressignificações subjetivas e muitas vezes alheias às intenções estratégicas das organizações. Trata-se de uma contribuição à gestão de marcas, indispensável tarefa para manter sob coesão a comunicação integrada nas organizações. Palavras-Chave: 1. Gestão de marca 2. Branding 3. Semiótica Organizacional
1. IntroduçãoO termo branding, tão utilizado nos meios organizacionais, designa o conjunto de ações
ligadas à gestão da comunicação da marca4. Essa atividade envolve todas as relações que a
marca estabelece e mantém com seus diversos públicos5, funcionários, clientes, parceiros de
negócio, fornecedores, concorrentes, dentre outros. A finalidade assumida do branding é criar
valor e fidelidade à marca, fazendo com que ela obtenha e permaneça valorizada no mercado.
É portanto, antes de um conceito, uma prática administrativa que envolve peculiaridades do
processo da comunicação e demanda sensibilidade comunicativas.
As marcas, entretanto, são bem mais antigas que as práticas do branding. Elas estão em
todos os lugares e se impõem como signo poderoso, capaz de sensibilizar, designar e rotular
1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação em Contextos Organizacionais”, do XX Encontro Nacional da Compós, na UFRGS, Porto Alegre, RS, em junho de 2011.2 Mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília. E-mail: [email protected] Doutor em Comunicação pela PUC/SP e Professor no Mestrado em Comunicação da Universidade Católica de Brasília – UCB-DF. E-mail: [email protected] A palavra marca se refere tanto às marcas institucionais quanto comerciais. 5 “Públicos” ou também conhecido como stakeholders em administração, refere-se a grupos que detêm interesse
nas atividades da empresa, sejam acionistas, funcionários, governo, comunidade, fornecedores etc. (TYBOUT; CALKINS, 2006, p. 40).
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sentidos. Elas fazem parte do convívio das pessoas, que – não raras vezes – se reconhecem e
se apropriam dos mitos e mundos criados por elas.
Por isso, fazer gestão da marca é ir muito além de sua mera concepção e representação
gráficas; é assumir uma complexidade de fatores, muitos deles sutis e quase imperceptíveis,
que interagem na dinâmica da produção de sentido. Por isso, podemos dizer que a marca é
um fenômeno semiótico.
No final dos anos 90, uma grande revolução ocorreu em nosso país com a abertura de
mercados em decorrência da globalização. Não foram poucos os setores produtivos que
sofreram drásticas mudanças e influências de idéias e ideais estrangeiros. O setor empresarial
foi, com certeza, o mais afetado. Obrigadas a buscar alternativas frente à intensificação da
concorrência multinacional, as empresas brasileiras foram obrigadas a importar know-how de
produção e distribuição de bens e serviços para se destacarem de forma diferenciada nos
mercados interno e externos. E, sob certo enfoque, os concorrentes estavam em pé de
igualdade. É nesse contexto que a marca começa a revelar o seu valor.
A globalização, de fato, mudou a forma de atuação das empresas. Procurando adequar-
se aos modelos de administração internacionais, investiram pesado nas marcas. Daí nasce um
novo conceito de administração empresarial: o branding.
Branding é uma evolução dos programas de identidade corporativa, associado ao
marketing e ao design, que demanda nova configuração do modelo de administração de
marca. Essa nova ferramenta leva em conta elementos como a imagem da organização, a
percepção dos públicos, as associações mentais do discurso com as subjetividades da
recepção, etc. Surge, então, uma nova forma de entender e gerir o consumo da marca.
Atualmente, o branding é um modelo de gestão empresarial direcionado àqueles que
buscam vantagem competitiva de mercado, por meio da fidelidade do cliente à marca. Saber
construir uma marca forte e administrar todos os seus pontos de contato com o cliente,
elevando-a a verdadeiros vínculos emocionais é o grande objetivo do gestor de marca.
Esta nova atividade [...] está ligada a todo sistema de construção e gerenciamento da identidade de uma empresa ou produto, visando gerar percepção de valor em torno de uma marca, observando todos os pontos de contato da organização com seus diversos públicos e, ainda, desenvolver manifestações visuais, verbais e experiências da marca através de expressões que usam elementos sensoriais, abrangendo desde a concepção do nome da empresa ou produto até o simples ato de atender um cliente pelo telefone6. (RODRIGUES, 2005, p. 15).
6 Carlos Delano Rodrigues é designer e consultor de identidade de marca. Membro da atual diretoria nacional da ADG Associação de Designers Gráficos do Brasil gestão 2007-2009, é MBA em Marketing e mestre em
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Aqui, nossa proposta é contribuir para o desenvolvimento dessa ferramenta de gestão
de marca analisando uma de suas principais dimensões: a dimensão sígnica7. Sua abordagem
segue a perspectiva da Teoria Geral dos Signo, de Charles Sanders Peirce8.
Segundo pesquisa realizada pela Brand Finance9 em 2007, em média 66% do valor das
empresas nos EUA e Europa é atribuído aos ativos intangíveis (marca). E ainda, de acordo com
pesquisa realizada pela Troiano Consultoria de Marca (TROIANO, 2009, pp. 314-317), entre
2007 e 2008, 85% dos CEOs10 concordam que a marca é o ativo intangível mais valioso de
uma empresa e 63% concordam que o papel das marcas é agregar valor.
Claramente observamos que marca se tornou um ativo de sentidos, um poderodo signo
gerador de valor para as empresas e para os mercados.
2. BrandingO termo branding vem do verbo to brand, que significa “marcar”, no sentido de
queimar com ferro e fogo, tal como ainda hoje no meio rural se marcam os animais. A
metáfora se tornou comum nos Estados Unidos e tomou todo o mundo em pouco tempo.
Em geral, o branding está associado ao processo de gestão de marca, às ações que
visam associar o signo da marca a uma série de atributos desejáveis e economicamente
favoráveis, comercializados na forma de produtos ou serviços (SOUZA; NEMER, 1993).
Um dos principais objetivos do branding é transformar a marca em objeto do desejo
dos consumidores, um estímulo para atrair a atenção e uma provocação à interação. Por isso a
marca precisa obter uma imagem confiável e capaz de provocar empatia, levando o produto a
ser consumido.design pela PUC-Rio. Desde 1997 leciona em cursos de design e comunicação, e em 2003 implantou a disciplina de Branding na PUC-Rio, além de ministrar cursos de Naming e Branding para empresas e instituições de ensino de todo o Brasil. É articulista dos portais designbrasil.org.br e mundomarketing.com.br.
7 As demais dimensões do processo de comunicação da marca, discursiva e sistêmica, podem ser encontradas no projeto de dissertação desenvolvido pela presente pesquisadora. PEREIRA, Fernanda Mendes Santiago. Gestão da comunicação em marcas contemporâneas: um estudo semiótico da dinâmica sistêmica da complexidade na gestão de marcas. 2010. 180 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação) – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2010. 8 Charles Sanders Peirce (1839-1914), norte-americano, era matemático, cientista, lógico, filósofo e ainda se dedicou a astronomia, química, linguística, psicologia e história. Criador da Teoria Geral dos Signos, também conhecida como Semiótica.9 Empresa de Consultoria líder mundial em avaliação de marcas. Disponível em:
<http://www.brandfinance.com>. Acesso em: 3 abr. 2009.10 A pesquisa foi realizada com 50 CEOs (Chief Executive Officer termo em inglês utilizado para designar a
pessoa com a mais alta responsabilidade ou autoridade numa organização) de empresas, que representam 6% do PIB brasileiro e abrangem mais de 15 segmentos de negócios, entre eles construção civil, alimentício, tecnologia da informação e bebidas.
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A tradução mais aproximada de branding em língua e cultura brasileira seria algo como
“gestão” ou “administração de marca”. Incluem-se aí atividades como design, naming,
pesquisa de mercado, avaliação financeira, posicionamento, marketing, relações públicas e
comunicação corporativa, tudo, enfim, que envolva a comunicação de uma marca, em seu
sentido mais amplo. O branding é, pois, uma ação de gestão da comunicação organizacional.
Vista sob tal prisma, a essência do branding está nas peculiaridades da marca e na
competência que ela desenvolve para, de acordo com Oliveira (2001), estreitar o
relacionamento com o cliente; é o gerenciamento de todos os pontos de contato vividos
pelo cliente por meio da marca e a relação da marca com múltiplas dimensões humanas que
constituem a essência do branding. Oliveira (2001) afirma ainda que o branding não pode
se limitar à marca do produto ou ao rótulo da embalagem; ele tem de examinar e
administrar também a ação da marca na mente das pessoas.
Dessa forma ampliado, o branding possibilita que a marca assuma uma posição de
convívio, tornando-se parte da vida do consumidor, motivando-o não só a utilizar cativamente
uma determinada marca, mas a consumir também tudo o que está direta ou indiretamente
relacionado a ela.
Segundo Naomi Klein (2002), o que torna diferente o branding é que ele busca trazer a
marca de uma simples representação gráfica para uma realidade da vida.
Nesse contexto, o fim do branding é a conquista da fidelidade do cliente à marca, e
conseqüentemente, uma vantagem competitiva de mercado. Tudo isso pode ser avaliado pela
alavancagem das vendas dos produtos ou serviços ou da adesão a uma ideologia ou proposta
de trabalho.
Conforme entrevistas11 realizadas em 2010 (PEREIRA, 2010, p. 54-59) com principais
empresas de branding do Brasil, a marca foi categoricamente considerada o ativo de maior
valor das empresas. Em contrapartida, ao perguntarmos sobre o branding aplicado atualmente
no Brasil, verificamos que na prática, o branding ainda está em fase de consolidação e em
processo de formação de reconhecimento como diferencial competitivo. Enfrenta ainda
muitas dificuldades, principalmente pela pouco convincente avaliação de seus resultados na
11 Entrevistas de caráter qualitativo-quantitativo realizadas, entre os meses de abril, maio e junho de 2010, com as principais empresas de branding do Brasil, segundo a Top Brands, empresa de consultoria e gestão de marcas, parceira da ABA, Associação Brasileira de Anunciantes. São elas: Brand Analytics Consultoria de Marcas, Brand Finance Consultoria, Grupo Troiano de Branding, Thymus Branding e Top Brands Consultoria e Gestão de Marca.
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prática empresarial. Os empresários não parecem convencidos do fato de que o branding
agrega valor para suas organizações.
A abordagem do branding segundo a perspectiva da Teoria Geral dos Signos de Peirce,
que aqui desenvolveremos, tem como finalidade gerar condições e técnicas capazes de suprir
as deficiências observadas nesta prática no Brasil, especialmente voltadas para a evidenciação
de sua eficácia nas empresas brasileiras.
2.1 Benefícios advindos do branding
Segundo Keller (1998), os principais benefícios decorrentes de uma marca forte, com
alto nível de consciência do consumidor e uma imagem de marca positiva são a alta
rentabilidade do negócio e o baixo custo de gerenciamento.
Aaker (1996), Davis (2000), Keller (1998), sintetizam desse modo os benefícios que
uma organização pode obter com o branding:
a) Maior lealdade dos consumidores;
b) Menor vulnerabilidade frente às ações competitivas do mercado;
c) Menor vulnerabilidade para comercializar em tempos de crise;
d) Maiores margens de negociação do preço;
e) Estabilidade de demanda do consumidor frente ao aumento de preços;
f) Elasticidade de resposta do consumidor às diminuições de preço ou descontos;
g) Maior cooperação e suporte por parte de quem comercializa os produtos
(vendedores ou representantes);
h) Maior eficácia e eficiência nas comunicações de Marketing, que se tornam menos
suscetíveis aos “ataques” dos anúncios competitivos, mais amigáveis a estratégias
criativas e menos vulneráveis a reações negativas quando da redundância
concentrada de uma mensagem;
i) Oportunidades adicionais de comercialização de licenciamentos, aumentando a
exposição da marca e seu conjunto de associações;
j) Oportunidades adicionais de extensão de marca na mesma linha ou para uma nova
categoria de produto.
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Alguns autores também consideram como benefícios adicionais a capacidade de atrair
empregados mais competentes, de gerar maior interesse de investidores e apoio dos acionistas
(KELLER, 1998).
Ainda segundo entrevistas realizadas por Pereira (2010, p. 56-57), com as principais
empresas de branding do Brasil, os benefícios de maior visibilidade na utilização do
branding são: fidelidade do cliente, diferencial competitivo frente à concorrência e vantagens
na negociação de preço.
3. Processo comunicativo da marca
O branding envolve um conjunto de ações em que todos os pontos de contato entre os
diversos públicos são administrados. Para que o processo da comunicação flua, não poderá
acontecer qualquer entrave que não possa ser alcançado e resolvido pelas ações
administrativas do branding, sob pena de o conceito ou ideia da marca ficarem
comprometidos na cadeia de proliferação dos processos comunicativos.
Comunicação não é aqui uma atividade entendida apenas no âmbito da transmissão de
informações, como acontece no marketing ou em outras esferas de gestão de informações.
Aqui comunicação é ação bilateral de troca, de compartilhamento e, portanto, de interação
(ação-reação). É ela a responsável pela conexão e mediação entre intenções estratégicas e a
percepção e reposta do público. O valor da marca só pode ser assegurado se esse processo
puder ser realizado em ambiente favorável e cuidadosamente monitorado.
Baitello Júnior (2005, p. 70, grifo nosso) afirma que “[...] ‘comunicação’ nada mais é que
a ponte entre dois espaços distintos” e que “[...] processos comunicativos são construções de
vínculos”. A construção de vínculos é, pois, a chave para o estabelecimento e o crescimento de
uma marca forte e, também é o principal objetivo do modelo de gestão, branding. É pelo
estabelecimento de um vínculo que a fidelidade e confiança do indivíduo à marca são
instituídas. Por isso, o empenho dos gestores na condução do processo comunicativo de uma
marca é de tamanha relevância para o sucesso de suas empresas.
Acrescentemos ainda, que, segundo Santaella e Nöth (2004, p. 36), a comunicação só
pode acontecer como “relação, transmissão, agenciamento, influência, troca e interação” e,
para isso, são necessários, no mínimo dois elementos em diálogo e um meio, uma conexão
entre ambos. “Relação” e “interação” são conceitos sem os quais não é possível se pensar em
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comunicação e ambos se dão na forma de mediação. Não dependem apenas de um dos lados do
processo da comunicação.
Acrescentemos ainda uma simples e curiosa definição de comunicação, elaborado por
Barbara Stanosz (apud IASBECK, 1997, p. 30) em que o outro (alter) assume prioritariamente
papel decisivo para o sucesso do processo de comunicação, em oposição à hegemonia do
emissor, tão alardeada nos estudos tradicionais dessa ciência. Stanosz cita que “comunicação é
a resposta” e, portanto, só se realiza no retorno da situação de troca. Não pode ser aferida em
termos qualitativos senão pela qualidade da resposta, não pelas boas intenções do emissor ou da
formulação isolada de uma mensagem. Não é outra a expectativa dos gestores de marca: é o
público que deve reagir positivamente. É a qualidade dessa reação que vai definir o grau de
eficácia dos processos comunicativos levados a termo pelo branding.
Assim, podemos observar que em todas essas concepções de comunicação estão
presentes a clássica tríade proposta por Shannon e Weaver (apud SANTAELLA; NÖTH,
2004, p. 36) em 1949 e apoiada nas tríades de Charles Peirce: a presença de um emissor, uma
informação ou mensagem e um receptor também ativo, que tem interesses, expectativas e
responde em autonomia. Apesar de Shannon e Weaver estarem interessados nas
possibilidades matemáticas da transmissão de informações, eles nos chamam a atenção para a
necessidade de se promover a interação entre esses elementos.
Peirce (apud Ibid., p. 202) postulou que o signo é uma espécie de medium ou mesmo
média, mídia, dois objetos, entre um objeto que se dá a perceber e um outro que o percebe,
processa e interpreta. É esse o mecanismo básico do sentido, que nasce na percepção e se
consubstancia pela ação interpretante deliberada. Aqui, o medium não é apenas a mídia, como
também pode vir a sê-lo em algumas situações. É um outro signo que se interpõe na relação,
mediando interesses, possibilidades e circunstâncias. É o medium que possibilita tornar
comum o incomum e, portanto, torna viável a comunicação. O medium une, conecta, sem
descaracterizar a autonomia, a individualidade dos elementos colocados em relação.
A marca é um signo que faz a ponte, a mediação, o elo entre os desejos estratégicos da
organização que emite seus discursos para o mercado e seus públicos, representados pelas
pessoas (subjetividades) que recebem e processam esses discursos, resultando em adesão ou
não à proposta comunicativa da empresa.
“Não pode haver comunicação sem ação de signos e vice-versa”, dizem Santaella e
Nöth (2004, p. 77), apoiados em Peirce. A ação dos signos ou “semiose”, conforme Peirce, é
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um produto direto dos processos comunicacionais. A ação do signo é sempre em relação a um
outro signo. É portanto, uma proposta de diálogo na qual atuam relações de referência,
ligações extra e intra contextuais, processos de emissão e os efeitos que produzem nos
receptores. O signo-marca expressa valores que levam o receptor a reagir, criando em sua
mente uma signo igual ou mais evoluído, de acordo com as possibilidades e as circunstâncias
de cada ato comunicativo particular.
Não é possível haver comunicação sem produção de sentidos, qualquer que ela seja, do
mesmo modo que não é possível haver produção de sentido sem comunicação. Por isso, não
podemos estudar os processos comunicativos sem entendermos os mecanismos semióticos
que operam na produção do sentido. O branding não pode prescindir da semiótica, sob pena
de tornar-se uma ferramenta meramente administrativa, focada em processos formais e
burocráticos, em cumprimento de tarefas e atribuições.
Interessa-nos sobretudo estudar o que ocorre na recepção do discurso da marca, quando
o consumidor processa (e como processa) o discurso que recebe de forma a aderir ou não,
com suas variantes, ao apelo mercadológico. Essa impressão – contrapartida da expressão
discursiva – é o lugar do vínculo. É estudando-a que poderemos caracterizar a qualidade do
processo comunicativo à vista de suas metas e objetivos. A carência de ferramentas eficazes
para medir com critério tais sutilezas deixa uma lacuna visível nos processos de branding,
falha que localizamos como principal motivo da não aceitação dessa atividade nos meios
empresariais brasileiros12.
Criada para atingir seus públicos, a marca busca seus efeitos por meio da inter-relação,
do ponto de contato com o consumidor potencial. Esse contato é o lugar onde deve ser criado
o vínculo, pois sem ele o processo da comunicação não tem como prosseguir. Os primeiros
vínculos, que possibilitam o contato, devem estar a serviço de um processo que apenas se
inicia, mas que deve prosseguir na relação. A marca é criada para gerar curiosidade, despertar
atenção e comunicar interesses.
Vejamos a ilustração abaixo:
12 Cf. nota nº 11.
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Figura 1 – Inter-relação marca/indivíduo
Fonte - PEREIRA, 2010, p. 66.
A relação não é um contato estático. Ela oscila a todo momento e se compromete no
processo comunicativo. Sua dinâmica é tensa, um processo efêmero de trocas em interação
no qual os signos se batem e embatem buscando pontos comuns e administrando o incomum.
Cada vez que o consumidor, de alguma forma, entra em contato com a marca, uma nova
gama de relações é gerada, pois os contextos, a mente e o repertório do indivíduo não são
mais os mesmos, suas experiências e vivências também são outras. Por isso, a cada novo
contato, a marca é ressignificada pelo consumidor. A ilustração acima esboça e capta apenas
um momento congelado do processo comunicativo.
É nesse sentido que evidenciamos a importância da constante análise tanto do discurso
quanto da imagem da marca formada na mente do indivíduo receptor, pelos gestores de
marca: o signo-marca, que incessantemente é ressignificado, precisa atualizar seu discurso de
modo a não se tornar, nessa dinâmica, redundante, vazio ou estéril. Uma marca que não é
capaz de gerar significados múltiplos e coerentes com o seu discurso não resiste aos contatos
ressignificantes com seus interpretantes.
3.1 A composição do signo-marca
Sob a perspectiva de Peirce podemos compreender como opera a dinâmica do signo
com seu objeto e seu interpretante. A semiótica nos mostra como o signo é produzido, como
pode efetivamente representar, transmitir e gerar interpretantes. Ensina-nos, ainda, a
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Marca Indivíduo
Inter-relação Marca/Indivíduo
RELAÇÃO
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PONTOS DE CONTATO
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compreender mecanismos de recepção, como o receptor percebe, sente, metaboliza
significados, reagindo.
A semiótica não se limita, portanto, ao estudo dos signos produzidos pela competência
humana. Antes, ela é, segundo Peirce, uma ciência de todo e qualquer fenômeno que produz
significados e sentido, incluindo não apenas a linguagem verbal, mas todo tipo de linguagem
como gestual, sígnica, sonora e muitas outras. (SANTAELLA, 2008, pp. 7-13). Ainda
segundo Winfried Nöth (2008, p.17), "a semiótica é a ciência dos signos e dos processos
significativos (semiose) na natureza e na cultura". Portanto, a semiótica pode ampliar as
possibilidades de entendermos o signo marca para além dos processos restritos do diálogo
com o consumidor, que se dá intermediado pela mídias.
A natureza triádica do signo (que não pode ser pensado sem seu objeto e seu
interpretante) nos condiciona a examinar a marca em conexão com o discurso (expressão) e a
imagem (impressão) que produz, como um produto único e indissociável. Isto é “significar”,
para Peirce. A representação é a natureza do signo, pois ele nada mais é que a representação
de seu objeto. Representar segundo o conceito peirceano é “estar em lugar de, isto é, estar
numa relação com outro que, para certos propósitos, é considerado por alguma mente como
se fosse esse outro.” (CP13 2.273). O signo, ao representar o objeto para um interpretante
assume seu objeto e não pode ser pensado sequer como um produto dele. Ele se confunde
com ele. A marca de uma empresa não é outra coisa, mas a própria empresa.
Figura 2 – Relação triádica.Fonte: GOMES, 2000.
A função mediadora da marca assume por representação a cultura de uma empresa.
Segundo Peirce, signo é o representamen14, que se remete a um objeto. Ele diz: um signo ou
13 CP é abreviação de Collected Papers, que são a coletânea dos escritos de Peirce, divididos em livros. Os números das citações referem-se respectivamente aos volumes e parágrafos.14 Termo em latim empregado por Peirce.
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representamen é “aquilo que sob certo aspecto ou modo representa algo ou dirige-se para
alguém, isto é, cria na mente interpretante um signo equivalente ou talvez mais
desenvolvido”. (SANTAELLA, 2008, p. 12).
Assim, a marca pode representar tanto objetos reais como produtos e a empresa, como
também imateriais, sua ideologia, conceito, cultura:
[...] inclui não só o produto, mas também o ambiente sócio-cultural, o histórico da empresa que detém a marca, suas instalações físicas, a visão de seus dirigentes, os valores da empresa e da marca, os preços de seus produtos, os gostos e preferências de seu público-alvo, o “caminho criativo” que a agência desenvolveu para a publicidade da marca, entre tantos outros. (CIMATTI, 2003, pp. 82-83).
Entretanto, o objeto dinâmico da marca, conforme nos mostra Peirce com sua definição
de signo, só nos é dado a conhecer através de um outro signo, aquele que ele denomina o objeto
imediato, ou seja, aquelas determinações do objeto dinâmico que vão compor um novo signo,
mas que não são todo o objeto dinâmico. Seria impossível ao signo representar seu objeto em
totalidade, no mesmo tempo e espaço.
O terceiro elemento da tríade de Peirce, que devemos lembrar é o interpretante ou, como
Peirce dizia: um signo "dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa, um signo
equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado denomino
interpretante do primeiro signo." (CP 2.228, grifo nosso).
Como o interpretante é gerado pelo próprio signo, isto nos possibilita antever quais as
probabilidades de recepção da mensagem produzida pelo signo, mas não todas. O processo
mental (interpretação) que o indivíduo realiza na escolha de uma marca está apenas
parcialmente relacionado aos efeitos proporcionados pelo signo-marca, ou seja, aquilo que a
marca simboliza sócio-culturalmente, os valores que são capazes de transmitir e as sensações
e benefícios que advêm dessa relação.
3.2 Imagens – impressões da marca
Nos discursos da marca, i.e., na maneira como a marca se “expressa” verbalmente ou
não, são reveladas a visão, a ideologia, a face pública de uma organização, o que torna
possível ao indivíduo receptor perceber elementos da identidade desejada do
produto/serviço/empresa. Resta-nos saber se a “impressão” despertada no receptor
corresponderá - e em que grau - aos elementos discursivos dessa marca.
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No ano de 1997, os termos “expressão” como discurso de uma empresa e, “impressão”
como imagem formada na mente do receptor foram trabalhados pelo pesquisador Iasbeck
(1997), em sua tese de doutoramento. Schmitt e Simonson, em 2002 (pp. 64-66), também
utilizam os termos “expressões” e “impressões”, no livro A estética do marketing, para
propor um “gerenciamento da estética corporativa e da marca”, através de um “projeto de
identidade”.
As “expressões” se relacionam aos discursos ou textos produzidos pela comunicação da
marca, como já dito, e as “impressões” fazem parte da formação da imagem de marca, como
demonstra Iasbeck: Assim, quando nos referimos à “imagem”, falamos do produto dinâmico da elaboração mental (imaginação) de quem mantém com o objeto de sua percepção e experiência uma relação comunicativa. Nessa relação, o objeto da percepção se mescla com os dados do imaginário do percebedor e o resultado poderia ser a impressão causada nessa mente interpretante. Poderíamos simplesmente denominá-la “impressão”. (2007, p. 91).
3.3 Imagens de marca
Em meio a tanta possibilidade de concepções, o conceito de imagem que nos valeremos
advém dos autores Santaella e Nöth (2001, p. 15), pois nessa obra os autores nos fornecem
elementos que asseguram a operacionalização de nossa proposta de branding. Segundo eles a
imagem se divide em dois domínios. A imagem como representações visuais: desenhos,
pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas,
objetos materiais, signos que representam o nosso meio ambiente visual e as imagens
mentais, que pertencem ao “domínio imaterial” e que nos aparecem como visões, fantasias,
imaginações, esquemas, modelos ou, em geral, como representações mentais.
Segundo tais concepções, a marca pode ser entendida tanto como representação visual
(seu desenho, formas gráficas, aplicações em papelaria, materiais promocionais, televisão,
internet, fachada, loja, produtos etc.), quanto como representação mental, nos mitos, sonhos e
imaginários que é capaz de despertar no indivíduo.
Para Iasbeck, a formação da imagem de empresa, de produto ou das marcas se dá com base em possibilidades e se configura por associações mentais, que são representadas por um panorama provisório (signo) de múltiplas determinações (as referências seletivas à experiência de uma mente com o objeto do signo). Os interpretantes desse signo são suas determinações e o interpretante mental da imagem assim formada se dirigirá mais a essas determinações que ao objeto (no caso, e a grosso modo, a empresa, a marca, o produto). [...] todo ato de percepção (e recepção) é também um ato de fabricação de sentido. Em outras palavras, [...], a imagem não reproduz com
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fidelidade os dados do discurso, do conjunto dos textos que chegam ao receptor – interpretante mental (observador, leitor, usuário, cliente, etc.). (IASBECK, 1997, p. 88, grifo nosso).
A imagem de uma marca é, pois, formada a partir das experiências dos seus públicos,
dos conhecimentos adquiridos sobre produtos, história, hábitos e convivência com os textos
do discurso – dos textos culturais – que o sistema cultural “marca” produz. Na recepção, i.e.,
na percepção da imagem de marca, temos a interação de mecanismos culturais como o
repertório, as experiências comuns, os valores, sonhos e crenças que povoam o imaginário
dos públicos aos estímulos externos captados pelos sentidos. Conforme nos afirma Almeida,
No que diz respeito à formação da imagem, Almeida indica que elas estão relacionadas à experiência individual e, simultaneamente, é o conjunto de sensações, percepções e inter-relações dos atores sociais, que corrobora com a idéia de que um ator social pode deliberadamente criar uma determinada impressão em um público específico.15 (tradução nossa).
Em razão das constantes alterações a que estão sujeitas tais apreensões, do aspecto
dinâmico do processo de formação da imagem, concordamos com Chevalier e Mazallovo
(2007, p. 159) quando afirmam que “as percepções da marca sempre serão múltiplas, podem
aumentar e ser cada vez mais diversificadas”, pois a sociedade humana se transforma, assim
como a identidade dos indivíduos e as culturas que a compõem. Essa dinâmica evidencia a
importância de um constante acompanhamento pelo gestor de marca, das imagens presentes
na mente dos consumidores.
Junto com as determinações e indeterminações do interpretante, podemos concluir que
a absorção da marca pelos sentidos é sempre parcial, sujeita à interferência de novos signos
presentes nas circunstâncias e na memória do indivíduo percebedor. Como afirmam De Toni
e Schuler (2007), a formação da imagem “não depende apenas das mensagens racionalmente
emitidas, na estratégia de comunicação do produto, mas também da forma como o
consumidor vai recriar o significado das mensagens que recebe.” (2007, p. 133).
No ano de 2004, a revista norte-americana New Scientist16 divulgou os resultados de
uma pesquisa envolvendo as duas maiores marcas de refrigerante do mundo, Coca-Cola e 15 Regarding to the image formation, Almeida (2005) indicates that they are related to individual experience
and simultaneously is the amount of sensations, perceptions and interrelations of social actors, which corroborates to the idea that a social actor can deliberately create a particular impression on a specific audience (2005 apud COELHO; ALMEIDA, 2010 , p. 6).
16 In They know what you want, publicado no New Scientist em 31 de julho de 2004. Disponível em: <www.newscientist.com>. Acesso em: 5 out. 2007.
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Pepsi, no intuito de verificar a força representativa das marcas na mente das pessoas.
Utilizando equipamentos de ressonância magnética funcional, o neurocientista Read
Montague, da Universidade de Baylor, Texas, escaneou o cérebro de voluntários norte-
americanos no momento em que bebiam os refrigerantes sem identificação de marca. Os
resultados foram os seguintes: com relação ao sabor, o refrigerante preferido foi a Pepsi, mas
após a identificação da marca, a preferência recaiu sobre a Coca-Cola porque a marca ativava
áreas do cérebro associadas, não só ao sabor, mas às memórias e impressões do que a marca
representava. (NICOLAU, 2007).
Os resultados dessa pesquisa nos mostram como a percepção e a representação mental
podem alterar sentidos, fato que aponta para a eficácia da linguagem das marcas em seu
processo de branding.
3.4 A percepção e o juízo de percepção
Peirce nos diz que há três elementos formais e universais em todos os fenômenos que se
apresentam à percepção e à mente. Em um nível de generalização máxima, esses elementos
foram chamados de primeiridade, secundidade e terceiridade.
Segundo Peirce, a percepção dos fenômenos flui da seguinte maneira: 1) Primeiro
ocorre a observação, o que nos afeta; 2) após a afecção, ocorre uma ação deliberada ou uma
reação e, 3) posteriormente ocorre o pensamento, a razão.
Não são outros os processos que a marca percorre para efetivamente ser percebida e
fazer parte da mente do receptor.
A Primeiridade ou Qualidade representa o primeiro estágio de percepção. É a primeira
impressão ou sentimento que recebemos das coisas. É quando o indivíduo constata, sem
interpretar. Segundo Peirce, é a categoria que mais se aproxima da realidade. Nessa fase não
ocorre uma mediação ou interpretação relevantes, mas apenas o primeiro impacto, uma
possibilidade ou hipótese. São qualidades ou sensações que estão no mundo, antes da
manifestação da consciência humana, e que não têm relação com qualquer outra coisa. "É o
modo de ser daquilo que é tal como é, positivamente e sem referência a outra coisa qualquer.”
(CP 8.328). "Sem partes ou aspectos, e sem corpo”, “um poder-ser não necessariamente
realizado". (2002 apud CIMATTI, 2003, 70).
Secundidade ocorre quando um fenômeno primeiro é relacionado a um segundo
fenômeno qualquer: é a "categoria da comparação, da ação, do fato, da realidade e da
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experiência no tempo e no espaço" (NÖTH, 2008, p. 64). Portanto é reação, força bruta,
surpresa, choque, conflito, fenômenos em sua reação na consciência, onde é possível distinguir.
Terceiridade ocorre quando aquilo que é se coloca em relação com um segundo e gera
um terceiro, uma conseqüência, um resultado qualquer. É o estágio da mediação ou da nova
representação de uma idéia que passa a adquirir aspectos de generalização, abstração do
fenômeno singular, podendo resultar numa uma lei, norma, regra ou hábito.
A terceiridade diz respeito à generalidade, continuidade, crescimento, inteligência. A forma mais simples da terceiridade, segundo Peirce, manifesta-se no signo, visto que o signo é um primeiro (algo que se apresenta à mente), ligando um segundo (aquilo que o signo indica, se refere ou representa) a um terceiro (o efeito que o signo irá provocar em um possível intérprete). (SANTAELLA, 2005, p. 7, grifo nosso).
Podemos aplicar as categorias universais peirceanas ao processo de percepção da
imagem de marca porque, afinal, são signos que se manifestam e agem nesse processo. O
indivíduo ao entrar em contato com a marca, por quaisquer das formas de manifestação
(visual, sonora, gustativa, olfativa e tátil) primeiramente é afetado por uma qualidade
expressiva, que gera uma impressão individual, ainda que estimulada pela expressão do
discurso marcário.
Para Peirce, apenas essa sensação de início não permite a fixação de uma imagem na
mente do receptor. Em um segundo momento, o indivíduo se torna consciente desse estímulo
e recebe influência de outros signos decorrentes de experiências e história de vida, para só
então formular em sua mente uma imagem da marca com a qual entrou em contato.
A imagem de marca criada na mente percebedora, então se configura pela
primeiridade, somada à secundidade e com a intervenção dos signos da terceiridade.
Portanto, cada experiência ou relacionamento se torna uma fonte de significados que agrega
novos sentidos à marca como signo.
4. Os interpretantes da marca
Resta-nos ainda salientar a relação do signo com seu interpretante. Segundo Santaella
(2005, p. 23), “[...] o interpretante é o efeito interpretativo que o signo representa.”
Interpretante não quer dizer “intérprete”, é algo muito mais amplo, mais geral. O intérprete é
apenas uma parte do processo interpretativo. (Ibid., p. 24).
Três são os tipos básicos de interpretantes referidos por Peirce: o imediato, o dinâmico
e o final. O primeiro nível é o interpretante interno ao signo. “Trata-se do potencial
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interpretativo do signo, quer dizer, de sua interpretabilidade ainda no nível abstrato, antes de
o signo encontrar um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive.” (Ibid., passim).
Uma marca possui em si ingredientes de interpretação em potencial, que só se
realizarão como interpretações a partir do primeiro contato com o indivíduo interpretante. O
elementos internos do signo-marca já são um interpretante imediato, na medida que
compelem a interpretação mental, subjetiva, que se segue. Santaella lembra que “[...] cada
Signo deve ter sua interpretabilidade peculiar, antes que ele alcance qualquer intérprete.” (SS,
p. 111 apud SANTAELLA, 2008, p. 71).
Assim, o interpretante imediato ao discurso só pode exercer sua função comunicativa
após a percepção do indivíduo. Ao perceber a marca, o indivíduo assume a posição do
interpretante dinâmico.
O interpretante dinâmico ou mental resulta de uma correlação de signos, de um embate
entre as determinações do interpretante imediato com as contingências e características do
interpretante dinâmico. “Tem-se aí a dimensão psicológica do interpretante, pois se trata do
efeito singular que o signo produz em cada intérprete particular.” (SANTAELLA, 2008,
passim, grifo nosso).
Peirce nos confirma que o interpretante dinâmico é o “efeito realmente produzido na
mente pelo Signo.” (CP 8.343 apud SANTAELLA, 2008, p. 72, grifo nosso), é o “efeito real
que o Signo, como Signo, de fato, determina.” (CP 4.536).
O interpretante dinâmico é aquele que consegue apreender o significado do signo in
concreto, portanto, é aquele que confere significado à marca. E por ser dinâmico, está em
constante transformação e evolução. Não há nessa relação uma simetria, ou equivalência de
forças. O que acontece, como nos diz Santaella, é “equilíbrio assimétrico” entre as partes, mas
com proporções irregulares, podendo apresentar mais elementos de um e menos de outro.
Ao compreendermos como o interpretante mental entra em contato com a marca,
percebemos que a marca se ressignifica desde o momento da percepção, adaptando-se às
peculiaridades e singularidades do consumidor, bem como aos seus desejos, humores e
contextos culturais. Essa informação é de sumo valor para um gestor de marca, pois
corresponde à imagem que o indivíduo ou seus públicos têm da marca.
Em razão dessa constante ressignificação, como tornar administrável a complexidade
da marca contemporânea? Entendemos que o caminho é o estudo da marca, do indivíduo e,
sobretudo a antecipação planejada da relação entre eles.
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5. Administração da identidade sígnica
O conhecimento dos contornos da imagem ressignificada da marca na mente do
receptor proporcionará ao gestor a promoção dos ajustes necessários para que a expressão
marcaria consiga obter sucesso como veículo sígnico do discurso da marca. É o consumidor,
o público que se deseja atingir, o melhor agente para proporcionar segurança acerca da
efetividade de um discurso quando de sua elaboração. O gestor de marca precisa, pois, focar
sua atenção não apenas no conceito de imagem de marca criada pela empresa, nos seus
planejamentos estratégicos, mas desviar o olhar para aquele que – em sua concepção – é o
ponto final do processo, o consumidor.
Trata-se de uma mudança de postura em relação ao processo da comunicação. A
imagem formada na mente interpretante é fundamental para que o gestor possa verificar se os
seus objetivos podem ser atingidos e em que grau. Caso exista um distanciamento
significativo, o gestor precisará possuir elementos para apontar caminhos que busquem uma
aproximação desejável entre as “imagens”.
A figura abaixo ilustra o processo que ocorre na formação da imagem mental, ou seja,
quando uma marca entra em contato com seu interpretante dinâmico.
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Figura 3 – Processo de inter-relação – Identidade sígnica relacional da marca.Fonte – PEREIRA, 2010.
Podemos observar que o resultado final da inter-relação entre signo-marca (que contém
o interpretante imediato) percebido pelo indivíduo interpretante e os elementos da
subjetividade ou signos da memória e experiências do interpretante (interpretante dinâmico
ou mental) é a conformação de um terceiro signo, aquilo que denominamos a Identidade
Sígnica Relacional da Marca. Nesse processo inter-relacional aproximamo-nos de um ponto
desejável de identidade, quando a marca produz no indivíduo efeitos muito próximos dos
desejados pelo planejamento estratégico do discurso.
6. Conclusão
Nessa inter-relação, o processo de semiose ou ação do signo se torna evidente. Segundo
Lucia Santaella e Jorge Vieira, “a ação do signo é de ser interpretado em outro signo.” (2008,
p. 78). “[...] signos levando a outros signos, uma sucessão em princípio sem fim.” (Ibid., p.
81). Por isso, é importante ressaltar que o terceiro-signo - a Identidade Sígnica Relacional -
não se esgota em si mesma, mas somente por meio do processo infinito de semiose gera
terceiros-signos, fato que não exime o gestor de marca de manter rigoroso e constante
controle do processo de ressignificação, aferindo as possibilidades desse processo. Todavia,
conforme Semprini (2006) nos informa, “às vezes, uma única manifestação de marca pode
ser suficiente e assim dar acesso à identidade da marca, reconhecer e compreender a
identidade da marca e seu projeto subjacente.” (2006, p. 170).
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Por isso, o caminho que consideramos mais adequado para uma verificação eficaz da
identidade sígnica da marca é a repetição do processo analítico aplicado aos principais
pontos de contato da marca.
Conforme nos lembrou, ainda Semprini (2006), semelhante aos fractais, cada ponto
de contato contém parte da identidade total da marca, ou ao menos representa a identidade
formada na mente de um único indivíduo, em um dado momento.
O mínimo esperado de uma marca forte é que, em cada contato entre esta e o indivíduo
seja confirmado e reiterado o conjunto, ou a maioria dos traços de sua identidade.
Em suma, a análise de cada ponto de contato entre a expressão marcária e a impressão
do indivíduo receptor, na dimensão sígnica, permite a formação de uma parte da Identidade
da marca, ainda que nem sempre total ou absoluta.
Assim, um guia para manutenção, sobrevivência, fortalecimento e evolução da marca
contemporânea só poderá estar na capacidade dos gestores identificarem e compreenderem a
dinâmica presente na inter-relação entre marca e consumidor. Só assim será possível ter, sob
algum controle e comando a conformação da identidade de uma marca.
Assim, esperamos com este artigo ter colaborado com os gestores responsáveis por
essa difícil tarefa que é administrar o bem que vem se tornando, dia a dia, o maior valor de
uma empresa: a marca.
Referências
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