inquisiÇÃo, magia e sociedade belém, 1763-1769 · pedro marcelo pasche de campos inquisiÇÃo,...

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PEDRO MARCELO PASCHE DE CAMPOS INQUISIÇÃO, MAGIA E SOCIEDADE Belém, 1763-1769 Dissertação apresentada ao Curso de Pós- Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre. Área de Concentração: História Social das Idéias. Orientador: Profª. Drª Lana Lage da Gama Lima NITERÓI 1995

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PE D RO MARCE LO PASCHE D E CAMPO S

IN QUISIÇÃO, MAGIA E SOCIEDAD E

Belém, 1763-1769

D isser t ação apresen tada ao Curso de Pós-G raduação em H istór ia da Universidade Federal F luminense, como requisito parcial para ob tenção do G rau de Mest re. Área de Concent ração: H istór ia Social das I déias.

Orientador: Profª. Drª Lana Lage da Gama Lima

N ITE RÓ I

1995

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- ABREVIATURAS

ANTT - Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa

BNRJ-SM - Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Seção de Manuscritos

HGCB - História Geral da Civilização Brasileira

IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

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- ÍN D ICE -

PEDRO MARCELO PASCHE DE CAMPOS 1

NITERÓI 1

1995 1

CAPÍTULO 1 15

- INQUISIÇÃO, CRISTÃOS-NOVOS E REFORMAS - 15

I - A IMPLANTAÇÃO DO TRIBUNAL: QUESTÕES RELIGIOSAS E DE

ESTADO 15

- Muito Além de Questão de Fé, um Assunto de Estado. 21

II - INQUISIÇÃO NO CONTEXTO DAS REFORMAS 25

- A Normatização dos Cristãos Velhos 26

CAPÍTULO 3 54

- POLÍTICA POMBALINA E INQUISIÇÃO - 54

I - PANORAMA DO PORTUGAL PRÉ-POMBALINO 54

- Breve Histórico da Governação Pombalina 54

- Ação de Pombal: fortalecer o poder real... 57

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- ...E Subjugar as Oposições. 61

II - POMBAL, OS JESUÍTAS E A INQUISIÇÃO 68

- Contra os Jesuítas 69

-Inquisição e Estado 80

CAPÍTULO 4 92

- A VISITAÇÃO EM SEU CONTEXTO - 92

I - GRÃO-PARÁ: OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO 92

- A Política Pombalina no Pará 95

II APORTA O VISITADOR 102

- Explicando a Visitação 105

- Os Pecados de Belém do Pará ante o Visitador 109

CAPÍTULO 5 116

-AS ARTES MÁGICAS PARAENSES- 116

I - ALGUMAS QUESTÕES PRELIMINARES 116

II - CONJUROS E FEITIÇARIAS 120

-Magia Divinatória 120

- De Amores Danados e Artes Encantatórias 125

- Bichos e Sevandijas 132

- Mandingas e Patuás 141

III PACTOS DEMONÍACOS 144

IX - BIBLIOGRAFIA 153

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5

E assim vieram os governadores, preocupados com a

ordem, os padres, preocupados com as almas, e os

inquisidores, preocupados em conciliar as almas com a

ordem.

Emanuel Araújo, O Teatro dos Vícios.

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IN TRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como tema a análise das relações entre magia e sociedade no

Pará setecentista, através do Livro da Visitação inquisitorial, ocorrida naquela região no

século XVIII. Interessa, aqui, a investigação das bases do funcionamento de tal relação, isto é,

a aplicabilidade e função desempenhada pela magia dentro do universo maior da mentalidade

religiosa paraense, e como esta se inseria na vida social.

Dentre as visitas inquisitoriais ao Brasil, a paraense permanece sendo a menos

estudada. Suas denúncias e confissões, episodicamente, são mencionadas em outros estudos

que utilizam fontes inquisitoriais. Contudo, a visita setecentista continua sendo pouco

freqüentada por nossa historiografia, não possuindo escritos que lhe sejam totalmente

dedicados - excetuando-se os textos do Prof. José Roberto do Amaral Lapa, responsável pela

localização em Portugal, na década de 1960, do Livro da Visitação1.

Ocorrida na segunda metade do século XVIII, quando a Inquisição há muito já

havia deixado de fazer uso deste expediente, a visita paraense chama a atenção, devido às suas

peculiaridades. Uma delas é sua realização tardia, num momento em que institucionalmente o

1 Responsável t ambém pela publicação do manuscrito inquisito r ial, J. R. A. Lapa escreveu A I nquisição no Pará in Bole tim Internac ional de Bibliog rafia Lus o -Bras i le ira ,

vo l. X, n º 1, Lisboa, Fundação Calouste-G ulbenkian , jan-mar 1969; a comunicação O D iabo , um bom companheiro? apersen tada ao I Congresso In ternacional e Luso-Brasileiro sobre a Inquisição , São Paulo , 1987 (mimeo) - publicada, com alt erações, sob o t ítulo D a necessidade do D iabo (imaginár io social e co t id iano no Brasil do século XVI I I ) in Res g ate : Revist a in terdiscip linar de cultura do Cent ro de Memória da UN I CAMP, Campinas, 1990, vo l.1, pp .39-55. D o mesmo autor encont ra-se, ainda, o estudo in t rodutór io presen te na publicação do Livro da Vis i tação .

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Tribunal perdia forças e autonomia, até se transformar em Tribunal Régio, totalmente

submisso à Coroa lusitana.

Some-se a isso um outro fator: a demorada permanência do visitador em terras

paraenses. Os registros do Livro da Visitação abrangem o período entre 1763 e 1769, muito

mais longo do que os costumeiros dezoito meses que, em média, costumava durar uma visita

inquisitorial2.

Tanto tempo de duração, porém, gerou um pequeno número de apresentações

à Mesa inquisitorial. Apenas 46 pessoas procuraram o visitador, quer seja para confessar ou

para denunciar: uma soma incrivelmente pequena, para aquela que foi a mais longa visita

inquisitorial em terras brasílicas. Este número é realmente reduzido, se comparado com o

volume de confissões e denúncias gerado pelas duas visitas anteriores.

Os delitos confessados e denunciados constituem um elemento de interesse à

parte. A visita paraense muito pouco tratou de judaísmo, contrariando as tendências

repressivas da Inquisição portuguesa, em vigor desde sua instalação no século XVI. O foco

das evidências recaiu sobre as práticas mágicas, como o curandeirismo, as adivinhações, as

orações amorosas e os pactos com o Diabo. A magia aflorou na visitação paraense, com uma

força e pujança até então jamais vistas em visitas anteriores.

Em instigante estudo, Carlo Ginzburg atenta para o fato de que a descoberta

dos arquivos da Inquisição como importante documentação histórica é (...) um fenômeno

tardio 3. A preocupação dos primeiros pesquisadores era, em meados do século XIX, com o

funcionamento da máquina inquisitorial, bem como com a história cronológica do Tribunal.

Tal tipo de estudos, em sua maior parte, tinha por objetivo deplorar a barbárie e o

obscurantismo inquisitoriais. Como é o caso, por exemplo, de dois clássicos que são, ainda

hoje, de suma importância para o estudo da Inquisição portuguesa: as obras de Alexandre

Herculano e José Lourenço D. de Mendonça & Antonio Joaquim Moreira4.

2 Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , ex. mimeo, 1986, pag. 8. 3 Car lo G inzburg, O inquisidor como an t ropólogo: uma analogia e as suas implicações

in A Micro -H is tória , Lisboa/ D ifel; Rio de Janeiro / Bert rand Brasil, 1991, pag. 203. 4 Alexandre H erculano , H is tória da Orig em e do E s tabe lec imento da Inquis ição em

Portug al (1852), Lisboa, E uropa-América, s.d ., 3 vo ls. José Lourenço D . de Mendonça

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Contudo, foi somente no presente século, graças à influência do grupo dos

Annales, que as fontes inquisitoriais foram, por assim dizer, definitivamente descobertas .

Com a valorização das camadas sociais menos favorecidas, dos grupos sociais e do homem

comum como objeto de pesquisa histórica, cada vez mais historiadores passaram a utilizar as

fontes inquisitoriais. Isto porque elas fornecem janelas que permitem o estudo de visões de

mundo, rituais, atitudes e crenças que, não fosse o fato de terem passado pelo crivo repressor

do Santo Tribunal, estariam definitivamente fora de nosso conhecimento5.

No que tange aos estudos utilizando fontes inquisitoriais em Portugal e no

Brasil, nota-se uma predominância do tema judaico nos debates. O delito mais perseguido pela

Inquisição portuguesa foi também o que mais estudos gerou. A historiadora Anita Novinsky

assinala o fato de que no Brasil, após os estudos pioneiros de eruditos desbravadores como

Rodolfo Garcia e Capistrano de Abreu, publicados no início do século XX - e que foram os

primeiros a utilizar fontes inquisitoriais manuscritas -, nada mais foi feito por longo espaço de

tempo6.

Assim permaneceu o estado das investigações em fontes inquisitoriais, dentro

da historiografia brasileira, até a virada entre as décadas de 1960-70. Nessa época, quando

foram realizados e publicados estudos importantes como o da própria Anita Novinsky sobre

cristãos-novos e Inquisição na Bahia - inspirado no estudo de cunho marxista de Antonio José

Saraiva, que inaugurou uma nova era na historiografia inquisitorial portuguesa7 -, além do

estudo de Sonia Aparecida Siqueira. Este último, apesar de apresentar avaliações criticáveis no

e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e Proce dimentos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, Imprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980. Cur ioso caso de um livro-denúncia moderno é a obra de Frédéric Max, Pris ione iros da Inquis ição , Porto Alegre, L&PM, 1991 (a data do copyright é 1989). N o out ro pó lo da discussão (embora não menos cur ioso) est á um livro que sob o pretexto da cont extualização isen ta, faz d iscreta defesa e apologia do Tribunal: ver João Bernardino G arcia G onzaga, A Inquis ição em s eu Mundo , São Paulo , Saraiva, 1993.

5 Sobre a valor ização das classes menos abastadas enquanto ob jeto de pesquisa h istór ica, e a ut ilidade das fon tes inquisito r iais, ver Jim Sharpe, A H istór ia vist a de baixo in Peter Burke (org.), A E s crita da H is tória , São Paulo , UN E SP, 1992, pp . 39-62, e Barto lomé Bennassar , Inquis i tion E s pag no le Comme Sourc e pour l H is to ire des Mentali té s , mimeo, 12p .

6 Anit a N ovinsky, Cris tãos N ovos na Bahia , São Paulo , Perspect iva, 1972, pag. 14. 7 Antonio José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -N ovos , Lisboa, E stampa, 1985.

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que tange à religiosidade colonial e suas relações com o Santo Ofício, traz abundantes e

precisas informações sobre a organização, funcionamento e estrutura do Tribunal no Brasil8.

É durante a década de 1980 que a influência da Nouvelle Histoire, filha direta dos

Annales, traduz-se em pesquisas que utilizam fontes documentais da Inquisição portuguesa.

Os trabalhos seminais de Lana Lage, Laura de Mello e Souza, Luiz Mott e Ronaldo Vainfas9,

por exemplo, trazem em si a renovação metodológica preconizada pelo movimento francês,

no trato com as fontes inquisitoriais. A começar pelos temas de pesquisas e pelo tratamento

qualitativo das fontes, estes trabalhos vêm influenciando, atualmente, diversas investigações

que fazem uso de documentação inquisitorial, entre as quais se insere esta pesquisa.

Em importante artigo, Bartolomé Bennassar chama a atenção para o uso das

fontes inquisitoriais no âmbito da História das Mentalidades. Marca o fato de que este tipo de

história enfatiza as fontes judiciárias, justamente porque elas permitem atingir, ainda que

indiretamente, as classes populares - os mudos da História -, dando-lhes voz10. Os

interrogatórios inquisitoriais trazem à luz, efetivamente, a palavra das pessoas comuns que,

não fosse esta ocasião de exceção, estaria perdida. Estas fontes, segundo Jim Sharpe,

permitem que o historiador consiga chegar tão próximo às palavras das pessoas, quanto

consegue o gravador do historiador oral 11

Isto se explica pela razão de ser e funcionamento do Tribunal. Para extirpar as

heresias e comportamentos desviantes, o Santo Ofício possuía uma maneira própria de

proceder - o chamado estilo inquisitorial que, sumariamente, consistia em três etapas: o

conhecimento do delito, a partir da denúncia ou confissão, onde eram levantados todos os

dados possíveis sobre o delito, o praticante (inclusive a vida pessoal sua e de sua família) e

cúmplices; a exposição do delito, onde as faltas eram apregoadas ao público nos Autos-de-Fé;

8 Sonia Aparecida Siqueira, A Inquis ição Portug ues a e a Soc ie dade Co lonial , São Paulo , Át ica, 1978.

9 Como, por exemplo , os t rabalhos de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apresen tada à USP, 1991; Laura de Mello e Souza, O D iabo e a T erra de Santa Cruz , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987; Ronaldo Vainfas, Trópico dos Pe cados , Rio de Janeiro , Campus, 1990. D estaque especial deve ser dado à obra de Luiz R. B. Mot t , p rofundo conhecedor das fon tes inquisito r iais lusit anas.

10 Bennassar , op . cit ., pag. 1. 11 Sharpe, op. cit ., pag. 48.

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finalmente, a expiação da culpa, através do cumprimento da pena imposta, o que acarretava a

reconciliação com o grêmio da Igreja.

Para o estudo aqui proposto, a primeira etapa é a que possui maior interesse,

na medida em que consiste na pesquisa biográfica dos acusados e envolvidos, bem como na

busca pelas descrições mais minuciosas possíveis dos delitos - que constam dos processos e,

também, dos livros de visitação. Graças ao detalhismo inquisitorial, presente nos depoimentos,

o estudioso da feitiçaria no Brasil colonial (entre outros temas) consegue relatos com razoável

exatidão dos rituais e práticas mágicas. As descrições de danças, cânticos, preces e objetos de

culto constituem-se em minuciosas etnografias das práticas oriundas da religiosidade popular,

possibilitando ao historiador um conhecimento detalhado desses atos.

O trabalho com documentação inquisitorial, contudo, requer alguns cuidados.

O pesquisador que adentra o universo de tais fontes deve estar sempre acautelado e

prevenido, pois não são poucas as armadilhas que lhe são próprias.

Ao traçar o panorama de uma nova história , que é fruto dos Annales, Peter

Burke menciona o fato de que os maiores problemas para os novos historiadores (...) são

certamente aqueles das fontes e métodos . Um dos problemas mencionados por Burke assalta

a todos aqueles que trabalham com fontes inquisitoriais: é o de tentar reconstruir as

suposições cotidianas, comuns, tendo como base os registros do que foram acontecimentos

extraordinários nas vidas do acusado (sic): interrogatórios e julgamentos 12.

Isto porque um depoimento frente à Mesa inquisitorial era, não poucas vezes,

fruto de uma situação de opressão e terror - propositalmente provocado pelo Tribunal. Por

este fato, deve-se ter em mente, sempre, o contexto singular no qual estas fontes foram

produzidas. Há um jogo desigual de poder, onde o inquisidor leva uma nítida vantagem sobre

o depoente, e no qual o esforço do primeiro em extrair deste último uma verdade é, não

poucas vezes, bem sucedido. Em função da situação opressora, e até mesmo em virtude de

algumas passagens pelos aparelhos de tortura, o réu falsearia a verdade e entregar-se-ia,

cumprindo assim o papel que, esperava-se, ele representasse. Segundo Ginzburg, neste caso os

processos inquisitoriais apresentam uma estrutura textual monódica, onde as respostas dos

12 Pet er Burke, Abertura: A N ova H istór ia, seu passado e seu futuro in Burke (org.), pag. 25.

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réus são meros ecos às questões e à mentalidade dos inquisidores13. Para Ginzburg, cabe ao

historiador a sensibilidade de captar, para lá da superfície aveludada do texto, a interação sutil

de ameaças e medos, de ataques e recuos 14. Há, então, que ser feita uma crítica interna a este

tipo de documentação para que, introjetando-se no contexto desigual da produção desta fonte,

o historiador possa melhor entender a estrutura textual que ela apresenta - podendo, assim,

compreendê-la.

Esta dissertação se divide em cinco capítulos. No primeiro deles, são

abordadas as relações entre Inquisição, Estado, cristãos-novos e reformas em Portugal. A

análise se volta para o contexto de instalação do Santo Ofício lusitano, bem como suas

relações com a Coroa. Também é analisada a repressão aos cristãos-novos, pedra de toque da

inquisição portuguesa, e a ampliação às atividades do Tribunal, ocorrida com o advento da

Reforma católica, que levou a uma maior repressão aos delitos dos cristãos velhos, como

crimes morais e feitiçaria.

O capítulo 2 estuda a repressão à magia, dando destaque à atuação inquisitorial.

Analisa também a repressão à bruxaria ocorrida na Idade Moderna, bem como os elementos

do conceito de bruxaria. Por fim, o capítulo se volta para a repressão à bruxaria e a difusão das

teorias demonológicas na Península Ibérica, principalmente em Portugal - onde, conforme

teremos oportunidade de ver, tais idéias não grassaram com a mesma força que no resto do

continente.

O terceiro capítulo focaliza o impacto do governo pombalino sobre Portugal,

de um modo geral, e a Inquisição em particular. A análise recai sobre a campanha movida pelo

Marquês sobre o Tribunal, que culminou com a elevação deste último, em 1763, à categoria de

majestade, sendo transformado em tribunal régio. O capítulo ainda analisa a campanha de

expulsão e eliminação da Companhia de Jesus, que é de fundamental importância para que

entendamos o contexto paraense, objeto das atenções do quarto capítulo.

O penúltimo capítulo traça um histórico da ocupação paraense, e dimensiona

sua importância nos planos pombalinos. Área de muitos investimentos e alvo de preocupações

13 G inzburg., op . cit ., pag. 208. 14 I dem, pag. 209.

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da Coroa lusa, o Grão-Pará acolheu o último visitador inquisitorial a pisar o solo brasileiro.

Uma análise dos motivos que impulsionaram esta visitação e dos delitos nela recolhidos, bem

como dos denunciantes e confitentes, fecha o capítulo.

No quinto e último capítulo, adentramos o misterioso e intrigante terreno da

magia paraense. Amores proibidos e malditos, feitiços tenebrosos, evocações de espíritos e

adivinhações. Por fim, a magia surge à nossa frente, e o capítulo se dedica a analisá-la,

traçando suas características e peculiaridades. Aqui, chegamos aos depoimentos ouvidos pelo

visitador: as decepções, temores, traições e desejos lascivos dos paraenses de duzentos e trinta

anos atrás pulsam aos nossos olhos, de uma maneira perturbadora. Através dos depoimentos,

podemos visualizar cerimônias de cura e tenebrosos pactos com o Diabo, dando-lhes, por

fugazes instantes, vida e movimento.

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O percurso desta dissertação não foi trilhado de forma solitária. Diversas

pessoas possuem sua cota nos méritos que esta dissertação venha a conseguir, graças à

amizade, conhecimento, paciência e interesse manifestados durante este percurso.

À CAPES agradeço o financiamento que tornou possível a esta pesquisa

materializar-se e deixar de ser apenas uma idéia.

Gostaria de patentear aqui meu mais profundo agradecimento ao grupo N. C.

N. de estudos históricos, formado por colegas de profissão e ideal, cuja presença constante foi

de fundamental importância para a execução deste trabalho: Maria Bernardete O. Carvalho,

Alvaro Senra, Wagner C. Menezes, Alexandre C. Costa e Kátia A. Chagas.

Gostaria de agradecer à Profa. Vânia Leite Fróes, que também acompanhou

esta pesquisa desde seus primórdios, pelas críticas atentas e importantes sugestões

bibliográficas. Os amigos e colegas Célia Borges e Renato P. Brandão, foram responsáveis por

momentos de grandes descobertas historiográficas e divertidas manhãs de prosa; a Célia

agradeço, ainda, importantes livros e textos enviados de Além-mar. A Mário Jorge Bastos e

Guilherme Pereira das Neves agradeço pela franquia a textos preciosos, que muito

contribuíram para o desenrolar desta dissertação, bem como a elucidantes conversas. Ao

amigo febiano Luís Felipe da Silva Neves, o reconhecimento pelo companheirismo e a paciência

com que, diversas vezes, aturou meus dilemas de pesquisa.

A Luiz Mott agradeço pela amizade e solicitude manifestadas desde o início

desta pesquisa, e pela paciência em responder aos meus intermináveis apelos. Referência

obrigatória para aqueles que estudam a Inquisição portuguesa, a ele agradeço indicações e

empréstimos de fontes e bibliografia.

A Francisco José Silva Gomes agradeço a amizade, a constante disponibilidade

e a disposição em, como avaliador, assistir de perto os resultados finais deste trabalho, que é

um pouco fruto de suas reflexões.

Gostaria de patentear minha especial gratidão ao Prof. Carlos Roberto

Figueiredo Nogueira, inspirador confesso de muitos momentos deste estudo, pela presença na

banca examinadora.

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A Lana Lage, grande amiga que tenho a sorte de ter como orientadora,

agradeço o afeto, a atenção e as discussões - que não foram poucas - ao longo destes anos

todos. Esta dissertação é um pequeno fruto de seu trabalho, e espero que esteja à altura dele.

À minha família, e em especial a meus pais, agradeço os sacrifícios, a paciência

e a compreensão pelos longos períodos de ausência, nos quais eu estava longe de seu convívio,

debruçado sobre histórias de pessoas que morreram há tanto tempo.

A Maristela Chicharo de Campos agradeço o fato de ser mais que esposa.

Amiga, colega de profissão, cúmplice, revisora e crítica implacável, a ela dedico este trabalho,

com a promessa de pagar com juros os momentos de ausência, frutos das agruras da pesquisa.

Finalmente, agradeço a todos aqueles que não atrapalharam - assim fazendo,

ajudaram muito.

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CAP Í T U LO 1

- I N Q U I SI ÇÃO , CRI ST ÃO S-N O VO S E RE F O RMAS -

I - A I MP LAN T AÇÃO D O T RI BU N AL: Q U E ST Õ E S RE LI G I O SAS E D E E ST AD O

N a P en ín su la I b ér ica, a I n qu isição d it a m o d e rn a (em

co n t rap o sição à I n qu isição m ed ieval) su rgiu em p r im eiro lugar n a E sp an h a,

em 1438, e p o st er io rm en te em P o r tugal (1536). Segun d o An t ô n io Jo sé

Saraiva, as d uas m ais im p o r t an t es p ecu liar id ad es d o San to O fício ib ér ico

resid iam n o s seus réus - jud eus co n ver t id o s ao cr ist ian ism o , em sua

esm agad o ra m aio r ia - e em sua relação co m o E st ad o ab so lu t ist a, em p ro l d o

qual agia e a quem t am b ém est ava sub o rd in ad o , vist o que o s I n qu isid o res

G erais eram n o m ead o s p elo s reis15.

N a gênese de ambos Tribunais está a questão dos judeus

conversos (denominados marranos em E spanha, e cristãos-novos em Portugal).

Reprimidos e expulsos de Castela em 1492, num processo que não cabe aqui

remontar, os judeus encontraram acolhida no Portugal dos últ imos anos do

reinado de D . João I I , onde t iveram as maiores facilidades de

15 Antonio José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -N ovos , Lisboa, E stampa, 1985, pag. 19.

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estab elecim en t o . Agin d o d est e m o d o , E l-Rei co n quisto u , sab iam en te,

im p o r t an te cab ed al cu ltu ral e eco n ô m ico . Vult o sas quan t ias fo ram gast as,

p elas m ais r icas fam ílias jud aicas cast elh an as, p ara assegurar in gresso em

P o r t ugal16. I sto, sem falar no poderio financeiro hebraico, que ajudava a

Coroa com emprést imos e financiamentos de viagens e expedições

marít imas17. Além de tamanho poderio monetário, os judeus expulsos de

Castela ainda representavam um aumento significat ivo na mão-de-obra

qualificada do reino português: afinal, eram armeiros, médicos, artesãos,

enfermeiros, ast rólogos e outros profissionais que ingressavam no país.

Apesar de uma já existente posição ant i-judaica por parte da população em

geral a Coroa portuguesa recebeu os judeus expulsos de E spanha, o que

obviamente agravou ant igos preconceitos. Além disso, o rei Fernando não via

com bons olhos o deslocamento dos judeus castelhanos para Portugal, e

pressionou a Coroa lusa no sentido de expulsá-los.

A pressão ant i-judaica sobre Portugal, encetada por Castela,

tomou novo impulso após a morte de D . João I I . D . Manuel, seu sucessor,

relutou até o momento em que viu incluída em seu contrato de casamento

com D . Isabel - filha dos reis católicos -, assinado em 1496, uma clara e

rígida cláusula. Segundo o texto do documento, o rei comprometer-se-ia a

expulsar todos os elementos hebraicos do reino. D . Manuel, diante da

perspect iva de casamento com a herdeira dos Reis Católicos - fato de suma

importância para os planos de unificação das monarquias ibéricas - acedeu a

16 Alexandre H erculano , H is tória da Orig em e E s tabe le c ime nto da Inquis iç ão em Portug al , Lisboa, E uropa-América, s.d ., vo l. I , pp . 67-68.

17 Mar ia José P imenta Ferro Tavares, Judaís mo e Inquis iç ão , Lisboa, Presença, 1987, pag. 27.

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t al co n d ição sine qua non. . Co n t ud o , D . Man uel r ealizo u um a exp ulsão d e

fach ad a: em d ezem b ro d e 1496, o rei lan ça um a p ro visão n a qual o rd en a a

saíd a d o s jud eus n ão co n ver t id o s - co m p razo d e d ez m eses p ara que est es se

r et ir assem . A t át ica d e D . Man uel fo i segurar o s jud eus o m áxim o p o ssível,

lim it an d o p o r to s d e em b arque, seqüest ran d o b en s e r ealizan d o co n versõ es

fo rçad as18. Uma outra forma de integração forçada encontrada pelo monarca

foi, em 1497, o batismo forçado de todas as crianças judias menores de 14

anos, que foram por sua vez ret iradas de suas famílias originais e entregues a

famílias cristãs19. A reação popular também, por seu lado, possuiu momentos

de adversidade, como no motim contra os cristãos-novos em Lisboa, em

1504, ou as desordens em É vora no ano seguinte, quando foi demolida a

sinagoga.

E sta situação de conversões e integrações forçadas fez, deste

modo, com que fosse inserida em Portugal, para além da divisão social

baseada na t rifuncionalidade de ordens (dividida em guerreiros, clérigos e

t rabalhadores), uma estrat ificação social baseada em castas, regida pelo

critério de pureza religiosa - quem era ou não cristão-novo20: quem possuía ou

não sangue converso nas veias.

A campanha pela instalação de um tribunal da Inquisição em

Portugal veio a tomar impulso no reinado de D . João I I I (1521-1557). Por

volta de 1530, o rei enviava instruções a seu embaixador em Roma, para que

fosse pedida uma bula que estabelecesse o Tribunal em terras lusas. D . João

18 Saraiva, op . cit ., pp . 32-34. 19 I dem, pag. 34.

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queria um a I n quisição régia: ao rei cab er ia a in d icação d o I n quisid o r G eral -

ao p ap ad o cab er ia ap en as a co n f irm ação d est a n o m eação - b em co m o d o s

in qu isid o res e d em ais o f iciais; o I n qu isid o r G eral t er ia am p lo s p o d eres, e

t o t al in d ep en d ên cia face às au t o r id ad es d io cesan as, f ican d o o s b isp o s

p ro ib id o s d e atuar em causas relat ivas à h eresia. O s I n qu isid o res G erais

t am b ém p o d er iam p ro cessar e co n d en ar eclesiást ico s sem co n su lt as ao s

resp ect ivo s p relad o s, além d e - en quan t o d elegad o s d o p ap a - t erem p o d eres

p ara im p o r exco m un h õ es reservad as à San t a Sé, e susp en d er as im p o st as

p elo s p relad o s d io cesan o s. Segun d o Mar ia J. P . F . T avares, "era a I n qu isição

régia, m o d ern a, que D . Jo ão I I I so licit ava ao p ap a" , e que t in h a in sp iração

d iret a n a I n qu isição cast elh an a21. O papa Clemente VII , por outro lado,

impulsionado por grandes doações dos conversos, recusou, e expediu em

1531 a bula Cum ad N ihil Mag is . N este documento, que era uma alternat iva

aos pedidos de D . João I I I o inquisidor era nomeado pelo Papa. Tal

inquisidor t inha, por ordem papal, autoridade limitada, não estando acima da

dos bispos, os quais estariam, por sua vez, habilitados a invest igar as

heresias. E sta bula não sat isfez o rei, e Fr. D iogo da Silva - confessor real e

indicado para o cargo de Inquisidor G eral - não aceitou o cargo,

"verossimilmente por pressão do rei", na opinião de Saraiva22.

Com a morte de Clemente VII e a ascensão de Paulo I I I as

negociações - e as pressões - cont inuaram. D e um lado, a Coroa não media

esforços em at ingir seus objet ivos; de outro, o ouro judaico comprava

20 Francisco Bethencour t , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade Abert a, 1987, pag 67.

21 Tavares, op . cit ., pp . 126-127. Ver t ambém Saraiva, op . cit ., pag. 47. 22 Saraiva, op . cit ., pag. 48.

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seguid as b u las, in d u lto s e p erd õ es p ap ais. Co n tud o , a Co ro a p o r t uguesa - que

t in h a um fo r t e aliad o n a p esso a d e Car lo s V - ven ce a querela. D est a fo rm a,

um a o u t ra b u la Cum ad N ih i l M ag is fo i exp ed id a em 1536 - est ab elecen d o

d ef in it ivam en t e a I n qu isição em P o r tugal, em b o ra ain d a n ão sen d o d o t o t al

agrad o d a Co ro a. Mas d est a vez, F r . D io go d a Silva aceito u o cargo . O m arco

d o efet ivo in ício d a I n qu isição m o d ern a em P o r tugal, p o rém , fo i a b u la

Me ditatio Co rd is , d e 1547. P reced id a d e um p erd ão geral d o p ap a,

aco m p an h ad a d a susp en são d o co n f isco d e b en s p o r d ez an o s, a m en cio n ad a

b u la co n fer ia à I n qu isição p o r tuguesa p o d eres sem elh an t es ao T r ib un al

cast elh an o , co m o o p ro cesso sigilo so e a ju r isp rud ên cia p ar t icu lar . T al

m ed id a fo i aco m p an h ad a d e um en d urecim en t o n as p o siçõ es reais: fo i

em it id o , p ela I n qu isição , o p r im eiro ro l d e livro s p ro ib id o s, e o m o n arca

im p ed e o s cr ist ão s-n o vo s d e d eixarem o rein o sem a sua p erm issão p o r um

p er ío d o d e t r ês an o s.

A in st alação d o San t o O fício em P o r tugal r ep resen t o u um

o b stácu lo à livre ação d o p ap ad o . O T r ib un al co n st it u ía um a b ar reira, n a

m ed id a em que o I n qu isid o r G eral, n o m ead o p elo rei, exercia um p o d er

sup er io r ao d o s b isp o s - r ef rean d o in t ro m issõ es in d esejáveis d a San t a Sé,

at r avés d o ep isco p ad o . E a Co ro a co n seguiu , t am b ém , um in st rum en t o p ara a

cen t ralização d o p o d er r eal, b em co m o p ara um co n t ro le m ais efet ivo d o p aís.

O T r ib un al era um n o vo m ecan ism o d e in t egração e co n t ro le so cial -

ef icien t íssim o , p o is agia t an to n o t o p o quan t o n a b ase d a so cied ad e - co m o

t an to s o u t ro s que su rgir am n est e m o m en t o d e reo rgan ização d a I greja e d e

co n st it u ição d o m o d ern o E stad o ab so lu t ist a.

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U m a vez assen tad o e em fun cio n am en t o , o San t o O f ício p asso u a

vascu lh ar , at r avés d e seus visit ad o res, o t er r it ó r io p o r tuguês, at in gin d o

lo calid ad es p r in cip ais e p er ifér icas, co n t ro lan d o sist em at icam en te o in t er io r

d o p aís at ravés d e sua red e d e fun cio n ár io s. Ap ó s 1590, assist e-se a um a

virad a n a ação in qu isit o r ial: o s visit ad o res p assam a esquad r in h ar as ilh as e

co lô n ias d e u lt r am ar 23. Através das visitas e da ampliação constante da rede

de comissários e familiares do Santo O fício, a Inquisição se espalhou por

todo o vasto império português, at ingindo regiões tão distantes quanto Brasil,

Japão e O rmuz24.

A vasta abrangência de ação e a eficiência do sistema de

informações/ comunicações de que o Santo Ofício dispunha tornavam sua presença uma

realidade cotidiana na sociedade portuguesa (incluídas as colônias). Quando não ocupadas

diretamente pelo inquisidor em visitação, as cidades conviviam no seu dia a dia com outros

elementos da rede inquisitorial - os comissários e familiares do Santo Ofício, entranhados no

seio das comunidades, vigiando e recebendo denúncias. Isto fazia com que, efetivamente, não

houvesse lugar onde o longo braço do Santo Ofício não chegasse. Uma vez consolidado em

termos funcionais, o organismo inquisitorial estava, efetivamente, disseminado pelo corpo

social, constituindo assim eficaz instrumento de vigilância e controle. Ao incentivar a delação -

através da garantia de anonimato para os denunciantes -, o Santo Ofício acionava um

mecanismo de auto-policiamento do próprio corpo social, gerando um clima de insegurança e

desconfiança generalizadas. A rigor, todos estavam passíveis de denúncias - e processos -, bem

como todos os indivíduos constituíam-se em potenciais denunciantes. O temor causado pela

onipresença do aparelho inquisitorial era garantia de sujeição - complementado por outros

elementos da práxis inquisitorial, tais como o sigilo processual, os sermões e os autos da fé.

23 Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , Lisboa, 1986, ex. mimeo., pp . 3ss.

24 Ver BN RJ-SM, cod. 25, 2,1-2, onde se encont ram, na correspondência en t re o Tribunal de G oa e o de Lisboa, documentos relat ivos a visit as inquisito r iais nos do is últ imos locais mencionados, bem como à China.

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- Muito Além d e Q uestão d e F é, um Assun t o d e E stad o .

N o s p r im ó rd io s d o est ab elecim en t o d a I n qu isição p o r t uguesa

est ava, co m o o b servam o s, a quest ão d as relaçõ es en t re I greja e E st ad o . I st o

f ica m uit o claro ao an alisarm o s o co m p licad o jo go d ip lo m át ico en t re D Jo ão

I I I e o p ap ad o . E ra, d e um lad o , o r ei a querer um a I n quisição sub m issa à sua

p esso a, co m au t o n o m ia face a Ro m a e ao clero lusit an o - e p o d eres

suf icien tes p ara ign o rá-lo e, se fo sse o caso , p un i-lo . D e o u t ro lad o , est ava o

p ap a a n egar , o quan to p o d ia, co n cessão d e t al I n qu isição , p o r sab er d as

d if icu ld ad es que est a t r ar ia à ação d o p ap ad o em P o r tugal. P erm ean d o est e

em b at e, h avia ain d a o s sucessivo s in d u lt o s e p erd õ es r égiam en te co m p rad o s

p elo s jud eus e co n verso s jun t o ao p ap ad o - o que d ava n o vo alen to às

n egat ivas d a San t a Sé, t o rn an d o a b at alh a d ip lo m át ica ain d a m ais d ilat ad a. Ao

rei, p r in cip alm en t e, in t eressava t al in st rum en t o d e co n t ro le d a so cied ad e

co m o um to d o - in clusive d a p ró p r ia n o b reza, um a vez que n ão h avia

d ist in çõ es so ciais p ara a ação d o T r ib un al25.

Uma vez em funcionamento efet ivo, Inquisição e Coroa - e

também, em muitos momentos, o papado - agiram segundo diretrizes comuns,

quer na repressão aos cristãos-novos, quer na implantação das diretrizes do

processo de reformas t rident ino ou, ainda, na vigilância e controle social.

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N ão h á co m o n egar um a fo r t e im b r icação en t re I n qu isição e E st ad o : um a

sum ár ia an álise cur r icu lar d o s I n qu isid o res G erais lu sit an o s, in sp irad a em

p ro p o sta feit a p o r Bar t o lo m é Ben n assar p ara o est ud o d a I n qu isição

esp an h o la, assim o m o st ra26. D urante os t rês séculos de existência da

Inquisição portuguesa, seu posto máximo foi ocupado sucessivamente por

membros do Conselho de E stado, minist ros, e - durante a União Ibérica -

vice-reis como Alberto, Arquiduque de Áustria, inquisidor entre 1586 e 1593.

Passaram pelo cargo membros variados da nobreza, e até mesmo um rei - D .

Henrique, filho de D . Manuel, nomeado Inquisidor G eral por seu irmão D .

João I I I em 1539, permanecendo no cargo até mesmo enquanto regente (

1562-1568) e, posteriormente, rei de Portugal (1578-1580)27. Tamanha

permeabilidade ocorria também no que tange às relações entre a carreira no

aparelho de E stado e a carreira eclesiást ica, e serve como indício irrefutável

do alto grau de clericalização da sociedade portuguesa - principalmente de

suas elites -, que será tão acirradamente combatido pela polít ica pombalina,

posteriormente.

Contudo, apesar de tamanha int imidade entre Inquisição e

E stado, a primeira nunca esteve, pelo menos até a metade do século XVIII ,

diretamente a serviço dos objet ivos polít icos da Coroa portuguesa, de modo

diverso do que ocorreu em E spanha. Bennassar, ao invest igar as relações

entre Inquisição e E stado espanhóis, demonstra como este últ imo direcionava

25 Bethencourt , op . cit ., pag. 9. 26 Bar to lomé Bennassar , I nquisit ion espagnole au service de l E tat in Revue

H is torique , n . 15, pags. 38 e 40. 27 Ver a relação e um breve curriculum dos I nquisidores G erais em José Lourenço D . de

Mendonça e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e

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as açõ es d o T r ib un al. Segun d o Ben n assar , a I n qu isição em E sp an h a n ão se

lim ito u a ser ap en as um a "exp ressão d o cato licism o m ilit an t e" , um t r ib un al

p uram en t e religio so . O San to O fício atuo u co m o um in st rum en t o p o lít ico d a

Co ro a, agin d o segun d o suas d em an d as e n ecessid ad es, p er segu in d o o s

segm en t o s so ciais que co n viessem à co n jun tura p o lít ica, su jeit o que est ava às

d iret r izes em an ad as d o t ro n o 28.

Q uando, porém, examinamos as ações da inquisição portuguesa,

notamos que aqui tal submissão e uso do Tribunal por parte do E stado não

ocorreu plenamente. N ão obstante o Inquisidor G eral ser nomeado pelo rei,

seus atos eram totalmente independentes - e ele não podia ser dest ituído,

possuindo assim uma considerável autonomia de ação. Inquisição e E stado

agiam, isto sim, afinados por objet ivos semelhantes - afinal, não devemos

olvidar aqui o fato de tratarmos com um E stado confessional -, tais como a

implantação do modelo t rident ino de pensamento e comportamento, por

exemplo29. Choques e conflitos, evidentemente, ocorreram. E m Portugal, o

Santo O fício - longe de ser um aparelho de E stado ou de Igreja - era, na

verdade, uma terceira potência, interagindo com as outras duas, possuindo

inegável peso no sistema polít ico de então.

Proce dime ntos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, I mprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980, pp . 124-128.

28 Bennassar , op . cit ., pag. 36. 29 Podemos enquadrar o E stado confessional no que Francisco José Silva G omes

denomina de modalidade constantiniana de cristandade, por remeterem ao modelo constan t in iano de imbr icação en t re Igreja e E stado . N est e sist ema, os do is elementos est avam em regime de un ião : o E st ado assegurava à I greja presença pr ivilegiada na sociedade (...) const ituindo-a (...) em aparelho de hegemonia do sist ema , enquanto a Igreja assegurava ao E stado e aos grupos/ classes dominantes a legit imação da sua hegemonia e dominação . Ver Francisco J. S. G omes, Cris tandade Medieval - A Igreja e o Poder : represen tações e d iscursos, conferência profer ida na I Semana de E studos Medievais (20-24 de setembro de 1993) na Universidade de Brasília, ex. mimeo, pag. 2. Agradeço penhoradamente ao autor o acesso facult ado ao t exto desta conferência.

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I I - I N Q UI SI ÇÃO N O CO N T E XT O D AS RE F O RMAS

Desde o momento de sua instalação, conforme observamos, a quase totalidade

dos réus do Santo Ofício ibérico consistia de judeus convertidos ao cristianismo. Com efeito,

os delitos dos cristãos-novos constituíam maioria nas listas de condenações30. Contudo, após a

segunda metade do século XVI, com o advento das diretrizes emanadas do concílio de Trento

(1545-1563), foi ampliada a jurisdição do Santo Ofício. Graças aos esforços do concílio

tridentino em reformar e normatizar atitudes, idéias e crenças dos fiéis e clero católico, a

atuação inquisitorial acaba voltando-se também para os cristãos velhos - isto é, o conjunto de

pessoas que não tinham parentesco judaico conhecido. Deste modo, passaram a ser mais

intensamente reprimidos pelo Santo Ofício os crimes de blasfêmia, bigamia, defesa da

fornicação, sodomia e feitiçaria: práticas que, com o esforço de implantação das medidas de

Trento, chocavam-se com as diretrizes normatizadoras que a Igreja procurava implantar.

30 Tais delitos est ão minuciosamente list ados no Monitório de 1536, que leva a assinatura de D . D iogo da Silva. Ver Colle c torio s das Bullas e Breves Apos to licos , Cartas Alvarás e Provis õe s Reaes , e out ros papeis, em que se contêm a inst ituição e pr imeiro progresso do Sancto O fficio em Por tugal, Lisboa, nas Casas da Sancta Inquisição , 1596. Mar ia J. P . F . Tavares apresen ta, em obra já cit ada, uma t ranscr ição da versão

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- A N o rm at ização d o s Cr ist ão s Velh o s

O s p ro cesso s d e refo rm as religio sas d o sécu lo XVI t iveram um a

am p litud e m uit o m aio r d o que a sim p les d em arcação d e f ro n teiras en t re

cat o licism o e p ro t est an t ism o . F ru to s d e um p ro cesso d e lo n ga d uração , cu jas

r aízes se en co n t ram n a Baixa I d ad e Méd ia, as r efo rm as cató lica e p ro t est an t e

t iveram o b jet ivo s co m un s - n ão o b st an t e at uarem p o r vias d iver sas31.

Simultaneamente às reformas religiosas propriamente ditas, ocorreu um

esforço no sentido de reformar idéias, costumes, valores morais - enfim, a

cultura da população - esforço este efet ivado por ambos pólos da Reforma.

E ste movimento, segundo Peter Burke, consist iu "na tentat iva de suprimir, ou

pelo menos purificar muitos itens da cultura popular t radicional" - arcaica e

profundamente arraigada no cotidiano do povo -, vista pelos reformadores

como o espaço do paganismo, das licenciosidades, dos vícios32.

O s reformadores católicos e protestantes, eclesiást icos ou leigos

pertencentes às elites cultas, t rabalharam por suprimir a cultura e

religiosidade tradicionais - de caráter oral e sincrét ico, característ icas da

sociedade medieval. Atacavam o magismo das prát icas devocionais cristãs,

manuscr it a deste Monitór io , às páginas 194-199 - com uma sér ie de d iscrepâncias em relação ao t exto impresso mencionado .

31Para est a d iscussão das profundas raízes das Reformas cató lica e pro testan te (e t ambém para o sign ificado de t ais t ermos), ver Jean D elumeau, E l Cato lic is mo de Lutero a Vo ltaire , Barcelona, Labor , 1973 (pr incipalmente o capítulo 2); N .S. D avidson , A Contra-re forma , São Paulo , Mar t ins Fontes, 1991 e Brenda Bolton , A Reforma na Idade Média , Lisboa, E dições 70, 1986.

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b em co m o o t eat ro religio so p o p u lar , fest as - t id as co m o o casiõ es d e p ecad o -

, can to s e d an ças. Burke co n clu i que est e p ro cesso fo i, p o r f im , o em b at e

en t re d uas ét icas (o u m o d o s d e vid a) r ivais . Segun d o ele, "a ét ica d o s

refo rm ad o res est ava em co n f lit o co m um a ét ica t r ad icio n al m ais d if ícil d e se

d ef in ir , p o is t in h a m en o s clareza d e exp ressão " - p o rque n ão est ava

r igid am en te co d if icad a, sen d o algo in fo rm e e var iável ao sab o r d e

co n jun turas so ciais e geo gráf icas33. Tais ét icas, deve-se acrescentar, não

estavam isoladas entre si. Conforme demonstram Carlo G inzburg, Mikhail

Bakht in e Roger Chart ier, exist ia um movimento intenso de t rocas entre os

diferentes estratos culturais, permeáveis a influências recíprocas34. O que

exist ia era uma intensa comunicação entre tais estratos, sendo que os

costumes e idéias perpassavam-lhes, sendo retrabalhados e modificados

segundo as necessidades e o contexto dos diferentes estratos culturais - que

variavam, também, de região para região. N as palavras de Carlo G inzburg,

temos, por um lado, dicotomia cultural, mas, por outro, circularidade,

influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica,

part icularmente intenso na primeira metade do século XVI 35

O resultado destes processos de reformas, segundo Burke, foi o

contrário do que inicialmente esperavam os reformadores: ao invés de

eliminar a cultura t radicional e de espalhar um modelo de comportamento e

32 Peter Burke, Cultura Popular na Idade Moderna , São Paulo , Companhia das Let ras, 1989, pp . 232-233.

33 I dem, pag. 237. 34 Ver Carlo G inzburg, O Que i jo e os Ve rmes , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987,

pp . 20-25; Mikhail Bakht in , A Cultura Popular na Idade Média e no Renas c ime nto , São Paulo / H ucit ec; Brasília/ E dUnB, 1993; Roger Char t ier , A H is tória Cultural , Lisboa/ D I FE L; Rio de Janeiro / Bert rand Brasil, 1990.

35 G inzburg, op . cit ., pag. 21.

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id éias, un ifo rm izan d o cu ltu ralm en te p o vo e elit es, t al cam p an h a n o rm at iva

levo u a um a sep aração ain d a m aio r en t re a cu ltu ra d o p o vo e a cu lt u ra d as

elit es, que fo ram m ais r áp id a e ab ran gen t em en te at in gid as p elas r efo rm as,

t en d o in co rp o rad o seus p receit o s co m m aio r p ro fun d id ad e36.

E ste não foi um processo de curta duração e de aceitação passiva

por parte dos fiéis a serem reformados. Houve resistências, no que diz

respeito à cultura t radicional - inclusive, aqui, no campo das prát icas

religiosas. O esforço aculturador, na E uropa, se estendeu ao longo dos

séculos XVII e XVIII . N o campo da reforma católica, o concílio de Trento

inaugurou uma era que só foi terminar com o concílio do Vaticano I I , em

196237.

O Tribunal do Santo O fício da Inquisição foi, no campo da

reforma católica, um dos mais importantes instrumentos desta grande

empreitada remodeladora. Moldando crenças e comportamentos por meio da

int imidação e da violência - elementos fundamentais daquilo que Bennassar

chamou de "pedagogia do medo"38 -, o Santo O fício exibia nos autos-de-fé os

elementos de conduta desviante, mostrando à massa dos fiéis quão terrível

36 Idem, pag. 265. 37 D elumeau, op . cit ., pag. 6. 38 Ver Bennassar , Modelos de la mentalidad inquisito r ial: métodos de su pedagogía del

miedo in Ángel Alcalá (org.), Inquis ic ión E s paño la y Me ntalidad Inquis i torial , Barcelona, Ar iel, 1984, pp . 174-182.

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era o cast igo p ara quem afro n t asse o s p ad rõ es d a n o rm a. At ravés d a exib ição

d o er ro , d ifun d ia o m o d elo d e co n d u ta r et a, ed ucan d o a p o p ulação 39.

D urante o Século XVII , afinada com as diretrizes de Trento, a

Inquisição ibérica avança na repressão aos delitos dos cristãos velhos, que

iam contra o que pregava o concílio. D este modo novos delitos, morais e

doutrinários, entraram em pauta. Apesar de não haver, para a Inquisição

portuguesa, a abundância de estudos quantitat ivos que existe para a

espanhola, podemos inferir , através das pesquisas recentemente feitas, um

redirecionamento da atuação inquisitorial, evidenciada pelo acréscimo, aos

processos dos cristãos-novos (que se mantiveram em ritmo constante), dos

processos de bigamia, feit içaria, proposições errôneas - como a defesa da

afirmação de que fornicar não era pecado - e blasfêmias, além do próprio

luteranismo (que não tomou vulto expressivo na península Ibérica)40. I sto,

sem falar que a Inquisição voltou seus severos olhos para a disciplinarização

do próprio clero - como também desejava o concílio tridentino -, o que se

reflet iu nas condenações de eclesiást icos por sodomia, feit içaria e

solicitação41. O concílio de Trento definiu as novas normas para o fiel

católico. O Santo O fício, através da repressão e da difusão de idéias a ferro e

fogo foi um dos principais responsáveis pelo processo de modelagem de um

novo t ipo de crente, normatizado de acordo com o que pensara o concílio.

39 Cf. Luiz N azário , O julgamento das chamas: autos-de-fé como espetáculos de massa in Anita N ovinsky e Mar ia Luíza Tucci Carneiro (orgs.), Inquis ição , Rio de Janeiro / E xpressão e Cultura; São Paulo / E D USP, 1992, pp . 525-546.

40 E sta virada na at ividade inquisito r ial é demonst rada, para o caso de E spanha, at ravés de estudos que fazem proveitosa ut ilização de t écn icas quant it at ivas, como o de Jean Pierre D edieu, Les quat re t emps de l I nquisit ion , in Bennassar (org.), L Inquis i tion E s pag nole , Par is, Marabout , 1982, pp . 13-39.

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- Co ntra o Cris tian is m o T radic io n al

N o cam p o d a vivên cia religio sa, o co n cílio d e T ren to en cet o u

am p lo e m assivo co m b ate ao que Jo h n Bo ssy e K eit h T h o m as ch am am d e

"cr ist ian ism o t rad icio n al" 42, no qual a sociedade se achava imersa. O campo

religioso permeava e envolvia todos os aspectos da vida. D aí uma grande

int imidade entre os fiéis e a esfera do sagrado - inclusos aqui os elementos a

ela referentes. D onde se entende uma at itude int imista na relação entre

crentes e santos - reflet ida na iconografia e estatuária à época, que era

planejada no sent ido de propiciar tão próximo contato. Segundo Bossy, tais

relações se baseavam no trinômio violência-conflito-negociação43, tendo a

devoção objet ivos materiais e imediat istas. Buscava-se, através do culto e dos

rituais, auferir a intercessão dos santos para obter proteção para as colheitas,

41 Sobre esta facet a da repressão Inquisito r ial, ver a t ese de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Ave s s o , apresen tada à Universidade de São Paulo em 1991, 3 vo ls., mimeo.

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em viagen s, p ara m o rad ias, o u m esm o p ara ap lacar sua fú r ia - que p o d ia ser

alt am en t e d est ru t iva, co m o f ica p at en te n est a cit ação d e William T yn d ale

(in ício d o sécu lo XVI ):

O que se p ro curava, n o cr ist ian ism o t rad icio n al, era a in t im id ad e

co m o s san to s; b uscava-se m esm o t razê-lo s p ara o m ais p ró xim o círcu lo

fam iliar , ad o t an d o co m eles r elaçõ es d e co m p ad r io sui generis - co m o , p o r

exem p lo , ao b at izar um a cr ian ça co m o n o m e d e d eterm in ad o san to ,

co n sagran d o -a assim a ele e, co n seqüen tem en t e, p o n d o -a so b sua p ro t eção 45.

O s santos também eram solicitados para cuidar de eventualidades cotidianas

tais como doenças, sumiços de objetos etc. Mas, segundo K. Thomas, o culto

dos santos era apenas uma faceta do magismo que caracterizava a Igreja

medieval46. As bênçãos, rituais e sacramentos eclesiást icos eram t idos como

possuidores de propriedades mágicas, que podiam ser ut ilizados pelos fiéis. A

Igreja pré-t rident ina era vista como um "repositório de poderes

sobrenaturais, que podiam ser dist ribuídos aos fiéis para auxiliá-los em seus

problemas do cotidiano"47. O impacto das Reformas e da Inquisição, neste

sentido, foi de desvincular o profano do sagrado, e eliminar a int imidade

existente entre este e os fiéis.

E sta forma religiosa também poderia ser chamada de

"religiosidade popular". Contudo, surge aqui um problema: esta religiosidade

42 John Bossy, A Cris tandade no Oc idente , Lisboa, E dições 70, 1990 (pr incipalmente a pr imeira par t e) e Keith Thomas, Re lig ião e o D ec línio da Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991 (cap ítulos 2 e 3).

43 Bossy, op . cit ., pag. 26. 44 Apud K . Thomas, op . cit ., pag. 36. 45 Bossy, op . cit ., pag. 32. 46 Thomas, op . cit ., pag. 38.

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é p o p ular p o rque p rat icad a p elo "p o vo " , o u seja, as m en o s ab ast ad as cam ad as

so ciais? T al id éia cai p o r t er ra se t iverm o s em m en t e que p esso as d e t o d o s o s

n íveis so ciais - m esm o d ep o is d o s p ro cesso s d e refo rm as religio sas -

co n t in uavam im erso s n est e t ip o d e religio sid ad e. A id éia classist a d e um a

" religio sid ad e p o p ular" em relação o p o sta à d e um a cu lt u ra o u religio sid ad e

"d e elit e" o u "erud it a" p erd e razão d e ser , quan d o an alisad a so b est a ó t ica - e

in clusive so b o p r ism a d a religio sid ad e p araen se. Ro ger Ch ar t ier , ao

equacio n ar o p ro b lem a d a cu lt u ra p o p ular em estud o so b re t exto s e leit u ras

n o An t igo Regim e, ch ego u à co n clusão d e que t al o p o sição r ígid a n ão p o ssu i

p er t in ên cia. O que h á, segun d o o au to r , são "p rát icas p ar t ilh ad as que

at ravessam o s h o r izo n t es so ciais" . A est a d ivisão rad ical en t re p o p ular e

erud ito , "que m uit as vezes d ef in ia o p o vo (...) co m o o co n jun to d aqueles que

se sit uavam fo ra d o s m o d elo s d as elit es" , Ch ar t ier p refere "o in ven t ár io d as

d ivisõ es m últ ip las que f ragm en tam o co rp o so cial" . I st o é: além d a d ist in ção

só cio -eco n ô m ica, o p esqu isad o r d eve levar em co n t a as d iferen ças sexuais,

t er r it o r iais e r eligio sas, en t re o u t ras48. D esta forma, a religiosidade combatida

pelo concílio de Trento só pode ser chamada de "popular" se posta em

oposição à religião estabelecida pela Igreja - esta, por sua vez, "erudita"

porque baseada nos cânones sacramentados pela reforma católica. A dist inção

se desloca: de um critério socioeconômico, passamos a pensar em termos de

algo estabelecido e normativo, em contraposição a um conjunto de crenças e

ritos que estão fora da ortodoxia doutrinária da Igreja.

47 I dem, pag. 40. 48 Roger Char t ier , Textos, impressos, leituras in op . cit , s.d ., pag. 134.

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CAPÍTULO 2

- IN Q UISIÇÃO E MAG IA -

I - IN Q UISIÇÃO E BRUXARI A

As o n d as d e rep ressão à b ruxar ia e feit içar ia n ão p o d em ser

en t en d id as fo ra d o co n texto cro n o ló gico que lh es d eu o r igem . T rat am o s aqu i

d a em ergên cia d o m un d o m o d ern o o cid en t al, co m to d as as suas

p ecu liar id ad es: as cr ises d o sécu lo XI V, as n avegaçõ es e d esco b r im en to s, a

in ven ção d a im p ren sa, as r efo rm as religio sas e a co n st it u ição d o E st ad o

ab so lu t ist a. Jean D elum eau , em im p o r t an te estud o so b re o m ed o n o

O cid en t e, m o st ra co m o h o uve um a escalad a d e t em o res, m o t ivad o s p elo

fun est o sécu lo XI V. G raças a um a co n jun t ura que in clu i o d esagregar d o

feud alism o , as o n d as d e p est e, avan ço d o s tu rco s, o cism a d a I greja o cid en t al,

a G uer ra d o s Cem an o s, e as d iver sas revo lt as u rb an as e cam p o n esas fo m es e

cat aclism as, o s t em o res m ud aram d e d ireção . O s t eó lo go s p assaram a b uscar

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n o so b ren at ural e n o ap o calíp t ico a exp licação p ara t am an h a co n f luên cia d e

d esgraças: d est e m o d o , assist im o s a um a m ud an ça: d e m ed o s d e fen ô m en o s

n at urais p ara t em o res escato ló gico s, ap o calíp t ico s49. Tais temores também

abrangiam supostos inimigos da cristandade, que atacavam orquestrados por

um inimigo supremo: Satã. O sent imento geral - que tomou vulto a part ir do

século XIV, principalmente - era o de que havia uma conspiração universal

para a derrocada da cristandade. Conspiração esta levada a efeito pelos

demônios, muçulmanos, turcos, leprosos, judeus, mulheres - e as bruxas.

Segundo D elumeau, tais medos - e a idéia de conspiração a eles associada -

t inham origem nas elites culturais, principalmente nos setores eclesiást icos: a

part ir daí, at ravés de um processo de difusão, at ingiam a sociedade como um

todo.

D entre estes temores em constante escalada, dois deles se faziam

notar especialmente: um, relacionado ao próprio arquiteto da conspiração,

isto é, Satã; o outro, concernente àqueles que - acreditava-se então - obravam

em favor e nome do Príncipe das Trevas. D elumeau identifica estes agentes

como sendo os idólatras ameríndios, os muçulmanos, judeus e bruxas50.

49 Um in teressan te estudo sobre movimentos milenar ist as e apocalíp t icos do f inal da Idade Média é o de N orman Cohn, N a Senda do Milênio , Lisboa, Presença, 1981.

50 Jean D elumeau, H is tória do Medo no Oc idente , São Paulo , Companhia das Let ras, 1990 - especialmente os cap ítulos de 6 a 12.

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- A Co n s p iraç ão U nive rs al

An t es d e an alisar m ais p ro fun d am en t e a b ruxar ia, faz-se

n ecessár ia um a in vest igação so b re aquele que era sua razão d e ser e que era o

resp o n sável p o r t o d o s o s m ales que af ligiam o s cr ist ão s: Sat ã.

O s p ap éis at r ib u íd o s ao D iab o so freram alt eraçõ es n o d eco r rer

d o t em p o . Seguin d o a t r ad ição jud aico -cr ist ã vem o s que, n o Velh o

T est am en t o , D eus é t id o co m o o resp o n sável p o r t o d as as co isas, b o as e m ás.

Segun d o N o rm an Co h n , o s in fo r tún io s eram p un içõ es en viad as p o r D eus p ara

aqueles que t r an sgred issem suas leis . Sat ã ain d a n ão su rgira exercen d o as

fun çõ es que t r ad icio n alm en t e lh e são at r ib u íd as51. A figura do tentador se

manifestará no livro das Crônicas , onde Satã influencia a D avid, fazendo

com que ele realize um censo do povo eleito - mensurando, assim, a obra do

Senhor, que por si só é algo inquest ionável ou isenta de qualquer avaliação

por parte dos simples mortais (I , 21). N o texto das Crônicas reza que

"Levantou-se, po is, satanás cont ra I srael e incitou D avi a refazer o

recenseamento de I srael" 52

o que despertou a ira de D eus, incomodado pela presunção do

rei poeta, insuflado por Satã. Q uando abordamos a literatura judaica dos

séculos I I a.C. até I d.C., encontramos uma demonologia plenamente

51 N orman Cohn, The myth of Sat an and h is human servant s in Mary D ouglas (ed .), Witchcraft , London, Tavistock, 1971, pp . 4-5.

52 Bíblia Sag rada , Rio de Janeiro , G amma, 1982.

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d esen vo lvid a, o n d e Sat ã e sua co r t e d e an jo s caíd o s co m b atem co n t ra D eus.

Co h n at r ib u i est a id éia ao co n t at o co m a religião ir an ian a - o n d e, segun d o

reza a t r ad ição m azd eíst a, ap ó s um co m b at e en t re as facçõ es d e Ah ura Mazd a

(cr iad o r d o m un d o d e luz e verd ad e) e Ah r im an , in co rp o ração d o m al, est e

ú lt im o fo ra d er ro t ad o , sen d o co n f in ad o ao rein o d as so m b ras, e segu id o p elo s

d aevas (que eram o s an t igo s d euses, que p assaram a ser visto s co m o

d em ô n io s m aléf ico s)53. Visto por Z aratustra como a personificação do mal,

Ahriman é, segundo J. B. Russel, "o primeiro diabo claramente definido"54.

O crist ianismo recebeu, em segunda mão, a influência desta

doutrina iraniana - através da demonologia judaica, a qual foi totalmente

incorporada pela nova religião55. O s E vangelhos, radicalizando uma

concepção dualista que divide todas as coisas com base em uma opção entre

Cristo e Satã, t razem diversas menções a este combate entre o bem e o mal.

O D iabo, a part ir de então, torna-se o Inimigo por excelência, combatendo

Jesus, seus discípulos e apóstolos, bem como os seguidores destes, "t ramando

incessantemente a ruptura da fidelidade ao Senhor e pondo a perder os seus

corpos e almas". A part ir daí, o mundo será part ilhado entre Cristo e Satã56.

As campanhas de evangelização e conversãos dos adeptos do paganismo

greco-romano, por sua vez, vão contribuir com um grande enriquecimento do

imaginário demonológico cristão, graças a uma interpretação negativa de

elementos do paganismo, por parte da religião agora dominante. E sta, por sua

vez, via-se às voltas com uma evangelização de fiéis que quase sempre não

53 Cohn, op . cit ., pag. 7. 54 Jeffrey Burton Russel, O D iabo , Rio de Janeiro , Campus, 1991, pags. 48 e 86. 55 Carlos Rober to F . N ogueira, O D iabo no Imag inário Cris tão , São Paulo , Át ica, 1986,

pag. 17.

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ab an d o n avam seus an t igo s cu lto s e cren ças, assim ilan d o en sin am en to s n o vo s

co m as an t igas co n vicçõ es - is t o , quan d o t ais assim ilaçõ es n ão eram já feit as

p elo s p ró p r io s m issio n ár io s cat equ izad o res. Além d isso , a d o u t r in a cr ist ã

assim ilo u ao s seus d em ô n io s as co n cep çõ es p agãs d as d ivin d ad es in fern ais57.

É nos séculos XI-XII que, segundo D elumeau, Satã irá surgir em

cena massivamente. É neste momento que a figura iconográfica do D iabo

toma forma, sendo pictoricamente representado ou esculpido58. Mas é a part ir

do século XIV que Satã lança o seu grande ataque. A cristandade encontrava-

se como que obsidiada pela figura do G rande Inimigo. Para D elumeau, esta

obsessão vai se manifestar, na iconografia, em uma vasta gama de imagens

infernais, e na idéia fixa das armadilhas e tentações de que Satã faz uso, na

intenção de perder os seres humanos59. A violência das torturas e tormentos

do Inferno transborda na Iconografia, e o Satã medieval - que assustava mas

t inha lá seus ares de comicidade, que por muito tempo persist iu no

imaginário popular, como uma figura até benfazeja e enganável60 - torna-se

pujantemente violento, terrível, assustador. N este primeiro alvorecer da

Idade Moderna, os conceitos e imagens satânicas da Idade Média assumiram

'uma coerência, uma importância e uma difusão jamais alcançadas"61. O

G rande Tentador estava presente em todos os aspectos da vida, e tudo que

acontecia poderia ser obra sua - para cast igar os homens ou para seduzi-los,

levando-os à perdição.

56 Idem pag. 18. 57 I dem, pp . 26-31. 58 D elumeau, op . cit ., pag. 239. 59 I dem, pag. 240. 60 N ogueira, op . cit ., pag. 76. 61 I dem, pag. 73.

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O m ed o d o D iab o to m ava fo rm a sist em at izad a n as o b ras d e

d em o n o lo gia que, graças à im p ren sa, t in h am gran d e d ivu lgação - o que fazia

aum en t ar ain d a m ais o m ed o . E st as ed içõ es at in giam am p la gam a d o p úb lico

leito r , quer fo sse at ravés d e p esad o s t r at ad o s o u d e p ub licaçõ es "p o p ulares" ,

d e custo m en o s elevad o 62. As informações aí contidas alcançavam um público

ainda mais amplo de analfabetos, na medida em que eram lidas em voz alta

para as pessoas, ou citadas em prédicas e sermões, difundindo assim tais

idéias demonológicas63.

A literatura demonológica apresentava aos leitores um vasto

arsenal informativo, contendo tudo o que ele devia saber a respeito do

Maligno: como ele se apresenta, de que modo age no sentido de tentar e

perder a humanidade, quais as armadilhas que ele apronta, como diagnosticar

a ação do demônio, etc. Rossel Hope Robbins enumera 33 t ítulos de tratados

demonológicos publicados entre 1475 e 1540 (entre livros alemães, franceses,

italianos e espanhóis); D elumeau conta (deficientemente, segundo o próprio)

16 t ítulos de diversas nacionalidades, entre 1659 e 164764. Tendo em conta

que estas obras possuem sucessivas reedições, ficamos impressionados com

seu alcance através do tempo: somente o Malleus Maleficarum , ícone maior

da literatura de caça às bruxas e inspirador de tantas obras posteriores, teve

81 edições na E uropa entre 1486, data de sua primeira edição, e 1669, quando

62 Ver , a est e respeito , Lucien Febvre e H enr i-Jean Mart in , O Aparec imento do Livro , São Paulo , UN E SP/ H UCI TE C, 1992, cap ítulos 4 e 8.

63 Sobre a d ifusão das idéias at ravés das prát icas de leit ura, ver Roger Char t ier , Textos, impressos, leituras in A H is tória Cultural , Lisboa/ D IFE L, Rio de Janeiro / Ber t rand Brasil, s.d . D o mesmo autor , ver As prát icas da escr it a na H is tória da Vida Privada , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991, vo l. 3, pp . 113-161.

64 Rossel H ope Robbins, T he E nc yc lope dia o f Witchcraft & D emono log y, N ew York, Bonanza, 1981, pp . 145-147; D elumeau, op . cit ., pag. 248.

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já ar refecia a o n d a p ersecu t ó r ia65. Através de sermões e prédicas, catecismos e

da citada literatura demonológica, o afã de desmascarar o D iabo, bem como o

pânico a ele relat ivo, foram se disseminando por todo o corpo da cristandade.

O D iabo era, então, mais uma dura realidade presente no

cot idiano à época. Já escrevera Lutero que "somos corpos sujeitos ao diabo, e

estrangeiros, hóspedes no mundo no qual o diabo é príncipe e o D eus"66. Por

isso, as desgraças e decepções eram atribuídas ao D iabo. As tempestades,

t rovões, más colheitas, as doenças, em tudo era visto o dedo do adversário,

que cast igava a humanidade pelas suas iniqüidades, ou procurava perdê-la.

Por ser incorpóreo, o D iabo podia tomar a forma que lhe aprouvesse para se

aproximar das pessoas, e podia estar em todos os lugares. E também é graças

a esta incorporeidade que ele pode obrar diversos prodígios. D iz o Malleus

que o D iabo, por tomar diversas formas, pode estar em diversos locais e

conjurar os elementos da natureza; ele também tem poderes para desfazer a

obra de D eus até onde este lhe permita67.

Contudo, Satã não estava desacompanhado nesta empreitada

aviltante. Contava com o apoio de uma legião de demônios e de agentes

humanos. Q uanto aos primeiros, o discurso demonológico afirmava estarem

disseminados por todos os lados. Francesco Maria G uazzo ident ifica, em seu

Compendium Maleficarum , seis t ipos de demônios: os que residem no fogo,

e não têm contato com os homens; os do ar, que estão ao redor dos homens e

podem tomar consistência física, tornando-se visíveis e sendo causadores de

65 Robbins, op . cit ., pag. 337. 66 Apud D elumeau, op . cit ., pag. 251.

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t o rm en tas e t em p estad es; o s t er rest res, que vivem n as f lo rest as, cavern as e

m esm o en t re o s h o m en s; o s d em ô n io s aquát ico s, r esp o n sáveis p elo s

afo gam en t o s e n auf rágio s, b em co m o p ela vio lên cia d o m ar - h ab it an t es d e

r io s, lago s e m ares; o s sub ter rân eo s, que vivem em gru t as e cavern as,

causan d o t er rem o to s, erup çõ es e ab alo s n o s alicerces d as casas; p o r f im , o s

d em ô n io s d as t r evas, que n ão sup o r t am a luz e só se lo co m o vem e

m an ifest am n a m ais co m p let a escur id ão 68.

A quantidade de demônios existentes é de uma ordem assombrosa:

demonólogos que dedicaram-se ao censo das hostes infernais calcularam que existiriam entre 6

e 7 milhões de demônios. Alphonsus de Spina em seu Fortalicium Fidei (1467) chegou à

astronômica cifra de 133 milhões de demônios. E todos eles obrando em prejuízo da

cristandade69! Devido a tal quantidade de seres infernais, surgiu a idéia de que cada homem, ao

nascer, seria acompanhado de um deles, que o tentaria por toda a sua vida - o que, por outro

lado, acarretou na noção de que haveria um anjo da guarda para cada indivíduo, justamente

para protegê-lo de tal tentador vitalício70

A humanidade, contudo, t inha algo mais a temer, além desses

servos incorpóreos de Satã: havia também os seus aliados humanos. E les

podiam estar em qualquer lugar, podendo - em teoria - ser qualquer pessoa.

Infilt rados no seio da cristandade, podiam implodi-la a part ir de seu próprio

interior. Por outro lado, eram ident ificáveis e estavam ao alcance de uma

vingança imediata - que fornecesse aos homens um paliat ivo para a

impotência ante os adversários imateriais.

67 H einr ich Kramer & Jakob Sprenger , Malle us Male ficarum , Rio de Janeiro , Rosa dos Tempos, 1991, questão I , pp . 49-63.

68 F rancesco Maria G uazzo , Compendium Male fic arum (1608), Apud Robbins, op . cit ., pp . 132-133.

69 E ram exatos 133 306 668 demônios. Apud Robbins, op . cit ., pag. 130. 70 D elumeau, op . cit ., pag. 257. Ver t ambém Keith Thomas, Re lig ião e o D ec línio da

Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991, pag. 382.

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A idéia de que estes agentes de Satã viviam infiltrados no seio das sociedades é

tão antiga quanto o próprio cristianismo. O que variava, ao sabor das conjunturas, era a

identificação do membros desta quinta-coluna dos infernos. A Igreja primitiva os associava

aos pagãos; com o passar do tempo, aqueles que professavam idéias e crenças discordantes da

ortodoxia cristãs também foram ligados a essa proposição. Na Idade Média, esta idéia está

associada aos hereges, judeus, muçulmanos. Na França do século XII, por exemplo,

acreditava-se uma característica dos hereges - segundo aqueles que os perseguiam - a adoração

do Diabo encarnado em alguma forma física - um gato negro, um sapo, um bode ou homem -,

elemento que depois foi incorporado pelo discurso contra a bruxaria. E no século XIV, após o

rumoroso processo contra os templários, a bruxaria começou a ser associada à heresia71.

- A Caça às Bruxas (ou: a his tória de um conce ito)

A idéia que fazemos atualmente a respeito da bruxa - uma mulher

velha e feia, que possui poderes sobrenaturais malignos, que anda em contato

com os demônios e vai voando numa vassoura ao Sabbat - levou muito tempo

para cristalizar-se. Brian P. Levack, em estudo sobre a caça às bruxas na

E uropa moderna, mostra como a grande repressão só foi possível a part ir do

momento em que o discurso erudito cristalizara a imagem da bruxa - através

71 Cohn, op . cit ., pp . 7-11.

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d o que o au to r d en o m in a "co n ceito cum ulat ivo d e b ruxar ia" - b em co m o

en co n t rava-se p ro n to t o d o um ap arat o ju r íd ico e p ro cessual72.

O que houve foi um grande processo - encetado principalmente

pelas elites eclesiást icas, mas que encontrou eco na magistratura civil e entre

os segmentos letrados de um modo geral - de demonização e detração de

crenças e prát icas part iculares, que se encontravam dispersas. Tais crenças,

que viriam a estar no bojo dos processos de bruxaria, possuíam origens

arcaicas e com ramificações as mais diversas possíveis, conforme demonstrou

o historiador italiano Carlo G inzburg em estudo de fôlego sobre o sabbat73.

Assim era com a crença no "exército furioso" de espíritos que, à noite, errava

pelas estradas desertas em companhia de D iana; bem como no caso dos

lobisomens, e também da Lâmia, um espírito vampiresco que raptava crianças

pequenas para sugar seu sangue. Tais crenças possuíam origem pré-cristã,

remontando ao paganismo greco-romano e mesmo além, e subsist iam graças

ao caráter precário e sincret izante da crist ianização da E uropa - sendo que

manifestavam-se com maior vigor nas zonas rurais e locais mais afastados dos

grandes centros, onde o crist ianismo era apenas um fino verniz que recobria

o mais pujante paganismo74.

D a censura e de uma at itude em grande parte complacente para

com os magos e feit iceiros de aldeia - que prat icavam adivinhações,

curandeirismos e magia propiciatória de um modo geral -, característ ica da

72 Bian P . Levack, A Caça às Bruxas , Rio de Janeiro , Campus, 1988, especialmente o cap ítulo 2.

73 Car lo G inzburg, H is tória N oturna , São Paulo , Companhia das Let ras, 1991. 74 Robert Muchembled, Sorceller ie, culture populaire et chr ist ianisme au XVIe siècle in

Annales , 28 année, 1, jan-fev. 1973, pp . 264-284.

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I greja d a alt a I d ad e Méd ia, p asso u-se a um a in to lerân cia cad a vez m ais

acir rad a. A I greja sem p re t ivera um a relação am b ígua co m a m agia: en quan t o

sua d o ut r in a d ava ên fase n o p o d er d e in t ercessão d o s san to s, e, d et r im en t o d a

p ura p rát ica d a m agia, seus f iéis e m esm o o clero viam n o r it ual e seus

ap arato s um ar sen al d e p o d eres m ágico s, p assíveis d e co n juro e d e ap licável

às m ais d iver sas circun st ân cias. I n clusive, est a fo i a t ô n ica d a cat equese d a

E uro p a, e m esm o em m o m en to s p o st er io res. Co exist iam , en t ão , d o is t ip o s d e

m agia: um , " legalizad o " e p resen t e n o s r it o s e sacram en t o s d a I greja; o u t ro ,

f ru t o d e um p ro cesso d e ap ro p r iação d est es m esm o s elem en t o s p o r p ar t e d o s

f iéis e d o clero - est e, n ão ap ro vad o p ela d o u t r in a cr ist ã. A I greja d a alt a

I d ad e Méd ia, p o rém , segu ia a o p in ião d o Cano n E pis c o p i , que af irm ava ser a

feit içar ia um cr im e o n ír ico o u im agin ár io 75.

Contudo, à medida em que a Igreja buscava reformular a própria

doutrina e liturgia, foi encetada uma campanha para eliminação do magismo,

tanto no seio dos rituais como entre os fiéis76. A esta at itude de

endurecimento para com as prát icas mágicas soma-se o processo de repressão

às heresias a part ir do século XII . A pouco e pouco - na medida em que a

t ratadíst ica demonológica se concret izava, e também de acordo com o

espocar de diversos focos de movimentos herét icos - a prát ica de magia foi

sendo associada e confundida com a heresia por inquisidores e magistrados,

tomando assim, aos poucos, sua forma clássica - a que está nos manuais

demonológicos e regimentos inquisitoriais. À medida em que a cristandade se

debat ia com o aumento do poder de Satã, a crença na bruxaria se firmava e

75 Robbins, op . cit ., pag. 74.

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co n so lid ava, ao s p o uco s, n o im agin ár io euro p eu . N o sécu lo XI V, co m a b u la

Su pe r I l liu s Spe c u la (1326) d o p ap a Jo ão XXI I , a feit içar ia era asso ciad a à

h eresia, t o rn an d o -se um d elito d e alçad a in qu isito r ial, a ser r ep r im id o p elo

fam o so T r ib un al. An t es, a feit içar ia era p un id a p elo p o d er p úb lico , que via a

m agia m aléf ica co m o um a co n d ut a an t i-so cial, t al co m o o ro ub o e o

h o m icíd io .

E o que fazia co m que a b ruxar ia - d iferen tem en t e d a feit içar ia

o rd in ár ia (que co n sist ia n o recurso a o raçõ es e r it uais p ara o alcan ce d e

o b jet ivo s m at er iais im ed iat o s) - fo sse vist a co m o h eresia? O p o n t o

d iferen ciad o r era o segu in t e: at r avés d e um p act o , n o qual se co m p ro m et ia a

servir e ad o rar Satã - ro m p en d o o s laço s co m Cr ist o e a I greja, e in co r ren d o

assim n o cr im e d e latria, segun d o o Man ual d o s Inq uis ido re s 77 - em troca de

poder, riquezas e gozos materiais, a bruxa passava a conspirar, ao lado do

Maligno, contra a espécie humana. Todo o poder da bruxa advém do D iabo, e

ela só tem acesso a ele por meio do pacto. Kramer e Sprenger, no Malleus

Maleficarum , afirmam peremptoriamente que

"É inút il argumentar que todo efeito das bruxar ias é fan tást ico ou

ir real [ao cont rár io do que afirmava o Canon E pis c opi ], po is não

poder ia ser realizado sem que se recorresse aos poderes do D iabo: é

necessár io , para t al, que se faça um pacto com ele, pelo qual a b ruxa

de fato e verdadeiramente se to rna sua serva e a ele se devota - o que

não é feito em estado onír ico ou ilusór io , mas sim concretamente: a

b ruxa passa a cooperar com o D iabo e a ele se une. Pois aí reside

toda a f inalidade da bruxar ia..." 78.

76 Keith Thomas, op . cit ., p r incipalmente o cap ítulo 3. 77 N icolaus E ymerich , op . cit ., pag. 55. 78 Malleus ..., pag. 57. Comentár io meu.

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E st a argum en tação rep resen t a um co n sid erável en d urecim en t o d e

p o siçõ es, em relação ao Can o n . E n d urecim en t o t ão gran d e que f ica p at en te já

n a p r im eira quest ão d o M alle u s - que segue, em sua est ru t u ra, a fo rm a d e um

d eb at e retó r ico - , o n d e é af irm ad o que "crer em b ruxas é t ão essen cial à fé

cat ó lica que sust en tar o b st in ad am en t e o p in ião co n t rár ia h á d e t er vivo sab o r

d e h eresia" , e cu ja argum en t ação co m eça just am en t e co m um a vio len ta cr ít ica

ao Cano n E p is c o p i 79!

O pacto demoníaco era, então, o cerne da crença na bruxaria. Foi

graças a ele que a feit içaria - antes vista como uma prát ica anti-social devido

ao malefic ium , - isto é, a magia prejudicial passível de punição pela just iça

laica - passou a ser associada à heresia. Segundo Levack, "no sentido mais

pleno da palavra, uma bruxa era tanto uma prat icante de magia maléfica,

como uma adoradora do D iabo, e o pacto era a maneira através do qual

ambas as formas de at ividade mais claramente se relacionavam"80.

79 Idem, pag. 49. 80 Levack, op . cit ., pag. 33.

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O p acto era t am b ém aquilo que co n fer ia um carát er co n sp irat ivo

às açõ es d as b ruxas. Ao ar ran carem d as b ruxas co n f issõ es d e co n t rato s

d em o n íaco s, ju ízes e in qu isid o res co n seguiam a evid ên cia ir r efu t ável d e que

o s acusad o s faziam , co n scien t em en te, p ar t e d e um a im en sa co n sp iração .

D esta fo rm a, é sin to m át ico o que escreve, n o sécu lo XVI I , o jesu ít a

Alexan d re P er ier - r en o m ad o m issio n ár io , co m est ad as n o Brasil - em sua

o b ra in t it u lad a D e s e ng an o d o s P e c ado re s :

" É co isa sab id a aq u e le d an o e m ale f íc io q u e f azem n o m u n d o , q u ase

em t o d as as n açõ es , aq u e las d ep r avad as m u lh er es a q u e vó s ch am ais

vu lgar m en t e f e it ice ir as o u b r u xas . E stas desgraçadas como têm arrenegado

a fé pelo contrato feito com o D emônio, a quem têm vendido a sua alma, ficam

conseguintemente inimigas do gênero humano, principalmente católico, e por

isso procuram faz er-lhe o mal que podem.. ." 81

Contudo, além do pacto demoníaco, o conceito de bruxaria

engloba outros elementos - decorrentes, todos eles, deste contrato infernal

entre a bruxa e o D iabo. Um deles é o malefic ium - a magia maléfica, a qual

já mencionamos anteriormente. O malefic ium era, antes, at ribuído aos

feit iceiros. E le podia se manifestar das mais diversas formas: desde uma dor

de cabeça provocada, segundo se acreditava, por mau-olhado, até uma geada

conjurada por bruxas, que arrasasse as plantações. N a bula Summis

D es iderantis Affectibus , de 1484, em que o papa Inocêncio VII I lança

oficialmente a campanha de repressão à bruxaria, estão arrolados alguns atos

t ípicos das bruxas. D iz o texto que elas

81 Alexandre Perier , D es e ng ano dos Pe cadore s , Lisboa, Miguel Manescal da Costa, 1765, pp . 316317. G r ifo meu.

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" ... t êm assass in ad o c r ian ças a in d a n o ú t er o d a m ãe , a lém d e

n o vilh o s , e t êm ar r u in ad o o p r o d u t o d a t e r r a , as u vas d as v in h as , o s

f r u t o s d as ár vo r es , e m ais a in d a: t êm d es t r u íd o h o m en s , m u lh er es ,

b es t as d e car ga, r eb an h o s , an im ais d e o u t r as esp éc ies , p ar r e ir as ,

p o m ar es , p r ad o s , p as t o s , t r igo e m u it o s o u t r o s ce r eais ; e s t as p esso as

m ise r áveis [as b r u xas] a in d a af ligem e at o r m en t am h o m en s e

m u lh er es , an im ais d e car ga, r eb an h o s in t e ir o s e m u it o s o u t r o s

an im ais co m d o r es t e r r íve is e las t im áve is e co m d o en ças a t r o zes , q u er

in t e r n as , q u er ext e r n as ; e im p ed em o s h o m en s d e r ealizar o a t o

sexu al e as m u lh er es d e co n ceb er em , d e t a l fo r m a q u e o s m ar id o s n ão

vêm a co n h ecer as esp o sas e as esp o sas n ão vêm a co n h ecer o s

m ar id o s ." 82

E is aqui, resumidos, os diversos t ipos de malefic ium . Podemos

concluir que eles estavam ligados a ameaças à sobrevivência humana - seja

enquanto reprodução da espécie (através dos bloqueios às relações conjugais

ou à fert ilidade), ou enquanto subsistência, na medida em que as bruxas

danificam e destroem tanto bens materiais quanto meios de sustentação. Além

do pacto e do malefic ium , o conceito de bruxaria incluía elementos outros

como a demonolatria, a crença na capacidade da bruxa em se metamorfosear

em animais (geralmente insetos ou bichos de pequeno porte, como ratos,

gatos e cães), a crença na ida e part icipação no sabbat (e, ligada a este

elemento, a crença de que as bruxas voavam) - e sua difusão através de

t ratados e obras que procuravam incent ivar os julgamentos t iveram um efeito

devastador, tanto ao nível das mentalidades e crenças quanto no fomento à

repressão.

82 In Malleus ..., pp . 44-45.

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- A Re pre s s ão

E m seu co n sagrad o est ud o , K eit h T h o m as exp lica a gran d e o n d a

d e rep ressão à b ruxar ia co m o f ru to d e um a co n jun ção d e fat o res: p r im eiro , a

elab o ração e p o st er io r im p o sição d e um d iscu rso d em o n o ló gico erud ito ;

segun d o , um a gran d e in seguran ça p o r p ar t e d o s f iéis em geral, p r ivad o s d a

p ro t eção m ágica o ferecid a p elo cr ist ian ism o t rad icio n al - que, co m o n o t am o s,

so freu um p o d ero so p ro cesso d e f ilt r agem p o r p ar t e d as refo rm as religio sas - ;

em vir tud e d est e fat o r , o s h o m en s t er iam f icad o in d efeso s f ren t e às p rát icas

d e m ale fic iu m - co n t ra as quais est avam im un es an ter io rm en te, d evid o ao

am p aro m ágico o ferecid o p elo s r it uais d a I greja. A co n jun ção d est es fato res é

que t er ia favo recid o o esp o car d e sucessivas o n d as rep ressivas, t an t o em

lo calid ad es d e cred o cató lico quan to p ro t est an t e83. Tais ondas, em seu

conjunto, é que formam o que se convencionou chamar de grande caça às

bruxas.

E sta explicação dá conta do fato de a perseguição ter início antes

das reformas religiosas - em virtude da crescente pressão do discurso erudito,

que encontrava alguma ressonância entre as camadas populares. Ajuda

também a explicar o porque da fúria repressora que teve seu auge entre os

séculos XVI-XVII (1560-1650), tanto do lado católico quanto do protestante

(neste, inclusive, com muito maior força e virulência): ao ret irar o aparato

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m ágico que im p regn ava a cren ça cr ist ã, as r efo rm as d eixaram livre um cam p o

o n d e o d iscurso d em o n o ló gico - que já fazia fo rça p ara se im p o r - p ô d e

f in alm en te t r iun far . T rat am o s, aqu i, d a d ifusão d est as id éias n o seio d as

cam ad as d a p o p ulação que n ão p er t en ciam às elit es let r ad as.

A p ar t ir d e t al co n f luên cia, p o vo e m agist rad o s en t raram em

sim b io se d e cren ças, e at uaram co n jugad am en t e. O s p r im eiro s esp reit an d o ,

d en un cian d o e às vezes t o m an d o p ara si a just iça; o s ú lt im o s, p un in d o

efet ivam en te, ju lgan d o e co n d en an d o at ravés d e um a m áqu in a jud iciár ia que

era alim en t ad a p elas d en ún cias d o p o vo . E st a co n jugação d e p o n t o s d e vist a

fez co m que o s p rat ican t es d e m agia e feit içar ias, an t es vist o s co m o

"d esclassif icad o s religio so s" , n a o p in ião d e F ran cisco Bet h en co ur t , fo ssem

t ran sfo rm ad o s t am b ém em "d esclassif icad o s so ciais" 84

83 Thomas, op . cit ., especialmente o cap ítulo 15. 84 F rancisco Bethencour t , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade

Abert a, 1987, pag. 22.

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II O CO N TE XT O IBÉ RICO

As o n d as d e rep ressão á b ruxar ia fo ram m ais in t en sas,

p r in cip alm en t e, n o s lugares o n d e o m o d elo d em o n o ló gico elab o rad o p elo s

seto res let rad o s t eve um a d ifusão m ais só lid a. Ard eram b ruxas em fo gueiras

in glesas, f r an cesas, alem ãs, e su íças, en t re o u t ras. T ais o n d as rep ressivas

var reram p er io d icam en t e a E uro p a, d e um m o d o geral, en t re o s sécu lo s XV e

XVI I I , vin d o a p erd er fô lego e f in alm en te ext in gu ir -se n o sécu lo XVI I I .

A P en ín su la I b ér ica, p o rém , ap resen t o u sin gu lares

p ecu liar id ad es, n o que t an ge à in serção n o m o vim en to m aio r , euro p eu , d e

rep ressão à b ruxar ia. Co m p aran d o co m o ut ro s p aíses euro p eus, o n úm ero d e

execuçõ es p o r b ruxar ia em P o r t ugal e E sp an h a é m ín im o , p ara n ão d izer

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in sign if ican te. Muit o p o ucas b ruxas fo ram - co m p arat ivam en t e falan d o -

queim ad as n a P en ín su la I b ér ica85.

I sto é devido a uma série de fatores. O primeiro - e o mais

patente dentre eles - é a excessiva atenção dada, pela Inquisição ibérica num

todo, ao problema dos judeus conversos. Preocupada em rastrear e punir os

delitos dos judaizantes, os Tribunais portugueses e espanhóis não enfat izaram

a repressão à bruxaria.

A tal peculiaridade soma-se o fato de que a Península Ibérica foi

afetada em menor intensidade pelo discurso demonológico que grassava por

todo o continente europeu, impulsionando a caça às bruxas. Inclusive, para

Portugal, não há uma produção demonológica no sent ido clássico do termo -

algo como os famosos t ratados como o Malleus e outros congêneres.

Segundo Laura de Mello e Souza, os elementos demonológicos não possuem

uma tratadíst ica própria em Portugal, aparecendo dispersos ao longo da

literatura religiosa86. Tais elementos se encontram pulverizados entre os

manuais de confessores, catecismos e tratados de teologia moral - os quais,

segundo Bethencourt , por usarem uma argumentação baseada no comentário

aos dez mandamentos, aos sete pecados capitais e aos sacramentos, discutem

a feit içaria no âmbito do primeiro mandamento, o "amar a D eus sobre todas

as coisas"87 Q uando da repressão às at ividades demoníacas, os inquisidores

lusos estavam mais preocupados em rastrear o pacto e a adoração ao D iabo

85 Bethencour t apresen ta uma relação dos processados por feit içar ia, magia e bruxar ia pelos Tribunais inquisito r iais lusit anos no século XVI . O número de acusados de bruxar ia é insign ifican te. Cf. Id. ibid. , pp . 302-307.

86 Laura de Mello e Souza, O conjunto : a América d iabólica in Infe rno Atlântico , São Paulo , Companhia das Let ras, 1993, pag. 24.

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d o que em b uscar evid ên cias d e p ar t icip ação n o sab b at 88. A fraca difusão do

conceito de bruxaria fez com que seus elementos surgissem de forma dispersa

nos processos ibéricos de feit içaria, nunca apresentando um todo consistente.

Para o caso espanhol, a situação apresenta poucas variantes.

Carlos Roberto F. N ogueira mostra que, não obstante a atuação de

inquisidores que possuíam contato mais próximo com a literatura

demonológica clássica, o conceito de bruxaria possui pouca penetração em

território espanhol. Acreditando que as bruxas vinham da vizinha França, os

espanhóis não davam aos casos de bruxaria o tratamento que era dispensado

em outros locais. Segundo o autor, faltaram em E spanha "uma perseguição e

uma doutrinação sistemática" que pudessem levar a "uma 'bruxomania'

generalizada"89.

87 Bethencour t , op.c i t. , pag. 20. 88 Laura de M. e Souza, E m torno de um mito : a elipse do sabá in op. c i t. , pag. 167. 89 N ogueira, A Mig raç ão do Sabbat , t exto inédito , mimeo, pag. 7. Agradeço , aqui, a

gen t ileza do autor em franquear-me o acesso a est e estudo .

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CAPÍT U LO 3

- PO LÍTICA PO MBALIN A E IN Q UISIÇÃO -

I - PAN O RAMA D O P O RT UG AL PRÉ -PO MBALIN O

- B re ve H is tó ric o d a Go ve rnaç ão P o m balin a

No século XVIII, Portugal vivia uma situação de defasagem em relação ao

resto da Europa e, em certa medida, face à Espanha. Defasagem esta que ocorria ao nível da

cultura, das idéias, da política e economia. Era como se em Portugal as mudanças custassem a

acontecer.

Portugal ocupou posição de ponta no desenvolvimento político, econômico e

social da Europa no início da Idade Moderna, graças a um precoce processo de

"modernização" que teve em seu bojo os progressos da navegação, a expansão ultramarina, a

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formação do Estado absolutista, estando na vanguarda dos acontecimentos no período que vai

de fins do século XV a princípios do XVI90.

Contudo, por um processo histórico cuja discussão foge ao âmbito desta

pesquisa, encontramos esse florescimento como que cristalizado. A Península Ibérica - e,

notadamente, Portugal - encalacrara-se em si mesma contra quaisquer novidades vindas de

fora, que eram imediatamente associadas, pelo pensamento eclesiástico vigente, à heterodoxia

e à heresia. Tudo que vinha do exterior constituía-se em potencial ameaça à ordem

estabelecida. Este casticismo, "francamente dominante nos círculos dirigentes", possuía

aversão a qualquer tipo de novidade européia e, paradoxalmente, cultivava o exotismo do

Oriente91.

Uma combinação entre os instrumentos de manutenção da ortodoxia -

notadamente, a Companhia de Jesus e a Inquisição - e o Estado atuou no sentido de proteger

Portugal contra tudo aquilo que o desviasse das diretrizes do concílio tridentino, bem como

contra a "modernidade" que trazia em si o espírito matemático e naturalista, a secularização e

o racionalismo - elementos que, em Portugal, foram rejeitados a priori92. Segundo Francisco

Falcon - autor de obra já tida como clássica para o estudo do período pombalino -, o resultado

deste fechamento é

"Uma visão do mundo completamente toldada, ensimesmada, fechada ao

exterior, mais distante do que nunca da 'teoria do progresso' que avança além-Pirineus: visão

essa que se afirma e fortalece na medida exata em que se contrapõe ao outro, o herege, o

estrangeiro; fato que irá justificar plenamente, aos seus olhos, a autodefesa com os aparelhos

repressivos, políticos e ideológicos, de que dispõe93.

90 Sobre este f lo rescimento , ver H is tória de Portug al vo lume 3 - N o Alvorec er da Modernidade , coordenação de Joaquim Romero Magalhães, Lisboa, E ditor ial E stampa, s.d .

91 H is tória de Portug al vo l 4 - O Antig o Re g ime , Lisboa, E ditor ial E stampa, s.d ., pag. 24.

92 Francisco José Calazans Falcon , A É poca Pombalina , São Paulo , Át ica, 1982, pp . 149ss. Ver t ambém A. H . de O liveira Marques, H is toria de Portug al , Cid . Mexico , Fondo de Cultura E conomica, 1984, v. 1, pag. 300. O concílio de Tren to encont rou resist ências das monarquias absolut ist as no que t ange, p r incipalmente, à just iça eclesiást ica e à subordinação ep iscopal a Roma. E m Portugal t ambém não fo i d iferen te, t endo as medidas t r iden t inas, apesar de ráp ida aceit ação , uma implan tação morosa. Ver H is tória de Portug al v. 3, pag. 291.

93 Falcon, op . cit ., pag. 154.

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Portugal parara no tempo, permanecendo estacionado na mentalidade

tridentina, perdendo o avanço dos acontecimentos no todo europeu. Ainda segundo Falcon, é

somente no século XVIII que esta situação mudará. Os esforços de mudança apresentam-se

ainda timidamente sob o reinado de D. João V (1706-1750), porém assumem força total no

reinado de D. José I (1750-1777), procurando abrir Portugal (ainda que tardiamente) à

modernidade européia.

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Concluindo: é um Portugal dominado pelo pensamento eclesiástico - mais

palpavelmente materializado pela massiva presença da Companhia de Jesus no controle da

educação, da produção cultural e ideológica (bem como seu extenso poderio econômico);

iluminado ainda pelas insistentes chamas dos autos-de-fé que teimavam em afugentar do país

uma importante e endinheirada burguesia cristã-nova; enfraquecido no que tange ao poder real

e administrativo, que D. José herda de seu antecessor, em 1750. E é contra estas estruturas e

concepções arcaizantes da sociedade portuguesa que o Marquês de Pombal irá se bater,

lançando mão de uma série de ações que visavam fortalecer interna e externamente Portugal,

levando-o a um lugar mais destacado no concerto das nações do século XVIII.

- Ação de Pombal: fortalecer o poder real. . .

Um dos pontos-chaves da política pombalina foi a centralização do poder real,

que vinha enfraquecido desde o final do reinado de D. João V, devido à doença do monarca -

que o afastara do controle mais próximo do Estado. À medida em que tal ocorria, a

aristocracia estreitava laços com o setor burocrático, participando mais efetivamente nas

tomadas das decisões do Estado, enquanto notava-se um declínio da importância política da

burguesia mercantil tradicional (que ocorreu justamente quando esta vinha de um período de

ganhos, propiciados pelo comércio).

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Com este enfraquecimento do poder real afrouxou-se também o sistema

colonial, na medida em que a presença da Coroa era sentida com menos rigor. Tal fato se

refletia na evasão das rendas do Estado através de contrabandos, sonegações e descaminhos94.

É neste contexto que D. José I ascende ao poder, e com ele Sebastião José, que

posteriormente (quando adquiriu maior proeminência política, após o terremoto de 1755)

passou a encetar esforços no sentido de fortalecer e reestruturar o poder da Coroa, o que

redundaria, diretamente, no aumento de seu próprio poder pessoal. Pombal encarnaria em

Portugal aquilo que, posteriormente, veio a ser chamado de "despotismo ilustrado" ou

"esclarecido"95.

Em busca do aumento do poder real, Sebastião José foi fundamentar-se em

antigo preceito da realeza: o direito divino dos reis. Segundo este, o poder vem diretamente de

Deus, sem passar por qualquer tipo de intermediário humano; assim sendo, a mais ninguém o

monarca deve prestar contas dos seus atos (tão somente a Deus)96. Tal idéia descarta, de início,

a subordinação - característica do absolutismo tradicional - da Coroa à Igreja e à lei comum,

fundada nos costumes e tradições97. Seguindo, pois, esta linha de raciocínio, chega-se à

conclusão de que o rei, então, possui autonomia e prerrogativas inclusive em assuntos de foro

eclesiástico. O monarca é defensor e protetor da Igreja, provedor do bem estar material e

espiritual dos seus súditos.

Devemos levar em conta que este processo de reforço do poder real - para cuja

execução Pombal não mediu conseqüências nem obstáculos - foi contemporâneo à adoção

mais firme, por parte do Marquês, de duas práticas a princípio excludentes e contraditórias: o

iluminismo e o mercantilismo.

É, mais uma vez, Falcon quem mostra o contexto do surgimento do

iluminismo em Portugal, que nos princípios do século XVIII ostentava "o esplendor barroco

da corte joanina e o fanatismo devoto", sustentados financeiramente pela enxurrada aurífera

94 Idem, pp . 371-373. 95 Marques, op . cit ., v.1, pag. 404. Ver t ambém Falcon , D es potis mo E s c larec ido , São

Paulo , Brasiliense, 1987. 96 António Leit e, "A ideologia pombalina: despot ismo esclarecido e regalismo" in VV.AA.,

Como interpre tar Pombal? Lisboa/ Brotér ia; Por to / Livrar ia A.I ., 1983, pag. 31.

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advinda do Brasil. A contraposição a tal estado de coisas traduz-se no fenômeno do

estrangeiramento, isto é, uma outra perspectiva adquirida por lusitanos que, em contato com

outras nações, idéias, e realidades européias, quer através de estadias e missões diplomáticas,

ou através do contato com estrangeiros, contraiam idéias e atitudes diversas da maioria

comum de então. O choque entre a abertura de visão dos estrangeirados e os castiços era

inevitável. Estes, por sua vez, acreditavam

"numa ident idade portuguesa 'natural' , legível na t radição , peran te a

qual a ún ica at itude po lít ica legít ima era a de uma cont ínua

morigeração , ist o é, uma permanente vigília cont ra a inovação

cont ranatura (nas leis, nos costumes, nos t rajes) e de um constan te

esforço de repr ist inação de uma ident idade - racial, cultural e po lít ica

- p r imeva, a do 'est ilo severo por tuguês an t igo '" 98.

O iluminismo luso nasceu da união de pessoas que representavam uma

corrente de idéias - ainda em formação, quando do reinado de D. João V - "visceralmente

hostil ao provincianismo cultural e político, ao império da escolástica e ao terrorismo

inquisitorial"99, características do casticismo. A partir daí, ensaiaram-se as tentativas de

penetração deste pensamento no seio da sociedade portuguesa, com base em reformas nas

ciências, na educação, na medicina e na justiça. Neste processo destacaram-se, por um lado, a

Academia Real de História Portuguesa (fundada em 1720), que incentivava a pesquisa e o

progresso em diversos campos do conhecimento, como as artes, engenharia e medicina; e, por

outro, os oratorianos no campo da educação100, quebrando o monopólio jesuítico, porém não

o eclesiástico.

No plano econômico, o governo pombalino optou pela adoção de uma política

mercantilista de caráter monopolista. Para livrar Portugal do jugo do comércio inglês e

recuperá-lo do baque sofrido com a queda da produção aurífera brasileira, Pombal investiu no

equilíbrio da balança comercial através do incremento das exportações e controle das

97 Marques, op . cit ., v. 1, pag. 403. 98 H is tória de Portug al , vo l. 3, pag. 19. 99 Falcon, A É poc a ..., pp . 203-204. 100 O prest ígio dos orator ianos, devemos lembrar , vinha já desde o reinado de D . João V.

Pombal perseguiu a congregação do O ratór io devido à sua oposição ao regalismo.

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importações - procurando, para suprir a escassez de bens industrializados da Inglaterra,

incentivar a indústria nacional. Pombal também recorreu à constituição de companhias de

comércio privilegiadas (Companhia do Oriente, fundada em 1753; do Grão-Pará e Maranhão,

em 1755; de Pernambuco e Paraíba, em 1756) para reforçar o comércio com as colônias e

reestruturar o sistema colonial que, como foi notado, achava-se abalado desde o fim do

reinado de D. João V101.

O mercantilismo monopolista adotado por Pombal deve ser entendido no seio

do processo de incremento do poder do Estado encetado pelo Marquês. Devido a este caráter

do desenvolvimento econômico, o Estado tornou-se parceiro comercial por excelência, o que

fica patente no caso das companhias de comércio, onde são firmadas alianças entre o Estado e

o capital burguês mercantil, notadamente cristão-novo.

Contudo, na segunda metade do século XVI I I os orator ianos realmente ob t iveram êxito no magistér io .

101 Marques, op . cit ., v. 1, pp . 386-387.

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- . . .E Su bju g ar as O po s iç õ e s .

Como temos demarcado, as ações concretas de Pombal, no sentido de realizar

a inserção de Portugal no concerto das nações do século XVIII, são de reafirmação do poder

real, reorganização do Estado e recrudescimento dos laços coloniais, através de uma maior

circulação comercial e arrecadação fiscal102. Para tal empreitada, Pombal devotou-se à

eliminação de qualquer oposição ao fortalecimento do poder real, fosse ela oriunda de pessoas,

grupos ou instituições, servindo-se de diversas estratégias, que às vezes chegavam à rude

violência. Na esfera da política interna Pombal empenhou-se sobretudo em três frentes de

ação, visando a nobreza, o clero e a burguesia mercantil.

A mais imediata batalha de Pombal foi travada contra a aristocracia senhorial.

Este setor da nobreza, tradicional porque possuidor de antigas linhagens que remontavam à

mais pura nobiliarquia lusitana, estava diretamente ligado à posse da terra e dos mais altos

cargos administrativos e eclesiásticos. Devido a esta predominância, este grupo veio sofrendo,

desde o início do período pombalino, uma política sistemática de humilhações e intrigas por

parte do Marquês, que esperava apenas uma oportunidade para dobrar definitivamente tão

incômodos adversários.

Assim foi com a campanha contra os "puritanos", setor fechado da alta

nobreza que prevalecia-se da pureza de sua linhagem, atestada pelo fato de que estavam todos

ligados ao Santo Ofício através da familiatura, o que, devido aos meticulosos exames

genealógicos exigidos era prova de "limpeza de sangue", além de oferecer ao seu titular grande

status social e privilégios comuns ao cargo103. Alexandre de Gusmão porém, mostrou através

de pesquisas genealógicas, que até mesmo este grupo não estava livre de possuir em suas veias

102 Falcon, A É poc a ..., pag. 374. 103 D aniela Buono Calainho , E m N ome do Santo Ofíc io , D isser t ação de Mest rado

apresen tada à Universidade Federal do Rio de Janeiro , 1992, pag. 31.

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sangue cristão-novo, pondo assim por terra a arenga de pureza genealógica feita pelos assim

chamados "puritanos"104.

Há, entre os estudiosos do período pombalino, quem explique esta campanha

contra a nobreza tradicional através dos rancores de um passado ligado à pequena nobreza,

por parte do Marquês105. Todavia, por trás deste rancor de classe, deve ser lembrado o fato de

que a aristocracia tradicional, desde o início do reinado de D. José, votou contra o Marquês

reformador e seus colaboradores uma indisfarçada hostilidade, na medida em que as reformas

em prol do reforço do poder do rei iam direto contra a autonomia e prestígio político que

desfrutavam tais nobres106. Por outro lado esta nobreza, que governava Portugal através da

corte, do sistema educacional e dos privilégios no comércio com o Brasil, apresentava-se agora

como opositora a Pombal. Este, por sua vez, era um baluarte da promoção, ainda que um

tanto tardia em relação ao resto da Europa, da burguesia, na opinião de José Augusto

França107.

Porém, como foi assinalado, Pombal esperava uma oportunidade para

desfazer-se do incômodo que esta nobreza senhorial trazia. A chance veio através de um

atentado que feriu o soberano em 1758 - afastando de vez D. José das decisões do reino e

oferecendo a Pombal uma oportunidade ímpar de aplicar profundo golpe na nobreza. Após

rumoroso processo que passou à história como o "dos Távora", e que durou três meses, foram

levados ao cadafalso o Duque de Aveiro, a Marquesa e os Marqueses (pai e filho) de Távora, o

Conde de Autouguia e diversos serviçais das casas de Aveiro e Távora, uma vez que Pombal

conseguira implicá-los no crime de lesa-majestade. Além disso, diversos outros nobres foram

presos ou fugiram, por causa das repercussões do caso. Ao ceifar a fina-flor da aristocracia

tradicional em espetáculo sangrento em praça pública, Pombal consegue dobrá-la. E

aproveitando a oportunidade oferecida pelo processo, procurou implicar os jesuítas no

complô, o que não se sustentou por absoluta falta de provas108. A nobreza de corte que restara

104 Falcon, A É poc a ..., pags. 325 e 377. 105 Como é o caso de uma b iógrafa de Pombal. Ver August ina Bessa-Luís, Sebas tião Jos é ,

Rio de Janeiro , N ova Fronteira, 1990. 106 Falcon, A É poc a ..., pag. 377. 107 José Augusto França, Lis boa Pombalina e o I luminis mo , Lisboa, Livrar ia Bert rand,

s.d ., pags. 228 e 232. 108 Marques, op . cit ., v.1, pag. 418; Visconde de Carnaxide, O Bras i l na Adminis traç ão

Pombalina , São Paulo / Companhia E ditora N acional; Brasília/ Inst ituto N acional do Livro , 1979, pag. 11 e Falcon , A É poca ..., pp . 377 ss.

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de tal expurgo, segundo um irado Visconde de Carnaxide, "incensava o Conde de Oeiras com

baixa e servil bajulação", mostrando assim sua submissão a Pombal109.

Tal golpe na nobreza tradicional da dinastia de Bragança foi sucedido pela

promoção de uma nobreza renovada, oriunda dos escalões de funcionários burocráticos, mais

aptos ao novo estilo e ritmo do Estado pombalino; da pequena nobreza,de onde o próprio

Pombal saíra, devemos lembrar, e dos setores mercantis. Inclusive, um indício significativo da

nova importância da burguesia mercantil no jogo de poder é o enobrecimento da atividade

comercial, firmado em alvará de 1757110.

A nobreza tradicional foi decaindo em importância e prestígio, e Pombal

encarregou-se de perseguir e dizimar os dois grupos que ainda possuíam alguma força: os

fidalgos rurais -muitos deles voluntariamente exilados no campo, por ocasião das perseguições

movidas por Pombal - e a aristocracia envolvida com negócios e cargos ultramarinos. Desta

forma, assistiu-se a uma ampla renovação dos quadros aristocráticos, durante o reinado de D.

José. Nos vinte e sete anos que durou tal governo, foram outorgados 23 títulos novos, e

extintos outros tantos. Segundo Oliveira Marques, "de uns 70 títulos existentes em 1750,

foram renovados 23"111.

Outra frente da ação pombalina consistiu nos embates contra o clero. Dado o

peso da Igreja, dominante em todos os campos da sociedade portuguesa, era de se esperar a

ocorrência de tal conflito. Afinal, a autonomia do clero e o sucesso de sua atuação, presente

com eficácia desde os mais microscópicos níveis da sociedade, como as comunidades e

famílias, até o âmbito das relações internacionais, devia-se aos diversos privilégios que possuía,

e que lhe valiam posição preponderante na estrutura social portuguesa. O poder da Igreja

chegava a tal ponto que sobrepujava, em termos de identificação, o da nacionalidade:

" 'Português' e ' cató lico ' to rnam-se (...) iden t idades inseparáveis. Mas,

como os meios de produção da iden t idade cató lica eram muito mais

eficazes e abrangentes do que os mecanismos de produção de uma

109 Carnaxide, op . cit ., pag. 15. 110 Colec ção das Le is , D ec re tos e Alvarás que Compre ende m o Fe liz Re inado de l Rey

Fide lis s imo D . Jos é I N os s o Senhor, Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1771, tomo I .

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id en t id ad e gen t ílica (nationalis) o u r e in íco la , o q u e se p assava e r a q u e ,

d e fa t o , a cat o lic id ad e m in ava co n t in u am en t e es t as ú lt im as" 112.

O clero possuía grande autonomia, advinda de sua elaborada e rígida rede

organizacional. Contava com justiça própria, isenções fiscais, isenção do serviço militar; suas

propriedades eram consideradas locais de imunidade, para efeitos de justiça comum. A Igreja

era, por sua vez, extremamente rica, dominando terras e cidades, como propriedades

eclesiásticas ou como senhorios, na Metrópole e nas colônias; dominava a educação,

moldando "as formas de pensamento características da ideologia dominante", que continha a

marca do clericalismo113. Somado a estes fatores, vem o fato de que a alta cúpula do clero

constituía-se num "braço" eclesiástico da aristocracia, uma vez que a grande parte dos seus

membros originava-se de casas nobres, continuando, assim, em uma outra esfera, os embates

de Pombal contra esse grupo114.

Para reduzir a influência do elemento clerical e manietá-lo ao seu esquema de

poder, Pombal fez uso de um regalismo exacerbado, que reafirmava as prerrogativas do

monarca como mantenedor do bem estar espiritual dos seus súditos. Na própria

documentação real, o soberano apresenta-se como "protetor e defensor" da Igreja nos reinos e

senhorios de Portugal, colocando o Trono acima de todas as outras instituições, enquanto

guardião da paz e bem-estar social, afirmando que

" ...como Rei, Senhor Soberano , que na t emporalidade não reconhece

na t erra superior , toda a livre independência, sem a qual nem a

Monarquia, nem a sociedade civil dos povos, que à s ombra do trono

devem g ozar de tranqüi lo s o s s eg o , nem ainda o mesmo estado

eclesiást ico puderam até agora, nem poderão subst ituir ..." 115.

A questão, aqui, era de secularização do poder. Havia que se defender a

autonomia da Coroa face à Igreja, cujo poder era imenso. O que estava em jogo, então, era a

rejeição a uma "concepção sacral da sociedade, isto é, a visão da sociedade civil à imagem e

111 Marques, op . cit ., v. 1, pp . 396-397. 112 H is tória de Portug al vo l. 3, pag. 21. 113 Cit ação de Falcon , A É poc a ..., pag. 81. Ver t ambém H is tória de Portug al, vo l. 3,

pag. 287. 114 E n t re 1701 e 1750, cerca de um terço dos filhos da nobreza, t an to homens quanto

mulheres, ingressava na vida eclesiást ica. Ver H is tória de Portug al, vo l. 3, pp . 366-367.

115 Lei de 2/ 04/ 1768, in Cole cção das Le is ..., t omo I I . G rifo meu.

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semelhança da sociedade eclesiástica (...) a visão do Estado como braço secular da Igreja"116.

Tratava-se, em outras palavras, do processo de secularização da sociedade temporal, da

redefinição das relações entre sacerdotium e imperium, com a proeminência e tutela deste

último sobre o primeiro.

O regalismo pombalino, de pleno acordo com sua práxis política, visava retirar

o máximo possível da influência do papado sobre a Igreja portuguesa, subordinando-a

diretamente à tutela da Coroa. Este processo levou, inclusive, a episódios extremos como a

expulsão do Núncio Apostólico de Portugal e, conseqüentemente, à ruptura de relações com a

Santa Sé, em 1760. Este regalismo por pouco não acarretou a constituição, em Portugal, de

uma Igreja nacional de direito (porque o foi de fato), que fosse submetida ao rei e

independente administrativamente do papado. O estudioso António Leite atribui tal regalismo

a uma influência da política religiosa de Inglaterra, onde Pombal estivera a serviço dos

negócios portugueses, entre 1738 e 1744, bem como à influência do Jansenismo, corrente

contrária à dos jesuítas, a quem acusavam de laxismo moral. Os jansenistas também eram

adeptos de doutrinas regalistas, sendo hostis ao papado117.

Os fatos evidenciam a estratégia do primeiro-ministro de D. José, que era de

eliminar a influência e autonomia política do clero em seu sentido mais amplo, imprimindo um

ritmo mais intenso ao processo de secularização do Estado português. A idéia de Pombal era

submeter de fato a Igreja à Coroa, o que encontra interessante marco na elevação do Tribunal

do Santo Ofício à categoria de Majestade, através do Alvará de 20 de maio de 1769, que

eqüivaleu à total submissão da Inquisição como aparelho de Estado118.

Para esvaziar o poder do clero, Pombal procurou dividi-lo internamente,

investindo nas rivalidades entre as ordens religiosas;fortaleceu o poder do episcopado em

detrimento de sua obediência à Roma, subordinando-o à Coroa através de nomeações régias;

procurou esvaziar financeiramente a Igreja (vide o confisco de bens da Companhia de Jesus,

após sua expulsão de Portugal), o que seria providencial face ao estado combalido em que se

achavam as finanças da Coroa; suprimiu em grande parte a abrangência do sistema

116 José Sebast ião da Silva D ias, "Pombalismo e t eor ia po lít ica" in Cultura, H is tória e Fi lo s o fia , vo l. 1, 1982, pag. 48.

117 Leit e, op . cit ., pp . 38-43. 118 Cole cção das Le is ..., t omo I I .

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educacional religioso, retirando primeiro aos jesuítas, e depois aos eclesiásticos em geral, o

monopólio da educação e cultura em Portugal, entre outras medidas119.

A última frente de ação diz respeito à burguesia mercantil, que Pombal tratou

de promover. A promoção desta parcela da sociedade estava ligada diretamente ao esforço

pombalino para retirar a economia portuguesa do jugo inglês, consolidado pelo tratado de

Methuen (27/ 12/ 1703), em que Portugal comprometia-se a fornecer, com exclusividade,

vinhos em troca da mesma exclusividade na compra dos bens manufaturados ingleses120. O

tratado dava o monopólio de tráfico e carregamento à marinha britânica, que influía mesmo

nas viagens entre os portos portugueses, tornando Portugal e suas colônias uma grande

feitoria britânica121.

A ação prática de Pombal consistiu em reduzir ao máximo possível o poderio

comercial inglês, através de restrições as mais diversas. Incentivou e protegeu a indústria lusa,

cujo desenvolvimento, originado com a crise econômica de finais do século XVII e guiado

principalmente pelo pensamento colbertista de Duarte Ribeiro de Macedo, em seu Discurso

Sobre a Introdução das Artes no Reino (1675), foi porém cerceado graças ao fim da crise

econômica (1692) e a descoberta de ouro no Brasil (1693-1695)122. Pombal procurou

incrementar o desenvolvimento das indústrias já existentes, como a dos lanifícios, e introduziu

em Portugal outras novas, como a de refino de açúcar123. No âmbito comercial, procurou

monopolizar o comércio interno e ultramarino, através da utilização da prática mercantilista de

119 Falcon, A É poc a ..., pp . 407-408. 120 Colecç ão dos Tratados , Conve nç ões , Contratos e Atos Públicos Ce le brados E ntre

a Coroa de Portug al e as Mais Po tênc ias D es de 1640, Lisboa, Imprensa N acional, 1856-1858, 8 vo ls., vo l. 2, pp 192-207.

121 D iversos autores concordam em que o domínio inglês fo i um dos pr incipais mot ivos para as reformas pombalinas. Assim descreve o Visconde de Carnaxide: N ão fo i o impulso const rut ivo a mola que impeliu a quase to talidade dest as reformas. O que as determinou fo i o desejo de cort ar , aos ingleses, a in fluência que t inham sobre o nosso comércio , e aos jesuít as, o domínio que exerciam sobre a consciência pública , op . cit ., pag.2. Penso que, ao invés de jesuít as , ser ia mais acer t ado o uso da expressão

clero . O h istor iador João Lúcio de Azevedo t ambém at r ibui papel fundamental ao domínio inglês: Pôr t ermo a est a forçada vassalagem da nação ao comércio br it ân ico (...) fo i o pensamento dominante de Sebast ião José de Carvalho , na sua po lít ica econômica , É pocas de Portug al E c onômico , Lisboa, Livrar ia Clássica E ditora, 1973, cap ítulo VI I e pag. 432.

122 Marques, op . cit ., pp . 380-382. 123 Azevedo , op .cit ., pag. 432.

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companhias de comércio - isto tudo, como seria de se esperar, sob veementes reações de

comerciantes e diplomatas ingleses.

O que nos interessa, neste momento, é o fato de que esta política de Pombal

levou a uma ascensão da burguesia lusitana - mais sensivelmente em seu setor mercantil - que,

embora não tomasse aos estrangeiros a hegemonia do comércio exterior, passou a ter uma

importância que não tivera até então124. Dentro da estratégia pombalina, a burguesia mercantil

atuava como parceira do Estado, injetando capital (principalmente) nas companhias de

comércio. A burguesia, desta maneira, foi protegida e incentivada pelo Estado, o que pode ser

percebido através do alvará de 5 de janeiro de 1757, que eleva ao enobrecimento a atividade

comercial125. E, no âmbito desta proteção à burguesia, estava inserida uma política de

tolerância face a endinheirado setor que corria para o exterior, devido à acirrada repressão

inquisitorial: os cristãos-novos. É com o fito de proteger o elemento converso da burguesia

que Pombal lança mão de uma legislação protecionista, que será em momento oportuno

analisada. Por ora basta afirmar que esta legislação tem como marcos o Alvará de 2 de maio de

1768, que ordena a destruição das fintas dos cristãos-novos (que constituíam fator gerador de

infâmia e mácula genealógica) e a Carta de Lei de 26 de maio de 1773, onde é abolida a

distinção entre cristãos-novos e velhos126. Obviamente a segregação e o preconceito não

desapareceram, continuando presentes, embora de forma escamoteada, no cotidiano

português127. Vale notar apenas mais um fato significativo: esta legislação tolerante -

principalmente a lei de 1773 - ocorre justamente num momento em que a ascensão da

burguesia, inclusive com sua parcela cristã nova, gera fortes reações entre o setor aristocrático.

É Pombal, mais uma vez, a afrontar a nobreza.

Eis aqui, sumariamente expostos, os dados gerais e as linhas-mestras da ação

pombalina: submissão da nobreza e do clero, ascensão da burguesia, combate ao domínio

comercial inglês, combate à crise econômica. Para tamanho esforço, Pombal aumentou o

poder do rei - o que, no fundo, significava aumentar seu próprio poder - e

eliminou/minimizou quaisquer resistências.

124 Marques, op .cit ., pp . 400-401. 125 Cole cção das Le is ..., t omo I . 126 I dem, tomos I I e I I I . 127 Falcon, A É poc a ..., pag. 368.

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Podemos concluir, então, que a política pombalina, no afã de modernizar o

Estado português, procurou lançar mão, paradoxalmente, de elementos arcaicos, tais como o

mercantilismo colonial monopolista, e modernos - assim eram as idéias e a práxis iluministas

que guiaram o Marquês e seus colaboradores.

O mercantilismo e a ilustração - dois conceitos que, a princípio, soam

antagônicos - foram as pedras de toque da política pombalina de modernização, unindo o

arcaico ao moderno. E é nesse contexto que devemos inserir o progressivo controle da

Inquisição por parte de Pombal.

I I - PO MBAL, O S JESUÍTAS E A INQ UISIÇÃO

Vimos, em linhas gerais, o projeto regalista de Pombal em relação à Igreja.

Observamos algumas etapas deste processo, bem como umas poucas estratégias de ação do

Marquês, além de notarmos a enorme importância e peso do clero no Portugal que seria

reformado.

Encetaremos, doravante, a análise de dois aspectos cruciais da política

pombalina em relação à Igreja - análise esta que será de fundamental importância para que

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melhor se entenda a contextualização da visitação inquisitorial ao Grão-Pará. Os dois aspectos

que estudaremos são: a aniquilação da Companhia de Jesus, e a submissão do Santo Ofício ao

aparelho de Estado.

- Contra os Jesuítas

Bastante controverso, dentro da historiografia pombalina, é o

tema da campanha de aniquilação da Companhia de Jesus. E xistem diversas

explicações para os motivos de tal supressão, que variam de pesquisador a

pesquisador - nuances estas motivadas, inclusive, por filiações e posturas

ideológicas e religiosas.

Francisco Falcon enquadra a luta contra os jesuítas em uma

estrutura ampla, que abrange o nível polít ico-cultural-ideológico. Segundo

Falcon, a querela ant ijesuít ica expressa a rejeição ao domínio da Igreja - que,

como foi visto, t inha em seu corpo dirigente um "braço clerical" da

aristocracia - em todos os níveis, principalmente o polít ico. Representou

ainda o enfrentamento da "nova ordem" pombalina, secularizada e ilustrada,

contra a "velha ordem" lusa, clerical até a medula, t ípica do "atraso" em que

vivia Portugal:

"O combate an t ijesuít ico fo i a luta em pro l da afirmação de uma

autor idade real, civil, laica, sobre uma autor idade eclesiást ica que

viera at é en tão mantendo e ampliando sua in fluência e seu cont ro le,

dos mais completos por sinal, por in termédio de seus homens e de

suas idéias, sobre a sociedade e o E stado , moldando-os à sua

imagem, p lasmando-os segundo seus pr incíp ios, sua ideo logia, e

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m an t en d o v igilân c ia in cessan t e co n t r a t o d o s e co n t r a t u d o q u e se

co n s t it u ís se em am eaça a u m a t a l h egem o n ia" 128.

Seguindo, pois, as idéias de Falcon, conclui-se que o problema

era a eliminação do difusor de um modelo mental/ ideológico/ cultural

arcaico, que suprimia a possibilidade modernizadora em Portugal. Igualmente

digno de nota é o fato de que o E stado redefinia sua posição, impondo-se à

mentalidade dominante, fazendo com que os conflitos, paulat inamente,

crescessem em intensidade. E sta foi uma decorrência natural do processo de

secularização do E stado e sociedade lusos, iniciado ainda no reinado de D .

João V e enfat izado no reinado de D . José I .

Segundo o estudioso António Leite, o motivo da campanha de

supressão à Companhia de Jesus teria sido a

"oposição que sobretudo aqueles religiosos manifestavam cont ra as

idéias menos or todoxas, ou mesmo francamente heterodoxas dos

jansenist as e dos regalist as" 129.

Trata-se aqui, certamente, de resistência à polít ica do E stado

para com a Igreja.

A Companhia de Jesus, realmente, ramificava suas at ividades e

constituía-se em elemento de peso nos mais variados aspectos da sociedade

portuguesa. A começar por uma notável proeminência no campo da educação,

onde a ordem era senhora absoluta até 1708, ano em que, por concessão

régia, foi reconhecido às escolas oratorianas o mesmo s tatus desfrutado

pelos colégios jesuít icos. N ão obstante tal fato, o peso da Companhia de

128 Idem,pp . 424-425. 129 Leit e, op . cit ., pag. 53.

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Jesus n a ed ucação co n t in uava a ser p red o m in an t e n o P o r t ugal d o sécu lo

XVI I I . A o rd em co n t in uar ia, ain d a p o r algum t em p o , p lasm an d o a fo rm ação

cu ltu ral e in t elect ual d as elit es p o r tuguesas.

As reaçõ es m ais en érgicas - e efet ivas - ao gran d e p o d er d e fo go

d o s in acian o s n o que t an ge ao b in ô m io ed ucação / cu ltu ra t iveram lugar

d uran te o p er ío d o p o m b alin o . E m co n t rap o sição ao esquem a p ed agó gico

jesu ít ico , P o m b al ad o t a o Ve rdad e iro M é to d o d e E s tud ar, d o P e. An t ô n io

Vern ey (um ex-in acian o que en gro ssara as f ileir as d o O rat ó r io ), cu ja p ro p o st a

é d e um a ed ucação lib eral, eclét ica e cr ist ã - b em d e aco rd o co m a t em át ica

o rat o r ian a, e d ivergen t e d a jesu ít ica. F o i est e p r im eiro ch o que que ab r iu

p assagem p ara um co m b ate m ais efet ivo à Co m p an h ia. N as p alavras d e

F alco n , "o que est ava em jo go (.. .) era a quest ão d e sab er quem , af in al d e

co n t as, a I greja o u o E stad o , d et erm in ar ia o s m ét o d o s e o s co n t eúd o s d o s

p ro cesso s ed ucat ivo s" 130. E ssa ruptura representou a derrocada de um grupo

de intelectuais, sintonizado com a aristocracia senhorial, e que deveria ser

substituído por outro, mais de acordo com o novo perfil do E stado luso.

Falcon lembra a importância deste embate pelo controle da educação, pois

este consist ia "a base (...) da formação das mentalidades, mais ainda, da

formação dos intelectuais: os dois aspectos a serem transformados, uma vez

libertos da tutela dos jesuítas"131.

E foi a part ir do choque no campo da educação que o combate

ant ijesuít ico adquiriu maior extensão, part indo para outros aspectos - o

130 Falcon, A É poc a ..., pag. 209. 131 I dem, pag. 430.

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p o lít ico e o eco n ô m ico . N o que d iz r esp eit o a est e ú lt im o , a o rd em era um a

p o t ên cia d e p r im eira gran d eza. Seus b en s, en t re m ó veis e im ó veis, so m avam

cab ed al co n sid erável, t an t o n o rein o quan t o n as co lô n ias. N estas, in clusive, a

p ro sp er id ad e d a o rd em era m aio r ain d a, o que p o d e ser at est ad o p ela gran d e

quan t id ad e d e en gen h o s, fazen d as e ald eam en t o s co n t ro lad o s e exp lo rad o s

p elo s in acian o s132. Tal bonança material t razia, a reboque, considerável

influência polít ica - tanto no reino quanto nas colônias, obviamente. E m

Portugal, esta influência reflete-se no singular fato de que foi com a ajuda do

confessor real, pe. José Moreira - um jesuíta - que o futuro Marquês de

Pombal (então o ainda semi-obscuro Sebast ião José de Carvalho e Melo)

entrou, em 1750, para o serviço da Coroa133. N o Brasil, o poderio secular da

Companhia de Jesus é traduzido pelas queixosas palavras do governador do

estado do G rão-pará e Maranhão, Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ao

seu irmão - que era ninguém menos que o próprio primeiro-ministro de D .

José I . Furtado escrevera que os religiosos "se fizeram senhores absolutos

deste grande estado" e que "cada religião [i. e., ordem religiosa] destas forma,

em si mesma, uma república"134 emperrando, destarte, o progresso material e

a colonização daquela região. Já havia passado o tempo em que a milícia dos

Soldados de Cristo agia em sincronia com os interesses da Coroa portuguesa,

132 Um ligeiro parên tesis: no G rão-Pará do século XVI I I , destoando da pobreza geral dos colonos, encont ra-se a prosper idade das t er ras jesuít icas, cujas aldeias e fazendas eram as ún icas empresas a progredirem efet ivamente naquele r incão da co lônia. Apenas no G rão-Pará - onde a in fluência da Companhia de Jesus mais se fazia sen t ir -, à época da expulsão , em um levantamento parcial, os jesuít as possuíam 25 fazendas de gado , 3 engenhos e uma o lar ia (sem contar as rendas advindas dos aldeamentos). Cf. Manoel N unes D ias, "E st ratégia "pombalina de urbanização do espaço amazônico" in Como Inte rpre tar Pombal?, pp . 321-323. E ste aspecto da questão jesuít ica será analisado mais detalhadamente em capítulo poster ior .

133 H élio de Alcântara Avellar , H is tória Adminis trativa do Bras i l , D ASP - Cent ro de D ocumentação e Informát ica, 1970, vo l. V, pp . 18-19.

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co lo n izan d o alm as e t er ras: o s jesu ít as, n est es n o vo s t em p o s, t o rn aram -se

p er igo so s co n co r ren tes e ad versár io s d o E stad o lusit an o .

P o m b al en cet o u , en tão , um a guer ra sem quar t éis co n t ra a

Co m p an h ia d e Jesus que, d e aco rd o co m d iverso s estud io so s, t eve seu in ício

co m a resist ên cia ap resen t ad a, p o r p ar t e d o s in acian o s, ao T rat ad o d e Mad r i,

f irm ad o em 1750 co m a E sp an h a, e que d em arcava as f ro n t eiras ao su l d o

Brasil, e que ren d eu um co n f lit o arm ad o en t re o s d o is p aíses135. A part ir deste

episódio, nota-se o surgimento de uma polít ica de descrédito e

enfraquecimento paulat inos dos jesuítas. Assim é que Pombal procurará

implicar os inacianos em qualquer ato de desordem social, como os distúrbios

populares ocorridos no Porto, em 1757. Mas a querela só assumiu ares de

guerra declarada após a tentat iva de regicídio em 1758 - quando Pombal

tentou, infrut iferamente, ligar os inacianos ao atentado136.

A campanha nsist iu no emprego de uma legislação opressiva,

bem como no uso de uma incansável máquina de propaganda. E clesiást icos e

intelectuais ligados a Pombal produziram uma verdadeira enxurrada de cartas,

opúsculos, panfletos e livros onde atacavam a Companhia de Jesus de todas

as maneiras possíveis. O monumento maior desta campanha difamatória é

sem dúvida a obra int itulada D edução Cronológ ica e Analítica (1767-1768),

134 Marcos Carneiro de Mendonça (comp.), A Amazônia na É poca Pombalina, t omo 3ª, Rio de Janeiro , I H G B, s.d ., pag. 154.

135 Colle cç ão dos Tratados ..., vo l. 3. D ent re os estudiosos que concordam com a idéia de a resist ência ao t rat ado de limites est ar na gênese da querela an t ijesuít ica, ver a obra do Visconde de Carnaxide, já cit ada, pag. 16; Avellar , op . cit ., pp . 25-26; António Leit e, op . cit ., pag. 50.

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d e Jo sé d e Seab ra e Silva, cu ja au t o r ia, p o rém , é p o r vezes at r ib u íd a ao

p ró p r io P o m b al, co m a ajud a d e co lab o rad o res137.

N o campo das medidas de efeito mais imediato e prát ico, Pombal

ret irou aos missionários do N orte do Brasil - dos quais a esmagadora maioria

era de jesuítas - a jurisdição temporal sobre as aldeias indígenas, tolhendo-os

também dos benefícios advindos da intermediação do comércio com os

indígenas (o que significou minar economicamente a Companhia). N o mesmo

ano em que ret irava este poder aos jesuítas - para ut ilizarmos de maior

precisão, é no mesmo dia (6 de junho de 1755) -, Pombal inst ituiu a

Companhia G eral do G rão-Pará e Maranhão, com o fito de bloquear a

at ividade comercial dos religiosos, bem como incrementar a colonização e o

progresso material da região N orte do Brasil, cuja situação precária dera ao

seu governador motivos para tantas queixas138.

O próximo grande golpe ocorre também em terras do N orte

brasileiro - grande palco da rixa entre Pombal e a Companhia de Jesus,

justamente por ser este o local onde o poder desta últ ima mais resistências

opunha à Coroa portuguesa. Ao mesmo tempo em que tomou aos inacianos a

administração temporal dos aldeamentos indígenas, at ravés da lei de

6/ 6/ 1755, Pombal implementou uma polít ica de substituição do modelo de

organização social jesuít ico, que é manifestada através do D irectório dos

136 O Visconde de Carnaxide é quem t rata do assunto em termos de guerra declarada. Ver op . cit ., pag. 16.

137 D eduç ão Crono lóg ica e Analí tic a , dada à luz pelo D r . José Seabra da Silva, Lisboa, O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1767-1768, 3 vo ls.

138 Leis de 6 e 7/ 6/ 1755 in Colecç ão das Le is ..., t omo I .

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Ín d io s d o Grão -P ará e M aran hão 139. N este D irectório está o programa de

"saneamento" das antigas aldeias jesuít icas, a começar pelo seu próprio

s tatus : as aldeias devem ser t ransformadas em vilas, e devem ter o governo

entregue aos chefes indígenas, auxiliados "pelos juízes ordinários, vereadores

e mais oficiais de just iça"140; o uso da língua geral deve ser proibido, ficando

os índios obrigados a aprender o português - procurando acabar, assim, com

o monopólio da comunicação com os índios exercido pelos jesuítas 141, entre

outras medidas.

Após ret irar dos religiosos a administração temporal dos

aldeamentos indígenas - mão-de-obra cuja exploração levou a um conflito

protagonizado pelos inacianos, de um lado, e os colonos (representados por

Francisco Xavier de Mendonça Furtado) de outro142 -, Pombal, através de lei

de 3 de setembro de 1759, expulsa a Companhia de Jesus do reino de

Portugal e colônias, assegurando para o combalido erário real os bens

confiscados à ordem, que são

"Todos os bens t emporais consist en tes em móveis (não dedicados

imediatamente ao culto d ivino), em mercadorias de comércio , em

fundos de t er ras, e casas, e em rendas de dinheiros" 143.

Aquisição esta deveras importante, dada a riqueza dos inacianos

tanto em bens móveis quanto imóveis, e as dificuldades pelas quais passava o

tesouro real, esvaziado com o decréscimo da produção aurífera brasileira e

139 D irec torio que s e de ve obs e rvar nas Povoaç ões dos Indios do Pará, e Maranhão enquanto Sua Mag e s tade não mandar o c ontrário , Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1758. H á um exemplar inser ido em Colecç ão das Le is . . . , t . I .

140 I dem, pag. 1. 141 I dem, pp . 4-5. 142 Falcon, A É poc a ..., pag. 379. 143 Alvará de 25/ 12/ 1761, in Colecç ão das Le is ..., t . I I .

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co m as sucessivas d esvan tagen s ad vin d as d a d esigual r elação co m ercial an glo -

lusit an a que est ava, n as p alavras d e J. Lúcio d e Azeved o , "n o sign o d e

Met h uen " ; aliad o s a excessivo s gasto s d a p ró p r ia Co ro a lusa144.

Após a supressão da ordem em Portugal, Pombal começou uma

campanha junto ao papado - coadunada por França e E spanha - para

conseguir sua ext inção. Como o Sumo Pontífice, por motivos que punham em

jogo sua própria autoridade enquanto chefe da Igreja, mantivera-se surdo aos

rogos do Marquês, arranjou-se um pretexto para que fossem cortadas, por

parte de Portugal, as relações com a Santa Sé - que consist iu na recusa do

N úncio Apostólico em prestar homenagem ao casamento da infanta D . Maria,

em 1760. G raças ao ato de não acender as luzes de sua fachada em

comemoração às bodas da futura rainha (em protesto contra a polít ica

regalista e que vinha sendo prat icada), o N úncio fora expulso de Portugal,

acompanhado de uma "decorosa, e competente escolta militar"145, e as

relações com Roma foram rompidas.

D urante o tempo em que as relações com a Santa Sé ficaram

interrompidas, o próprio Marquês constituíra-se chefe da Igreja portuguesa,

sendo que as decisões pert inentes à vida religiosa passaram a ser de

competência do episcopado que, graças à polít ica regalista do primeiro-

minist ro josefino, estava subordinado à Coroa. Segundo J. Lúcio de Azevedo,

144 A expressão é o t ítulo do cap ítulo VI I de É poc as de Portug al E c onômico . Para a questão do confisco de bens como um paliat ivo para os apuros financeiros da Coroa lusit ana, ver pe. Manoel Antunes, "O Marquês de Pombal e os jesuít as" in Como Inte rpre tar Pombal?, pag. 132, e Carnaxide, op . cit . , pag. 59.

145 "Car ta que por ordem de Sua Majestade escreveu o Secretár io de E stado D . Luiz da Cunha ao Cardeal Acciaio lli para sair da cort e de Lisboa" (14/ 6/ 1760) in Colecç ão das Le is ..., t omo I .

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"a auto n o m ia religio sa d a n ação era, p o d e-se d izer , co m p let a, e o m in ist ro

o n ip o t en te, em tud o a ela r esp ect ivo , suger ia, in t ervin h a e d isp un h a" . O au t o r

lem b ra ain d a as r esist ên cias, p o r p ar t e d a p o p ulação e d e f ração d o

ep isco p ad o , a est a p o lít ica, em vir tud e d o fo r t e "esp ír it o ro m an ist a" a

im p regn ar o cat o licism o p o r t uguês, o que, co m t o d a cer t eza, fo i o

r esp o n sável p ela n ão cr iação d e um a I greja n acio n al em P o r tugal146.

N este meio tempo, enquanto exercia as funções de chefe da

Igreja portuguesa, Pombal cont inuava a agir em prol da ext inção da ordem

inaciana. Ignora, proscreve e anula, por lei de 6 de maio de 1765, o Breve

Apostolicum Pascendi , no qual Clemente XII I afrontava Pombal ao rat ificar

a Companhia de Jesus. N a lei, Pombal ordena rigorosas punições a quem siga,

possua o texto ou difunda o Breve147. E m 1766 os esforços diplomáticos de

Pombal junto às cortes de França e E spanha surt iram efeito, e as t rês

potências se uniram na campanha Adesão esta que, segundo Carnaxide, teria

custado uma considerável soma ao tesouro português148. Assim, as t rês Coroas

lançaram-se conjuntamente a uma formidável campanha diplomática junto a

Clemente XII I , que permanecia irredut ível. N este ínterim é publicada, em

Portugal, a célebre D edução Cronológ ica e Analítica, onde os jesuítas são

acusados - desde a sua entrada em Portugal - de todas as mazelas, atrasos e

desgraças que o país sofria, denunciando assim os erros em que incorriam os

146 J. Lúcio de Azevedo, O Marquê s de Pombal e s ua É poca , Rio de Janeiro , Anuár io do Brasil, 1922, pag. 286.

147 Lei de 6/ 5/ 1765 in Colec ção das Le is ..., t omo I I . 148 Carnaxide, op . cit ., pag. 18.

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"p erver t id o s e d ep ravad o s religio so s" (co m o P o m b al co m um en t e d esign ava o s

in acian o s)149.

D ada a inflexibilidade do papa, Pombal maturou a idéia de,

at ravés do uso de t ropas portuguesas, francesas e espanholas, forçar o

pont ífice a extinguir a Companhia de Jesus, conforme fica patente no

seguinte trecho:

"Como parece que será necessár io , (...) se reduzir a Cúr ia de Roma

pela via da força à razão , que dela se não pode esperar , já por meios

mais suaves: D evendo ocupar-se as t emporalidades do E stado

E clesiást ico e da Cidade de Roma, com as armas, como é muito

fácil..." 150.

Proposta que não encontrou eco nos aliados de Portugal. E m

1768, morre Clemente XII I . O novo papa, cardeal G anganeli (que assumiu em

1769 o nome de Clemente XIV), tomou a si o compromisso de ext inguir a

Companhia de Jesus, face às ameaças de não-reconhecimento de sua

autoridade por parte das três Coroas. D esta maneira, através da Bula

D ominus Redemptorum , de 21 de julho de 1773, ficava extinta a

Companhia, fundada em 1540 por Ignácio de Loyola.

As relações entre Portugal e a Santa Sé foram reatadas em 1769,

por ocasião do compromisso assumido por Clemente XIV. Segundo o

Visconde de Carnaxide, "o núncio Conti foi recebido no reino com

manifestações extraordinárias de regozijo, tanto oficiais, como espontâneas,

vindas do povo". E D . José, "liberto do susto de andar desgarrado da Igreja

149 Ofíc io do Marquês de Pombal (2/ 5/ 1759), BN RJ-SM, cod. 48,13,49. 150 Ofíc io do Conde de Oe iras a Aire s de Sá e Me lo (1767) apud Carnaxide, op. c i t .,

pag. 20.

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ro m an a" , co n fere a Seb ast ião Jo sé o t ít u lo d e Marquês d e P o m b al151.

Terminava, desta maneira, a breve experiência - ainda que não declarada - de

uma Igreja nacional portuguesa. Acabava também a Companhia de Jesus: a

princípio elemento importante na colonização, parceira do E stado, bast ião da

Contra-Reforma; posteriormente, incômodo adversário polít ico e econômico,

concorrente da Coroa na empreitada do comércio colonial. Representante do

poderio polít ico da Igreja, que a todo custo deveria ser reduzido e subjugado.

Resquício, também, de um tempo obscurant ista e de atraso - assim como a

Inquisição - que não t inha mais lugar no projeto pombalino de levar Portugal

às luzes do século, e ao progresso.

151 Carnaxide, idem, pag. 21.

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- In qu is iç ão e E s tado

Vim o s, em cap ít u lo an ter io r , o p ro cesso d e in st alação d o San t o

O fício em P o r tugal, co m suas im p licaçõ es so ciais , p o lít icas e eco n ô m icas.

D evem o s, p o r o u t ro lad o , lem b rar que ser ia p o r d em ais in gên uo

p en sar que a in st alação d o T r ib un al n ão en co n t ro u resist ên cias, quer em

P o r t ugal quer em E sp an h a. As vo zes co n t rár ias à in st alação d o San to O fício

fo ram silen ciad as p o r seu fo r t e ap arelh o rep ressivo : Ricard o G arcia-Cárcel

af irm a que, um a vez sup r im id as, p ela p ró p r ia I n qu isição , as cr ít icas

esp an h o las, r est aram o s clam o res d e au t o res est ran geiro s, viajan tes o u en t ão

p ro t est an t es em f ran ca cam p an h a an t i- in qu isito r ial152.

E m Portugal, as opiniões contrárias ao Tribunal foram mantidas

em segredo por seus part ícipes, geralmente diplomatas e indivíduos que

ultrapassaram os Pirineus. António José Saraiva destaca para o século XVII ,

além de Antônio Vieira, o Marquês de N isã (embaixador em Paris), Francisco

de Souza Coutinho (outro embaixador) e D uarte Ribeiro de Macedo (autor do

D iscurso Sobre a Introdução das Artes no Reino ) como opositores do

Tribunal e da perseguição por este movida contra os cristãos-novos como

atesta a correspondência destes personagens153. Também no século XVII foi

redigido um célebre documento, int itulado N otíc ias Recônditas do Modo

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d e P ro c e de r a Inq uis iç ão c o m o s s e u s P re s o s , d a au t o r ia d e P ed ro Lup in a

F reire, an t igo n o t ár io d o T r ib un al, o n d e são n ar rad o s o s p ro ced im en to s

carcerár io s d o San to O fício , co m o fo rm a d e d em o n st rar o r igo r e a crueld ad e

d o T r ib un al p ara co m o s Cr ist ão s-n o vo s. T al t ext o gero u in t en sas

co n t ro vérsias, n a m ed id a em que fo ra p ub licad o p elo gran d e ad versár io d o

T r ib un al, o jesu ít a An tô n io Vieira, que p ro vavelm en t e lh e d era um reto que

co m seu est ilo t o d o esp ecial - o que lh e valeu a at r ib u ição d a au to r ia d e t al

livro -d en ún cia154.

Porém, é no século XVIII que as crít icas se fazem sentir mais

fortemente. Influenciados pelas idéias iluministas, que viam a Inquisição e os

macabros espetáculos dos autos-de-fé como indícios da mais crassa barbárie,

foram surgindo escritos que materializavam as crít icas. N o pensamento

lusitano, a Inquisição, além de vista como um elemento de atraso cultural, é

também atacada na qualidade de um arcaísmo que entravara o progresso

material do país. Tais idéias encontram-se expressas no Testamento Político

de D . Luís da Cunha (escrito entre 1747 e 1749), nas Cartas de Luís Antônio

Verney155, e no D iscours Pathétique (1756) do Cavaleiro de O liveira, mais

tarde convert ido ao protestantismo e queimado em efígie pela Inquisição156.

Tais escritos revelam as idéias que grassavam entre alguns setores da elite

culta e esclarecida, principalmente entre os estrang eirados , que, graças ao

152 Ricardo G arcia-Cárcel, Oríg enes de la Inquis ic ión E s paño la , Barcelona, Península, 1976, pag. 17.

153 António José Saraiva, Inquis ição e Cris tãos -novos , Lisboa, E stampa, 1985, pag. 198. 154 Ver António José Saraiva, op . cit ., cap ítulo I V. 155 Ver Falcon , A É poca ..., pags 257 e 355, respect ivamente. 156 Saraiva, op . cit ., pag. 197.

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co n t ato co m id éias n o vas so b ret ud o em F ran ça e I n glat er ra t r aziam p ara

P o r t ugal um a o p in ião co n t em p o rân ea an t i- in qu isit o r ial.

P o r o casião d a ascen são d e D . Jo sé I ao t ro n o , a I n qu isição já

n ão d esen vo lvia suas at ivid ad es n o m esm o r it m o feb r il d e o u t r as ép o cas.

Ap esar d e ain d a t em id a p elo p o vo , so fr ia cr ít icas p o r p ar t e d e d iver so s

seto res d as elit es, e o n úm ero d e co n d en açõ es ia d ecain d o co m o p assar d o

t em p o . O s t r ib un ais d o San to O fício em P o r tugal, em seu co n jun t o - is to é,

Lisb o a, É vo ra e Co im b ra, f izeram o s segu in t es n úm ero s d e co n d en açõ es

d uran te o sécu lo XVI I I , at é a execução d o P e. Malagr id a, em 1761 - a ú lt im a

p en a cap it al ap licad a p ela I n qu isição lusit an a157:

157 D ados ext raídos de José Veiga Torres, Uma longa guerra social: os r itmos da repressão inquisito r ial em Por tugal in Revis ta de H is tória E conómica e Soc ial , 1, 1978, pp 66-68

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Condenados pelo Santo Ofício Português ao L ongo do Século

X V III

AN O S Lis bo a É vo ra Co im b ra T O T AL

1700-1709 538 262 336 1136

1710-1719 433 187 414 1034

1720-1729 450 221 549 1220

1730-1739 434 120 404 958

1740-1749 428 200 147 775

1750-1759 219 254 161 634

1760-1767 126 75 11 212

N o t am o s, ao an alisar o s n úm ero s d e co n d en ad o s, que est es

p o ssuem , ao lo n go d o sécu lo XVI I I , um a t en d ên cia d ecrescen te, in t er ro m p id a

p o r um a b rusca elevação n o s an o s d e 1720-1729, an o s d e b rusca reação d o

m o r ib un d o T r ib un al, p ara Jo sé Veiga T o r res, e esp ecialm en t e d if íceis p ara a

co m un id ad e cr ist ã n o va d o Rio d e Jan eiro e d as Min as G erais158. N o restante,

a queda de ritmo da at ividade inquisitorial é evidente, se acentuando

bruscamente durante o reinado de D . José I . Tal refreamento se manifesta

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co m m aio r fo rça, p r in cip alm en t e, d e 1760 em d ian t e, quan d o o San to O fício

já se en co n t rava sub m et id o ao Marquês d e P o m b al.

Co n tud o , m esm o que f ran cam en te d eclin an te e d esacred it ad a

face à so cied ad e euro p éia, a I n qu isição ain d a im p un h a t em o r e r esp eit o

p eran t e o p o vo p o r t uguês. Co n t in uava a servir co m o m eio d e co n t ro le so cial

e, n o en ten d er d e F alco n , "era um a in st it u ição que a m o n arqu ia n ão se

p o d er ia d ar ao luxo d e ext in gu ir " 159. Pombal não poderia prescindir do

Tribunal, devido a suas at ividades policialescas e sua bem organizada e

funcional estrutura. Adotou, aqui, uma via diferente da eliminação (a qual

usou contra os inacianos): preferiu a dominação lenta e segura, uma vez que

o Tribunal poderia ser-lhe ainda de muita valia.

Pombal via, como "estrangeirado" que era, o Santo O fício como

um fóssil do atraso, enquistado no seio de Portugal e at ravancando-lhe o

desenvolvimento. Suas idéias Pombal sobre o Tribunal, bem como as novas

atribuições que este teria, uma vez reformado, foram inspiradas em dois

autores e suas obras: o Cardeal da Cunha (no Testamento Político ) e Verney

(em suas Cartas ). Para o primeiro, a Inquisição era responsável pela penúria

de Portugal, uma vez que fora ela quem provocara a fuga da endinheirada

burguesia cristã nova, enriquecendo, assim, outros reinos; foi também o

Tribunal quem criou um clima de insegurança face aos possíveis invest idores

158 I dem, pag. 58. A respeito dos cr ist ãos-novos f luminenses, ver Lina G orenstein Ferreira da Silva, Inquis ição no Rio de Jane iro Se tece ntis ta: D isser t ação de Mest rado apresen tada à USP, São Paulo , 1993, especialmente pag. 153.

159 Falcon, A É poc a .., pag. 441.

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estran geiro s. A p ro f ilaxia reco m en d ad a p elo Card eal n ão é a d e ext in ção d o

T r ib un al, e sim sua r efo rm a p o is, n as p alavras d e F alco n , "h á o u t ras id éias

p o lít icas e r eligio sas que est ão a exigi-la" 160. À medida em que preconiza uma

polít ica de tolerância para com os cristãos-novos - segundo a qual o Santo

O fício perderia sua principal razão de ser, uma vez que fora instalado em

Portugal (não devemos esquecê-lo) por causa da questão judaica -, o Cardeal

afirma que a Inquisição deve se voltar para outras esferas de ação, como por

exemplo as idéias perniciosas ao E stado, agindo contra os "que abraçam

novas opiniões, ou errôneas ou herét icas"161. E prossegue:

"O s inquisidores são necessár ios para não deixarem ent rar em

Portugal a var iedade de seit as de que os out ros países são afligidos

pela liberdade que os homens t êm de ler e escrever , d iscursar e

impr imir o que cada um quer ou o seu vicioso juízo lhe insp ira, com

a desgraça de que t an to mais novas são as op in iões, t an to mais voga

t êm os livros que as t razem" 162.

Verney, por sua vez, também advoga uma polít ica de tolerância

para com os cristãos-novos, tendo em vista a sangria de capitais que estes

provocavam com sua saída de Portugal. Também associava o Santo O fício à

barbárie e atraso econômico/ cultural, e pedia a reforma do Tribunal, através

da promulgação de um novo Regimento, onde fosse subst ituído o processo

inquisitorial pelo comum, que providenciasse o fim dos autos-de-fé e sua

submissão ao poder civil, rogando diretamente ao Marquês de Pombal para

que este tomasse as rédeas da situação163.

160 Idem, pag. 257. 161 D . Luís da Cunha, Tes tame nto Po lí tico , São Paulo , Alfa-Ô mega, 1976, pag. 80. 162 D . Luís da Cunha, Ins truções Inéditas a Marco Antônio de Aze vedo Coutinho ,

apud. Falcon , A É poca ..., pag. 328. 163 Saraiva, op . cit ., pag. 201.

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O p ro cesso d e sub m issão d o San to O fício fo i en t ab u lad o em

d uas f ren t es: um a, a sub m issão d a I n qu isição ao p o d er d o rei, o que se

co ad un ava p len am en te co m a p o lít ica regalist a ad o tad a p o r P o m b al; o u t ra, a

sup ressão d a d ist in ção en t re cr ist ão s-n o vo s e velh o s, o u seja, a r et ir ad a d a

p ed ra d e to que d a ação in qu isit o r ial.

P o m b al to m o u d iversas m ed id as que iam co n t ra a d iscr im in ação

d o s co n verso s em P o r t ugal. E m it iu , em 1768, um alvará o rd en an d o a

ap reen são e d est ru ição d o s ró is co m o s n o m es d o s cr ist ão s-n o vo s que h aviam

co m p rad o p erd õ es e o u t ro s b en ef ício s ao rei - e que eram usad o s co m o

m at er ial d e d ifam ação gen ealó gica - , cu jo s o r igin ais fo ram d est ru íd o s,

r est an d o ap en as có p ias d e d úb ia co n f iab ilid ad e. D est a m an eira, são t ir ad o s o s

créd ito s a t ais ró is , t o rn an d o -se

" T o d as as lis t as igu alm en t e r ep r o vad as p o r D ir e it o , e in d ign as d e

t e r em o m en o r cr éd it o ; n ão só p o r aq u e les v ic io so s o r igin ais , d o n d e

p r o ced er am ; m as t am b ém p o r se r em t r es lad o s d e t r es lad o s , e

t e r ce ir as , q u ar t as , e q u in t a có p ias ext r aíd as sem fé ju d ic ial, n em

fo r m a d e ju ízo ( . . . ) ; a lém d e q u e h aven d o -se q u e im ad o o s m esm o s

v ic io so s o r igin ais , se r ed u z ir am as so b r ed it as có p ias a t e r m o s d e

f icar em im p o ss íve is as co n fe r ên c ias d e las" 164.

O referido Alvará proscrevia ainda a guarda e ut ilização de tais

listas, que deviam ser entregues ao E rário Real para serem destruídas "com

grande pesar dos eruditos", na opinião de A. J. Saraiva165.

164 Alvará de 2/ 5/ 1768 in Cole cção das Le is ..., t omo I I . 165 Saraiva, op . cit ., pag. 205.

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E m 25 d e m aio d e 1773 é d ad o o c o u p d e g râc e n as leis

d iscr im in ató r ias: at r avés d e Alvará em it id o d o P alácio d a Ajud a, é elim in ad a a

d ist in ção en t re cr ist ão s-n o vo s e velh o s, que h avia sid o in st it u íd a, segun d o o

t ext o , n o "go vern o in feliz d e E l Rei d o m H en r ique" p elo s sem p re p erver t id o s

e d ep ravad o s jesu ít as, que visavam tão so m en t e o fo m en t o d a d eso rd em

so cial166. Uma vez anulada a discriminação, o Alvará ordena a republicação e

execução das leis de D . Manoel (1 de março de 1507) e de D . João I I I (16 de

fevereiro de 1524), que proibiam tal dist inção, e manda reincorporá-las às

O rdenações do Reino. O Alvará também limita a extensão da infâmia dos

condenados, restringindo-a aos seus netos. Anula a legislação discriminatória

anterior e manda punir os que, de sua promulgação em diante, usassem a

expressão "cristão-novo", ordenando que tais pessoas

"Sendo eclesiást icas, sejam desnaturalizadas, e perpetuamente

ext erminadas dos meus reinos (...), como revoltosas e per turbadoras

do sossego público ; para neles não mais poderem ent rar : sendo

seculares nobres, percam pelo mesmo (cont ra eles provado) todos os

graus de nobreza que t iverem, e todos os empregos, o fícios e bens da

minha Coroa, e o rdens de que forem providos, sem remissão alguma:

e sendo peões, sejam publicamente aço it ados e degredados para o

Reino de Angola por toda a sua vida" 167.

E sta lei teve seu complemento em uma outra, datada de 15 de

dezembro de 1774, onde filhos, netos e até os condenados pela Inquisição

(desde que não fossem hereges impenitentes) eram declarados hábeis para

166 Alvará de 25/ 5/ 1773, in Cole cção das Le is ..., t omo I I I . 167 I dem.

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o cup ar cargo s p úb lico s - in clusive (iro n ia d as iro n ias) d en t ro d a p ró p r ia

h ierarqu ia in qu isit o r ial168.

Houve reações a estas leis, como casos de irmandades que

recusavam aceso aos ex-cristãos-novos. Mas ainda aqui a vontade pombalina

foi mais forte, obrigando as inst ituições recalcit rantes a alterarem seus

estatutos. Pombal conseguira varrer o preconceito da legislação - embora não

da práxis social onde, apesar de tamanho esforço, a mal-disfarçada

intolerância continuava a dar a tônica das relações pessoais -, abrindo o

caminho para a ascensão de uma rica burguesia mercantil. N as palavras de A.

J. Saraiva,

"O que sucedia é que os homens mais in formados e clar ividentes,

sobretudo aqueles que puderam 'abr ir os o lhos' no est rangeiro , se

davam conta de uma realidade que não era já a dos t empos de D .

João I I I e p rocuravam so luções adequadas à nova situação . O modo

de vida senhor ial, assim como a sua base econômica, t inham-se

to rnado subalt ernos e arcaicos num país cada vez mais dominado pela

burguesia mercant il, e a mentalidade burguesa t endia a sair da

clandest in idade para se to rnar dominante" 169.

Pombal, na tarefa de trazer a si o controle do Santo O fício, agiu

com sut ileza: procurou colocar pessoas a si submissas em cargos-chaves do

Tribunal. Uma primeva tentat iva foi a nomeação de D . José, filho bastardo de

D . João VI - meio-irmão do monarca, portanto - para o cargo de Inquisidor

G eral, no longínquo ano de 1758. D . José (o inquisidor) foi, porém, ret irado

do cargo em 1760, devido à sua recusa em se tornar um testa-de-ferro do

168 Lei de 15/ 12/ 1774 in Colec ção das Le is ..., t omo I I I . 169 Saraiva, op . cit ., pag. 201.

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P rim eiro Min ist ro d e seu real m eio -irm ão 170. Após a renúncia, e por um

interregno de dez anos, permaneceu vacante o cargo de Inquisidor G eral,

sendo o Tribunal gerido pelo Conselho G eral do Santo O fício, que contava,

entre seus membros, com a figura de Paulo de Carvalho e Mendonça, irmão

do Marquês de Pombal e que dirigia, a part ir do Conselho, o Tribunal de

acordo com os desejos de Sebast ião José.

Findo este intervalo, é nomeado Inquisidor G eral D . João Cosme

da Cunha: agostiniano, bispo de Leiria, arcebispo de É vora, cardeal, membro

do Conselho de E stado, Regedor das Just iças e pau-mandado do Marquês, D .

Cosme foi nomeado - única e exclusivamente por delegação real - em 1769,

permanecendo no cargo até 1783171.

Simultaneamente a este controle indireto do Tribunal, Pombal

lançou mão de todo um aparato legislat ivo a fim de enlaçar, de todas as

maneiras, o Tribunal e subordiná-lo de fato e de direito à Coroa. E m Lei de

1768 é criada a Real Mesa Censória, ocasião na qual é t irado à Inquisição o

poder de censura dos livros - que o Tribunal costumava usar inclusive no

sentido de coibir a entrada de escritos regalistas e laicizantes em Portugal.

O grande golpe, contudo, é dado com o Alvará de 20 de maio de

1769, que confere ao Santo O fício o t ítulo de majestade , com isso alçando-o

170 José Lourenço D . de Mendonça e António Joaquim Moreira, H is tória dos Princ ipais Ac tos e Procedimentos da Inquis ição em Portug al , Lisboa, Imprensa N acional/ Casa da Moeda, 1980, pag. 127.

171 Luís A. de O liveira Ramos, "A I nquisição pombalina" in Como Inte rpre tar Pombal?, pag. 113.

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à cat ego r ia d e T r ib un al Régio - co isa que, co m o vim o s, já aco n tecia d e fat o

h á algum t em p o . A argum en tação é surp reen d en tem en t e sim p les: um a vez que

o s t r ib un ais d a co r t e r ep resen tam a p esso a d o r ei,

" fo r am sem p r e , e são t r a t ad o s p o r M ajestade, e d e q u e sen d o o

Co n se lh o G er al d o San t o O f íc io u m d o s t r ib u n ais m ais co n ju n t o s , e

im ed iat o s à Min h a Real P esso a, p e lo seu in s t it u t o , e m in is t ér io . . ."

já que o monarca era o mantenedor do bem-estar espiritual dos seus súditos. A

seqüência é, então, lógica: cabe ao rei

"Por bem ordenar , que ao dito Conselho G eral se fale, escreva e

requeira por Majestade, como se prat icou sempre inalt eravelmente

com os do is Tribunais da Mesa de Consciência e O rdens, e da Bula

da Cruzada..." 172

O próximo passo foi dotar o Tribunal de um Regimento que

caracterizasse os novos tempos vividos. O Reg imento de 1774, segundo

Saraiva, "limita-se a legalizar e a sistematizar a situação já de fato criada"173.

As novidades introduzidas com este Regimento foram muitas: o processo

inquisitorial é substituído pelo da just iça comum; acabam os autos-de-fé

públicos; a pena de morte só pode ser aplicada com beneplácito régio; a

existência de pacto com o D emônio e, conseqüentemente da feit içaria são

negadas devido ao fato de não se acharem provas concretas de que o D iabo

aceitara o trato174.

D oravante, a Inquisição perseguirá, declaradamente, os inimigos

do E stado absolutista português: maçons, livres-pensadores, jesuítas - enfim,

172 Alvará de 20/ 5/ 1769 in Cole cção das Le is ..., t omo I I . H á t ambém um exemplar do Alvará em BN RJ-SM, cód. 25,2-9, doc. 63. E xpressões em it álico no or iginal.

173 Saraiva, op . cit ., pag. 206. 174 Cf. Reg imento do Santo Ofíc io da Inquis iç ão dos Re inos de Portug al , Lisboa,

O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1774.

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o s "h erét ico s d e f ilo so f ia" , cu lp ad o s d e cr im es d e o p in ião 175. É a razão de

E stado que guiará assumidamente a ação inquisitorial, como fica claro na

aplicação de torturas - proscritas no novo Regimento, mas aplicáveis nos

casos que afetem a estabilidade polít ica do reino176.

O Santo O fício, que com os jesuítas - sempre eles! - const ituiu o

maior pilar do atraso e do obscurant ismo em Portugal, estava domado. D ócil,

curvou-se à razão de E stado e se tornou um instrumento de implantação das

Luzes em Portugal - defensor, segundo Saraiva, da

"religião católica, concebida como um culto público expurgado de

toda a superst ição popular bem como de inquietação míst ica,

compat ível com o racionalismo laico , út il na medida em que

cont r ibuía para a un idade dos súditos, sob a égide do poder real

abso luto" 177.

E assim seguiu a Inquisição até 1821, fenecendo constante e

paulat inamente, claudicante fantasma de um sombrio passado, que já não

mais causava tanto medo ao povo.

175 A expressão se encont ra em Ramos, op . cit ., pag. 114. 176 Cf. Re g ime nto . . . , Livro I I , t ít ulo I I I , pp . 54-59. Para a reorien tação da at itude

inquisito r ial segundo a razão de E stado , ver Falcon , "I nquisição e poder: o Regimento do Santo O fício da Inquisição no contexto das reformas pombalinas (1774)" in Anita N ovinsky e Mar ia Luiza Tucci Carneiro (orgs.) Inquis ição , Rio de Janeiro / E xpressão e Cultura; São Paulo / E D USP, 1992, pp . 116-139.

177 Saraiva, op . cit ., pag. 207.

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CAP ÍT U LO 4

- A VISIT AÇÃO E M SE U CO N T E XT O -

I - G RÃO -P ARÁ: O CU P AÇÃO E CO LO N I Z AÇÃO

No século XVIII, o Pará foi objeto de muitos e importantes investimentos por

parte do governo pombalino. Nota-se, então, uma campanha definida para povoar e guardar

as terras do Norte do Brasil - que constituíam um todo à parte, no conjunto mais amplo da

administração colonial.

Área de inegável importância estratégica, a região Norte esteve sempre ligada a

conflitos e negociações de limites e fronteiras. Por outro lado, careceu de um povoamento

mais efetivo por parte dos portugueses, crescendo à sombra das fortalezas da região.

A história do Norte brasileiro, inclusive do Estado do Grão-Pará e Maranhão

bem como da região amazônica, de um modo geral, está diretamente relacionada à expulsão

dos franceses, que no século XVI haviam se instalado em terras maranhenses. Uma vez

combatidos e expulsos os franceses, liderados por La Ravardière, teve início a ocupação

portuguesa daquela região. Como a Amazônia era uma área despovoada, Alexandre de Moura,

comandante da operação de expulsão dos franceses, destacou uma tropa para ocupação

daquela região, limite natural entre as possessões de Portugal e Espanha178. Chefiados pelo

Capitão Francisco Caldeira de Castelo Branco, seguiram cento e cinqüenta homens, mais dez

peças de artilharia e três embarcações, acompanhados ainda de dois franceses que já

conheciam a região, servindo de pilotos auxiliares. Em 1616, a expedição erigiu, na baía de

178 Capist rano de Abreu, Capítulos de H is tória Co lonial , Belo H or izonte/ I t at iaia; São Paulo / E D USP, 1988, pp . 109-112.

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Guajará, uma casa forte, denominada Presépio. Estava dado o primeiro passo para a ocupação

do Pará179.

A partir deste primeiro núcleo, teve início um contato mais efetivo, por parte

dos portugueses, com os índios tupinambás - os quais, por sua vez, já tiveram relações com os

franceses, embora estes não fundassem um estabelecimento na área que viria a se tornar o

Pará. Castelo Branco procurava atrair-lhes a amizade e confiança, presenteando-os com

ferramentas, fazendas e outras utilidades. Contudo, a política portuguesa para com os índios

foi de submissão à força, respaldada pelo terror advindo de execuções massivas e violentas,

que afetaram a povoação indígena180. Castelo Branco fez, ainda , construir habitações

permanentes e uma igreja Matriz, projetando assim a cidade que foi posta sob a guarda

espiritual de Nossa Senhora de Belém.

Para a catequese dos índios e o provimento das necessidades espirituais dos

colonos, em 1617 chegaram ao Pará, oriundos da Província de Santo Antônio, um grupo de

franciscanos181. Liderados por Frei Antônio de Merciana, o grupo se instalou no sítio do Una,

dando início à evangelização dos índios.

Não obstante os esforços de ocupação, a região esteve sempre com a ameaça

de invasão a rondar-lhe a paz. O primeiro grande passo para a consolidação da conquista da

Amazônia foi dado pelo rei Filipe III, que institucionalizou o Estado do Maranhão em 1621.

Desligado do Governo Geral do Brasil, o Estado era composto das capitanias do Pará e

Maranhão, tendo capital em São Luís, núcleo fundador da antiga France Équinoxiale. Após tal

ato, observaram-se arremetidas contra os invasores holandeses, franceses e ingleses presentes

2 Sérgio Buarque de H olanda (dir .), H is tória Ge ral da Civi lizaç ão Bras i le ira , Rio de Janeiro , D ifel, 1985, T . I , vo l1, pp . 258-259.

180 Adler H omero Fonseca de Cast ro , Guerra e Soc ie dade no Bras i l Co lonial , D isser t ação de Mest rado apresen tada à UFF, N iteró i, 1995, pag. 194.

181 E mbora a pr imeira missão na região t enha sido franciscana, o p ioneir ismo na en t rada do G rão-Pará e Maranhão coube aos jesuít as, que se an teciparam até mesmo aos capuchinhos franceses que lá chegaram em 1612. O s indícios da presença jesuít ica remontam a 1607. Ver Car los de Araújo Moreira N eto , O s pr incipais grupos missionár ios que atuaram na Amazônia brasileira en t re 1607 e 1759 in E duardo H oornaert (coord.), H is tória da Ig re ja na Amazônia , Pet rópolis, vozes, 1992, pag. 63.

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na região, seguidas de um investimento em fortificações na área182. Terminada a União Ibérica,

D. João IV põe fim ao Estado do Maranhão, mas volta atrás em 1654.

Por carecer de uma colonização mais efetiva, a região foi alvo de continuadas

campanhas de estímulo à imigração por parte da Coroa. Nestas campanhas, levadas a cabo

através da divulgação de numerosos folhetos propagandísticos, o Pará e o Amazonas eram

apontados como alternativas para a Índia, sendo vistos como uma terra de promissão. O

Norte do Brasil despontava como local produtor de especiarias, graças à abundância do

gengibre, da canela e da pimenta; acreditava-se ainda ser possível encontrar metais preciosos;

outros fatores de atração eram suas terras abundantes e a natureza exuberante183. A

propaganda ressaltava as potencialidades agrícolas daqueles rincões, bem como a necessidade

de ocupá-los e aproveitá-los.

Malgrado não terem atraído as atenções de muitos colonos portugueses - a

ponto de ocupá-las como desejava a Coroa - as terras do Norte brasileiro tiveram expressiva

presença de missões eclesiásticas. Após os franciscanos, primeiros missionários a chegar na

Amazônia. chegaram as missões jesuíticas, que lá já haviam estado anteriormente.

O estabelecimento missionário definitivo dos inacianos no Pará ocorreu em

1636, quando Luís Figueira, que esteve na campanha de expulsão dos franceses, chegou a

Belém, vindo do Maranhão. Em 1640 chegam os mercedários, trazidos a convite do capitão-

mor do Pará, D. Pedro Teixeira, estabelecendo-se em Belém. De lá, prosseguiram suas

atividades nos rios Urubu e Negro. Estabelecidos em S. Luís em 1616, em 1627 os carmelitas

chegam a Belém, recebendo uma casa, doada pelo capitão-mor D. Bento Maciel Parente184.

A presença das missões religiosas foi, por um lado, de grande utilidade aos

planos da Coroa. Pacificando e catequizando os índios, os clérigos facilitaram a expansão do

domínio português e da colonização. Os missionários atentavam ao projeto da Coroa lusitana

182 Ver Manoel N unes D ias, E st ratégia Pombalina de urbanização do E spaço Amazônico in V.V.A.A., Como Inte rpre tar Pombal?, Lisboa/ Brotér ia; Porto / Livrar ia A.I ., 1983, pp . 301-302.

183 Ângela D omingues, Viag e ns de E xploraç ão Ge og ráfic a na Amazónia em Finais do Século XVIII , Lisboa, I nst ituto de H istór ia de Além-Mar, F .C.S.H .-U.N .L., 1991, pag. 12

184 Moreira N eto , op . cit ., pp . 67-96.

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de dilatar a fé e o Império. O monarca D. Pedro II, em 1680, chega a afirmar que o objetivo

de sua política amazônica era

Ao propagarem a fé mata adentro, os missionários levavam também a presença

do Estado português. Tal atividade, por outro lado, gerou problemas com os colonos brancos,

principalmente no que tange à questão da mão-de-obra indígena, como teremos oportunidade

de observar.

- A Polít ica Pombalina no Pará

Em 1750, início do reinado de D. José I, a situação do Norte brasileiro não

havia mudado em relação ao que era no século XVII. A conjuntura ainda se encontrava

agitada: além da assinatura, neste ano, do Tratado de Madrid, que anulava o Tratado de

Tordesilhas e redefinia os limites entre as possessões portuguesas e espanholas, a região ainda

tinha a ameaça de soldados, contrabandistas e salteadores ingleses, franceses e espanhóis a

tirar-lhe o sono186.

Os problemas de ocupação territorial que grassavam no século anterior ainda

continuavam: Portugal possuía uma vasta área, que não era controlada de fato. Escassamente

povoada, a região Norte possuía poucos núcleos de ocupação branca , portuguesa: além de

Belém, existiam ainda as vilas do Cametá, da Vigia, do Caieté e de Gurupá. Tal número de

povoações contrasta com a quantidade de aldeamentos religiosos: sessenta e três, ao todo.

Destes, dezenove foram fundados pelos jesuítas, quinze pelos carmelitas, nove pelos

franciscanos de Santo Antônio, sete aldeias dos frades da Conceição, dez aldeias dos frades da

Piedade e três aldeias dos Mercedários.

185 Anais da Biblio te ca N ac ional, vo l. 66, 1º par t e, Rio de Janeiro , 1948, pag. 53.

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A política pombalina para a região é encaminhada no sentido de implantar com

maior veemência a presença do Estado português na região. Tal objetivo visava ser atingido

através da (mais uma vez) promoção da colonização do Norte. Pombal também irá procurar

desenvolver economicamente aquela área de grande importância estratégica, o que minimizaria

os perigos de saques e invasões.

O Estado do Grão-Pará e Maranhão possuía autonomia própria em relação ao

resto do Brasil, e tinha uma administração desvinculada do vice-reinado brasileiro, estando em

ligação direta com a Metrópole.

Uma prova da importância da região dentro do plano político pombalino é o

envio, pelo próprio Marquês, de seu irmão ocupando as funções de Governador do Estado do

Grão-Pará e Maranhão, em 1751 - acompanhando a mudança da capital, de S. Luís para

Belém. Era época da demarcação de fronteiras, que foram estabelecidas pelo Tratado de

Madrid, bem como de reforço militar da região. Francisco Xavier de Mendonça Furtado chega

ao Pará com objetivos bem definidos: fazer um levantamento o mais amplo possível da

situação do Estado, e implantar as diretrizes pombalinas.

Os relatos a respeito da situação material paraense que chegavam até Pombal

não deveriam mesmo ser muito animadores. Área de ocupação predominantemente indígena,

o Pará, como vimos, contava com poucos núcleos portugueses de povoamento. A economia

estava baseada na coleta de gêneros do sertão, na pesca, caça, agricultura itinerante e em uma

pecuária rudimentar. A exploração das drogas do sertão, como o cacau, a baunilha, canela,

madeiras duras e resinas, era feita com o emprego da mão-de-obra indígena187. A economia

dos colonos paraenses era basicamente de subsistência, não havendo atividade econômica

multiplicadora de riqueza social. As famílias estavam entregues à própria sorte, carecendo de

mão-de-obra para a lavoura em tamanhas extensões de terra. Tão baixa produtividade se

refletia no estado de pobreza e miséria em que se encontrava a população. Esta situação se

encontra refletida na amargura presente nas linhas de Francisco Xavier, dedicadas a seu

poderoso irmão:

186 D ias, op . cit ., pag. 315. 187 D ias, op . cit ., pag. 307.

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Tais misérias, contudo, podem levar a algo mais grave: a perturbação da

própria ordem paraense. Este é um dos temores do governador, pois ele sabe que por causa da

penúria

O estado de pobreza contrastava violentamente com a prosperidade material

das missões religiosas na região. Empresas comerciais bem sucedidas, os aldeamentos

religiosos destoavam na paisagem geral da miséria paraense. As ordens religiosas tornaram-se

oásis de prosperidade naquelas terras tão desafortunadas.

Isto, devido ao fato - era esta a grande questão entre colonos e religiosos - de

as missões serem as grandes monopolizadoras da mão-de-obra indígena. A prática dos

descimentos - que significava, a princípio, trazer, por meios pacíficos e pela persuasão os índios

para o grêmio da Igreja e para a fidelidade ao rei de Portugal - revelou-se por demais lucrativa.

O processo de descimento incluía a pacificação e a mudança dos índios: do sertão para uma

comunidade onde todos vivessem sob a mesma fé, recebendo instruções doutrinárias e

trabalhando pela coletividade. Para conseguir tal intento, os missionários não mediram

esforços: penetraram a fundo na cultura e na religião destes povos, dominando-lhes inclusive a

língua - e neste mister ninguém foi tão hábil quanto os inacianos190. Tal prática, a princípio,

estava plenamente de acordo com a política de propagação da fé e do império adotada pela

Coroa lusitana.

Os problemas com os colonos começaram a surgir a partir do momento em

que a servidão indígena somente prosperava nas missões. Estas, por sua vez, assumiam

francamente seu caráter comercial. Nas palavras de J. Lúcio de Azevedo:

Os conflitos não tardaram a acontecer. Os próprios jesuítas chegaram a ser

expulsos da região do Pará em 1661, e as representações e queixas dos colonos eram

constantes. Porém o Regimento das Missões (1686), que marcou a volta dos inacianos ao

188 A Amazônia ..., pag. 84. 189 I d , ib id . 190 É de Luiz Figueira a Arte da Líng ua Bras í lica (1621), onde são desvendados os

segredos do tupi. Ver E duardo H oornaert , O breve per íodo profét ico das missões na Amazônia brasileira (1607-1661) in H is tória da Ig re ja. . . , pag.124.

191 J. Lúcio de Azevedo, Os Jes uítas no Grão-Pará , Coimbra, Universidade de Coimbra, 1930, pag. 235.

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Estado, lhes era plenamente favorável. O Regimento, segundo J. Lúcio de Azevedo,

entregava aos jesuítas não só o governo espiritual das aldeias, senão também o temporal e o

político 192. Os índios ficavam obrigados às aldeias, sem que possam delas sair para viverem

em outra parte por nenhuma razão que seja 193

Quase um século depois, Francisco Xavier de Mendonça Furtado se queixa das

conseqüências políticas destas medidas:

Este estado de coisas, segundo Francisco Xavier, estaria interferindo até

mesmo na ordem social. Uma vez que os religiosos não ensinavam o português para os índios,

preferindo utilizar a gíria inventada para confusão e total separação dos homens em notório

prejuízo da sociedade humana , isto é, a língua geral, os colonos por sua vez,

Além disso, os religiosos eram ainda acusados de obrar a falência dos

comerciantes particulares, a fim de ficar com o monopólio do comércio das drogas do

sertão196. Em suma, tamanha prosperidade incomodava muito o governo temporal, e todos os

males da região acabavam imputados aos jesuítas.

As medidas pombalinas não tardaram em surgir. O incremento à colonização

se manifestou na criação de povoações em locais estratégicos, próximos às regiões fronteiriças,

e às rotas fluviais - afinal, não devemos esquecer que estamos no período de demarcação de

fronteiras. Outra frente de ação foi o incentivo ao desenvolvimento das potencialidades

agrícolas e da pecuária. Francisco Xavier de Mendonça Furtado veio a incrementar as culturas

do algodão, anil, café, tabaco, arroz, cravo, pimenta e canela197.

Por esta época, conforme tivemos oportunidade de verificar em momento

anterior deste estudo, Pombal encontrava-se francamente empenhado em sua campanha de

derrocada dos jesuítas. Tal campanha acabou tendo desdobramentos também no Pará. O

192 Idem, pag. 187. 193 A Amazônia. . . , pag. 68. 194 I dem, pag. 66. 195 I dem, pag. 67. 196 I dem, pp . 72-73. 197 Ângela D omingues, op . cit ., pag. 14.

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Marquês tomou atitudes concretas e drásticas para acabar com o predomínio das missões - e

principalmente dos jesuítas no Estado - e na colônia, de um modo geral.

Uma destas medidas foi a lei de 6 de junho de 1755, na qual as aldeias

indígenas - que são parte do patrimônio da Coroa e, por força do Regimento das Missões

estavam sob administração dos religiosos - são requisitadas e governadas pelo poder civil198. O

baque foi duro, e gerou protestos dos religiosos - tanto formais, que se traduziram em petições

e representações, principalmente por parte dos jesuítas, quanto através do púlpito199.

Outra medida foi a instituição, no dia seguinte à lei de libertação dos índios, da

Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, criada com o intuito de desenvolver a região e

açambarcar o monopólio comercial religioso. Através do capital privado e estatal, a idéia

básica era incentivar o desenvolvimento urbano, econômico e social do Norte brasileiro - o

que ajudaria a promover também a burguesia comercial portuguesa, a quem Pombal tanto

prezava200. Tal empresa agiu em duas frentes: a primeira contra a influência dos religiosos nos

negócios seculares e no comércio, de um modo geral. A segunda, contra os mercadores

volantes estrangeiros, que estavam a serviço da Inglaterra. A criação da Companhia também

justificou e incrementou um maior investimento em segurança, uma vez que ela abriu novas

frentes de expansão capitalista e enriqueceu as rotas atlânticas201

A Companhia do Grão-Pará também tinha por finalidade agilizar as

importações e a entrada da economia do Estado do Grão-Pará e Maranhão no comércio

atlântico, o novo eixo do sistema colonial português202. A Companhia de Comércio também

serviria para agilizar a importação de escravos africanos, solução encontrada para o problema

da mão-de-obra indígena203.

198 Colec ção das Le is , D ec re tos e Alvarás que Compre ende m o Fe liz Re inado de l Rey Fide lis s imo D . Jos é I N os s o Senhor, Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1771, tomo I .

199 D ias, op . cit ., pag. 324. 200 Sobre a Companhia de Comércio , ver António Carreira, A Companhia Geral do Grão-

Pará e Maranhão , São Paulo , Companhia E ditora N acional, 1988, 2 vo ls. 201 D ias, op . cit ., pag. 332. 202 D ias, op . cit ., pag. 326. Ver t ambém Ângela D omingues, op . cit ., pag. 14. 203 Ver A Amaz ônia. . . , pag. 28.

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Grande golpe no poderio dos religiosos foi a promulgação, em 1758, do

Diretório dos Índios. Complementar à lei de 1755, o Diretório foi o golpe de misericórdia

no domínio dos religiosos sobre os indígenas. A partir de sua promulgação, os aldeamentos

seriam extintos, assim como uma série de medidas em relação aos índios foram tomadas. Uma

delas dizia respeito ao governo das aldeias: estas, daí em diante, deveriam ser governadas

pelos respectivos principais . Uma vez que estes ainda eram, segundo o Diretório, bárbaros,

incultos e incivilizados - em virtude, inclusive, do prolongado convívio com os religiosos - o

texto do documento manda que as aldeias - transformadas agora em vilas, e sujeitas à

administração direta da Coroa - sejam governadas por diretores nomeados pelo governador204.

Outra das determinações expressas no Diretório é a urgente integração do indígena no

conjunto da sociedade daqueles rincões, transformando-o em súdito e cidadão. Para tal, manda o

Diretório que se proíba o uso da língua geral, sendo esta substituída pelo português, ensinado

o mais rapidamente possível205. Habilita os índios a títulos honoríficos, considerando a

igualdade, que tem com eles na razão genérica de vassalos de Sua Majestade 206 e incentiva

inclusive o casamento de colonos brancos com as índias - uma forma inteligente de procurar

legitimar as relações inter-raciais entre os colonos e as índias207.

Os missionários, sob pesados protestos, se retiraram dos aldeamentos,

carregando tudo o que podiam de valor208. A ação do Diretório foi, posteriormente, ampliada

para o resto da colônia - sendo acompanhada pela expulsão, em 1759, dos jesuítas

Graças à injeção de capital advinda da Companhia Geral do Pará e Maranhão, a

Coroa enfatizou a defesa do Norte brasileiro, levantando fortalezas, que seriam também

núcleos de povoação. Estas fortalezas significavam um melhor patrulhamento da fronteira e

uma vigilância mais rigorosa sobre o contrabando para território de domínio espanhol. Um de

seus objetivos era também o de barrar o avanço dos espanhóis pela região de Mojos e pelo rio

Madeira, bem como vigiar os franceses, que desciam a costa atlântica vindos de Caiena209.

204 D irec torio que s e D eve Obs e rvar nas Povoaç ões dos Indios do Pará, e Maranhão em quanto Sua Mag es tade não Mandar o Contrario , Lisboa, na O fficina de Miguel Rodr igues, 1758, pag. 1.

205 I dem, pp . 3-5. 206 I dem, pag. 35. 207 I dem, pag. 36. 208 D ias, op . cit ., pag. 330. 209 I dem, pp 335-342.

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O fim do governo de Francisco Xavier de Mendonça Furtado não significou o

término dos investimentos da colonização na área. Pombal ainda manteria por muito tempo

seus olhos voltados para aquela região. Uma das evidências de tal atenção é o fato de ter sido

enviado para lá um visitador do Santo Ofício - que, a esta altura dos acontecimentos, era um

Tribunal já completamente submisso ao jogo de poder do todo-poderoso Marquês.

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I I AP O RT A O VI SI T AD O R

Corria o ano de 1763. Chega ao porto de Belém a nau que traria o novo

governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, D. Fernando da Costa de Ataíde Teive.

Com ele, chega o Pe. Giraldo José de Abranches. Esta era, para a sociedade paraense, uma

ocasião especial, de expectativas e ansiedades. Afinal, não é todo dia que chega um novo

governador. Muito menos, acompanhado de um visitador do Santo Ofício. Após um intervalo

de 143 anos, o Brasil voltava a abrigar tão alto emissário inquisitorial210. E quem era, afinal,

este visitador?

Giraldo José de Abranches nasceu no bispado de Coimbra, na freguesia de

Nossa Senhora da Natividade, e foi batizado em 21 de outubro de 1711, sendo filho de

lavrador. Cursou a Universidade de Coimbra entre 1731 e 1737, bacharelando-se em Sagrados

Cânones e exercendo a advocacia. Foi, posteriormente, nomeado comissário da Bula da Santa

Cruzada, Comissário do Santo Ofício, Provisor e Vigário Geral do Bispado de São Paulo,

onde passou pouco tempo, em virtude de desentendimentos com o bispo. Após sua saída de

S. Paulo, Giraldo se dirigiu a Mariana, em 1748. Lá, nosso visitador exerceu as funções de

Arcediago e, posteriormente, de Vigário Geral, sendo também Juiz de Casamentos e Resíduos.

210 A pr imeira visit ação t eve in ício em 1591, sob responsabilidade de H eitor Fur tado de Mendonça, abrangeu os est ados da Bahia e de Pernambuco, se est endendo até 1595. A

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Em 1752, envolveu-se novamente em confusões, desta vez com o bispo e o Cabido de

Mariana - ocasião em que, por ordem episcopal, ficou preso por três dias. Em 1754 volta a

Portugal. Morando em Lisboa, em 1760 pleiteou junto à Inquisição o cargo de Deputado do

Santo Ofício - o que conseguiu neste mesmo ano. Torna ao Brasil em 1763, em Belém, como

visitador inquisitorial, comissionado para visitar os Estados do Pará, Maranhão, Rio Negro, e

mais terras adjacentes - constando, contudo, através das denúncias e confissões, que tenha

permanecido enquanto visitador apenas em Belém211,

A cidade que recebeu Pe. Giraldo possuía, à ocasião, mais de dez mil

habitantes212. A população era composta por brancos, negros, indígenas e mestiços, sendo

marcantes a escassez de mulheres brancas e a abundância de militares na região. A cidade,

grande, de ruas bem alinhadas, casas alegres, (...) em pedra e alvenaria, além de igrejas

magníficas , dava ao visitante a impressão de estar na Europa213.

Uma vez desembarcado, o visitador se instalou no Hospício de S. Boaventura.

Dali, seguindo a praxis inquisitorial, apresentou suas credenciais às autoridades competentes:

o bispo, o ouvidor, representantes da Câmara, chefes militares. O visitador, ainda segundo o

costume inquisitorial, providenciou as provisões de nomeação dos seus assistentes mais

diretos: notário, meirinho e demais auxiliares - um solicitador e dois homens da vara214. Seu

próximo passo foi, uma vez montada a equipe da visita, se apresentar enquanto visitador,

como era recomendado no Regimento do Santo Ofício da Inquisição de 1640, então ainda

em vigor. Assim, em 20 de setembro de 1763, Giraldo José de Abranches se apresentou ao

bispo do Pará, D. Frei João de S. José Queiroz - o qual, como teremos oportunidade de

examinar, aguardava apenas o momento de regressar à Lisboa, sob o peso de graves acusações

segunda, a cargo do licenciado Marcos Teixeira, t eve seu campo de atuação limitado à Bahia, durando de 1618 a 1620.

211 Livro da Vis i tação ..., pp . 39-47. 212 D ias, op . cit ., pag. 363. 213 Q uem se sent iu assim t ransportado fo i Charles-Marie de La Condamine, que descreveu

t al sen t imento em sua Viag e m pe lo Rio Amazonas , Rio de Janeiro / N ova Fronteira; São Paulo / E D USP, 1992, pag.107.

214 E sta documentação se encont ra no Livro da Vis i tação do Santo Ofíc io da Inquis ição ao E s tado do Grão-Pará e Maranhão , t exto inédito e apresen tação de José Rober to do Amaral Lapa, Pet rópolis, Vozes, 1978, pp . 115-120.

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- e ao Senado da Câmara de Belém (três dias depois de sua apresentação ao Bispo). Ambos,

bispo e autoridades, segundo o ritual de praxe, leram as credenciais e se comprometeram, por

juramento, em ajudar o visitador. Mais uma vez, tomava forma o rito de sujeição das

autoridades principais ao Santo Ofício - uma característica da pedagogia inquisitorial, que

desta forma dava a entender que todos os poderes lhe estavam sujeitos, e a Inquisição tomava

a posse simbólica da sociedade215.

Em 25 de setembro de 1763, era feito o Auto de Publicação dos Editos da Fé e

da Graça, com o ritual prescrito no Regimento: procissão solene - com a presença das

principais figuras e autoridades locais - e sermão na igreja da Sé. Nesta ocasião, foram feitos os

juramentos das autoridades - governador e capitão-general, ouvidor, juiz de fora, vereadores,

escrivão da Câmara, alcaide, meirinhos e do povo, que também se submetia ao Santo Ofício.

Em todos estes juramentos, as pessoas se comprometiam a facilitar ao máximo o trabalho do

visitador, não obstruindo a ação do Santo Ofício e colaborando naquilo que fosse necessário.

Foram, nesta ocasião, afixados na Sé os Editos e o Alvará da visitação, que estava pronta para

começar.

215 Ver Francisco Bethencour t , Inquis ição e Contro le Soc ial , Lisboa, ex. mimeo, 24p .

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- E xplic ando a Vis i taç ão

Neste momento, cabe uma questão, que se faz cada vez mais premente: por

que a Inquisição teria enviado um visitador ao Pará, quando havia mais de um século que ela

abandonara tal expediente?216 E mais, por que justamente naquela região?

José Roberto do Amaral Lapa, que descobriu , na década de 1960, o Livro da

Visitação paraense no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa, afirma que o

desregramento moral da sociedade paraense poderia ter sido perfeitamente o motivo da

visitação . Segundo Lapa, a visita teria ainda a missão de verificar o alcance da influência

material e espiritual da Companhia de Jesus, bem como diminuir o suposto poderio

econômico dos cristãos-novos no Norte da colônia217.

As escassas denúncias - e inexistentes confissões218 - de práticas judaicas nesta

visitação constituem uma clara evidência de seu caráter pombalino. A hipótese de um controle

sobre o poderio econômico dos cristãos-novos no Norte não se sustenta, na medida em que

levamos em conta a política de incentivo e proteção de Pombal face aos cristãos-novos.

Empenhado em atrair o capital da burguesia cristã nova - inclusive, para empreitadas como a

Companhia Geral do Grão-Pará -, Pombal não mandaria um visitador para reprimir tais

pessoas, ainda mais quando lançava um aparato legislativo que tinha por finalidade eliminar a

distinção entre cristãos-novos e velhos, como foi visto anteriormente neste trabalho.

Por outro lado, somos levados a crer que a visitação ultrapassou a simples

verificação da influência material e espiritual da Companhia de Jesus, como afirma Lapa.

216 Q uanto ao abandono das visit ações, est e se deu na medida em que a rede administ rat iva de familiares e comissár ios do Santo O fício est ava consolidada. Ver Bethencour t , op . cit ., pag. 7.

217 Livro da Vis i tação ..., pp . 26-28. 218 Tal quant if icação será analisada em momento poster ior deste t rabalho .

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A Inquisição tem uma função normatizadora da ortodoxia a cumprir em terras

paraenses. Creio que a visitação não foi realizada tendo como finalidade a verificação da

influência jesuítica na região. A visita teve a função de substituir, face aos colonos e índios, um

modelo religioso. Uma vez que os inacianos - difusores da ortodoxia cristã tridentina - haviam

sido retirados da região, seu modelo religioso, que tanto desagradava às autoridades lusitanas,

foi substituído. Também tridentino, o catolicismo do Pará pós-jesuítico está ligado aos planos

da Igreja característica do período pombalino, de regime acentuadamente regalista. A

catequese seria redimensionada, bem como a organização das comunidades dos fiéis: uma vez

que os antigos aldeamentos foram elevados à categoria de Vilas pela administração pombalina,

estas foram paroquializadas. A catequese jesuítica - que soa tão hermética nas queixas dos

colonos e do governador Francisco Xavier M. Furtado por seu caráter segregacionista,

exclusivista e por não reconhecer língua e Estado portugueses, entre outras coisas -, é então

substituída por um outro modelo de evangelização, baseado nos moldes regalistas. Tal modelo

foi difundido de forma abrangente, não se restringindo apenas aos antigos aldeamentos

jesuíticos, mas também perpassando toda a sociedade. O que houve, por fim, foi a

substituição de um modelo religioso tridentino voltado para a ênfase da ortodoxia da fé, que

caracterizava os inacianos, por um outro, também tridentino, mas de cunho regalista,

direcionado para uma redefinição das relações entre Igreja e Estado - devendo a primeira estar

separada da administração política e submetida às diretrizes emanadas do trono.

Tal hipótese vem a ser confirmada pela presença, na região, de indivíduos

pessoalmente indicados pelo Marquês para ocuparem o trono episcopal - do mesmo modo

que acontecia com os membros do Conselho Geral do Santo Ofício, ou mesmo com o

Inquisidor Geral -, como o bispo D. Fr. João de S. José Queiroz, e o próprio visitador

inquisitorial, indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, então Secretário da

Marinha e dos Negócios Ultramarinos219.

A outra hipótese de Lapa - e que propositalmente deixamos por último - diz

respeito ao desregramento moral da sociedade paraense como principal motivo da visitação.

219 Livro da Vis i tação . . . , pag. 48.

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Com efeito, encontramos na correspondência de Francisco Xavier de

Mendonça Furtado um amplo descontentamento a este respeito. O governador se queixa,

sempre que pode, de que toda esta gente [a população paraense] é ignorante em ínfimo

grau 220. E afirma, desgostoso, que

Finalmente - cúmulo dos absurdos! - o governador denunciava a queda maior

da fé católica, afirmando que os índios não apenas estavam sem conversão, como

Tais situações de ignorância e relaxamento, contudo, não são privilégio

paraense. No que tange a este aspecto, as queixas sempre foram generalizadas na colônia, e

hoje possuímos uma vasta gama de estudos históricos a este respeito223.

Uma outra situação de confusão e relaxamento que, sem dúvida, atrairia muito

mais as atenções de Pombal, a ponto de este enviar à colônia uma tão anacrônica visitação, é a

do bispado paraense. Criado em 1719, sua história é marcada por confrontos doutrinários e de

jurisdição com as ordens missionárias; tais conflitos, invariavelmente, tinham como temática

principal a exploração da mão-de-obra indígena e a autonomia das missões, no que tange à

administração secular e à catequese dos índios224. Na época do governo pombalino, estes

confrontos recrudescem, principalmente contra os jesuítas. Os bispos, ligados a Pombal e por

ele indicados, tomavam o partido da Coroa no combate às missões religiosas, e agiam de

acordo com a política regalista preconizada por Pombal, que era no sentido de tolher o

poderio da cúria de Roma sobre a Igreja lusitana225.

220 A Amazônia ..., pag. 84. 221 I dem, pag. 321. 222 I dem, pag. 64. 223 N ão en t rarei aqui nos detalhes desta d iscussão . O leito r a encont rará melhor

encaminhada - e de forma mais abrangente - no excelen te estudo de E manuel Araújo , O Teatro dos Víc io s , Rio de Janeiro , José O lympio , 1993. Ver t ambém a t ese de Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apesentada à Universidade de São Paulo , 1991, 3 vo ls. Por f im, remeto o leito r à far t a obra de Luiz Mot t , que mapeia como poucos caminhos t ão sinuosos da moralidade brasileira colonial.

224 Carlos de Araújo Moreira N eto , Reformulações da missão cató lica na Amazônia en t re 1750 e 1832 in H is tória da Ig re ja. . . , pag. 228. Sobre estes conflitos, ver t ambém Jorge Couto , As visit as pastorais às missões da Amazônia: focos de conflitos en t re os jesuít as e o 1º b ispo do Pará (1724-1733) in Anais do X Simpós io N ac ional de E s tudos Mis s ione iros , UN IJUÍ , s.d ., pp . 231-249.

225 Ver Lana Lage da G ama Lima, A reforma t r iden t ina do clero no Brasil co lonial: est rat égias e limitações in Cong res s o Inte rnac ional de H is tória - Mis s ionaç ão Portug ues a e E nc ontro de Culturas , Atas, vo l I I , separata, Braga, 1993, pp . 548-549.

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O quarto bispo paraense, D. Fr. João de S. José Queiroz, chegou à região em

1760, ou seja, ainda no calor da expulsão dos inacianos. Antijesuítico, logo se envolveu nestes

acontecimentos. Sua prosa satírica e ferina, por outro lado, ajudaram-no a granjear inimigos,

os quais eram por ele ridicularizados em sermões e escritos em geral. Em virtude disto, o

bispo se encontrava imerso em uma rede de acusações e querelas, à época da chegada do

visitador. Em Lisboa o bispo era, entre outras coisas, acusado de extorsão226, e também de

sustar as obras da Sé. No Pará seria denunciado ao visitador, por seus inimigos locais, por

queimar papéis referentes ao Santo Ofício227.

Politicamente isolado e em desgraça, o bispo foi chamado de volta a Portugal

por Pombal, devendo regressar na mesma nau que trouxera o visitador. Através de provisão

régia de 27 de novembro de 1763, Giraldo foi nomeado Vigário Capitular, ocupando a Sé que

vacara com a partida de D. Fr. João de S. José Queiroz228.

Dono, por sua vez, de uma também tumultuada biografia - tendo se envolvido

em brigas em Mariana e São Paulo -, Giraldo permaneceu como bispo-inquisidor até 1772. O

fato de haver sido indicado por Francisco Xavier de Mendonça Furtado constitui forte indício

de afinidade entre o visitador e a política de Pombal.

Creio, então, que Giraldo, por ser uma pessoa vinculada ao projeto pombalino

- e por ter amizades de tanto peso, como o irmão do Marquês - tornou-se a pessoa

encarregada de implantar - enquanto visitador inquisitorial e bispo - o modelo do catolicismo

regalista de Pombal229, reestruturando a diocese e realizando as funções de controle social

inerentes à Inquisição. Mantinha-se, desta forma, o domínio pombalino sobre a diocese e a

formação de consciências.

A visitação, por sua vez, foi aqui utilizada claramente como um instrumento

político de vigilância e controle - uma vez que tal expediente já havia sido abandonado pelo

Santo Ofício há muito tempo. Pombal, senhor todo-poderoso também da Inquisição, foi

226 António Baião , E pis ódios D ramáticos da Inquis iç ão Portug ue s a , Lisboa, Seara N ova, 1973, vo l. 3, pag. 189.

227 I dem, pag. 192. 228 Livro da Vis i tação ..., pag. 56. 229 Sobre Igreja pombalina e t emas afins, remeto o leito r para o cap ítulo an t er ior deste

t rabalho .

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buscar esta prática, anacrônica para o século XVIII, devido ao grande peso simbólico e

opressor que uma visitação inquisitorial ainda possuía sobre o povo.

A hipótese de reorganização da diocese, por fim, ganha maior solidez na

medida em que constatamos que Giraldo permaneceu acumulando as funções de bispo-

inquisidor até 1772. Foi neste ano que chegaram a Belém o novo governador, João Pereira

Caldas, e o novo bispo, D. Fr. João Evangelista Pereira da Silva. A prolongada visita

inquisitorial tem seu último registro datado do ano de 1769; o inquisidor ainda permaneceu

por mais três anos no Pará, exercendo as funções de vigário capitular - o que nos dá uma idéia

da importância de sua permanência. No desempenho destas funções, contrariando seu

passado de confusões com os representantes do poder secular, Giraldo agiu sem grandes

atritos com o governador ou seus representantes230.

- Os Pecados de Be lém do Pará ante o Vis itador

Ao longo dos seis anos daquela que foi a mais demorada visita inquisitorial ao

Brasil, o visitador recebeu em sua sala, para confessar, denunciar ou fazer as duas coisas

simultaneamente, 46 pessoas. Uma quantidade muito pequena, se comparada com o volume

de denúncias/ confissões gerado nas visitações anteriores: nestas, o volume de culpas era tal

que as denúncias e confissões foram separadas em dois livros231. As apresentações da visita

paraense foram distribuídas da seguinte forma, através dos anos de sua ocorrência:

ANOS 1763 1764 1766 1767 1769

230 Livro da Vis i tação ..., pp . 56-58. 231 O leito r in teressado poderá consult ar os livros destas visit ações, que estão publicados.

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QUANT 22 14 06 02 02

Ao analisarmos o quadro de incidência de denúncias/ confissões por ano,

notamos que a maior parte de idas à Mesa inquisitorial ocorreu no primeiro ano da visita.

Destas 22 denúncias/ confissões, 21 aconteceram no período da graça - isto é, um mês após a

afixação do Edito da Fé, que iniciava a visita. Neste período, o Santo Ofício acenava com um

tratamento benévolo para os que confessassem seus pecados: isentava do confisco de bens, do

tormento e da pena capital232. O Edital da Graça fora afixado em 25 de setembro de 1769, e o

período da graça estaria em vigor até 2 de novembro de 1763.

Das 21 apresentações ocorridas no período da graça, notamos um fato digno

de relevo: 14 eram denúncias, e 9 confissões233. Tal característica pode ser vista como um

indício de que povo paraense demonstra, desta forma, um certo desconhecimento da regra do

período da graça, que concedia benesses para atrair confitentes, em busca da autodenúncia.

Também mostra um eficaz funcionamento da pedagogia intimidadora do Tribunal - que

levava as pessoas a procurarem a mesa da visitação para denunciar, mostrando-se, desta forma,

zelosos para com a Inquisição e a fé, bem como merecedores das boas graças do inquisidor -

precavendo-se contra possíveis denúncias contra si próprias. Este segundo fator pode,

portanto, ser interpretado como um indício da força que o Santo Ofício ainda possuía

enquanto instituição coercitiva; a pedagogia do medo inquisitorial ainda funcionava a contento, na

medida em que tantas pessoas iam espontaneamente denunciar, mal começada a visita234.

N o q u e t a n g e a o s e n v o l v i d o s n a v i s i t a ç ã o , p o d e m o s

c o n s t a t a r d i v e r s o s f a t o r e s d e s i n g u l a r i n t e r e s s e . U m p r i m e i r o

d a d o é o d a d i v i s ã o s e x u a l e d o e s t a d o c i v i l d a s p e s s o a s

r e l a c i o n a d a s n a v i s i t a . E n t r e d e n u n c i a n t e s , d e n u n c i a d o s e

232 Sônia Siqueira, A Inquis ição Portug ue s a e a Soc ie dade Co lonial , São Paulo , Át ica, 1978, pag. 196.

233 E stes números ocorrem porque 2 confit en tes t ambém procuraram a Mesa da I nquisição para denunciar .

234 Ver Bennassar , Modelos de la mentalidad inquisito r ial: métodos de su pedagogía del miedo in Ángel Alcalá (org.), Inquis ic ión E s paño la y Me ntalidad Inquis i torial , Barcelona, Ar iel, 1984, pp . 174-182

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c o n f i t e n t e s , n o t a m o s p r e p o n d e r a n t e p a r t i c i p a ç ã o m a s c u l i n a .

T e m o s , a q u i , 4 7 i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o ( 2 2 c a s a d o s , 1 8

s o l t e i r o s , 2 v i ú v o s e 5 s e m e s p e c i f i c a ç ã o ) , e 1 7 d o s e x o

f e m i n i n o ( 8 c a s a d a s , 4 v i ú v a s , 4 s o l t e i r a s , 1 s e m

e s p e c i f i c a ç ã o ) .

O s h o m e n s d e n u n c i a m - e t a m b é m c o n f e s s a m - m a i s

d o q u e a s m u l h e r e s ( s ã o 1 5 c o n f i t e n t e s d o s e x o m a s c u l i n o

c o n t r a q u a t r o m u l h e r e s c o n f i t e n t e s ) . E n t r e o s d e n u n c i a n t e s ,

s ã o 2 2 i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o c o n t r a 7 d o s e x o

f e m i n i n o . F o r a m d e n u n c i a d o s 1 7 h o m e n s e 6 m u l h e r e s - c o m

u m a r e s s a l v a : e x i s t e m d i v e r s o s c a s o s d e p e s s o a s q u e f o r a m

d e n u n c i a d a s m a i s d e u m a v e z , p o r d i f e r e n t e s d e n u n c i a n t e s .

E n c o n t r a m o s t a m b é m p e s s o a s q u e c o m p a r e c e r a m à M e s a

i n q u i s i t o r i a l p a r a d e n u n c i a r m a i s d e u m i n d i v í d u o , e p e s s o a s

q u e p r o c u r a r a m o v i s i t a d o r p a r a f a z e r c o n f i s s õ e s

a c o m p a n h a d a s d e d e n ú n c i a s . H á , p o r f i m , o u t r o d a d o d i g n o

d e r e l e v o : o s h o m e n s c o m p a r e c e r a m a n t e o v i s i t a d o r p a r a ,

m a j o r i t a r i a m e n t e , d e n u n c i a r o u t r o s h o m e n s . E n t r e e s t e s , 1 6

d e n u n c i a r a m o u t r o s d e s e u m e s m o s e x o p o r p e c a d o s d i v e r s o s ,

e n q u a n t o a p e n a s 6 d e n ú n c i a s m a s c u l i n a s s e d i r i g i r a m c o n t r a

m u l h e r e s . N o q u e t a n g e a o s e x o f e m i n i n o , t a l c a r a c t e r í s t i c a

s e r e p e t e : e n c o n t r a m o s 5 d e n ú n c i a s v o l t a d a s c o n t r a o u t r a s

m u l h e r e s , e a p e n a s d u a s c o n t r a h o m e n s .

T a l p r e p o n d e r â n c i a d o s h o m e n s p o d e s e r e n t e n d i d a

n a m e d i d a e m q u e l e v a m o s e m c o n t a a c a r ê n c i a d e m u l h e r e s ,

p r i n c i p a l m e n t e e u r o p é i a s , n a r e g i ã o ( e , p o r o u t r o l a d o , a

a b u n d â n c i a d e i n d i v í d u o s d o s e x o m a s c u l i n o , p r i n c i p a l m e n t e

d e v i d o a o f a t o d e a á r e a q u e t r a t a m o s s e e n c o n t r a r

f o r t e m e n t e m i l i t a r i z a d a , c o n f o r m e j á f o i a q u i r e f e r i d o ) .

Page 112: INQUISIÇÃO, MAGIA E SOCIEDADE Belém, 1763-1769 · PEDRO MARCELO PASCHE DE CAMPOS INQUISIÇÃO, MAGIA E SOCIEDADE Belém, 1763-1769 Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação

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R e p r e s e n t a n t e s d e t o d a s a s v a r i e d a d e s é t n i c a s d a

s o c i e d a d e p a r a e n s e c o m p a r e c e r a m d i a n t e d o v i s i t a d o r : s ã o

r e g i s t r a d o s b r a n c o s ( o s m a i s n u m e r o s o s e n t r e o s h o m e n s ,

q u e r c o m o d e n u n c i a n t e s o u c o n f i t e n t e s ) , n e g r o s , í n d i o s ( o s

m a i s d e n u n c i a d o s e n t r e o s h o m e n s ) , m u l a t o s e m a m e l u c o s .

E n t r e a s m u l h e r e s , o m a i o r n ú m e r o d e d e n u n c i a n t e s é

c o n s t i t u í d o p o r m u l a t a s , e a s n e g r a s s ã o a s m a i s d e n u n c i a d a s .

E n c o n t r a m - s e a i n d a m e s t i ç a s e c a f u s a s , e p o u c a p a r t i c i p a ç ã o

d e m u l h e r e s b r a n c a s - u m a o u t r a p i s t a a r e s p e i t o d e s u a

e s c a s s e z n a q u e l a s p a r a g e n s t ã o l o n g í n q u a s .

P e r a n t e a M e s a i n q u i s i t o r i a l d e s f i l o u t a m b é m u m a

v a r i e g a d a g a m a d e p r o f i s s õ e s . S ã o m i l i t a r e s ( e m m a i o r

p r o p o r ç ã o d e i n c i d ê n c i a ) , l a v r a d o r e s , e s c r a v o s , f a z e n d e i r o s ,

c a r p i n t e i r o s , a l f a i a t e s , d i r e t o r e s d e í n d i o s , c o s t u r e i r a s ,

b i s c a t e i r o s , s e n h o r e s d e e n g e n h o e o u t r o s t a n t o s . D e v i d o a o

f a t o d e a r e g i ã o a b r a n g i d a p e l a v i s i t a ç ã o s e r , r e i t e r a m o s , u m a

z o n a e s t r a t é g i c a , t o r n a - s e c o m p r e e n s í v e l t a l i n c i d ê n c i a d e

m e m b r o s d a s t r o p a s 235.

U m d o s p o n t o s q u e t o r n a m a v i s i t a ç ã o p a r a e n s e

ú n i c a , n o c o n j u n t o d a s v i s i t a s i n q u i s i t o r i a i s a o B r a s i l , r e f e r e -

s e a o s d e l i t o s c o n f e s s a d o s e d e n u n c i a d o s , c o m o p o d e m o s

o b s e r v a r n o a n e x o I V , a o f i n a l d e s t e t r a b a l h o .

E m u m a a n á l i s e d e t a i s d e l i t o s , n o t a m o s e s c a s s o

n ú m e r o d e d e n ú n c i a s ( u m t o t a l d e t r ê s ) r e l a t i v a s à s p r á t i c a s

d o s c r i s t ã o s - n o v o s . T a i s d e n ú n c i a s , i n c l u s i v e , n ã o s ã o d i r e t a s

e f o r m a i s . N i n g u é m , n e s t a v i s i t a ç ã o , f o i d i r e t a m e n t e

d e n u n c i a d o p o r s e r j u d e u o u p o r j u d a i z a r . O s d e n u n c i a n t e s

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p r o c u r a m o v i s i t a d o r p a r a r e l a t a r o u t r o s d e l i t o s , c o m o

s a c r i l é g i o s e b l a s f ê m i a s , e a c a b a m , p e r i f e r i c a m e n t e ,

m e n c i o n a n d o a f a m a d e j u d e u q u e s e u d e n u n c i a d o t e r i a , o u d e

a l g u m a n t e p a s s a d o d e s t e . C o m o f o i o c a s o d o l a v r a d o r

C a e t a n o d a C o s t a , q u e s o u b e p o r t e r c e i r o s q u e u m c e r t o

I z i d r o , J u i z d e Ó r f ã o s d a v i l a d o C a m e t á , a n d a v a a a ç o i t a r

u m a i m a g e m d e C r i s t o c r u c i f i c a d o , q u e p a r a t a l f i m e r a

d e p e n d u r a d o e m u m a g o i a b e i r a . E m s u a d e n ú n c i a , C a e t a n o

m e n c i o n o u a c o n s t a n t e f a m a q u e h á d e s e r o d i t o I z i d r o

j u d e u . C o n t u d o , p a r e c e q u e o i n q u i s i d o r , a g i n d o

p o m b a l i n a m e n t e , d e u p o u c a a t e n ç ã o à h i s t ó r i a d e C a e t a n o : a

d e n ú n c i a é b r e v e , n ã o h a v e n d o a s i n q u i r i ç õ e s d e p r a x e s o b r e

a r a z ã o q u e m o t i v o u a d e l a ç ã o , s o b r e a f a m a e c o s t u m e s d o

d e n u n c i a d o , e n e m l h e f o r a m d a d a s a s h a b i t u a i s r a t i f i c a ç õ e s

d e c r é d i t o , p r á t i c a c o m u m d a s v i s i t a ç õ e s i n q u i s i t o r i a i s - p a r a

a u f e r i r e m o u n ã o c r e d i b i l i d a d e a u m a d e n ú n c i a 236.

O u t r a d a s d e n ú n c i a s o n d e e n c o n t r a m o s m e n ç ã o a

j u d a í s m o é a q u e J o s é d a C o s t a f a z d e s e u v i z i n h o , o a l f e r e s

d e i n f a n t a r i a T o m á s L u i z T e i x e i r a . S e g u n d o J o s é , e m 1 7 4 2 ,

T o m á s t e r i a j o g a d o , e m c i m a d e u m a p r o c i s s ã o d e m e n i n o s d o

c o l é g i o q u e c a n t a v a d e b a i x o d e s u a j a n e l a , u m v a s o d e

i m u n d í c i e s f é t i d a s e a s q u e r o s a s . P o i s b e m : o v a s o c a i u e m

c i m a d e u m a n d o r , q u e a n t e s d o a t e n t a d o s e e n c o n t r a v a muito

bem asseado e armado com oito velinhas de cera, e dentro (...) uma imagem perfeita do

Senhor crucificado . O vaso de imundícies teve o efeito de uma bomba de fragmentação:

O resultado foi que Tomás se retirou da janela de onde cometera o

malcheiroso bombardeio, e os meninos ficaram a clamar contra ele de judeu até que desfeita

ali a procissão se retirou cada um para sua casa, ficando o denunciante e os presentes

indignados com a conduta tão anti-social do alferes sacrílego237.

235 Para uma relação mais completa das profissões, ver anexos I e I I . 236 Livro da Vis i tação ..., pp . 228-229. 237 I dem, pp . 168-171.

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Tamanha escassez de denúncias relativas a práticas judaicas pode, seguramente,

ser vista como um indício da política de tolerância pombalina para com os cristãos-novos, o

que vem a contrariar a hipótese de que a visitação seria motivada pela necessidade de se

controlar o poderio econômico dos elementos judaicos na colônia. Na visita paraense, mais

que o fato de judaizar - o qual não foi, em momento algum, mencionado em nenhuma das

denúncias -, importam os atos escabrosos e anti-sociais, que são o verdadeiro motivo das

delações. A a u s ê n c i a d e d e n ú n c i a s c o n t r a j u d a i z a n t e s n ã o é f a t o r

d e e s t r a n h e z a o u b i z a r r i a h i s t ó r i c a , c o m o p o d e r - s e - i a p e n s a r

à p r i m e i r a v i s t a . T a l a u s ê n c i a é , a n t e s d e m a i s n a d a , i n d í c i o

d e q u e o s t e m p o s v i v i d o s s ã o o u t r o s , d e t o l e r â n c i a e

i n t e g r a ç ã o d o s c r i s t ã o s - n o v o s , e q u e a o S a n t o O f í c i o j á n ã o

p r e o c u p a v a m a o s d e l i t o s j u d a i c o s . P e r a n t e o v i s i t a d o r , o u t r o s

t i p o s d e d e l i t o s j o r r a r a m a o s b o r b o t õ e s .

Também encontramos, ao longo do Livro da Visitação, delitos comuns às

visitas anteriores - e plenamente ligados à virada que Trento propiciou à atuação da Inquisição,

quando esta passou também a reprimir os pecados morais dos cristãos velhos. É assim que

encontramos diversos casos de blasfêmias, bigamia e sodomia - um destes últimos, inclusive,

protagonizado por um clérigo, o frade Manoel do Rosário. Missionário carmelita, o frade, em

12 de outubro de 1763 confessou ao visitador ter praticado o pecado nefando, em ocasiões

diferentes, com duas índias - uma já falecida e outra, na época, com doze anos de idade -

residentes na fazenda do Camarã, na Ilha de Marajó, propriedade dos carmelitas238. Tal fato é

apenas uma das evidências de quanto o clero colonial tinha de pré-tridentino, no que tange ao

comportamento moral e social, levando uma vida que pouco lhes diferenciavam do comum

dos fiéis - o que foi um dos grandes objetivos da reforma do clero no Brasil setecentista,

estudada por Lana Lage239.

Contudo, a grande ênfase da visita paraense recai sobre as

denúncias/ confissões relativas a práticas mágico-religiosas. Estas estavam - assim como em

toda a colônia - profundamente arraigadas na vida cotidiana. Vivenciada na mais pura

mentalidade religiosa pré-tridentina, a magia interpenetrava a religião católica, sendo vista

238 Idem, pp . 147-150. 239 A este respeito , ver Lana Lage, A Confis s ão ..., especialmente o cap ítulo in t itulado A

reforma do clero co lonial .

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como apoio e meio de solução para as dificuldades do dia-a-dia, tais como doenças, sumiços

de objetos e acidentes vários.

A fim de melhor organizar o estudo, podemos reunir as práticas mágicas

presentes no Livro da Visitação em quatro grupos:

A magia divinatória, onde encontramos desde o uso de adivinhações simples

(as chamadas sortes ) até a invocação de espíritos para a obtenção direta de informações;

A magia amorosa, onde se encontra grande incidência de orações dedicadas a

santos católicos, acompanhadas ou não de gestos rituais, e também outras práticas, tais como

cartas de toque e pactos com o Diabo;

Magia de cura, com rezas, rituais de contra-feitiçaria e catimbó;

Magia de proteção, representada basicamente pela confecção de bolsas de

mandinga.

Assim podemos dividir as práticas mágicas da visitação paraense. Tais feitiços e

conjuros serão, de agora em diante, objeto de nossas atenções. Convido o leitor, pois, a se

embrenhar neste terreiro de magia, amores danados e maldições.

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116

CAP Í T U LO 5

-AS ARTE S MÁG ICAS PARAE N SE S-

I - ALG UMAS Q UE STÕ E S PRE LIMIN ARE S

A partir deste momento, passaremos a mergulhar mais a fundo na magia

presente no cotidiano e na mentalidade religiosa paraenses. Com isso, torna-se necessário que

especifiquemos alguns parâmetros.

O primeiro deles está ligado à magia propriamente dita. Devemos, aqui, tomar o

cuidado de não adotar inteira ou acriticamente noções de magia que foram elaboradas tendo

por base estudos de outras sociedades e de outros sistemas culturais, alheios ao que

investigamos agora. Tais modelos são úteis se utilizados com comedimento e critério, e isto é

o que pretendo fazer para o estudo do sistema mágico-religioso paraense. Os grandes

esquemas aplicativos ou as definições que cabem em qualquer objeto-tempo-lugar devem ser

evitados pois, nas palavras de Carlos R. F. Nogueira, as bases do pensamento mágico diferem

de sociedade para sociedade, ou mesmo de um grupo social para outro . O autor prossegue,

afirmando que não existe uma magia, existem magias, tantas quanto forem os sistemas

culturais 240. O que procurarei neste estudo é caracterizar esta magia, traçando seus atributos e

procurando revelar sua unicidade, dentro do todo colonial brasileiro.

Creio que, no caso paraense, a magia e as diversas formas pelas quais ela se

manifesta não estão, de modo algum, desvinculadas da religião praticada diariamente. Pelo

contrário, a magia é parte integrante da religiosidade paraense. Os relatos constantes do Livro

240 Car los Rober to F . N ogueira, Bruxaria e H is tória , São Paulo , Át ica, 1991, pag. 15 - gr ifo do autor .

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da Visitação não apontam, em momento algum, para uma desvinculação entre uma e outra -

o que vem a confirmar as idéias de Carlos Roberto F. Nogueira, para quem

Magia, no âmbito paraense, bem como no todo colonial, não está desvinculada

de religião. Contudo, a fim de uma melhor operacionalização de nossa investigação, faz-se

necessária uma conceituação que lhe seja específica. Para este caso, encontramos em

Malinowski uma definição de considerável aplicabilidade para nosso estudo. Para ele, magia é

A magia, segundo Malinowski, serve ao homem como um anteparo à

impotência, desespero e ansiedade cotidianos, pois é usada como um instrumento de ajuda

para superar sua falibilidade e limitações, permitindo que este

Esta característica é confirmada pela análise das denúncias/ confissões de

práticas mágicas constantes do Livro da Visitação, onde encontramos o homem em

constante luta face a males físicos frente aos quais ele não possui muitos recursos, ou mesmo

no desespero de reconquistar um amor perdido.

A magia se manifesta na forma do conjuro, do feitiço - que é onde os poderes

contidos na magia são acionados e direcionados para o fim que se deseja alcançar. O cerne do

feitiço é a repetição correta da fórmula e do ritual, os quais habilitam qualquer um que os

conheça a praticá-los, no entender de Keith Thomas244. Isto fica patente quando, na visitação

paraense, como teremos oportunidade de observar fartamente, encontramos casos de

ensinamentos de conjuros que não exigem poderes sobrenaturais por parte do oficiante.

Diversos feitiços amorosos, por exemplo, têm eficácia garantida mediante a simples execução

correta das preces e do ritual; não requerem prática nem tampouco habilidade do praticante.

Tudo o que estas cerimônias requerem limita-se apenas à obediência estrita à sua fórmula.

Uma vez aprendido o conjuro, o praticante é, por sua vez, livre para ensiná-lo a terceiros,

241 Idem, pag. 14. 242 Bronislaw Malinowski, Magia, ciência, religião in Mag ia, Ciênc ia e Re lig ião ,

Lisboa, E dições 70, 1988, pag. 90. A ap licabilidade desta noção de Malinowski f icará bastan te clara à medida em que, em breve, passemos a analisar a magia paraense.

243 I dem, pp . 92-93. 244 Keith Thomas, Re lig ião e o D e c línio da Mag ia , São Paulo , Companhia das Let ras,

1991, pag. 376.

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formando assim uma ampla rede de difusão de tais práticas, passível de ser atestada através da

leitura das denúncias e confissões245.

Uma outra noção que auxiliará a presente análise é a de religião como sistema

cultural. Segundo Clifford Geertz, a cultura rege o comportamento do homem. Ela o diferencia

do resto dos animais, cujas atitudes e reações ante o mundo estão codificadas na forma de

instinto. A cultura se apresenta como um código de ordenação e controle de atitudes e

experiências incorporado em símbolos. Graças a isto, ela torna o mundo e a vida passíveis de

compreensão pelo homem, livrando-o de um possível caos de emoções, sensações e atos.

Devido à cultura, o homem possui uma visão ordenada daquilo que o cerca: tudo o que é

novo e estranho, fora dos padrões culturais, é culturalizado e simbolizado , tornando-se

assim passível de explicação e aceitação, entrando deste modo em uma ordem lógica de

pensamento246. Cultura, para Geertz, é então um padrão de significados transmitido

historicamente, incorporado em símbolos 247. Os sistemas culturais, ou seja, os mecanismos

pelos quais determinado grupo social elabora um código de compreensão do mundo e da

realidade que o cerca, são, devemos lembrar, variáveis geográfica e cronológicamente.

Para Geertz, a religião é uma das manifestações da cultura. O autor entende a

primeira como

Na qualidade de sistema cultural, a religião oferece uma ordenação e

simbolização do mundo, auxiliando os indivíduos e as comunidades na tarefa de compreensão

da existência, por um viés que transcende os fatores puramente materiais. Desta forma, a

religião e a experiência religiosa ajudam o homem a compreender e aceitar, por exemplo, o

infortúnio e a dor, conferindo-lhes sentido, culturalizando -as, através de uma visão

metafísica da vida, legitimada e concretizada, isto é, tornada real e factível através da própria

autoridade do sistema religioso, presente no cotidiano das pessoas.

245 O s anexos I e I I são , neste caso , p rofundamente elucidat ivos, por most rarem as pessoas que ensinaram e aprenderam orações e conjuros bem como, na medida do possível, seus endereços - o que vem ajudar na visualização desta rede social de so lidar iedades, atuant e quer seja na indicação do curandeiro ou no ensino de rezas.

246 Clifford G eer tz, A Inte rpre taç ão das Culturas , Rio de Janeiro , G uanabara, 1989, pp . 13-41.

247 I dem, pag. 103. 248 I dem, pp . 104-105.

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Tendo este raciocínio como ponto de partida, podemos então traçar o papel da

magia dentro de um sistema religioso: ela é uma das formas de apreensão da realidade objetiva

e dos fatos da vida, como os infortúnios, os nascimentos, a morte, a chuva, as colheitas. Neste

sentido, a magia possui um papel duplo: ao mesmo tempo em que ela torna compreensíveis

tais fatos, oferece uma alternativa para interferir em seu transcurso, ou propiciá-lo de maneira

positiva para quem dela se recorre. Podemos, deste modo, compreender a mentalidade

religiosa, magista, presente no Livro da Visitação, manifestada nas confissões e denúncias

relativas à prática de magia, as quais passamos agora a analisar.

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I I - CO N JU RO S E F E I T I ÇARI AS

-Magia D ivin ató r ia

A prática de adivinhação sempre foi, no Ocidente cristão, associada ao Diabo.

Proscrito pelas autoridades eclesiásticas, o conhecimento de coisas vetadas ao homem comum,

como o destino das almas após a morte, o futuro, ou mesmo coisas mais prosaicas e

cotidianas, como o paradeiro de objetos sumidos ou a obtenção de informações sobre pessoas

que estivessem afastadas das comunidades, foi inevitavelmente associado à bruxaria. Em 1587

George Gifford escreveu que a bruxa é

A legislação lusitana também procurou reprimir as práticas divinatórias. O

Título III das Ordenações Filipinas menciona as pessoas que adivinham através da água, de

249 Apud Rossel H ope Robbins, The E nc yc lope dia o f Witchcraft & D e monolog y, N ew York, Bonanza, 1981, pag. 546, gr ifo meu.

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cristais, espelhos, espadas e outros objetos, penalizando aquele que incorresse nestas práticas

com açoites públicos, multa e degredo para o Brasil250.

Este tipo de magia era praticado através de diversos rituais, chamados

comumente em Portugal de sortes . No âmbito paraense, as finalidades para as quais estas

sortes se prestavam diziam respeito ao conhecimento do futuro, de fatos que ocorressem em

locais distantes, a detecção do paradeiro de pessoas e objetos.

A prática divinatória com maior incidência na visitação paraense é a do balaio,

utilizado para detectar autores de furtos e responsáveis por sumiços de pequenos objetos.

Dela, encontramos cinco casos: dois confessados, e os restantes denunciados. A prática

consistia no seguinte: espetava-se a ponta de uma tesoura em um balaio. O consulente

segurava em um dos anéis da tesoura, o praticante em outro, ficando o balaio dependurado.

Feito isto, o praticante pronunciava uma oração, geralmente evocando a São Pedro e a São

Paulo, enquanto o consulente enumerava as pessoas de quem suspeitasse. Ao ser pronunciado

o nome do culpado, o balaio se alteraria de alguma forma, comumente girando, ou caindo ao

chão. Manoel Pacheco Madureira, para identificar o autor do furto de uma camisa sua, rezou

que por São Pedro, por São Paulo, pela porta de Santiago, fulano furtou tal coisa , enquanto

nomeava os suspeitos251. Marçal, pedreiro e escravo do Chantre da Sé, recorreu diversas vezes

ao balaio para detectar o autor do furto de cinco patacas de um velho feitor do engenho no

qual residia, e também quem roubara duas varas de algodão da preta Gregória252. A também

escrava Maria Francisca - residente na casa de seu senhor, na Rua Formosa - utilizou, de igual

modo, o balaio para descobrir o autor do furto do dinheiro de alguns escravos seus

conhecidos, tendo sido denunciada por isso253.

O balaio não é uma exclusividade paraense. Laura de Mello e Souza menciona

a ocorrência deste tipo de adivinhação em Pernambuco, no século XVI254. Também

encontramos menções à prática do balaio em terras lusas: no século XVI, Brites Frazoa

utilizou a prática para detectar o ladrão que roubara uma camisa de sua cliente, conjurando a

250 Cf. Laura de Mello e Souza, O D iabo e a Te rra de Santa Cruz , São Paulo , Companhia das Let ras, 1987, pag. 157. Ver t ambém José Pedro Paiva, Práticas e Crenç as Mág icas , Coimbra, Minerva, 1992, pag. 40.

251 Livro da Vis i tação do Santo Ofíc io da Inquis ição ao E s tado do Grão-Pará , Pet rópolis, Vozes, 1978, pag. 238.

252 I dem, pp . 156-158. 253 I dem, pp . 141-144. 254 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag.158.

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Deus, São Pedro e São Paulo255. Keith Thomas também relata o uso do balaio na Inglaterra do

século XVI, sendo este praticado sem muitas alterações em relação a Portugal e Brasil: o

mesmo procedimento em relação ao balaio e à tesoura, a invocação a São Pedro e São Paulo -

fortuitamente, a Deus -, e a nomeação dos culpados256.

Também se recorria à adivinhação para obter conhecimentos a respeito de

coisas futuras. Assim foi com Isabel Maria da Silva, residente à rua de S. João, que no dia 29

de outubro de 1763 procurou a Mesa da visitação para confessar culpas pertencentes ao

conhecimento do Santo Ofício . Isabel contou ao inquisidor que aprendera, anos atrás, a

fazer uma sorte chamada de São João , que segundo a confitente, tinha o poder de revelar o

destino das pessoas. A sorte deveria ser realizada, como já diz o seu nome, na noite de S. João,

sendo necessários um ovo e um copo com água. O praticante deveria quebrar o ovo e lançar

clara e gema na água,

Isabel confessou ter praticado este ritual de hidromancia por três anos

consecutivos, dois no estado de solteira, e um sendo já casada com Domingos da Silva,

capitão do regimento de Belém. Na primeira vez, desejava saber o futuro de um estudante

conhecido seu, o qual sintomaticamente a confitente não se lembra o seu nome nem dos de

seu pai . Segundo a confitente, o ovo desenhou a figura de uma igreja com um altar e um

clérigo rezando missa, indicando uma carreira eclesiástica para o rapaz - o que, conforme o

relato, veio a acontecer. A segunda vez foi para saber se determinada moça, a qual Isabel não

sabia nome, endereço ou nenhum outro dado identificador, casaria com homem do reino, ou

seja, português, ou não. Lançado na água, o ovo desenhou a figura de um navio, indicador de

que o futuro marido da consulente haveria de chegar por mar, ou seja, viria do reino - o que

veio, também, a confirmar-se. A última ocasião confessada foi para saber a mesma coisa para a

parda Nazária: como a gema do ovo, porém, não formou a imagem de um navio no copo com

água, Isabel inferiu então que Nazária casar-se-ia com um homem daqui mesmo, como na

realidade sucedeu 257. Tal prática ainda soa familiar nos dias de hoje, onde nos deparamos

com rituais semelhantes para as noites de S. João e de Sto. Antônio. Encontramos ainda

255 Francisco Bethencourt , O Imag inário da Mag ia , Lisboa, Pro jecto Universidade Abert a, 1987, pag. 47.

256 Thomas, op . cit ., pag. 184. 257 Livro da Vis i tação . . . , pp . 181-186.

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referências a ela no Portugal do século XVII, onde Vitoria Pereira, conhecida como a

Vianeza adivinhava o destino de pessoas que estivessem ao mar através do ovo e da água.

Ficando o ovo a flutuar por sobre a água, era sinal de que as pessoas estavam a salvo, e as

embarcações estavam a navegar seguras 258.

No caso deste tipo de adivinhação, fica patente a função interpretativa do

praticante. Da mesma forma que o augure romano, era ele quem detinha a chave da

interpretação dos sinais codificados, enviados pelas forças sobrenaturais consultadas. O

praticante transformava tais sinais em mensagens inteligíveis sobre o destino ou as questões

que interessavam aos consulentes, através da interpretação das formas assumidas pelo ovo em

contato com a água. Tais formas de adivinhação augurais, diga-se de passagem, são também

encontradas em Portugal desde tempos muito remotos - vestígios das passagens dos romanos

e suevos por aquelas paragens259.

As adivinhações de Isabel, bem como suas culpas perante o Santo Ofício, não

paravam nas sortes inocentes. Em 26 de outubro de 1763, três dias antes de sua apresentação

à Mesa da Inquisição, portanto, Isabel tinha sido denunciada ao visitador por Josefa Coelho.

Esta, por sua vez, disse saber, através de outras pessoas que testemunharam os fatos, que

Isabel tinha o costume de invocar espíritos para obter conhecimento de diversas coisas. Josefa

narrou ao visitador que Isabel punha-se no centro da sala de sua casa começava a invocar por

cantigas a três pretinhos ou diabretes , que então surgiam dos cantos da casa, dançando ao

som das ditas cantigas , e respondiam às suas perguntas. Segundo a denunciante, Isabel não

possuía uma boa reputação: em suas palavras,

Isto tudo, somado ao fato de que Isabel não frequentava a missa, nem

mandava dizê-la em sua casa260. Com base nestes dados, podemos imaginar as intenções de

Isabel, ao apresentar-se frente ao visitador: procurar cair nas boas graças do inquisidor,

provavelmente já sabendo ter sido denunciada por tão pesadas práticas. Se teve realmente esta

idéia, Isabel não foi muito feliz: as denúncias renderam-lhe um processo pela Inquisição de

Lisboa.

258 Paiva, op . cit ., pp . 130-131. 259 Luís Chaves, Costumes e t radições vigentes no século VI e na actualidade in Brac ara

Aug us ta , VI I I , pp . 243-277. Sobre magia romana, ver Ugo E nr ico Paoli, U rbs , Barcelona, Iber ia/ Joaquin G il, s.d ., pp . 289-302.

260 Livro da Vis i tação . . . , pp . 182-184.

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Encontramos, ao analisar estas denúncias de invocações de xerimbabos ou

diabretes , grandes semelhanças com os demônios familiares, contribuição inglesa para a

teoria clássica da bruxaria. Enviados por Satã às bruxas para lhes prestarem pequenos serviços

e fazerem adivinhações, tais demônios assumiam, corriqueiramente, a forma de pequenos

animais de estimação como cachorros, gatos, ratinhos e mesmo sapos e moscas, e eram

alimentados pelas bruxas com carne e, até mesmo, seu próprio sangue261. Os espíritos

invocados por Isabel Maria da Silva parecem ter esta mesma função, na medida em que eram

convocados para prestarem informações e, sintomaticamente, eram também designados como

xerimbabos, antiga forma tupi de tratamento para animais de estimação, em vigor até hoje no

Norte brasileiro. Tal denominação nada mais faz do que assemelhar ainda mais os pretinhos

paraenses aos familiares medievais ingleses. A negritude desses espíritos é também um outro

fator digno de nota, na medida em que reflete uma das caracterizações do Diabo e sua corte

no contexto colonial: aqui, o Diabo é negro, numa conceituação pejorativa e aviltante da

escravidão262.

Também encontramos, no Livro da Visitação, adivinhações oníricas, como

no caso de Maria Joana de Azevedo. Maria confessou ao visitador que, através de sonhos,

pudera ter ciência do paradeiro da alma de uma pessoa conhecida sua263.

Uma outra modalidade de magia cognitiva era a consulta a espíritos para

diagnoses e detecções de feitiços, nas sessões de curandeirismo, as quais analisaremos em

momento posterior deste trabalho.

261 Robbins,op . cit ., pp . 192-193. Ver t ambém Thomas, op . cit ., pag. 362. 262 Car los Rober to F . N ogueira, A Outra Face de Satã , t exto inédito , 20p . Agradeço ao

autor a gent ileza de me franquear o acesso a est e t exto . 263 Livro da Vis i tação ..., pag. 256.

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- D e Am o res D an ado s e Ar tes E n can tató r ias

Uma outra categoria presente no Livro da Visitação é a da magia praticada

com fins amatórios que, em uma quantificação dos delitos mágicos confessados e

denunciados, ocupa o lugar de maior incidência. Encontramos, em nossa fonte principal, um

leque amplo de práticas que buscavam, através dos mais diversos meios, conquistar amores,

ou recuperar as paixões rompidas. A manipulação e alteração das vontades humanas, seja para

gerar ódios ou o amor, é uma das características mais marcantes das práticas de feitiçaria, bem

como é um dos poderes comumente atribuídos às bruxas. Dentre estas, encontramos o

clássico exemplo da Celestina, alcoviteira conhecedora de diversos feitiços voltados para as

artes do sexo264 Porém, em que consistia a magia amorosa encontrada no Livro da Visitação?

Tais práticas constituíam-se, em sua quase totalidade, de orações fortes. Tais

orações eram preces com sentido propiciatório, executadas acompanhadas ou não de rituais e

gestos, já conhecidas da Inquisição portuguesa.

Marcel Mauss, ao estudar a prece, diz que esta pode assumir diversas formas,

desempenhar diversas funções e manter inalterada sua natureza. Assim, a prece teria

participação no rito e na crença do sistema religioso. Nas palavras de Mauss, a prece

E é com o aspecto misto de rito propiciatório e evocação mística que

encontramos as orações de amor no universo religioso paraense. Tais orações eram, em sua

totalidade, dedicadas a santos católicos, principalmente a S. Marcos e S. Cipriano.

A São. Marcos estão dedicadas a maioria das orações de amor presentes no

Livro da Visitação. As preces se tornam verdadeiros encantamentos rituais, na medida em

que devem ser conjuradas aliadas a uma elaborada rotina de gestos. Elas evocam o santo,

relembrando elementos pertinentes à sua lenda, e suplicam-lhe a concessão do favor almejado,

264 Fernando de Rojas, A Ce le s tina , Porto Alegre, Sulina, 1990.

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que é a conquista do amor de uma mulher. O ajudante de ordenança Manoel Nunes da Silva

confessou ao visitador uma das mais completas orações a São Marcos, no todo do Livro da

Visitação, cujo texto - com momentos do mais inspirado lirismo, por sinal - é o seguinte:

A evocação inicia com a nomeação do santo, o evangelista São Marcos de

Veneza, local para onde, vindos de Alexandria, foram levados o que se acreditavam serem seus

restos mortais. Estes foram guardados, então, na igreja dedicada ao santo267. A análise do

simbolismo presente na oração revela alguns dados interessantes. Laura de Mello e Souza

lembra que na mentalidade popular, o atributo de São Marcos era marcar 268, tornando assim a

pessoa alvejada pela oração especial, de alguma maneira. Tal atributo é notado na oração

praticada por Maria Joana de Azevedo, que dizia ...São Marcos te marque, São Marcos te

amanse... 269. E é ainda Laura de Mello e Souza quem recorda a associação do touro - animal

símbolo de virilidade e fertilidade masculina - à representação pagã de S. Marcos, cujas festas

possuíam aspectos agrícola e pastoril e às vezes coincidiam com feiras de gado . Deste modo,

segundo a historiadora, torna-se possível entender que São Marcos (...) fosse invocado por

feiticeiros (...) para patrocinar e tornar mais férteis os amores ilícitos 270. Por fim, um último

dado interessante: em sua biografia, consta que São Marcos morreu em Alexandria, acusado de

magia, o que lhe valeria a habilitação para atender a tal espécie de rogativa.

A oração continua com a invocação do Espírito Santo e da Hóstia Consagrada,

elementos de culto católicos que teriam a faculdade de confirmar o suplicante no coração da

mulher desejada. Tais invocações demonstram uma apropriação, por parte dos fiéis, do poder

mágico atribuído a símbolos e rituais consagrados pela Igreja, o que era uma das características

mais marcantes do cristianismo tradicional, pré-reformas271.

Há também, nesta oração, o aspecto da evocação da lenda referente ao santo,

expressado pela menção à subida aos montes e ao amansamento de touros bravos através de

palavras. Encontramos, aqui, a prece como uma mistura de rito propiciatório e evocação

265 Marcel Mauss, A prece in Marce l Maus s , compilação de Rober to Cardoso de O liveira, São Paulo , Át ica,1979, pag. 104.

266 Livro da Vis i tação ..., pag. 240. 267 D onald At twater , D ic ionário dos Santos , Rio de Janeiro , Ar t E ditora, 1991, pag. 199.

Jorge Campos Tavares, D ic ionário de Santos , 2ª ed ., Por to , Lello & I rmão, 1990, pag. 100.

268 O p . cit ., pag. 233, em it álico no or iginal. 269 Livro da Vis i tação . . . , pag. 252. 270 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag. 234.

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mítica, o que pode ser reparado ainda em outra oração, confessada por Maria Joana de

Azevedo (um raro caso paraense de mulher que confessa orações para atingir o amor dos

homens), onde se menciona que

Nota-se, nestes casos, uma imbricação entre dois sentidos da prece: o ritual,

onde ela é uma evocação de forças exteriores (no caso, os santos) com o fito de propiciar

determinado objetivo, seja ele espiritual ou material; o mítico, onde rememora e fixa eventos

mitológicos que são, desta forma, preservados do esquecimento (ou são usados para

reafirmação do credo religioso). Nas orações que analisamos, o mito é um elemento a mais na

invocação de forças superiores, reforçando o que é pedido.

S. Cipriano, o outro santo a quem são dirigidas orações amorosas, não é menos

interessante enquanto objeto de estudos. Sua oração possui, de maneira idêntica à de S.

Marcos, uma linearidade textual, apresentando poucas variantes entre os diferentes relatos

feitos ao inquisidor. A jovem Maria Joana de Azevedo, que aos 16 anos foi apresentar-se à

Mesa do Santo Ofício, impressiona pela quantidade de orações que sabia em tão tenra idade:

ao todo, confessou onze. Inserida neste vasto repertório, está a mais completa oração a S.

Cipriano encontrada na visitação paraense:

Esta oração mostra uma confusão, ocorrida em relação a dois Ciprianos. O

primeiro, cujos elementos biográficos estão mencionados na prece, é S. Cipriano de Cartago,

bispo e mártir. Falecido em 258 d.C., sua comemoração ocorre a 16 de setembro. Não

obstante ter levado uma vida devassa até sua conversão em 246, a partir deste momento

passou a exibir comportamento exemplar, que o levou ao episcopado de Cartago e à glória de

ter reorganizado a Igreja em África. Em virtude destes feitos, é nomeado bispo. arcebispo e

confessor de (...) Jesus Cristo , sendo invocado por sua santidade274.

A confusão vai se patenteando quando percebemos, através da leitura do Livro

da Visitação, quais eram as intenções das pessoas que recorriam a esta prece: a (re)conquista

de um amor ilícito. Tais atribuições estão na esfera de competência de outro Cipriano, o de

271 Bethencour t , op . cit ., pag. 72. Ver t ambém Luís Chaves, op . cit ., pp . 259-267. 272 Livro da Vis i tação . . . , pag. 252. 273 Livro da Vis i tação , pag. 255. 274 At twater , op . cit ., pp . 72-73; Tavares, op . cit ., pag. 39.

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Antioquia. Também martirizado, este Cipriano possuía fama de feiticeiro de alto coturno, que

usou de seus poderes na tentativa de seduzir Justina, jovem e virtuosa cristã. Como a magia negra,

à qual se dedicava, não lhe concedeu os favores que requisitava da donzela, Cipriano acabou

por converter-se ao cristianismo. Deste modo, foi aceito pela amada, e com ela viveu os gozos

do martírio. Sua comemoração ocorre, significativamente, a 26 de setembro, data muito

próxima da comemoração do Cipriano de Cartago275. A utilização de artes mágicas e de

invocações na busca do amor são, deste modo, atributos do Cipriano de Cartago, ex-mágico e

posteriormente, mártir. A estudiosa Jerusa Pires Ferreira trabalha com a hipótese de que a

Igreja cooptou este santo-bruxo cuja oração era bastante difundida em Portugal, de apelo

irremediavelmente popular, dando um cunho cristão à lenda do povo276. O que estas orações

demonstram, em última análise, é uma confusão entre os dois Ciprianos, onde se roga ao de

Cartago determinadas coisas - e também em circunstâncias - próprias das atitudes do Cipriano

de Antioquia. Segundo Laura de Mello e Souza, não se encontra, no conjunto da

documentação inquisitorial referente à colônia, alusões às preces a S. Cipriano fora do Grão-

Pará277.

Por fim, dentro do conjunto das orações de amor, encontramos aquelas

dirigidas às Três Estrelas - reminiscência de um arcaico costume de culto a elementos da

natureza278, difundido em Portugal. Nestas orações, o praticante evocava às três estrelas para

que lhe favorecessem os objetivos:

Assim rezava Maria Joana de Azevedo. Também fez uso desta oração Manoel

Pacheco de Madureira, que se apresentou ao visitador em 4 de novembro de 1765. Seu caso,

aliás, é bastante ilustrativo: além de confessar que praticara o balaio, Manoel relatou que

mantivera relações amorosas com uma sobrinha de sua falecida esposa (o que ele não contou é

se o caso teve lugar enquanto esta ainda era viva). A moça, por instâncias de seus confessores,

que lhe negavam absolvição enquanto vivesse em pecado, rompeu o caso amoroso, levando

275 At twater , I dem, pag. 73; Tavares, Id ., ib id . 276 Ferreira, Jerusa Pires, O Livro de São Cipriano , São Paulo , Perspect iva, 1992, pp . 1-

2. 277 Laura de Mello e Souza, op . cit ., pag. 232. 278 Chaves, op . cit ., pag. 265. 279 Livro da Vis i tação , pag. 257.

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Manoel ao desespero. Segundo o confitente, foram utilizados todos os meios (...) de

palavras , sem que com isso fosse dobrada a vontade da ex-amante. Desolado, Manoel

Munido de paciência e perseverança, o deprimido Manoel não se fez de

rogado: para garantir a eficácia dos conjuros, rezou as três preces umas trezentas vezes,

pouco mais , olhando fixamente para a mulher, toda vez que esta surgia em seu caminho280. O

resultado não foi o esperado: Manoel não conseguiu - nem mesmo gastando todo o seu fôlego

repetindo tantas vezes as orações - reconquistar o amor perdido. Sua história teve um

desfecho ainda mais dramático, o qual teremos chance de verificar mais adiante.

Devemos levar em conta um último fator: estas orações faziam invocações a

santos da Igreja, com a finalidade de propiciar ligações amorosas. Porém, que tipo de ligações

eram estas? Para que eram solicitados tais santos, um ligado a ritos de fertilidade pagãos, outro

envolvido com rituais de magia negra?

Diferentemente de Santo Antônio, São João, ou S. Gonçalo do Amarante,

tradicionalmente procurados por sua habilidade em propiciar o casamento segundo as

normas da Igreja281, as orações de amor paraenses que evocavam santos católicos possuem um

único objetivo: o favorecimento de intercursos carnais ilícitos - quer sejam a fornicação

simples ou o adultério. Não há aplicações para estas preces fora dos pecados relativos ao sexto

e ao nono mandamentos da Igreja. O soldado Manoel José da Maia, de 26 anos de idade,

confessou ter aprendido a oração de São Marcos para o fim de conseguir uma certa mulher

casada, e outra viúva . O índio atanásio, que ensinou a oração,

Exceção à regra é o caso de Manoel Nunes da Silva, que aprendera certa

oração de S. Marcos para conquistar uma mulher com quem desejava casar-se. A oração não

foi bem sucedida com a pretendida, e Manoel atribuiu o fracasso à dúvida que tinha em sua

eficácia - depositar fé na oração é um dado importante para as práticas que analisamos.

Contudo, ao mudar de residência, Manoel contraiu ilícita amizade com certa índia casada que

morava em distância de um quarto de légua , e que não ia visitá-lo com a constância que este

280 Idem, pp . 237-239 281 Ver G ilber to Freyre, Cas a-Grande e Se nz ala , Rio de Janeiro , Record, 1989, pp . 246-

247. 282 Livro da Vis i tação ..., pag. 201. G r ifo meu.

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desejava. Manoel então usou a oração, e muitas vezes vinha ela [a índia] só sem [o confitente]

a ir buscar 283. Para esta adúltera fornicação o santo trabalhava, voltando a regra a prevalecer.

As preces amatórias, porém, não se limitavam apenas àquelas de S. Marcos, S.

Cipriano e das Três Estrelas. Encontramos, no Livro da Visitação, um exemplo - ainda que

isolado - de oração recorrendo a elementos sagrados cristãos. Sagrados demais, uma vez que

eram invocados pedaços do próprio corpo de Cristo. Quem fazia uso desta oração - o leitor, a

esta altura, não precisaria de balaios ou ovos em copos d água para adivinhar - era Maria Joana

de Azevedo. Segundo ela, uma das formas de atrair os afetos da pessoa desejada era

pronunciar as seguintes palavras:

Encontramos, nesta oração uma intimidade muito grande com Cristo e sua

mãe, que sevidencia na medida em que são ofertados, pela suplicante, elementos pertencentes

ao próprio corpo dos santos. Tal fato remonta àquilo que Mikhail Bakhtin chamou de

vocabulário de praça pública característico da cultura renascentista, onde era comum

mencionar ou jurar sobre membros e partes do corpo divino285. Em relação ao leite da Virgem

Maria, afirma Luiz Mott que este, na devoção popular lusitana era particularmente poderoso

contra as ciladas do diabo 286.

As orações que até agora analisamos eram, na maioria das vezes,

acompanhadas de um esquema de gestos rituais. Nelas, gesto e palavra se conjugavam em um

só rito. A prece enquanto rito é uma atitude tomada, um ato realizado diante das coisas

sagradas que se dirige à divindade e à [sua] influência, (...) consiste em movimentos materiais

dos quais se esperam resultados 287. Assim é que encontramos uma rotina ritual padronizada,

a ser praticada concomitantemente ao recitar das preces. O suplicante encara a mulher que

deseja conquistar e a fita, mesmo que de longe, enquanto reza, faz cruzes com as mãos ou os

pés, etc.

283 Idem, pag. 241. G r ifo meu. 284 I dem,pag. 251. 285 Mikhail Bakht in , A Cultura Popular na Idade Média e no Re nas c imento , São

Paulo / H ucit ec; Brasília/ UnB, 1993, pag. 167. 286 Luiz Mot t , Mar ia, virgem ou não? Q uat ro séculos de contestação no Brasil in O Sexo

Pro ibido , Campinas, Papirus, 1988, pag. 159. 287 Mauss, op . cit ., pag. 103.

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O soldado mameluco Lourenço Rodrigues, por exemplo, aprendera com

Domingos Nunes uma oração de São Marcos, a qual devia ser recitada fazendo cruzes com a

cara 288. Já Maria Joana de Azevedo, ao praticar uma de suas orações de São Marcos - ao todo,

ela sabia quatro versões da prece -,

O ritual não se detinha aí. A oficiante começou, com o auxílio de um graveto, a

traçar cruzes no solo, pisadas com seu pé esquerdo no recitar da prece. Maria Joana utilizou

esta oração para si, e também para ajudar no casamento de uma amiga sua, abandonada por

um noivo fugidio289. A busca da encruzilhada, tida como local privilegiado para a prática de

magia por ser visto como ponto de transição mística entre o mundo dos vivos e o dos mortos;

o traçado de símbolos a serem pisados, e os encantamentos recitados à meia-noite remetem

diretamente à magia greco-romana, associada posteriormente às teorias clássicas de feitiçaria

européias, que de Portugal passaram ao Brasil290.

Com as teorias vieram, também, as crenças e práticas, as quais mantiveram-se

no seu estado original, conforme efetuadas em Portugal. Este patamar de pureza das práticas

lusitanas se manteve praticamente inalterado durante os primeiros decênios da colonização

brasileira, passando depois a sofrer modificações devido ao contato com diversas crenças,

oriundas de variadas matrizes culturais291.

O acompanhamento ritual, contudo, às vezes se excedia e beirava a bizarria,

como no caso de Manoel Nunes da Silva, que procurou as orações com finalidades

matrimoniais. A oração rezada por Manoel tinha um elemento sui generis, e que talvez fosse a

fonte de sua eficácia uma vez que, segundo o confitente, ela realmente surtiu efeito num

momento posterior. O tempero especial da oração estava justamente no acompanhamento

de gestos rituais, a serem realizados durante o recitar da prece. Manoel confessou que ao rezar,

entre outras coisas, ficava com os braços abertos em cruz, encostado com o peito e rosto em

288 Livro da Vis i tação , pag. 245. 289 I dem, pag. 253. 290 Sobre a magia greco-romana, ver Julio Caro Baro ja, As Bruxas e o Seu Mundo ,

Lisboa, Vega, 1978, pp . 47ss. N o que se refere à encruzilhada como ponto de encont ro ent re do is mundos, ver Bethencour t , op . cit , pag. 109.

291 Cf. Laura de Mello e Souza, O enraizamento : circular idade de culturas e crenças - Brasil, 1543-1618 in Infe rno Atlântico , São Paulo , Companhia das Let ras, 1993, pp . 47-57.

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alguma porta ou janela fronteiras à casa da mulher desejada292. Uma vez assumida esta posição,

Manoel ficava a fazer cruzes com a bacia 293 - o que, como já havia mencionado o confitente,

era tiro e queda!

- Bichos e Sevandijas

Dentre as práticas mágicas representadas no Livro da Visitação, aquelas

ligadas à cura são as que se manifestam, em termos quantitativos, com maior proeminência.

Agindo na esfera da contra-magia, os curandeiros paraenses empregavam um amplo arsenal de

rezas e procedimentos rituais altamente sincréticos, que incluíam de práticas indígenas até os

exorcismos da Igreja.

A importância do curandeirismo no seio da sociedade paraense - ou a colonial,

de um modo geral - não deve ser estranhada. Tal fator deve ser entendido tendo-se em mente

o quadro da medicina no Brasil setecentista. A medicina colonial, baseada em sangrias,

purgativos e ventosas, era praticada por boticários e barbeiros, efetivos oficiantes da arte de

curar. Tal medicina mostrava-se de uma ineficácia dolorosamente atroz. Devemos também

levar em conta a falta de praticantes diplomados nas artes de cura, bem como de hospitais e

boticas que atendessem à população.

Nota destoante em tal ordem de coisas eram as enfermarias e boticas da

Companhia de Jesus. Os inacianos, até a data de sua expulsão, mantiveram em seus colégios

diversas enfermarias, as quais, em muitos lugares, eram o único local de atendimento médico à

292 Portas e janelas possuem um simbolismo, no qual são vist as como pontos de passagem ent re o mundo humano e o cósmico , e en t re o profano e o sagrado . Possuem também ligações simbólicas com a vulva e a penet ração sexual. Sobre t al simbolismo, ver Bethencour t , op . cit ., pag. 110.

293 Livro da Vis i tação . . . , pp . 239-242.

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população, como no caso de Belém do Pará no século XVIII294. Além disso, estes

missionários também se destacaram enquanto estudiosos das propriedades curativas de ervas

brasílicas, utilizadas pelos pajés.

A escassez de médicos e hospitais já auxiliaria a explicar a força do

curandeirismo, amplamente baseado nas plantas nativas originalmente conhecidas pelos

indígenas. Devemos somar a isto a mentalidade religiosa vigente entre a população. Esta,

como temos visto, estava profundamente ligada aos parâmetros do cristianismo tradicional, e

trazia em si uma ordenação mágica do mundo objetivo. Numa época em que as condições de

vida não eram as da mais perfeita salubridade, e onde as expectativas de longevidade não eram

altas, as moléstias eram enquadradas como algo cujas origens eram sobrenaturais - como, por

exemplo, no caso de um feitiço -, e nesta esfera deviam ser combatidas. Daí o recurso a

praticantes de rituais mágicos, tais como benzedeiros, curandeiros e mesmo aos exorcismos da

Igreja, na busca da cura.

É com base nestes fatores que podemos compreender o papel social dos

praticantes da magia de cura no conjunto da visita paraense. Os curandeiros, no Livro da

Visitação, podem ser divididos em dois grupos: de um lado, os que exerciam tal mister como

forma de sustento, profissionalmente ; de outro, os que eventualmente praticavam os rituais

de curandeirismo. Um outro indício da importância social dos curandeiros reside na enorme

quantidade de pessoas que são, nas denúncias/ confissões referentes a este tipo de magia,

mencionadas como pacientes ou testemunhas. Tal fator evidencia o trânsito e conhecimento

dos curandeiros, principalmente os profissionais na sociedade paraense. As pessoas

relacionadas em tais relatos pertencem aos mais variados setores da sociedade, passando por

autoridades, lavradores, até pessoas de posição mais humilde.

Um dos curandeiros profissionais com ampla clientela - a maior desta visitação

- foi a índia Sabina. Ex-cativa, dona de paradeiro incerto, ela foi denunciada por três pessoas.

Denunciada aos quarenta anos de idade, Sabina possuía uma vasta carteira de clientes, entre os

quais se incluíam um governador, ouvidores e tesoureiros. Contudo, Sabina não atendia

294 Lycurgo Santos F ilho , H is tória Geral da Medic ina Bras i le ira , São Paulo , H ucit ec/ E D USP, 1991, vo l 1, pp . 117-118.

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apenas às pessoas de posição mais destacadas na sociedade paraense. Eclética, visitava também

lavradores, sapateiros, militares e quem mais lhe requisitasse os serviços.

Sabina agia no âmbito da contra-feitiçaria: as doenças de todos os seus

pacientes eram frutos de feitiços, e cabia à Sabina detectá-los e anulá-los.

A atuação de Sabina obedecia a uma rotina padrão: ao chegar no local onde

estava o paciente, ela constatava a existência do feitiço, o qual era imediatamente localizado -

dentro da casa do enfermo ou nos seus arredores - e exibido aos presentes. Assim foi com

João de Abreu Castelo Branco, governador do Pará. Sendo chamada para tratar do governante

doente, Sabina ao chegar pediu uma faca,

Sabina dissera ainda que aquele feitiço não era para Castelo Branco, e sim para

um outro, que já havia morrido.

O lavrador Manoel de Souza Novais, experimentando na sua família e

escravatura grandes mortandades advindas, no seu entender, de feitiços - uma vez que

encontrava embrulhos com coisas desconhecidas em suas árvores de cacau - tentou de tudo,

até mesmo os exorcismos da Igreja. Não vendo resultado algum, mandou buscar Sabina. A

atuação da índia foi fulminante:

Com efeito, aí foi achado

Era, pois, pela detecção da causa dos males - em boa parte, feitiços - que se

caracterizava esta etapa da ação de Sabina.

Depois, a índia partia para a contra-magia própriamente dita, que consistia na

anulação do malefício. Para isso, ela se utilizava de procedimentos indígenas que Claude

d Abbeville já havia reparado nos curandeiros tupinambás: o sopro nas partes doentes e a

sucção de feitiços do corpo do paciente297. Tal como no caso de Caetana Tereza, esposa do

lavrador Domingos Rodrigues, moradores em Belém, na Rua da Rosa. Constatando o

enfeitiçamento de Caetana, obra e graça de uma índia que esta abrigava em casa, Sabina

295 Livro da Vis i tação ..., pp . 172-173. 296 I dem, pp . 165-166. 297 Claude d Abbeville, H is tória da Mis s ão dos Padre s Capuchinhos na i lha do

Maranhão , Belo H orizonte/ I t at iaia; São Paulo / E D USP, 1975, pag. 253.

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retirara os feitiços do solo, de acordo com seu padrão de atuação. Isto feito, a curandeira

requisitou

Sabina, sincréticamente, pediu água benta, e metendo nela a mão fora com os

dedos dentro da boca da doente e dela extraíra um lagarto . Nem com isso a doente

melhorou, o que veio a acontecer graças ao auxílio dos exorcismos da Igreja, recomendados

por Sabina298. No caso do governador Castelo Branco houve uma deposição parecida: após as

defumações, três bichos saíram de seu corpo.

Findos estes procedimentos característicos das pajelanças indígenas, Sabina

recebia seu pagamento - ganhou em certa ocasião uma peça da Bretanha de Manoel de

Souza Novais299 - e se retirava, deixando atrás de si seus intrigados clientes. Sabina era tida

como uma pessoa misteriosa, pois gerava opiniões contraditórias por onde passava. Quando o

visitador perguntou a Raimundo José de Bitencourt, um ex-paciente convertido em

denunciante, morador ao pé da igreja de São João sobre a opinião que este tinha a respeito

da fama e procedimentos de Sabina, ouviu que

A mesma idéia não tinha Domingos Rodrigues, que afirmou conhecer Sabina

Não era apenas Sabina, contudo, que agia profissionalmente no âmbito da

magia de cura. O preto José, solteiro, nação mandinga, escravo de Manoel de Souza, também

vivia do curandeirismo. Possuidor de uma ampla relação de pacientes, José trabalhava com

base em sucos de ervas, defumadouros, sopros e sucções. Ele não perdia tempo em serviço:

chamado para ver uma escrava do carpinteiro Manoel Francisco da Cunha, logo ao chegar viu

um bicho que havia sido expelido pela doente, e foi dizendo que ela ainda tinha mais dentro

de si . Imediatamente começou a agir: praticou uma adivinhação, após a qual afirmou que a

escrava sobreviveria. A seguir, pronunciando palavras desconhecidas pelo denunciante,

preparou uma beberagem à base de ervas, que deu à enferma (depois, outras duas seriam

preparadas, a serem ministradas em diferentes momentos do dia). Após as beberagens, José

enterrou uma espiga de milho no quintal e retornou, para assistir à deposição, por parte da

enferma, de mais três bichos,

298 Livro da Vis i tação ..., pp . 171-172. 299 I dem, pag. 166. 300 I dem, pag. 270. 301 I dem, pag. 174.

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Em outra ocasião, José utilizou seus rituais de sucção e ervas para curar a

mulher de Manoel F. da Cunha. Insatisfeito, por ter ganho não mais que uma pataca do

carpinteiro, José foi se queixar com uma outra cliente: a esposa de Elias Caetano, familiar do

Santo Ofício, para quem curava uma escrava. A ela, José disse que o sovina havia de morrer

primeiro que a dita sua mulher 303. Curioso, neste caso, é o fato de um curandeiro estar, a

trabalho, na casa de um agente da Inquisição, o que demonstra que nem mesmo os agregados

do Tribunal deixavam de compartilhar a mentalidade religiosa comum.

Um caso de prática efetiva e constante de curandeirismo encontrado no Livro

da Visitação é o de Ludovina Ferreira, denunciada por duas vezes no ano de 1763. Ludovina,

mulher branca, viúva e de aproximadamente 60 anos, morava atrás do Rosário dos Pretos , e

possuía um modo todo especial de agir. A mulata Inês Maria, moradora na rua de S. Vicente,

contou ao visitador que por volta de 1743 Mariana Barreto, uma conhecida sua, se encontrava

padecendo de hemorragias. Para curar os sangramentos chamaram Ludovina que, mal entrou,

saiu a apalpar o ventre da enferma. Feito isso, Ludovina iniciou um ritual de pajelança:

Evidenciado o enfeitiçamento, Ludovina voltou em outra noite, para dar

continuidade ao tratamento. Desta vez, contudo, não viera só: trazia dois índios em sua

entourage, um dos quais, chamado Antonino, era conhecido da denunciante. Ludovina, os

índios e a enferma se recolheram a um cômodo escuro da casa, e lá começaram a cantar e

tanger suas maracas. O resultado foi que

Uma vez cessados tais barulhos, começaram outros, feitos pelos tais índios ou

demônios . Ouviram-se vozes, que eram interrogadas por Ludovina a respeito da cura da

paciente. O ritual se repetiu por diversas noites, até que em uma delas o índio Antonino caiu

sem sentidos como morto na casa da paciente, sendo lá deixado por Ludovina, que somente

no dia seguinte foi ressuscitá-lo com o auxílio de orações.

Uma lembrança a denunciante guardou daqueles bulhentos rituais, que

aconteciam invariávelmente à meia-noite: a de diversas vozes de entidades consultadas

302 Idem, pp . 137-138.Laura de Mello e Souza t ranscreve az orra como rã. Ver O D iabo ..., pag. 174, no ta 60.

303 Livro da Vis i tação ..., pag. 139. 304 I dem, pag. 159.

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dizendo que a enferma não haveria de sobreviver, o que se confirmou em breve espaço de

tempo305.

Menos traumática foi a experiência que Constança Maciel, viúva do cabo de

canoas Manoel Tomás, teve com Ludovina. Estando, por volta de 1730, em casa de uma

amiga doente para auxiliar no tratamento, Constança viu chegar, à meia-noite, Ludovina

acompanhada de sua troupe, agora acrescida de sua filha Inácia. Ludovina seguiu a rotina de

sempre: cânticos ritmados pelas maracas, o cômodo escuro, as vozes das entidades

sobrenaturais - acompanhadas pelos costumeiros assovios e estrondos. Desta vez, contudo, os

acontecimentos se desenrolaram de maneira diferente: Ludovina, avisada pelos pajés ou

demônios , detectara os feitiços, causa dos padecimentos da enferma, e procedera à sua

anulação. Também nesta ocasião o índio Antonino se estatelara como morto - ou como em

transe -, pernoitando no local do tratamento, sendo de lá retirado por Ludovina no dia

seguinte. Restou à denunciante a impressão de que tanto a dita Ludovina como a referida sua

filha Inácia e o dito índio Antonino têm familiaridade e trato com o demônio , em virtude dos

prodígios que obravam306.

Ludovina e sua equipe, contudo, não eram os únicos a praticarem estes

procedimentos indígenas de cura e adivinhação - os quais, segundo Laura de Mello e Souza, só

são encontrados na visita paraense307. O índio Antonino foi denunciado por praticar, como

autônomo, estes mesmos rituais308. Casos semelhantes são os da preta Maria, denunciada por

Domingos Rodrigues309, e o do índio Domingos de Souza, denunciado por Manoel Portal de

Carvalho, alferes e proprietário da fazenda onde este trabalhava. Manoel, intrigado com a

notícia [de que se] fazia algumas operações suspeitas contra a religião católica um índio (...)

do serviço da mesma sua fazenda , que era Domingos, principiou uma pequena investigação

em sua propriedade. Sem alegar, em sua denúncia, qualquer ligação com o Santo Ofício,

Manoel agira como se dele fizesse parte: entrou a interrogar diversas pessoas que

testemunharam as sessões de Domingos, para fazer um completo relatório ao visitador.

À semelhança de Ludovina, Domingos oficiava seus rituais acompanhado de

uma equipe, composta de sua esposa Bernardina, da mulata Lourença e da cafusa Tereza.

305 Idem, pp . 158-161. 306 I dem, pp . 175-178. 307 Laura de Mello e Souza, O D iabo ..., pag. 269. 308 Livro da Vis i tação ..., pag. 211.

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Porém, suas pajelanças tinham uma característica que lhes diferenciavam das demais: uma

vez na presença do paciente, Domingos cobria o próprio corpo com penas, e dava início ao

tratamento310.

O curandeirismo presente no Livro da Visitação se manifestava, também, na

qualidade de orações praticadas por curandeiros ocasionais, que agiam como tal no momento

em que surgisse a oportunidade. Estas pessoas faziam uso de orações destinadas à cura males

específicos, que não possuíam aplicações em outros casos. Estas orações, em sua maioria,

apelavam para o poder mágico de elementos e santos da Igreja, invocando-os ou implorando a

cura em seu nome. Tais orações, ainda, refletiam antigas crenças relativas ao poder curativo

das palavras, principalmente as consagradas, como nomes de santos e de objetos da Igreja311.

José Januário da Silva, procurador de causas por profissão, era um destes

curandeiros eventuais. A 12 de outubro de 1763, portanto durante o período da graça, J.

Januário procurou o visitador para confessar diversas orações de cura de seu conhecimento.

Entre outras coisas, Januário se acusou de saber curar o quebranto, que se manifestava por meio

de sinais de febre, quebramento de corpo e dores de cabeça . Do quebranto, por sinal

existem menções antigas, e sua cura era bastante difundida no Portugal seiscentista312. Para

eliminar tal moléstia, Januário se aproximava do enfermo e sem lhe por a mão o benzia com

ela no ar, formando uma cruz , voltada para o corpo do paciente (Januário mencionou

também o uso de um terço de sua propriedade para os mesmos fins). Enquanto fazia as

cruzes, que não possuíam número certo, Januário recitava repetidamente a seguinte oração:

fulano, com dois te deram, com três te tirem em nome de Deus e da Virgem Maria , rezando

depois um Padre Nosso, uma Ave Maria e um Gloria Patri , oferecendo tudo à paixão e

morte de Cristo. Tal cura foi usada umas oitenta vezes, e Januário menciona o sucesso da

oração em muitos pacientes.

Januário, porém, não curava apenas quebranto: ele declarou ao visitador que

sabia curar mau-olhado, através de uma oração que também utilizava o sinal da cruz e os

309 Idem, pag. 247. 310 I dem, pp . 222-224. 311 Bethencour t , op . cit ., pag. 56. 312 Paiva, op . cit ., pp . 88-92.

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santos católicos, praticada incontáveis vezes. Confessou também conhecer um ritual singular,

para curar uma moléstia chamada simplesmente o sol, que se manifestava com dores de cabeça:

Januário estendia um guardanapo sobre um bofete ou qualquer outra parte e com a mão

estendida fazia cruzes com as palavras do credo principiando a fazê-las (...) de uma ponta do

guardanapo até a outra ponta ao viés e concluindo também ao viés nas outras duas pontas ,

dizendo as seguintes palavras (pronunciadas nas pontas do guardanapo): creio(...) Deus padre

(...) todo (...) poderoso . Finda esta etapa preparatória, Januário dobrava o guardanapo e

tendo preparada uma ventosa de vidro cheia d água o punha sobre sua boca, assim como o

tinha dobrado e depositava tudo sobre a cabeça do enfermo, fazendo cruzes e pronunciando

o sol e a lua tiram-se com o sinal da cruz , enquanto rezava um Pai Nosso e uma Ave Maria,

oferecendo tudo à paixão e morte de Cristo. Tal prática continua a ser levada a efeito

atualmente, e dela encontramos menção em Câmara Cascudo313. Voltando a Januário, este

afirma, por fim, o caráter amador de tais curas: disse o confitente que nem por ele [a cura do

sol] nem pelas acima ditas pediu em nenhum tempo satisfação, porém se lhe mandavam

alguma coisa o aceitava por esmola 314.

A mameluca Domingas Gomes da Ressurreição, ex-escrava, também procurou

o visitador para confessar orações de cura. Entre outras, Domingas confessou ter aprendido a

cura para o quebranto e a erisipela de sua senhora, que por ter recebido o cordão de S.

Francisco havia sido proibida pelos seus confessores de praticá-las. Contra a erisipela devia-se

pegar uma faca, e com ela tocar a parte enferma, fazendo cruzes e dizendo Rosa branca

contente [corto-te?] , seguido de Rosa negra corto-te , Rosa encarnada corto-te , e Rosa

esponjosa corto-te . Por fim, deveria dizer: requeiro-te da parte de Deus e da Virgem Maria

se tu és fogo selvagem, ou erisipela, não maltratas [sic] a criatura de Deus , e rezar um Pai

Nosso e uma Ave Maria. Domingas ainda curava, do mesmo modo que José Januário,

diversos outros males. Tais orações lhe foram ensinadas por diversas pessoas diferentes,

inclusive eclesiásticas, como o caso de um frade leigo de S. Bento, com quem aprendera uma

oração contra o mau olhado diferente daquela que usava J. Januário. Pondo os dedos em

forma de cruz sobre o rosto do doente, deveria dizer as seguintes palavras, enquanto formava

313 Luiz da Câmara Cascudo, D ic ionário do Fo lc lore Bras i le iro , Rio de Janeiro , E diouro , s.d ., pag. 828. Laura de Mello e Souza, em O D iabo . . . , t ambém menciona, à página 178, a persist ência desta prát ica.

314 A extensa confissão de Január io est á no Livro da Vis i tação ..., pp .150-156.

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cruzes com as mãos: Jesus Cristo te lindrou, (...) Jesus Cristo te criou, (...) Jesus Cristo te diz:

olha quem de mal te olhou 315.

315 Idem, pp . 179-182.

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- Man d in gas e P atuás

Os sistemas religiosos, em sua maioria, possuem a crença de que certos objetos

podem armazenar poderes sobrenaturais, utilizados na vida cotidiana como fonte de proteção

e bem-estar. Com o cristianismo não foi diferente. A Igreja medieval, inclusive, investiu no

poder mágico dos santos e de suas relíquias, no afã conquistar novos adeptos316.

No caso do cristianismo pré-reformas, encontramos acentuadamente casos de

diversos objetos cultuados como fontes de poderes sobrenaturais. Tais itens eram usados

como amuletos pelos fiéis, que procuravam guardá-los em casa ou trazê-los junto a si. Dentre

estes objetos aos quais eram atribuídos poderes mágicos, encontramos os vestígios da

passagem de santos pela Terra, tais como roupas, residências, pertences pessoais e mesmo

restos físicos. Uma outra categoria era a dos elementos de culto da Igreja, aos quais eram

atribuídos grande poder místico. Deste modo, as imagens de santos, a hóstia, o próprio missal,

ou mesmo a pedra do altar onde são celebradas as missas tornaram-se objeto de cobiça e uso,

por parte dos fiéis, através da confecção de amuletos. Estes, por sua vez, eram condenados

como práticas de conjuro e feitiçaria, bem como por estarem associados ao paganismo317.

Uma das manifestações de tal mentalidade religiosa, encontrada na visita

paraense, é a confecção de amuletos em forma de bolsa, contendo elementos de culto da

Igreja, como a hóstia e a pedra d ara. Estas bolsas visavam proteger seu portador contra males

físicos, bem como propiciar-lhe bonança material - como, por exemplo, sucesso com o sexo

oposto. Segundo Laura de Mello e Souza, tais bolsas tiveram amplo uso no Brasil do século

XVIII, com destaque para a região Norte, e representam a mais sincrética forma de magia

colonial318.

Encontramos, no Livro da Visitação, denúncias referentes ao roubo de

material litúrgico para a confecção das bolsas, sendo que uma delas possui lances de

investigação dignos de um romance policial. O diretor dos índios da vila de Beja, Raimundo

316 Thomas, op . cit ., pp . 35-37. 317 Chaves, op . cit ., pags. 257 e 270.

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José Bitencourt, em 12 de abril de 1764 contara ao visitador ter, há aproximadamente quinze

dias, suspeita do comportamento do índio Lázaro Vieira. Dando asas à sua veia detetivesca,

Raimundo, acompanhado de sua esposa, aproveitou a ausência do índio para entrar em sua

casa e revistar seus pertences. Fizeram, então, uma grave descoberta: dentro de um caixote

onde Lázaro guardava suas coisas, foi achado um embrulho que, uma vez aberto, revelou

conter

As surpresas - e descobertas - não pararam aí. Ato contínuo, logo acharam no

mesmo embrulho sete bocadinhos de pedra do tamanho de botões pequeninos , que estava

envolto em um pedaço de tafetá encarnado . Precavidos, Raimundo e esposa colocaram o

embrulho de volta no caixote, para que não desconfiasse o dito índio quando se recolhesse

para casa . Contudo, não deixaram de agir: logo no dia seguinte, Raimundo voltou à casa de

Lázaro acompanhado de dois padres. Estes confirmaram que o embrulho continha pedra

d ara.

Passado mais um dia, Raimundo e os padres foram à igreja, onde constataram

ter sido quebrado um pedaço da pedra sobre a qual eram rezadas as missas, tendo sido

colocado um pedaço de tijolo em seu lugar de modo que, sob a capa, não houvesse alterações

na aparência que despertassem a desconfiança do vigário. Agora, só faltava descobrir o

culpado do roubo. Este foi logo achado: era o índio Joaquim, sacristão, de vinte e poucos anos

de idade. Presssionado, Joaquim confessou ter roubado hóstias e pedra d ara, que distribuiu

para outros índios. O sacristão ainda citou os nomes de seus receptadores: eram eles

Domingos Gaspar, sargento-mor da povoação (que também recebera uma hóstia); nosso já

conhecido Lázaro; Mathias, morador na casa do próprio denunciante e a um outro índio, cujo

nome Raimundo desconhecia (estes só receberam cacos de pedra). Interrogando o sacristão

sobre as virtudes da pedra, Raimundo ficou sabendo que

A própria hóstia é elemento de cobiça, utilizada para práticas de magia, e seu

roubo não era feito somente por sacristãos inescrupulosos. Diversos fiéis aproveitavam o

momento da comunhão para conseguir a partícula consagrada, retirando-a de sua própria boca

318 Laura de Mello e Souza, O D iabo ..., pp . 210-211.

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e guardando-a com outras finalidades. Tal foi o caso de Antônio Rois, que após a comunhão

tirou a hóstia da boca e guardou-a na algibeira, sendo preso por isso em 1765319.

As práticas mágicas da visitação paraense, contudo, não se esgotam aqui. A

visita setecentista, para além da abundância de denúncias e confissões de feitiçarias, é

caracterizada pelo comparecimento massivo do Grande Inimigo. Presente em diversas

ocasiões, o Diabo deixa sua marca no cotidiano paraense, sendo às vezes tão requerido quanto

os santos da Igreja.

319 AN TT, Inquisição de Lisboa, caderno do promotor n º 128. E ste caso não consta do Livro da Vis i tação , apesar de ocorr ido na mesma época. Agradeço à gent ileza de Luiz Mot t o acesso a est e documento .

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I I I P ACT O S D E MO N Í ACO S

Ao analisarmos a visitação paraense, dois fatores saltam aos olhos. Um deles, é

a ausência de casos de judaísmo. O outro, a abundância dos casos de feitiçaria. Dentro destes

últimos, há ainda um outro elemento que merece destaque: a presença do Diabo, constante no

cotidiano do Norte brasileiro.

No Livro da Visitação abundam casos de pessoas que evocaram o Diabo, seja

para pedir-lhe favores ou até mesmo acertar tenebrosos pactos. No âmbito da magia amorosa,

o Grande Inimigo concorre com os santos experts no assunto, S. Marcos e S. Cipriano.

Observa-se, na visita paraense, uma intensa requisição dos serviços do Demo enquanto

entidade ligada mais à malícia do que ao malefício320, uma vez que ele era evocado com a

intenção de propiciar conquistas amorosas. Nosso já conhecido Manoel Pacheco de

Madureira, depois de provavelmente haver ficado sem fôlego recitando tantas vezes suas

orações de amor - e desiludido pela ineficácia delas - perdeu a compostura. Desesperado com

a ardente paixão que lhe abrasava a alma, resolveu radicalizar. Sendo levado pela mais forte

tentação que lhe podia fazer o demônio , por duas vezes o invocou, dizendo Satanás,

abranda-me o coração de fulana! E nem assim conseguiu. Depois do fiasco, vendo que a

320 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 9.

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separação não tinha volta, Manoel tratou de buscar o remédio de sua alma aos pés de três

confessores , os quais lhe negaram absolvição até que fosse procurar o visitador321.

Melhor sucedido foi o alfaiate João Mendes Pinheiro, de 20 anos de idade à

época de sua apresentação ao visitador. O alfaiate aprendera um lavatório infalível com um

índio, que também se chamava João que, após matar com um tiro sua esposa, fugira e passara

a residir na fazenda do Padre Custódio Alvares Roxo322. João Mendes contou ao visitador que,

em certa ocasião, conversava com o índio, mencionando-lhe o desejo que tinha de conseguir

para fins torpes e desonestos a uma índia solteira que morava em um sítio vizinho , que lhe

recusava o afeto porque ela lhe dizia que ele confitente não era capaz . O índio não se fez de

rogado: seguido de João Mendes, foi para a mata, onde procurou uma certa árvore pequena

chamada tavarataseú, a qual costuma crescer sempre aos pares. Arrancando uma das árvores

que encontraram, dirigiram-se para o rio, onde o índio instruiu a João Mendes para que este

raspasse a casca da raiz com sua faca, misturasse com as folhas e com elas se banhasse,

enquanto dizia Diabo, jura-me fiar de ti, me lavo com estas folhas para fulana me querer

bem .

João Mendes tomou três vezes o banho encantatório, repetindo o conjuro a

cada uma delas. O resultado não se fez esperar: logo na noite seguinte aos lavatórios, a índia

saíra de casa para bater na porta de João Mendes, que não pensou duas vezes: a recolheu para

dentro, e logo ambos ofenderam a Deus , ficando no alfaiate a certeza de que isto aconteceu

graças ao Tinhoso e aos lavatórios, porquanto antes desta diligência não pudera conseguir a

dita índia, fazendo para isso (...) excessos, e depois tão facilmente a veio conseguir 323.

Neste caso, nota-se uma imbricação entre a magia indígena, manifestada pela

procura de determinada árvore que cresce acompanhada apenas de mais uma da sua espécie,

formando um tipo de casal, e o cristianismo, manifestado pela invocação do Diabo.

Em um outro caso do Livro da Visitação, podemos notar uma confusão de

ordem diferente. O índio Alberto Monteiro, carpinteiro, morador na Rua das Flores, se

apresentou em 1766 para confessar uma prática de magia amorosa. Pressionado por seu

321 Livro da Vis i tação ..., pag. 238. 322 O padre Custódio , an t igo vigár io geral do G rão-Pará era, assim como seu irmão, o

chant re Lourenço Alvares Roxo de Porfir io , comissár io do Santo O fício , t endo sido habilit ado ao comissar iado em 1764. D evo esta in formação à gent ileza de Luiz Mot t .

323 Livro da Vis i tação ..., pp . 208-209.

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confessor, que agindo de acordo com os interesses inquisitoriais lhe negava a desobriga

quaresmal324, Alberto procurou a Mesa da Inquisição. Uma vez em frente ao visitador relatou

que cobiçara, para fins de trato ilícito uma índia casada. Tentou de todos os meios para

conquistá-la, e não conseguiu. Uma vez que não dobrava a forte vontade de seu objeto de

desejo, mais fortemente tentado fez com o demônio pacto expresso . O pacto, que Alberto

relatara ao confessor, era pronunciado em língua indígena, sendo que iniciava com a palavra

Jurupari. Traduzindo o pacto para o português (o Livro da Visitação não menciona se a

tradução é obra da Mesa inquisitorial ou do próprio confitente), temos o seguinte: Diabo, se

tu fizeres a minha vontade permitindo-me dormir com esta mulher, eu te prometo fazer-te o

que tu quiseres, e me podes levar contigo 325. Encontramos, nesta confissão, os elementos do

contrato demoníaco clássico: a conquista de benesses materiais, em troca da servidão e

danação da alma do pactuante326, que se deixará levar pelo Demo.

Por outro lado, nota-se aqui uma confusão entre o Diabo cristão e entidades

indígenas. Jurupari, originalmente concebido pela mitologia tupi como entidade legisladora e

mantenedora da justiça327 sofreu, graças à ação da catequese católica, um processo de

demonização, sendo associado ao Diabo. Esta é a etapa final de um processo de fusão e

justaposição de crenças e idéias, característico da situação colonial. A mistura de diferentes

matrizes culturais - no caso em questão o lusitano, o indígena e o africano - levou, segundo

Carlos Roberto Nogueira, a um reordenamento de crenças e idéias, formando um vasto

quadro sincrético 328. Tal processo acarretou uma descaracterização e reinterpretação de

diversas formas e figuras religiosas, como o Diabo cristão - que perdeu os atributos

demoníacos essenciais à sua caracterização européia 329 -, e Jurupari, transformado no próprio

Diabo.

Voltemos, então, à história de Alberto Monteiro, nosso candidato a Fausto

tupiniquim. Sem ter obtido qualquer resposta do Diabo, após ter pronunciado tão direto

324 A desobr iga quaresmal era a ocasião onde devia ser feit a a confissão anual obrigatór ia, exigida pelo concílio de Trento . Para maiores detalhes, ver Lana Lage da G ama Lima, A Confis s ão Pe lo Aves s o , Tese de D outoramento apresen tada à USP, 1991, vo l. 2.

325 Livro da Vis i tação ..., pag. 246. 326 Sobre os elementos do pacto , ver Robbins, op . cit ., pp 369-379. 327 Cf. Câmara Cascudo, op . cit ., pp . 495-497. 328 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 11. Sobre o processo de demonização das culturas

amer índias, ver t ambém Laura de Mello e Souza, O conjunto : América d iabólica in Infe rno Atlântico , pp .21-46.

329 N ogueira, A Outra Fac e ..., pag. 11.

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pacto, Alberto sentiu no mesmo tempo um grande abalo dentro do coração , e passou a

temer um castigo divino. Contudo, perseverou: repetiu o pacto, e mais uma vez sentiu o tal

abalo. Vendo que não conquistava a mulher cobiçada, Alberto ficou desconfiado de que o

demônio lhe não queria fazer o que lhe pedia, ou de que não tinha poder algum para o fazer .

Existe, contudo, um detalhe sarcástico nesta história: apesar de tamanho fiasco do seu pacto

diabólico, Alberto depois veio a conquistar a mulher que desejava - não por obra e graça do

Diabo, mas sim por virtude das diligências que fizera para o dito fim 330.

Outro que ficou desconfiado das capacidades do Tinhoso foi o sargento

Ignácio Pereira. Ao perder consideráveis somas no jogo, manifestou o desejo de se encontrar

com o Diabo, a fim de pessoalmente lhe pedir ajuda. Contudo, uma vez que Ignácio

e o Diabo não aparecera, o confitente ficou então convencido de que

O ressabiado Inácio contou ainda, que lendo sobre a eternidade num livro

espiritual, alumiado pelo Espírito Santo veio a conhecer os seus erros, e logo entrou a detestá-

los , procurando um confessor - que prudentemente lhe enviou para a Mesa da Inquisição331.

O Diabo, contudo, não era apenas invocado por meio de palavras. O ferreiro

Crecêncio de Escobar, logo nos primeiros dias da visitação, procurou o inquisidor para

denunciar Adrião Pereira, que já se encontrava naquela região na condição de degredado pelo

Santo Ofício. Segundo Crecêncio, Adrião lhe pedira para transcrever uma carta de tocar, e pela

tarefa lhe pagaria três milréis (sic) . Segundo Adrião, tal carta possuía a virtude de conquistar

qualquer mulher com a qual fosse tocada. O denunciante, então, copiou o texto, que se

encontrava escrito em latim; começou a ficar desconfiado a partir do momento em que

percebeu que repetidas vezes aparecia a palavra Diabo ao longo da carta. Espantado, perguntou

de novo a Adrião qual era a finalidade da carta, tendo ouvido a mesma resposta: conquistar

mulheres. Finda a transcrição, Adrião pegou o papel e nele desenhou duas figuras como de

homens e outra de uma faca de ponta, e outra de uma pistola e abaixo de todas estas figuras

escreveu seu nome , guardando a seguir as cartas na algibeira.

330 Livro da Vis i tação ..., pp . 246-247. 331 I dem, pp . 229-231.

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A evocação do Diabo, neste caso, está inserida dentro de uma prática de magia

de contato, efetivada pelo toque entre a carta e a mulher desejada. Tal categoria magista, que

atribuía poderes sobrenaturais à palavra escrita, não era desconhecida no Portugal setecentista,

e mesmo antes, quando diversas pessoas já haviam sido punidas por realizarem tais atos332.

Percorrendo as denúncias e confissões do Livro da Visitação paraense,

notamos que o Diabo servia, do mesmo modo que os santos católicos, como recurso último

face a uma situação de impotência e desesperança. Os amores malditos podiam acabar em

pactos demoníacos - Manoel Pacheco Madureira que o diga -, pois nem sempre os santos

resolviam tais questões a contento. Esta recorrência ao Diabo para resolver assuntos de amor

vem, como já foi mencionado, de sua ligação com a malícia, para além do malefício. Sedutor

por excelência, o Diabo era chamado para que ajudar os homens no afã de seduzir a mulher

desejada. Neste aspecto, o Demo é evocado enquanto contrapartida ao sexo sacralizado e

procriador apregoado pela teologia; propiciador da satisfação da luxúria, o Diabo ajuda no

sexo ilícito e sem fins de procriação - fora do casamento segundo as regras da Igreja333.

Companheiro próximo na vida cotidiana, o Diabo surge na visitação paraense com uma força

que não tivera em nenhuma das visitações anteriores, que para cá vieram em busca de cristãos-

novos.

Uma vez que a visita setecentista não foi realizada com o intuito de caçar

judaizantes, compreende-se este aflorar demoníaco, ocorrido às vésperas do último

Regimento da Inquisição, promulgado em 1774. Por uma estranha ironia, neste Regimento,

ficava descartada a possibilidade de existência da bruxaria e do pacto demoníaco, taxados

como fruto do charlatanismo, da histeria ou da loucura. Isto, devido a um simples motivo:

uma vez que o pacto consistia em um contrato entre um mortal e o Diabo, e nunca ninguém

provara que o infernal contratante aceitara ou não o negócio, não havia como assentar sua

332 Bethencour t , op . cit ., pag. 69. 333 Luiz Mot t , E tnodemonologia: aspectos da vida secual do D iabo no mundo íbero-

amer icano (séculos XVI ao XVII I ) in E s cravidão , H omos s e xualidade e D emono log ia , São Paulo , Í cone, 1988, pag.124.

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validade334. Deste modo, o cerne do modelo clássico de bruxaria, que nunca vingara em

Portugal com a mesma força que no resto da Europa, era descartada. O relegar para segundo

plano das idéias demonológicas representava, certamente, um sinal dos novos tempos.

334 Re g ime nto do Santo Offic io da Inquis ição dos Re inos de Portug al, Lisboa, na O fficina de Miguel Manescal da Costa, 1774, Tit . XI .

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- CO N CLU SÃO -

A visita paraense, interessantíssimo e vasto objeto de estudos, não é, como

poderia parecer à primeira vista, um enigma historiográfico. Suas características destoantes da

atuação inquisitorial lusa - a extemporaneidade, o longo tempo de duração, o teor dos delitos

confessados/denunciados - tornam-se compreensíveis, na medida em que situamos a visita em

um contexto histórico mais amplo.

A ocorrência da visitação ao Pará se encontra diretamente ligada aos planos do

Estado português para aquela região. A visita foi realizada num momento de crucial

importância, tanto para o Tribunal quanto para o Norte brasileiro. No caso da Inquisição, esta

vivia os momentos mais importantes de um processo de dominação que lhe submetia

diretamente ao Estado português, conduzido com mão de ferro pelo Marquês de Pombal. O

Norte brasileiro, por sua vez, era alvo das principais atenções do poderoso Marquês, à época:

todos os esforços eram feitos no sentido de incrementar o desenvolvimento e a presença

portuguesa na região, estratégicamente importante devido à zona fronteiriça que demarcava

limites com as posses espanholas. Um outro fator importante deve ser lembrado: havia poucos

anos, a Companhia de Jesus - maior potentado econômico e mais forte ordem missionária da

região - havia sido expulsa, deixando em seu rastro um vazio econômico, religioso e político

que era necessário preencher.

A visitação, muito além de reprimir os desvios morais paraenses, estava

inserida nos planos pombalinos de reformas para a região. A grande evidência disto é a

escolha do visitador, Pe. Giraldo José de Abranches: indicado para o cargo por Francisco

Xavier de Mendonça Furtado, que além de ex-governador do Estado do Grão-Pará e

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Maranhão, era irmão do Marquês de Pombal, Giraldo acumulou também as funções de vigário

capitular, responsabilizando-se pela condução do bispado paraense até 1772.

Bispo-inquisidor, Giraldo representava naquela região uma Igreja afinada com

as práticas regalistas do Estado português. Neste sentido, a visitação teve por objetivo a

sedimentação da implantação deste modelo regalista, substitudo das práticas exclusivistas da

Companhia de Jesus, que chocavam-se contra a linha adotada pela Coroa lusa.

No campo dos delitos confessados e denunciados, a visita paraense também

apresenta características especiais. Um fato marcante é a ausência de denúncias ou confissões

formais de práticas judaicas. As poucas menções concernentes a tais delitos no Livro da

Visitação referem-se à ascendência ou reputação de pessoas que foram denunciadas por

outras culpas. Isto não é motivo de estranhamento, se levarmos em conta que o Santo Ofício

agia de acordo com a política de tolerância pombalina, que acabou por eliminar a distinção

entre cristãos novos e velhos. Os tempos eram outros, e o furor anti-semítico da atividade

inquisitorial cedia lugar a uma tolerância face aos elementos judaicos da população, importante

fonte de capital que interessava a Pombal preservar em território português.

À ausência dos delitos judaicos corresponde uma explosão de confissões e

denúncias de práticas mágicas em proporção nunca vista nas visitas anteriores. A análise dos

relatos destes rituais mostra o quanto a mentalidade religiosa paraense estava impregnada de

magismo. A utilização das práticas mágicas ocorria nas mais diversas circunstâncias do

cotidiano: saúde, amor, conhecimento. Auxiliar precioso nas dificuldades da vida, instrumento

de superação das limitaçõs humanas a magia não encontrava barreiras: elementos das mais

diversas camadas sociais a praticavam ou procuravam seus oficiantes, como fica patente no

caso das clientelas de curandeiros profissionais paraenses, como a índia Sabina e o preto José.

Analisando o teor das denúncias e confissões relativas à magia, nota-se uma

forte presença de elementos indígenas, mesclados a práticas européias e africanas - o que se

explica devido à composição social paraense. Os rituais indígenas de cura, principalmente,

destacam a magia paraense do todo colonial: as pajelanças de Ludovina Ferreira, do índio

Antonino e de Domingos Rodrigues são únicas, com suas invocações de espíritos, defumações

e sucções.

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Outra característica específica desta visita foi a intensa presença do Diabo,

pactuando com os míseros mortais e propiciando amores malditos. A visitação setecentista

está salpicada de contratos com o Diabo. No momento em que o discurso demonológico

clássico - responsável pelo acender de inúmeras fogueiras no continente europeu - perdia

força e crédito, encontramos um aflorar de pactos demoníacos na visita paraense. Cerne da

crença na bruxaria, o pacto demoníaco surge com bastante expressividade na visitação

setecentista, num momento em que era desacreditado pelas Luzes em toda a Europa, inclusive

em Portugal - o que fica evidente no Regimento da Inquisição de 1774.

Os fatores que analisamos ao longo de nossa pesquisa evidenciam o quanto a

religiosidade paraense ainda estava longe do ideal reformista oriundo do concílio tridentino.

As denúncias e confissões do Livro da Visitação mostram, em toda a sua pujança, a vivência

do catolicismo tradicional no Pará setecentista. Uma forma religiosa calcada nos aspectos

mágicos da existência, onde o sagrado serve aos assuntos profanos do dia a dia, onde homens,

santos e demônios convivem e interagem entre si.

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167

- AN EXO I: MAPA DE BELÉM - 1661-1700. Neste mapa, notam-se

diversas ruas onde residiam confitentes, denunciantes e testemunhas (Sávio Capelossi Filho e

Raymond J. M. Seynaeur, Guia Histórico e Turístico da Cidade de Belém).

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168

- ANEXO II: RELAÇÃO DOS ENDEREÇOS E PROFISSÕES DE DENUNCIADOS,

DENUNCIANTES E CONFITENTES.

ADRIÃO PEREIRA, lavrador, morador na vila do Cametá, denunciado por

prática de cartas de toque por CRECÊNCIO DE ESCOBAR.

ALBERTO MONTEIRO, carpinteiro, morador na Rua das Flores,

confitente de magia amorosa.

ANSELMO, morador na freg. da Sé da Lira, denunciado por porte de pedra

d ara por FR. ANTONIO TAVARES.

ANTONIA JERÔNIMA DA SILVA, moradora na rua detrás da

Misericórdia, denunciante de ANTONINO.

ANTONINO, ex-escravo e oleiro, morador na Vila de Cintra, denunciado

por rituais de curandeirismo por ANTÔNIA JERÔNIMA DA SILVA.

ANTONIO DE SOUZA MADEIRA, alfaiate, morador na Rua da Baroca

(sic), denunciante de ANTÔNIO DA SILVA.

ANTÔNIO MOGO, soldado, morador na rua que vai atrás da de S. João ,

denunciado por orações amorosas por MARIA FRUTUOSA DA SILVA.

ANTÔNIO TAVARES (FR.), vigário da freg. de N. S. da Conceição de

Benfica, denunciante de roubo de pedra d ara.

BERNARDO ANTÔNIO, lavrador, morador no rio Bujaria, confitente de

bigamia.

CAETANO DA COSTA, fazendeiro, morador na freg. de Sta. Ana do

Guarapé Merim, denunciante de ISIDRO.

CONSTANÇA MACIEL, moradora na Rua de S. Vicente, denunciante de

LUDOVINA FERREIRA.

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CRECÊNCIO DE ESCOBAR, lavrador, morador na Vila da Vigia,

denunciante de ADRIÃO PEREIRA.

DIONÍSIO DA FONSECA, capelão da Sé de Belém, confitente de

blasfêmia.

DOMINGAS GOMES DA RESSURREIÇÃO, ex-escrava, moradora na

Rua da Praia que vai para Sto. Antônio, confitente de curandeirismo.

DOMINGOS DA SILVA PINHEIRO, capitão de infantaria de Belém,

denunciante de JOSÉ FELIZARDO.

DOMINGOS DE SOUZA, trabalha na fazenda do denunciante, morador na

Fazenda Utinga, Freg. de N. S. do Rosário, denunciado por rituais de curandeirismo por

MANOEL PORTAL DE CARVALHO.

DOMINGOS RODRIGUES, lavrador, morador na Rua da Rosa,

denunciante de SABINA e MARIA.

FELICIANA DE LIRA BARROS, vive da sua agência , moradora na Rua

do Pacinho, confitente de sodomia.

FELIPE JACOB BATALHA, lavrador, morador na Rua do Pacinho,

confitente de sodomia.

FRANCISCO JOSÉ, ex-soldado e alfaiate, denunciado por blasfêmia por

LUÍS DE SOUZA DA SILVA.

FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO, senhor de engenho, morador no

engenho da Boa Vista, denunciado por sodomia por JOAQUIM ANTÔNIO.

[GASPAR JOÃO GERALDO DE] GRONFELT, engenheiro militar

alemão, denunciado com o nome de fulano Gronfelt por luteranismo por PE. MIGUEL

ANGELO DE MORAIS.

GIRALDO CORREYA LIMA, diretor dos índios, morador na freg. de

Santo Inácio, denunciante de PEDRO RODRIGUES e MARÇAL AGOSTINHO.

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GONÇALO JOSÉ DA COSTA, senhor de engenho e lavrador, denunciante

de JOANA.

IGNÁCIO PERES PEREYRA, sargento de granadeiros, morador na Rua

Formosa, confitente de invocação do Diabo.

INÊS MARIA DE JESUS, costureira, moradora na Rua de S. Vicente,

denunciante de LUDOVINA FERREIRA.

ISABEL MARIA DA SILVA, moradora na Rua de S. João, confitente de

adivinhação e denunciada por necromancia por JOSEFA COELHO.

IZIDRO, juiz de órfãos da Vila do Cametá, denunciado por açoite de

imagens por CAETANO DA COSTA.

JOANA MENDES, ex-escrava, denunciada por blasfêmia por JOÃO

VIDAL DE S. JOSÉ.

JOANA, escrava, moradora no engenho de N. S. do Água Lupe, denunciada

por curandeirismo por GONÇALO JOSÉ DA COSTA.

JOÃO DE S. JOSÉ (FR.), morador no convento dos mercedários,

denunciante de JOÃO VELOZ.

JOÃO MENDES PINHEIRO, aprendiz de alfaiate, morador na Rua das

Almas, confitente de magia amorosa.

JOÃO VIDAL DE S. JOSÉ, sangrador, morador na Rua dos Mercadores,

denunciante de JOANA MENDES.

JOAQUIM ANTÔNIO, escravo, morador no engenho da Boa Vista,

confitente de sodomia e denunciante de FRANCISCO SERRÃO DE CASTRO.

JOAQUIM, sacristão, morador ao lado da igreja (?), denunciado por porte de

pedra d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.

JOSÉ DA COSTA, pedreiro, morador na Rua Direita junto da roda dos

enjeitados , denunciante de TOMÁS LUIZ FERREIRA.

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JOSÉ JANUÁRIO DA SILVA, procurador de causas, morador na Rua de S.

Mateus, confitente de curandeirismo e denunciante de JOSÉ.

JOSÉ MIGUEL AYRES, capitão-mor e fazendeiro em Marajó, denunciado

por blasfêmia por ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA.

JOSÉ, escravo e curandeiro, morador na Rua de São Vicente, denunciado

por curandeirismo por MANOEL FRANCISCO DA CUNHA e JOSÉ JANUÁRIO DA

SILVA.

JOSEFA COELHO, moradora na Rua da Atalaia, denunciante de ISABEL

MARIA DA SILVA.

LÁZARO VIEIRA, índio aldeado do Carmo, denunciado por porte de pedra

d ara por RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT.

LOURENÇO RODRIGUES, soldado, morador na Rua Nova (Sé),

confitente de magia amorosa.

LUDOVINA FERREIRA, moradora, ao tempo dos delitos, na rua detrás do

Rosário dos Pretos e ao pé do armazém de pólvora, denunciada por rituais de curandeirismo

por INÊS MARIA DE JESUS e por CONSTANÇA MACIEL.

LUIZ DE SOUZA SILVA, sem ofício, morando atualmente na enxovia das

Almas de Belém, por estar preso, denunciante de FRANCISCO JOSÉ.

LUIZ VIEIRA DA COSTA, morador em seu sítio do Limoeiro, ne vila

Viçosa do Cametá, denunciante de MIGUEL.

MANOEL DE OLIVEIRA PANTOJA, fazendeiro, confitente de zombaria

com símbolos da Igreja.

MANOEL DE SOUZA NOVAIS, lavrador, denunciante de SABINA.

MANOEL DO ROSÁRIO (FR.), morador no convento do Carmo de

Belém, confitente de sodomia.

MANOEL FRANCISCO DA CUNHA, carpinteiro, morador na Rua Direita

de Sto. Antônio, denunciante de JOSÉ.

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172

MANOEL JOSÉ DA MAIA, soldado, morador ao pé dos quartéis ,

confitente de magia amorosa.

MANOEL NICOLAU ROIZ (FR.), mercedário em Belém, denunciante, a

rogo de MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, de ANGELA MICAELA.

MANOEL NUNES DA SILVA, ajudante da ordenança, morador na Vila da

Vigia, confitente de oração amorosa.

MANOEL PACHECO DE MADUREIRA, vive de sua agência , morador

na Rua das Flores, confitente de magia amorosa, pacto demoníaco e balaio.

MANOEL PORTAL DE CARVALHO, alferes, morador na fazenda Utinga,

na freguesia de N. S. do Rosário, denunciante de DOMINGOS DE SOUZA.

MARÇAL AGOSTINHO, índio capitão, morador na vila de Buim,

denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.

MARÇAL, escravo e pedreiro, morador no engenho de Varapiranga,

confitente de balaio.

MARCELINA TEREZA, escrava, moradora na Sé, denunciante de MARIA

FRANCISCA.

MARIA FRANCISCA, escrava, moradora na Rua Formosa, denunciada por

balaio por MARCELINA TEREZA.

MARIA FRUCTUOSA DA SILVA, engomadeira, costureira e rendeira,

moradora na Rua de S. João, denunciante de ANTONIO MOGO.

MARIA JOANA DE AZEVEDO, vive do trabalho de suas mãos ,

moradora na freguesia de N. S. doRosário, confessa orações de amor e sonhos premonitórios.

MARIA JOSEFA DA ASSUNÇÃO, moradora na Ilha de Marajó, denuncia

através de FR. MANOEL NICOLAU ROIZ sua mãe ANGELA MICAELA.

MARIA, escrava, denunciada por rituais de curandeirismo por DOMINGOS

RODRIGUES.

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173

MIGUEL ANGELO DE MORAIS (PE.), cura da freg. de N.S. do Rosário

da Campina, denunciante de fulano GRONFELT (Gaspar João Geraldo de Gronsfeld).

PEDRO RODRIGUES, carpinteiro, morador na vila de Buim, na rua larga

de São Paulo, denunciado por doutrina herética por GIRALDO CORREIA LIMA.

RAIMUNDO JOSÉ BITENCOURT, diretor dos índios da vila de Beja,

morador ao pé da igreja de S. João de Belém, denunciante de roubo de pedra d ara e de

SABINA.

ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA, fazendeiro, morador na Rua de S.

Boaventura, denunciante de JOSÉ MIGUEL AYRES.

SABINA, ex-escrava e atual curandeira, moradora no bairro da Campina,

denunciada por curandeirismo por MANOEL DE SOUZA NOVAIS, DOMINGOS

RODRIGUES e RAIMUNDO JOSÉ DE BITENCOURT.

- ANEXO III: RELAÇÃO DAS TESTEMUNHAS, E DIVERSAS

PESSOAS MENCIONADAS NAS DENÚNCIAS E CONFISSÕES (com endereço e/ ou

profissão).

ACACIO DA CUNHA DE OLIVEIRA (pe.), vigário, mencionado por

relatar o delito de PEDRO RODRIGUES a GIRALDO CORREIA LIMA.

ANA BASÍLIA, costureira, moradora perto do convento de Sto. Antônio de

Belém, mencionada como testemunha de ato mágico de ISABEL MARIA DA SILVA.

ANNA, moradora na casa de ROMÃO LOURENÇO DE OLIVEIRA,

mencionada como testemunha de blasfêmia de JOSÉ MIGUEL AYRES.

ANTONIO DA SILVA BRAGANÇA, cabo de canoa na vila de Beja,

mencionado como paciente de SABINA.

ANTONIO DE MIRANDA, sem ofício, morador ao pé da Igreja do

Rosário , mencionada por ensinar oração amorosa a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

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ANTONIO RODRIGUES MARTINS, tesoureiro dos índios, mencionado

por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.

ATANÁSIO, lavrador, é criado e da administração de Antonio José de

Macedo , morador no Rio Mojuim, mencionado por ensinar oração amorosa a MANOEL

JOSÉ DA MAIA.

CAETANA, moradora detrás da Misericórdia , mencionada por ensinar

oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

DOMINGOS GASPAR, sargento-mor, mencionado pelo índio JOAQUIM

como receptador de pedra d ara roubada.

DOMINGOS RODRIGUES DE LIMA, morador na Rua de S. Matheus,

mencionado por sua casa ter sido palco da atuação de SABINA.

ELIAS CAETANO, familiar do Santo Ofício, mencionado por ter uma

escrava curada por JOSÉ.

FAUSTINO, sem ofício, morador atrás de S. João , mencionado por ensinar

oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

IGNÁCIA, filha de LUDOVINA FERREIRA, mencionada como sua

cúmplice.

IGNACIO COELHO BRANDÃO, lavrador, morador numa rua junto ao

Rosário dos Pretos , mencionado como testemunha de atos mágicos de LUDOVINA

FERREIRA.

JERONIMA CAETANA, moradora no rio Muruyni, testemunha de

curandeirismo de ANTONINO.

JOANA DA GAIA, moradora em casa de JOSEFA COELHO, testemunha

em denúncia contra ISABEL MARIA DA SILVA.

JOÃO BATISTA SEGO (CEGO?), morador ao pé do Rosário dos Pretos ,

mencionado como paciente de JOSÉ.

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JOÃO BATISTA, mencionado como paciente de JOSÉ, é pai de JOSÉ

JANUÁRIO DA SILVA.

JOÃO DE ABREU CASTELO BRANCO, governador do Pará, mencionado

como paciente de SABINA.

JOÃO JOSÉ DE LIRA BARROS, estudante, testemunha de prática de

balaio.

JOÃO, morador na fazenda do padre Custódio Alvares Roxo, mencionado

por ensinar magia amorosa a JOÃO MENDES PINHEIRO.

JOSÉ CAETANO CORDEIRO, subchantre da Sé de Belém, ensinou oração

de amor a MANOEL NUNES DA SILVA.

JOSÉ DE GOUVEIA, escrivão dos órfãos, mencionado por recomendar os

serviços de JOSÉ a JOSÉ JANUÁRIO DA SILVA.

JOSÉ LUIS, soldado, morador da Rua de S. Mateus, mencionado de invocar

o Diabo por IGNACIO PERES PEREYRA.

JOSÉ MARIA, morador ao pé de Santo Antônio , mencionado como

paciente de JOSÉ.

LÍVIA, cumprindo degredo no Macapá, mencionada por aprender oração

amorosa de ANTONIO MOGO.

LÚCIA, moradora ao pé do Rosário, em casa do Capitão da Vigia ,

mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

MANOEL DA COSTA FERRÃO, tesoureiro dos ausentes, mencionado por

sua casa ter sido palco da ação de SABINA.

MANOEL LOURENÇO, sapateiro, morador ao pé do sargento-mor

MANOEL JOSÉ DE LIMA , mencionado como paciente de SABINA.

MARIA DA FÉ, moradora em frente à roda dos enjeitados , mencionada

como paciente de JOSÉ.

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176

MARIA JOSEFA DE BITANCOUR, moradora atrás da igreja de S. João ,

mencionada por aprender oração de amor de ANTONIO MOGO e por ensiná-la a MARIA

JOANA DE AZEVEDO.

MARIA JOSEFA DE BRITES, esposa de RAYMUNDO JOSÉ

BITHENCOURT, mencionada como paciente de SABINA.

MARIANA BARRETO, moradora na Rua do Açougue, mencionada como

paciente de LUDOVINA FERREIRA.

MARIANA DE MESQUITA, mencionada como paciente de LUDOVINA

FERREIRA.

ROSA MARIA DOS SANTOS, moradora na Rua do Pacinho, com

Bernarda Amatildes , mencionada por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE

AZEVEDO.

SIMÃO JOSÉ DE OLIVEIRA, soldado, morador na casa de JOSÉ

JANUÁRIO DA SILVA, mencionado como testemunha de cura de JOSÉ.

THEODORA LAMEIRA, moradora ao pé da Misericórdia , mencionada

por ensinar oração de amor a MARIA JOANA DE AZEVEDO.

VICTORIANA, moradora em casa de Manoel da Costa Couto na rua ao pé

de Santo Antônio , mencionada como paciente de JOSÉ.

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- AN EXO IV: DELITOS CONFESSADOS E DENUNCIADOS AO

VISITADOR

D E LITO S D E N UN CIAD O S

CO N FE SSAD O S TO TAL (%) Curanderismo 13 02 15 (25)

Magia Amorosa 02 07 09 (15) Magia D ivinatória 02 03 05 (8)

Sodomia 02 03 05 (8) Blasfêmia 04 01 05 (8)

Magia de Proteção 05 - 05 (8) H eresia 04 - 04 (6)

Judaísmo 03 - 03 (5) Bigamia 02 01 03 (5)

Invocação do D iabo 01 01 02 (3) Pacto D emoníaco - 02 02 (3)

Proposições E rrôneas 02 - 02 (3) Visionarismo - 01 01 (1,5) Luteran ismo 01 - 01 (1,5)

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