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INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO 1ª Edição SIG Quadra 4, Bloco B, Ed. Capital Financial Center, Brasília - DF + 55 61 3962 8700 [email protected] www.abdi.com

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INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA

UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

1ª Edição

SIG Quadra 4, Bloco B, Ed. Capital Financial Center, Brasília - DF

+ 55 61 3962 [email protected]

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INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIAUMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

BrasíliaABDI2017

Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial

1ª Edição

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República Federativa do Brasil

Michel Temer

Presidente

Ministério da Indústria,

Comércio Exterior e Serviços

Marcos Pereira

Ministro

Agência Brasileira de Desenvolvimento

Industrial - ABDI

Luiz Augusto de Souza Ferreira

Presidente

José Alexandre da Costa Machado

Diretor

Miguel Antônio Cedraz Nery

Diretor

Bruno Jorge Soares

Gerente de Planejamento

Equipe Técnica e Revisão da ABDI

Carlos Henrique de Mello Silva

Jackson De Toni

Ricardo Amorim

Roberto Pedreira

Rogério Araújo

Simone Uderman

Ana Carolina Nogueira

(Estagiária)

Projeto gráfico

Mariana Destro

Contrato n.029/2015

“Serviços técnicos especializados para a reali-

zação de estudos e pesquisas acerca de políticas

industriais e ações de fomento ao desenvolvimen-

to tecnológico e à inovação”.

Gestor do contrato: Roberto Pedreira

Coordenação

Carlos Torres Freire, Doutor em Sociologia pela

USP e Diretor Científico do Cebrap.

Glauco Arbix, Professor Titular do Departamento

de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP).

Mário Sérgio Salerno, Professor Titular do

Departamento de Engenharia de Produção da

Escola Politécnica da USP.

Equipe de pesquisa:

Carolina Mota Mourão, Mestre em Direito

do Estado pela USP, Professora de Direito

Administrativo da Universidade Presbiteriana

Mackenzie.

Daniel Babinski, Mestre em Direito do Estado

pela USP, sócio do Gomes & Navarro Advogados

Associados e pesquisador associado do Cebrap.

Felipe Massami Maruyama, mestrando em

Engenharia de Produção na Poli/USP e pesquisa-

dor associado do Cebrap.

Graziela Castello, Graduada em Ciências Sociais

pela Pontifícia Universidade Católica de SP e

pesquisadora do Cebrap.

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Guilherme Soares Gurgel do Amaral, Doutor em

Engenharia de Produção pela Escola Politécnica

da USP, pesquisador associado do Cebrap.

Leonardo Melo Lins, Mestre e Doutorando em

Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP) e

pesquisador associado do Cebrap.

Paula Santana, mestranda em Políticas Públicas

pela USP, pesquisadora associada do Cebrap.

Consultores e especialistas:

André Tortato Rauen (Ipea), Doutor em Política

Científica e Tecnológica pela Unicamp, pesquisa-

dor do Ipea.

André Amaral, economista, consultor em

finanças públicas.

Carlos Américo Pacheco, Doutor em Economia,

Instituto de Economia da Unicamp.

Cristina Caldas, Doutora em Imunologia pela USP,

pesquisadora visitante no Center for International

Studies do Massachusetts Institute of Technology

(MIT).

Demétrio G. C. Toledo, Professor Doutor do

Bacharelado em Relações Internacionais da

Universidade Federal do ABC.

Diogo Coutinho, Professor Associado do

Departamento de Direito Econômico, Financeiro e

Tributário da Faculdade de Direito da USP.

Eduardo de Senzi Zancul, Professor do Departamento de

Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP.

Evando Mirra, Professor Titular Engenharia

Metalúrgica da Universidade Federal de Minas

Gerais (UFMG).

Fernanda De Negri, Doutora em Economia pela

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp),

pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica

Aplicada (Ipea) e pesquisadora visitante no

Industrial Performance Center do Massachusetts

Institute of Technology (MIT).

Jorge de Paula Costa Avila, Doutor em Saúde

Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de

Janeiro.

João Alberto De Negri, Doutor em Economia pela

Universidade de Brasília, pesquisador do IPEA.

Pedro Salomon Bezerra Mouallem, Mestre em

direito pela Faculdade de Direito da USP.

Roberto Vermulm, Professor Dr. da Faculdade de

Economia e Administração da USP.

Consultoria jurídica:

Manesco, Ramires, Perez, Marques,

Sociedade de Advogados.

Sundfeld Advogados, Consultores em Direito

Público e Regulação.

Veirano Advogados.

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

Uma contribuição ao debate sobre as políticas de desenvolvimento produtivo: inovação e manufatura

avançada / Organizador: Jackson De Toni - Brasília : ABDI, 2017.

v. 1 (545 p.) : il., gráfs. color.

ISBN: 978-85-61323-42-4

1. Indústria 2. Indústria Brasileira 3. Política Industrial

4. Desenvolvimento Brasileiro 5. Inovação 6. Tecnologia;

De Toni, Jackson// I. Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial.

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INTRODUÇÃO

APRESENTAÇÃO

01 / PANORAMA DE POLÍTICAS INDUSTRIAIS E DE INOVAÇÃO NO BRASILINTRODUÇÃO

PARTE I. INTRODUÇÃO E CONTEXTO

1. PARÂMETROS PARA UMA NOVA GERAÇÃO DE POLÍTICAS DE INOVAÇÃO

PARTE II. POLÍTICAS INDUSTRIAIS: TRAJETÓRIA RECENTE NO BRASIL

1. A INOVAÇÃO COMO POLÍTICA DE ESTADO

2. A POLÍTICA INDUSTRIAL TECNOLÓGICA E DE COMÉRCIO EXTERIOR (PITCE)

3. A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO (PDP)

4. O PLANO BRASIL MAIOR (PBM)

5. O PLANO INOVA EMPRESA E A OVA GERAÇÃO DE POLÍTICAS DE INOVAÇÃO

6. PROGRAMA NACIONAL PLATAFORMAS DO CONHECIMENTO (PNPC)

PARTE III: MARCO REGULATÓRIO E EVOLUÇÃO DO FINANCIAMENTO A CT&I

1. A CONSTRUÇÃO DO NOVO PADRÃO DE FINANCIAMENTO: 1997-2001

2. CONSOLIDAÇÃO DO NOVO MODELO DE GOVERNANÇA: 2003-2009

3. INTEGRAÇÃO DAS POLÍTICAS DE CT&I COM A POLÍTICA INDUSTRIAL: 2011-2014

NOVOS RUMOS: REVISÃO DO MARCO LEGAL E PROJETOS ESTRUTURANTES

REFERÊNCIAS GERAIS

REFERÊNCIAS POR POLÍTICA INDUSTRIAL

02 / BENCHMARKING DE POLÍTICAS PARA DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO DE PAÍSES SELECIONADOSINTRODUÇÃO

1. UM NOVO CONTEXTO PARA FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS

1.1. REARRANJO DA CAPACIDADE INDUSTRIAL

1.2. A INOVAÇÃO COLABORATIVA E O PAPEL CRÍTICO DAS EMPRESAS NASCENTES

1.3. NOVOS REQUERIMENTOS PARA GOVERNANÇA

2. QUADRO CONCEITUAL PARA INSTRUMENTOS DE POLÍTICAS

INDUSTRIAIS E DE INOVAÇÃO

3. TENDÊNCIAS RECENTES NO USO DE INSTRUMENTOS DE POLÍTICA

INDUSTRIAL PARA A INOVAÇÃO

3.1. AUMENTO DA PARTICIPAÇÃO PÚBLICA NA P&D EMPRESARIAL E DA

UTILIZAÇÃO DE INCENTIVOS FISCAIS

11

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115

SUM

ÁRIO

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3.2. CRIAÇÃO DE MECANISMOS DE TRANSFERÊNCIA TECNOLÓGICA JUNTO A

INICIATIVA PRIVADA

3.3. APOIO AO EMPREENDEDORISMO

3.4. FORTALECIMENTO DO USO DA ENCOMENDA PÚBLICA

4. PERFIS NACIONAIS RESUMIDOS

4.1. ESTADOS UNIDOS

4.2. CHINA

4.3. ALEMANHA

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

03/ AVALIAÇÃO DO USO DO ARCABOUÇO JURÍDICO DE INOVAÇÃOINTRODUÇÃO

1. ESTRUTURAÇÃO DA PESQUISA EMPÍRICA

1.1. METODOLOGIA ADOTADA

1.2. TEMÁTICAS EXPLORADAS

2. AVANÇOS E DEMANDAS NA PERCEPÇÃO DOS USUÁRIOS

2.1. AVANÇOS PERCEBIDOS NO ARCABOUÇO LEGAL ASSOCIADO ÀS

PRÁTICAS DE INOVAÇÃO

2.2. DEMANDAS A RESPEITO DO ARCABOUÇO LEGAL ASSOCIADO ÀS

PRÁTICAS DE INOVAÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

ANEXO I – ROTEIRO DE ENTREVISTA

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

04/ ANÁLISE DA LEI DE INOVAÇÃOSUMÁRIO DO CAPÍTULO

1. COMPRAS

2. FLUXO DE CONHECIMENTO

3. EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO

4. FINANCIAMENTO

APRESENTAÇÃO

INTRODUÇÃO

1. CONSOLIDAÇÃO DO ARCABOUÇO JURÍDICO-INSTITUCIONAL EM INOVAÇÃO

2. COMPRAS

2.1. ELEMENTOS METODOLÓGICOS

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2.2. IMPORTAÇÃO, PESQUISA E INOVAÇÃO NO BRASIL: ASPECTOS LEGAIS E

INFRALEGAIS

2.3. O PODER DE COMPRA DO GOVERNO COMO INDUTOR DA MUDANÇA

TÉCNICA NAS EMPRESAS

3. FLUXOS DE CONHECIMENTO

3.1. RECURSOS HUMANOS

3.2. COOPERAÇÃO ICT-SETOR PRIVADO

3.3. PROPRIEDADE INTELECTUAL

3.4. RECOMENDAÇÕES

4. EMPREENDEDORISMO E INOVAÇÃO

4.1. INCENTIVOS ÀS EMPRESAS INOVADORAS EM ESTÁGIO INICIAL

4.2. INCENTIVOS ÀS EMPRESAS INOVADORAS EM ESTAGIO INICIAL:

O FINANCIAMENTO VIA CAPITAL DE RISCO

4.3. INVESTIMENTO EM EMPRESAS INOVADORAS POR MEIO DE FUNDOS DE

INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÃO - FIP

4.4. FUNDOS DE INVESTIMENTOS EM EMPRESAS INOVADORAS COM

PARTICIPAÇÃO ESTATAL

4.5. O CAPITAL DE RISCO NA LEI DE INOVAÇÃO: PRINCIPAIS ENTRAVES E

PROPOSTAS NO PLANO JURÍDICO

4.6. RECOMENDAÇÕES

5. FINANCIAMENTO

5.1. SÍNTESE DA PROPOSTA DE FUNDO NACIONAL DE INOVAÇÃO

5.2. FOMENTO À INOVAÇÃO POR FINANCIAMENTO PÚBLICO

5.3. FOMENTO À INOVAÇÃO POR FINANCIAMENTO PRIVADO

5.4. GOVERNANÇA DO FUNDO NACIONAL DE INOVAÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

05/ MANUFATURA AVANÇADA NOS EUA – US NATIONAL NETWORK OF MANUFACTURING INNOVATION: A ESTRATÉGIA AMERICANA PARA A INDÚSTRIA AVANÇADA

SUMÁRIO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO

1. A EMERGÊNCIA DA REDE DE MANUFATURA AVANÇADA

2. POR DENTRO DO PROJETO NNMI

3. TENDÊNCIAS NAS POLÍTICAS DE INOVAÇÃO A PARTIR DO NNMI

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300

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3.1. A ORIGEM DO PROJETO NMI

3.2. ARCABOUÇO INSTITUCIONAL E GOVERNANÇA DO PROGRAMA

3.3. OS INSTITUTOS: CRIAÇÃO, FUNCIONAMENTO E AVALIAÇÃO

3.4. FUNCIONAMENTO INTERNO

3.5. EMPREGO E QUALIFICAÇÃO

3.6. AVALIAÇÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS

1. A CENTRALIDADE DO OSTP NA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA DE INOVAÇÃO

2. “MINISTÉRIOS-FIM” NO FINANCIAMENTO E NAS AQUISIÇÕES DE INOVAÇÕES

3. CRIAR AMBIENTES COMPARTILHADOS PARA EXPERIMENTAR, ABSORVER,

GERAR E TESTAR TECNOLOGIAS DE ÚLTIMA GERAÇÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

OUTRAS REFERÊNCIAS

ANEXO 1: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA TRABALHO DE CAMPO

06/ CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE NOS EUA: POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTITUIÇÕES

INTRODUÇÃO

1. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NOS EUA: A CIÊNCIA COM MISSÃO

2. METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO DE CAMPO

3. A POLÍTICA DE C&T NORTE-AMERICANA NA ÁREA DE SAÚDE

4. TENDÊNCIAS RECENTES NAS POLÍTICAS DE CTI EM SAÚDE

CONSIDERAÇÕES FINAIS: LIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS DOS EUA E

RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICAS E AÇÕES PARA O BRASIL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXO 1: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA TRABALHO DE CAMPO

ANEXO 2: LOCAIS VISITADOS E ENTREVISTADOS – SAÚDE NOS EUA

07/ MANUFATURA AVANÇADA NA ALEMANHA – MODELOS INSTITUCIONAISE POLÍTICAS DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM MANUFATURA

AVANÇADA: O CASO DA ALEMANHA E DO PROGRAMA INDUSTRIE 4.0SUMÁRIO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO

1. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM MANUFATURA NA ALEMANHA:

UMA VISÃO GERAL

2. METODOLOGIA DO LEVANTAMENTO DE CAMPO

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3. TENDÊNCIAS RECENTES NAS POLÍTICAS DE CTI

3.1. GOVERNANÇA DO PROGRAMA INDUSTRIE 4.0 E FORMAS

DE PARTICIPAÇÃO

3.2. O PAPEL DOS AMBIENTES DE TESTE E DEMONSTRAÇÃO – TESTBEDS

3.3. INSTRUMENTOS ESPECÍFICOS DE FOMENTO E ENVOLVIMENTO DE PMES

CONSIDERAÇÕES FINAIS: LIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS DA ALEMANHA E

RECOMENDAÇÕES PARA O BRASIL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXO 1: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA TRABALHO DE CAMPO

08/ ENERGIA E TECNOLOGIA NA ALEMANHA – A POLÍTICA DE INOVAÇÃO PARA ENERGIAS SUSTENTÁVEIS NA ALEMANHA

SUMÁRIO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO

1. CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO SETOR ELÉTRICO DA ALEMANHA:

UMA VISÃO GERAL

1.1. 1974 – 1989: FORMAÇÃO INICIAL DA DINÂMICA DO DESENVOLVIMENTO

TECNOLÓGICO NO SETOR

1.2. 1990 - 2000: GERAÇÃO DA INDÚSTRIA DE ENERGIAS RENOVÁVEIS

NA ALEMANHA

1.3. 2000 EM DIANTE: CONSOLIDAÇÃO DO PROCESSO DE DIFUSÃO DAS

TECNOLOGIAS DE ENERGIA RENOVÁVEIS NA ALEMANHA

2. METODOLOGIA DO TRABALHO DE CAMPO

2.1. ENERGIA E INDÚSTRIA 4.0

3. TENDÊNCIAS RECENTES NAS POLÍTICAS ENERGÉTICAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS: LIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS DO PAÍS E

RECOMENDAÇÕES PARA O BRASIL

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANEXO 1: ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA TRABALHO DE CAMPO

ANEXO 2: LOCAIS VISITADOS E PROFISSIONAIS ENTREVISTADOS

NA ALEMANHA

09/ MANUFATURA AVANÇADA NO BRASIL: DIRETRIZES E RECOMENDAÇÕES PARA A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA NACIONAL

SUMÁRIO EXECUTIVO

INTRODUÇÃO

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PRIMEIRA PARTE: INDÚSTRIA DO FUTURO, EUA, ALEMANHA E CHINA

1. UMA NOVA INDÚSTRIA

2. CONCEITOS E FUNDAMENTOS

3. ALEMANHA

4. ESTADOS UNIDOS

5. CHINA

6. TRAJETÓRIAS ADOTADAS NOS PAÍSES ANALISADOS

7. PONTO DE PARTIDA NO BRASIL

SEGUNDA PARTE: DIRETRIZES PARA O BRASIL

VISÃO GERAL DAS DIRETRIZES E RECOMENDAÇÕES

1. GOVERNANÇA

2. INTEGRAÇÃO INTERNACIONAL

3. LABORATÓRIOS

4. TESTBEDS

ANEXO 1 – DIRETRIZES PRELIMINARES PARA CHAMADAS PÚBLICAS DE

FOMENTO A TESTBEDS

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 11

INTRODUÇÃO

Em estudo recente sobre a competitividade, o Brasil ocupou o penúltimo

lugar num ranking de 18 países selecionados. 1 Entre nove fatores indicados,

apenas em quatro, disponibilidade de mão de obra, competição e escala do

mercado doméstico, educação e tecnologia e inovação, o país não ocupa o terço

inferior do ranking. Entre os fatores mais preocupantes estão o alto custo de

capital, as deficiências da infraestrutura de energia, a qualidade da educação,

o baixo investimento em P & D e, é claro, a deterioração dos indicadores ma-

croeconômicos.

Essa situação preocupante, entretanto, não deve diminuir o papel da in-

dústria na nossa trajetória de desenvolvimento nacional. O Brasil construiu

um diversificado e complexo tecido industrial desde o pós-guerra. Eletroele-

trônica, química, aeronáutica, automobilística, petroquímica, ..., poucos paí-

ses emergentes lograram construir em pouco tempo um parque industrial que

colocou o país entre as dez maiores economias do mundo. A indústria trans-

formou o país, mais urbano e escolarizado, modernizando as relações econô-

micas e institucionais.

Entretanto, não conseguimos acompanhar a revolução tecno-científica

em curso desde os anos setenta, nem modernizamos nossas instituições sufi-

cientemente para acompanhar a revolução nas cadeias globais de valor. Como

1 Competitividade Brasil, 2016, comparação com países selecionados, CNI, Brasília.

Page 13: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 12

consequência perdemos progressivamente produtividade e agregação de va-

lor nas nossas exportações, nos posicionamos de forma precária nas transfor-

mações da estrutura produtiva mundial.

Sabemos que é a indústria, em especial a manufatura, que gera maiores

multiplicadores da atividade econômica, maiores efeitos de escala e maiores

oportunidades para a inovação. Sabemos também que a indústria no mundo

inteiro vive um período de transição que não é só tecnológica, mas dos pró-

prios modelos de negócio. Os serviços, por exemplo, já adicionam mais que

60% do valor aos produtos industriais. A economia digital, baseada em novas

tecnologias de informação, avança em todos os setores. A assim chamada ma-

nufatura avançada ou “indústria 4.0” passou a ser um imperativo para insti-

tuições públicas e privadas que pensam o presente e o futuro do desenvolvi-

mento produtivo. Segundo o Boston Consulting Group, as tecnologias que es-

tão transformando a estrutura produtiva são: 1. robôs autônomos; 2. internet

das coisas em nível industrial; 3. manufatura aditiva; 4. integração de siste-

mas horizontais e verticais; 5. simulação; 6. realidade aumentada; 7. big data

e análises; 8. processamento e armazenamento de dados em nuvem; 9. segu-

rança cibernética. Há também uma diluição entre os antigos setores industrial

e agrícola na medida dos avanços da bioeconomia, da agricultura de precisão

e de tecnologias híbridas envolvendo novos materiais e novas cadeias de pro-

teínas. Essas tecnologias estão na base e são potencializadas por novos mode-

los de negócios baseados na customização em massa, na conexão instantânea,

e na “servitização” de bens industriais. Estamos à beira da Quarta Revolução

Industrial.

Tornou-se imprescindível pensar o processo de desindustrialização, não

só como o fim de um ciclo, mas o início de novas fronteiras nas políticas pú-

blicas, para isso o apoio à inovação, às parcerias público-privada e a um novo

tipo de política industrial, mais horizontal, compreensiva e flexível, feita em

camadas que combinem agendas microeconômicas com projetos mais estru-

turais é fundamental.

Page 14: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 13

O estudo exploratório apresentado pela ABDI ajuda a debater esse com-

plexo contexto, de profundas alterações tecnológicas, demográficas, regulató-

rias e sociais para repensar as políticas tradicionais de apoio ao setor produ-

tivo e sugerir insights para políticas futuras.

Page 15: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 14

APRESENTAÇÃO

A presente publicação resulta da edição e compilação dos relatórios de

pesquisa realizados pelo projeto de parceria entre a ABDI e o CEBRAP2 com o

objetivo de subsidiar os debates sobre o balanço das políticas de desenvolvi-

mento produtivo e as expectativas e possibilidades de novas fronteiras, em es-

pecial sobre a necessidade de aumentar a inovação no setor produtivo e disse-

minar as práticas da “Industrie 4.0”, como a chamam os alemães ou a “Advan-

ced Manufacturing”, denominação dada pelos norte-americanos.

Os relatórios de pesquisa foram organizados em oito capítulos. O pri-

meiro capítulo trata de um panorama das políticas industriais executadas na

última década. A visão é crítica e procura identificar os principais gargalos das

políticas industriais colocadas em prática no período, com ênfase para o tema

de inovação. O segundo capítulo aborda um estudo de benchmarking de polí-

ticas industriais em países selecionados: Estados Unidos, China e Alemanha.

O terceiro capítulo aprofunda o debate sobre os desafios do marco regulatório

de inovação. Os temas são segmentados em compras públicas, conhecimento

e financiamento. O quarto capítulo debate as alterações na Lei de Inovação,

incluindo o debate sobre os dispositivos da Lei 13.243/2016. Já os capítulos de

cinco a oito apresentam relatórios de estudos de caso que envolveram visitas

de campo. Os estudos são sobre a manufatura avançada nos Estados Unidos

(Capítulo 5), os setores de saúde, tecnologia e inovação nos Estados Unidos (Ca-

2 CEBRAP é a sigla do “Centro Brasileiro de Análise e Planejamento”, tradicional instituto de

pesquisa econômica e social, sediado em São Paulo, foi fundado em 1969.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 15

pítulo 6), o setor de manufatura avançada na Alemanha (Capítulo 7) e final-

mente os estudos de inovação e energias sustentáveis na Alemanha (Capítulo

8). O último Capítulo, nove, apresenta, em caráter exploratório e reflexivo, su-

gestões e recomendações sobre uma eventual política de manufatura avan-

çada para o Brasil.

Cabe registrar que as ideias, reflexões e sobretudo as recomendações de

políticas aqui contidas tem natureza unicamente reflexiva e exploratória, não

representando necessariamente a agenda oficial da agência e/ou seu posicio-

namento institucional, ou do Ministério da Indústria, Comércio e Serviços

(MDIC), ao qual a instituição é vinculada.

Boa leitura!

Page 17: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 16

01 /PANORAMA DE POLÍTICAS INDUSTRIAIS E DE INOVAÇÃO NO BRASIL

INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta uma análise de programas e ações de política

industrial, tecnológica e de inovação formuladas e implementadas pelo go-

verno federal nos últimos 10 anos.

O objetivo básico deste documento, além de uma periodização analítica,

com descrição dos alvos, instrumentos e metas previstos, é reconstruir a tra-

jetória das políticas de modo a identificar as modalidades de apoio e de finan-

ciamento públicos ao desenvolvimento tecnológico e à inovação.

Não se pretende aqui refazer minuciosamente a história das políticas

públicas voltadas para a indústria. Tampouco se debruçará sobre uma análise

especializada dos resultados alcançados, o que exigiria outra metodologia e,

fundamentalmente, séries históricas de dados de maior duração, capazes de

fornecer informações precisas e comparáveis.

Neste documento serão definidos os vetores principais que devem ori-

entar a construção de uma nova geração de política de desenvolvimento tec-

nológico e de inovação. Para isso, partiremos da reconstrução da evolução das

diretrizes, escopo e dos objetivos que nortearam as políticas aprovadas desde

2004, com todas suas virtudes, mas também com as oscilações, imprecisões e

equívocos mais importantes que marcaram suas trajetórias.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 17

Como base para esse esforço, foram analisadas as seguintes ações: Polí-

tica Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE); Política de Desen-

volvimento Produtivo (PDP); Plano Brasil Maior (PBM); Plano Inova Empresa

(PIE); Programa Nacional Plataformas do Conhecimento (PNPC). Além destes,

foram abordados de forma pontual o Programa de Sustentação do Investi-

mento (PSI), o Inovar Auto e contribuições da Estratégia Nacional de Ciência e

Tecnologia (ENCTI), definidas pelo Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação

(MCTI) em 2012.

Foram analisadas as proposições e carências das políticas após 2004

pelo prisma do que consideramos ser o eixo estruturante de toda política in-

dustrial contemporânea: a necessidade urgente de ações voltadas para a dimi-

nuição da distância que separa a economia brasileira dos países desenvolvidos

e das práticas industriais mais avançadas.

Nessa chave, o principal desafio que agentes públicos e privados enfren-

tam é o de formular políticas que levem à alteração do patamar de competiti-

vidade do sistema produtivo, em geral, de baixo desempenho e sem condições

de acompanhar a rápida evolução da indústria nos países avançados. Por isso

mesmo, a preocupação básica que deve permear as políticas industriais mo-

dernas é a de avançar rumo a alterações estruturais, que possibilitem a supe-

ração do gap tecnológico e a acomodação inercial da indústria, típica das eco-

nomias de concorrência limitada, fruto de décadas de protecionismo e tutela

estatal. Assim, os esforços para a elevação da baixa produtividade da economia

e o ainda baixo grau de desenvolvimento tecnológico e de inovação das nossas

empresas, mesmo das mais dinâmicas, indicam a qualidade das políticas in-

dustriais, assim como sua eficiência para o desenvolvimento sustentável e de

longa duração.

O capítulo está dividido em três partes. Na primeira, fazemos uma in-

trodução à discussão sobre política industrial, apontando brevemente a im-

portância de ciência, tecnologia e inovação, assim como fornecemos algumas

referências para se analisar as políticas no Brasil. Na segunda parte, traçare-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 18

mos a trajetória e faremos uma leitura das políticas industriais a partir da pre-

ocupação central com a inovação. Por fim, a terceira parte retoma o histórico

de mudanças no modelo de financiamento e no marco legal para C&TI no Bra-

sil nos últimos anos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 19

PARTE I. INTRODUÇÃO E CONTEXTO

1. Parâmetros para uma nova geração de políticas de inovação

Desde o final do século XX, avanços sem precedentes nas tecnologias da

informação e comunicação (TICs), favoreceram uma convergência tecnoló-

gica inédita, a partir da interconexão entre áreas, disciplinas e técnicas do co-

nhecimento, e passaram a patrocinar mudanças radicais na indústria de

transformação que, reestruturada, continuará sendo base e motor para inova-

ções sociais e econômicas. Setores industriais inteiros, como o químico, ener-

gético, de mineração, de petróleo e gás, de saúde e toda a matriz manufatu-

reira, vivem mudanças profundas, a partir de novos materiais, imagens, robó-

tica, impressão em 3D e, fundamentalmente, de sistemas integradores e ana-

líticos que geram ou reutilizam dados em escala e qualidade impensáveis há

poucos anos. Com isso, tecnologias digitais ganharam força inédita e deflagra-

ram processos inovadores que permitem ganhos em custo, produtividade e

eficiência.

Os impactos dessa grande transformação já se anunciam profundos,

tanto nos países desenvolvidos como nos emergentes. A começar pelas pers-

pectivas de uma nova geografia da produção e dos sistemas de fornecimento;

ou por conta dos desafios que os materiais avançados – como a fibra de car-

bono, o grafeno e outros – colocam para os complexos do alumínio e do aço; ou

pela diminuição das barreiras de entrada viabilizada pela computação e inter-

net; ou ainda, pelo consistente entrelaçamento da manufatura e serviços.

Por mais que esse panorama ainda seja restrito a algumas indústrias, é

fundamental compreender que o mundo fabril já mudou e vai mudar ainda

mais. A criação de emprego será mais difícil e, certamente, estará concentrada

em trabalhadores mais qualificados – engenheiros, designers, técnicos de TI,

logística, marketing – que operam em centros e escritórios muitas vezes longe

da produção. O perfil do emprego será muito distinto do que predominou no

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 20

século XX, com imensas consequências sociais, que nenhum ator relacionado

à formulação de políticas industriais pode ignorar.

A elaboração de políticas avançadas, com uma compreensão de con-

junto e com base em linhas de longa duração, está longe de ser trivial. As pre-

ocupações dos governos pautam-se, em geral, pelo curto prazo. Mais do que

isso, governos são muito suscetíveis a ceder diante de pressões protecionistas

ou a se mostrarem generosos com empresas e indústrias que se enraizaram no

passado e não têm condições de competir no futuro.

Foi por isso que, desde 2004, o governo brasileiro retomou a formulação

de políticas industriais, só que agora, com o foco em inovação. As políticas in-

dustriais implementadas na época de substituição de importações, tiveram

como objetivo industrialização do país, como meio de superação do atraso de

uma sociedade agrária com uma economia baseada em produtos intensivos

em recursos naturais e insumos de baixo valor agregado. Com uma infraestru-

tura rudimentar e mão-de-obra despreparada, as políticas industriais dos

anos 50, 60 e 70 desenvolveram-se em uma sociedade não plenamente demo-

crática, com uma concorrência controlada e forte presença do Estado, princi-

pal avalista, patrocinador do investimento de peso e tutor da industrialização.

Não se trata aqui de reescrever exaustivamente essa história. Mas ape-

nas de enfatizar alguns traços para deixar claro que o Brasil se transformou

em uma sociedade muito mais aberta, democrática e descentralizada, com

uma indústria heterogênea, relativamente integrada e, em muitas áreas, ca-

paz de competir inclusive mundialmente. Precisamente por isso, as políticas

industriais de hoje, se quiserem alcançar os resultados que anunciam, preci-

sam ter uma qualidade diferente das anteriores.

Para não ficar prisioneiro do passado, o Brasil precisa aproximar rapi-

damente sua indústria das melhores práticas internacionais, criar marcos re-

gulatórios propícios ao desenvolvimento tecnológico, de modo que suas em-

presas consigam endogeneizar os avanços e desenvolver inovações para mu-

dar o patamar de seus sistemas de produção.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 21

Como enfatizou Stiglitz, “structural transformation is always taking

place because of changes in technology, in comparative advantage, and in the

global economy”. Essas dimensões marcam o desenvolvimento industrial mo-

derno como um processo contínuo de inovação tecnológica e de diversificação

econômica. Ainda assim, para que esse processo tenha êxito, os países preci-

sam migrar seu capital humano e recursos financeiros escassos dos setores de

baixo desempenho para as áreas e complexos de alta produtividade. Para isso,

são necessárias políticas públicas com foco em inovação, articuladas com a

iniciativa privada, uma vez que “… the process to be efficient, coordination is-

sues and externalities issues must be addressed. Markets typically do not man-

age such structural transformations on their own well (Stiglitz et alli, 2013,

p.10).

Transformações dessa qualidade exigem investimento constante em

Educação, Ciência e Tecnologia (C&T), assim como em canais institucionaliza-

dos de comunicação permanente entre as estruturas produtivas e os centros

geradores de conhecimento e formadores de mão de obra qualificada, sem os

quais dificilmente os avanços obtidos serão traduzidos em produtos reais, com

inserção na economia.

Assim, as políticas públicas podem e devem ser concebidas para aumen-

tar a produtividade geral da sociedade e, em especial, de cientistas, técnicos e

engenheiros que atuam nas empresas e em centros de pesquisa, abandonando

de vez as práticas dirigistas e centralizadoras que marcaram o nosso passado.

Isso significa que a definição de objetivos e metas deve envolver responsabili-

dades compartilhadas entre o setor público e o privado, a começar pelo esforço

conjunto de construção de uma verdadeira cultura da inovação, que rejeite a

acomodação e a tutela do Estado como único caminho para se evitar o desper-

dício de recursos e a preservação de práticas empresariais ineficientes.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 22

No quadro a seguir apresentamos um resumo das mudanças que envol-

veram as políticas industriais no país nos últimos 60 anos:

Quadro 1: Contexto, Vetores e Visão das Políticas Industriais no Brasil

Período 1950-1980 1990-1999 2001-2010

Contexto Substituição de im-portações

Dirigismo estatal

Proteção comercial

Regime autoritário

Democracia restrita

Tecnologias da In-formação

Estado regulador

Economia mais aberta

Regime democrá-tico

Estabilidade e diminuição das desigualdades

Crescimento econômico

Estado indutor da transfor-mação industrial

Vetores Industrialização Eficiência e quali-dade

Inovação

Visão so-bre Tec-

nologia e Inovação

Industrialização pro-moveria concorrência, geração de tecnologia e elevação da competi-

tividade

Competição e aber-tura econômica ge-

rariam empresas mais competitivas

e inovadoras

Tecnologia e inovação nas empresas dependem de polí-

ticas públicas de incentivo

Fonte: Adaptado de Miranda e Mirra, 2012.

Até 2004, apesar das diferenças de políticas e regimes econômicos ao

longo do tempo, tecnologia e inovação foram concebidas muito mais como

subproduto da atividade econômica ou do funcionamento regular dos merca-

dos. A competição empresarial, no mercado doméstico ou internacional, seria

o motor do desenvolvimento de inovações tecnológicas. Concepções desse tipo

e porte, certamente ajudam a entender parte do atraso tecnológico brasileiro

e o ainda baixo desempenho da nossa indústria.

A inflexão nessa trajetória começaria a ocorrer a partir de 2004, com a

retomada das iniciativas públicas relacionadas às políticas industriais e, em

especial, com o foco explícito na inovação e desenvolvimento tecnológico. Mas

essa trajetória não seguiu uma linha ascendente nem ocorreu de modo linear.

O foco na inovação e desenvolvimento tecnológico, essencial para alteração do

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 23

patamar do sistema produtivo, nem sempre obedeceu aos enunciados e obje-

tivos fixados pelas políticas que, impreterivelmente, declararam o foco na ino-

vação e tecnologia.

As perspectivas reais, porém, mostraram realidade distinta. Não so-

mente por falhas de execução, mas a natureza mesma das políticas industri-

ais, que envolveram seus objetos, metas, prioridades e alocação de recursos,

foram objeto de longas e ainda inconclusivas polêmicas; e isso dentro do go-

verno, nas agências públicas, nas representações de classe e movimentos em-

presariais. É importante registrar que a polêmica sobre o desenho das políticas

está diretamente relacionada ao diagnóstico sobre o estágio da atividade in-

dustrial, do lugar que a indústria pode (e precisa) ocupar no cenário da econo-

mia nacional e internacional e sobre a atuação e competência institucional

que devem ter agências especializadas, como Banco Nacional do Desenvolvi-

mento Econômico e Social (BNDES), Financiadora de Estudos e Projetos (Fi-

nep), Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Instituto Naci-

onal de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), Instituto Nacional da

Propriedade Industrial (INPI), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-

visa), Agência Brasileira de Promoção das Exportações (Apex), na implemen-

tação dos programas de governo. É o que veremos a seguir.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 24

PARTE II. POLÍTICAS INDUSTRIAIS: TRAJETÓRIA RECENTE NO BRASIL

1. A inovação como política de Estado

Assim como ocorreu com a ciência brasileira, a preocupação de se estru-

turar um sistema de inovação é recente. Foi somente nos últimos 20 anos que

o Brasil construiu uma arquitetura relativamente robusta de inovação, que se

beneficiou do impulso coordenado pelo Ministério da Educação (MEC) para a

formação de técnicos e engenheiros especializados, ganhou força com a cria-

ção dos fundos setoriais – coordenados pelo MCTI e executados legalmente

pela Finep –, voltados para o financiamento da pesquisa e desenvolvimento

tecnológico, e adquiriu maior maturidade com a implantação de uma rede de

instrumentos, estímulos e incentivos econômicos para desenvolvimento tec-

nológico.

Assim, na segunda metade dos anos 1990, ainda no governo Fernando

Henrique Cardoso, foi registrado um grande avanço com a engenharia insti-

tucional dos Fundos Setoriais (com destaque para o Fundo Verde-Amarelo, de-

dicado à inovação) e a criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientí-

fico e Tecnológico (FNDCT), que seria regulamentado em lei especial de 2007,

que será apresentado na Parte III.

A partir de 2003, o Brasil deu passos mais rápidos para a articulação de

um sistema mais integrado e coerente para a indução da inovação nas empre-

sas nacionais, com destaque para a aprovação da Lei da Inovação (Lei nº

10.973/2004) e da Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005), que viabilizaram incentivos

à P&D semelhantes aos utilizados pelos países avançados. As mudanças no

marco legal e regulatório abriram a possibilidade de se estruturar programas

públicos de subvenção econômica (operada pela Finep), voltada para apoiar,

via FNDCT, projetos de alto risco tecnológico; mais ainda, viabilizaram uma

rede de subsídios para a fixação de pesquisadores nas empresas (Conselho Na-

cional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq e Finep), a disse-

minação de programas de financiamento à inovação de capital empreendedor

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 25

(Finep, BNDES e CNPq), assim como um arcabouço mais propício à interação

universidade-empresa. Nesse período, as alterações do marco legal ocorreram

em paralelo a um crescimento acentuado dos recursos e do investimento em

inovação e tecnologia. Por exemplo, o dispêndio em P&D no país apresentou

crescimento de 1,01% do PIB em 2003 para 1,24% do PIB em 2013 (MCTI, 2015).

O país deu passos no rumo certo quando resolveu retomar as políticas

industriais em 2003-2004. Mas escorregou ao perder o foco da inovação, gene-

ralizar subsídios e aumentar a proteção para setores que não contribuem para

o país se aproximar da fronteira mundial do desenvolvido produtivo com base

em tecnologia.

A retomada das políticas industriais ativas deu-se com a Política Indus-

trial Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE) em 2004, cujo foco estava ori-

entado para a inovação tecnológica e em diretrizes para dar suporte às estra-

tégias de diferenciação de produtos e serviços nas empresas. No entanto, é for-

çoso registrar, a PITCE não conseguiu efetividade no seu desempenho e seus

desdobramentos tiveram solução de continuidade. Frágil do ponto de vista de

sua dotação orçamentária e dos instrumentos para a implementação de seus

planos, a PITCE teve o mérito maior de colocar a inovação no centro dos desa-

fios da indústria brasileira. Ainda que tardiamente em relação ao mundo, o

Brasil ensaiava os primeiros passos para sintonizar a indústria com as novas

tendências tecnológicas mundiais.

Nos anos 90, a desconstrução do Estado desenvolvimentista não havia

encontrado desenlace positivo na tradução de um novo modelo de desenvolvi-

mento. Com exceção dos programas de qualidade, a indústria seria exposta à

competição interna e externa sem instrumentos de apoio, preparo e mão de

obra qualificada. De fato, a PITCE surgiu como uma via de saída, ainda que pe-

quena, para a crise da nossa indústria, cujos sinais de atraso contrastavam

com o avanço da microeletrônica, da computação e das TICS nos países avan-

çados e mesmo em outros, que até a década de 1970 mostravam-se mais atra-

sados que o Brasil, como a Coréia do Sul e Taiwan.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 26

Em 2008, uma nova política industrial seria anunciada, a Política de De-

senvolvimento Produtivo (PDP), com foco principal no aumento do investi-

mento agregado. Correta do ponto de vista da economia, a PDP ofuscou a sina-

lização aberta pela PITCE e deu à política industrial contornos tradicionais,

com o uso intensivo de subsídios e de mecanismos de proteção contra a con-

corrência internacional. A PDP, executada basicamente pelo BNDES, não es-

tava estruturada para diversificar o investimento, nem para aumentar a P&D

nas empresas. O foco genérico da PDP levaria o BNDES a priorizar nada menos

do que 24 setores da economia – praticamente todos – sem conexão com as di-

nâmicas internacionais.

Dos esforços da PDP, porém, nasceria o Programa de Sustentação do In-

vestimento (PSI, 2009), estruturado diretamente pelo Tesouro Nacional, que

foi essencial para combater os efeitos da crise econômica originada nos Esta-

dos Unidos em 2007-2008, pelo menos até 2011.

O Plano Brasil Maior (PBM), de agosto de 2011, deu continuidade à ten-

dência de retomada de práticas tradicionais, já prenunciada pela PDP. Mais do

que isso, o PBM nasceu com o PSI em seus limites de efetividade. Mesmo assim,

o PSI foi o principal suporte para um programa de desonerações generalizadas

para o setor produtivo, apresentado como a política industrial do primeiro go-

verno Dilma. Apesar de ações relevantes, como a concessão de crédito subven-

cionado e isenções fiscais para empresas inovadoras, essas iniciativas ocupa-

ram espaço marginal na dotação da PBM. Seu foco não era definitivamente a

inovação, nem a priorização de áreas de futuro ou mesmo áreas de maior di-

namismo do ponto de vista tecnológico. Sua formulação, coordenada direta-

mente pelo Ministério da Fazenda, foi marcada por uma preocupação de hori-

zontalidade em uma generosa política de subsídios que, além das questões fis-

cais, pouco contribuiu para superar a ineficiente capacidade instalada. A ex-

ceção seria o Inovar Auto que, apesar dos problemas mais estratégicos, surpre-

endeu positivamente, como veremos adiante.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 27

A partir de 2011, as novas iniciativas implementadas representaram –

com todas as suas fragilidades – uma nova fronteira para as políticas indus-

triais modernas. Com recursos volumosos, comparativamente com o passado

– ainda que modestos se tomados pelo prisma da necessidade – as iniciativas

públicas voltadas para inovação se esforçaram para sintonizar nossa indústria

com as tendências mundiais.

O Programa Ciência Sem Fronteiras (Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior – Capes e CNPq, MEC e MCTI) e o Programa Nacio-

nal de Acesso à Escola Técnica (Pronatec, Capes-MEC) enfatizaram a necessá-

ria formação de recursos humanos qualificados para a inovação nas empre-

sas. Como forma de diversificar ainda mais o sistema de inovação, o Governo

Federal criaria em 2013 a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial

(Embrapii), uma Organização Social (OS) voltada para apoiar serviços tecnoló-

gicos para as empresas industriais.

Essas três iniciativas merecem ser aperfeiçoadas, pois, além de enrique-

cerem o sistema de inovação, representaram, com o Plano Inova Empresa

(2013), o que de melhor e mais relevante o Brasil construiu para além do arca-

bouço dos tradicionais instrumentos de políticas públicas de formação de re-

cursos humanos e desenvolvimento tecnológico.

O Programa Inova Empresa (PIE), lançado pelo governo em março de

2013, foi o primeiro na história do país inteiramente voltado para o apoio à

inovação tecnológica. Representou enorme avanço do ponto de vista do vo-

lume de investimento destinado à inovação (R$ 32,9 bilhões), da articulação

interministerial (12 ministérios foram diretamente envolvidos, além da Finep

e BNDES, as duas principais agências envolvidas com sua execução) e da qua-

lidade dos instrumentos utilizados – e que, de modo inédito, foram parcial-

mente integrados – com destaque para o crédito, a subvenção econômica, re-

cursos não-reembolsáveis para Institutos de Ciência e Tecnologia (ICTs) e in-

vestimento em empresas de forma direta ou por meio de fundos.

O êxito do Inova Empresa pavimentou o caminho para a elaboração do

Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento, lançado por decreto

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 28

pela Presidente da República em junho de 2014. Apesar de ainda não ter sido

implantado, foi criado nos moldes das melhores práticas internacionais e es-

truturado para viabilizar no Brasil o uso das encomendas tecnológicas3 a partir

de demandas do Governo Federal para encontrar soluções de problemas soci-

ais e econômicos de alto risco e alta complexidade científica e tecnológica.

A seguir, detalharemos as propostas e as ações efetuadas por esses pro-

gramas, com o objetivo de salientar êxitos e apontar carências do apoio público

à inovação e competitividade, de modo a identificar os principais desafios e o

lugar do Estado como financiador e articulador social.

3 A figura das encomendas tecnológicas, prevista na Lei de Inovação, é raramente utilizada,

dados questionamentos legais para sua aplicação.

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2. A Política Industrial Tecnológica e de Comércio Exterior(PITCE)

A PITCE foi anunciada em novembro de 2003 e lançada oficialmente

pelo Presidente da República, em março de 2004, com três pontos de inflexão

na trajetória brasileira. Primeiro, a PITCE marcou a volta das políticas indus-

triais no país, após um hiato de mais de 25 anos. Em segundo lugar, uma arti-

culação rara entre vários atores do governo, a começar pelo forte envolvi-

mento do Ministério da Fazenda e do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Pre-

sidência da República (NAE). A PITCE, no interior do governo, foi discutida e

O que é: Primeira política industrial depois de um longo período de des-

crença no papel da ação do Estado para elevação da competitividade da

indústria. A PITCE caracterizou-se como política distinta das implemen-

tadas durante o desenvolvimentismo. Com foco em setores dinâmicos,

dotou-se de uma visão de longo prazo para a criação de setores industri-

ais de alta tecnologia.

Período: 2004-2006.

Objetivos Principais: Colocar a inovação como foco da ação do Estado;

melhoria das exportações e aumento da participação brasileira no co-

mércio internacional via produtos de alta tecnologia; internacionaliza-

ção das empresas industriais; aumento do investimento privado em

P&D; atração de centros de internacionais de P&D.

Principais Instituições Participantes: Casa Civil (CC); Ministério do De-

senvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC); Ministério da Fa-

zenda (MF); Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

(NAE); Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Banco Nacional

de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES); Agência de Promoção

das Exportações (APEX); Conselho Nacional de Desenvolvimento Indus-

trial (CNDI) e Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI),

os dois últimos criados com a PITCE.

Fontes de financiamento e instrumentos: FNDCT, Tesouro Nacional,

FAT, BNDES, Finep.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 30

aprovada pela Câmara de Política Econômica, coordenada pelo Ministro da Fa-

zenda. E, por fim, a inovação como eixo da política industrial, diferenciando-

se do desenvolvimentismo e da inação do Estado nos anos 90.

A PITCE descortinou novas modalidades de política industrial, com base

na rejeição do protecionismo e diferenciando-se das medidas ocasionais e fra-

gmentadas da década de 1990. Na base de seu diagnóstico residia a perda de

competitividade da indústria e a necessidade de acelerar os processos de ino-

vação, via a diferenciação de produtos e processos, bem como a internaciona-

lização das empresas brasileiras.

Na sua exposição de motivos, pode-se ler que:

“O desenvolvimento de novos produtos e usos possibilita a dis-

puta e a conquista de novos mercados, acentuando o lugar cada

vez mais importante que ocupa a capacitação para inovação in-

dustrial. É necessária uma alocação crescente de recursos pú-

blicos e privados para esse campo, para Pesquisa e Desenvolvi-

mento (P&D), para a alta qualificação do trabalho e do trabalha-

dor e para a articulação de redes de conhecimento. Essa intera-

ção de diferentes áreas do saber, de métodos e alvos constitui

uma das marcas fundamentais da Política Industrial, Tecnoló-

gica e de Comércio Exterior. ” (PITCE, 2003, p. 4).

No início do governo Lula, havia praticamente um consenso sobre a es-

tagnação da indústria e que formas novas de se pensar a política industrial

eram necessárias. Durante a década de 1990, não houve esforços sistemáticos

para se formalizar uma robusta política industrial. O Governo Federal, a partir

de 2003, considerou fundamental que as instituições de Estado fossem reequi-

padas e capacitadas para elaborar e implementar políticas públicas de quali-

dade. O foco em inovação colocava desafios enormes, já que o aparato institu-

cional brasileiro para políticas industriais, ainda que inativo por anos, ainda

se encontrava permeado por conceitos e práticas de outras épocas. Não por

acaso, a integração e coordenação de diversos órgãos públicos e a ampliação

do diálogo com o setor privado eram grandes desafios colocados para a PITCE.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 31

Ao mesmo tempo, era inegável que o Brasil possuía uma base industrial

consolidada, ainda mais se comparada com outros países emergentes; além

disso, estavam em funcionamento várias modalidades de financiamento que

poderiam ser direcionados para a inovação, a começar dos Fundos Setoriais,

instituições especializadas como o Inmetro e INPI, além de agências como o

BNDES e a Finep.

Três pilares sustentavam a estrutura da PITCE:

1. Linhas de ação horizontais: a) inovação e desenvolvimento tecno-

lógico; b) inserção externa; c) modernização industrial; d) melho-

ria do ambiente institucional e ampliação da capacidade e escala

produtiva;

2. Setores estratégicos: a) semicondutores; b) software; c) bens de ca-

pital; d) fármacos e medicamentos;

3. Atividades portadoras de futuro: a) biotecnologia; b) nanotecnolo-

gia; c) biomassa e energias renováveis.

Os setores estratégicos englobavam as áreas mais preparadas tecnologi-

camente e com capacidade de oferecer retornos rápidos para as cadeias nas

quais estavam inseridas. Essas áreas se diferenciavam do conjunto da indús-

tria porque investiam mais em P&D, eram mais dinâmicas e contavam com

uma densa cadeia de fornecedores.

As atividades portadoras de futuro identificavam e recomendavam in-

vestimentos de longa duração, já que envolviam aprendizagem e maior tempo

de maturação. A referência era para setores de alta tecnologia com capacidade

de competir internacionalmente. A escolha desses setores se deu com base em

estudos internacionais (executados pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégi-

cos – CGEE, e pelo NAE) prevendo a aproximação com a fronteira do conheci-

mento e das práticas industriais mais avançadas.

O debate público sobre a PITCE trouxe à luz do dia a inadequação das

instituições responsáveis pelo desenvolvimento tecnológico, assim como as

imprecisões e lacunas do marco regulatório-legal, criados para outra era,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 32

quando a industrialização estava no centro das preocupações. A mudança de

foco e a necessária transformação da base produtiva deparavam-se com um

forte despreparo institucional. Essa realidade tornava-se flagrante quando o

debate tocava em dimensões, disciplinas e aspectos intangíveis – como softwa-

res, dados, marcas, internacionalização de ativos, propriedade intelectual,

dentre outros – ou áreas transversais – principalmente a biotecnologia e a na-

notecnologia – campos férteis para a inovação, e que não podiam prescindir

de regramento adequado para se desenvolver. Desse ponto de vista, é impor-

tante registrar que na esteira das ações da PITCE, o Congresso Nacional apro-

varia a Lei de Inovação e a Lei do Bem, que deram impulso ainda maior ao es-

forço pela inovação, marcando o início da modernização do sistema regulató-

rio- legal brasileiro.

Em que pese o moderno aparato conceitual e da inédita integração da

Política Industrial com Tecnologia e Política Exterior, a PITCE não alcançou

efetividade. Estudos do IPEA acentuaram as virtudes da política (cf. De Negri

e Salerno, 2005), dentre as quais o estabelecimento de relações dinâmicas en-

tre inovação e desenvolvimento econômico. Evidências reveladas pelo IPEA

mostraram que as estratégias de inovação e a diferenciação de produto e pro-

cesso eram centrais para o desenvolvimento do país, pois as firmas mais pro-

dutivas, mais competitivas e que melhor se inseriam internacionalmente

eram as que inovavam e diferenciavam produto. Por isso mesmo, as políticas

públicas mais adequadas eram as que apoiavam fortemente a inovação e dife-

renciação de produto, o que se identificava com os objetivos centrais da PITCE.

Mesmo assim, sem a criação de programas na escala e na intensidade

que o Brasil precisava, a PITCE ajudou a consolidar um diagnóstico sobre a in-

dústria brasileira, tanto nos órgãos de governo quanto entre empresários, e os

rumos que seriam retomados com maior intensidade dez anos depois, com ini-

ciativas mais consistentes, em especial com o Plano Inova Empresa.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 33

3. A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP)

A crise iniciada no sistema financeiro dos EUA ofereceria ótimas opor-

tunidades para o Brasil, em especial no que se refere à absorção de tecnologia

(via compra de ativos ou joint ventures) ou seu desenvolvimento doméstico

(com recursos e instrumentos para P&D empresarial). O Brasil, no entanto, op-

tou por dar passos de perfil menos ousados e retomar ações mais tradicionais

de política industrial, como a generalização de subsídios, medidas defensivas

da indústria e isenções fiscais. O foco na inovação foi o elo que se perdeu, ainda

que mantido no discurso de apresentação da PDP.

Lançada em maio de 2008, como mais uma medida implementada pelo

Governo Federal para minimizar os efeitos da crise econômica, a PDP seguiu

O que é: Política industrial que buscou o aumento do investimento

na economia, classificou suas atividades centrais em três grandes

ações es-tratégicas e priorizou 24 setores para melhorar sua

competitividade. A PDP reuniu um conjunto de incentivos voltados

para dinamizar setores no mercado interno e aproveitar

oportunidades do comércio internacional.

Período: 2008-2010.

Objetivos Principais: Sustentar o crescimento econômico iniciado em

2004. Elevar a capacidade de inovação. Fortalecer as micro, pequenas e

médias empresas (MPE). Apoiar a integração Brasil-África e consolidar o

Mercosul. Conquistar novos mercados. Melhorar o posicionamento das

marcas brasileiras. Ampliar o acesso da população a serviços básicos.

Principais Instituições Participantes: MDIC, MF, BNDES, ABDI.

Fontes de financiamento e instrumentos: Redução do prazo de

apropriação de créditos PIS e COFINS. Eliminação do IOF nas operações

de crédito do BNDES, FINAME e FINEP. Redução do IPI em setores seleci-

onados. Financiamentos via crédito, subvenção econômica e incentivos

fiscais. Certificação de metrologia, promoção comercial e propriedade

intelectual.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 34

apenas formalmente as trilhas abertas pela PITCE. Seu foco, instrumentos e

forma de atuação divergiam das propostas avançadas pela PITCE. Houve dife-

rença grande na priorização de setores: a PITCE havia selecionado poucos se-

tores prioritários, todos com potencial de retorno em termos de competitivi-

dade internacional e de capacitação tecnológica das empresas; na PDP, foram

muitos os setores escolhidos como prioridade, o que diluía ainda mais a atua-

ção das agências públicas; e ainda, a base de sustentação da PDP estava nas

linhas de renúncia fiscal que atendiam praticamente o conjunto da indústria

nacional.

Críticas pontuais à PITCE ressaltaram o caráter de carta de princípios da

política industrial, pois não havia uma manifesta determinação de ações con-

cretas e metas a serem atingidas. Sendo assim, um plano de ações com objeti-

vos de curto prazo foi desenvolvido pelo BNDES, de modo a dar maior visibili-

dade e efetividade às propostas. Assim, as ações se dividiram em:

1. Nível Sistêmico: Medidas que afetavam diretamente o desempe-

nho da estrutura produtiva, priorizando ações nos planos fiscal e

tributário.

2. Destaques Estratégicos: Fortalecimento das micro e pequenas

empresas. Expansão das exportações; integração produtiva com a

América Latina e Caribe, com foco inicial no Mercosul; integração

com a África; descentralização espacial da produção do País; e pro-

dução ambientalmente sustentável.

3. Programas Estruturantes: a PDP se contrapôs à eleição de setores

como realizado pela PITCE. As ações voltaram-se para equacionar

necessidades de cada setor, no diálogo entre governo e empresá-

rios. Nesse ponto, a PDP anunciou três frentes de atuação: Progra-

mas mobilizadores de áreas estratégicas, Programas para consoli-

dar e expandir a liderança e Programas para fortalecer a competi-

tividade. (PDP, 2008, p.15-16)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 35

O documento oficial da PDP registrava que havia um ambiente econô-

mico favorável, com altas reservas em dólar, redução da inflação e aumento

do número de empregos gerados, mas que era preciso estimular o aumento da

taxa de investimento privado, de modo a gerar um efeito em cascata por toda

a estrutura produtiva. Por isso, cada um dos setores contou com uma enge-

nharia fiscal para equacionar a redução de tributos e as desonerações dos se-

tores que aumentassem o investimento.

Com essas diretrizes, a PDP estabeleceu Quatro Metas-País, para 2010:

1. Aumentar a taxa de investimento da economia para 21% do PIB.

2. Ampliar os investimentos privados em P&D para 0,65% do PIB.

3. Ampliar para 1,25% a participação brasileira nas exportações

mundiais.

4. Aumentar em 10% o número de MPE exportadoras.

A característica marcante da PDP foi a multiplicidade de ações e objeti-

vos, o que diminuiu sua identidade política e aumentou as dificuldades de go-

vernança, já presentes na PITCE.

Formulada para dar sustentabilidade ao ciclo de expansão da economia

a PDP distanciou-se das concepções modernas de política pública, preocupa-

das em levar a indústria a buscar a diminuição da distância com a indústria

avançada. Com isso, a PDP deixou passar a oportunidade histórica de interna-

cionalizar as empresas brasileiras por conta da conjuntura de crise global, que

disponibilizava empresas relativamente baratas para serem adquiridas no ex-

terior.

O lançamento do PSI em 2009 apenas confirmaria tendência de colocar

a inovação no mesmo nível de outros gargalos da economia. De fato, toda a

carteira do BNDES passou a ser financiada indistintamente por recursos sub-

vencionados pelo Tesouro Nacional. Na prática, as linhas do PSI foram formu-

ladas para atender a carteira do BNDES e, em particular, para a expansão do

Finame. O foco na formação bruta de capital fixo esteve na raiz da formulação

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 36

de uma política industrial que acreditava, como nos anos 50 e 60, que o cres-

cimento do investimento geraria naturalmente a inovação e o desenvolvi-

mento tecnológico.

O PSI foi o maior programa de suporte ao investimento privado na his-

tória do Brasil. No entanto, mesmo com fortes incentivos, a meta de elevação

do investimento para 21% do PIB jamais foi atingida. O mesmo se deu com a

meta de elevação do P&D empresarial de cerca de 0,5% para 0,65% do PIB. Ape-

sar de constar como uma linha do PSI em 2010, nenhuma contratação nesta

linha seria feita até 2011, quando ocorreu a entrada da FINEP como operadora

do PSI.

O PSI e a PDP marcaram a consolidação do predomínio do BNDES na exe-

cução da política industrial. Os dados sobre os desembolsos diretos e indiretos

do banco4 não deixam dúvidas: em 2007, o banco movimentou cerca de R$ 65

bilhões; em 2008, este número subiu para R$ 91 bilhões e atingiu em 2014

cerca de R$ 188 bilhões. O ano de maior aporte de recursos foi 2013, com cerca

de R$ 190 bilhões em desembolsos. Percebemos um crescimento considerável

nas movimentações do BNDES, o que é consistente com sua maior proeminên-

cia na execução e coordenação da política industrial.

Por seu caráter abrangente, com tratamento marginal da inovação, a

PDP foi uma variante de ativismo estatal que, em larga medida, baseou suas

propostas em desonerações, contando que a redução da carga tributária e au-

mento de incentivos fiscais levaria a um aumento do investimento por parte

do empresariado. Nesse sentido, ainda que contenha avanços em relação à

PITCE, principalmente quanto à sua efetividade e volume de recursos, a PDP

mostrou-se alheia ao esforço de construção de novas formas de ação para se

alterar o patamar competitivo da economia.

4 Valores referentes ao: Finem, Finame, Cartão BNDES, Finame Agrícola, Exim, Mercado de Capitais, Não-reembolsável, Finame Leasing e BNDES Microcrédito. Fonte: www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/BNDES_Transparente/Estatis-ticas_Operacionais/painel1_produtos.html

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 37

4. O Plano Brasil Maior (PBM)

O Plano Brasil Maior foi anunciado em agosto de 2011, com muita conti-

nuidade em relação à PDP e com os efeitos da crise econômica em pleno anda-

mento. Seu objetivo era o de sustentar o crescimento em contexto econômico

adverso e sair da crise internacional com a economia melhor posicionada do

que em 2008. Sua expectativa era que as mudanças estruturais na indústria

melhorariam a inserção do país na economia mundial. Assim, ainda que o PBM

anunciasse a inovação e a elevação da competitividade como soluções para

acelerar o crescimento da economia, as medidas tomadas assemelharam-se

O que é: Tal como a PDP, o PBM tinha como intuito o aumento da capacidade

de investimento das empresas por meio de instrumentos como o subsídio e a

renúncia fiscal. Em termos práticos, o PBM tinha como objetivo a manutenção

do funcionamento da economia, visando a manutenção do emprego;

Período: 2011-2014;

Objetivos Principais: Redução do custo dos fatores de produção; desenvol-

vimento das cadeias produtivas; indução do desenvolvimento tecnológico e

qualificação profissional. Promoção de exportações; defesa do mercado in-

terno; redução dos efeitos da Crise de 2008; fortalecimento de cadeias produ-

tivas; ampliação e criação de novas competências tecnológicas e de negócios;

desenvolvimento das cadeias de suprimento de energias; diversificação das

exportações; consolidação de competências na economia do conhecimento

natural.

Principais Instituições Participantes: CC, MDIC, MF, MCTI, MPOG, BNDES,

ABDI

Fontes de financiamento e instrumentos: Financiamentos via crédito,

subvenção econômica e incentivos fiscais; desoneração da folha de pagamen-

tos; ampliação do Simples Nacional e do Microempreendedor individual; Pro-

grama de Sustentação do Investimento (PSI); Programas setoriais do BNDES.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 38

mais às políticas anticíclicas do que a uma efetiva política industrial, como se

pode ver em suas justificativas oficiais:

“O Plano adotará medidas importantes de desoneração

dos investimentos e das exportações para iniciar o enfren-

tamento da apreciação cambial, de avanço do crédito e

aperfeiçoamento do marco regulatório da inovação, de

fortalecimento da defesa comercial e ampliação de incen-

tivos fiscais e facilitação de financiamentos para agrega-

ção de valor nacional e competitividade das cadeias pro-

dutivas. ”

Ou seja, o PBM ampliou e aprofundou as medidas de desoneração inici-

adas pela PDP, em meio a um cenário econômico menos favorável.

O plano contemplou 19 setores industriais e apresentou um conjunto de

instrumentos diferenciados entre fiscais-tarifários (isenções tributárias e ad-

ministração das tarifas de comércio exterior), financeiros (condições favorá-

veis de financiamento corporativo, via BNDES e FINEP) e institucionais (defi-

nição de marco regulatório, constituição de carreiras públicas e criação de no-

vas condições de ação para o Estado).

No que se refere às ações, o PBM definiu duas dimensões: uma setorial e

outra sistêmica. Na primeira, o Governo Federal e o setor privado se encarre-

gariam de desenvolver projetos chamados Diretrizes Estruturantes, quais se-

jam: “fortalecimento de cadeias produtivas”, “ampliação e criação de novas

competências tecnológicas e de negócios”, “desenvolvimento das cadeias de

suprimentos de energias”, “diversificação das exportações (mercados e produ-

tos) e internacionalização corporativa” e “consolidação de competências na

economia do conhecimento natural”.

Cada uma dessas diretrizes abarcava uma gama de setores específicos

da economia variando os objetivos por grau de consolidação e capacidade de

avanço tecnológico. Na sua concepção original, o plano definiu cinco diretri-

zes. A primeira, de viés protecionista, voltava-se para setores industriais com

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 39

baixíssima capacidade de inovação tecnológica e mais intensamente atingido

pela concorrência das importações. Coibir práticas desleais de competição era

objetivo explícito. Esta diretriz orientava ações para setores tradicionais, como

Plásticos, Calçados e Artefatos, Têxtil e Confecções, Móveis, Brinquedos, Higi-

ene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e Serviços de apoio à produção.

A segunda, terceira e quarta diretrizes poderiam ser agregadas, do

ponto de vista tecnológico, em torno de uma mesma finalidade. Essas diretri-

zes voltavam-se para setores mais intensivos em tecnologia com o objetivo de

criar novas competências em: Bens de Capital, TICs, Química-Petroquímica,

Aeronáutica e Espacial, Defesa, Saúde e Energias (Petróleo e Gás; Bioetanol e

Energias Renováveis). A quarta diretriz também tinha foco nas exportações e

internacionalização corporativa, e estímulo à instalação de centros de P&D no

país.

A quinta diretriz estava voltada para o comércio atacadista e varejista,

logística e serviços pessoais direcionados ao consumo das famílias e serviços

de apoio à produção. Tal como a PDP, a abrangência desmesurada deu lugar à

diluição da ação governamental.

A segunda dimensão do programa, a sistêmica, possuía dois objetivos: 1.

“reduzir custos, acelerar o aumento da produtividade e promover bases míni-

mas de isonomia para as empresas brasileiras em relação a seus concorrentes

internacionais” e 2. “consolidar o sistema nacional de inovação por meio da

ampliação das competências científicas e tecnológicas e sua inserção nas em-

presas”. Na prática, porém, a PBM também não priorizou a inovação tecnoló-

gica, apesar de ter estabelecido como mote a ideia de “inovar para competir,

competir para crescer”.

Mesmo com essas deficiências, há um avanço em relação às políticas

passadas: no PBM, buscou-se algum tipo de articulação entre a política indus-

trial e a política de formação como meio da qualificação da mão de obra. Nesse

sentido, o PBM integrou nas suas propostas o Ciência Sem Fronteiras e o Pro-

natec, assim como recomendou a implementação de um programa de fortale-

cimento da engenharia nacional que, infelizmente, não foi levado adiante. Foi

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 40

a primeira vez que a qualificação da mão de obra fazia parte do debate sobre

política industrial. Esse é um fator decisivo em qualquer economia em busca

da elevação de sua competitividade, ainda mais em países como o Brasil no

qual a produtividade do trabalho é baixa e não cresce desde os anos 1980, como

mostram inclusive estudos realizados pelo IPEA em parceria com a ABDI (DE

NEGRI e CAVALCANTI, 2014; DE NEGRI et. al., 2011).

A qualidade da mão de obra, no entanto, era uma dentre várias medidas

da “dimensão sistêmica” da PBM. Reproduzindo a falta de foco da PDP, o PBM

previa dez metas para serem cumpridas até 2014:

1. Ampliar o investimento para 22,4% do PIB.

2. Elevar o dispêndio de P&D privado para 0,9% do PIB.

3. Aumentar para 65% a participação de trabalhadores com pelo me-

nos o Ensino Médio.

4. Ampliar o valor agregado nacional para 45,3%.

5. Elevar a indústria intensiva em conhecimento para 31,5% de partici-

pação no total da indústria.

6. Aumentar em 50% o número de micro e pequenas empresas inova-

doras.

7. Diminuir o consumo de energia por unidade de PIB industrial (137

toneladas equivalente de petróleo - tep/R$ milhão).

8. Diversificar as exportações brasileiras, representando 1,6% do co-

mércio mundial.

9. Elevar para 66% a participação nacional nos mercados de tecnolo-

gias, bens e serviços para energias.

10. Ampliar o número de domicílios urbanos com acesso à banda larga

(40 milhões de domicílios).

Algumas dessas metas estavam presentes na PDP e apenas tiveram seus

valores alterados, mesmo com o não cumprimento das metas previstas para

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 41

2010. Essa mesma profusão de objetivos gerou uma lista enorme de ações atri-

buídas ao PBM, apresentada pelo governo no seu relatório final (nos relatos

oficiais são 69 medidas). Na prática, a recorrente falta de foco e a pulverização

de ações se fizeram presentes.

O PBM, é importante registrar, inovou no desenho do arranjo político-

institucional. Criado pelo Decreto nº 7.540/2011, o plano contava com coorde-

nações setoriais e sistêmicas vinculadas aos eixos da política e que respondiam

pela articulação com o setor privado e pela formulação das agendas. Para ge-

renciamento e deliberações do PBM havia um grupo executivo, um comitê ges-

tor e um conselho superior. O grupo executivo era coordenado pelo MDIC e

contava com representantes dos seguintes órgãos e agências: Casa Civil, Mi-

nistério Público (MP), MF, MCT, ABDI, BNDES e FINEP.

O comitê gestor era formado pelos titulares dos seguintes órgãos: MDIC,

Casa Civil, MF, MPOG e MCT. Além disso, contava ainda com o CNDI, órgão de

aconselhamento superior da política industrial, composto por catorze mem-

bros da sociedade civil, indicados pela presidente da República, além de treze

ministros de Estado e pelo presidente.

Esse aparato pode ter tornado as atividades de gestão complexas, conse-

quentemente, dificultando a formulação e mesmo o acompanhamento das

ações realizadas. No caso do PBM, tal aparato fragmentou decisões e deu es-

paço para atenção excessiva a detalhes pouco significativos de diversas fren-

tes e interesses, por exemplo. O PBM sofreu de outros problemas, como uma

estratégia de incentivos sem contrapartidas dos beneficiários dos subsídios e

o aceite demasiado de lobbies empresariais de diferentes setores, o que difi-

cultou o estabelecimento de prioridades à política.

Por fim, há três instrumentos que devem ser ressaltados e que merecem

uma atenção especial: i) políticas creditícias, em particular a continuidade do

PSI, com ampliação e aumento de seus incentivos; ii) o Inovar Auto; e iii) as

isenções tributárias generalizadas. A seguir, discutimos brevemente as duas

primeiras: o PSI e o Inovar Auto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 42

4.1. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI)

Uma parcela importante das medidas tomadas a partir de 2008 foi uma

resposta à desaceleração da economia global. Muitos governos se viram diante

da necessidade de intervir em suas economias, justamente para evitar que os

impactos econômicos da crise se tornassem ainda mais desastrosos. No Brasil,

o PSI ocupou lugar especial.

Como programa, concedeu subvenção econômica a empresas, na moda-

lidade de equalização da taxa de juros, para operações de financiamento do

BNDES e, a partir de 2011, também da FINEP, neste caso, somente para projetos

de inovação tecnológica (MP 465, junho de 2009, convertida na Lei 12.096 do

mesmo ano).

Apesar de o governo ter identificado corretamente a necessidade de ser

mais ativo na reação à crise internacional, a extensão do regime de incentivos

do PSI para setores que não corriam risco tecnológico não se refletiu no au-

mento do investimento privado, conforme o desejado. Ou seja, o investimento

público, neste caso, pode ter sido um substituto e não uma alavanca para o in-

vestimento privado.

No seu lançamento, o PSI possuía diversas linhas de financiamento com

taxas de juros subsidiadas e cada uma dessas linhas contava com taxas pró-

prias de juros, que variavam de acordo com as características do objeto a ser

apoiado. Chama atenção a ausência de uma linha específica para inovação tec-

nológica desde o início, apesar do discurso pró-inovação.

O PSI vigorou a partir de 2009 e, ao longo do tempo, sofreu diversas ca-

librações em suas linhas e taxas. Ou seja, o tipo e a intensidade do fomento

adotado pelo programa foram ajustados de acordo com a conjuntura e as difi-

culdades de cada setor, provocando sistemática busca das empresas pelas li-

nhas mais atraentes.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 43

Será que as alterações realizadas foram apropriadas? A variação do sub-

sídio se deu na intensidade adequada? Do ponto de vista da inovação, a pri-

meira resposta é negativa. O roteiro abaixo mostra os motivos:

1. O programa foi lançado sem uma linha específica de inovação;

2. Quando criada, a linha de inovação ficou inativa até 2011;

3. A FINEP foi incluída como agente operador do PSI somente em

2011, quando então a linha de financiamento à inovação começou

a operar (em 2010 a Finep era considerada agente financeiro do

BNDES. E mesmo assim, não conseguiu realizar nenhum desem-

bolso por conta dos trâmites burocráticos impostos pelo Banco);

4. Em 2012, o financiamento pelo PSI de máquinas, máquinas agrí-

colas, caminhões e ônibus e outros equipamentos de transporte

passou a operar com taxa fixa de 2,5% a.a, mais baixa que a linha

de inovação, que operava com 3,5%, com os mesmos prazos de ca-

rência e de amortização;

5. Na sequência, as linhas para a compra de silos foram disponibili-

zadas a 2,5% a.a., com 4 anos de carência e 12 anos para amortiza-

ção, em contraste com a linha para inovação, que permaneceu a

3,5% a.a, 3 anos de carência e 10 para amortização.

Ou seja, era mais vantajoso financiar caminhão do que fazer inovação.

Entre renovar a frota de caminhões com crédito mais barato do que realizar

projetos de inovação com maior risco tecnológico, as empresas optaram pelo

crédito mais barato e não fizeram as inovações que precisavam fazer. O resul-

tado dessa variação sem critério foi um imenso efeito deslocamento.

O PSI alcançou a cifra de R$ 472 bilhões em 2014. Ou seja, em seis anos o

programa cresceu dez vezes. No começo, o PSI abrangia sete linhas distintas,

com taxas de juros que variavam entre 3,5% a 7,5% para o beneficiário final do

financiamento, com prazos de até 180 meses para retorno do crédito, em que

até 36 meses podia ser concedido a título de carência.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 44

As linhas que possuíam maiores recursos eram as voltadas para a pro-

dução e aquisição de caminhões, ônibus, chassis, reboques e similares, que re-

presentaram 44% do montante total (linha 1) e a linha voltada para aquisição

dos demais bens de capital não associados e capital de giro associados a esses

bens (linha 2), que representavam 28% do montante de recursos. Para a inova-

ção, ficaram disponíveis apenas 5% dos recursos, mediante duas linhas. As de-

mais linhas eram voltadas para o comércio exterior e outra equivalente à linha

1, mas voltada às pessoas físicas e empresas individuais ou de pequeno porte.

Nas linhas de inovação, a primeira apresentava taxa ao beneficiário fi-

nal de 4,5%, enquanto a segunda oferecia taxa mais baixa dentre todas as de-

mais linhas do programa, ou seja, de 3,5% a.a. Isto é, a taxa média ponderada

pelo valor disponibilizado para as taxas de inovação era de 4%, inferior a qual-

quer outra taxa ponderada das demais linhas e, ainda assim, muito próxima

das demais linhas do PSI.

O crescimento dos recursos do PSI foi de 375% entre 2009 e 2011, mas o

valor destinado aos projetos de inovação cresceu apenas 50%. Mesmo com esse

crescimento, a participação relativa das linhas de inovação caiu consideravel-

mente, passando de 5% para 1,4% do montante total.

A partir da entrada da FINEP como operadora do PSI, o enquadramento

de projetos nas linhas de inovação passou a crescer consistentemente. Assim

a disponibilidade das linhas de inovação precisou ser ampliada em 2011, pas-

sando de R$ 3 bilhões no total para R$ 6,2 bilhões. Ainda assim, a participação

relativa das linhas de inovação permaneceu mais baixa que no início do pro-

grama – foi de 1,4% para 3% do montante total passível de equalização.

Já em 2012, algumas linhas do PSI foram desdobradas e outras conden-

sadas. As taxas de inovação, por sua vez, sofreram um revés e passaram a per-

der o diferencial de atração em relação às outras linhas. Em 2012, o volume de

recursos do PSI passou para R$ 227 bilhões, mas o total disponibilizado para

inovação permaneceu o mesmo. As taxas de juros das linhas de inovação em

2013 tiveram uma redução, mas não o suficiente para tornar as taxas atrativas

em relação a outras linhas de bens de capital.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 45

Em 2014, o PSI saltou para R$ 372 bilhões, ou seja, uma ampliação de R$

60 bilhões. Desta ampliação, apenas R$ 2 bi foram concedidos para as linhas

de inovação, que passa a totalizar um estoque (considerando os exercícios an-

teriores) de R$ 9,2 bilhões concedidos para apoio a projetos de inovação desde

o início do PSI. Esse montante representou apenas 2,4% de todo o recurso pas-

sível de equalização autorizado pelo governo desde o lançamento do pro-

grama.

Essas alterações seguidas apenas evidenciam que os projetos com risco

tecnológico não eram considerados ações especiais e diferenciadas. Isso signi-

fica que as empresas não contavam com estímulos adequados para a inovação,

o que levou muitas a optarem pelos caminhos de menor risco e incerteza.

Há um debate forte sobre o PSI e os efeitos de crowding out, mas ainda

faltam estudos bem fundamentados utilizando os dados oficiais para tornar

essa questão mais clara. Ou seja, há uma polêmica para identificar até que

ponto as atividades financiadas pelo PSI seriam de todo modo conduzidas pe-

los empresários, mas com seus próprios recursos. O dilema seria saber se di-

ante da oportunidade de obtenção de capital barato e em condições extrema-

mente vantajosas em relação ao mercado, as empresas manteriam seus recur-

sos reservados ou aplicados no mercado financeiro, ao invés de aplicar seus

próprios recursos na produção.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

46

4.2. Inovar Auto: um foco novo para um cliente conhecido

No âmbito do conjunto de incentivos fiscais feitos pelo governo a partir

de 2011, cabe destacar o Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Aden-

samento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores (Inovar Auto) como um

exemplo a ser discutido. Este programa é um avanço em relação às políticas

feitas para o setor automotivo nos últimos anos. Isoladamente, é insuficiente

para inovações mais radicais, mas é positivo o fato de vincular os incentivos

fiscais para a indústria à inovação tecnológica.

O objetivo principal do programa foi melhorar a tecnologia e a segu-

rança para os carros produzidos e vendidos no Brasil, mediante a permissão

para as empresas habilitadas usufruir de crédito presumido de Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI). O programa foi voltado para as empresas que

produziam ou comercializavam veículos no Brasil ou que vieram a apresentar

projetos de investimento no setor automotivo.

O Inovar Auto também teve o objetivo de fomentar o desenvolvimento

tecnológico e buscar mais eficiência energética. Para tanto, o crédito presu-

mido de IPI pode incidir sobre os dispêndios com P&D.

Para o Inovar Auto, foi instituído no MDIC um mecanismo complexo de

gerenciamento que trouxe mais burocracia na análise de projetos de P&D que

carregam, geralmente, a incerteza como norma. Se os critérios nem sempre

são claros, as punições, por outro lado, são rigorosas. A não observação total

ou parcial das normas pelos fornecedores diretos pode acarretar em: i) multa

de 2% sobre o valor das operações de venda, na hipótese de omissão na presta-

ção das informações; ii) multa de 1% sobre a diferença entre o valor informado

e o valor devido, na hipótese de incorreções no cumprimento da obrigação; iii)

perda da habilitação ao Inovar Auto por parte da empresa, na hipótese de uti-

lização de valor a maior de crédito presumido por empresa habilitada em ra-

zão de incorreções nas informações. Há no interior das instituições públicas

Page 48: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 47

expertise suficiente para facilitar processos desse tipo que, no caso da inova-

ção, funcionam apenas como uma barreira de entrada para as empresas que

querem inovar.

Em que pesem tais barreiras e o fato de que os instrumentos fiscais,

quando usados isoladamente, não serem os mais eficientes para compartilhar

risco tecnológico entre o setor público e privado, há razões para reconhecer

que o programa Inovar Auto tem virtudes. E a ABDI teve participação na cons-

trução desse mecanismo, com alocação de recursos técnicos e financeiros para

sua elaboração.

Primeiramente, a elevada participação da indústria automotiva brasi-

leira no PIB industrial motivou o governo federal a criar o Inovar Auto, bus-

cando fazer com que o novo regime automotivo brasileiro elevasse o nível tec-

nológico associado aos produtos e processos da indústria automotiva nacional

por meio de incentivos à P&D. O foco estaria, assim, alinhado com tendências

internacionais de produção de veículos mais modernos, seguros e eficientes.

Outro ponto positivo é a busca por novos materiais para a produção de

veículos eficientes. A aplicabilidade desses materiais é prioridade para mon-

tadoras que buscam veículos mais leves, menos poluentes e mais econômicos.

A utilização de compósitos como materiais estruturantes no lugar do aço é a

base para a redução da emissão de poluentes.

As políticas de eficiência energética, que constituem o foco do Inovar

Auto, também podem levar à redução da emissão de poluentes. É positivo,

nesse sentido, o fato de que, para se habilitar ao programa, a empresa deve se

comprometer a cumprir a exigência de consumo energético máximo, em

MJ/km, calculado em função da massa dos veículos vendidos no Brasil. Em

combinação com as exigências do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicu-

lar (PBEV), coordenado pelo Inmetro, a expectativa é que o programa gere bons

resultados, mesmo que não se atinja os ganhos de eficiência anunciados nos

novos veículos licenciados entre 2014 a 2017.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 48

Se, por um lado, os desafios do Inovar Auto estão alinhados com os prin-

cipais avanços das tecnologias de segurança veicular mundial, por outro, a na-

cionalização das tecnologias para a fabricação local dos dispositivos de segu-

rança veicular ainda é um desafio. Na cadeia produtiva, o desenvolvimento de

fornecedores de matérias-primas e insumos estratégicos e a fabricação local

dos componentes dos dispositivos de segurança veicular ainda são gargalos.

Há necessidade de implantação de laboratórios e pista de testes e parce-

ria com instituições de pesquisa. Sendo assim, os percentuais mínimos dos

dispêndios em P&D, engenharia, tecnologia industrial básica e capacitação de

fornecedores exigidos pelo Inovar Auto podem não ser suficientes para os ob-

jetivos a serem atingidos pelo programa, principalmente no caso da segurança

veicular.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 49

5. O Plano Inova Empresa e a nova geração depolíticas de inovação

Algumas ações realizadas pelo Governo Federal a partir de 2011 retoma-

ram ideias originais presentes na PITCE (2004). Estas ações estão em conso-

nância com as experiências mais avançadas realizadas pelas políticas de ino-

vação nos países desenvolvidos. Em especial as que derivam de análises sobre

as estratégias empresariais e particularmente com as orientações teóricas e

metodológicas que ficaram conhecidas como “visão baseada em recursos”. O

termo surge porque a empresa é tomada nesta abordagem como um conjunto

de recursos, que orientam algumas perguntas-chave: Quais são os recursos

mais relevantes que a empresa domina? É desejável construir novas compe-

tências nas áreas de domínio tecnológico da empresa? Como ampliar as com-

petências da empresa?

Uma nova geração de políticas foi executada de 2011 a 2014. Estas polí-

ticas foram formuladas e nucleadas no Ministério de Ciência Tecnologia e Ino-

vação e na FINEP com o apoio de diversos outras instituições, em particular do

O que é: O Plano Inova Empresa marcou uma retomada das políticas públicas

voltadas para aumento da competitividade com foco em inovação. Teve foco,

prioridades, novos instrumentos, recursos e conseguiu diminuir a burocracia

pública para facilitar as atividades de inovação.

Período: 2013-2015

Objetivos Principais: Aumento do investimento privado em P&D. Defini-

ção de áreas estratégicas: Saúde, Defesa, Petróleo, Energia, Sustentabilidade.

Apoio a projetos de alto risco tecnológico. Fortalecimento da relação Empre-

sas-ICTs-Governo. Apoio às MPEs. Uso de poder de compra do Estado. Desbu-

rocratização do atendimento.

Principais Instituições Participantes: FINEP e BNDES;

Fontes de financiamento e instrumentos: FNDCT, PSI, MS, MAPA, MC,

Descentralização do crédito e da subvenção econômica para empresas, fo-

mento para projetos cooperativos ICTs-Empresas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 50

IPEA. Em destaque estão o Plano Inova Empresa e o Programa Plataformas do

Conhecimento, além do “Finep 30 Dias”.

Nessas políticas, o centro das atividades é o P&D e a inovação nas empre-

sas, que envolvem a qualidade coletiva de seus recursos humanos, a capaci-

dade de aprendizado de sua força de trabalho, a presença permanente de cien-

tistas e engenheiros em centros internos de pesquisa e a vinculação a redes de

conhecimento – nacionais e internacionais – relevantes para o aprimora-

mento de suas competências.

Há consenso sobre a estreita associação entre desenvolvimento econô-

mico, conhecimento e inovação tecnológica, assim como sobre o papel central

das empresas na introdução e difusão de inovações na economia. No entanto,

o consenso não é tão amplo sobre como gerar e difundir inovação tecnológica,

especialmente nas condições de um país como o Brasil, de industrialização tar-

dia.

Existem duas questões centrais nesse debate. A primeira está relacio-

nada às características das empresas líderes estabelecidas e sua capacidade de

acumular recursos e competências em intensidade e densidade suficientes

para puxar ou difundir capacidades e progresso por todo o sistema produtivo.

A segunda questão diz respeito ao papel das políticas públicas no fomento às

atividades de inovação.

Em relação à primeira pergunta, os estudos mostram que o fato de o Bra-

sil ocupar posição produtiva e tecnológica intermediária no mundo implica

que parte relevante da inovação tecnológica realizada pelas empresas brasilei-

ras ocorre por meio da compra de máquinas e equipamentos. Entretanto, di-

ferentemente das características médias de outras economias em desenvolvi-

mento, a economia brasileira possui um núcleo tecnológico de empresas que

inova por meio da geração de conhecimento novo.

Esse núcleo tecnológico é formado por empresas que têm capacidade de

acumular conhecimento para realizar inovação tecnológica por meio da lide-

rança em produto e custos, com competitividade internacional. Esse núcleo

incorpora também empresas seguidoras que são, tecnicamente, intensivas em

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 51

escala, assim como firmas tecnologicamente emergentes, em crescimento,

mas ainda pequenas. As empresas desse núcleo estão presentes em todos os

setores industriais e possuem participação relevante na maioria desses seto-

res, por serem majoritariamente de grande porte.

A liderança é aqui definida do ponto de vista tecnológico e difere, por-

tanto, da liderança de mercado, muitas vezes dimensionada pelas vendas, ca-

pacidade produtiva e número de empregos. Assim definidas, a liderança tec-

nológica pode ser diferente da liderança de mercado. Os grupos de empresas

selecionados por um ou outro critério podem ser muito distintos em alguns

setores.

Mesmo com essa vantagem em relação a outros países emergentes, o in-

vestimento em P&D no Brasil precisa crescer de forma acelerada. Os dispên-

dios em P&D no país, que incluem os gastos públicos de vários órgãos (federais

e estaduais) e empresariais (privados e estatais), passaram de R$ 17,2 bilhões,

em 2003, para R$ 63,7 bilhões, em 2013 (MCTI, 2015). Em termos de proporção

do PIB, como apontado anteriormente, houve crescimento de 1,01%, em 2003,

para 1,24%, em 2013. No que se refere aos dispêndios empresariais em P&D,

houve um leve aumento no período em questão: de 0,49%, em 2003, para 0,52%

em 2013 (MCTI, 2015).

Em relação à segunda questão, o papel das políticas públicas no fomento

às atividades de inovação, o debate é amplo, mas diretrizes vêm sendo aponta-

das. O Brasil tem ampliado o leque de políticas de fomento a CT&I. Algumas

dessas políticas são positivas, como a ampliação da pós-graduação há décadas

ou os mais recentes Pronatec e Ciência Sem Fronteiras. No entanto, o Brasil

precisa de novos instrumentos, além de diferentes instituições participantes.

A diversificação das políticas e a sua adaptação à realidade ainda são insufici-

entes para atender aos desafios de inovar melhor e mais rapidamente.

Deve-se ressaltar que as novidades na política de fomento à inovação no

Brasil no período 2011-2014 podem ajudar o Brasil a repensar os instrumentos

do seu Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. As seções a seguir encami-

nham alguns tópicos para essa reflexão sobre novas políticas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 52

5.1. Política de apoio à inovação no rumo certo

Se tomarmos as políticas industriais até agora discutidas nesse relató-

rio, observamos que os setores de atuação e os instrumentos variaram de

acordo com a versão da política. Do ponto de vista da inovação, essa falta de

foco desvirtua o desempenho do investimento, pois não são todos os setores

que possuem capacidade de inovar, e a estabilidade e persistência na busca da

inovação são essenciais.

O Plano Inova Empresa, lançado em 2013, procurou recuperar o foco em

inovação que perdeu espaço na PDP e no PBM. Nesses dois planos, inovação não

foi esquecida, mas colocada em segundo patamar.

O Brasil passou a trilhar o rumo certo com os programas de incentivo à

inovação tecnológica e as parcerias entre as empresas e as instituições de ci-

ência e tecnologia. O Plano Inova Empresa foi o mais ambicioso programa de

inovação tecnológica lançado no Brasil e elevou o patamar das políticas públi-

cas ao fixar como alvo o aumento da produtividade por meio da inovação tec-

nológica, chave para o desenvolvimento econômico.

O diagnóstico que levou a Finep a contribuir decisivamente para a ela-

boração do Inova Empresa indicava que o núcleo tecnológico da economia bra-

sileira se desloca de forma lenta, mas levando a mudanças importantes no que

se refere a esforços para buscar inovações tecnológicas: “de acordo com os da-

dos da Pintec/IBGE, o número de pós-graduados em P&D nas empresas passou

de 2.953 em 2000 para 5.632 em 2011; em valores nominais o investimento em

P&D das empresas saltou de R$ 3,7 bilhões em 2000 para R$ 14,7 bilhões em

2011; o investimento em P&D como proporção da receita (intensidade de P&D)

subiu de 0,62% em 2008 para 0,71% em 2011. Apesar dessas atividades serem

de maior risco tecnológico, em 2011, apenas 2,1% das empresas conseguiam

financiamento governamental para seus projetos de inovação e de P&D” (FI-

NEP, 2015).

O Plano Inova Empresa foi baseado na possibilidade de se estabelecer no

Brasil uma fonte estável e de longo prazo para financiar inovação, capaz de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 53

sustentar a propensão a investir em P&D das empresas brasileiras e criar

massa crítica de competências por meio da definição de focos de atração do

esforço empresarial. O modelo desenhado buscou enfrentar desafios tecnoló-

gicos engajando o setor privado por meio de parceiras institucionais.

O foco do programa foi direcionado a desafios tecnológicos, em linhas

temáticas definidas em áreas estratégicas de interesse nacional ou com poten-

cial de demanda. Foram selecionadas áreas com maior possibilidade de desen-

volvimento tecnológico, como saúde, energia, defesa, aeroespacial, petróleo,

agricultura e tecnologia de informação e comunicação.

O Plano Inova Empresa operou por meio de chamadas públicas para de-

senvolvimento de projetos conjuntos, envolvendo governo, empresas, univer-

sidades e centros de pesquisa. Desta forma, teve a oportunidade de investir em

projetos de alto risco tecnológico.

A integração de instrumentos (crédito, subvenção, renda variável e não

reembolsável) e a parceria entre instituições (com destaque para o trabalho

conjunto entre a Finep e o BNDES) foi crítica para o desenho do programa. Fo-

ram estabelecidas parcerias entre agentes públicos de fomento, agências re-

guladoras e 12 ministérios. De forma diferente de políticas industriais anteri-

ores, o Inova Empresa alcançou articulação de vários órgãos do governo para

o seu lançamento, não se isolando como ação de um único ministério.

O programa impulsionou a formação de consórcio de parcerias entre

empresas e ICTs com alvo em planos de inovação e não em projetos específicos.

Todo o processo de implementação do programa foi baseado em competição

para que as melhores propostas fossem selecionadas.

A forma descentralizada de atuação do setor público, no apoio à coorde-

nação entre agentes de mercado e da pesquisa, também marcou uma forma

diferente de condução da política industrial. Ainda que o financiamento seja

em grande medida a parte que compete ao Estado, a definição de projetos tal

como previsto no Inova Empresa, se realiza de forma conjunta. Deste modo, há

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 54

a possibilidade de identificação de competências para a mudança de para-

digma tecnológico, não sendo um financiamento para a manutenção do status

quo empresarial.

Em março de 2013, o Plano Inova Empresa disponibilizou R$ 32,9 bilhões

de crédito subsidiado, subvenção, renda variável e recursos não reembolsáveis

para contratação até dezembro de 2014. A demanda por recursos do plano foi

surpreendente, o que demonstrou o apetite das empresas brasileiras por re-

cursos para atividades de maior risco tecnológico: 2.715 empresas inscritas e

223 ICTs participantes demandaram R$ 98,7 bilhões nos 12 editais executados

no âmbito do programa.

Tabela 1: Plano Inova Empresa – Carteira Total (contratado e a contratar), segundo área e ações (em R$ bilhões)

Fonte: FINEP, 2015.

Houve um flagrante aumento da ambição tecnológica das empresas im-

pulsionado pelos desafios dos focos selecionados com impactos tanto em no-

vas trajetórias como na elevação do ticket médio dos projetos. Uma parte das

empresas era de novos clientes das agências de fomento, pois nunca haviam

Total Finep** Total Finep** Total Finep**PAISS 3,92 2,22 1,70 3,92 2,22 1,70 - Inova Energia 2,73 2,33 0,40 0,25 0,02 0,23 2,48 2,31 0,17Demais Ações 4,79 2,20 2,60 4,25 1,87 2,38 0,55 0,33 0,22Inova Petro (1o edital) 0,17 0,06 0,11 0,13 0,06 0,07 0,04 0,04Inova Petro (2o edital) - - - - Demais Ações 2,50 0,59 1,91 2,13 0,59 1,54 0,37 0,37Inova Saúde - Fármacos 1,27 - 1,27 1,20 1,20 0,08 0,08Inova Saúde - Equipamentos 0,44 0,22 0,22 0,10 0,01 0,09 0,34 0,21 0,13Demais Ações 4,20 2,57 1,63 3,49 1,94 1,55 0,71 0,63 0,08Inova Aerodefesa 1,74 1,07 0,67 0,16 0,16 1,59 1,07 0,52Demais Ações 3,48 2,66 0,82 3,35 2,66 0,69 0,13 0,13Inova Telecom 1,07 0,76 0,30 0,12 0,12 0,94 0,76 0,18Demais Ações 5,56 3,66 1,90 3,79 2,82 0,96 1,78 0,84 0,94Inova Sustentabilidade 1,72 1,14 0,58 0,02 0,02 1,70 1,14 0,56Demais Ações 3,02 0,37 2,64 1,72 0,36 1,36 1,30 0,01 1,28Inova Agro 1,11 0,62 0,49 0,25 0,14 0,11 0,85 0,48 0,38PAISS Agrícola 0,94 0,65 0,29 - 0,94 0,65 0,29Demais Ações 1,75 0,16 1,59 1,35 0,09 1,26 0,41 0,07 0,34Inovação e Engenharia 9,92 5,73 4,19 5,98 3,18 2,81 3,94 2,56 1,38Descentralização para MPEs 1,40 0,23 1,17 1,39 0,22 1,17 0,01 0,01 Infraestrutura para Inovação 0,75 0,56 0,19 0,64 0,47 0,17 0,11 0,09 0,02

52,49 27,79 24,69 34,24 16,65 17,60 18,24 11,14 7,10

Petróleo e Gás

Área AçõesA contratar

BNDES* BNDES*

Energia

Carteira Total Contratado

BNDES*

Cadeia Agropecuária

Ações Transversais

Total

Complexo da Saúde

Aeroespacial e Defesa

TICs

Sustentabilidade Socioambiental

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

55

solicitado recursos para inovação. Além disso, a descentralização permitiu

qualificar os agentes para avaliar projetos de inovação ampliando a rede. Foi

significativo, também, o número de universidades e centros de pesquisa inte-

grados com as empresas e a integração de instrumentos. No cômputo final,

empresas e ICTs responderam positivamente, e em número inédito, a um pro-

grama bem concebido, que colheu resultados na forma de projetos em parce-

ria e de maior qualidade tecnológica.

Com tempo de maturação, estabilidade de recursos, preparação dos edi-

tais de forma mais integrada com outras agências e em forte diálogo técnico

com o setor privado, o Inova Empresa tem condições de permanecer e se trans-

formar em alavanca para políticas mais ousadas de inovação. Para corrigir

suas falhas e aperfeiçoar seu modelo, é fundamental que o Inova Empresa

passe pelos filtros de um sistema de monitoramento e avaliação com padrão

internacional. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

(OCDE), por exemplo, tem avançado no debate sobre tais mecanismos de ava-

liação de políticas públicas para ciência, tecnologia e inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

56

6. Programa Nacional Plataformas do Conhecimento (PNPC)

O Programa Nacional Plataformas do Conhecimento (PNPC) nasceu for-

temente inspirado pelos avanços institucionais e metodológicos do Inova Em-

presa. Foi uma atividade que nasceu na Finep e no MCTI, em 2014, e amplia

ainda mais os caminhos para se pensar novas formas de política tecnológica e

de inovação. Suas características distintivas remetem à coordenação de diver-

sos atores institucionais (públicos e privados), que se aglutinam em torno de

projetos que busquem atuar na fronteira tecnológica. Por sua lógica (resolução

de problemas definidos pela Presidência da República), por sua duração (10

anos), por seu funding (estabilidade de recursos em níveis em torno de US$ 500

O que é: o Programa Nacional Plataformas do Conhecimento (PNPC) busca

elevar a qualidade e o impacto econômico, social e tecnológico da inovação

no Brasil. Seu fundamento reside na busca de soluções para demandas públi-

cas, emanadas da Presidência da República. Sua lógica é a de estimular a for-

mação de consórcios de atores públicos e privados para a resolução de pro-

blemas técnicos via encomendas tecnológicas. Trata-se de uma iniciativa

com volume de recursos, duração e instrumentos inovadora no Brasil, que se

espelhou nas experiências internacionais mais avançadas e de última gera-

ção, orientada para o desenvolvimento tecnológico e inovação por meio da

interação entre empresas e institutos de pesquisa.

Período: Decreto Presidencial de jun/2014. Não há prazo fixado para imple-

mentação.

Objetivos Principais: Resolução de problemas técnicos específicos via re-

alização de encomendas tecnológicas. Estímulo a parcerias entre empresas e

ICTs. Construção de uma malha de complexos científicos de última geração,

para dar conta de projetos de longa duração (10 anos), com estabilidade de

funding e regime especial para compra e pesquisa.

Principais Instituições Participantes: FINEP, BNDES, CAPES, CNPq, Em-

presas, ICTs.

Fontes e Instrumentos: Crédito e subvenção econômica para empresas.

Fomento não-reembolsável para parcerias entre ICTs-empresas. FNDCT,

Fundo Social.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 57

milhões), as plataformas expressam a ousadia de elevar o impacto e o patamar

da CT&I no Brasil.

Estabelecido em 2014 por meio do Decreto presidencial nº 8.269, o PNPC

possui a seguinte definição:

“Art. 2º Considera-se plataforma do conhecimento a em-

presa, o consórcio ou a entidade privada sem fins lucrati-

vos que reúna agentes públicos e privados que atuem em

conjunto para obter resultados concretos para a solução

de problema técnico específico ou obtenção de produto ou

processo inovador de elevado risco tecnológico, com me-

tas e prazos definidos. ” (Presidência da República, 2014).

O PNPC possui como característica a articulação entre diversos órgãos

de governo, empresas e centros de pesquisa que funcionarão a partir da reso-

lução de problemas. A definição e a coordenação deste esforço competem ao

governo, mas a execução das ações de pesquisa pode ficar compartilhada entre

universidades, institutos de pesquisa e empresas. Não é intenção do PNPC di-

recionar o que deve ser a pesquisa científica e tecnológica, mas sim elaborar

os problemas que são de interesse do Estado e da sociedade. Cabe salientar que

este tipo de articulação para resolução de problemas é a forma como diferen-

tes países desenvolvidos estimulam CTI há décadas, principalmente os EUA,

incentivando pesquisas tanto de curto como de longo prazo e envolvendo di-

versos atores, articulando e fortalecendo seus sistemas nacionais de inova-

ção5.

5 Nos Estados Unidos é marcante a presença da Defense Advanced Research Projects Agency

(http://www.darpa.mil/) como indutora da pesquisa de fronteira. A União Europeia conta

com a iniciativa SmartGrids (http://www.smartgrids.eu/ ) que também trabalha para estabe-

lecer a conexão entre atores capazes de gerar novas tecnologias, principalmente na área de

energia, atuando na definição de estratégias, mobilização de competências e disseminação

das capacidades para stakeholders.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 58

Como exemplos internacionais de plataformas que inspiraram o mo-

delo brasileiro, citamos o Digital Manufacturing and Design Innovation Insti-

tute (Chicago, EUA), o Next Generation Power Electronics Manufacturing Inno-

vation Institute (na Carolina do Norte, EUA), o Institute of Science and Techno-

logy Austria (Áustria), o Advanced Manufacturing Research Center

(Boeing/University of Sheffield, na Inglaterra), o Graphene Research Centre

(BASF/National University of Singapore), o Cambridge Science Park (Reino

Unido), o Sky Clean (União Européia) e o MIT Energy Initiative.

A elaboração técnica das demandas ficaria a cargo de uma comissão for-

mada pelos representantes dos MCTI, do MEC, MDIC, MRE e Casa Civil (coorde-

nação), que seguiriam rigorosa metodologia para melhor informar a decisão

final do Presidente da República.

Uma vez que essas encomendas se caracterizam por grandes desafios

tecnológicos, capazes de contribuir decisivamente para a elevação da compe-

titividade da economia brasileira, a escolha de setores e atores específicos é

necessária, pois a capacidade de cumprir com as exigências que envolvem pro-

jetos deste nível de complexidade não se encontra distribuída uniformemente.

As plataformas do conhecimento seriam articuladoras e otimizadoras

de ecossistemas de inovação, de modo a promover a integração de agentes pú-

blicos e privados nos domínios da ciência, tecnologia e inovação, como insti-

tuições de C&T (ICTs) e empresas, visando à produção do conhecimento, de no-

vas tecnologias e inovações.

O arranjo institucional das plataformas do conhecimento deveria ser

composto por: a) uma equipe com liderança de reconhecida capacidade cien-

tífica e tecnológica, com base em uma ICT que os autorizará a participar do

programa; b) uma instituição gestora, por exemplo, uma organização social,

que será responsável pela gestão dos recursos e administração da plataforma;

c) por empresas voltadas ao desenvolvimento e à produção do conhecimento

produzido; e d) por instituições associadas à plataforma – empresas e/ou ICTs

– por meio de contratos ou convênios estabelecidos para a produção científica

Page 60: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 59

e tecnológica da plataforma, mas não necessariamente localizadas na mesma

região.

Com o PNPC, o Brasil teria condições de colocar a CT&I em níveis eleva-

dos, capazes de produzir conhecimento e tecnologia de impacto na vida da po-

pulação. Como exercício preliminar, o MCTI selecionou algumas áreas e temas

para a discussão entre governo, empresas e instituições de pesquisa, a saber:

avião Verde, biofármacos, vacinas, biocombustíveis, e bioquímicos a partir da

cana-de-açúcar, nanomateriais para indústrias de petróleo e gás e energia, re-

ator multipropósito, satélites, equipamentos ópticos aplicados à saúde e ma-

nufatura avançada.

O PNPC pretende também reduzir nosso déficit de infraestrutura cientí-

fica, tecnológica e de inovação, com base numa gama de desenvolvimentos

que irá da pesquisa básica, passando pela aplicada, até chegar a novos proces-

sos tecnológicos e soluções inovadoras para a economia e a sociedade. Se uti-

lizarmos a metodologia de avaliação do grau de maturidade de tecnologias

(Technology Readiness Levels, TRL) – que vai de 1 a 10, sendo que quanto mais

próximo do 10, mais a tecnologia estará à disposição do mercado –, as plata-

formas terão como foco principal os níveis 4 a 7. Estudos consistentes apon-

tam que uma das principais fragilidades dos sistemas nacionais de inovação

situa-se exatamente nesse intervalo, quando o foco é tecnologia, com destaque

para o chamado “Vale da Morte”, em que ideias, processos e produtos perdem

energia e apresentam descontinuidades em seu desenvolvimento.

Page 61: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 60

PARTE III: MARCO REGULATÓRIO E EVOLUÇÃO DO PARTE III: FINANCIAMENTO A CT&I

As reformas para a criação de um novo ambiente jurídico institucional

para CT&I no Brasil se iniciaram no final da década de 1990 e se intensifica-

riam em meados dos anos 2000. Tais reformas ganharam fôlego e provocaram

desdobramentos positivos para o país, como a pavimentação de caminhos

para uma estratégia nacional de CT&I, que foi se aperfeiçoando nos últimos

anos. Embora seja marcada ao longo destes 15 anos por diversas inflexões, di-

vergências e conflitos de distintas naturezas, a área de CT&I ganhou uma nova

dinâmica, incorporou fortes aliados institucionais e passou a ter montante

crescente de recursos.

O longo processo de construção do atual marco legal da área de CT&I

ainda não foi concluído: ocorreram mudanças significativas que alteraram a

dimensão do fomento, mas existem regulamentações ainda não elaboradas,

fundos instituídos que ainda não entraram em cena, tais como FUNTTEL e o

Fundo Social. Há conflitos entre os principais atores que dificultam a defini-

ção de prioridades para a alocação dos recursos: as ICTs, as empresas e mesmo

entre órgãos do Governo. Questões centrais dizem respeito (i) ao direciona-

mento dos recursos, (ii) se devem ser orientados para grandes projetos estra-

tégicos, com parcerias entre ICTs-Empresas, (iii) ou descentralizados para as

Fundações de Ampara à Pesquisa (FAPs) ou mesmo (iv) um mix dessas solu-

ções; também está em debate a (v) forma de proteção dos recursos, para garan-

tir a estabilidade de funding; ou a (vi) entrada de novos agentes, como os ban-

cos públicos, a partir da definição de um patamar obrigatório de investimento

em P&D; e até mesmo (vii) a necessidade de formação de um grande fundo de

investimento em CT&I, muito superior à soma atual dos fundos existentes, de

modo a atender a crescente demanda. O equacionamento dessas questões pre-

cisa evoluir para que a política de financiamento deixe de ter um comporta-

Page 62: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

61

mento pendular. É sempre bom lembrar que não há, no Brasil, nenhum col-

chão protetor, capaz de garantir estabilidade de recursos em períodos de crise

econômica ou de ajustes fiscais.

As questões brevemente listadas acima indicam a existência de concep-

ções distintas entre os atores que atuam neste quadro político, o que é saudá-

vel. No entanto a predominância de uma ou outra linha de pensamento tem

ocorrido em situações adversas para as partes envolvidas, o que embaralha o

jogo político e dificulta o acordo entre os atores.

Na análise que se segue traçaremos um quadro mais preciso da evolução

do financiamento concedido pelas agências públicas buscando, com isso, ex-

plorar as alternativas mais promissoras para que a política supere o atual es-

tágio e entre em um novo patamar de atuação.

Para caracterizar os principais eventos ao longo da trajetória da política

de CT&I nos últimos 15 anos é indispensável a delimitação dos períodos do pro-

cesso de construção do novo marco legal. Com isso pode-se recuperar o sentido

de determinadas questões enfrentadas, as respectivas medidas tomadas, os

instrumentos constituídos, as suas aplicações e o que representaram na evo-

lução da política. Essa é a forma mais objetiva para detalhar a construção con-

traditória do novo padrão de financiamento e salientar suas alterações e pers-

pectivas para os próximos anos.

Três fases distintas podem ser agrupadas no quadro de evolução dos

normativos e dos planos e programas lançados no período:

1. Construção do Novo Padrão de Financiamento: 1997 – 2002

2. Consolidação do Novo Modelo de Governança: 2003 – 2009

3. Integração da Política de CT&I com a Política Industrial: 2010 – 2014

Essa estrutura cronológica norteia essa terceira parte do relatório e

complementa a análise da parte II a respeito das políticas industriais e de fo-

mento à inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

62

1. A Construção do Novo Padrão de Financiamento: 1997-2001

O período de 1997 a 2001 se caracterizou fundamentalmente pela cons-

trução do modelo de financiamento e governança na aplicação dos recursos

para CT&I no Brasil. É o período durante o qual são aprovados os pacotes de leis

para regulamentação de diversas atividades do setor público afetados pela pri-

vatização e são regulamentados os Fundos Setoriais de CT&I.

O volume de recursos disponível foi muito reduzido, pois era o início do

processo de arrecadação e ainda estavam sendo elaborados diversos atos nor-

mativos e acertos operacionais entre o MCT, a Receita Federal, Tesouro Nacio-

nal, Ministérios Setoriais e respectivas agências reguladoras. Grande parte do

esforço despendido estava concentrado no relacionamento dentro do governo

e na articulação com o Congresso Nacional.

Ao mesmo tempo em que transcorria o processo de privatização e a cri-

ação das agências reguladoras, havia um desejo de concluir o mais rápido pos-

sível a definição dos instrumentos sob pena de o MCT perder o controle do pro-

cesso e os instrumentos de fomento acordados ficarem sob a gestão dos órgãos

setoriais, como acabou ocorrendo com o FUNTTEL. Os centros de pesquisas dos

setores privatizados também careciam de definições claras e urgentes.

Quadro 2: Pacote de Leis e Criação dos Fundos Setoriais

Ano Iniciativa Dispositivo Legal Planos e Programas 1997 Marco regulatório do

setor de Petróleo e Gás e criação do 1º Fundo

Setorial de CT&I

Lei nº 9.478/1.997PRONEX – Programa de Apoio aos Núcleos de

Excelência

1999/2001

Criação dos Fundos Setoriais

Leis nº 9991, 9.992, 9.993, 9.994 e 10.042

de 2.000, 10.176. 10.197 e 10.332/2001

PNCTI - Política Nacional de Ciência,

Tecnologia e Inovação

Page 64: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

63

Quadro 3: Fundos Setoriais

Além disso, o Plano Real foi conduzido de maneira rígida devido a diver-

sas ameaças externas e à delicada situação cambial da economia brasileira.

Com as crises da Ásia, em 1997, e da Rússia, em 1998, os orçamentos foram

severamente contingenciados. A urgência para entrada em operação dos fun-

dos setoriais tinha como objetivo principal implantar a reforma e envolver os

atores da área de CT&I na operação dos recursos e do modelo de governança.

Poucas operações puderam ser bem avaliadas ou tiveram um signifi-

cado estratégico mais profundo6, e os estudos para a organização de uma car-

teira de projetos estratégicos não foram concluídos antes da mudança no go-

verno em 2003.

Nota-se na tabela 2 a seguir que a arrecadação cresce acentuadamente,

especialmente pelos royalties do petróleo, cuja produção estava em franco

6 Entre as de maior impacto se destacam: Tanque Oceânico da Coppe/UFRJ (CTPetro), Rede de

Pesquisa sobre o Gás no Nordeste (CTPetro), Retenção da Equipe da Trópico no CPqD (FUNT-

TEL).

Ano Fundo Lei Setor de Atividade 1997 CTPetro 9.478 Petróleo e Gás Natural

CTEnerg 9.991 Energia ElétricaCTTransportes 9.992 Transportes Terrestres

2000 CTMineral 9.993 MineralCTHidro 9.993 Recursos Hídricos

CTEspacial 9.994 EspacialFUNTTEL 10.042 Telecomunicações

2001 CTInfo 10.176 Tecnologia da InformaçãoCTAmazônia 10.176 Amazônia

CTInfra 10.197 Infraestrutura de PesquisaCTAero 10.332 AeronáuticoCTAgro 10.332 Agronegócio

CTBiotec 10.332 BiotecnologiaCTSaúde 10.332 Saúde

CTFVA 10.332 Verde Amarelo (Interação Universidade Empresa)

2004 CT Aquaviário 10.893 Transporte Aquaviário e Construção Naval

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

64

crescimento. A arrecadação da CIDE foi ampliada devido a dois fatores: desva-

lorização do real e crescimento das remessas para pagamento das compras de

tecnologias no exterior, em especial devido à desnacionalização de empresas

de diversos setores. Os royalties e a CIDE representaram cerca de 70% da arre-

cadação do FNDCT desde sua criação até a instituição do Fundo Social. No en-

tanto, as disponibilidades para o financiamento de projetos não ultrapassa-

ram a metade dos recursos arrecadados. Em 2002 a taxa de utilização indica

uma performance mais baixa ainda, pois somente 33,9% dos recursos arreca-

dados foram desembolsados.

Tabela 2: Evolução do Orçamento do FNDCT e Fundos Setoriais – Estimativa da Reserva Acumulada (em R$ Milhões, Valores Correntes)

Fonte: Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI). A Lei nº 10.595, de 11/12/2002 - Autorizou a Transferência de Reservas até 2001 para o Tesouro Nacional. Lei nº 11.688, de 4/06/2008. (*) A Reserva é calculada pela diferença entre a Arrecada-ção Líquida e os pagamentos efetivos denominados de Execução Financeira.

Um indicador importante para a avaliação do uso dos recursos no perí-

odo refere-se ao valor médio dos projetos, que só alcança o patamar de cerca

de R$ 700 mil por convênio em 2002. Isto significa um padrão predominante-

mente marcado por projetos de pequeno porte, equivalente ao tradicional

apoio a grupos de pesquisa, praticado extensivamente pelo CNPq.

Lei nº 9.789/99 Lei nº 9.969/00 Lei nº 10.171/01 Lei nº 10.407/021999 2000 2001 2002

Arrecadação + DRU 133,3 306,1 810,9 1.147,50DRU Estimada 26,7 61,2 162,2 229,5Arrecadação Líquida 106,6 244,9 648,7 918LOA 109,4 297,8 648,7 846,2Execução Financeira 38 115 311,2 311,5Reserva de Contingência 68,6 129,9 337,5 606,5Reserva Acumulada (*) 68,6 198,5 536 1.142,50Taxa de Utilização (5/3) 35,60% 47,00% 48,00% 33,90%Reserva + DRU 95,3 191,1 499,7 836Reserva + DRU Acumulada 95,3 286,4 786,1 1.622,10Valor Aprovado 267,1 309,1 420,4 474,7Nº de Operações Contratadas 300 382 681 621Valor Médio das Operações 0,89 0,809 0,617 0,696

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

65

Nesse período não se chegou a elaborar um plano nacional estratégico

de CT&I. Cada comitê gestor setorial que entrava em regime de operação tinha

a atribuição de elaborar um plano de investimento de acordo com as exigên-

cias do seu regulamento e necessidades setoriais, conhecidas pelos represen-

tantes do setor empresarial, agências reguladoras, ministérios e da comuni-

dade científica. Apesar das adversidades o quadro positivo das mudanças se

materializava no peso das representações que integraram os comitês gestores:

reitores, pró-reitores, lideranças empresariais, secretários de estados, lideran-

ças setoriais da comunidade científica. Tal representação indicava o grande

interesse no modelo em construção.

2. Consolidação do Novo Modelo de Governança: 2003-2009

O segundo período delimitado, de 2003 a 2009, é marcado por diversos

eventos importantes, tanto para o país, como para área de CT&I, sendo que al-

guns já foram discutidos anteriormente no início do capítulo.

O cenário configurado foi o da retomada do crescimento da economia

brasileira, com acumulação significativa de saldos comerciais gerados princi-

palmente pelas commodities, em especial por produtos de origem agropecuá-

ria, que apresentaram as maiores taxas de produtividade do mundo. Outro fa-

tor relevante para este período foi a descoberta do pré-sal em 2006, com di-

mensões surpreendentes de reservas de petróleo e gás. Além disso, a bolsa de

valores bateu recordes com captações expressivas por meio do lançamento

primário de ações. Esse foi o período que garantiu ao país o grau de investi-

mento junto às agências de rating internacionais.

Neste contexto, foram aprovadas as leis de Inovação, do FNDCT e a do

Bem, completando o quadro de instrumentos financeiros e não-financeiros de

apoio às atividades de P&D (ver quadro 4 abaixo). Todos os instrumentos come-

çaram a ser utilizados pelas agências de fomento em níveis mais elevados e o

MCT passa a se transformar em agente de operações, realizando análise das

empresas elegíveis para se beneficiarem dos incentivos fiscais da Lei do Bem.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

66

Quadro 4: Principais Leis Sancionadas

Com a diversificação de dispositivos legais, o espectro de instrumentos

de fomento às atividades de inovação tornou-se mais robusto. A Política Naci-

onal de CT&I em 2006 ganhou parceiro importante com o lançamento do

Fundo Tecnológico (FUNTEC) pelo BNDES. Embora com recursos em volumes

modestos, transferidos de parte do seu lucro, a articulação com o BNDES foi

fundamental para incentivar a mobilização do setor empresarial.

A expansão dos recursos para a área de CT&I deslanchou efetivamente

no período que se estende de 2003 a 2009. A retomada do crescimento da eco-

nomia garante uma evolução da arrecadação do FNDCT e seus Fundos Setori-

ais superior às taxas anuais de crescimento do PIB.

O modelo operacional adotado foi o da aplicação de recursos mediante

editais e chamadas públicas induzindo uma concorrência intensa de diversos

setores. Esse modelo foi simples reprodução das tradicionais chamadas para

apoio à pesquisa, praticados pelas agências federais e similares aos adotados

no Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico Tecnológico (PADCT), do

final dos anos 1980 e início dos anos 1990. O patamar de convênios aprovados

subiu nos primeiros anos desse período para cerca de 1.000 e as candidaturas

em média triplicaram.

Mesmo com a conjuntura econômica favorável, o MCT continuou so-

frendo restrições nos seus gastos. As reservas de contingência orçamentária

do FNDCT continuaram sendo praticadas em níveis elevados, ainda que de-

crescentes. Na tabela 3, a seguir, verifica-se a elevação da taxa de utilização

dos recursos de 38,3%, em 2003, para o patamar de 60% em 2009.

Ano Iniciativa Dispositivo Legal Planos e Programas

Lei de Inovação Lei nº 10.493/2004

Nova Lei de Informática Lei nº 11.077/2004Lei de Biossegurança Lei nº 11.105/2005

Lei do Bem Lei nº 11.196/20052007 Nova Lei do FNDCT Lei nº 11.540/2007

2003- 2004PITCE - Política

Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior

2005

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

67

Tabela 3: Evolução do Orçamento do FNDCT e Fundos Setoriais – Estimativa da Re-serva Acumulada (em R$ Milhões, Valores Correntes)

Fonte: SIAFI, Lei Orçamentária Anual (LOA), Relatórios Anuais de Gestão do

FNDCT/FINEP/MCT, 2014.

Apesar das contenções orçamentárias iniciais, o MCT lançou o Plano Na-

cional de CT&I (PNCTI) e sinalizou para a integração de suas ações com as da

PITCE, o que acabaria por se materializar, mas apenas pontualmente.

A concepção do PNCTI ainda dissocia a natureza das diretrizes, indi-

cando uma matriz de ações de atuação horizontal, focalizada na expansão,

consolidação e integração do Sistema Nacional de CT&I; e, por outro lado, uma

atuação vertical, de integração à PITCE e aos objetivos estratégicos nacionais.

Esta articulação inaugurou um padrão de relacionamento entre os mi-

nistérios que poderia estabelecer novos rumos para o fomento ao desenvolvi-

mento industrial. A criação da subvenção econômica pela Lei de Inovação, e a

sua incorporação na Lei do FNDCT, geraram expectativas, assim como a equa-

lização da taxa de juros e os incentivos fiscais. Todos estes instrumentos pas-

saram a constituir uma base de subsídios capaz de reduzir significativamente

Lei nº 10.640

Lei nº 10.837

Lei nº 11.100

Lei nº 11.306

Lei nº 11.541

Lei nº 11.648

Lei nº 11.897

2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

Arrecadação + DRU 1.608,90 1.761,40 2.023,50 2.313,00 2.640,60 3.350,60 3.149,30

DRU Estimada 321,8 352,3 404,7 462,6 528,1 670,1 629,9

Arrecadação Líquida 1.287,10 1.409,10 1.618,80 1.850,40 2.112,50 2.680,50 2.519,40

LOA 1.220,80 1.413,10 1.617,90 1.716,00 1.762,00 2.076,70 2.519,40

Execução Financeira 492,8 583,8 715,1 715,1 1.258,60 1.732,00 1.496,90

Reserva 794,3 825,3 903,7 1.135,30 853,9 948,5 1.022,50

Reserva Acumulada 1.936,80 2.762,10 3.665,80 4.801,10 5.655,00 6.603,50 7.626,00

Taxa de Utilização (5/3) 38,30% 41,40% 44,20% 38,60% 59,60% 64,60% 59,40%

Reserva + DRU 1.116,10 1.177,60 1.308,40 1.597,90 1.382,00 1.618,60 1.652,40

Reserva + DRU Acumulada 2.738,10 3.915,70 5.224,10 6.822,00 8.204,00 9.822,70 11.475,00

Valor Aprovado 129,6 573,3 611,6 975 1.230,70 1.777,00 2.185,80

Nº de Operações Aprovadas 510 1.290 1.054 1.280 914 893 654

Valor Médio das Operações 0,254 0,444 0,58 0,762 1,346 1,99 3,342

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

68

os riscos da inovação. As ações também estimuladas pelo Fundo Verde-Ama-

relo ofereceram meios para a criação de um ambiente institucional mais con-

fortável, na medida em que ICTs e laboratórios poderiam ser aprimorados para

atender demandas do setor produtivo.

A partir de 2003 o FNDCT sustentou o patamar da participação do MCT,

mas sem promover, porém, o seu crescimento. A diferença entre o que foi ar-

recadado e o que foi aplicado é significativa: de cerca de R$ 18 bilhões arreca-

dados desde a criação dos fundos setoriais apenas R$ 7,9 bilhões foram efeti-

vamente desembolsados (Gráfico 1).

Parte dos recursos contingenciados acabou retornando ao MCT na

forma de dotação orçamentária com recursos de fontes ordinárias do Tesouro

Nacional. A evolução do orçamento consolidado do MCT, que integra o docu-

mento “Estratégia Nacional de CT&I”, apresenta um crescimento intenso dos

recursos.

Gráfico 1: Evolução das Receitas e Despesas do FNDCT – Volume de recursos

mobilizados em valores correntes acumulados.

Fonte: SIAFI, LOAs, Relatórios Anuais de Gestão do FNDCT/FINEP/MCT

18.185

16.902

10.280

7.905

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

20.000

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010

Arrecadação Líquida LOA Execução Financeira Reserva

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

69

Gráfico 2: Evolução do Orçamento do MCTI

Fonte: MCT, 2011

Vale notar, porém, que esse crescimento foi menor do que a expansão de

outras áreas do Governo Federal. Há várias outras formas de se dimensionar o

espaço do investimento em CT&I. Pode-se, por exemplo, comparar os recursos

mobilizados pelo MCTI, como órgão setorial, com a execução orçamentária dos

demais órgãos do poder executivo. Um dos indicadores utilizados para isso é

baseado na comparação entre os blocos das “outras despesas de custeio e capi-

tal” (OCC). OCC são as despesas destinadas à expansão da produção e prestação

de serviços e investimento do órgão. Essas despesas não incluem folha de pa-

gamento da administração, amortização de dívidas ou o efeito de qualquer fi-

nanciamento. Percebe-se que, ao comparar a participação dessas despesas do

MCTI com o total de despesas dessa conta no Poder Executivo, há uma tendên-

cia de queda e mudança de patamar para um nível inferior (Gráfico 3).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

70

Gráfico 3: Participação do MCTI no Orçamento Federal – % em Outras Despe-sas de Custeio e Capital da União (OCC)

Fonte: SIAFI, Secretaria de Orçamento Federal (SOF), Secretaria do Tesouro

Nacional (STN).

Outra forma refere-se à comparação entre a arrecadação anual do

FNDCT e a execução orçamentária do MCTI. Para dimensionar a importância

das novas fontes de recursos foi considerada a arrecadação bruta, ou seja, a

arrecadação antes do desconto da Desvinculação de Receitas da União7 (DRU),

com o gasto global do MCTI. Mesmo que este desconto seja legal, sua origem se

deve à criação da nova receita; existem áreas como educação, que não reco-

lhem a DRU. Aqui, porém, não se está sugerindo alterações no marco legal.

Trata-se de recurso técnico para demonstrar o impacto das receitas criadas

com o novo padrão de financiamento em CT&I.

7 O conceito aparece pela 1ª vez com o Fundo Social de Emergência em 1994, posteriormente

em 2000 instituída como Desvinculação de Receitas da União (DRU). Seu objetivo é a transfe-

rência de recursos que dispõem de fontes vinculadas para equilibrar contas na área social com

metas estabelecidas pela Constituição Federal

0,00%

0,50%

1,00%

1,50%

2,00%

2,50%

3,00%

3,50%

4,00%

4,50%

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Arrecadação FNDCT OCC FNDCT OCC MCT

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

71

Pode-se verificar que na medida em que a arrecadação do FNDCT foi se

expandindo, seu montante passou a representar parcela cada vez maior do or-

çamento da conta OCC (Gráfico 4). Em 2003, o total arrecadado chegou a ser

maior do que o total da conta OCC do MCT. Isso significa que o MCT não preci-

sou de recursos ordinários do Tesouro Nacional para se custear, e se permitiu

(ou foi estimulado), em alguns exercícios, a trabalhar com suas receitas pró-

prias. Esta constatação demonstra como a área econômica do Governo induziu

o ministério a atuar com seus próprios recursos. A queda efetiva da participa-

ção nos últimos anos do suporte das receitas do FNDCT se deveu à perda dos

royalties do petróleo, sendo uma redução próxima a R$ 2 bilhões por ano.

Gráfico 4: MCTI e Arrecadação Bruta do FNDCT e Fundos Setoriais

Fonte: SIAFI, SOF e STN

Durante o período 2003-2009, foram criados e operados pelo FNDCT

dois instrumentos importantes para o financiamento das atividades de P&D

das empresas: a subvenção econômica e a equalização da taxa de juros, as quais

são tratadas a seguir.

12,1

%

18,6

%

27,7

%

55,2

%

109,

5%

69,9

%

74,0

%

75,0

%

74,4

%

83,8

%

76,0

%

61,7

%

95,4

%

100,

3%

82,8

%

62,2

%

-20%

0%

20%

40%

60%

80%

100%

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2014

Arrecadação do FNDCT + DRU Recursos Ordinários do Tesouro

Page 73: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

72

2.1. A Subvenção Econômica

É importante considerar que a regulamentação da Lei de Inovação é

ainda incipiente, pois o Decreto nº 5.563, de 11/10/2005, sequer aprofunda o

que foi instituído e tem o vício de repetir os conceitos da lei sem agregar ori-

entações para sua operação. Os demais decretos apenas resolveram conflitos

tributários básicos, como o caso da dedução no imposto de renda das empresas

dos gastos com os projetos de PD&I, em montante equivalente ao valor rece-

bido da subvenção econômica, ou aspectos relacionados à restrição dos proce-

dimentos operacionais das agências, como foi tratado no Decreto nº 7.539, de

2/08/2011.

Nessas condições, é possível compreender o caso da Subvenção Econô-

mica, que não conta com uma definição nova na Lei, nem no Decreto, ficando

o entendimento que se trata do mesmo instrumento instituído pela Lei nº

4.320/1964, que objetivamente não se presta ao desenvolvimento tecnológico.

No entendimento da Lei nº 4.320/1964, a finalidade é prover recursos para fi-

nanciar o custeio de empresas que fornecem bens e serviços de interesse pú-

blico, ou seja, cobrir parte dos custos de produção para garantir o equilíbrio

econômico-financeiro dessas empresas. Trata-se de financiar a produção tão

somente, cobrir custos que eventualmente não serão cobertos, ou praticar pre-

ços subsidiados pelo estado deliberadamente em função de um interesse pú-

blico.

Nota-se que são abordagens diferentes. Um projeto de inovação so-

mente se assemelha a essa situação quando já se encontra em estágio final de

desenvolvimento, quando se trata de produzir novos produtos já desenvolvi-

dos ou utilizar processos testados e enfrentar o mercado. Esta fase se deno-

mina comercialização pioneira, quando os custos de produção utilizando as

novas tecnologias podem não ser cobertos, pois se trata de vender uma novi-

dade. Nessa fase, ainda existe um risco comercial a ser enfrentado e até mes-

mos ajustes necessários podem ser feitos na tecnologia desenvolvida. Nesse

estágio, se o que está sendo produzido for de interesse público, a situação se

assemelha ao foco da subvenção social da Lei nº 4.320/1964.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

73

Essas observações são importantes para serem analisadas e tratadas por

especialistas em matéria tributária, pois isto explica em parte as dificuldades

para se delimitar de forma clara o que pode ser feito com o instrumento. Pode-

se dizer que os órgãos de controle não compreenderam a divergência jurídica

e as consequências que esse instrumento trouxe ao marco regulatório.

A aplicação de recursos não foi similar à finalidade da subvenção eco-

nômica da Lei onde se originou. Foram criadas três modalidades de operação:

Editais Temáticos, Programa de Apoio a Pesquisas em Empresas (PAPPE) e Pri-

meira Empresa Inovadora (PRIME). O PAPPE foi concebido para repassar re-

cursos mediante o credenciamento de agentes técnicos regionais, entre os

quais foram escolhidos inicialmente as fundações estaduais de apoio à pes-

quisa (FAPs). Já o PRIME tinha como alvo as empresas incubadas, portanto seu

objetivo era prover recursos para ajudar a alavancar as empresas no seu pro-

cesso de constituição. O PRIME é o que mais se assemelha à concepção original

do instrumento, porém era necessário a sua justificativa de forma compatível

ao Art. 18 da Lei nº 4.320/1964 conforme o inciso b), referente aos produtores

de determinados gêneros ou materiais, os quais deveriam ser especificados

previamente à candidatura das empresas8.

A tabela abaixo demonstra que foram quase R$ 2 bilhões comprometi-

dos com apoio a 4.698 empresas de diversos portes. Porém é fundamental ob-

servar que a Subvenção Econômica é um instrumento até hoje não sistemati-

zado, imprevisível e sem continuidade, o que impede as empresas considera-

rem essa fonte na sua estratégica de inovação, na formulação de seus planos

de negócios e nas suas respectivas ações de captações de recursos. É o que está

na raiz do desequilíbrio enorme registrado entre a evolução dos recursos apli-

cados por esse instrumento e o crédito à inovação, ou mesmo ao não-reembol-

sável para ICTs.

8 “Art. 18. [...] Parágrafo único. Consideram-se, igualmente, como subvenções econômicas: a)

[...]; b) as dotações destinadas ao pagamento de bonificações a produtores de determinados

gêneros ou materiais. ”

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

74

Tabela 4: Aplicação dos recursos da subvenção econômica, segundo número e valor de operações

Fonte: Relatório de Gestão do FNDCT

Aqui no Brasil, a lógica dos editais para tratar de questões estratégicas

como CT&I é distinta e assimétrica em relação ao que se processa nas agências

estrangeiras, que praticam instrumentos não-reembolsáveis para o engaja-

mento de empresas em ações estratégicas do governo. Em alguns países, é uti-

lizado o modelo de encomendas ou a política de compras, normalmente divul-

gado com prazo largo para apresentação de propostas, e seu objetivo é avançar

a fronteira do conhecimento em áreas estratégicas – modelo este completa-

mente distinto do que foi praticado no Brasil.

No Brasil, o modelo de operação da subvenção foi decalcado dos editais

acadêmicos, inclusive com o mesmo padrão de pulverização de recursos, o que

implicou sobrecarga do processo operacional para a Finep, com elevação de

todos os seus custos (e risco de rebaixamento da qualidade), especialmente os

de gestão de portfólio.

2.2. Equalização da Taxa de Juros

Esse instrumento foi importante para o estímulo ao desenvolvimento

tecnológico, uma vez que permitiu ampliar as possibilidades de captação para

CT&I ao integrar recursos de várias fontes, como FAT, BNDES, entre outros.

Serviu também como disseminador da importância do crédito para a inovação

Nº de Operações 2006 2007 2008 2009 2010 2011 TotalEditais Demanda 1099 2558 993Editais Aprovado/Contratado 12 306 245 229 90 882PAPPE 16 404 420PRIME 2015 1381 3.396

Total 1.111 322 2.260 4.343 1.222 90 4.698Valor das Operações (em R$ Milhões) 2006 2007 2008 2009 2010 2011 TotalEditais DemandaEditais Aprovado/Contratado 55 526,3 513,6 425,8 192,6 1.287,50PAPPE 136 123,2 259,2PRIME 249,1 165,7 414,8

Total 55 662,3 762,7 288,9 425,8 192,6 1.961,50

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

75

quando o risco é menos elevado, ou quando a P&D se encontra em estágio mais

avançado, podendo ser financiada com ônus para as empresas, mas com pra-

zos e taxas de juros compatíveis com suas necessidades, e sem pressionar

muito seu fluxo de caixa.

A equalização foi instituída primeiro pelo Fundo Verde-Amarelo (FVA),

porém a disponibilidade de recursos foi limitada nos primeiros anos. Quando

saiu a regulamentação do FNDCT em 2007, as fontes utilizadas para equaliza-

ção poderiam ser originárias de qualquer fundo setorial, assim como a sub-

venção econômica ou o investimento sob a forma de integralização de capital

em fundos de investimento.

O crédito, porém, por ser caro, sempre foi muito seletivo no Brasil. Por

operar em fluxo contínuo, exigir contrapartida e depender da capacidade de

pagamento, além de exigir garantias de cobertura do risco, passou a ser um

instrumento usado basicamente por médias e grandes empresas inovadoras,

que investem recorrentemente em PD&I, e dispõem de portfólio de projetos em

estágios distintos. Para estas firmas, o crédito é sempre uma fonte adicional.

É importante ressaltar a correlação entre contratação e desembolsos.

Normalmente, os desembolsos anuais representam 40% em média da carteira

contratada. Até 2008, a FINEP contou basicamente com recursos próprios de-

rivados de aporte de capital do Tesouro Nacional, do FAT, do FNDCT e do FUN-

TTEL. Como já apresentado anteriormente, somente a partir de 2010 os recur-

sos do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) começam a ser repas-

sados pelo BNDES à FINEP. Observa-se no Gráfico 5 que os desembolsos da FI-

NEP cresceram de forma expressiva nesse período.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

76

Gráfico 5: Evolução dos desembolsos anuais 2004/2014 da Finep (em R$ milhões, valores correntes)

Fonte: FINEP, 2015

O aumento no número de operações e de desembolsos de crédito para

projetos de inovação financiados pelo BNDES também foi significativo em

2014, como mostra o Gráfico 6 a seguir. Os valores e quantidades incluem a

parcela da carteira de projetos da FINEP cujas fontes de recursos foram o PSI,

com equalização de taxas de juros pelo Tesouro Nacional, ou empréstimos do

BNDES para a FINEP, derivados de recursos do próprio BNDES. Como um

mesmo projeto da FINEP pode contar com fontes diferentes de financiamento

ao longo da sua execução, como FAT e o FNDCT, a exata origem do financia-

mento dependeria exclusivamente das áreas financeiras das agências para ser

registrada. No entanto, pela experiência, é possível estimar que entre 70% e

80% dos desembolsos foram financiados pelo PSI no período 2011-2014. Isto

representa um pouco mais do que a carteira do BNDES, ou seja, ambas as agên-

cias operaram o financiamento de projetos de inovação com a concessão de

crédito em patamares aproximados.

153310

516 401741 880

1.218

1.753 1.765

2.521

4.464

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

3.500

4.000

4.500

5.000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

77

Gráfico 6: Desembolsos e número de projetos apoiados pelo BNDES (em R$ milhões, valores correntes)

Fonte: Relatórios do BNDES, 2015

Esses dados indicam que cerca de 600 empresas foram atendidas pelas

duas agências em 2014 e os desembolsos atingiram patamar próximo a R$ 10

bilhões, marca inédita na história do fomento à inovação no Brasil. Além do

acentuado crescimento do apoio aos projetos de PD&I por meio do crédito,

tanto pela FINEP como pelo BNDES, um novo instrumento ampliou a alavan-

cagem de recursos para as empresas: os incentivos fiscais instituídos pela Lei

do Bem, que analisaremos em seguida.

2.3. Incentivos Fiscais – Lei do Bem9

Os incentivos fiscais pela Lei do Bem permitem acesso apenas para as

empresas que investem em inovação e que adotam o regime contábil de apu-

ração do lucro real durante o exercício e que comprovem regularidade fiscal.

9 Por decisão do MF, como parte das medidas de ajuste fiscal de 2015, os benefícios da Lei do

Bem foram “temporariamente interrompidos”, ou seja, não estão em vigência neste ano de

2016.

33 4126 23 19 15 17 30

53 63 6176 88

117

166

468

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

0

50

100

150

200

250

300

350

400

450

500

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Nº de Operações de Crédito Desembolsos do Crédito

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

78

Esta restrição limitou o acesso da maior parte das empresas de pequeno e mé-

dio porte, que concentra mais de 70% das empresas da amostra da PINTEC.

A expansão da base de empresas que acessaram este instrumento de

2006 a 2012 é significativa, como demonstra o Gráfico 6. O apoio via incenti-

vos fiscais qualificou mais de 700 empresas por ano e no final desse período já

havia superado o patamar de R$ 1,7 bilhão, representando um valor médio de

cerca de R$2,5 milhões por empresa/ano.

Gráfico 7: Evolução dos incentivos da Lei do Bem, segundo número de empresas beneficiadas e valor de renúncia fiscal (em R$ mi-lhões)

Fonte: MCTI, 2013

Este instrumento contribuiu para atrair novos centros de P&D para o

Brasil e é de grande valia para as empresas que dispõem de atividade interna

de P&D permanente. Além disso, o conjunto de empresas é bem delimitado,

existindo, portanto, um alvo preciso (e fácil) de ser avaliado e de ser reorien-

tado de acordo com a necessidade. Esta possibilidade deve ser explorada, já que

o instrumento não tem foco nas políticas de inovação, pois foi concebido como

um mecanismo horizontal sem preocupação com impactos setoriais ou com

as necessidades detectadas pelas políticas públicas.

130

300

460

542

639

767

787229

884

1583

1382

1727

1409

1048

0

200

400

600

800

1000

1200

1400

1600

1800

2000

0

100

200

300

400

500

600

700

800

900

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012

Nº de Empresas Beneficiadas Valor da Renuncia Fiscal

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 79

3. Integração das Políticas de CT&I com a PolíticaIndustrial: 2011-2014

Na inicial desse capítulo foram antecipadas algumas análises das polí-

ticas industriais e programas públicos no período 2010-2014. Do ponto de

vista do financiamento, tivemos neste período uma disponibilidade maior de

recursos para o setor produtivo, com a ampliação do financiamento do PSI Ino-

vação e a manutenção, pela primeira vez, dos empréstimos do FNDCT para a

FINEP no patamar de 25% da dotação orçamentária, como estabelecido na Lei

nº 11.540/2007.

Nota-se pelo Gráfico 7 que, enquanto os recursos do FNDCT se estabili-

zaram, as fontes de recurso para o crédito, com taxas de juros equalizadas, ex-

pandiram-se, havendo uma clara preocupação com o setor produtivo e o en-

frentamento da crise econômica. Ao mesmo tempo, houve manifesta intenção

de se mudar o padrão de fomento para criar realmente blocos de empresas e

articulação em cadeias produtivas, com o objetivo de inaugurar uma nova

etapa de desenvolvimento científico e tecnológico centrado nos desafios da

produção industrial. O objetivo principal era o de romper com um modelo de

fomento pulverizado e ocasional, que precisaria ser substituído por ações en-

trelaçadas com as políticas mais estratégicas.

Gráfico 8: Desembolsos Finep e FNDCT (Em R$ milhões)

Fonte: FINEP (b), 2015

153 516401

741 8801.218

1.7531.7652.521

4.464

614 719 7211.236

1.9741.9682.4072.220

2.6542.8272.835

-

1.000

2.000

3.000

4.000

5.000

2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

Desembolsos Finep Pagamentos do FNDCT

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 80

As inflexões e polêmicas na construção do ambiente jurídico e instituci-

onal para CT&I sempre foram marcadas por diferentes concepções da política.

Essas tensões existem e continuarão a envolver tanto o debate sobre um novo

sistema de financiamento – já que o existente é pequeno, estreito e com gover-

nança obsoleta – como para um reordenamento do marco regulatório legal

para a inovação.

Os fundos constitucionais foram criados há mais de 30 anos e a base

tributária em que se apoiaram não é mais capaz de arrecadar o volume de re-

cursos requerido pelo conjunto dos investidores do setor produtivo e também

pelas ICTs. Este é um enorme gargalo para o desenvolvimento econômico do

país: desenhar e implantar um novo padrão de financiamento para todo o sis-

tema de inovação.

A política anticíclica aplicada após a crise de 2008/2009 foi necessária

para contrabalançar a queda na produção industrial, mas a dose de subsídios

oferecidos foi muito elevada, conforme já mencionado neste texto. Esses sub-

sídios foram consideravelmente ampliados, posteriormente, de forma invo-

luntária, como consequência do descasamento de taxas dos empréstimos e

custo de captação do Tesouro Nacional, parametrizado pela SELIC.

As consequências da política de elevados subsídios, pelo menos para

CT&I, poderiam ser mitigadas com ações como a regulamentação do Fundo So-

cial e a mudança do modelo operacional, ou seja, na forma de utilização dos

recursos e mobilização dos atores envolvidos no desenvolvimento tecnológico.

Essa concepção já estava na agenda setorial, mas diversos fatores impediram

a exploração dessas alternativas.

Durante o período 2010-2014 a pressão da área econômica sobre o MCTI

continuou sendo grande, em especial para que houvesse uma avaliação pre-

cisa do investimento em CT&I e os resultados alcançados. A resposta do minis-

tério, porém, se deu no sentido de introduzir no seu próprio orçamento – e no

do FNDCT – as despesas dos seus próprios institutos de pesquisas e organiza-

ções sociais vinculados, mediante rubricas com funding complementar. Com

a perda dos recursos dos royalties do petróleo e gás natural do FNDCT, a única

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 81

alternativa possível seria a construção de um acesso aos novos recursos do

Fundo Social. Iniciativas da Finep e do MCTI caminharam nessa direção sem

conseguirem, até o momento em que esse documento é elaborado, decisões

mais efetivas do Governo e, principalmente, do MF. Trata-se, efetivamente, de

uma rota concreta para a identificação de novas fontes que permitiria a ex-

pansão de todo o sistema de financiamento, incluindo políticas industriais

com foco em inovação. Sem novos mecanismos, a tendência a se reproduzir

um modus operandi fortemente inspirado nas tradições da academia continu-

ará sendo um obstáculo ao desenvolvimento da ciência e da inovação no país,

já que esse modelo se mostrou estreito e rígido para a inovação nas empresas,

assim como incapaz de apoiar projetos científicos relevantes.

Essa visão restrita de utilização dos fundos marcou o FNDCT desde a sua

criação. Seus recursos, originalmente, deveriam se orientar para a criação ou

expansão de centros de pesquisa e pós-graduação de forma a viabilizar gran-

des infraestruturas e programas de pesquisas plurianuais. Gradativamente,

porém, o FNDCT foi perdendo este foco e foi reorientado para ações muito se-

melhante às do CNPq e de fundações de apoio estaduais. Durante duas déca-

das, o FNDCT atravessou dificuldades orçamentárias, em uma situação em que

os repasses de recursos do MCTI eram “vinculados na origem”, graças ao mo-

delo de governança adotado, que concentrou todo o poder de decisão no MCTI.

Na contramão das experiências exitosas internacionais, a Finep foi perdendo,

além de sua qualificação, importância e praticamente toda autonomia para

alocar os investimentos não reembolsáveis.

A criação dos Fundos Setoriais, e a nova regulamentação do FNDCT em

2007, deveria ter contribuído para a superação da fragmentação do investi-

mento. Porém, apesar do crescimento acelerado dos recursos, a participação

do orçamento do MCTI no orçamento da União permaneceu o mesmo e a es-

tratégia de investimento permaneceu marcada pela pulverização.

Essa realidade é dramática para as agências responsáveis pelo apoio à

CT&I. Com o crescimento do volume de recursos do FNDCT, dos investimentos

das estatais e das concessionárias em P&D, ampliaram-se as ações de auditoria

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 82

externa e na falta de uma estrutura normativa compatível com a natureza das

atividades, a tendência foi fazer a analogia com a Lei de Compras (Lei n 8.666

de 21/06/1993) aplicada ao setor público.

O resultado deste processo foi o acúmulo de mais de 6 mil convênios não

encerrados no âmbito do MCTI, no qual a grande maioria ocorreu com recursos

do FNDCT. Prazos médios de execução de projetos cuja previsão inicial de du-

ração era de dois anos se estenderam para mais de cinco anos.

Todo esse esforço gerou milhares de projetos fragmentados de baixo va-

lor, com o mesmo modelo operacional e os agentes foram surpreendidos com

problemas operacionais críticos para encerrarem as prestações de contas. Este

processo gerou inadimplências técnicas, jurídicas, financeiras e operacionais,

provocando a mudança de diversos normativos e a busca de um novo padrão

de financiamento em todas as áreas. O FNDCT chegou a acumular mais de 2

mil convênios não encerrados com conclusão técnica de mais de 4 anos: uma

operação cujo ciclo deveria encerrar em 3 anos levou mais de 5 para ter seu

processo arquivado.

No setor de energia elétrica, terceira principal fonte de arrecadação do

FNDCT, as regras foram tão rigorosas e sofreram diversas alterações, que o re-

sultado nos últimos anos foi a quase paralisação das novas contratações, re-

duzindo o portfólio de operações10 nos anos 2010/2011. Atualmente as empre-

sas ainda se ressentem da insegurança jurídica gerada pelos normativos, os

quais foram aprimorados em 2012. Um dos estímulos resultantes das novas

instruções é a formação de parceria e consórcios entre as empresas para fi-

nanciarem projetos de maior valor e com maior impacto tecnológico. Até 2012

cerca de 90% dos projetos apoiados pelas empresas tinham valor médio infe-

rior a R$ 1 milhão, demonstrando uma pulverização acentuada dos recursos

promovidas pelas normas em vigor.

A ANEEL já criou normativos estimulando a parceria entre as empresas

e ICTs, buscando o desenvolvimento de projetos de maior porte e a cooperação

10 Sugestões de aprimoramento ao modelo de fomento à PD&I do Setor Elétrico Brasileiro Pro-

grama de P&D regulado pela Aneel (CGEE, 2015).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 83

como fator para encontrar soluções com maior impacto para o sistema

nacio-nal de energia elétrica. Na pesquisa realizada pelo CGEE para ANEEL,

é evi-dente a ausência da cadeia de fornecedores na avaliação dos projetos.

O caso da Petrobras também é interessante: no seu Relatório de Tecnologia

de 2014 não é citado nenhum caso de desenvolvimento tecnológico

importante em parceria com empresas nacionais. Este movimento se

manifestou em diversas instâncias como fruto da avaliação da política

operacional dos anos anterio-res.

Foi neste contexto que surgiram o Plano de Ação em CT&I (PACTI I), a

Estratégia Nacional de CT&I (ENCTI) 2012-2015 e o Plano Inova Empresa, já dis-

cutido anteriormente. A ENCTI se caracteriza por um esforço no sentido de co-

locar o Brasil como uma das lideranças mundiais em C&T, envolvendo diretri-

zes para o fortalecimento de pesquisa e de sua infraestrutura, formação de re-

cursos humanos e um novo padrão de financiamento para a pesquisa cientí-

fica. A ENCTI busca a capacitação de uma consistente base científica e tecno-

lógica que consiga responder as demandas da economia e da sociedade brasi-

leira.

Segundo a definição oficial:

“A ENCTI elege alguns programas prioritários, que

envolvem as cadeias importantes para impulsionar a

economia brasileira (tecnologias da informação e

comunicação, fár-macos e complexo industrial da saúde,

petróleo e gás, com-plexo industrial da defesa,

aeroespacial, nuclear e áreas re-lacionadas com a

economia verde e o desenvolvimento so-cial). Define,

também, estratégias de consecução, metas e estimativas

de financiamento para atingimento das metas.

Ênfase é dada à implementação de sistemas eficazes de

monitoramento e avaliação dos resultados e impactos

das políticas e programas. ” (MCTI, 2012, p. 25).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 84

Quadro 5: Dispositivos legais importantes sancionados entre 2010 e 2014

Esses programas buscaram estabelecer focos mais precisos, integrar

instrumentos financeiros e articular as ações dos agentes, como BNDES, Fi-

nep, agências reguladoras, e principalmente ministérios setoriais, como Sa-

úde, MME, MAPA, Comunicações e Defesa.

Tais iniciativas permitiram reordenar a alocação do investimento e fa-

zer com que o crescente volume de recursos se destinasse principalmente para

a carteira de projetos propostos por empresas e ICTs, muitas vezes em parceria.

Ocorreu de modo geral um avanço importante, um amadurecimento em rela-

ção às ações e medidas tomadas anteriormente, que se materializa na cres-

cente disponibilidade de recursos à CT&I, e no envolvimento cada vez maior de

agentes importantes de vários setores do Governo Federal, de diversas esferas

do poder público, e do setor privado.

Dados do MCTI indicam que se iniciou uma mudança na estrutura de fo-

mento na última década. Em 2011, para o horizonte de médio prazo, eram pre-

vistos investimentos no montante de R$ 74,6 bilhões, incluindo recursos fede-

rais, de empresas estatais e de fundações de amparo à pesquisa. Conforme se

verifica no Gráfico 8 a seguir, as fontes de financiamento mobilizadas para

Ano Iniciativa Dispositivo Legal Planos e Programas

FNDCT - Conselho Diretor Aprova Normativos Operacionais Específicos

Instruções Normativas 1,2 e 3

Fundo Social – Lei da Partilha, que tem como receita os todos os Royalties do Pré-Sal Lei nº 12.341/2010

PACTI I - Plano de Ação em CT&I e ENCTI - Estratégia Nacional de CT&I

2011 Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação PACTI II

2013 Captação de Recursos Plano Inova Empresa

2014Proposta um Novo Padrão de Organização

da Produção de Tecnologia Criação do PNPCDecreto nº

8.269/2014PNPC - Programa Nacional de

Plataformas do Conhecimento

2010

alcançar essa marca envolviam uma articulação institucional ampla. Entre

os atores e agentes dessa estratégia se destacam MDIC e BNDES, MEC, MME/

Petrobras, MAPA/Embrapa.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 85

Gráfico 9: Fontes de recursos para a Estratégia Nacional de CT&I (2011)

Fonte: MCT, 2011

Fica evidente, tanto pelo volume de recursos, quanto pelo peso dos ato-

res envolvidos que, neste período, diante de projetos nacionais de porte, o MCTI

tentou combinar suas ações com grandes agentes e com projetos estratégicos

de governo, apesar de contar com uma estrutura de governança adversa.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 86

Novos rumos: revisão do marco legal e projetos estruturantes

Em 2015 fez uma década de vigência da Lei de Inovação. Embora já tenha

transcorrido um período razoável para avaliar a eficácia de um dispositivo le-

gal dessa natureza, é necessário considerar quais os entraves e motivações es-

tão sendo considerados para a alteração da lei. Em parte, essas motivações de-

rivaram da Política de CT&I operada neste período, e visam aprimoramentos

em procedimentos das modalidades e mecanismos adotados para a aplicação

dos recursos.

Os modelos operacionais utilizados para a aplicação dos recursos desti-

nados à subvenção social, também denominada não-reembolsável ou “grants”,

e à subvenção econômica para as empresas inovadoras, apresentaram inúme-

ras restrições em todas as fases do ciclo operacional, desde o processo de sele-

ção até o acompanhamento e prestação de contas, gerando demanda de infor-

mações excessivas, lentidão nos processos de avaliação, de contratação, atra-

sos nas liberações, e elevado rigor na prestação de contas, acumulando prazos

significativamente maiores do que a previsão original de execução dos proje-

tos.

Das fontes de recursos apresentados no orçamento do MCTI, duas são

relevantes: o FNDCT e a FINEP, agência que ampliou consideravelmente sua

atuação com captações junto ao PSI. Entretanto, diversos fatores fizeram com

que a realidade se distanciasse do desenho do plano idealizado, construindo

um cenário incompatível com a estratégia, entre os quais a mudança na polí-

tica econômica que provocou a crise fiscal de 2014/15.

Porém, antes mesmo dessa mudança radical, a perda da fonte de recur-

sos dos royalties do petróleo para o Fundo Social e a não implementação do

Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC), instituído pelo

Decreto nº 8.269, de 25/06/2014, já confirmavam a dificuldades para reorien-

tar a política de alocação de recursos.

Para além das oscilações conjunturais, porém, o Brasil precisa de uma

agenda clara para impulsionar P&D e inovação. As bases para a construção de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 87

uma Agenda de Inovação, de longo prazo, para o país têm como o primeiro e

fundamental passo a necessidade de persistir na busca de políticas industriais

com foco no desenvolvimento tecnológico e na inovação, pois esse é o único

caminho para alterar a estrutura produtiva e elevar o padrão de competitivi-

dade de nossa economia.

Como desdobramento dessa diretriz, extraímos deste documento que as

políticas de inovação devem ter foco e priorizar P&D nas empresas de modo a

aumentar sua produtividade e, assim, contribuir para diminuir a distância

que separa a indústria brasileira das práticas mais avançadas mundialmente.

Isso significa que é preciso urgentemente repensar o modelo atual de

produção de CT&I no país, para dar forma a novas lógicas, com outra escala,

um remodelado e mais diversificado sistema de financiamento, com proces-

sos decisórios públicos mais eficientes.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 88

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 92

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 93

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 94

Plano Brasil Maior (PBM)

(A maioria das informações sobre o PBM está na página: http://www.brasil-

maior.mdic.gov.br/conteudo/125)

AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Plano Brasil Maior:

inovar para competir; Competir para crescer: balanço executivo 2011-2014. 2014

AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL. Relatório Técnico de

Acompanhamento da Política Industrial. Dezembro de 2013 a Janeiro de 2014.

BRASIL. Plano Brasil Maior: inovar para competir, competir para crescer. 2011.

Plano Inova Empresa (PIE)

BRASIL. Plano Inova Empresa. Apresentação de slides. Disponível em:

http://www.mct.gov.br/upd_blob/0225/225828.pdf

FINEP. FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS. A transformação da FINEP

2011-2014: mais investimento, serviço de qualidade e eficiência. Rio de Janeiro,

2015.

FINEP (b). FINANCIADORA DE ESTUDOS E PROJETOS. Relatório de Gestão do Exercí-

cio de 2014. Rio de Janeiro, 2015.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 95

Programa Nacional de Plataformas do Conhecimento (PNPC)

BRASIL; Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Programa Nacional de

Plata-formas do Conhecimento: elevar o patamar e o impacto da CT&I no Brasil.

Disponí-vel em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0231/231780.pdf

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA; CASA CIVIL. DECRETO Nº 8.269, DE 25 DE JUNHO

DE 2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/

_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8269.htm

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

96

02 /

BENCHMARKING DE POLÍTICAS PARA DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL, TECNOLÓGICO E INOVAÇÃO DE PAÍSES SELECIONADOS

INTRODUÇÃO

Este capítulo faz um levantamento de programas e ações voltados ao de-

senvolvimento industrial com base em políticas públicas de tecnologia e ino-

vação em países selecionados e definidos em sintonia com as necessidades e

prioridades do Brasil, definidas nas justificativas das políticas e programas

elaborados em anos recentes, com destaque para a Brasil Maior, Inova Em-

presa e Estratégia Nacional de CT&I.

Internacionalmente, o debate atual indica que as políticas industriais

ganharam nova roupagem, com mecanismos, instrumentos e instituições en-

faticamente marcadas por um viés multidisciplinar e por um diálogo e inte-

gração forte entre setores públicos e privados. Mais importante ainda, as no-

vas políticas industriais se emanciparam de vez das concepções mais antigas,

em que apareciam ligadas aos processos de desenvolvimento de economias

atrasadas, que buscavam assentar as bases para uma industrialização acele-

rada a partir de setores ou de definição ex ante de campeões nacionais.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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As políticas industriais contemporâneas, em geral:

1. São implementadas em países desenvolvidos e emergentes e vol-

tam-se, prioritariamente, para estimular movimentos de altera-

ção do tecido produtivo, seja para aumentar a produtividade, seja

para abrir caminho para novas indústrias;

2. Ocorrem em ambientes econômicos visivelmente mais abertos

do que no período anterior e se afastam, como regra, de estrutu-

ras e sistemas protecionistas;

3. Contam ainda com participação chave do Estado, porém, em con-

dições qualitativamente distintas, sem a rigidez intervencionista

e em busca sistemática de sinergias e colaboração com a inicia-

tiva privada;

4. São superiores às experiências de substituição de importações.

Ou seja, seus objetivos não se reduzem a preencher as lacunas da

base produtiva ou de apenas diminuir o déficit da balança comer-

cial;

5. Têm como alvo a diversificação produtiva, que se tornou impera-

tiva, especialmente em países como o Brasil, que precisam urgen-

temente escapar da extrema dependência das commodities;

6. Estão apoiadas em fluxos de conhecimento, uma vez que as ca-

racterísticas da economia mundial praticamente vedam os cami-

nhos de desenvolvimento para economias enclausuradas,

mesmo as gigantes, como a China. Por isso mesmo, apenas ga-

nham consistência como políticas quando visam a intensificação

do comércio exterior, tanto as exportações quanto as importa-

ções;

7. Buscam inserção nos mercados globais e a sintonia com as ca-

deias de alto valor agregado. Por isso mesmo, se apoiam no mer-

cado interno e procuram obstinadamente o externo;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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8. Encontram suporte na absorção, internalização e geração de co-

nhecimento, base essencial das transformações do mundo indus-

trial de hoje. Por isso, dão especial atenção aos sistemas de infor-

mação, coordenação e governança, necessariamente mais aber-

tos e transparentes;

9. Não conseguem funcionar sem uma base macroeconômica está-

vel, muito menos sem um ambiente regulatório favorável à busca

de oportunidades para o desenvolvimento de novos negócios e

criação de bons empregos;

10. Pautam-se, simultaneamente, pela busca de processos produti-

vos mais limpos e sustentáveis – rumo a uma economia de baixo

carbono – capazes de dialogar com uma sociedade mais diversifi-

cada, inclusiva e democrática.

Políticas modernas, que integram, em maior ou menor grau, as dimen-

sões e características acima descritas, mantêm em seu nome o termo “indus-

triais” mais como um apego ao século XX, antes da explosão digital.

É certo que as novas realidades florescem de modo desigual entre as eco-

nomias. No entanto, as políticas industriais avançadas só serão eficazes se aju-

darem os países a antecipar o futuro. Nesse sentido, as tendências mais sali-

entes da indústria contemporânea indicam que as fronteiras entre setores es-

tão cada vez mais indiferenciadas, seja porque a produção está mais impreg-

nada de processos de conhecimento, seja por conta do desenvolvimento de tec-

nologias digitais que alteram a qualidade e o modo das economias produzirem.

Não por acidente, mesmo quando ainda guardam o nome de industriais,

a inovação e a tecnologia são dimensões predominantes, como demonstram

as tentativas ensaiadas no Brasil desde o lançamento da primeira política es-

truturada com essa orientação, a Política industrial, Tecnológica e de Comér-

cio Exterior (PITCE, de 2004) e da criação da própria ABDI.

Nunca é demais sublinhar, como anunciado pelo anteriormente deste

mesmo projeto, as políticas industriais de hoje só serão efetivas e viáveis

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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quando orientadas para e pela inovação. É o mesmo norte que inspira e instru-

menta agências como a ABDI.

Neste capitulo, será feito um levantamento seletivo de experiências in-

ternacionais em políticas industriais, com foco em inovação e tecnologia. As

informações qualificadas sobre o estado da arte de políticas industriais e de

inovação constantes deste capítulo foram baseadas em análise de documentos

oficiais de governos, de associações empresariais, de centros de excelência

acadêmicos vinculados à indústria, de movimentos articulados em torno do

desenvolvimento de tecnologias e de instâncias e agências multilaterais, como

OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o

Banco Mundial e a UNIDO (United Nations Industrial Development Organiza-

tion).

Em resumo, este capítulo tem como objetivo apontar experiências inter-

nacionais recentes a respeito das transformações em curso no mundo indus-

trial, nas políticas voltadas para o desenvolvimento industrial, com foco em

sua capacidade de inovar. Será dada ênfase aos novos desafios para formula-

ção e execução dessas políticas, assim como para as novas soluções, programas

e instrumentos que vêm sendo apresentados.

O conteúdo está organizado da seguinte forma: a primeira seção se pre-

ocupa em apontar as principais mudanças no contexto de formulação e exe-

cução de políticas industriais e de inovação. Já a seção seguinte fornece um

quadro conceitual para abordar as diferentes orientações dessas políticas,

com instrumentos que podem ser diretos ou indiretos, pelo lado da oferta ou

da demanda. A terceira seção, por sua vez, analisa como os instrumentos de

policy estão sendo usados no mundo, buscando detectar mudanças no tipo

desses instrumentos e em como são balanceados, incluindo crédito e garan-

tias, apoio direto e fundos de risco. Perfis mais específicos serão traçados para

a Alemanha, China e EUA, que serão apresentados na quarta seção. Por fim,

são resumidas as principais tendências e implicações para os formuladores de

política.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

100

1. Um Novo Contexto para Formulação de Políticas

Agrupamos em quatro blocos temáticos as considerações que explicam

o movimento recente de renovação do interesse por políticas industriais que

se manifestou entre países avançados e emergentes:

(i) A ascensão da China e sua configuração como a “oficina do mundo”, a

exemplo do que foi a Inglaterra nas primeiras revoluções industriais. A

atração exercida pela economia e mercado chineses – e mais parcimoni-

osamente, pelos emergentes – salientou o alto custo do trabalho e de ma-

nufatura nos países avançados, que estiveram na base da migração de

um número expressivo de corporações industriais, para além do avanço

generalizado dos serviços sobre o universo industrial. Combinada à re-

dução do peso específico de seu parque industrial, economias avança-

das perderam capacidade e expertise em vários segmentos produtivos,

com impacto significativo em suas agendas de exportação e de geração

de empregos. O redesenho do mapa da produção tecnológica mundial e

a nova composição geopolítica estimula o investimento maciço e a

busca de políticas e programas de apoio a todos os estágios industriais

dos países avançados, da pesquisa à prototipagem, das plataformas de-

monstradoras aos testes até o início da produção;

(ii) Nos países desenvolvidos, um avanço inédito de novas tecnologias, im-

pulsionada pelas ondas de inovações na computação, eletrônica, espa-

cial e em sistemas digitais, transformam a manufatura e prenunciam

ganhos consistentes de produtividade ao acelerarem o desenvolvimento

de produtos e diminuírem o peso relativo de custos, salários ou mesmo

de escala. Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido e Japão saltaram à

frente nesses novos domínios. A China, que já ultrapassou os Estados

Unidos na produção manufatureira, amplia e consolida seu sistema de

P&D, diversifica a produção de bens de maior complexidade e tende a

ocupar posição de liderança também em processos industriais mais

avançados;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

101

(iii) A crise iniciada em 2007-2008 ajudou a renovar o interesse pelas políti-

cas industriais e de inovação. Além da desconfiança em relação aos mer-

cados e sua capacidade de equacionar o desenvolvimento dos países sem

uma articulação com a esfera pública, a crise chamou atenção para os

limites das explicações sobre o fraco desempenho industrial atribuído

apenas aos macro fatores, como o sistema de impostos, as regras de co-

mércio, valorização da moeda e marco regulatório. O fato é que a con-

tração da economia mundial fez aflorar fatores estruturais da indústria

que contribuíam para sua baixa competitividade, em especial dentro

das fábricas, em seus sistemas de gestão, de tecnologia e seus modelos

de negócio. Uma nova geração de tecnologias, com base na microeletrô-

nica e em processos digitais (a exemplo de sensores, supercomputado-

res, sistemas de integração, novos materiais, big data analytics, ma-

chine learning, internet das coisas, de robótica avançada, da biológica

sintética e da nano e bio-fabricação, das novas fontes de energia), dese-

nharam novos caminhos para uma reestruturação em profundidade da

manufatura industrial. O roadmap seguido por países avançados com-

binou a apropriação gradativa pela indústria desses paradigmas tecno-

lógicos nascentes seguida de um esforço de elaboração de novas políti-

cas e ferramentas voltadas para facilitar a viabilização dessas tendên-

cias e sua configuração mais adequada para produzir um choque de pro-

dutividade nos sistemas produtivos. Entre os emergentes, o estreita-

mento dos mercados e o recrudescimento da competição na arena in-

ternacional, empurraram os países para uma encruzilhada entre apro-

fundar sua dependência das commodities ou avançar para uma remo-

delação da economia, elevando a qualificação dos trabalhadores e au-

mentando os níveis de inovação nas empresas, para diminuir o enorme

gap entre sua produtividade e os níveis de fronteira. Nos dois casos, a

necessidade de novas diretrizes, programas e instrumentos tornou-se

incontornável, ao lado da formação de mão de obra adequada aos novos

tempos;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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(iv) Ineficiências e o baixo impacto econômico, social e científico exibido

por vários sistemas nacionais de produção de conhecimento ensejaram

avaliações rigorosas e a busca por articulações mais sólidas entre a pes-

quisa básica, os diferentes estágios da inovação e o crescimento econô-

mico. As primeiras propostas de uma ciência puxada por desafios nas-

ceram diante das fragilidades demonstradas pelo chamado modelo li-

near da inovação, dominante em praticamente todo o mundo. Governos

europeus e nos EUA procuram maximizar seus investimentos em CT&I

de modo a gerar resultados palpáveis no desempenho das economias e

na qualidade de vida da população. A diversificação dos sistemas nacio-

nais de inovação produziu novos paradigmas tecnológicos, com desta-

que para os modelos puxados por desafios, chamados em alguns países

de “mission oriented”. As experiências da Defense Advanced Research

Projects Agency (Darpa) distanciaram-se do modelo mais tradicional de

se fazer CT&I e consolidaram um sistema puxado pela demanda pública,

sustentado por uma rede de pesquisadores e instituições públicas e pri-

vadas, e por uma engenharia de qualidade, orientada para resultados. O

estilo Darpa viabilizou saltos tecnológicos enormes, ao estimular con-

sórcios e coalizões entre empresas e universidades, entre pesquisadores

e centros de pesquisa, que se articularam para dar conta de demandas

por tecnologias disruptivas, em um período médio de 3 a 5 anos. O novo

modelo, inicialmente definido para fins militares, começou a ser esten-

dido para outras áreas, como em energia, com a criação da Advanced

Research Projects Agency-Energy (Arpa-E), uma agência civil, baseada

em desafios tecnológicos. Como a Darpa, a Arpa-E transfere recursos

para universidades e empresas, facilitando o fluxo de conhecimento, a

interação e absorção de novas técnicas. Essas experiências deram ori-

gem à última geração de instituições e políticas, a exemplo da National

Network for Manufacturing Innovation (NNMI), que pretende contribuir

para o desenvolvimento da manufatura avançada nos EUA. Não se trata

de uma rede que nega a pesquisa básica. Pelo contrário, integra a pes-

quisa em um processo amplo que termina nos estágios mais maduros da

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

103

inovação. Exemplos de políticas destacadas por Warnick (2013) indicam

o Plano para o Crescimento do Reino Unido (2009), a nova política in-

dustrial formalizada no Japão em 2010, o Fundo de Investimento Estra-

tégico da França (2011), e o Plano para o Desenvolvimento da Ciência e

Tecnologia da China (2011), o Ato de Recuperação e Reinvestimento dos

EUA (2009) até o “Capturing Domestic Competitive Advantage in Ad-

vanced Manufacturing”, Report of the Advanced Manufacturing

Partnership (White House, 2012). Esses planos ganharam destaque por

conta de sua alta ambição tecnológica e por terem ajudado a dar forma

a um ambiente tão novo quanto desafiador para os formuladores de po-

líticas públicas.

A seguir, essas transformações serão resumidas discutindo-se: i) o rear-

ranjo da capacidade produtiva industrial, ii) a inovação colaborativa e o papel

crítico das empresas nascentes, e por fim, iii) os requerimentos mais exigentes

de governança.

1. 1. Rearranjo da Capacidade Industrial

Qual é o papel corrente da indústria na geração de valor na economia?

O gráfico 1, o qual exibe a contribuição da indústria no PIB de países selecio-

nados em 2013, indica um perfil bastante heterogêneo: na China e na Coréia

do Sul, essa contribuição está em torno de 40% do PIB, aproximadamente o

dobro daquela encontrada hoje nos EUA e no Reino Unido. Esse quadro leva

naturalmente ao debate se a desindustrialização seria uma etapa inevitável na

evolução das economias nacionais ou se, conforme a perspectiva de Pisano e

Shih (2012), a situação atual reflete a perda de competências essenciais para a

economia americana, o que deveria ser revertido com políticas apropriadas,

tal como aconteceria na Alemanha.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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Gráfico 1. Participação do valor agregado pela indústria no PIB (2013)

Fonte: World Bank (2016).

Ao se considerar a força econômica alcançada pela indústria chinesa,

não é adequado tratá-la como uma manufatura de baixo valor agregado.

Tendo como referência a classificação de produtos de setores de alta tecnolo-

gia segundo a OCDE11 (gráf. 2), observa-se que a China vem seguindo uma tra-

jetória de sofisticação de suas exportações. Os produtos desse segmento de alta

tecnologia passaram de 7,1% para 27,0% do valor das exportações entre 1993 e

2013, enquanto que, no caso dos EUA, houve uma queda de 31,5% para 17,8%

no mesmo período. Olhando esse cenário em números absolutos, com base em

informações do Banco Mundial (WORLD BANK, 2016), a China é a maior expor-

tadora de produtos de alta tecnologia (US$ 560 bi), seguida pela Alemanha

(US$ 193 bi) e EUA (US$ 147 bi). Essa evolução da China se alinha em outras

dimensões, tais como a sua ascensão ao segundo posto de países em produção

científica – com 12,2% do total de artigos publicados entre 2003 e 2012 (OECD,

2015a, p. 106) – e ao primeiro lugar quanto à origem de depósitos de patentes

no mundo, atingindo 837 mil depósitos contra 509 mil dos EUA em 2014

(WIPO, 2015).

11 Referem-se aos setores aeroespacial, farmacêutico, de equipamentos de informática e co-municações, além de setor de instrumentos médicos, óticos e de precisão (OECD, 2011a).

20,1%

20,5%

26,2%

30,7%

30,7%

36,2%

38,4%

43,7%

Reino Unido

EUA

Japão

Alemanha

Índia

Rússia

Coréia do Sul

China

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

105

Gráfico 2. Proporção das exportações de alta tecnologia (classificação OCDE) em relação às exportações de manufaturados do país

Fonte: World Bank (2016)

O processo de fortalecimento da Coréia do Sul e da China veio acompa-

nhado também de uma maior interdependência produtiva na indústria mun-

dial. Via de regra, o valor agregado nos produtos finais exportados por uma

economia contém uma parcela que pode ser atribuída a outros países, trazida

por meio de importações de intermediários. Considerando as exportações da

China em 2011, ano com dados disponíveis mais recente, a OECD aponta como

32,2% a participação agregada externamente; já na Coreia do Sul, tal propor-

ção alcança 41,7%, descendo para 25,5% na Alemanha, 23,0% no Reino Unido e

15,0% nos EUA, sempre para o mesmo ano (OECD, 2015a, p. 198). Entre os anos

de 1995 e 2011, aponta-se para um aumento da interdependência produtiva

em boa parte dos países da OCDE, refletindo a participação mais intensa das

empresas em cadeias globais de valor (CGVs) (OECD, 2014a; 2015a), incluindo

as práticas de outsourcing.

Cabe aqui citar o sintomático caso da Apple quando se compara o lança-

mento do Macintosh em 1984 e do iPod em 2001. O Macintosh foi o primeiro

0,0%

5,0%

10,0%

15,0%

20,0%

25,0%

30,0%

35,0%

Alemanha EUA China Coréia do Sul

1993 2003 2013

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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computador pessoal para o mercado de massa com interface gráfica visual e

mouse. Para produzi-lo, foi construída uma planta em Fremont, Califórnia, a

qual foi apresentada como exemplo do estado da arte de processos de manu-

fatura (LINZMAYER, 2004). Já no caso do reprodutor de mídia, o próprio design

do iPod dependia de um disco com grande capacidade de armazenamento cri-

ado pela Toshiba, apresentado à Apple por uma empresa fornecedora (LINDEN

et al., 2008). Os ciclos de lançamentos do iPod, assim como aqueles do iPhone

e iPad, iniciados em 2007 e 2010 respectivamente, dependeriam de cadeias

globais de valor, com a manufatura concentrada em empresas asiáticas e a

Apple se especializando no design de produtos e serviços, além da própria ges-

tão dessas cadeias.

Não há indicadores adequados disponíveis para refletir o grau de espe-

cialização de certos países na criação e design de novos produtos e processos.

De qualquer modo, é útil observar a série fornecida pelo Banco Mundial para

os valores referentes a propriedade intelectual recebidos nos balanços de pa-

gamentos nacionais (gráf. 3). Tanto em 2006 quanto em 2013, os EUA recebe-

ram mais de 40% dos valores pagos no mundo, o que equivale respectivamente

a 183,1 trilhões e 303,2 em dólares correntes (WORLD BANK, 2016). O segundo

colocado nesses anos, o Reino Unido, não alcança 10% de participação. Deve-

se ressaltar, entretanto, que esses pagamentos se referem a propriedade inte-

lectual de forma ampla, incluindo licenciamento de obras artísticas.12

12 Engloba o uso autorizado de direitos de propriedade, - como patentes, marcas registradas,

copyrights, processos industriais e design, incluindo franquias e segredos comerciais – como

também o licenciamento para uso de produtos originais e protótipos, tais como obras artísti-

cas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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Gráfico 3. Recebimentos relativos à propriedade intelectual em balança de pagamentos: participação (%) nos pagamentos totais mundiais

Fonte: World Bank (2015).

Pelo que foi até aqui exposto, vê-se que o formulador de políticas públi-

cas precisa lidar com um cenário de complexidade crescente, em que emergem

novos polos de competição, ao mesmo tempo em que a interdependência glo-

bal se estreita. Uma percepção simplista que considera apenas, de um lado,

países avançados industrialmente e, de outro, países em processos de cat-

ching-up é simplificada demais considerando os diversos arranjos possíveis

nas cadeias globais de valor.

0,1% 1,2% 2,8%

8,8%

45,6%

0,3% 1,4%4,3% 5,6%

42,2%

China Coreia do Sul Alemanha Reino Unido Estados Unidos

2006 2013

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

108

1.2. A Inovação Colaborativa e o Papel Crítico das Empresas Nascentes

Em 2000, a Procter & Gamble lançou um programa de inovação aberta,

denominado Connect + Develop. Como motivação principal, foi citada a estag-

nação da produtividade dos seus esforços internos de P&D (HUSTON & SAK-

KAB, 2006; P&G, 2012). Entre outros mecanismos no escopo do programa, foi

colocado publicamente disponível um website (P&G, 2016) para a apresenta-

ção das necessidades da empresa e para a submissão de propostas de poten-

ciais colaboradores. Após seis anos, integrantes da empresa declaravam que

cerca de 35% dos novos produtos lançados se originavam externamente contra

15% antes do programa (HUSTON & SAKKAB, 2006). Embora inovar por cola-

boração não fosse uma novidade em si, a Procter & Gamble se destacou por

posicionar a inovação aberta como um dos fundamentos de sua estratégia ex-

plícita, pelo grau de abertura a novos parceiros, como também por defender

que outras organizações parassem de sobrevalorizar o desenvolvimento in-

house.

O Connect + Develop acabou se mostrando como um precursor de diver-

sos programas corporativos de inovação aberta, os quais seriam lançados por

empresas como Cisco, Siemens, 3M, Microsoft, Google, Philips e Eli Lilly. O pro-

grama desta empresa farmacêutica, criado em 2002, parte do estágio de des-

coberta de moléculas e passa por todas as fases de desenvolvimento clínico.

Destaca-se a variedade de mecanismos usados pela Eli Lilly, que incluem ou-

tsourcing de pesquisa, fundo de capital de risco, formação de joint-ventures,

abertura de propriedade intelectual e crowdsourcing (RAJA, 2015).

Sem dúvida, há também desvantagens em arranjos de inovação aberta,

especialmente vinculadas a custos de transação. Esses custos incluem o esta-

belecimento e controle de contratos, a necessidade de divisão de ganhos, o

risco moral, o risco de comportamento oportunista, além de ameaças a segre-

dos tecnológicos. Ainda assim, muitas empresas preferem arcar com esses

custos a fim de acelerar o ciclo de inovação, trazer perspectivas diferenciadas

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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e complementares à sua equipe interna, como também partilhar riscos finan-

ceiros e tecnológicos (CHESBROURG, 2006; DAHLANDER & GANN, 2010; HUI-

ZINGH, 2011).

Deve-se notar que diversos programas de inovação aberta são voltados

para a colaboração específica com empresas nascentes, oferecendo desde

apoio não financeiro, como treinamento e mentoria, até a aquisição de parti-

cipação social. Essa abertura reflete o elevado potencial que se percebe nas em-

presas desse tipo, o que foi impulsionado pelo sucesso do Vale do Silício na in-

trodução de novas tecnologias, de novos modelos de negócio, como também

na materialização de um ambiente propício à inovação.

Seguindo essa tendência, mesmo a área de defesa, vinculada tradicio-

nalmente a arranjos mais fechados e concentrados, passou a ter a sua dinâ-

mica de inovação modificada por empresas nascentes. Esse fato é ilustrado

pelo exemplo da Boston Dynamics, que criou um robô quadrúpede para a

DARPA e posteriormente foi adquirida pelo Google (MARKOFF, 2013) ou por

diversas iniciativas do Ministério de Defesa dos EUA, que incluem uma com-

petição para o desenvolvimento de robôs humanoides para áreas de desastre

e o estabelecimento de uma parceria formal com empresas do Vale do Silício

denominada Defense Innovation Unit-X (PELLERIN, 2015).

Assim como a integração em cadeias de valor, as redes de inovação co-

laborativa aprofundam a complexidade dos cenários para a formulação de po-

líticas públicas, não só pela interdependência dos agentes, mas pela multipli-

cidade e rapidez dessas interações. Ainda nessa linha, o protagonismo das

startups torna o cenário ainda mais heterogêneo e dinâmico, aumentando a

frequência com que aparecem desafiadores (ou parceiros) a empresas incum-

bentes. Exige-se também dos formuladores de política atenção a todo um con-

junto de atores e mecanismos de governança que compõem os ecossistemas

para o empreendedorismo inovador (MASON & BROWN, 2014), tais como fun-

dos de capital semente, incubadoras e aceleradoras de empresa, Universida-

des, redes de mentores, aparato de regulador para abertura e investimentos

em empresas, agências de governo, entre outros (AUTIO et al., 2014).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

110

1. 3. Novos Requerimentos para Governança

Em sua análise periódica sobre ciência, tecnologia e indústria, a OCDE

aponta que se, por um lado, a crise econômica de 2008 impulsionou ações an-

ticíclicas, por outro, aumentou o escrutínio sobre as políticas públicas, as

quais precisavam lidar com recursos escassos e uma relutância maior dos ci-

dadãos em arcar com déficits governamentais (OECD 2012; 2014b). Não se tra-

taria de um fenômeno novo, mas do aprofundamento de tendências anterio-

res. É comum se fazer referência a uma crise de legitimidade do Estado, cujas

ações precisam lidar com expectativas crescentes quanto à capacidade de re-

solver problemas e, como contraponto, uma menor disposição da sociedade

em financiá-lo (CHRISTIANSEN & BUNT, 2012; MICKLETHWAIT & WOOLDRI-

DGE, 2015).

O caso da empresa americana Solyndra e o Departamento de Energia

dos EUA (DOE) ilustra de forma significativa os riscos associados à execução

de políticas industriais e de inovação, como também suas consequências. Ba-

seando-se no desenvolvimento de um sistema alternativo para energia solar,

que usava cilindros com filmes de CIGS (Cobre-Índio-Gálio-Selênio), a Solyn-

dra havia conseguido atrair investidores privados e, por meio de um programa

do DOE, receber garantias de crédito do governo americano no total de US$ 535

milhões. Quase a totalidade desse valor foi perdido quando a firma pediu fa-

lêcia em 2011, apontando como causa a queda aguda do preço do silício, in-

sumo chave da tecnologia concorrente de painéis solares (KAO, 2013).13 Explo-

rou-se extensamente essa perda de recursos públicos contra Obama quando

este buscava a reeleição (MULLINS, 2012), transformando o caso em ponto

obrigatório de debate no país: a perda com a Solyndra seria mais uma evidên-

cia da inadequação das políticas industriais? Ou se tratou apenas de um caso

13 A empresa foi investigada pelo FBI e por outros órgãos públicos acusada de representar er-

roneamente a situação das suas finanças e da viabilidade do negócio. Também houve acusa-

ções de favorecimento do Governo Americano à Solyndra, que possuía dirigentes que contri-

buíram para a campanha do então presidente (MULLIN, 2012).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

111

de má execução pontual dentro de um tipo de iniciativa meritória, quase sem-

pre necessária para desenvolver tecnologias com alto grau de inovação? Em

que medida o Estado pode partilhar o risco de agentes no mercado?

Segundo a OCDE, torna-se ainda mais imperativo nesse contexto que as

políticas de inovação elevem o seu nível de eficiência e efetividade por meio

de um balanço adequado dos seus instrumentos e do uso intensivo da avalia-

ção ex ante e ex post. Ainda, as ações governamentais para inovação devem ser

capazes de responder a exigências de (i) relevância, vinculando-se a metas so-

ciais e econômicas desejadas, (ii) coerência, seja interna ou em relação a outras

políticas, e de (iii) natureza inclusiva, tanto em seu escopo quanto em relação

aos atores envolvidos (OECD, 2012; 2014b). Por sua vez, Christiansen e Bunt

(2012) argumentam que os policy makers precisam admitir a complexidade e

a incerteza do seu contexto de atuação e, assim, escapar do framework sim-

plista de “definição do problema/gestão/resolução”. Em seu lugar, os autores

preconizam uma abordagem que articule instrumentos e parceiros heterogê-

neos e que também seja resiliente – ou seja, que explore problemas e soluções

e se adapte de modo contínuo. Autores do BID (CRESPI, et al., 2014) ressaltam

a importância da capacidade de aprendizagem institucional, também funda-

mentada na avaliação constante das ações públicas, o que alcançou uma di-

mensão prioritária em diversos programas governamentais (WARWICK & NO-

LAN, 2014).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

112

2. Quadro Conceitual para Instrumentos de Políticas Industriais e de Inovação

Para os objetivos deste trabalho, considera-se que políticas industriais

são diretrizes públicas que moldam, influenciam ou elevam a competitividade

das empresas e indústrias de um país (cf. BEATH, 2002, p. 222; Pisano e Shih,

2012). Nesse sentido, a política de inovação deve se referir mais especifica-

mente a influenciar a capacidade de competir pela introdução de mudanças

tecnológicas e organizacionais. Importante notar que em sua evolução mais

recente, as políticas industriais têm levado o seu foco justamente para as com-

petências inovadoras das empresas, superando a ênfase na proteção da indús-

tria nascente, barreiras tarifárias e estatização (NAUDÉ, 2010; WARWICK,

2013).

A conceituação de Beath pode ser considerada ampla por incluir qual-

quer política que influencie a competitividade, ou seja, mesmo aquela que não

seja formalizada como parte da política industrial. De fato, um primeiro fator

que diferencia as políticas industriais dos diversos países é justamente o grau

com que elas são explicitamente formalizadas e coordenadas, com a Coreia do

Sul sendo exemplo de alto grau de formalização. Ainda, é possível que existam

componentes contraditórios dentro das políticas industriais, como também

haver uma inconsistência entre políticas explícitas e implícitas, remontando

à análise de Herrera (1973) para a América Latina.

Prosseguindo com os fatores de diferenciação, há naturalmente uma

desigualdade de posicionamento dos países em relação à fronteira competi-

tiva em diversos setores econômicos. Assim, os objetivos das políticas indus-

triais e de inovação podem se diferenciar quanto a (i) perseguir novas fontes

de vantagens e, assim, mudar a fronteira competitiva ou (ii) buscar o catching-

up ou a recuperação de competitividade em relação a países na fronteira. Sob

outro olhar, pode-se ter ações públicas orientadas para especialização em van-

tagens comparativas existentes – como no caso de países que aprofundam a

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

113

sua especialização em produtos de baixo valor agregado – ou, como alterna-

tiva, políticas que buscam desafiar as vantagens comparativas de outros paí-

ses, almejando se capacitar nesses setores dominados externamente (WAR-

WICK, 2013).

Os quadros 1 e 2 fornecem uma taxonomia básica para os instrumentos

de apoio a inovação, usados tanto em políticas posicionadas à fronteira quanto

em processos de catching up. Esses instrumentos se distinguem primeira-

mente pela aplicação direta, como a subvenção, ou indireta, como os incenti-

vos fiscais. Destaca-se, porém, a divisão entre instrumentos de oferta (quadro

1) e de demanda (quadro 2), pela atenção que esta categoria tem ganhado. En-

quanto os instrumentos de oferta, cujo uso é predominante, são usados para

criar conhecimento e tecnologia, os mecanismos de demanda são mais objeti-

vos ao tratar de (i) barreiras à entrada a inovações, incluindo efeitos de rede;

(ii) falta de comunicação entre usuários e desenvolvedores; (iii) necessidade

de aprendizagem por uso e demais gargalos relativos à difusão de inovações

(EDLER & GEORGHIOU, 2007; EDQUIST & ZABALA-ITURRIAGAGOITIA, 2012;

OECD, 2011b). Como exemplo desse tipo de mecanismo, tem-se a encomenda

pública, usada tradicionalmente pelo setor de defesa nos EUA, como aborda-

mos na abertura dessa seção 1, e que se alinha com uma abordagem de política

orientada à missão, ou seja, voltada à resolução direta de problemas conside-

rados socialmente relevantes (FORAY et al., 2012).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

114

Quadro 1. Principais instrumentos públicos de inovação do lado da oferta

Fonte: adaptado de OECD (2014b).

Quadro 2. Principais Instrumentos Públicos de Inovação do Lado da Demanda

Categoria Instrumento

Direto Encomenda Pública (licitações, compras diretas, competi-

ções/prêmios).

Apoio à demanda privada – subsídios

Plataformas de inovação e outros meios de articulação entre

usuários e desenvolvedores

Indireto Apoio à demanda privada – incentivos fiscais

Regulação/padronização (processo, produto, uso)

Serviços de divulgação de informação e treinamento

Fonte: adaptado de Elder (2013).

Categoria Instrumentos

Direto

Subvenção e subsídios

Financiamento de capital

Crédito

Apoio reembolsável (geralmente condicio-

nado à lucratividade obtida no projeto)

Garantias de crédito

Financiamento de capital/equity Mezanino (instrumento hibrido de dívida e

direito à participação no capital)

Equity Fundos de capital de risco e “fundos de

fundos”

Redes de consultoria técnica e de negócios, mentoria

“Extensionismo” tecnológico

Vouchers de Inovação

Indireto Incentivos fiscais Corporativos

Pessoais

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

115

3. Tendências Recentes no Uso de Instrumentos de Política Industrial para a Inovação

As iniciativas públicas em inovação ganharam novos contornos após a

crise de 2008, renovando e recombinando seus instrumentos e enfatizando al-

vos diferentes. Nesta seção, busca-se trazer uma visão geral dessas tendências

por meio de dados agregados de investimento e pela exemplificação de pro-

gramas.

3.1. Aumento da Participação Pública na P&D Empresarial e da Utilização de Incentivos Fiscais

Considerando os gastos nacionais brutos em P&D, percebe-se de forma

geral uma retração desses valores em relação ao período pré-crise, queda essa

que ainda não foi totalmente revertida (tab. 1). Entre 2008 e 2012, esses gastos

caíram 5,9% e 2,9% nos EUA e na União Europeia, respectivamente, conside-

rando dólares constantes de 2005 (OCDE, 2014b). Exceções notáveis dizem res-

peito à Rússia e à Alemanha, onde ocorreram aumentos no mesmo período

(50,4% e 16,2%).

Já em termos da proporção dos gastos em P&D em relação ao PIB, ob-

serva-se uma relativa estabilidade nos países da OCDE, mantendo-se aproxi-

madamente em 2,3% no período de 2007 a 2015 (OCDE, 2015a). Em contraste,

houve aumentos significativos no caso da China e da Coreia do Sul, sendo que

este país ultrapassou a marca de 4% (gráf. 4).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

116

Tabela 1: Gastos nacionais brutos em P&D (US$ milhões – constantes para 2005 - PPC)

2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Estados Unidos 132,0 134,1 133,8 151,1 135,4 128,7 125,9 115,2

União Europeia 89,2 92,1 96,3 100,3 99,3 97,4 93,6 N/D

Alemanha 20,2 21,2 22,1 24,1 25,3 25,8 25,7 26,3

Coreia do Sul 9,2 10,1 11,3 12,4 13,5 14,5 N/D N/D

Reino Unido 13,5 13,7 13,2 13,3 12,7 12,1 11,8 N/D

Rússia 6,6 7,9 8,2 10,9 10,4 11,8 12,4 12,0

Fonte: OECD (2014b)

Gráfico 4. Gastos nacionais brutos em P&D (% do PIB)

Fonte: OCDE (2014b)

Vale comentar aqui as principais mudanças na natureza desses gastos e

na natureza dos instrumentos. Em primeiro lugar, houve um aumento em ter-

mos proporcionais do financiamento público para as atividades de P&D por

0,0%

0,5%

1,0%

1,5%

2,0%

2,5%

3,0%

3,5%

4,0%

4,5%

2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Coreia do Sul

Estados Unidos

OCDE

China

União Europeia

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

117

empresas. Entre 2007 e 2012, registrou-se esse crescimento em 20 dos 35 paí-

ses analisados pela OCDE (OECD, 2014b). O gráfico 5 traz essa comparação para

quinze nações, as quais correspondem aos maiores gastos absolutos em P&D

empresariais. Em termos do aumento da proporção de financiamento público,

destacam-se a França, o Canadá e a Bélgica, que ultrapassaram a marca de

20%. Deve-se observar que o aumento no caso estadunidense, de 12,8% para

14,1%, acaba sendo bastante significativo por causa do valor total desse inves-

timento, correspondente a US$ 44 bilhões em 2012 (OECD, 2014b).

Gráfico 5. Proporção dos gastos empresariais em P&D financiados com recursos públicos, incluindo incentivos fiscais (%)

Fonte: OECD (2014b)

* Para a China e Rússia só há um ano com dados disponíveis: 2009 e 2010, respectivamente. A

inclusão de seus dados, que representam apenas um ano, serve apenas como ponto de compa-

ração.

Itália

Austrália

Bélgica

Austria

Holanda

Espanha

Alemanha

Canadá

Reino Unido

Japão

Coreia do Sul

França

China

Rússia

Estados Unidos

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%

2012

ou

últim

o an

o di

spon

ível

2007 ou ano mais próximo disponível

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

118

Tabela 2. Investimento público em P&D empresarial, incluindo incentivos fiscais (2012)

País Investimento Público

(US$ milhões constantes - 2012 - PCP) Estados Unidos 44.500

Rússia 13.219

China 9.794

França 8.811

Coreia do Sul 5.562

Japão 4.358

Reino Unido 3.695

Canadá 3.341

Alemanha 2.917

Espanha 2.143

Holanda 1.428

Áustria 1.289

Bélgica 1.200

Austrália 1.175

Itália 1.044

Fonte: OECD (2014b).

Esse aumento de participação pública é coerente como ação anticíclica,

buscando-se resguardar a capacidade de renovação do setor privado em um

cenário de restrição aguda de investimentos. Não deixa ainda de refletir uma

abordagem mais completa do ciclo de inovação, que ultrapassa o financia-

mento da pesquisa em instituições, compartilhando o custo e o risco da intro-

dução de novos bens e serviços no mercado.

A OCDE chama atenção que neste crescimento do apoio público, os in-

centivos fiscais tiveram o seu uso consolidado e passaram a corresponder a

mais de um terço do apoio governamental à P&D nas empresas (OECD, 2013a).

Conforme mostra o gráfico 6, em países como França, Japão e Canadá, os in-

centivos fiscais representam mais do que 70% do apoio público à P&D empre-

sarial. Justamente pela sua importância crescente, a OCDE chama a atenção

para alguns dos problemas desse mecanismo: a falta de transparência quanto

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 119

ao seu custo e impactos, a ameaça à base fiscal e o incentivo à competição pre-

datória entre países para atração de empresas. Assim, a Organização reco-

menda um uso mais rigoroso dos incentivos fiscais, balanceando-os sempre

com outros instrumentos (OECD, 2013a; 2014b).

Gráfico 6. Participação dos incentivos fiscais no apoio à P&D empresarial (2013)

Fonte: OECD (2016a).

3.2. Criação de Mecanismos de Transferência

Tecnológica junto a Iniciativa Privada

As Companhias de Aceleração de Transferência de Tecnologias (SATTs)

da França, as Parcerias de Transferência de Conhecimento (KTPs) do Reino

Unido e a Rede Nacional de Inovação na Manufatura (NNMI – National

Network for Manufacturing Innovation)14 dos EUA, detalhada a seguir, são

exemplos de iniciativas que buscam responder tanto à natureza crescente-

mente colaborativa da dinâmica tecnológica quanto ao objetivo de se ter resul-

tados mais práticos e velozes do investimento público em inovação.

14 http://manufacturing.gov/nnmi.html

0,0%

4,9%

26,9%

46,2%

50,0%

57,1%

70,3%

81,3%

85,7%

Alemanha

Rússia

Estados Unidos

China

Reino Unido

Coreia do Sul

França

Japão

Canadá

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

120

Em 2013, a administração Obama anunciou a criação do NNMI (National

Network for Manufacturing Innovation) com o objetivo de apoiar o desenvolvi-

mento das tecnologias de manufatura avançada (NNMI, 2016). O comprome-

timento orçamentário inicial dessa rede foi de US$ 200 milhões (HAND, 2013)

e as principais características do seu desenho foram assim colocadas:

- As suas unidades de operação correspondem a institutos regionais te-

máticos, os quais devem servir de hubs para academia, empresas, agên-

cias governamentais e centros de pesquisa. Até 2015, haviam sido for-

mados sete desses institutos (quadro 3), com previsão total de até quinze

(HAND, 2013).

- Os institutos são apresentados como parcerias público-privados, em que

as empresas fornecem recursos como contrapartida e são responsáveis

pelo direcionamento das atividades. Até 2015, era registrado o investi-

mento privado de US$ 481 milhões (NIST, 2015). A meta é que essas or-

ganizações sejam futuramente autofinanciáveis.

- A missão dos institutos se refere à colocação rápida de tecnologias de

manufatura avançada no setor produtivo, interligando a pesquisa apli-

cada e o desenvolvimento efetivo de produtos e processos (NIST, 2015).

Enfatizam-se assim as atividades de prototipagem, escalonamento, de-

monstração e transferência de tecnologia. A colaboração com as empre-

sas é feita, entre outros meios, pelo próprio compartilhamento das ins-

talações.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

121

Quadro 3 - Rede Nacional de Inovação na Manufatura (NNMI) – Institutos Estabelecidos até 2015

Nome Localização Foco Tecnológico

America Ma-

kes

Youngstown, Ohio Impressão 3D e manufatura aditiva

DMDII Chicago, Illinois Design e manufatura digital

LIFT Detroit, Michigan Materiais leves

Power America Raleigh, North Caro-

lina

Semicondutores de banda proibida larga

(WBG)

IACMI Knoxville, Tenesse Compósitos avançados

AIM Photonics Rochester, Nova York Fotônica aplicada a circuitos integrados

NextFlex San Jose, Califórnia Eletrônica híbrida flexível

Fonte: NNMI (2016)

Para o orçamento de 2016, foram requisitados US$ 150 milhões para o

financiamento do NNMI (NIST, 2015) e dois novos institutos estão atualmente

em processo de criação: manufatura inteligente e fibras e têxteis avançados

(NNMI, 2016).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

122

3.3. Apoio ao Empreendedorismo

Os programas tradicionais para inovação apresentam barreiras signifi-

cativas às empresas nascentes: a falta de ativos tangíveis que sirvam de garan-

tias, por exemplo, limita o acesso ao crédito, assim como o curto histórico de

atividades muitas vezes as desqualificam para receber apoio direto à P&D.

Com a relevância alcançada por esse tipo de empresas, diversos países busca-

ram fortalecer ou criar mecanismos para esse público, frequentemente com-

binando apoio financeiro e não-financeiro.

Talvez o exemplo mais eloquente seja o da Coreia do Sul, país que havia

construído uma forte política industrial baseada em grandes grupos empre-

sariais e em uma estratégia de rápido seguimento da fronteira tecnológica.

Anunciados pela presidente Park Geun-hye em 2013 e 2014 respectivamente,

o Plano de Ação em Economia Criativa15 e o Plano Trienal de Inovação Econô-

mica propuseram uma guinada de abordagem para privilegiar o conteúdo ori-

ginal e as empresas nascentes (MINISTRY OF STRATEGY AND FINANCE, 2013;

2014). Entre as suas medidas, baseadas em US$ 3,9 bilhões, está a montagem

de fundos de capital de risco e de 17 Centros de Inovação em Economia Criativa

em conjunto à iniciativa privada, cobrindo todo o país em sua atuação (OECD,

2014c). A seguir, comentam-se outros exemplos de destaque no uso de instru-

mentos para empresas nascentes.

15 O escopo da economia criativa desse plano é bastante amplo, compreendendo atividades

econômicas fundamentadas em “inovação, tecnologia e ideias criativas” (MINISTRY OF STRA-

TEGY AND FINANCE, 2013).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

123

Fundo de Capital de Risco e Capital Semente (equity)

Os instrumentos de participação no capital social (equity) consolida-

ram-se na esfera pública como forma de compartilhar os riscos como também

os retornos de empreendimentos inovadores. Um survey da OCDE registrou

96 programas federais com instrumentos desse tipo em 2012, 52% a mais do

que em 2007, abrangendo 27 dos 32 países integrantes da Organização (OECD,

2013b). Do universo desses programas, a maior parte correspondia à modali-

dade de co-investimento público-privado (41 iniciativas), seguindo-se de “fun-

dos de fundos” (32) e de investimento direto (23). Especificamente na Europa,

a participação pública nos recursos captados em fundos de capital de risco

atingiu 40% no ano de 2013 (OCDE, 2013b). Nesse contexto, destaca-se o Fundo

de Investimento Europeu – formado majoritariamente pelo Banco de Investi-

mentos Europeu (EIF) e pela Comissão Europeia. Em 2013, esse Fundo declarou

ter aportado cerca de 600 milhões de euros em capital de risco — incluindo

capital semente – posicionando-se como o principal investidor na Europa

nesse campo (EIF, 2014)

Exemplos mais recentes dessas iniciativas são:

- O “Venture Capital Action Plan” do Canadá, que planeja investir US$

320 milhões nos próximos dez anos, buscando alavancar mais do

que o dobro desse valor em recursos privados (OCDE, 2014b).

- O “Venture Capital Catalyst Fund”, dotado com £ 25 milhões pelo go-

verno britânico em 2013, que apoia fundos de capital de risco a co-

meçarem a operar, complementando seus recursos iniciais (BBBINV,

2016).

- O “InnovFin Business Angels ICT Pilot”, lançado pela Comissão Euro-

peia e o EIF em 2015, que reservou inicialmente € 30 milhões para

co-investimento com investidores anjo. Para cada empresa, a faixa

de investimento vai de € 250 mil até € 5 milhões por um período de

5 anos (EIF, 2015).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

124

Em qualquer uma de suas modalidades, os instrumentos de equity re-

querem um ambiente de investimentos capaz de absorver os empreendimen-

tos desenvolvidos, ou seja, que possibilite a “saída” dos investidores públicos e

privados pela venda de sua participação. Vale apontar igualmente que fundos

de equity requerem não apenas recursos financeiros, mas o fornecimento de

expertise e competência para decisões de negócios.

Programas de Aceleração de Empresas

Percebendo as limitações nos longos ciclos de investimento dos fundos

de capital de risco, a Y Combinator introduziu em 2005 um programa que bus-

cava preparar rapidamente empresas a serem investidas. Tendo começado a

operar em Cambridge e no Vale do Silício no ano seguinte, as características

colocadas por esse modelo foram (GRAHAM, 2012): empresas são selecionadas

em grupos por um processo aberto e rápido; durante 2 a 3 meses, são ofereci-

dos aos empreendedores qualificação, mentoria, networking e apoio finan-

ceiro; ao final, empresas aceleradas são apresentadas a potenciais investido-

res e clientes. O apoio financeiro para a manutenção pessoal dos empreende-

dores durante o programa não é considerado tão relevante quanto os serviços

oferecidos, os quais são ancorados nas relações da aceleradora com mentores

e investidores. Em troca, a aceleradora ganha o direito de participação no ca-

pital social da empresa. Atualmente, esse valor é de 7% na Y Combinator (Y

COMBINATOR, 2016). Em contraste aos fundos de capital de risco, há um alto

grau de padronização e agilidade nos processos contratuais.

O sucesso do modelo, que impulsionou empresas como Dropbox e Air-

bnb, incentivou a sua rápida difusão (MILLER & BOUND, 2011), como mostram

os casos da Techstars, fundada em 2007 em Boston, Seedcamp (Londres, 2007),

500 Startups (Montain View, 2010) e Startup Bootcamp (Copenhague, 2010). O

quadro 4 mostra exemplos programas de aceleração com financiamento pú-

blico, que geralmente operam em parceria com investidores anjo. Tem-se um

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

125

caso excepcional no programa Start-up Chile, já que o seu financiamento é ex-

clusivamente público e não é requerida a participação no capital da empresa.

Deve-se notar ainda que esse programa não é restrito a cidadão chilenos, mas

busca atrair empreendedores do todo o mundo (START-UP CHILE, 2016).

Quadro 4. Exemplos de programas de aceleração de empresas com apoio financeiro pú-

blico

Nome Fun-dação

Local Dura-ção (se-manas)

Investimento Partici-pação no capital

Funding

Oxygen

Accelera-

tor

2011 Birming-

ham,

Reino

Unido

13 £ 5 mil por fundador +

£ 5 mil

6% Público e

investido-

res anjo

NDRC

Laun-

chPad

2010 Dublin, Ir-

landa

12 € 20 mil 6% Público e

investido-

res anjo

Ignite

100

2011 Newcastle,

Reino

Unido

13 £ 15 mil de investi-

mento e até £ 100 mil

como empréstimo

conversível

8% Público e

investido-

res anjo

Start-up

Chile

2010 Santiago,

Chile

24 US$ 30 mil 0% Público

Fonte: Miller & Bound (2011) e Start-up Chile (2016)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

126

Regulamentação de Plataformas de Crowdfunding

Usando estruturas online típicas de redes sociais, as plataformas de

crowdfunding permitem que empreendedores captem recursos por meio de

doações ou de investimentos oriundos de uma grande quantidade de indiví-

duos, seja equity (com direitos de participação no capital social), empréstimo

(com futuro recebimento do capital investido e juros) ou royalties (com cotas

sobre a propriedade intelectual gerada pelo empreendimento) (infoDev &

Word Bank, 2013). Embora sejam usadas frequentemente para projetos cultu-

rais e filantrópicos, há diversos exemplos de projetos intensivos em tecnologia

impulsionados por essas plataformas. Este é o caso, por exemplo, da empresa

Formlabs, criadora de uma impressora 3D de pequena escala e que obteve um

investimento então recorde de US$ 3 milhões pela plataforma Kickstarter

(FLAHERTY, 2014).

A difusão do crowdfunding é mais acentuada nos EUA, com 344 plata-

formas, mas a sua presença também vem se firmando em alguns países euro-

peus, como Reino Unido (87 plataformas), França (53) e Alemanha (26), além

da Índia (10). O papel crítico do Estado nesse processo esteve relacionado ma-

joritariamente à regulação, buscando o equilíbrio entre, de um lado, amenizar

as restrições tradicionais para as operações crédito e de equity e, por outro,

proteger o doador/investidor (INFODEV & WORD BANK, 2013). Casos notórios

são o “Jumpstart Our Business Startups Act”, aprovado com apoio bipartidário

nos EUA em 2012, e o "Ordonnance n° 2014-559 (2014) Relative au Rinance-

ment Participatif”, aprovado em 2014 na França.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

127

Vouchers de inovação

Embora possam ser direcionados de várias formas, os vouchers de ino-

vação despertaram interesse a partir da experiência holandesa, onde foram

usados para aproximar PMEs e centros de pesquisa entre 1997 e 1999 (COLETTI,

2014). Oferecendo valores relativamente baixos, esse instrumento tem como

fatores críticos o caráter simplificado e veloz do processo de concessão e, na-

turalmente, a qualidade da rede que aceita os vouchers (OECD, 2010). Mais re-

centemente, percebeu-se a diversificação do uso desse mecanismo, incluindo:

- O “ICT Innovation Vouchers Scheme for Regions” da Comunidade Eu-

ropeia, voltado para a digitalização de PMEs. Os valores oferecidos

variam entre € 4,5 mil e € 50 mil (EUROPEAN COMISSION, 2016).

- Os “Innovation Vouchers” da agência Innovate UK, que podem ser

usados desde em universidades até consultores em design e propri-

edade intelectual. Valores máximos de £ 5,000 (INNOVATE UK,

2016).

- O “Business Innovation Access Program” do Governo Canadense, que

oferece até CA$ 50 mil para gastos em serviços de natureza técnica

– por exemplo, otimização de processo – ou de gestão empresarial,

como pesquisa de mercado. Os serviços são realizados por consulto-

res integrantes de uma rede nacional já existente, vinculada ao Na-

tional Research Council of Canada Industrial Research Assistance

Program (NRC, 2014).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

128

Garantias de crédito

A restrição de crédito no cenário pós-crise afetou especialmente as pe-

quenas e médias empresas e, desse modo, alguns países buscaram aumentar a

oferta de garantias de crédito por meio de mecanismos públicos (tabela 3).

Tabela 3. Empréstimos garantidos pelo governo a PMEs

País Unidade 2007 2010 2013

Chile CLP bilhões 203 896 1.622

Estados Unidos US$ bilhões 21 22 23

França EUR milhões 5.850 11.883 8.925

Holanda EUR milhões --- 945 415

Israel NIS milhões 170 1.028 2.025

Reino Unido GBP milhões --- 79 51

Fonte: OECD (2015b)

O principal instrumento para essa finalidade são os fundos garantido-

res de crédito (FGCs), cujas características operacionais podem ser resumidas

do seguinte modo (OCDE, 2013c):

- Mesmo no caso de fundos iniciados com recursos públicos, os FGCs

podem ter múltiplos cotistas, tais como os agentes privados que re-

alizam as operações de crédito garantidas.

- Os FGCs operam de forma alavancada em relação ao seu patrimônio,

apoiando-se em uma avaliação sistemática de risco.

- O oferecimento de garantia possui parâmetros como limite de mar-

gem – chegando até 100% da operação –, valor e período máximos.

- Às empresas beneficiadas são exigidos encargos e, por vezes, co-ga-

rantias.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

129

Em termos do uso voltado à inovação, destaca-se a trajetória do KIBO,

fundado em 1989 pelo governo da Coreia do Sul e que desde então garantiu

US$ 161 bi em operações (OCDE, 2013c). O seu sistema de rating busca abran-

ger tanto o risco tecnológico quanto a prospectiva de geração de caixa a partir

de um sistema proprietário de avaliação de empreendimentos (PARK, 2012).

3.4. Fortalecimento do Uso da Encomenda Pública

As compras públicas equivalem a 12,1% do PIB na OCDE, ultrapas-

sando a proporção de 15% na França, Japão e Holanda (OECD, 2015c). O poten-

cial desse poder de compra para estimular a inovação vem sendo destacado

por especialistas (EDLER & GEORGHIOU, 2007; EDQUIST & ZABALA-ITURRI-

AGAGOITIA, 2012) e explorado de forma mais frequente em diversos países

(quadro 5). Como uma vantagem adicional, aponta a OCDE, esse mecanismo

possibilita aos governos direcionarem despesas que já seriam realizadas por

suas atividades correntes, aumentando assim a massa de recursos direcio-

nada à inovação sem implicar aumento de gastos (OECD, 2014b).

Observando as iniciativas recentes (quadro 5), chama a atenção a mon-

tagem de centros de excelência sobre encomendas públicas na Alemanha e No-

ruega, o que indica a complexidade técnica-regulatória desse instrumento. A

incerteza quanto à demanda por produtos inovadores é diretamente tratada

por sistemas de garantia de compra na Coreia do Sul e no Reino Unido, sendo

que a especificação adequada de requerimentos funcionais é crucial para a sa-

tisfação da ponta compradora. Por fim, o SBRI, também no Reino Unido, opta

por abrir competições temáticas a partir de demandas do governo. Esse tipo

específico de mecanismo também tem ganhado difusão, como demonstra o

caso da EPA e do Departamento de Defesa dos EUA, conforme já comentado na

seção 1.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

130

Quadro 5. Exemplos recentes de iniciativas relacionadas a encomendas públicas e inovação

Tipo Nome País Obs.

Centros de exper-

tise

Centre of Excel-

lence for Inno-

vative Procure-

ment

(KO-INNO)

Alemanha Orientam empresas e membros do

poder público.

PIANOo Noruega

Garantia de com-

pra

New Technology

Purchasing As-

surance

Coreia do

Sul

Garantia de compra por prazo de-

terminado / complementa subsí-

dios de desenvolvimento tecnoló-

gico.

Forward

Commitment

Procuremen

Reino Unido

A empresa desenvolvedora é arti-

culada com o futuro usuário no

setor público.

Competições temá-

ticas entre empre-

sas por contratos

com o poder pú-

blico.

Small Business

Research Initia-

tive (SBRI)

Reino Unido

Os temas partem do setor público

por intermediação do Innovate

UK / programa fundado em 2001

e redesenhado em 2009, inspirado

no SBIR estadunidense.

Fonte: adaptado de OECD (2014b) e sites institucionais.

As políticas de encomendas públicas, na maioria dos países da OCDE,

por exemplo, estão direcionadas a objetivos em que interesses públicos e pri-

vados se cruzam, como problemas de saúde pública, energia, transporte e am-

bientais. Um estudo da OCDE (2011c) sobre esse tipo de instrumento evidencia

alguns fatores para o sucesso de uma demanda pública: a) objetivos claros,

sendo eficiente do ponto de vista de mercado e de aumento do bem estar social;

b) foco setorial; c) tempo de duração da ação governamental deve ser bem de-

terminado; d) quanto maior a presença governamental na gestão das enco-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

131

mendas, mais importante é a qualificação de pessoas para realizar a gover-

nança da política; e) complementos entre elementos de oferta e demanda de-

vem ser levados em consideração.

A encomenda pública deve ser um instrumento de aglutinação de dife-

rentes atores, tendo o Estado o papel de assumir riscos que agentes privados

não tem condições de assumir. Neste cenário, é necessário se ater também aos

limites desta ação estatal, para que a encomenda não se torne ineficiente:

além da clareza sobre tempo e escopo da atuação, a diversidade de atores en-

volvidos para estimular a competição é desejável. Além disso, o instrumento

de encomenda pública não pode se resumir a uma política protecionista. É ne-

cessário o estabelecimento de metas claras e capacidade de beneficiar os ato-

res eficientes e capazes de cumprir as exigências estabelecidas.

Como observado acima, trata-se de um instrumento que se mostra mais

eficiente em nível setorial, e, quando seu foco é inovação, há maior chance de

se tornar uma política com repercussão e efetividade. Em consonância com as

características para uma ação efetiva apontadas pela OCDE, é possível adicio-

nar as seguintes observações de Edler (2006):

1. Inovação deve ser o critério para avaliar as ofertas geradas pela en-

comenda;

2. A demanda deve ser profissionalizada em todos os níveis;

3. Objetivos públicos e setoriais devem ter metas específicas e uma ori-

entação de longo prazo, considerando que tais fatores devem estar

abertos a discussão com atores relevantes do mercado.

Sendo assim, ainda que a encomenda pública apareça no cenário mun-

dial como uma das formas mais eficientes de lidar com grandes desafios soci-

ais e tecnológicos, há que se estabelecer bem os limites de ação do Estado para

que a política não se torne meramente um mecanismo de protecionismo para

atores ineficientes. Para tanto, o que se toma como aprendizado da experiên-

cia internacional é a necessidade de profissionalização do corpo gestor da po-

lítica, bem como uma delimitação setorial da encomenda que ajude a selecio-

nar as melhores competências. O estabelecimento de metas e objetivos, bem

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

132

como a capacidade de avaliar os agentes envolvidos são fatores essenciais no

uso do instrumento.

4. Perfis Nacionais Resumidos

Os perfis apresentados a seguir para Estados Unidos, Alemanha e China

buscam introduzir elementos de sua política industrial voltada à inovação por

meio de indicadores gerais básicos de cada país, delineação da governança e

descrição de iniciativas recentes de destaque.

4.1. Estados Unidos

Responsáveis no mundo pelo maior investimento em P&D em termos ab-

solutos, os Estados Unidos também lideram em diversos indicadores de de-

sempenho em inovação, como número de famílias de patentes depositadas

(tríade) ou valores recebidos na balança de pagamentos devido à transferência

de tecnologias, design e serviços técnicos. Frequentemente, o país foi protago-

nista na introdução de tecnologias relacionadas à defesa, saúde e economia

digital, neste caso, oferecendo um ambiente sem paralelo de incentivo ao em-

preendedorismo inovador (OECD, 2014b). Entretanto, a perda da base produ-

tiva na indústria e a queda nas exportações de bens de alta intensidade tecno-

lógica vêm sendo apontadas com preocupação por analistas (LOCKE &

WELLHAUSEN, 2014; PISANO & SHIH, 2012), que temem um enfraquecimento

significativo da capacidade inovadora do país frente a países como China e

Coreia do Sul.

Com os efeitos da crise financeira de 2008, as mais diversas soluções fo-

ram apresentadas pelo governo dos EUA para recuperar a atividade econô-

mica. Observa-se desde a repetição de fórmulas já aplicadas em outros mo-

mentos de crises originadas pelo sistema financeiro, tais como políticas de es-

tabilização e indução da demanda agregada (via instrumentos monetários e

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

133

fiscais), bem como novas políticas industriais que envolvem formas diversifi-

cadas e complexas da atuação do Estado diante da economia, que busca posi-

cionar o Estado como um ator capaz de aglutinar competências e canalizar es-

forços em direção a determinadas missões nacionais que visam fomentar ga-

nhos de competitividade e o reposicionamento da indústria local.

A experiência americana no desenvolvimento de política industrial é

um bom exemplo das novas tendências para a formulação dessas políticas. En-

tre seus objetivos estão o desenvolvimento de mecanismos que não sejam me-

ramente indutores, ofertando recursos que atuem diretamente na transfor-

mação da matriz econômica, mas também que busque coordenar atores, apon-

tar caminhos e oferecer a estrutura necessária para a emergência de um sis-

tema de inovação mais complexo e dinâmico, fazendo pontes entre governo,

centros de pesquisa e empresas para a solução de problemas reais na economia

e para a competitividade industrial de seu país.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

134

Tabela 4. Estados Unidos: indicadores básicos sobre ciência, tecnologia e inovação

Fonte: OECD (2016b) e World Bank (2016)

* Conjunto de patentes que protegem uma única invenção depositadas nos escritórios nacio-

nais dos EUA (USPTO), do Japão (JPO) e no escritório europeu (EPO) (OECD, 2016b).

*** Abrange a transferência internacional de tecnologia (patentes, licenças e abertura de

know-how); transferência de design, marcas e modelos, além de serviços técnicos (OECD,

2016b).

Indicador Unidade 2007 2012 2014

Gastos nacionais brutos em P&D

em razão do PIB % 2,63 2,70 n.d.

Gastos em pesquisa básica em ra-

zão do PIB % 0,47 0,45 n.d.

Gastos empresariais em P&D em ra-

zão do PIB % 1,86 1,87 n.d.

Financiamento público dos gastos

empresariais em P&D (não inclui

incentivos fiscais)

% 9,87 10,18 n.d.

Pesquisadores em razão da força de

trabalho

n. de pesquisado-

res por mil traba-

lhadores

7,34 8,09 n.d.

Participação nas famílias de paten-

tes da tríade* % 26,25 25,64 n.d.

Participação nas exportações mun-

diais em setores de alta tecnologia

(classif. OCDE)

% 12,4 7,5 n.d.

Recebimentos relativos a tecnolo-

gia** na balança nacional de paga-

mentos

US$ milhões

(correntes) 85.930,0 122.658,0 136.271,0

Pagamentos relativos a tecnolo-

gia** na balança nacional de paga-

mentos

US$ milhões

(correntes) 50.128,0 84.168,0 89.415,0

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

135

4.1.1. Aspectos de governança

A política de inovação nos EUA é executada de forma descentralizada

pelas agências federais, não sendo propriamente formalizada como um plano

integrado de longo prazo. Para cada ano fiscal, a presidência propõe ao Con-

gresso um orçamento, em que é delineada a alocação de recursos por agência

e os programas prioritários. O gráf. 7 mostra essa distribuição por agências

para o orçamento aprovado de 2015, em que se observa a forte predominância

da área de defesa, como quase metade do orçamento federal para P&D, seguida

da saúde (22,1%).

Gráfico 7. Orçamento federal dos EUA para P&D: distribuição por agência - Ano fiscal de 2015 - Valores aprovados (Total: US$ 138 bi)

Fonte: White House (2015).

* National Institutes of Health.

** National Oceanic and Atmospheric Administration.

*** National Institute of Standards and Technology

Ao dividir os recursos em P&D em setores específicos, a política norte-

americana ganha um viés orientado à missão, em que é possível estabelecer de

forma mais clara os resultados que se esperam desses investimentos. Essa dis-

tribuição dos recursos de P&D evidencia uma especificidade importante do sis-

tema norte-americano em relação, por exemplo, ao sistema brasileiro. Não há,

4,6%1,1%1,8%

4,3%8,5%8,8%

22,1%48,9%

OutrosComércio (NOAA** E NIST***)

AgriculturaNational Science Foundation

EnergiaNASA

NIH* e outros serviços de saúdeDepartamento de Defesa

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

136

na estrutura do governo norte-americano, um ministério responsável exclusi-

vamente por assuntos relativos à Ciência e Tecnologia. Os investimentos pú-

blicos em P&D são conduzidos em ministérios setoriais (defesa, energia, saúde)

para os quais a C&T não é um fim em si mesma, mas um meio de alcançar re-

sultados concretos em cada uma dessas áreas (DE NEGRI; SQUEFF, 2014).

Vale notar que as agências possuem um perfil bastante diferenciado

quanto ao perfil de gastos (gráf. 8). O Departamento de Defesa, que usa comu-

mente o instrumento de encomenda pública, esteve autorizado a verter 89,5%

em desenvolvimento tecnológico, ao passo que o NIH, do ministério da saúde,

se divide entre pesquisa básica e aplicada e a National Science Foundation, de

forma esperada, dedica-se à pesquisa básica (80,6%).

Gráfico 8. Orçamento federal dos EUA para P&D: distribuição por categoria de gastos e por agência - Ano fiscal de 2015 - Valores aprovados

Fonte: White House (2015)

* Desconsiderou-se a categoria instalações e equipamentos”, objeto de apenas

1,8% do total dos recursos

0% 20% 40% 60% 80% 100%

Comércio (NOAA E NIST)

Agricultura

National Science Foundation

Energia

NASA

NIH e outros serviços de saúde

Departamento de Defesa

Total

Pesquisa básica Pesquisa aplicada Desenvolvimento

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

137

Vale salientar que a definição dos objetivos a serem alcançados, ainda

que seja uma demanda de um determinado ministério, é debatido de forma

intensa que envolve além de estruturas do próprio governo, como os conselhos

consultivos presidenciais, nesse caso o de ciência e tecnologia, como por enti-

dades da sociedade civil e no congresso. Neste sentido, tem se destacado a for-

mação de uma política orientada à missão que reúne tanto desafios tecnológi-

cos quanto econômicos, a reindustrialização da economia americana, com

base em uma estratégia para criar uma grande capacitação para lidar com a

manufatura avançada.

A inflexão começa com a Darpa

A Darpa não possui mais do que 200 pesquisadores e técnicos profissio-

nais, apesar de um orçamento anual em torno de US$ 3 bilhões (previstos para

2016). Sua estrutura se distanciou das hierarquias pesadas, comuns em insti-

tuições públicas, e opera basicamente com dois níveis de gestão, o que facilita

o fluxo de informações e outro que acelera a tomada de decisões. Diversificada

em suas orientações e com um corpo funcional altamente qualificado, conse-

gue escolher e contratar profissionais de excelência (e ousados) via procedi-

mentos distintos dos usuais no sistema público. A Darpa encontra talentos

com ideias, teoria e experiência prática na indústria, nas universidades e em

laboratórios públicos, nos EUA e pelo mundo afora e, apesar dos avanços que

viabilizou, não possui nem opera nenhum laboratório, instituto ou universi-

dade.

As equipes contratadas são levadas a colaborar em permanência, de

modo a compartilhar passo a passo seus avanços. O significativo é que o staff

da agência é composto por funcionários contratados por três, quatro ou no

máximo cinco anos, e todo seu corpo dirigente e os gestores de projetos ocu-

pam posições que se alternam sistematicamente, para arejar a instituição e

garantir novas perspectivas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

138

Os projetos Darpa são organizados em torno de desafios concretos, de

modo a exigir dos gestores e demais contratados – empresas, indivíduos, uni-

versidades, laboratórios (públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros) e

centros militares – a utilização de todos os recursos científicos e tecnológicos

disponíveis para superá-los. Esse modelo diminui o custo operacional da agên-

cia, imprime velocidade a suas decisões e permite a construção de uma ex-

tensa rede de cooperação, formada por instituições (públicas ou privadas), nú-

cleos ou pesquisadores individuais.

A seleção dos gerentes de projeto (project managers) é peça essencial do

modelo Darpa. Cientistas e pesquisadores de alto padrão têm de mostrar expe-

riência e dedicação na busca de seus objetivos. A tarefa mais importante do

corpo dirigente reside na escolha desses profissionais, que serão contratados

por tempo determinado e com um minucioso planejamento de entregáveis.

Apesar da insistente busca por resultados, a agência é extremamente tole-

rante com o não-sucesso de projetos, principalmente porque um rigoroso sis-

tema de avaliação e mitigação de risco permite retornos científicos e tecnoló-

gicos de grande valor.

Com esse modelo, a agência consegue manter seu foco em inovações ra-

dicais e não nas incrementais. Para isso, conta com recursos para investi-

mento de alto risco, alocados em ciência básica, aplicada e prototipagem, de

modo a liberar para a indústria de defesa ou para o circuito comercial, as tec-

nologias, produtos ou processos desenvolvidos pela agência.

A eficiência desse modelo enxuto pode ser vista por alguns dos resulta-

dos obtidos – a começar pela internet, passando pelo GPS, tecnologia stealth,

drones, RISC computing e outras – com imenso impacto na economia ameri-

cana e mundial: apesar de ter nas FFAA seu primeiro e maior cliente, a Darpa

desempenhou papel central na liberação para uso industrial e comercial de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

139

vários de seus produtos, ajudando a criar novas indústrias que movimentam

bilhões de dólares anualmente16.

O Brasil não enfrenta os mesmos problemas, não tem a mesma estru-

tura nem as necessidades e políticas que os EUA têm. Por isso mesmo, ne-

nhuma tentativa de cópia poderá prosperar. No entanto, é importante com-

preender o modelo Darpa pelo seu potencial de inspirar e ajudar a alavancar a

CT&I no Brasil. Ao articular a busca por tecnologias disruptivas com ciência

básica, o laboratório sistematizou uma metodologia de pesquisa logicamente

movida por desafios tecnológicos, chamado de problem-solving challenge mo-

del. A produção científica patrocinada pela Darpa ficou conhecida como Ciên-

cia Conectada, dada sua conexão com cada uma das fases da produção do novo,

da pesquisa básica até a inovação praticamente madura para o mercado.

A diversificação dos instrumentos do sistema de CT&I nos EUA, seus pro-

gramas e instituições, está se desenvolvendo com base em um aumento cres-

cente do investimento público e privado e, fundamentalmente, na melhoria

da qualidade de sua alocação.

4.1.2. Desenvolvimentos recentes

A proposta de orçamento para o ano fiscal de 2016 (OSTP, 2015) nos EUA

é consistente com os anos anteriores ao dar continuidade às seguintes linhas

de ação:

- Desenvolvimento da energia limpa (US$ 7,4 bi).

- Rede Nacional para Manufatura Avançada, comentada na seção 3,

com US$ 2,4 bi em recursos solicitados.

- Combate a bactérias resistentes a antibióticos (US$ 1,2 bi).

16 Ver: Regina Dugan e Kaigham Gabriel, “Special forces innovation: how DARPA at-

tacks problems”. Harvard Business Review: Outubro de 2013.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

140

- Iniciativa de Medicina de Precisão (US$ 215 mi).

Conforme argumentado, merece destaque como desenvolvimento re-

cente a política norte-americana para a reindustrialização através da manu-

fatura avançada, por se tratar de uma experiência estritamente relacionada à

indústria e aos mecanismos de ganhos de competitividade e inovação.

Há uma crescente preocupação no debate norte-americano com as bases

da competitividade da economia e sua capacidade de lidar com os desafios tec-

nológicos impostos por outras nações. A perda de várias indústrias para países

com menores custos produtivos, bem como a competição com economias de-

senvolvidas que possuem a indústria como ponto forte de sua economia,

trouxe de volta ao centro do debate sobre o desempenho econômico dos Esta-

dos Unidos, o papel da indústria manufatureira como fundamento básico do

fortalecimento da economia baseada na inovação tecnológica (PISANO; SHIH,

2009)17. Dessa forma, em 2011, o conselho de C&T e o Comitê de Inovação da

presidência dos EUA apresentaram um relatório cujo objetivo era definir uma

estratégia para a revitalização da liderança americana em manufatura. O re-

latório argumenta que a capacidade futura de os EUA inovar em novos produ-

tos e novas indústrias, de prover empregos de alta qualidade, além de promo-

ver a segurança nacional, depende de como será apoiada a inovação e o desen-

volvimento no uso de tecnologias avançadas para o setor manufatureiro.

Com base neste relatório, o presidente Obama cria a Parceria pela Ma-

nufatura Avançada (Advanced Manufacturing Partnership – AMP), que reúne

indústria, universidades e governo federal para fomentar investimentos em

tecnologias emergentes que irão criar empregos de alta qualidade na manufa-

17 Neste debate, autores chamam a atenção para a questão de que vários produtos novos pos-

suem somente seu design feito em território norte-americano; a maioria das partes comple-

mentares, por exemplo, de um Kindle ou Ipad, são produzidas em outros países. Com a perda

da capacidade de produzir, chamam atenção os autores, perde também a capacidade de gerar

novos conhecimentos, bem como capacita as nações produtoras a imitar e buscar aperfeiçoar

os produtos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

141

tura e aumentar a competitividade da indústria americana. É importante des-

tacar que a política industrial norte americana não busca meramente recupe-

rar a indústria que se perdeu para outros países, ou estimular aquelas empre-

sas que estão perdendo posições no mercado global para empresas de outras

nações, mas sim, estabelecer um novo padrão de política que criará as bases

para um novo paradigma da produção industrial e, com isso, reposicionar a

indústria americana em níveis maiores de competitividade.

Para estruturar a AMP, foi criado um Steering Comittee, com a partici-

pação de pessoas do governo, academia e empresas, vinculados ao gabinete da

presidência. Para definir a estratégia de ação, ao longo de 2011/12 foram feitas

reuniões técnicas que envolveram aproximadamente 1200 especialistas em 4

regiões dos EUA: Atlanta, Georgia; Cambridge, Massachusetts; Berkeley, Cali-

fornia; e Ann Arbor, Michigan.

Conforme descrito na seção 3, como parte da estratégia elaborada pela

AMP, foi criada a Rede Nacional para a Inovação em Manufatura (NNMI). O ob-

jetivo da rede é prover a infraestrutura para a colaboração entre indústria e a

academia americana para o desenvolvimento de pesquisas em temas relevan-

tes para a manufatura avançada por meio de institutos especializados (os cha-

mados Institutes for Manufacturing Innovation). Os institutos são estrutura-

dos na forma de PPPs. Para a coordenação, há um representante por parte do

governo federal, designando “Federal Partners” para cada área de atuação es-

pecífica. Em sua maioria, os institutos são coordenados pelo Department of

Defense e pelo Department of Energy. Além destes, também atuam junto ao

NNMI o Department of Commerce (comumente representado pelo NIST), a Na-

tional Science Foundation e a NASA. Como um coordenador geral, o Advanced

Manufacturing National Program Office (AMNPO), vinculado à presidência da

república, atua como gerente do NNMI e a ele se submetem os institutos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

142

A manufatura avançada18, central nessas novas iniciativas do governo

norte-americano, passa pela aplicação de vários conhecimentos aos processos

produtivos, de contribuições da biologia ao uso de big data. O que se observa é

uma maior complexidade do processo produtivo, exigindo novas formas de se

pensar a qualificação dos trabalhadores, a gestão da produção e a sua forma

de comercialização. O que a estratégia norte-americana de política industrial

aponta é a possibilidade de se realizar este esforço tal como uma missão, con-

siderando o papel fundamental que tem os conceitos relacionados à manufa-

tura avançada para a manutenção da liderança econômica e científica do país.

Portanto, a nova política industrial americana é antes de tudo uma po-

lítica que tem a inovação como missão, isto é, seu objetivo é aumentar o nível

de tecnologia na economia para restaurar sua competitividade; sua ação é a

coordenação de uma gama variada de atores no sentido de alavancar o nível

de conhecimento e melhorar os fluxos de transferência deste, facilitando a in-

terlocução entre centros produtores, tais como centros de pesquisa e universi-

dades, para as empresas.

4.2. China

O impulso da política de inovação chinesa é indicado pela evolução dos

gastos nacionais brutos em P&D em relação ao PIB: saindo de 0,9% no ano de

2000 para 2,05% em 2014 (OECD, 2016b). Considerando esse investimento em

termos absolutos, projeta-se que a China ultrapasse os EUA em 2018 (OECD,

18 “Advanced manufacturing is a family of activities that (a) depend on the use and coordina-

tion of information, automation, computation, software, sensing, and networking, and/or (b)

make use of cutting edge materials and emerging capabilities enabled by the physical and

biological sciences, for example nanotechnology, chemistry, and biology. It involves both new

ways to manufacture existing products, and the manufacture of new products emerging from

new advanced Technologies” (NATIONAL SCIENCE AND TECHNOLOGY COUNCIL, 2012, pág.2).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

143

2014b). Já quanto a seu desempenho, destaca-se a participação chinesa nas ex-

portações totais de bens intensivos em tecnologia, que atingiu 25,4% em 2012

(WORLD BANK, 2016). Tabela 5. China: indicadores básicos sobre ciência, tecnologia e inovação

Indicador Unidade 2007 2012 2014

Gastos nacionais brutos em P&D em razão

do PIB % 1,38 1,93 2,05

Gastos em pesquisa básica em razão do PIB % 0,05 0,09 0,10

Gastos empresariais em P&D em razão do

PIB % 1,00 1,47 1,58

Financiamento público dos gastos empresa-

riais em P&D (não inclui incentivos fiscais) % 4,80 4,63 4,20

Pesquisadores em razão da força de traba-

lho

n. de pesquisadores

por mil trabalhadores 1,86 1,78 1,91

Participação nas famílias de patentes na

tríade* % 1,30 3,21 n.d.

Participação nas exportações mundiais em

setores de alta tecnologia (classif. OCDE) % 17,2 25,4 n.d.

Fonte: OECD (2016b) e World Bank (2016)

* Conjunto de patentes que protegem uma única invenção depositadas nos escritórios nacio-

nais dos EUA (USPTO), do Japão (JPO) e no escritório europeu (EPO) (OECD, 2016b).

Em contraponto, porém, há várias limitações que devem ser resolvidas

pelo país:

- Embora crescente, o investimento em pesquisa básica é relativa-

mente pequeno (0,10% do PIB), assim como a proporção de pesquisa-

dores frente à força de trabalho (1,91 por mil).

- A produção científica pela China é numerosa, com o país ocupando o

segundo lugar no ranking em publicações científicas entre 2003 e

2012. Contudo, é uma produção que se revela de baixo impacto, com

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

144

apenas 6,7% desses artigos entre os dez mais citados mundialmente,

rendendo ao país a 36a posição no ranking desse indicador conside-

rando mesmo período (OECD, 2015a). Aponta-se também a baixa co-

laboração internacional dos cientistas chineses (OECD, 2014b).

- Ao passo que a maior parte das patentes hoje depositadas tem origem

na China (WIPO, 2016), a inserção internacional desse esforço é baixa

e correspondeu em 2012 a apenas 3,21% das famílias de patentes na

tríade (OECD, 2016b).

- Em termos institucionais, o peso estatal e os processos burocráticos

tendem a inibir o empreendedorismo (OECD, 2014b).

É de conhecimento geral o potencial econômico chinês. Após a abertura

do país para as práticas capitalistas, orquestradas por Deng Xiaoping a partir

1979, a economia chinesa inicia um processo de modernização de sua econo-

mia nos termos de uma industrialização pesada. Em linhas gerais, o processo

de industrialização chinesa passou pela construção de um parque fabril diver-

sificado, buscando entrar em vários setores do mercado através de sua alta

competitividade, ancorada no ambiente institucional favorável para atração

de empresas para assentar ali alguma parte de sua produção. A ressalva a ser

feita é que se trata de um processo que não é acompanhado pela parte que mais

gera valor agregado aos produtos. Isto é, em algumas cadeias importantes os

produtos não são desenvolvidos na China. O país concentra grande parte dos

elos de produção, sem, entretanto, ter o domínio de elos importantes de pro-

jeto e design, que cada vez mais concentram o valor agregado do processo pro-

dutivo. Não obstante, o objetivo da abertura à economia de mercado teve su-

cesso: taxas de crescimento altas e aumento da renda, urbanização, e aumento

de escolaridade e de produção científica.

A China avançou em termos de modernização do país e de desenvolvi-

mento econômico. No entanto, pelo exemplo histórico de outros países, é de-

sejável que o processo de modernização econômica seja um contínuo, tendo a

economia que se adaptar a novas tecnologias, bem como a novas condições so-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

145

ciais que o processo engendra: mobilidade social, aumento no consumo in-

terno e novas formas de produção estão na lista de desafios para a China. Por-

tanto, a industrialização chinesa cumpriu seu papel em reposicionar o país na

economia mundial. O desafio agora é dar mais um passo no novo processo de

industrialização do século XXI.

Notícias recentes vêm mostrando uma perda de fôlego da economia chi-

nesa: após anos de crescimento acima de 10%, os chineses agora devem se

adaptar ao que se chama “new normal”, isto é, um crescimento de 7% ao ano.

Novos países asiáticos vêm se tornando competidores dos chineses aplicando

a mesma receita destes. Aliado a isso, observa-se o aumento de salários, corro-

endo a base da competitividade chinesa. Sendo assim, há indícios fortes de que

a base social e econômica de sustentação da competitividade chinesa apre-

senta sinais de enfraquecimento, e que uma nova estrutura econômica deve

ser erguida para lidar com os problemas atuais do país. Comparativamente a

outros países, podemos dizer que a China está ciente e busca soluções para não

ser a mais nova vítima do middle income trap.

Esta situação conhecida como middle income trap indica um determi-

nado nível de renda média que se atinge após relativa industrialização que não

consegue ser ultrapassada, isto é, a economia se estaciona e não consegue ele-

var seu nível médio de renda. Em outros termos, podemos dizer que o middle

income trap indica que um país não consegue dar prosseguimento ao seu pro-

cesso de desenvolvimento19.

19 “Low-income countries can compete in international markets by producing labor-intensive,

lowcost products using technologies developed abroad. Large productivity gains occur

through a reallocation of labor and capital from low-productivity agriculture to high-produc-

tivity manufacturing. As countries reach middle-income levels, the underemployed rural la-

bor force dwindles and wages rise, eroding competitiveness. Productivity growth from sec-

toral reallocation and technology catch-up are eventually exhausted, while rising wages make

laborintensive exports less competitive internationally. If countries cannot increase produc-

tivity through innovation (rather than continuing to rely on foreign technology), they find

themselves trapped” (WORLD BANK, 2013, pág.12)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

146

Em vista deste problema, o governo chinês elaborou um plano para ala-

vancar a produtividade da sua indústria, no sentido de ser uma economia mar-

cada pela inovação, como veremos mais à frente. A China busca não mais ser

uma economia de alta intensidade de trabalho, mas sim, de alta intensidade

tecnológica, ter uma indústria que seja competitiva na fronteira tecnológica

e, como ponto central da proposta de política industrial e de inovação elabo-

rada pelo governo chinês, ter este desenvolvimento coordenado interna-

mente. Em outros termos, passar do Made in China para o Made by China.

i. Aspectos de governança

A política de inovação chinesa atual está sob a égide do Plano de 15 anos

para a Ciência e a Tecnologia lançado em 2006. Como ponto central, esse plano

pretendia superar a dependência tecnológica do país em relação às empresas

de origem externa, capacitando a China para a inovação endógena (CAO et al.,

2006). As metas principais definidas para 2020 são elevar o gasto em P&D em

relação PIB para 2,5% e quadruplicar o PIB, usando como referência o ano de

2000 (SERGER & BREIDNE, 2007). Em termos de áreas de atuação, o Plano de

15 anos indicou 11 áreas chave e 8 tecnologias de fronteira, além de definir 13

“megaprojetos” de engenharia e 8 de ciência (quadro 6).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

147

Quadro 6. China - Plano de 15 anos em C&T: áreas de atuação

Categoria Área

Áreas chave

Agricultura Energia

Meio ambiente Indústria da tecnologia de informação e serviços modernos

Manufatura Defesa nacional

População e saúde Segurança pública

Transporte Desenvolvimento urbano e urbanização

Recursos hídricos e minerais

Tecnologias de fronteira

Energia avançada Manufatura avançada

Aeroespacial e aeronáutica Biotecnologia Informação

Laser Novos materiais

Oceano

“Megaprojetos” de engenharia

Equipamentos de controle numérico avançado e tecnologia de manufatura básica

Controle e tratamento da AIDS, hepatite e outras grandes doenças Componentes eletrônicos centrais, chips genéricos de ponta e software

básico Desenvolvimento e inovação de medicamentos

Manufatura e tecnologia de circuitos de alta escala Cultura de variedades de organismos geneticamente modificados

Sistemas de alta definição de observação da Terra Reatores nucleares avançados de grande escala

Aeronaves de grande escala Exploração de petróleo e gás em grande escala

Exploração espacial tripulada e lunar Nova geração de tecnologia móvel de comunicação de banda larga

Controle e tratamento da poluição d’água

“Megaprojetos” de ciência

Biologia de reprodução e desenvolvimento Nanotecnologia

Ciência da proteína Pesquisa quântica

Fonte: Cao et al. (2006).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

148

A partir do desenho do Plano de 15 anos e de processos de reforma ad-

ministrativa, o Ministério de Ciência e Tecnologia (MOST) perdeu a centrali-

dade da política de inovação chinesa, competindo com outros órgãos junto ao

Ministério das Finanças para apropriações de recursos para a área (SUN &

CAO, 2014). O quadro 7 mostra a distribuição das áreas de responsabilidades

do escopo do Plano de 15 anos, o qual se estrutura em uma forma “multiagên-

cia”, com o MOST sendo um dos executores. Apesar da heterogeneidade de

ações previstas, o Plano de 15 anos aponta como meios mais importantes de

atuação: i) os incentivos fiscais a empresas, ii) a encomenda pública e iii) as

zonas de alta intensidade tecnológica (CAO et al., 2006; SERGER & BREIDNE,

2007).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

149

Quadro 7. China - Plano de 15 anos em C&T: distribuição principal de responsabilidades por órgão de governo

Órgão líder

Número total de polí-ticas de apoio desig-

nadas

Áreas de responsabilidade

Comissão do Desenvolvimento Nacional e da Reforma

29

- Fundos de capital de risco.

- Fortalecer a inovação em PMEs.

- Política tecnológica industrial.

- Capacitações tecnológicas in-dependentes .

Ministério das Finanças (in-cluindo Administração Estatal

Fiscal)

25

- Políticas financeiras de estí-mulo à inovação.

- Encomenda pública.

- Incentivos fiscais para estí-mulo da inovação.

Ministério da Ciência e

Tecnologia

17

- Incubadoras e parques tecno-lógicos.

- Iniciativas de apoio à pesquisa e aplicação de tecnologias críti-

cas.

- Popularização da ciência.

Ministério da Educação

9

- Universidades.

- Atrair talentos do exterior.

Ministério de Recursos

Humanos

4

- Aumentar a formação em ci-ências.

- Encorajar o retorno de chine-ses no exterior.

Fonte: Serger & Breidne (2007)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

150

ii. Desenvolvimentos recentes

Conforme apresentado no tópico anterior, a política industrial e de ino-

vação chinesa está sob a égide do Plano de 15 anos para a Ciência e a Tecnologia

lançado em 2006. Trata-se de um plano de longo prazo e de grande abrangên-

cia que visa diminuir a dependência tecnológica da China em relação ao exte-

rior. No âmbito do plano de 15 anos, está o desenvolvimento de tecnologias de

fronteira que permitirão à China superar os gargalos de produtividade que sua

indústria enfrenta. Nesse sentido: um novo regime de isenção fiscal para esti-

mular a P&D foi implementado em 2010 (OECD, 2012); registravam-se 105 zo-

nas de alta intensidade tecnológica no país em 2012 (OECD, 2014b); o governo

chinês anunciou a criação um fundo estatal de capital de risco em 2015, com

aporte de ¥ 40 bi (REUTERS, 2015).

De modo a ampliar o fomento a um sistema produtivo baseado em tec-

nologia e inovação e dar conta dos desafios colocados à sua indústria, o go-

verno Chinês lançou em março de 2015 o plano “Manufatura 2025”. Ele é ba-

seado no plano alemão “Indústria 4.0”, e, em termos gerais, busca o salto tec-

nológico da economia chinesa com base na manufatura avançada. Apresenta

um esforço conjunto de criação de novas indústrias e elevação do nível tecno-

lógico de alguns setores. É um esforço de investimento em áreas consideradas

como de futuro, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do potencial de

mercado.

O plano “Manufatura 2025” foi desenvolvido durante dois anos, em um

processo que envolveu 150 especialistas da Academia Chinesa de Engenharia.

Trata-se um plano detalhado e que conta com apoio dos altos escalões do go-

verno chinês. Visando a mudança estrutural da economia, o plano anuncia 10

setores estratégicos20:

20 Informações retiradas e selecionadas do site oficial do plano: http://www.gov.cn/zhen-

gce/content/2015-05/19/content_9784.htm

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

151

1. Nova geração de indústrias de tecnologia da informação: dominar a

“envelopagem de alta densidade” (high density packaging) e tecnolo-

gia tridimensional de micro-montagem (3D); dominar a nova infor-

mática, internet de alta velocidade, armazenamento avançado, segu-

rança e outras tecnologias baseadas em sistemas; avanço global na

tecnologia de quinta geração de comunicação móvel (5G); pesquisa e

desenvolvimento de servidores high-end, de armazenamento em

massa; desenvolvimento de sistemas operacionais seguros e outras

áreas industriais de software de infraestrutura; promover o desen-

volvimento do sistema de software industrial independente e aplica-

ções industriais

2. Comando numérico computadorizado: desenvolver máquinas CNC de

alta sofisticação, alta velocidade, alta eficiência e flexíveis; estabele-

cer capacidade para atuar na fronteira do desenvolvimento destas

máquinas; relacionar este desenvolvimento ao redor das indústrias

automotivas, eletrônicos, química e de saúde; desenvolvimento da

robótica;

3. Equipamentos no setor aeroespacial: desenvolvimento de uma indús-

tria de aviação independente; acelerar a infraestrutura nacional es-

pacial civil, o desenvolvimento do novo satélite e outras plataformas

espaciais e cargas úteis, a formação de satélite sustentáveis e está-

veis de longo prazo de sensoriamento remoto, comunicações, nave-

gação e outra capacidade de atendimento informação espacial;

4. Engenharia Naval e navios high-tech: desenvolver exploração em

águas profundas, equipamentos de apoio off-shore; design e constru-

ção de navios de última geração para melhorar os vasos de gás lique-

feito; dominar tecnologias de equipamento integrado;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

152

5. Equipamentos avançados de transporte ferroviário: acelerar o domí-

nio de novos materiais, novas tecnologias, em áreas como sistemas

de segurança, proteção ambiental e intelligent digital network

technology; desenvolver uma nova geração de trens de alta veloci-

dade;

6. Veículos com novas formas de energia: continuar o investimento no

carro elétrico buscando desenvolver formas de poupar energia e in-

vestimento na criação de novas formas de energia;

7. Equipamentos de energia: ações voltadas à geração de energia limpa

e renovável;

8. Equipamentos e máquinas rurais: desenvolvimento de máquinas e

equipamentos para a digitalização da produção para melhorar a co-

leta de informações e tomada de decisão;

9. Novos materiais: desenvolvimento de materiais de alto desempenho,

polímeros funcionais, materiais inorgânicos, nano-materiais, gra-

feno;

10. Desenvolvimento biomédicos e de dispositivos de alta performance:

desenvolvimento de novas drogas químicas, anticorpos, novas vaci-

nas, química clínica e busca por inovações em novas drogas para

principais doenças; inovação em equipamentos médicos, com foco

no desenvolvimento de equipamentos de imagem, robôs médicos e

impressão 3D.

Pode-se observar que nas áreas selecionadas pelo plano entram interes-

ses militares, econômicos e de saúde. Não se trata, no entanto, de uma desco-

ordenação, mas sim de integração das necessidades prementes do conjunto do

país em missões e objetivos claros. Se tomarmos o plano chinês como uma po-

lítica industrial, estará ela em consonância com o que de mais moderno se pra-

tica nesta área: elaboração de grandes problemas e junção de diversos atores

para buscar soluções. É interessante notar que em todas as dez áreas estraté-

gicas o intuito básico é consolidar ou criar competências para o domínio das

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

153

tecnologias de ponta de cada setor. O eixo central do plano é a inovação e o

programa aponta para um sistema de fomento à CT&I orientado por regras de

mercado.

Neste sentido, 2015 foi particularmente importante para as estratégias

chinesas, que reafirmaram a inovação tecnológica como instrumento central

para a transição de sua economia para sistemas industriais verdes, limpos e

baseado no empreendedorismo. As novas medidas já provocaram impacto nas

cerca de 40 agências de fomento e mais de 100 diferentes fundos que traba-

lham de forma descentralizada no apoio à inovação, em diferentes níveis de

governo.

O novo Plano de Desenvolvimento Científico, aprovado em setembro de

2015 pelo governo chinês, reforçou a necessidade do aprofundamento da coo-

peração Universidade-Empresa e de incentivo à desestatização de institutos

públicos. Todos os instrumentos que compõem a reforma do sistema de su-

porte à CT&I, prevista para terminar em 2020, se orientam para que a inicia-

tiva privada assuma posição de destaque e que os mecanismos de avaliação e

investimento atendam às prerrogativas de mercado. Uma das medidas da re-

forma torna obrigatória a manutenção da vaga dos pesquisadores públicos por

3 anos, que saíram de licença para abrir uma empresa. Outra mudança de qua-

lidade é que institui entre os indicadores de avaliação dos pesquisadores, além

das publicações em revistas científicas, sua participação direta nos processos

de inovação nas empresas.

A China criou também um conselho conjunto integrado pelo Ministério

das Finanças e pela Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma (NDRC,

órgão chave para a definição de estratégias), coordenado pelo ministério da

Ciência e Tecnologia, responsável pela elaboração de políticas públicas e alo-

cação de recursos. O orçamento do Conselho está estimado em US$ 15 bilhões

para o ano de 2016. Dentre as mudanças trazidas pela reforma do sistema de

CT&I, está incluída a criação de um mecanismo de avaliação, ajuste e conclu-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

154

são de projetos. Mais ainda, foi criada uma instância de gerenciamento de in-

formações, cujo objetivo é garantir a competitividade dos programas apoiados

pelo governo central.

Cinco foram os canais prioritários determinados para a alocação e fluxo

de recursos: a Fundação Nacional de Ciências Naturais, o Plano Nacional de

Setores-Chave, o Fundo de Orientação para a inovação Tecnológica e o Fundo

para os Principais Projetos Nacionais de CT&I.

A reforma do sistema de CT&I está inscrita no quadro geral de mudança

na economia chinesa, orientada para a construção de uma “sociedade mode-

radamente desenvolvida”. Para isso, a inovação foi definida como peça essen-

cial.

4.3. Alemanha

Líder de inovação na Europa, a Alemanha vem intensificando os seus

gastos em P&D, os quais correspondiam a 2,39% do PIB em 2000 e, em 2014,

atingiram 2,84%. A força das suas exportações em setores de alta tecnologia —

representando 9,2% desse comércio em 2012 (ver tabela 6) — e a sua participa-

ção no número de famílias de patentes da tríade (10,4% no mesmo ano) apon-

tam o sucesso da Alemanha em manter a sua competitividade (LOCKE &

WELLHAUSEN, 2014; PISANO & SHIH, 2012). Ainda observando os indicadores

básicos, a baixa proporção de financiamento público dos gastos empresariais

em P&D (3,36% em 2014) não deve esconder a forte ligação das empresas ale-

mãs com as redes de institutos de pesquisa ou a variedade de instrumentos de

apoio à inovação articulados pelo setor público.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

155

Tabela 6. Alemanha: indicadores básicos sobre ciência, tecnologia e inovação

Indicador Unidade 2007 2012 2014

Gastos nacionais brutos em P&D em

razão do PIB % 2,45 2,87 2,84

Gastos empresariais em P&D em ra-

zão do PIB % 1,71 1,95 1,93

Financiamento público dos gastos

empresariais em P&D (não inclui in-

centivos fiscais)

% 4,5 4,35 3,36

Pesquisadores em razão da força de

trabalho

n. de pesquisado-

res por mil traba-

lhadores

6,99 8,53 8,57

Participação nas famílias de paten-

tes da tríade* % 10,96 10,40 n.d.

Participação nas exportações mun-

diais em setores de alta tecnologia

(classif. OCDE)

% 8,7 9,2 n.d.

Recebimentos relativos a tecnolo-

gia** na balança nacional de paga-

mentos

US$ milhões

(correntes) 40.988,8 70.917,9 71.436,6

Pagamentos relativos a tecnologia**

na balança nacional de pagamentos

US$ milhões

(correntes) 37.318,1 55.606,2 54.364,2

Fonte: OECD (2016b) e World Bank (2016)

* Conjunto de patentes que protegem uma única invenção depositadas nos escritórios nacio-

nais dos EUA (USPTO), do Japão (JPO) e no escritório europeu (EPO) (OECD, 2016b).

** Transferência internacional de tecnologia (patentes, licenças e abertura de know-how);

transferência de design, marcas e modelos, além de serviços técnicos (OECD, 2016b).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

156

4.3.1. Aspectos de governança

Na dimensão federal, a apropriação orçamentária para P&D na Alema-

nha é concentrada majoritariamente no Ministério da Educação e da Pesquisa

(ver gráf. 9). Ao se observar os destinatários finais dos recursos, entretanto,

pode-se perceber algumas características importantes da política de inovação

alemã (ver tabela 8). Em primeiro lugar, trata-se de uma estrutura com viés

fortemente regional: o conjunto de 16 estados (Länder) receberam mais recur-

sos do que as próprias instituições do Governo Federal (12,9% contra 8,1% em

2012). Porém, o grupo que teve a maior alocação recursos corresponde às or-

ganizações sem fins lucrativos (53,3%), da qual fazem parte quatro principais

redes de centros de pesquisa: Max Planck Society, com 82 centros, Helmholtz

Association (18), Fraunhofer-Gesellschaft (66) e Leibniz Association (89)

(BMBF, 2014a). Esse caráter descentralizado, porém, não exclui uma articula-

ção pelo governo central para escolha de prioridades. Um direcionamento que

estava formalizado pela Estratégia “High Tech”, lançada em 2006 e renovada

em 2014, que engloba importantes iniciativas como a “Industrie 4.0”, como

será comentado a seguir.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

157

Tabela 7. Alemanha: distribuição do gasto público em P&D por destinatário (2012)

Destinatário Dotação (€ milhões correntes)

Participação

1. Governo 2.825,6 21,0%

1.1 Governo Federal 1.087,9 8,1%

1.11 Instituições de pesquisa federais 995,2 7,4%

1.1.2 Outras instituições federais 92,8 0,7%

1.2 Estados (Länder) e comunidades 1.737,7 12,9%

1.2.1 Instituições estaduais 121,1 0,9%

1.2.2 Universidades e hospitais universitários 1.542,2 11,4%

12.3 Outras instituições estaduais 38,0 0,3%

1.2.4 Comunidades, autoridades locais e outras associações 36,4 0,3%

2. Organizações privadas sem fins lucrativos 7.180,0 53,3%

2.1 Organizações de apoio à pesquisa 3.524,2 26,2%

2.2 Associação Helmholtz de Centros de Pesquisa Alemães (HGF)

2.624,7 19,5%

2.3 Outras organizações sem fins lucrativos 1031 7,7%

3. Setor Privado 2.271,7 16,9%

4. Organizações no exterior 1.196,8 8,9%

5. Recipientes híbridos 0,8 0,01%

Total 13.474,9 100,0%

Fonte: BMBF (2014a)

Gráfico 9. Orçamento federal da Alemanha para P&D: distribuição por ministério - Ano fiscal de 2014 - Valores propostos (Total: 14,2 bi)

Fonte: BMBF (2014a)

14,8%

5,6%

20,4%

59,2%

Outros Ministérios

Ministério da Defesa

Ministério da Economia e da Tecnologia

Ministério da Educação e da Pesquisa

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

158

4.3.2. Desenvolvimentos recentes

A nova Estratégia “High-Tech” atualizou e aprofundou a política ante-

rior, estabelecendo primeiramente dez projetos para o futuro (quadro 8). A

partir desses projetos, que imprimem uma abordagem orientada à missão, são

constituídas ações transversais em educação, pesquisa e de apoio às atividades

inovadoras nas empresas (BMBF, 2014a; 2014b). Destacam-se alguns pontos de

implementação dessas ações:

- Os temas escolhidos para os projetos apoiam a escolha de tecnologias

chave, as quais são objetos de programas específicos. Exemplos são os

programas para tecnologias de informação (“ICT 2020 – Research for In-

novation”), nanotecnologia (“Nanotechnology in Construction – Nano-

Tecture”, “NanoChance”) e fotônica (“Photonics Research Germany”)

(BMBF, 2014a).

- Ênfase é dada ao apoio às PMEs, que passaram a contar com uma grande

diversidade de instrumentos, os quais incluem: o apoio direto a projetos

de inovação (“ZIM - Central Innovation Programme for SMEs” e “KMU-

innovativ: Priority for Cutting-Edge Research in SMEs”), vouchers para

consultorias sobre gestão da inovação, fundo de capital de risco (“High-

Tech Grunderfonds”) e apoio direto a investidores anjo (“INVEST – In-

vestment Grant for Business Angels”) (OECD, 2014b; BMBF, 2014a).

- São incentivados arranjos colaborativos, sendo usado como um dos ins-

trumentos a competição entre clusters de empresas, centros de pesquisa

e universidades (“The Leading Edge Cluster Competition”) (BMBF,

2014a).

- A encomenda pública é citada como um instrumento que deve ter seu

uso expandido no governo federal e nos estados. É planejada a expansão

do “Competence Centre for Innovative Procurement” (KOINNO), centro

de expertise comentado na seção 3 (BMBF, 2014b).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

159

Quadro 8. Alemanha – Estratégia “High-Tech”: Projetos para o Futuro

1. Cidades neutras em carbono, eficientes em energia e adaptadas ao clima.

2. Biomateriais renováveis como alternativa ao petróleo.

3. Reestrutura inteligente da oferta de energia.

4. Tratamento de doenças mais eficiente com a medicina de precisão.

5. Saúde melhor por meio de prevenção dirigida e dieta otimizada.

6. Ter uma boa vida independente na velhice.

7. Mobilidade sustentável.

8. Serviços para negócios baseados na WEB.

9. Indústria 4.0

10. Identidade segura (privacidade digital)

Fonte: BMBF (2014b)

Importante ênfase tem sido dada à política alemã para a manufatura

avançada, como se observa pelo programa “Industrie 4.0”. Para os objetivos de

comparação sobre políticas industriais, esse programa serve de referência in-

ternacional tanto pelo tema como pela sua capacidade de articulação de atores

e de governança pública.

O objetivo do programa é manter a liderança mundial da Alemanha na

produção de bens de capital, máquinas e equipamentos, visando tornar o país

líder no fornecimento de tecnologias relacionadas a manufatura avançada.

A estratégia alemã para a manufatura avançada parte da concepção de

que a implementação dessa diretriz industrial irá envolver um processo evo-

lutivo que vai avançar em velocidades diferentes nas diversas empresas e se-

tores industriais presentes no país. Para a formulação de sua estratégia naci-

onal, foi realizado um survey com 278 empresas. Resultados mostram que 47%

das empresas alemãs já estavam de alguma forma engajadas com a Indústria

4.0, sendo que 18% disseram estar envolvidas em projetos de P&D relacionados

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

160

ao tema e 12% que já tinham soluções de indústria 4.0 sendo postas em prática

em 2013. Para as empresas alemãs, os grandes desafios para a implantação de

uma estratégia nacional para a Indústria 4.0 se relacionavam com: padrões e

normatizações, organização do trabalho e questões trabalhistas, e viabilidade

dos produtos. Para enfrentar os desafios identificados por suas empresas, o

governo alemão desenvolveu a “Plataforma 4.0” que visa explorar os poten-

ciais que as novas tecnologias trarão à economia do país.

Existe uma dupla expectativa no governo alemão por trás da Plataforma

4.0. Por um lado, a implantação dos sistemas “cyber-físicos” (CPS) na Alema-

nha irá fortalecer sua indústria manufatureira, tornando-a mais produtiva e

competitiva. Para aproveitar as oportunidades da indústria 4.0 e se tornar lí-

der global em produtos manufaturados, a estratégia alemã considera como

necessária a integração entre diferentes atores que operam em toda a cadeia

de valor. Sobretudo, garantir a integração das empresas nas novas cadeias glo-

bais de valor que emergirão neste novo contexto da indústria, tanto as que já

operam globalmente como as médias e pequenas empresas que operam em re-

gionalmente no país. Para ser capaz de garantir a integração de médias e pe-

quenas empresas nas novas cadeias globais de valor, a estratégia alemã consi-

dera o design e a implantação de uma abrangente iniciativa de transferência

de tecnologia entre as grandes empresas desenvolvedoras de tecnologia e elas.

Por outro lado, o próprio desenvolvimento dos CPS possibilitará oportu-

nidades significativas para a produção e a exportação de novos produtos tec-

nológicos relacionados à manufatura 4.0. A estratégia alemã para se tornar o

principal fornecedor de equipamentos para a indústria 4.0 busca aproveitar

sua posição de liderança consolidada no setor de bens de capital para impulsi-

ona-la na produção e na exportação da indústria 4.0. Para isso, busca desen-

volver ações no sentido de:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

161

- Adaptar as tecnologias básicas de TIC existentes para os requerimen-

tos específicos da manufatura 4.0, e continuar o desenvolvimento

destas tecnologias com esta aplicação particular em mente.

- Possibilitar a Alemanha alcançar sua meta de se manter na liderança

como fornecedora de equipamentos para a Indústria 4.0. Dessa

forma, P&D e iniciativas de treinamento devem ser promovidos como

uma questão de prioridade com vistas ao desenvolvimento de meto-

dologias e aplicações-piloto no campo da modelagem de engenharia

de automação e otimização de sistemas.

- Usar a tecnologia para criar novas cadeias de valor. Isso vai envolver

o desenvolvimento de novos modelos de negócios, particularmente

aqueles que apontam produtos e serviços associados.

De fato, existe na Alemanha um verdadeiro “pacote” de políticas indus-

triais complementares e relacionadas à manufatura avançada, os quais in-

cluem políticas relacionadas à estratégia “High-Tech”, como a “Agenda CPS”,

ICT 2020, projeto CYPROS e RES-COM. Todas estas políticas, relacionadas a di-

ferentes órgãos do governo alemão estão coordenadas pela estratégia alemã

chamada “Industrie 4.0”.

Para o governo alemão, a estratégia dual da plataforma 4.0 para tornar

o país líder em manufatura avançada e no fornecimento de soluções tecnoló-

gicas, somente terá sucesso caso as ações forem coordenadas de forma que os

potenciais benefícios complementares a cada estratégia sejam mutuamente

explorados. Dessa forma, a política alemã para a transição é além de evolucio-

nária, sistêmica. Para a indústria manufatureira do país se tornar líder medi-

ante a incorporação de tecnologias relacionadas à manufatura 4.0, torna-se

necessária a coordenação com as ações relativas à P&D para soluções tecnoló-

gicas para a indústria. Da mesma forma, para o desenvolvimento de uma in-

dústria para o fornecimento de tecnologias referentes a indústria 4.0, torna-

se necessária a coordenação com os processos de difusão e capacitação da in-

dústria usuária destas tecnologias. A política da plataforma 4.0 destaca três

fatores críticos para o sucesso da estratégia dual:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

162

- Desenvolvimento de uma cadeia de valor interempresas e redes atra-

vés da integração horizontal;

- Projeto e engenharia “end-to-end” em toda a cadeia de valor do pro-

duto e do sistema produtivo associado;

- Desenvolvimento, implementação e integração vertical de novos sis-

temas de manufatura flexíveis e reconfiguráveis aos negócios.

O desenvolvimento das tecnologias relacionadas à indústria 4.0 é uma

iniciativa complexa com diversas áreas de pesquisa sobrepostas. Para lidar

com tal desafio, foi estabelecido um grupo de trabalho para o desenvolvimento

da plataforma 4.0, que em outubro de 2012 entregou um documento com re-

comendações para pesquisas relacionadas ao desenvolvimento de tais tecno-

logias. Com base nestas recomendações foram elencadas as seguintes áreas de

atuação prioritárias:

- Arquitetura de referência e padronização na programação para au-

tomação industrial;

- Segurança dos sistemas em rede;

- Ambiente regulatório;

- Gestão de sistemas complexos;

- Design organizacional e do trabalho;

- Eficiência no uso de recursos;

- Infraestrutura de banda larga;

- Treinamento e aprendizado contínuo.

A base da governança da plataforma é uma comunidade de especialistas

que trabalha em grupos temáticos, como regulação, padronização de arquite-

tura, etc. Para ajudar na organização desses grupos de trabalho, há uma secre-

taria formada por membros da BITKON (Associação Digital Alemã), VDMA (As-

sociação Alemã de Máquinas e Instalações) e a ZVEI (Associação Alemã de Fa-

bricantes de Equipamentos Elétricos e Eletrônicos). Há um comitê diretivo for-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

163

mado por membros das empresas, representantes de 3 associações profissio-

nais, o representante do comitê de assessoria científica do governo alemão e

os líderes dos grupos de trabalho. Este comitê cuida da plataforma 4.0 e geren-

cia os grupos de trabalho. A mesa diretora trata-se dos diretores das empresas

que fazem parte do comitê diretivo. Por fim, há um comitê de assessoria cien-

tífica formados pelos pesquisadores líderes em áreas chave para a indústria

4.0.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

164

Considerações finais

A partir do levantamento de experiências internacionais voltadas ao de-

senvolvimento industrial com base essencialmente em programas e ações

com foco em tecnologia e inovação, este capítulo buscou mostrar que existe

um movimento de renovação de políticas industriais no mundo. Há diferentes

mecanismos, instrumentos e instituições com foco em tecnologia e inovação

marcados por um viés multidisciplinar e pela articulação entre empresas, aca-

demia e governos.

Países como EUA, Alemanha e China, que já apresentam indicadores em

CT&I em níveis elevados, como apresentados ao longo da seção 4, têm plane-

jado e implementado ações para fortalecer ainda mais seus sistemas de CT&I e

sua articulação com o desenvolvimento industrial. A situação brasileira, como

pode ser vista pelos indicadores básicos sobre ciência, tecnologia e inovação

na Tabela 8 a seguir, explicita ainda mais a necessidade de o país avançar no

fomento a desenvolvimento tecnológico e inovação de forma articulada ao

fortalecimento da indústria de maior intensidade tecnológica. Os gastos em

P&D em proporção do PIB, por exemplo, estão 1,24% no Brasil, enquanto che-

gam a 2,84% na Alemanha, 2,7% nos EUA e 2,05% na China, como apresentado

nas tabelas 4, 5 e 6 anteriormente. Outra evidência preocupante é a distância

do Brasil em relação ao mundo no que se refere a exportações de produtos com

alta intensidade tecnológica, medida pela participação nas exportações indus-

triais, como mostra o Gráfico 10.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

165

Tabela 8. Brasil: indicadores básicos sobre ciência, tecnologia e inovação

Indicador Unidade 2007 2012 2013

Gastos em P&D em razão do PIB % 1,08 1,15 1,24

Gastos públicos em P&D em razão do PIB % 0,56 0,63 0,71

Gastos empresariais em P&D em razão

do PIB % 0,52 0,52 0,52

Pesquisadores em P&D em razão da

força de trabalho

n. de pesquisadores por

um milhão de trabalha-

dores

603 n.d n.d

Total de patentes triádicas de inventores

residentes no Brasil 69,1 76,8 n.d

Participação nas exportações mundiais

em setores de alta tecnologia (classif.

OCDE)

% 12,0 10,0 10,0

Fonte: MINISTÉRIO DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÂO (2016); World Bank (2016).

Gráfico 10: Exportações de produtos com alta intensidade tecnológica (% de partici-

pação nas exportações industriais)

Fonte: Banco Mundial, 2016. Obs.: Produtos em setores como aeroespacial, tecnologia da

informação (hardware), farmacêutica, instrumentos científicos (ótico, médico-hospita-

lar) e equipamentos elétricos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

166

Apesar da lenta recuperação dos EUA, a desaceleração da economia

mundial tem levado vários governos a compensar a queda do investimento

privado com mais apoio público à inovação. Esse processo é percebido não só

pelo aumento da P&D empresarial apoiada com recursos públicos em diversos

países, mas principalmente pela diversificação do tipo de instrumentos de

inovação utilizados. Uma tendência predominante nesse processo é a aproxi-

mação desses instrumentos aos agentes privados e aos sinais do mercado em

oposição à confiança isolada nos tradicionais mecanismos de oferta e pes-

quisa. Exemplos vistos neste relatório são a montagem de hubs com setor pri-

vado voltados à transferência tecnológica (com forte peso das iniciativas em

manufatura avançada), a relevância maior alcançada pela encomenda pública

e ainda os diversos tipos de apoio ao empreendedorismo e a seus ecossistemas,

como fundos de equity, programa de aceleração de empresas, vouchers de ino-

vação e regulação de plataformas de crowdfunding.

Os perfis sintéticos de EUA, China e Alemanha demonstram como estes

países estão se prontificando a este novo cenário (o Quadro 9 apresenta um

resumo comparativo). Apesar de suas grandes diferenças, todos eles apresen-

tam programas com missões claras e objetivas, com seleção de desafios tecno-

lógicos a serem superados, com instrumentos e instituições voltados à coorde-

nação dos diversos atores públicos e privados envolvidos no processo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

167

Quadro 9: Resumo – Tendências recentes, novos instrumentos e instituições de apoio à inovação tecnológica e boas práticas e aspectos de governança

Países Tendências recentes Programas e instru-mentos de apoio à ino-

vação

Boas práticas e aspec-tos de governança

EUA Reindustrialização em direção à manufatura

avançada.

Maximizar uso da capa-cidade instalada em ci-

ência e tecnologia.

Preocupação crescente do governo também

com especialização no design dos produtos

National Network for Manufacturing Innova-tion (com institutos re-

gionais temáticos - hubs para academia, empre-

sas, agências).

Advanced Manufactu-ring Partnership (inves-

timentos em tecnolo-gias emergentes para

criar empregos qualifi-cados e aumentar a

competitividade da in-dústria americana)

Coordenação descen-tralizada pelas secreta-rias de Estado (Depar-taments), com capaci-dade própria de finan-ciamento e elaboração

de problemas.

Demandas tecnológi-cas setoriais das secre-

tarias de Estado

Alemanha Consolidar a liderança em manufatura avan-

çada.

Manter poderio indus-trial e aumentar a in-

fluência alemã nas ca-deias globais de valor.

Programa Indústria 4.0

Estratégia High Tech

Uso de encomendas pú-blicas pelo governo fe-deral e pelos estados.

Padrão regional de fi-nanciamento à pes-

quisa.

Investimento em orga-nizações privadas de

pesquisa.

Programas de apoio a P&D em PMEs.

China Transformação de uma economia baseada na

intensidade de trabalho para uma economia

marcada pela intensi-dade tecnológica.

Esforço em capacitação tecnológica para evitar cair no “middle income

trap”.

Plano de Desenvolvi-mento Científico (mais parceria entre centros de pesquisa e empre-

sas).

Aumento nos gastos em P&D.

Dominar tecnologias críticas.

Integração de indús-tria, academia e go-

verno em torno de ne-cessidades militares,

econômicas e de saúde pública.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

168

As experiências mostram que a ênfase deve ser dada à construção de

instituições modernas, articuladas em redes e com grande sinergia entre ato-

res públicos e privados; instituições que operam os instrumentos destas polí-

ticas e, em geral, que são capazes de conciliar o uso dos recursos públicos com

a presteza e flexibilidade da iniciativa privada, tão necessários a qualquer pro-

cesso de inovação.

A evolução observada nessas políticas não denota que a solução esteja

em apenas determinados tipos de intervenções, ao contrário: emerge com cla-

reza a necessidade de se coordenar uma combinação de instrumentos, a qual

possa refletir diversos processos e atores da dinâmica de inovação. Contudo,

as formas atuais de governança (e também de avaliação das políticas) no Brasil

ainda se limitam a trabalhar com os instrumentos de política de forma iso-

lada, sem incorporar métodos para lidar com uma diversidade de mecanismos

e com a necessidade tornar o sistema de inovação mais complexo.

O cenário apresentado aos formuladores e executores de políticas públi-

cas é acentuadamente desafiador, seja pelo nível de competição alcançado pe-

las empresas asiáticas, seja pelo inter-relacionamento crescente das cadeias

produtivas e das redes de inovação, ou ainda pela mudança rápida de tecnolo-

gias e modelos de negócios, impulsionada por indústrias nascentes que ten-

dem a gerar impacto profundo no mundo industrial. Sabe-se que diversas

questões sociais e econômicas dependem de respostas do setor industrial, tais

como a oferta limpa de energia, a produção de insumos de saúde para uma

população mais envelhecida e a inserção competitiva no comércio interacio-

nal. Embora a busca por essas soluções tenda a estar sempre aberta, países

como Alemanha, China, e Estados Unidos contam hoje uma combinação diver-

sificada de instrumentos para lidar com esses problemas. O Brasil precisa pa-

vimentar seu caminho.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 182

03 /AVALIAÇÃO DO ARCABOUÇO JURÍDICO DE INOVAÇÃO

INTRODUÇÃO

Um dos objetivos do capítulo foi fornecer subsídios para a compreensão

e o aperfeiçoamento do arcabouço jurídico associado à inovação, com vistas a

identificar e mitigar eventuais incertezas normativas, e, por conseguinte, pro-

mover ambiente favorável aos investimentos em inovação no Brasil.

Para tanto, foi realizada uma avaliação da utilização do ordenamento

jurídico da inovação por meio de pesquisa empírica, de caráter qualitativo,

com trabalho de campo sistemático por meio da realização de entrevistas em

profundidade com atores-chave dentro do sistema brasileiro de inovação, tais

como representantes de empresas, Instituições Científica, Tecnológica e de

Inovação (ICTs) e gestores públicos.

Os resultados dessa avaliação, bem como sua contextualização e defini-

ções metodológicas são os temas abordados neste capítulo. A partir da aplica-

ção de roteiro semiestruturado previamente elaborado, o foco destas entrevis-

tas foi identificar as principais fragilidades, ambiguidades, carências, ausên-

cias e obstáculos dentro do arcabouço jurídico que trata de inovação, os quais

são fonte permanente de incerteza jurídica e consequentes constrangimentos

aos processos de inovação no país. Nesse sentido, o relatório a seguir traz o

registro e a sistematização de demandas e problemas identificados por uma

amostra de usuários do sistema de inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

183

Registre-se que esse trabalho foi finalizado em junho de 2016 não cap-

turando modificações legais posteriores, em especial aquelas relacionadas ao

marco legal da inovação.

O relatório aqui apresentado desenvolve análise com base na utilização

do aparato regulatório para inovação no Brasil nos últimos 10 anos. Mais espe-

cificamente, faz levantamento de problemas e eventuais ausências no marco

regulatório – demandas, de maneira geral –, que, se dirimidas, na percepção

dos usuários da legislação associada à inovação, podem estimular a inovação

nas empresas. O estudo apurou com os usuários da legislação pertinente de-

mandas relativas a empecilhos ou insuficiências legais que impactam negati-

vamente ou inibem atividades de inovação. Nesse sentido, o conteúdo apre-

sentado é uma análise descritiva e exploratória das problemáticas enfrenta-

das por atores que lidam no dia a dia com o marco regulatório associado à ino-

vação.

É importante destacar que o escopo inicial do projeto de pesquisa previa

inicialmente apenas a avaliação da utilização da “Lei de Inovação” (Lei nº 10.

973, de 02 de dezembro de 2004). Entretanto, dada notável a fragmentação da

legislação aplicável à ciência, tecnologia e inovação, a qual se apresenta de ma-

neira esparsa no ordenamento jurídico, a pesquisa não se resumiu apenas aos

aspectos presentes na referida lei. Buscou-se, na verdade, abordar de maneira

transversal o ordenamento, a partir do estabelecimento de recorte analítico,

priorizando grandes temas.

Nesse sentido, o estudo partiu de recorte analítico com foco em três

grandes temas de interesse, escolhidos com base na experiência com a de-

manda real manifesta em documentos, artigos científicos e debates públicos.

Esses temas foram denominados como fluxos: (i) de Compras Públicas; (ii) de

Conhecimento, envolvendo a transação de recursos humanos e materiais des-

tinados à pesquisa e desenvolvimento; e (iii) de Financiamento, no que se re-

fere, por exemplo, a origem de recursos destinados aos instrumentos de apoio

à pesquisa e inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

184

Em relação a compras, a análise se concentrou no levantamento da per-

cepção dos usuários em relação a possíveis gargalos, obstáculos e dificuldades

legais no âmbito dos processos de compras da administração pública e as cha-

madas encomendas tecnológicas.

Dentro do tema fluxos de conhecimento, a análise buscou coletar e afe-

rir, a partir de relatos do dia a dia dos usuários, fatores que limitam a capaci-

dade de transação de recursos humanos e materiais e que constranjam possi-

bilidades de ampliação e diversificação de parcerias, inclusive internacionais,

resultando em desestímulos claros às práticas de inovação.

Por fim, em financiamento, o recorte analítico privilegiou os potenciais

obstáculos ou ausências legais para concessão de recursos e aprimoramento a

instrumentos de apoio à pesquisa e inovação.

Além dos recortes analíticos adotados, seguindo os temas apontados an-

teriormente, algumas agendas e demandas não inscritas nessas temáticas fo-

ram observadas no trabalho de campo e incorporadas na análise dos resulta-

dos.

Nas páginas a seguir serão apresentadas, de maneira pormenorizada, a me-

todologia adotada para coleta das demandas dos usuários (seção 2) e, em se-

guida, a análise dos resultados encontrados com a pesquisa dentro de cada um

dos eixos temáticos privilegiados para a análise (seção), por fim, o texto en-

cerra com as considerações finais a partir do diagnóstico realizado.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 185

1. Estruturação da Pesquisa Empírica

Nesta seção serão apresentados os procedimentos adotados para a estrutu-

ração da pesquisa. Inicialmente a descrição da metodologia adotada para a

execução da pesquisa, desde a definição dos atores a serem entrevistados até

a técnica e os instrumentos de coleta utilizados. Em seguida, será realizada

breve apresentação dos temas selecionados que orientaram a elaboração do

roteiro aplicado nas entrevistas e posterior análise dos resultados.

1.1. Metodologia adotada

Os resultados que serão apresentados a seguir partem fundamentalmente

de pesquisa de campo realizada com atores importantes do arcabouço legal

associado à inovação no país. Mas, além disso, incluem um processo de revisão

e análise sistemática e ordenada de documentos produzidos e publicados com

demandas e apontamentos sobre a legislação: manifestos públicos de entida-

des de representação, artigos acadêmicos, bem como informações coletadas

por meio da participação em eventos e seminários promovidos recentemente

sobre o tema21.

21 Entre os materiais consultados, encontram-se manifestos públicos, como: “A nova agenda da

MEI para ampliar a inovação empresarial”. MEI – Mobilização Empresaria pela Inova-ção/CNI,

2016 (no prelo); Carta Aberta Anpei: Suspensão da Lei do Bem (2015) - http://an-pei.org.br/

manifesto-anpei-lei-do-bem; Balanços feitos por acadêmicos, tais quais: De Negri, Fernanda.

Elementos para a Análise da Baixa Inovatividade Brasileira e o Papel das Políticas Públicas,

Revista USP, São Paulo, nº 93, pp. 93-96 (2012); Coutinho, D. e Mouallen, P. Gargalos Jurídicos

Institucionais à Inovação no Brasil (2015) http://inovarevista.com.br/por-tal/blog/

editor/direito-e-inovacao-no-brasil:-gargalos-juridico-institucionais. E ainda semi-nários

recentes: (i) “O Novo Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação” – Promovido pelo Instituto de

Estudos Avançados da USP, Polo Ribeirão Preto (IEA-RP), 15 de março de 2016.; (ii) “A Nova Lei de

Inovação: Expectativas, Perspectivas e Iniciativa” – FEA/USP, 04 de abril de 2016.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

186

Para a condução dos trabalhos de campo foi desenhado previamente o per-

fil dos entrevistados contatados (sample frame) levando em consideração seu

domínio e uso cotidiano do arcabouço jurídico associado à inovação.

Os perfis foram estipulados visando levantar subsídios que pudessem ser

traduzidos posteriormente no planejamento de mudanças no arcabouço jurí-

dico para o estímulo à inovação em empresas atreladas a agendas de futuro.

Nesse sentido, os entrevistados foram definidos a partir de sua posição insti-

tucional, sendo necessariamente representantes de ao menos uma das seguin-

tes situações: a) empresas com forte atuação em inovação, empresas que mais

inovam atualmente, como aquelas associadas à MEI – Mobilização Empresarial

pela Inovação; b) empresas que têm grande e crescente investimento em P&D;

c) entidades de representação da indústria; d) institutos e centros de ciência e

tecnologia com forte relacionamento com empresas; e e) gestores públicos e

operadores do arcabouço jurídico com forte experiência em seu uso.

A definição desses grandes grupos para seleção de entrevistados permitiu

a análise cruzada dos olhares dos diferentes atores que estão no dia a dia atu-

ando com a legislação: comunidade científica, empresarial e agentes governa-

mentais. Optou-se por privilegiar a realização das entrevistas com os tomado-

res de decisão, presidentes, diretores das instituições ou CEOs de grandes em-

presas, por exemplo, visando entender constrangimentos de nível “macro”

oriundos de potenciais problemas legais. Com o objetivo de referendar os re-

sultados observados a partir das falas desses entrevistados, foram realizadas

também entrevistas adicionais com advogados e juristas que operam a legis-

lação no dia a dia. O quadro a seguir apresenta a relação dos consultados:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

187

No total foram realizadas 22 entrevistas (6 representantes de empresas, 5

de associações de classe, 4 representantes de ICTs, 5 de instituições públicas e

2 juristas). Estipulou-se um mínimo de 3 em cada um dos grupos delimitados

acima: empresas, gestores e pesquisadores de institutos de C&T e gestores pú-

blicos, com exceção dos juristas (que foram entrevistas com objetivo de valida-

ção), viabilizando assim análise com a triangulação das falas coletadas.

(N=22) Total de EPs Setor Econômico ou Instituição

Empresas 6Empresas e indústrias representantes dos seguintes setores: energia, aéronautica, saúde, higiene, cosméticos, agroalimentar e das bioenergias

Associações/ Entidades Apoio

5

Anpei - Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras, Farmabrasil, CNI - Confederação Nacional da Indústria, Anjos do Brasil

Pesquisa e ICTs 4CNPEM - Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais , CNPq, CTC - Centro de Tecnologia Canavieira, USP - Universidade de São Paulo

Governo 5

INPI - Instituto Nacional de Propriedade Intelectual, Ipea - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, EMBRAPII - Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, MCTI - Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, MDIC - Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

Juristas 2Escritório de assessoria jurídica especializado (01 associado), e empresa de grande porte associada à MEI (01 jurísta da área corporativa)

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Os nomes dos entrevistados foram mantidos em sigilo visando respeitar

o princípio da confidencialidade dos respondentes, garantidos nos códigos

de ética em pesquisa22. As empresas e indústrias privadas de filiação dos

respon-dentes também não foram explicitadas (apenas seus setores de

atuação), como garantia aos entrevistados de não vinculação da informação

por eles provida sobre suas operações no dia a dia.

A despeito das limitações analíticas e de possibilidade de projeção dos

re-sultados que a não identificação dos respondentes pode impor, seu

sigilo foi compromisso firmado para viabilizar a escuta de pessoas com

posições cen-trais e estratégicas nas instituições entrevistadas. Explicitar o

nome das insti-tuições privadas, dada a centralidade dos entrevistados,

levaria a sua inevitá-vel identificação. Por outro lado, ganha-se com o acesso

a interlocutores privilegiados e com real poder de decisão e influência de

maneira geral.

Como resultado desse compromisso, as entrevistas acabaram por

deflagrar tanto ponto de vistas pessoais quanto institucionais, o que é

bastante positivo para não restrição de opiniões acerca de setores ou áreas

específicas. As entre-vistas foram realizadas a partir de roteiro

semiestruturado, composto por per-guntas abertas, elaborado considerando

os temas pré-definidos, mas também deixando espaço para manifestação de

problemas importantes em diferentes áreas, que poderiam não ser

previamente vislumbrados. As entrevistas dura-ram entre

aproximadamente 30 e 40 minutos, foram realizadas em grande maioria

presencialmente e, em alguns casos, foram realizadas por telefone por

questões de disponibilidade e preferência do entrevistado.

22 Código de conduta ICC/ Esomar. Artigo 7 – Proteção de dados e direito de privacidade, item

e – direitos do entrevistado: “de exigir que seus dados pessoais não sejam disponibilizados a

terceiros. ” (www.abep.org/Servicos/DownloadCodigoConduta.aspx?id=03)

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 188

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 189

1.2. Temáticas exploradas

A fim de conferir foco e objetividade à análise acerca da utilização da legis-

lação afeta à CT&I foram estabelecidos recortes analíticos que privilegiaram

os temas de maior relevância para agenda da 4ª geração de política industrial

que, resumidamente, prioriza a inovação e o aumento da produtividade como

fator preponderante de retomada do crescimento econômico.

Nesse sentido, as diretrizes da nova política industrial e de inovação pro-

postas buscaram responder aos gargalos institucionais identificados (a) na go-

vernança e coordenação do sistema de inovação, (b) na seletividade da política,

identificados nos critérios adotados para avaliação dos temas e projetos a se-

rem apoiados; (c) na atuação do Estado enquanto agente indutor de tecnologia,

por meio de um sistema de financiamento moderno (em termos de funding e

instrumentos de apoio); e (d) no apoio à internacionalização das empresas e

universidades.

Dentro deste contexto, como anunciado anteriormente, a pesquisa privile-

giou três grandes temas de interesse: (i) Fluxos de Compras Públicas; (ii) Fluxos

de Conhecimento, que envolvem a internacionalização de recursos humanos

e parcerias de empresas com ICTs; e (iii) Fluxos de Financiamento, que tratam

da origem e volume de recursos destinados aos instrumentos de apoio à pes-

quisa e inovação.

O enfoque dado se justifica na medida em que a atividade produtiva tecno-

lógica sofre forte mudança de perfil e intensidade. Esse processo diferenciado

envolve essencialmente três tipos de fluxos: da produção do conhecimento, do

capital financeiro investido em inovação e das mercadorias utilizadas no pro-

cesso de PD&I. Porém esses fluxos deixam de ser primordialmente nacionais

para serem internacionais. As políticas públicas de inovação procuram essen-

cialmente atuar sobre a dinâmica desses fluxos se utilizando de diversos ins-

trumentos legais, financeiros e de aquisições para buscar maiores benefícios

para o país e para a solução de diversos problemas econômicos e sociais.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

190

No caso do Brasil, a política de PD&I já dispõe de um espectro significativo

de instrumentos para contribuir com o aprimoramento operacional do sis-

tema nacional de inovação. Nos últimos 20 anos foi estruturado pouco a pouco

o marco regulatório que alterou substancialmente as possibilidades de evolu-

ção do sistema nacional de inovação.

No entanto, ainda existem diversas lacunas em cada uma das três dimen-

sões de fluxos, o que impõe a necessidade de identificar os problemas recor-

rentes, sua importância relativa no processo de inovação e como atuar elimi-

nando suas causas, e consequentemente os desequilíbrios provocados pelos

seus efeitos. A seguir, veremos em maior detalhe alguns exemplos dos conte-

údos que foram trabalhados em cada um desses temas.

1.2.1. Fluxos de Conhecimento

A ausência de um fluxo constante de ideias, pessoas e insumos prejudica o

dinamismo do sistema brasileiro de inovação. Nesse sentido, os fluxos de co-

nhecimento são compreendidos aqui como a capacidade de transação de re-

cursos humanos, inclusive internacionais, bem como produtos e insumos des-

tinados a projetos de pesquisa e desenvolvimento, resultando em estímulos à

inovação.

Quanto aos recursos humanos, é importante mencionar que este fluxo

ocorre tanto no âmbito interno, como por meio das relações ICT-Empresa,

quanto no externo, nas relações desenvolvidas por empresas e ICTs brasileiras

com instituições públicas e privadas internacionais.

A Lei de Inovação, a partir da redação dada pela Lei nº 13.243, de 2016, es-

tabeleceu novos critérios para o intercâmbio de pesquisadores, cientistas e

professores do setor público com as ICTs privadas e empresas, favorecendo os

fluxos de conhecimento nacionais.

Por outro lado, embora o país tenha feito significativos avanços nos últi-

mos anos no sentido de internacionalizar sua produção acadêmica, o Brasil

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

191

ainda se mostra um país avesso ao intercâmbio da sua atividade de P&D, seja

nas empresas ou mesmo nas universidades.

O programa Ciências sem Fronteiras, por sua vez, aumentou significativa-

mente o número de estudantes de graduação no exterior, porém não foi bem-

sucedido na atração de pesquisadores e cientistas estrangeiros capazes de nos

reposicionar na direção das fronteiras tecnológicas internacionais.

As dificuldades de aquisição e importação de bens, serviços e insumos ne-

cessários para atividades de pesquisa científica e tecnológica, ou mesmo o de-

senvolvimento de tecnologia ou inovação, constituem queixa frequente do se-

tor. Em resposta, a Lei nº 13.243, de 2016, estabeleceu novos critérios tanto

para tributação quanto para o procedimento de desembaraço.

Os pontos apresentados acima exemplificam dificuldades normalmente

observadas e debatidas sobre onde os usuários da legislação encontram difi-

culdades para contar com os recursos humanos e materiais nacionais e inter-

nacionais adequados e necessários à atividade de pesquisa e desenvolvimento.

Na seção 3 deste capítulo serão exploradas de maneira sistematizada, a partir

do material coletado nas entrevistas, as demandas e problemas enfrentados

pelos usuários da legislação no que diz respeito ao eixo fluxos de conheci-

mento.

1.2.2. Fluxos de Financiamento

Embora a legislação preveja os diversos instrumentos de apoio e financia-

mento às ICTs e empresas, não há qualquer previsão quanto à origem e susten-

tabilidade dos recursos públicos a serem empregados, o que fragiliza o plane-

jamento e gestão das políticas públicas voltadas à CT&I, em especial diante do

premente esgotamento do único fundo público voltado à atividade, o Fundo

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

192

Além disso, embora nos últimos anos os recursos disponibilizados pelo se-

tor público na esfera federal tenham sido ampliados, as reformas básicas para

garantir um novo patamar de sustentabilidade não foram concluídas.

O subsistema brasileiro de fomento à PD&I, pode-se afirmar, é dependente

essencialmente do Estado e dos recursos próprios das empresas, sendo margi-

nal, ou quase inexistente a participação do Sistema Financeiro Nacional e do

Mercado de Capitais. É importante, nesse sentido, a racionalização do uso dos

atuais recursos e fontes já instituídas e também a mobilização de novos atores

do sistema financeiro nacional em projetos na mesma direção.

É necessário, ainda, estruturar um padrão de financiamento minima-

mente estável, como já foi feito no campo do financiamento ao investimento

agroindustrial, por exemplo, definindo patamares de financiamento, investi-

mento, incentivos fiscais e subvenções econômicas capazes de alavancar não

somente contrapartidas do setor produtivo, mas iniciativas em que possam

assumir a liderança e condução do processo de inovação no País.

Por outro lado, temos assistido significativos avanços normativos quanto

aos instrumentos de financiamento previstos na Lei de Inovação, destacando-

se a possibilidade de sua integração (art. 20, §7º), a utilização da subvenção

para custear despesas de capital (art. 20, § 8º) e a titularidade da propriedade

intelectual em casos de participação minoritária do capital (art. 5º, § 1º).

Faz-se necessário, portanto, verificar se os usuários da legislação encon-

tram dificuldades para o financiamento de sua atividade ou projetos de P&D,

e em que medida estas desestimulam o investimento em tecnologia e inovação

no país, pontos que foram explorados nas entrevistas e serão apresentados na

seção seguinte deste documento.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

193

1.2.3. Fluxos de Compras

Conforme já exposto, o poder de compra do Estado constitui importante

ferramenta de indução do desenvolvimento científico e tecnológico. Dentre as

diretrizes recomendadas para a nova geração de política industrial e inovação,

destaca-se a adoção de uma política de compras públicas de P&D voltadas para

o atendimento a problemas concretos da sociedade (a chamada abordagem

mission oriented).

As compras públicas, portanto, devem estimular o desenvolvimento de tec-

nologia e inovação em matéria de interesse público, bem como fomentar e de-

senvolver a indústria nacional de base tecnológica por meio de incentivos e

preferências.

Como principal instrumento desta política, temos as encomendas tecnoló-

gicas, previstas no art. 20 da Lei de Inovação, cuja nova redação dada pela Lei

nº 13.243, de 2016, reformulou os critérios de seleção, acompanhamento e re-

muneração destes contratos. Além disso, salienta-se a importância da adoção

da política de margens de preferência, introduzidas nas licitações públicas por

meio da Lei nº 12.349, de 2010.

Nesse contexto, buscou-se identificar nas entrevistas se os usuários da le-

gislação encontram dificuldades tanto para contratar ou para ser contratado

pela Administração Pública para realizar atividades de pesquisa e desenvolvi-

mento, ou mesmo para utilizar as chamadas margens de preferências.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

194

2. Avanços e demandas na percepção dos usuários

Em seguida serão apresentados os principais avanços percebidos pelos

usuários em relação às revisões recém executadas na legislação que trata de

inovação e, posteriormente, as demandas mais importantes relatadas pelos

usuários relativas a possíveis gargalos, inseguranças jurídicas ainda presen-

tes e, em alguns casos, que tratam de ausências ou insuficiências de regula-

mentações ou normas específicas que ajudem no estímulo às práticas de ino-

vação.

Dada a posição dos atores entrevistados e a fim de garantir o sigilo de

suas respostas, primando pelos princípios de idoneidade de pesquisa e aten-

dendo ao compromisso firmado com os entrevistados para obtenção das en-

trevistas, os resultados serão apresentados de maneira agregada e nunca atri-

buídos aos entrevistados de maneira individualizada.

2.1. Avanços percebidos no arcabouço legal associado às práticas de inovação

Primeiramente, faz-se necessário destacar que após o início do projeto,

no final de 2015, a legislação aplicável à CT&I foi profundamente alterada pela

promulgação da Lei nº 13.243, de 11 de janeiro 2016, responsável por realizar

profunda revisão da Lei de Inovação (Lei nº 10.973, de 2014), além de outras

oito leis correlatas23.

Em razão, pois, da alteração extremamente recente, a percepção dos en-

trevistados foi bastante marcada pelo conhecimento e utilização da legislação

23 No anexo 1 do presente documento, encontra-se breve relato do histórico de implantação e

revisão do arcabouço legal atrelado às atividades de inovação, como guia dos avanços de atu-

ação dos atores envolvidos diretamente com essa legislação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

195

anterior. De toda forma, entendemos que a mudança normativa não prejudi-

cou

o exercício realizado. Isto porque o objetivo era justamente colher dos usuários

da legislação as impressões e experiências acumuladas ao longo de sua utili-

zação.

Isto dito, a partir das diferentes fontes de informação utilizadas, foram

sistematizadas abaixo as questões centrais encontradas em relação aos avan-

ços, problemas e potenciais brechas do atual arcabouço legal associado às prá-

ticas de inovação.

Avanços do novo marco

Conforme mencionando anteriormente, houve concordância generali-

zada nos avanços recentes realizados no marco regulatório, promovidos tanto

pela promulgação da Emenda Constitucional nº 85, de 2015, responsável por

criar o Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (art. 219-B), quanto

pela promulgação da Lei nº 13.243, 11 em janeiro de 2016.

Na visão dos diferentes grupos de usuários, a referida emenda constituci-

onal foi um avanço primeiramente por definir, no âmbito constitucional, con-

ceitos importantes dentro das atividades de ciência, tecnologia e inovação, que

viabilizam sua operacionalização posteriormente. Além disso, é o reconheci-

mento da importância do desenvolvimento dessas atividades como uma

agenda de Estado. De maneira específica, a emenda constitucional nº 85, de

2015, também representou um avanço na visão dos entrevistados nos seguin-

tes pontos:

- Inclusão de instituições de educação profissional e tecnológica como

potenciais beneficiárias de apoios financeiros do poder público para

atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, além das uni-

versidades.

- Estabelecimento do Estado com o papel de estimular à articulação

entre universidades e ICTs, tanto públicas quanto privadas, para exe-

cução das atividades de pesquisa, capacitação científica, tecnológica

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

196

e de inovação, bem como promotor da atuação dessas instituições no

exterior.

- Visando aprimorar o intercâmbio de conhecimento, o texto permite

a cooperação das esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal

e municípios) com órgãos e entidades públicas e privadas.

- Definição de que pesquisas científicas básicas e tecnológicas recebe-

rão tratamento prioritário do Estado, visando o bem público com o

desenvolvimento da CT&I no país.

Além dos avanços percebidos com a emenda constitucional, também houve

reconhecimento e grande valorização do novo marco legal, especialmente com

a promulgação da lei nº 13.243, em janeiro deste ano. Alguns dos pontos espe-

cificamente valorizados foram:

a) A simplificação dos processos administrativos, de pessoal e financeiro

em instituições de pesquisa.

b) A permissão de que empresas privadas de base tecnológica sejam inte-

gradas ao sistema público de pesquisa. Essa alteração permite a promo-

ção da inovação através da simplificação e do incentivo a diversos me-

canismos (a maioria deles mediante contrapartida da empresa), tais

como o acesso a subvenções econômicas e financiamentos governa-

mentais, incentivos fiscais, acesso a bolsas para pesquisadores, explora-

ção do poder de compras do estado, dentre outros.

c) Melhor definição da situação jurídica do estrangeiro no Brasil

d) Dispensa de licitações para aquisição ou contratação de produto para

pesquisa e desenvolvimento. As instituições de pesquisa podem com-

prar o que é mais adequado para a atividade científica, não obrigatoria-

mente o que é mais barato.

e) A possibilidade de o pesquisador do serviço público em regime de dedi-

cação exclusiva exercer atividades remuneradas de pesquisa, desenvol-

vimento e inovação em ICTs ou empresa, mesmo com certas restrições.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 197

f) A possibilidade de licenciamento com exclusividade de propriedade in-

telectual resultante de projeto em parceria ICT-Empresa sem a necessi-

dade de abertura de edital. A lei anterior exigia que um edital fosse

aberto, gerando o risco de um concorrente licenciar a tecnologia finan-

ciada pelos desenvolvedores.

g) As reduções de custos e de barreiras para a importação de materiais e

insumos para a pesquisa foram contempladas na nova lei.

h) O poder público manterá mecanismos de fomento, apoio e gestão ade-

quados à internacionalização das ICTs públicas, que poderão exercer

fora do território nacional atividades relacionadas com ciência, tecno-

logia e inovação, respeitados os estatutos sociais, ou norma regimental

equivalente, das instituições.

Apesar do grande reconhecimento dos diferentes atores interessados no

tema em relação aos avanços contidos na nova Lei nº 13.243, sancionada no

início desse ano, há preocupação, ainda assim, com 8 vetos da presidente.

Os vetos geraram críticas importantes de atores mobilizados durante o pro-

cesso de elaboração desse novo marco legal, entre elas: (i) a percepção de que

os vetos foram baseados em uma agenda fiscal de curto prazo, limitando e, por

vezes, prejudicando o caráter transformador que a agenda de CT&I tem para

sociedade no médio prazo, (ii) o apontamento de que em, alguns casos, os vetos

fragmentaram estruturas importantes do marco legal que eram capazes de

converter conhecimento em tecnologia e tecnologia em inovações, (iii) em al-

guns casos, maior insegurança jurídica, inclusive podendo trazer novos posi-

cionamentos e interpretações sobre instrumentos já implantados e que funci-

onam bem24.

24 Críticas apareceram em notícias publicadas e seminários sobre o tema, tais como:

Http://agencia.fapesp.br/vetos_em_artigos_do_novo_marco_legal_da_ct_i_desapontam_en-

tidades/22556/; Seminário: “A Nova Lei de Inovação: Expectativas, Perspectivas e Iniciativa”

– FEA/USP, 04 de abril de 2016.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

198

Ainda que os vetos tenham sofrido críticas, a concordância dos avanços

dessa legislação, para reposicionar o Brasil em um cenário mais aderente às

atividades econômicas que se desenvolvam dentro de processos de produção

de conhecimento via ciência, tecnologia e inovação, foi generalizada. As críti-

cas específicas sobre os vetos serão apresentar a seguir, conjuntamente com a

análise geral das demandas levantadas pelos usuários da legislação que, se mi-

tigadas, poderiam estimular as práticas de inovação no país.

2.2. Demandas a respeito do arcabouço legal associ-ado às práticas de inovação

De maneira geral, as demandas manifestadas pelos entrevistados se ins-

creveram nas três áreas temáticas previamente definidas: Fluxos de Conheci-

mento, Fluxos de Compras e Fluxos de Financiamento. Vale pontuar que, du-

rante as entrevistas, essas áreas não foram estimuladas a priori. Os entrevis-

tados foram questionados sobre suas problemáticas com o uso da legislação

sem estimulá-las.

A centralidade e assertividade das áreas pré-selecionadas, nesse sen-

tido, foram reforçadas com a realização das entrevistas. Ainda assim, a partir

das entrevistas, também foi diagnosticada a necessidade de se trabalhar com

outros temas específicos, como propriedade intelectual, que apareceu de ma-

neira recorrente como demanda dos atores entrevistados.

Nas páginas a seguir serão apresentadas as principais demandas obser-

vadas nas entrevistas. As problemáticas apuradas foram tratadas como de-

mandas por não se restringirem aos problemas ou aos empecilhos legais per-

cebidos pelos entrevistados. Em muitos casos, foram manifestadas questões

relativas a ausências na legislação que geram insegurança aos atores.

Visando orientar a análise dos principais pontos apurados foram agru-

pados nas temáticas estabelecidas. Ainda assim, conforme mencionado ante-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

199

riormente, os resultados do trabalho de campo revelaram também a necessi-

dade de olhar de maneira específica para questão das patentes e de proprie-

dade intelectual. Nesse sentido, optou-se por abrir uma dimensão específica

para essas demandas na análise que segue.

2.2.1. Fluxos de Conhecimento (imigração, parcerias, incentivos)

Apresenta-se a seguir a sistematização das principais demandas que

emergiram relativas a fluxos de conhecimento, ou seja, empecilhos ou brechas

legais que geram insegurança jurídica ou desestimulam a troca de conheci-

mento entre diferentes instituições e questões atreladas a recursos humanos.

(i) Refinar o significado da interação empresa-empresa: já previsto no novo

marco, mas ainda pouco desenvolvido. Algumas dimensões poderiam

ser mais bem trabalhadas para o estímulo das relações entre empresas

brasileiras e estrangeiras que favoreçam estratégias de inovação. Ponto

ressaltado foi a impossibilidade de financiamento público para consór-

cios de empresas, mesmo nos casos em que uma das empresas é brasi-

leira, se a outra interessada for estrangeira sem base no Brasil, é impos-

sibilitado o financiamento.

(ii) Regulamentar possíveis procedimentos que norteiem e simplifiquem

como as empresas se relacionam com ICTs: Atualmente as relações se

estabelecem de maneira burocrática e complexa, pois passam por várias

instâncias.

(iii) Criar mecanismos para facilitar a presença dos pesquisadores de em-

presas nos laboratórios das universidades: A despeito de o marco ter me-

lhorado o trânsito de pesquisadores de órgãos públicos em outras insti-

tuições, ainda são percebidas restrições que desestimulam essa integra-

ção, que poderiam ser minimizadas inclusive com possíveis regulamen-

tações para isso – foi apontada, por exemplo, a falta de incentivo das

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

200

universidades para ações desse tipo, seja por zelo pelo setor público, seja

mesmo pelas rusgas internas das instituições.

(iv) Inclusão de mecanismos para promoção de estruturação de espaços de

colaboração empresas-ICTs: Neste caso, foi apontada a ausência de defi-

nições legais para criação de mecanismos desse tipo, espaços como pla-

taformas, por exemplo. Há ainda insegurança jurídica em relação a se

uma empresa pode ser base de uma plataforma ou se esse procedimento

se restringe a entidades sem fins lucrativos.

(v) Rever o veto da isenção fiscal das bolsas para ICTs privadas: Houve

consenso por parte dos entrevistados em relação a iniquidade que o veto

gerou de condições, eventualmente até mesmo mencionado como in-

constitucional.

(vi) Reduzir os entraves do desenvolvimento de tecnologias conjuntamente

com grandes centros do exterior a partir de matrizes brasileiras: Estabe-

lecer regulamentações que simplifiquem e desburocratizem o processo.

O modelo atual gera desestímulo claro desse tipo de prática.

(vii) Incentivar à imigração de pesquisadores e cientistas estrangeiros: Se-

ria possível por meio da adoção de procedimentos mais céleres nos Mi-

nistérios das Relações Exteriores e Ministério do Trabalho e Emprego.

(viii) Regulamentar o ‘fast track’ de importações para centros de pesquisa

públicos e privados: Esse ponto foi levantado pela necessidade de se dar

agilidade ao processo atual. Foram reportadas inclusive demandas por

tornar o procedimento declaratório. Processos para importação têm

grande atraso, em um cenário onde o tempo é crítico para a competiti-

vidade. Além disso, os sistemas processuais fazem com que as empresas

tenham custos excessivos com muitos advogados.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

201

2.2.2. Fluxos de Compras Públicas (compras, encomendas e poder de compra)

Nesse caso, foram agrupadas as demandas relativas a problemáticas apre-

sentadas oriundas de empecilhos para aquisição de bens e insumos, que ten-

dem a desestimular ou inibir práticas de inovação. Entre os relatos ouvidos, as

principais demandas foram:

(ix) Clarificar a resolução sobre encomendas tecnológicas: relativo ao artigo

20 da Lei de Inovação. Foi compreendido que as encomendas podem ser

feitas desde que atendam interesse público, o que pode gerar problemas

quanto à sua conceituação e avaliação por parte dos órgãos de controle.

(x) Derrubar o veto relativo ao artigo 20-A da Lei de Inovação: considerou-

se que o referido artigo institui importante instrumento de incentivo às

empresas de micro, pequeno e médio portes de base tecnológica, em vir-

tude de estabelecer dispensa de licitação para contratação de serviços

ou fornecimento de bens elaborados com aplicação sistemática de co-

nhecimentos científicos e tecnológicos, desde que observados certos cri-

térios.

(xi) Expansão da política de margens de preferências: considerou-se que os

decretos atuais que estipulam essas margens ainda se encontram dema-

siadamente voltados às compras de bens de capital de baixo teor tecno-

lógico. Recomenda-se estender a política para todos os bens e serviços

que contenham aplicação sistemática de conhecimentos científicos e

tecnológicos.

(xii) Derrubar o veto relativo à correção da distorção tributária de tratar a

importação de insumos e equipamentos de PD&I como itens de consumo

e produção: esse dispositivo beneficiaria micro e pequenas empresas e

seu veto significa a manutenção do investimento público em PD&I, em

detrimento da ausência do capital privado. Foi observada de maneira

consistente demanda pela reintrodução com clareza da isenção de IPI

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

202

para importação para empresas de todos os portes, quando se trata de

importação para tecnologia.

2.2.3. Fluxos de Financiamento (capital financeiro, Fundos, doações e investimentos)

Aqui são apresentadas as principais demandas manifestadas em relação a

potenciais problemas ou ausência de mecanismos para financiamento de ati-

vidades de inovação.

(xiii) Criar mecanismos para viabilizar financiamentos: na percepção dos

entrevistados, essa questão é inexistente no marco atual e há demanda

pela criação de um fundo que não esteja necessariamente sob controle

da academia e que tenha governança simplificada.

(xiv) Inclusão de mecanismos específicos para viabilização de fundos de ca-

pital de risco: essencial na visão dos entrevistados para o estímulo a ati-

vidades de inovação, há sugestão de que sejam constituídos com o setor

privado e tenham governança público-privada.

(xv) Minimizar obstáculos para que o setor privado possa investir em star-

tups ou MPE de base tecnológica: por exemplo, aprimorar resoluções ju-

rídicas para problemas trabalhistas nesse tipo de empreendimento.

Também é demandada maior participação do governo no compartilha-

mento dos riscos desse tipo de investimento, na visão dos entrevistados,

assim como investidores que perdem seu capital em caso de não su-

cesso, o governo poderia abrir mão da tributação nesses casos.

(xvi) Criação de novo instrumento de fomento - “rebate”: utilizado por al-

guns países como instrumento de incentivo às atividades culturais (p.

ex. Colômbia), o mecanismo poderia ser adotado para incentivar a naci-

onalização de atividades de pesquisa e desenvolvimento realizadas hoje

no exterior.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

203

(xvii) Reverter o veto das taxas administrativas em Fundações de apoio.

(xviii) Reverter o veto do item relativo à autonomia das ICTs na utilização

de recursos próprios, decorrentes da oferta de bens e serviços.

(xix) Criação de instrumentos legais e regulamentações pertinentes que via-

bilizem a sustentação e o equilíbrio de financiamentos para inovação:

Foi largamente registrada a insuficiência de recursos a título da subven-

ção econômica, o caráter desorganizado do contingenciamento de re-

cursos de inovação e a instabilidade dos recursos disponíveis.

(xx) Estabelecer e regulamentar um novo padrão de capitalização para os

Fundos existentes destinados a CT&I, como o FNDCT: em geral, cada

fundo que aporta recursos em P&D (como FNDCT, Fundos Social, FUNT-

TEL, entre outros de menor porte) utilizam padrões de capitalização dis-

tintos ou regulamentados precariamente.

2.2.4. Patentes e Propriedade Intelectual

As questões das patentes e de propriedade intelectual afligem diferen-

tes setores da indústria e da comunidade cientifica. As inquietações demons-

tram a necessidade de se repensar processos e desenhar novos modelos que

atendam a uma dinâmica mais aderente a um modelo econômico que privile-

gia atividades com tecnologia de ponta. Especificamente, as demandas se

apresentaram como:

(xxi) Viabilizar livre negociação ente empresas e ICTs sobre propriedade in-

telectual: Relatos de que a discussão é frequentemente paralisada, indo

na contramão da urgência do tempo nesse tipo de caso.

(xxii) Redesenhar processos para redução do tempo de análise das patentes

pelo INPI: em diversos momentos foi mencionado pelos entrevistados

que os processos atuais desestimulam ou mesmo impedem a vinculação

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

204

de patentes no país. Não foram apresentadas sugestões específicas de

como deveriam ser feitos, apenas sinalizaram o problema.

(xxiii) Refinar modelos e processos em práticas estabelecidas que constran-

gem obtenção de patentes: Problema crítico apontado é a interferência

durante o processo patentário de regulamentações e exigências de ins-

tituições com finalidade diferente. Um caso mencionado foi a obrigato-

riedade na legislação da Anvisa se pronunciar antes do INPI nos casos

de patentes para produtos circunscritos no âmbito das questões sanitá-

rias. O problema, neste caso, é a inversão da ordem desses processos,

pois a obtenção de patente não pode ser associada necessariamente com

permissão de comercialização ou distribuição de determinado produto;

são processos distintos. Contudo, a interdependência do modelo atual e

sua consequente burocratização limitam e constrangem os processos de

pesquisa e inovação nessa área.

Dada a recorrência das demandas observadas relativas ao tema ‘Patentes e

Propriedade intelectual’, cabe aqui breve nota sobre o tema.

Os países mais desenvolvidos aperfeiçoam sistematicamente o ambiente e

as condições institucionais que agravam risco de inovar. Países mais inovado-

res buscam mercados abertos e dinâmicos de propriedade intelectual, onde

seja simples encontrar o conhecimento que se precisa, precificar a sua trans-

ferência, uso ou associação, contratar a modalidade de cooperação desejada

(em condições livremente pactuadas) e fazer valer os contratos firmados.

As fragilidades apontadas sobre nosso sistema de propriedade intelectual

acabam por determinar grande alheamento político do ambiente de proprie-

dade intelectual brasileiro para com o sistema internacional de propriedade

intelectual, governado pela OMPI e também do sistema internacional de co-

mércio, regido pela OMC.

O Brasil precisa avançar urgentemente na qualidade do seu sistema de pro-

priedade intelectual. As fragilidades e incompatibilidades do sistema brasi-

leiro de propriedade intelectual não foram ainda atacadas, nem no novo

marco de C&T, nem nas proposições legislativas ora em exame no Congresso

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

205

Nacional brasileiro, e não foram tomadas medidas administrativas necessá-

rias para aumentar sua eficiência.

2.2.5. Outros tópicos apontados pelos entrevistados

Por fim, algumas demandas pontuais apareceram de maneira esparsa e

com força limitada nas entrevistas realizadas. Nesse sentido, são temas e pro-

blemáticas que não necessariamente precisam ser priorizadas, mas é impor-

tante registrar também como demandas que emergiram e que podem se tor-

nar centrais em outro momento:

(xxiv) Avançar no marco regulatório da biodiversidade para estimular a ino-

vação com uso de patrimônio genético e conhecimentos tradicionais.

(xxv) Inclusão de diretrizes para incorporar participação de diferentes atores

na definição das estratégias públicas de alocação de recursos de finan-

ciamento à inovação.

(xxvi) Prever a criação de metodologias de monitoramento e avaliação do

sistema de financiamento à inovação.

(xxvii) Rever a ampliação das burocracias que desestimulam pesquisa, uti-

lização, licenciamento e comercialização em nanotecnologia (PL

6743/2013).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

206

Considerações finais

O capítulo se propôs a descrever de forma sintética as demandas cotidi-

anas dos agentes públicos e privados usuários em relação a operacionalização

da legislação direta e correlata ao desenvolvimento de atividades de inovação.

O presente capítulo não teve por objetivo entrar na análise mais substantiva

dos limites e possibilidades de encaminhamento das críticas realizadas pelos

entrevistados, tampouco se propôs a registrar como essas manifestações (de-

mandas) se colocam objetivamente nos textos da legislação em vigor.

Acatar as demandas levantadas exigirá para cada uma delas esforço sig-

nificativo de articulação, compreensão dos potenciais impactos em diferentes

esferas, avaliações de riscos e dos trade-offs a serem assumidos, bem como a

pertinência colocada nos diferentes setores da economia.

Além disso, parte das demandas não necessariamente conseguirá ser

atendida simplesmente com mudanças na legislação. Notadamente, em diver-

sos casos será necessário o estabelecimento de estratégias em diferentes fren-

tes: formulação de políticas, capacitação de operadores, comunicação de fer-

ramentas disponíveis, entre outras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

207

Anexo I – Roteiro de entrevista

APRESENTAÇÃO GERAL DO PROJETO AO ENTREVISTADO

O presente projeto tem o objetivo de entregar recomendações para a for-

mulação de diretrizes de política de inovação de última geração, que

ajude a indústria a se preparar para práticas de mais avançadas e, dessa

forma, a elevar sua competitividade.

Dentro do projeto, um dos tópicos que abordaremos será a sugestão de

mudanças na legislação naquilo que tem impedido processos de inova-

ção das empresas, por isso solicitamos essa entrevista. Este capítulo

trata das questões legais no Brasil que atravancam processos de inova-

ção ou estão ausentes do marco regulatório-legal.

B) INVESTIGAÇÃO GERAL SOBRE PRINCIPAIS PROBLEMAS NA LEGISLAÇÃO DE INOVAÇÃO

1. Ao longo de sua trajetória, quais foram os principais problemas legais

com os quais você se deparou que impediram processos de inovação? Por

favor, me conte como os problemas aconteceram.

2. Você já foi desestimulado a inovar por alguma questão legal? Quais?

Como foi?

3. Se você pudesse livremente arbitrar sobre algo na lei que te ajudasse

a inovar, no que arbitraria? Por quê?

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

208

C) TÓPICOS ESPECÍFICOS A EXPLORAR: FLUXOS DE CONHECIMENTO, COMPRAS E INVESTIMENTOS

4. Pensando na necessidade de trazer profissionais com qualificações es-

pecificas de outros países, você já enfrentou algum problema legal para

isso? Se sim, quais problemas legais você enfrentou? Você conseguiu con-

torná-los? Como? (Caso entrevistado não saiba especificar, citar exem-

plos: problemas com procedimentos consulares, no MTE, no MJ; proble-

mas para incentivos/remunerações)

5. Você já teve problemas legais para importar bens e insumos para ati-

vidades de inovação? Me conte como ocorreram, o quanto impactaram o

seu negócio/atividade? Você já deixou de inovar por dificuldades legais

para importar bens e insumos?

6. Você já se deparou com empecilhos legais que limitaram ou impedi-

ram você de investir em tecnologias para inovação? Como foi? O quanto

isso afeta seu negócio/ atividade no curto, médio e longo prazo?

7. Você tem ou já teve dificuldade de ordem legal para vender produtos

ou serviços de base tecnológica para o Estado? Quais tipos de dificulda-

des você teve? O quanto isso impactou ou impacta seu negócio/ativi-

dade?

8. Você já participou de algum processo de encomenda tecnológica feito

pelo Estado (artigo 20 – Lei Inovação)? Se sim: Pode me contar sobre as

experiências que sua instituição teve nesse ponto. Tiveram algum tipo

de insegurança jurídica quanto ao procedimento de contratação, paga-

mento, propriedade intelectual, ou algum outro fator? Como foi?

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 209

9. Você já recebeu ou tentou receber doações de bens e serviços de infor-

mática, via Lei de Informática? Se sim: Teve alguma dificuldade legal

para isso?

Você já limitou ou deixou de realizar atividades de inovação por ques-

tões relacionadas à Lei de Informática? Quais?

10. Precisaremos detalhar um pouco mais os empecilhos legais em nossa

investigação, você poderia nos indicar os responsáveis jurídicos ou aque-

les que te assessoram para o uso da legislação atrelada à inovação?

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 210

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 212

04 /ANÁLISE DA LEI DE INOVAÇÃO

SUMÁRIO DO CAPÍTULO

O presente capítulo analisa, comenta e recomenda alterações, precisões

e inclusões no texto da Lei nº 10.973, de 2004, também chamada de Lei de Ino-

vação, a partir dos principais gargalos identificados ao longo do projeto de pes-

quisa.

Primeiramente, é preciso considerar que o tema da inovação é tratado

de forma descentralizada e esparsa pelo ordenamento jurídico brasileiro,

fruto de um processo lento e pouco sistemático de construção normativa, cuja

consequência imediata é a transversalidade da interpretação, que se estende

ao longo de várias normas. Assim, quando se fez necessário, este estudo recor-

reu à análise de outros dispositivos legais, a fim de permitir a real compreen-

são do alcance e eficácia dos comandos normativos previstos na Lei de Inova-

ção.

Nesse sentido, destaca-se em especial que este capítulo incorporou a

análise sistemática dos novos dispositivos da Lei nº 13.243, de 2016, também

conhecida como “Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação”, res-

ponsável não apenas por fazer uma ampla revisão da Lei de Inovação, como

também por reformular disposições em oito leis distintas que tratam dos as-

suntos pertinentes à ciência, tecnologia e inovação.

É importante destacar que essas mudanças foram realizadas após a edi-

ção da Emenda Constitucional nº 85, de 2015, que alterou a Constituição Fede-

ral de 1988 em seu capítulo sobre ciência e tecnologia, de modo a incorporar o

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

213

tema da inovação ao texto constitucional, em especial em seus artigos 218, 219,

219-A e 219-B, com respectivos parágrafos. Os acréscimos feitos ao texto cons-

titucional apresentam uma importante dimensão política no sentido de con-

solidar o compromisso do país com a ciência, tecnologia e inovação (CT&I)

como meios para impulsionar o desenvolvimento econômico e social.

Ambas as iniciativas tiveram por objetivo principal diminuir a burocra-

cia, aumentar a transparência e prover maior segurança jurídica para várias

atividades de CT&I, em especial no que se refere às relações entre as institui-

ções públicas e privadas.

Embora o Novo Marco de CT&I tenha sofrido vetos significativos, são

muitos os avanços relevantes introduzidos na legislação de CT&I, dentre os

quais destacamos:

- A constituição de instituições científicas, tecnológicas e de inova-

ção (ICT) públicas e privadas, desde que estas se constituam em

pessoa jurídica sem fins lucrativos, que tenha por finalidade es-

tatutária ou objetivo social a pesquisa básica ou aplicada de cará-

ter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos pro-

dutos, serviços ou processos (art. 2º, inciso V, da Lei de Inovação);

- Permissão para a utilização e compartilhamento de laboratórios

e equipamentos de ICTs públicos para atividades compartilhadas

com empresas, mediante contrapartida financeira ou não finan-

ceira (art. 4º da Lei de Inovação);

- Maior liberdade para ICTs e parceiros pactuarem acerca da pro-

priedade intelectual e participação nos resultados obtidos no âm-

bito dos acordos de parceria, podendo a ICT ceder ao parceiro pri-

vado a totalidade destes direitos mediante compensação finan-

ceira ou não financeira, sem necessidade de chamada pública

(art. 9º, §§ 2º e 3º, da Lei de Inovação);

- Dispensa de licitação do fornecimento de produtos e serviços en-

comendados a empresas e/ou ICTs nos termos do art. 20 da Lei de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

214

Inovação, com novo procedimento de remuneração para o desen-

volvimento de encomendas tecnológicas (art. 20, caput, c/c §§ 3º

e 4º, da Lei de Inovação);

- Extensão do Regime Diferenciado de Contratações Públicas para

ações de órgãos dedicados à Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I).

Ou seja, instituições municipais ou estaduais, além das federais,

podem estabelecer regime simplificado, com regras próprias,

para aquisições de bens e serviços de CT&I (art. 1º, inciso X, da Lei

nº 12.462, de 2011);

- Ampliação para até 416 horas do período que os pesquisadores em

regime de dedicação exclusiva (nas universidades federais e tam-

bém em institutos e centros de pesquisa mantidos pela União)

possam exercer atividades remuneradas de P&D em empresas ou

em conjunto com empresas, desde que observada a conveniência

do órgão de origem e assegurada a continuidade de suas ativida-

des de ensino ou pesquisa (art. 21, §4º, da Lei nº 12.772, de 2012);

- Contratação mais fácil de pesquisadores estrangeiros para ICTs e

empresas (art. 13, incisos V e VIII, da Lei nº 6.815, de 1980, e art.

2º, inciso VIII, da Lei nº 8.745, de 1993);

- Redução das dificuldades de acesso a insumos para pesquisa e

equipamentos comprados no exterior, com tratamento aduaneiro

prioritário e simplificado (art. 1º, §2º, da Lei nº 8.010, de 1990, e

art. 1º, par. único, c/c art. 2º, inciso I, alíneas “e” e “g”, §1º, da Lei

nº 8.032, de 1990).

A partir dessas premissas, este sumário executivo apresenta uma sín-

tese dos resultados mais importantes registrados neste capítulo, que se baseou

nas seguintes fontes e referências:

- Demandas, análises e comentários identificados pelas entrevistas

com empresas, acadêmicos e policy-makers;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

215

- Posicionamento de entidades representativas da comunidade

empresarial e de pesquisa, registrados em comunicados públicos,

em declarações oficiais ou levantamentos de estudo e pesquisa;

- Interlocução direta com planejadores do setor público e privado

envolvidos diretamente nas atividades de inovação;

- Diálogo com especialistas de três renomados escritórios de apoio

jurídico25;

- Experiência de pesquisadores e consultores que integram equipe

do presente projeto, acumulada a partir do contato direto com li-

mites e gargalos das operações efetivas de suporte à inovação,

quanto nas atividades de elaboração de programas públicos e na

coordenação efetiva de programas de impacto que o Governo Fe-

deral executou nos últimos 15 anos.

Apresenta-se um conjunto de recomendações, no sentido de oferecer al-

ternativas e contribuir para o aperfeiçoamento do arcabouço jurídico-institu-

cional relativo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente

produtivo no Brasil.

Cumpre esclarecer que a análise constante neste documento foi estru-

turada a partir de quatro grandes eixos: compras, fluxo de conhecimento,

empreendedorismo e financiamento. A seguir, serão apresentados de forma

sintetizada, para cada um desses eixos, os principais aspectos da Lei de Inova-

ção que devem ser objeto de consideração para seu aperfeiçoamento.

25 Os escritórios consultados foram: Veirano Advogados; Sundfeld Advogados; e Manesco, Ra-

mires, Perez, Marques de Azevedo Advogados.

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216

1. Compras

Dentre os avanços da Lei de Inovação, merece destaque especial o capí-

tulo de compras públicas. A Lei de Inovação garantiu, do ponto de vista jurí-

dico, a adoção de mecanismos importantes, como a extensão do regime dife-

renciado de contratações públicas para ações de órgãos dedicados à CT&I e as

encomendas tecnológicas, utilizadas intensamente nos países avançados, por

conta de seus resultados efetivos no desenvolvimento de inovações.

Em que pesem os importantes avanços quanto à incorporação das com-

pras como instrumento voltado a impulsionar o desenvolvimento científico e

tecnológico, permanecem entraves de diversas naturezas – a exemplo de pro-

cedimentos aduaneiros necessários à importação e procedimentos decorren-

tes das regras estabelecidas pela Lei de Licitações. A título de recomendação,

acreditamos oportuno que se concentre esforços nas seguintes iniciativas:

I. Regulamentar, via Decreto, a Política Nacional de Compensação

Comercial, Industrial e Tecnológica – PNAC, de forma a dar maior

segurança jurídica à sua elaboração e seleção dos interessados

privados potenciais;

II. Revisar a Portaria GM/MS nº 2.134, de 12 de novembro de 2014,

que trata do funcionamento das PDPs da Saúde, de forma a per-

mitir a transferência de tecnologia diretamente às empresas pri-

vadas brasileiras;

III. Para mitigar incerteza, modificar o art. 21, §§ 9º e 12, do Decreto

nº 5.563, de 2005, de forma a reconhecer expressamente a possi-

bilidade de renúncia, por parte da Administração, da titularidade

dos direitos de propriedade intelectual referentes ao resultado do

projeto e sua documentação.

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217

2. Fluxo de conhecimento

A nova geração de políticas tecnológicas e de inovação tem, como pre-

missa, o favorecimento da articulação entre os setores públicos e privados, por

meio de diálogo e interações contínuas entre ambos. Nesse sentido, por fluxo

de conhecimento este documento compreende a relação público-privada em

termos de transferência e compartilhamento de infraestrutura, recursos hu-

manos e propriedade intelectual.

Com a edição do Novo Marco de CT&I, foi realizada ampla revisão da Lei

de Inovação, e, em especial, quanto aos procedimentos de estímulo à partici-

pação das Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) no processo de inovação,

aperfeiçoando não apenas os seus procedimentos internos, como também

suas relações com o setor produtivo, estatal ou privado. Os avanços foram

muitos e relevantes. Porém, ainda permanecem desafios jurídico-institucio-

nais às parcerias público-privadas para inovação, os quais demandam solu-

ções de natureza tanto legislativa quanto institucional.

Destacamos algumas recomendações que dizem respeito à simplifica-

ção e facilitação dos procedimentos pelos quais as parcerias público-privadas

se concretizam.

Recursos Humanos

I. Alterar o art. 10 da Lei nº 6.815, de 1980, no sentido de dispensar

os cientistas e pesquisadores estrangeiros da emissão de vistos

temporários pelo prazo de duração de seu contrato ou prestação

de serviços.

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Cooperação ICT – Setor Privado

I. Prever na regulamentação da Lei de Inovação dispositivo que au-

torize a celebração, por parte das ICTs públicas, de acordos de con-

fidencialidade ou outros instrumentos destinados a preservar o

sigilo do objeto da pesquisa a ser desenvolvida em parceria com

ente privado, quando necessário;

II. Prever na regulamentação da Lei de Inovação dispositivo que au-

torize a negociação, por parte das ICTs públicas, quanto à eleição

de cláusula de foro e à adoção de cláusula arbitral nos contratos a

serem firmados com o setor privado ou alternativamente, acom-

panhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Senado nº

559, de 2013, atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados

Federais, com objetivo de revogar a Lei nº 8.666, de 1993, e criar

novo regime jurídico para as licitações e contratações públicas;;

III. Regulamentar o art. 15, § 1º, do Novo Marco de CT&I de forma a

discriminar detidamente as hipóteses em que se fará necessária

a apreciação por parte do Congresso Nacional, privilegiando a for-

malização destes acordos por meio de instrumentos flexíveis, es-

pecialmente quando se tratar de entidades privadas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 219

3. Empreendedorismo e inovação

Especificamente quanto a empreendedorismo e inovação, o documento

analisa os incentivos às empresas inovadoras em estágio inicial e os incentivos

ao capital de risco em inovação. A partir da análise constante deste capítulo e

das consultas jurídicas, resultaram diversas propostas de alteração norma-

tiva, além de outras propostas de medidas no sentido de melhor articulação e

desburocratização por parte dos órgãos estatais. A título de recomendação, se-

ria oportuno acompanhar e incentivar a tramitação dos seguintes projetos de

lei complementar:

I. Projeto de Lei Complementar nº 4.303, de 2012, de autoria do Dep.

Laércio de Oliveira (PR/SE), atualmente em trâmite na Câmara

dos Deputados, que pretende instituir a Sociedade Anônima Sim-

plificada – SAS, por meio do acréscimo dos arts. 294-A a 294-I à

Lei das Sociedades Anônimas; e

II. Projeto de Lei Complementar nº 446, de 2014, de autoria do

Dep. José Humberto et al., atualmente em trâmite na Câmara

dos De-putados, que pretende estabelecer incentivos aos

investimentos efetuados em participações empresariais por

meio de capital em-preendedor, com vistas a assegurar maior

atratividade e segu-rança jurídica ao investimento em

empresas nascentes inovado-ras. Em especial, o referido projeto

apresenta propostas para a re-gulamentação da utilização do

instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como

também uma série de incentivos fiscais ao investimento nas

empresas inovadoras em estágio inicial;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

220

4. Financiamento

Este item trata da necessidade de reordenamento e reestruturação do

sistema nacional de financiamento à inovação, que pede, urgentemente:

I. Elevar constantemente o volume de recursos públicos disponí-

veis;

II. Criar instituições, instrumentos e programas de aceleração do in-

vestimento, capazes de atender prioridades do país, seja na for-

mação de recursos humanos, seja na construção e integração de

equipamentos avançados de pesquisa, testes e experimentação;

III. Incentivar o aumento de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas

empresas, seja como fruto de atividade própria, seja via fomento

público, com instrumentos, recursos estáveis e atendimento ágil

e desburocratizado;

IV. Diminuir a fragmentação do investimento, de modo a abrir es-

paço para o apoio a projetos e propostas de prioridade nacional e

de maior impacto econômico, social e na própria pesquisa;

V. Construir condições para integrar novos agentes econômicos, em

especial do sistema bancário (público e privado), no sistema de fi-

nanciamento a inovação;

Este documento analisa a viabilidade jurídica da proposta de criação ar-

ticulada de dois Fundos de Investimento – o Fundo Nacional de inovação (FNI)

e o Fundo de Inovação do Sistema Financeiro Nacional (FISFN voltados), liga-

dos ao setor público e privado – com gestão e governança vinculadas direta-

mente à Presidência da República, de modo a se destacar, inequivocamente,

entre as prioridades nacionais.

O novo Fundo Nacional de Inovação (FNI) reunirá a gestão de recursos

oriundos de fundos públicos já existentes, bem como de recursos privados, a

partir das diretrizes e objetivos enunciados pelo seu Conselho Diretor, a ser

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

221

instituído para elaborar a política de aplicação de seus recursos nos processos

de inovação.

Conforme demonstrado neste texto, as consultas jurídicas realizadas

concluíram pela viabilidade jurídica da proposta, tanto no que se refere à cri-

ação do FNI, com a vinculação de parte recursos orçamentários anuais dos

Fundos Constitucionais aos investimentos em projetos de inovação, quanto à

criação de incentivos fiscais para o Fundo de Inovação do Sistema Financeiro

Nacional (FISFN).

O conjunto de medidas legais altera significativamente o marco legal do

financiamento público à inovação, amplia a base operacional de fomento no

País ao mobilizar todos os bancos públicos federais e cria meios para que as

instituições financeiras privadas se incorporem, ampliem e fortaleçam o Sis-

tema Nacional de Inovação, que passará a contar com uma nova base institu-

cional.

A incorporação das instituições privadas do Sistema Financeiro Nacio-

nal, especialmente os bancos múltiplos e comerciais no financiamento a ino-

vação traz um elemento novo e decisivo para qualificar este conjunto de me-

didas como a estruturação de um Novo Padrão de Financiamento da Política

de Inovação, tanto no que diz respeito ao volume de recursos, quanto ao es-

pectro de instrumentos e em especial ao novo modelo institucional.

O potencial de recursos a serem mobilizados com essas medidas supera

o volume orçamentário disponibilizado em 2015, quando FNDCT e

PSI/BNDES/FINEP juntos aplicaram cerca de R$ 10 bilhões, e se reveste de um

modelo jurídico mais estável e seguro, concebido para dar sustentabilidade à

nova política de inovação.

Entre essas alternativas, recomenda-se a constituição do FNI na confi-

guração jurídico institucional de Fundo Público Especial de Natureza Contá-

bil, por se tratar de modelo mais flexível para a política de inovação no que

tange à utilização de uma gama diversificada de instrumentos financeiros,

dentro do espectro de recursos reembolsáveis e não-reembolsáveis. O desenho

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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proposto procura, inclusive, blindar os recursos do FNI, criando obstáculos a

eventuais práticas de contingenciamento orçamentário e financeiro. Exata-

mente por isso, sugere-se a incorporação desses Fundos em projeto de lei das

medidas complementares.

Mais uma vez, é essencial a incorporação no marco legal de um novo mo-

delo de governança responsável pela gestão da estratégia de inovação, de

forma a garantir a coordenação da aplicação de todos os recursos a serem mo-

bilizados. Contudo se propõe atuações diferenciadas da instância de coorde-

nação de forma a respeitar a autonomia de cada grupo de instituições públicas

e privadas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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Apresentação

Esse capítulo tem por objetivo fornecer subsídios para a compreensão e

o aperfeiçoamento da Lei de Inovação, com vistas a identificar as incertezas

normativas e eventualmente preencher lacunas, por conseguinte, promo-

vendo ambiente favorável à inovação no Brasil.

Para tanto, a análise conduzida nesta linha temática se pauta na Lei nº

10.973, de 2004, contemplando ainda as alterações incorporadas pela Lei nº

13.243, de 2016, também conhecido como Novo Marco de CT&I, responsável por

regulamentar parte da Emenda Constitucional nº 85, de 2015. Este é o foco

principal deste documento. Entretanto, em virtude da fragmentação da legis-

lação aplicável ao tema de CT&I, optou-se por incorporar a análise da legislação

esparsa correlata, quando se fizer necessária, de modo a permitir compreen-

são mais completa da regulamentação normativa de determinados temas ou

institutos.

Após a realização de análise qualitativa com atores do sistema brasileiro

de inovação, o presente documento se propõe a analisar as principais deman-

das identificadas à luz da legislação aplicável, a fim de compreender as even-

tuais dificuldades ou insuficiências normativas.

Além disto, a elaboração deste trabalho contou também com:

- O posicionamento de entidades representativas da comunidade

empresarial e de pesquisa, registrados em comunicados públicos

ou em declarações oficiais;

- A interlocução direta com planejadores do setor público e privado

envolvidos diretamente nas atividades de inovação;

- A experiência de pesquisadores e consultores que integram o pre-

sente projeto, acumulada tanto pelo contato direto com limites e

gargalos das operações efetivas de suporte à inovação, quanto pe-

las atividades de elaboração de programas públicos e coordena-

ção efetiva de programas de impacto que o Governo Federal exe-

cutou nos últimos 15 anos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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Destacamos também que o presente estudo contou com a interlocução

direta e o auxílio de juristas especialistas. Os escritórios consultados foram:

Veirano Advogados; Sundfeld Advogados; e Manesco, Ramires, Perez e Mar-

ques de Azevedo Advogados.

Por fim, destaca-se que este documento indica os principais aspectos

que demandam alteração, suspensão, revisão ou inclusão de normas legais ou

textos legislativos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

225

Introdução

Conforme já enfatizado anteriormente ao longo desta pesquisa, a inova-

ção está intrinsecamente ligada à elevação da produtividade e competitivi-

dade empresarial, ambos elementos cruciais para a economia brasileira no

presente momento.

Como também é sabido, porém, o investimento em inovação carrega

consigo elevado grau de incerteza e não consegue amadurecer no curto prazo,

o que requer do Estado atuação proativa e coerente ao longo tempo, seja cri-

ando condições para que as empresas optem pelos caminhos da inovação, seja

discutindo este processo e encontrando caminhos em conjunto com a atuação

privada.

A literatura especializada e a prática apontam que o potencial de inova-

ção em uma determinada sociedade não surge de maneira espontânea ou des-

propositada; bem ao contrário, depende de muitos fatores e requisitos relaci-

onados de forma complexa e intencional. Dentre estes, destaca-se a existência

de regulamentos e instituições criadas para fomentar atividades inovadoras

por meio de políticas públicas consistentemente concebidas, estruturadas e

aperfeiçoadas. Tais iniciativas, por sua vez, são em grande medida moldadas

por estruturas e arranjos jurídicos passados e presentes.

As dimensões regulatórias e os dispositivos jurídico-institucionais apre-

sentam-se como variáveis centrais para a maior ou menor intensidade de ino-

vação que uma economia alcança. Não obstante, sem ajustes constantes e o

mínimo de flexibilidade adaptativa, o aparato jurídico-regulatório pode, em

vez de promover e estimular atividades de inovação, atrapalhá-las e obstrui-

las indefinidamente, caso em que seus efeitos podem ser ainda mais contra-

producentes que aqueles produzidos por lacunas resultantes de vácuos nor-

mativos, isto é, pela inexistência do próprio direito na disciplina da inovação.

Por seu intermédio, são estimuladas as competências empresariais, as

dinâmicas de centros de pesquisa, a relação com as Universidades e até mesmo

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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a qualidade dos serviços públicos e privados de apoio à inovação; mais ainda,

a qualidade desse ambiente determina permanentemente as interações entre

os diferentes agentes, assim como a capacidade e a qualidade de articulação,

fomento e de governança sistêmica da inovação. Este aparato estabelece os pa-

râmetros da relação entre os as Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) e o

setor produtivo, presentes, por exemplo, nas definições do regime de contra-

tação de pesquisadores pelas empresas, passando pela encomenda e compra

de equipamentos e materiais, às questões de propriedade intelectual. É tam-

bém essa arquitetura legal e regulatória em boa medida responsável por com-

por, entre o setor público e o setor privado, a distribuição de riscos e recom-

pensas das atividades de inovação.

Para as atividades de inovação, se faz necessário, mas não suficiente,

que tais meios jurídicos existam formalmente e possuam força vinculante de

normas válidas e eficazes. Mais do que isso, é preciso que os instrumentos ju-

rídicos possam operar de forma integrada e concatenada, de modo a superar

a visão fragmentada em especialidades que usualmente caracteriza o direito

e que define as habilidades profissionais dos juristas.

Neste sentido, a partir das diretrizes para uma nova política pública de

inovação enunciadas ao longo do projeto, bem como dos pontos de atenção

identificados por meio das entrevistas qualitativas, o presente documento

pretende analisar a dimensão jurídico-institucional e regulatória das questões

suscitadas.

A fim de propiciar uma análise mais acurada destas questões, o presente

estudo, na medida do possível, não se deterá apenas nas regras previstas na

Lei nº 10.973, de 2004, dita Lei de Inovação, e na Lei nº 13.243, de 2016, também

denominado Novo Marco de CT&I. Como já dito, a atividade de inovação exige

que a análise jurídica supere a fragmentação legislativa, que é o elemento

mais marcante do ordenamento de CT&I, entendido como o conjunto hierar-

quizado de regras e princípios que regem esta matéria.

Neste sentido, além desta introdução, o trabalho a seguir se encontra es-

truturado da seguinte forma:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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- Começa com um breve histórico acerca da consolidação do arca-

bouço jurídico institucional em matéria de inovação

- E depois apresenta quatro seções com os temas de análise da le-

gislação:

o Compras

o Fluxo de Conhecimento

o Empreendedorismo

o Financiamento

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

228

1. Consolidação do Arcabouço Jurídico-Institucional em Inovação

A existência do conjunto de regras, instituições, normas e processos ju-

rídicos regulatórios voltados à inovação é fruto de uma longa construção, que

integra uma empreitada de amplo escopo, associada ao papel reservado à ino-

vação no âmbito do projeto de desenvolvimento econômico do País.

Para que possamos compreender melhor a complexidade das dimensões

jurídico-institucionais relacionadas à inovação no país, este capítulo objetiva

traçar brevemente o percurso de consolidação do “sistema nacional de inova-

ção”, termo cunhado na década de 1980 e que traduz, resumidamente, a exis-

tência de um conjunto complexo de instituições cuja atuação coordenada de-

termina o desempenho inovador de um país (Lundvall, 1988; Nelson, 1993).

Essa abordagem institucional caracteriza a inovação como processo in-

terativo e cumulativo, no qual a atuação simultânea do governo, das empresas,

das universidades e de instituições de pesquisa, bem como de marcos regula-

tórios articulados, é determinante de seu desempenho inovativo, mesmo que

estes atores estejam submetidos a ciclos e circunstâncias políticas e econômi-

cas distintas, assim como orientados por missões e interesses materiais diver-

sos. Por esta razão, erguer e aperfeiçoar um sistema nacional de inovação pro-

vavelmente é uma das mais complexas tarefas de criação jurídica e instituci-

onal que se pode imaginar no campo das políticas públicas.

Embora o arcabouço jurídico do sistema brasileiro de inovação esteja

sendo construído, historicamente, a partir do acúmulo em “camadas geológi-

cas” de normas e instituições criadas em diferentes contextos e fases desde a

segunda metade do século passado, foi somente a partir da Emenda Constitu-

cional nº 85, de 2015, que, mediante a inclusão do art. 219-B na Constituição

Federal, previu-se expressamente a concepção de um “Sistema Nacional de Ci-

ência, Tecnologia e Inovação (SNCTI)”, ainda por regulamentar.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 229

A sobreposição histórica de leis, arranjos institucionais e regimes jurí-

dicos no campo da inovação resultou, de outro lado, em um ambiente regula-

tório complexo, com reduzida integração operativa. A tabela abaixo sintetiza

o processo de criação legislativa/institucional – em diferentes períodos – do

arcabouço da inovação no país:

Tabela 1: Evolução do marco jurídico-institucional da inovação no Brasil

Período Instituição/Legislação Principais características

Construção in-stitucional ace-lerada

1951: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, inicialmente Conselho Nacional de Pesquisa) Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

1952: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE)

1954: Centro Técnico Aeroespacial (CTA)

1960: Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

1961: Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)

1964: Instituto Nacional de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)

1967: Financiadora de Estudos e Projetos (Finep)

1969: Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico (FNDCT)

1970: Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI)

1973: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO)

Criação de base científicaorganizada no país;

Apoio à estratégia de da época, estruturada em torno do eixo: industrialização por meio da substituição ,de importações

Atuação em mercados fechados eforte controle estatall

Centralização de esforçospúblicos a partir de prioridadesvia políticas industriais

Baixa interação entre setor produtivo e setor tecnológico

Construção ins-titucional lenta

1985: Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Mais recentemente, MCTI, com a incorporação, em 2011, do termo “Inovação” ao nome do ministério)

1996: Lei de Propriedade Intelectual (Lei nº 9.279/1996)

1999-2002: Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia

2001: Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) Programa Inovação para Competitividade (Lei nº 10.332/01)

Estratégia de desenvolvimento:abertura de mercados, privatizações e choque de competitividade na indústria nacional

Centralidade das políticas deliberalização comercial

Ausência de políticas industriaisexplícitas

Baixa interação entre setor produtivo e setor tecnológico

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 230

Consolidação e integração ju-rídico-instituci-onal

2003: Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE)

2004: Lei de Inovação (Lei nº 10.973/2004) Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), comandado pela Presidência da República.

2005: Lei do Bem (Lei nº 11.196/2005)

2007: Lei do FNDCT (Lei nº 11.540/2007)

2015: Emenda Constitucional nº 85

2016: Novo Marco Legal em Inovação (Lei nº 13.243/2016)

Estratégia de desenvolvimento:políticas sociais e políticas industriais mais amigáveis à inovação, em ambientes econômicos mais abertos e em regime democrático

Centralidade das políticas deinovação

Maior integração entre políticasindustriais e de C&T (Sistema Nacional de Inovação)

Busca por maior sinergiapúblico-privada

De início, é importante registrar que, embora a maioria das instituições

públicas que atuam na área de CT&I tenha sido criada no primeiro período (dé-

cadas 50-70), o marco regulatório da inovação começou a ser constituído em

etapa bem posterior, pouco antes dos anos 2000, quando o processo de conso-

lidação e integração jurídico-institucional foi intensificado.

Até esse período, a legislação de CT&I não possuía um marco regulatório

que apontasse princípios e diretrizes para atuação estatal e privada, minima-

mente consistentes e articuladas. Na verdade, até então, a legislação de CT&I

se resumia à criação de instituições e à estruturação de programas ou projetos

pontuais, com duração ou fonte de recursos exíguas. O início de consolidação

do marco regulatório permitiu avanços significativos na normatização do am-

biente da inovação.

Neste período destacamos, em 2004, a promulgação da Lei de Inovação

(Lei nº 10.973, de 2004), inspirada nas legislações francesa e norte-americana

da década de 198026, cujo principal escopo era estreitar as relações entre uni-

versidade e empresa, e ampliar os instrumentos de fomento centrados no se-

tor produtivo. Em 2005, promulgou-se a Lei do Bem (Lei nº 11.196, de 2005),

que buscava reduzir o custo do investimento em inovação pelas empresas por

26 Na França: Loi nº 82-610 du 15 juillet 1982 d’orientation et de programmation pour la

recherche et le développement technologique de la France. Nos EUA: The Bayh–Dole Act or

Patent and Trademark Law Amendments Act. Public Law 96-517, December 12, 1980.

Período Instituição/Legislação Principais características

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 231

meio de incentivos fiscais. Mais adiante, em 2007, promulgou-se a Lei do

FNDCT (Lei nº 11.540, de 2007), na época, principal fonte de recursos para o

financiamento da atividade de inovação.

Portanto, o marco regulatório de inovação, quando promulgado, já en-

controu um aparato institucional operacional, formado por diversos atores o

que facilita, de um lado, ao oferecer pontos de apoio importantes, mas difi-

culta, de outro, a coordenação e sinergia entre as políticas desenvolvidas por

cada instituição.

O segundo ponto relevante é que o próprio marco regulatório de inova-

ção é fragmentário, ou seja, não se resume a apenas um instrumento norma-

tivo, porém costumeiramente denomina o conjunto das três leis distintas re-

feridas acima. Trata-se, portanto, de excelente exemplo de como a legislação

de CT&I exige conhecimento e atuação transversal por parte do intérprete, di-

ante da visível dificuldade de operar simultânea e coordenadamente as diver-

sas normas que a compõem. Além disso, a legislação esparsa favorece o surgi-

mento de antinomias jurídicas com o próprio marco regulatório.

Recentemente a legislação de inovação passou por duas significativas

mudanças: (i) a Emenda Constitucional nº 85, de 2015; (ii) a edição do Novo

Marco de CT&I.

A Emenda Constitucional nº 85/2015 foi responsável por incorporar a

temática da inovação ao texto constitucional, conferindo maior prestígio e

proteção normativa à questão. Parte dessas alterações não representavam efe-

tivamente demandas jurídicas. Mas sinalizam fortemente o caráter de com-

promisso nacional com a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação, que deve

orientar a atuação pública e privada.

Dentre as suas principais contribuições, podemos citar: (a) a previsão de

constituição do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI),

com participação público-privada (art. 219-B, caput), ainda não regulamen-

tado; e (b) determinação de que os entes federados – União, Distrito Federal,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 232

Estados e Municípios – legislarão concorrentemente acerca do fomento às ati-

vidades de CT&I (art. 24, inciso IX).

Isso significa que, a partir da edição da referida Emenda Constitucional,

toda matéria relativa a “ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e ino-

vação” deve ser disciplinada por meio de normas gerais editadas pela União,

cabendo também aos demais entes federativos suplementá-las com normas

para atender a suas peculiaridades.27

Concebido inicialmente como o Código de CT&I, o Projeto de Lei nº 2.177,

de 2011, sofreu significativas alterações ao longo de sua tramitação, fruto do

debate entre dezenas de entidades representativas da sociedade, de modo que

a redação final sancionada por meio da Lei nº 13.243, de 2016, restringiu-se a

27 A leitura do ordenamento de CT&I a partir da perspectiva da repartição de competências e das

alterações introduzidas com a Emenda Constitucional nº 85, de 2015 é fundamental para a

compreensão do alcance e da eficácia da Lei de Inovação nas matérias que se entrecruzam na

disciplina da ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação, de modo a se evi-tar

conflitos de competência legislativa, notadamente em relação a autonomia administrativa dos

entes federativos. Apresenta-se um exemplo. Em matérias de sua competência legislativa, os

Estados têm, em princípio, autonomia para estabelecer definições no âmbito de suas polí-ticas de

ciência, tecnologia e inovação (como é o caso, por exemplo, de sistemas estaduais de incubadoras

ou de parques tecnológicos). Porém, com o estabelecimento da competência con-corrente para

legislar (na qual a União edita normas gerais e os Estados editam normas suple-mentares) sobre

ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação, deve-se questio-nar em que medida

Estados podem adotar definições diversas daquelas estabelecidas pela União na Lei de Inovação.

Há, por exemplo, leis estaduais que trazem definições ao regularem incentivos à pesquisa e

inovação. No entanto, são anteriores à Emenda Constitucional nº 85, de 2015, que alterou o art.

24 da CF. Por sua vez, em relação às matérias que dizem respeito à organização administrativa –

as quais podem perpassar a ciência, tecnologia, pesquisa, desen-volvimento e inovação -, temos que

a competência pertence a cada um dos entes da federação, considerando a autonomia político-

administrativa de cada um deles, nos termos do art. 18, caput, da Constituição Federal. Em

outras palavras, nestes casos cada ente editará suas pró-prias normas sobre assuntos de direito

administrativo, não cabendo à União editar normas gerais.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 233

Uma ampla revisão da Lei de Inovação, além de oito normas correlatas ao

sis-tema de CT&I28.

O chamado Novo Marco Legal em CT&I tem por objetivo principal dimi-

nuir a burocracia, aumentar a transparência e prover maior segurança jurí-

dica para várias atividades de CT&I, em especial no que se refere às relações

entre as instituições públicas e privadas. Esses objetivos foram responsáveis

pelos avanços relevantes alcançados pelo Novo Marco legal e continuam a ori-

entar futuras melhorias do sistema de inovação. Exatamente por isso, esses

objetivos estão plenamente incorporados ao presente documento.

Dentre os principais pontos aprovados no Marco, destacamos:

- A constituição de instituições científicas, tecnológicas e de ino-

vação (ICT) públicas e privadas, desde que estas se constituam

em pessoa jurídica sem fins lucrativos, que tenha por finalidade

estatutária ou objetivo social a pesquisa básica ou aplicada de ca-

ráter científico ou tecnológico ou o desenvolvimento de novos

produtos, serviços ou processos (art. 2º, inciso V, da Lei de Inova-

ção);

- Permissão para o compartilhamento e a utilização de laborató-

rios e equipamentos de ICTs públicas para atividades comparti-

lhadas com empresas, mediante contrapartida financeira ou

não financeira (art. 4º da Lei de Inovação);

- Maior liberdade para ICTs e parceiros pactuarem acerca da pro-

priedade intelectual e participação nos resultados obtidos no

âmbito dos acordos de parceria, podendo a ICT ceder ao parceiro

privado a totalidade destes direitos mediante compensação fi-

nanceira ou não financeira, sem necessidade de chamada pú-

blica (art. 9º, §§ 2º e 3º, da Lei de Inovação);

28 Corrobora-se a ideia de fragmentação do ordenamento jurídico de CT&I.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 234

- Dispensa de licitação do fornecimento de produtos e serviços en-

comendados a empresas e/ou ICTs nos termos do art. 20 da Lei

de Inovação, com novo procedimento de remuneração para o de-

senvolvimento de encomendas tecnológicas (art. 20, caput, c/c

§§ 3º e 4º, da Lei de Inovação);

- Extensão do Regime Diferenciado de Contratações Públicas para

ações de órgãos dedicados à Ciência, Tecnologia e Inovação

(CT&I). Ou seja, instituições municipais ou estaduais, além das

federais, podem estabelecer regime simplificado, com regras

próprias, para aquisições de bens e serviços de CT&I (art. 1º, in-

ciso X, da Lei nº 12.462, de 2011);

- Ampliação para até 416 horas do período que os pesquisadores

em regime de dedicação exclusiva (nas universidades federais e

também em institutos e centros de pesquisa mantidos pela

União) possam exercer atividades remuneradas de P&D em em-

presas ou em conjunto com empresas, desde que observada a

conveniência do órgão de origem e assegurada a continuidade

de suas atividades de ensino ou pesquisa (art. 21, §4º, da Lei nº

12.772, de 2012);

- Contratação mais fácil de pesquisadores estrangeiros para ICTs

e empresas (art. 13, incisos V e VIII, da Lei nº 6.815, de 1980, e art.

2º, inciso VIII, da Lei nº 8.745, de 1993);

- Redução das dificuldades de acesso a insumos para pesquisa e

equipamentos comprados no exterior, com tratamento adua-

neiro prioritário e simplificado (art. 1º, §2º, da Lei nº 8.010, de

1990, e art. 1º, par. único, c/c art. 2º, inciso I, alíneas “e” e “g”,

§1º, da Lei nº 8.032, de 1990);

Em resumo, as novas orientações apontam para uma interação menos

rígida e estanque entre governo, ICTs e empresas no desenvolvimento de ati-

vidades de inovação e buscam conferir maior previsibilidade para atuação de

órgãos de controle. Esses aperfeiçoamentos inserem-se, assim, no período

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 235

ainda em curso de consolidação do arcabouço jurídico-institucional existente

no país, que se volta para a consolidação de uma perspectiva mais sistêmica,

simplificada e integrada.

O Novo Marco Legal em CT&I, entretanto, foi aprovado com oito vetos da

Presidência da República a itens relevantes, e assim considerado pelos setores

acadêmico e empresarial, sendo cinco destes apenas na Lei de Inovação. A mo-

tivação dos vetos, exposta na Mensagem Presidencial nº 08, de 11 janeiro de

2016, foi apresentada pelos Ministério da Fazenda e Ministério do Planeja-

mento, Orçamento e Gestão, separadamente e em conjunto, conforme apre-

sentamos na tabela a seguir:

Tabela 2 – Vetos ao Novo Marco de CT&I

Ministério Dispositivos Vetados Razões do Veto

Fazenda

Art. 9º, § 5º, da Lei de Inovação: concessão de bolsas de estímulo, sem inci-dência de impostos e contribuições previden-ciárias, ao empregados e alunos de ICT pri-vada;

Art. 21-A, par. único, da Lei de Inovação: concessão de bolsas de estímulo para ICTs no âmbito de projetos de pesquisa, desenvol-vimento tecnológico e inovação;

Art. 4º, §8º, da Lei nº 8.958, de 1994: aplicação do art. 9º, §4º, da Lei de Inovação à concessão de bolsas de estímulo aos precep-tores de residências médica e multiprofissio-nal e aos bolsistas de projetos de ensino, pes-quisa e extensão, inclusive os realizados no âmbito dos hospitais universitários;

Art. 2º, §2º, da Lei nº 8.032, de 1990: isenção do imposto de importação (II), im-posto sobre produtos industrializados (IPI) e do frete para a renovação da marinha mer-cante (AFRMM) para as importações de má-quinas, equipamentos, aparelhos e instru-mentos, bem como de suas partes e peças de reposição, acessórios, matérias-primas e pro-dutos realizadas pelas empresas em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação; dispensa de exame de similaridade e de con-trole prévio ao despacho aduaneiro;

“Os dispositivos ampliariam isenções tributárias, inclusive de contribuição previdenciária, sem os contornos ade-quados para sua aplicação, o que po-deria resultar em significativa perda de receitas, contrariando esforços ne-cessários para o equilíbrio fiscal. Além disso, apesar de resultar em re-núncia de receita, as medidas não vie-ram acompanhadas das estimativas de impacto orçamentário-financeiro e das compensações necessárias, em desrespeito ao que determina o art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, as-sim como os arts. 108 e 109 da Lei nº 13.080, de 2 de janeiro de 2015 (Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO)”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 236

Art. 16 da Lei de Inovação:

aplicação do art. 9º, §4º, da Lei de Inovação à concessão de bolsa destinada às atividades de ensino, pesquisa e extensão em educação de recursos humanos, nas diversas áreas do conhecimento, por parte de ICT, agência de fomento ou fundação de apoio, inclusive em situações de residência médica e multiprofis-sional e no âmbito dos hospitais universitá-rios;

Planejamento, Orça-mento e Gestão

Art. 10 da Lei de Inovação: taxa de administração para a cobertura de despesas operacionais e administrativas sob os instrumentos firmados com ICTs, empre-sas, fundações de apoio, agências de fomento e pesquisadores

Art. 26-B da Lei de Inovação: A ICT pública que exerça atividades de pro-dução e oferta de bens e serviços poderá ter sua autonomia gerencial, orçamentária e fi-nanceira ampliada mediante a celebração de contrato nos termos art. 37, §8º, da Constitui-ção federal

“A cobrança de taxa de administração descaracterizaria o instituto dos con-vênios, uma vez que na celebração deste modelo de parceria deve sempre prevalecer o interesse recíproco e o regime de mútua colaboração, não sendo cabível em qualquer tipo de re-muneração que favoreça uma das partes envolvidas”

“A atribuição de autonomia gerencial, orçamentária e financeira a Institui-ção Científica e Tecnológica pública pressupõe a fixação de conceitos e condições para sua viabilização. Com a inexistência da regulamentação do que dispõe o § 8º, do art. 37 da Consti-tuição, o dispositivo seria inexequível ou seria aplicado de forma a trazer in-segurança jurídica para tais contra-tos”.

Fazenda e Planejamento, Orçamento e Gestão

Art. 20-A e §1º da Lei de Inovação:

dispensa de licitação para as contrataçõesde microempresas e de empresas de pequeno e médio porte, para prestação de serviços ou fornecimentos de bens elaborados com apli-cação sistemática de conhecimentos científi-cos e tecnológicos, que tenham auferido, no último ano-calendário, receita operacional bruta inferior a R$ 90 mi (noventa milhões dereais), oriunda de: I – cooperação celebrada com a contratante para a realização de ativi-dades conjuntas de pesquisa científica e de-senvolvimento tecnológico para a melhoria de produto e processo ou para o desenvolvi-mento de fonte alternativa nacional de for-necimento (estas atividades podem ser de-senvolvidas pela contratada em parceria com outras ICTs ou empresas); e II - atividades de pesquisa fomentadas pela contratante nas ICT;

“A ampliação de hipóteses de dis-pensa de licitação para a contratação com órgãos e entidades da adminis-tração pública apenas se justifica em caráter bastante excepcional. Da forma como redigido, os elementos para caracterizar a excepcionalidade ficaram excessivamente amplos, per-mitindo a utilização da dispensa em hipóteses que justificariam o procedi-mento licitatório”.

Ministério Dispositivos Vetados Razões do Veto

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 237

Resumidamente, os vetos tratam de dois conjuntos de temas: (a) incen-

tivos fiscais e tributários à formação recursos humanos e importação de bens,

insumos e serviços para a atividade de pesquisa, desenvolvimento e inovação;

e (b) organização e gestão das instituições públicas voltadas à temática da Lei

de Inovação. Tratam-se de oportunidades de melhorias que visam, em linhas

gerais, a conferir maior autonomia, flexibilidade e atratividade às atividades

de inovação.

Embora a Câmara dos Deputados tenha aprovado, por margem expres-

siva, a rejeição aos vetos presidenciais, o Senado Federal os manteve por

falta de votos suficientes29. Não restou, pois, alternativa a não ser a

reapresentação do conteúdo dos vetos por meio de novo projeto de lei, o que

foi feito pelo Pro-jeto de Lei do Senado nº 226, de 2016, de autoria do

Senador Jorge Viana e re-latoria do Senador Cristovam Buarque.

O referido projeto encontra-se atualmente para votação da Comissão de

Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Infraestrutura. Estes vetos se-

rão oportunamente tratados ao longo deste estudo.

Vista em retrospecto, a conformação do regime jurídico da inovação no

Brasil revela um processo lento, porém constante de construção institucional.

Como resultado, o país hoje conta com uma legislação que, apesar de pouco

integrada, é ampla em termos de abrangência e de potencialidades para fo-

mentar, por meio de ferramentas jurídicas, a inovação em ritmo e patamar

mais representativos. O Brasil, portanto, foi capaz de forjar subsistemas mo-

dernos de inovação, mas ainda não conseguiu arquitetar um sistema nacional

integrado, nem um regime jurídico orgânico para o tema.

A aplicação da legislação de CT&I, assim, trasborda para além das fron-

teiras convencionais em que se dividem os assim chamados ramos do direito,

29 Na Câmara dos Deputados foram computados 276 votos favoráveis e apenas 2 contrários.

No Senado, contabilizou-se 37 votos favoráveis pela derrubada contra apenas 3 votos. Con-

tudo, eram necessários pelo menos 41 votos de seus representantes para a aprovação da rejei-

ção aos vetos presidenciais.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 238

de modo que diversos assuntos são tratados de maneira ainda fragmentária,

apoiada em leis ou normas não específicas ao tema da inovação. Como vimos,

essa situação favorece a colisão entre regras e princípios, o que frequente-

mente ocorre na interpretação e aplicação das leis que tratam de inovação no

país.

Isto posto, verificaremos nas seções seguintes, em maior detalhe, os as-

pectos normativos a respeito dos principais pontos de atenção colhidos nas

entrevistas semiestruturadas realizadas anteriormente, bem como nas reco-

mendações para uma nova política de desenvolvimento produtivo e de inova-

ção no país. Agrupamos as análises e recomendações em quatro dimensões bá-

sicas – Compras, Fluxo de Conhecimento, Empreendedorismo e Financia-

mento – que facilitam a visualização e o alcance jurídico das sugestões propostas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 239

2. Compras

Nesta seção específica sobre compras, nosso objetivo é analisar a legis-

lação que afeta o investimento público e privado na área de compras voltadas

para inovação. Para os fins do presente estudo, consideramos compra a aqui-

sição formal (contratada) de produtos ou serviços, realizada por entidades pú-

blicas ou privadas a partir de terceiros.

Almejando compreender os limites e as possibilidades da inovação nas

empresas brasileiras sob a ótica das compras, inicialmente pretendia-se reali-

zar uma análise da Lei de Inovação (Lei n° 10.974/04 e recentes alterações con-

feridas pela Lei n° 13.243/16), mas foi preciso ir além. A Lei de Inovação con-

fere um tratamento insuficiente para a questão da inovação nas empresas, em

oposição às disposições referentes às instituições públicas, que recebem maior

atenção da legislação. Por isso, foi preciso adentrar por outros regramentos

legais e infralegais.

Para atingir seus objetivos, este item encontra-se dividido em quatro se-

ções. A primeira seção apresenta os aspectos metodológicos que guiaram a ela-

boração da análise. A segunda seção reúne as discussões referentes à relação

entre aos aspectos legais das importações voltadas para a pesquisa e inovação.

Na terceira seção, apresenta-se a discussão sobre as políticas de inova-

ção que atuam pelo lado da demanda, isto é, que utilizam o poder de compra

do Estado para estimular desenvolvimento, introdução e difusão de inovações

na sociedade brasileira.

Ao final de cada assunto tratado nas seções são apresentadas recomen-

dações específicas destinadas a fornecer subsídios para o aperfeiçoamento do

arcabouço jurídico associado à inovação e consequentemente estimular o am-

biente de inovação no Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 240

2.1. Elementos Metodológicos

Para fins de análise, optou-se por realizar um recorte que considerasse

a dimensão pública e privada no que se refere às compras voltadas para ino-

vação, uma vez que ambos os elementos foram colhidos nas entrevistas. Nesse

sentido, a Figura 1 apresenta a desagregação dos elementos mais relevantes

sob o ponto de vista do investimento em inovação que estão associados ao

tema das compras e que são diretamente influenciados pelas políticas públi-

cas:

Figura 1 – Desagregação dos elementos da metodologia

Fonte: Elaboração própria.

O recorte tem sua racionalidade destacada quando se olha a inovação a

partir da aquisição de bens e serviços na economia, ou seja, da sua disponibili-

dade no mercado. Isso significa que os dispositivos legais estarão orientados

para o estímulo ao desenvolvimento, introdução e difusão da mudança tecno-

lógica a partir do relacionamento comercial com outros agentes econômicos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 241

Sob esta perspectiva, é relevante observar questões associadas às aqui-

sições de insumos para a pesquisa, desenvolvimento e inovação – PD&I com

fins lucrativos e questões ligadas às políticas de aquisição do Estado (círculos

A e B na figura 1). Isto é, importa compreender tanto as estratégias de aquisi-

ções da empresa quanto a maneira pela qual o Estado demanda bens e serviços

ligados à inovação.

Trata-se de observar a maneira pela qual as empresas são estimuladas

ou desestimuladas a inovar em razão da maneira como se relacionam com for-

necedores (caso das estratégias empresariais de compra) e com os demandan-

tes (no caso da política de compras públicas). Em resumo, sob a perspectiva das

compras, analisam-se as políticas que afetam diretamente a inovação nas em-

presas e as políticas que, ao tratar da aquisição pública, indiretamente levam

à inovação privada.

Em especial, no que se refere às estratégias empresariais de compras,

estuda-se a legislação que respalda as importações empresariais destinadas à

inovação. Já no âmbito das estratégias públicas de aquisição, analisa-se o am-

paro legal pelo qual o Estado fomenta a inovação, sobretudo por meio de suas

compras rotineiras, das encomendas tecnológicas e das importações destina-

das a pesquisa científica e tecnológica.

Por fim, informa-se que, a fim de tornar a análise mais didática e per-

mitir uma discussão mais fluida, os elementos da figura 1 são apresentados

no texto conforme o contexto geral de aplicação e não da forma esquemática

e um tanto rígida presente na referida figura. Por isso, estes elementos se mis-

turam e se complementam ao longo do texto. Não obstante, a divisão entre as

políticas que afetam diretamente as inovações nas empresas e as políticas que

as afetam indiretamente (pois são políticas de aquisição pública) são eviden-

ciadas no texto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 242

2.2. Importação, pesquisa e inovação no Brasil: aspectos legais e infralegais

Esta seção dedica-se a analisar questões que envolvem a relação entre o

processo legal e infralegal de importações e a realização de pesquisa com e sem

fins lucrativos no Brasil. Por isso, trata dos itens A1 e B3 da figura 1, isto é, das

importações tanto para pesquisa e desenvolvimento – P&D sem fins lucrativos

quanto para pesquisa, desenvolvimento e inovação – PD&I com fins lucrati-

vos30.

2.2.1. Importação de insumos para a P&D sem fins lucrativos

Na perspectiva do investimento em inovação, a importação de insumos

para P&D sem fins lucrativos, tal como poderá ser visto ainda nessa seção, so-

fre dos mesmos males que a PD&I com fins lucrativos, uma vez que as merca-

dorias, processos de despacho, documentação legal, dentre outros, são os mes-

mos. Obviamente, não se nega a relevância da distinção da natureza jurídica,

mas apenas procura-se apresentar elementos comuns que ajudem a explicar a

importação para a pesquisa no Brasil.

(i) Legislação Aplicável

A importação destinada a projetos de P&D por pessoas físicas e jurídicas

sem fins lucrativos é regulada pela Lei n° 8.010, de 1990, com alterações dadas

pelas Leis n° 10.973, de 2004 (Lei de Inovação), e em especial pela Lei n° 13.243,

de 2016. A norma de 1990 também possui regulamentação dada pelo Decreto

n° 6.262, de 2007.

30 Na medida em que a inovação se realiza apenas no mercado e que sua introdução está asso-

ciada a sobrevivência da empresa, quando se falar em atividades sem fins lucrativos empre-

gar-se-á o termo P&D e quando se tratar de atividades com fins lucrativos, o termo empregado

será PD&I.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

243

É importante notar que a Lei de Inovação, em especial, é silente acerca

das questões concernentes à importação de elementos para P&D, limitando-se

apenas a citar que, os órgãos públicos e as entidades da administração pública

federal competentes para regulamentar a importação de bens estabelecerão

normas e procedimentos simplificados e prioritários no que se refere às enco-

mendas tecnológicas (art. 20, § 6º).

O Novo Marco Legal de CT&I, por sua vez, buscou estender as diretrizes

de simplificação e priorização a todos os processos de importação referentes a

pesquisa científica e tecnológica, embora ainda se encontre pendente de regu-

lamentação:

Art. 11. Os processos de importação e de desembaraço adua-

neiro de bens, insumos, reagentes, peças e componentes a se-

rem utilizados em pesquisa científica e tecnológica ou em pro-

jetos de inovação terão tratamento prioritário e observarão

procedimentos simplificados, nos termos de regulamento, e o

disposto no art. 1º da Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, e

nas alíneas “e” a “g” do inciso I do art. 2º da Lei nº 8.032, de 12

de abril de 1990.

Entretanto, a parte mais significativa das críticas referentes a compras

de bens e insumos voltados a P&D, conforme visto, dirige-se aos procedimen-

tos impostos pela Lei nº 8.666, de 1993, também conhecida como Lei de Com-

pras e Licitações. Houve consenso entre os entrevistados a respeito da morosi-

dade do procedimento legal previsto, o qual prejudica a celeridade e dinâmica

das pesquisas científicas, em especial nas áreas de fronteira.

Por outro lado, é interessante notar que a Lei de Compras prevê, desde

1998 , a adoção da dispensa do processo licitatório para a aquisição de bens

destinados exclusivamente à pesquisa científica ou tecnológica, desde que ad-

quiridos com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras institui-

ções de fomento à pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim. Trata-se de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

244

significativa alteração legislativa, pois, desde então, esse tipo de aquisição é

submetido à modalidade de compra mais flexível prevista na legislação.Em

201031, em virtude de forte demanda do setor, a dispensa de licitação passou a

abranger também a aquisição de insumos, preservadas as ressalvas quanto ao

destino de sua utilização e fonte de financiamento. Estas restrições somente

foram retiradas com a nova redação do inciso XXI do art. 24 dada pela Lei nº

13.243, de 2016.

Com o objetivo de ampliar ainda mais o acesso aos bens e insumos vol-

tados para pesquisa e desenvolvimento, o Novo Marco Legal de CT&I realizou

modificações significativas na Lei de Compras.

Primeiramente, criou o conceito legal de “produtos para pesquisa e de-

senvolvimento”, incluindo nesta definição elementos não previstos anterior-

mente, como serviços e obras, bem como alargou o seu campo de aplicação,

incorporando as atividades de desenvolvimento de tecnologia ou inovação tec-

nológica, desde que discriminados em projeto de pesquisa aprovado pela ins-

tituição contratante:

Art. 6º. Para os fins desta Lei, considera-se: (...)

XX - produtos para pesquisa e desenvolvimento - bens, insu-

mos, serviços e obras necessários para atividade de pesquisa ci-

entífica e tecnológica, desenvolvimento de tecnologia ou ino-

vação tecnológica, discriminados em projeto de pesquisa apro-

vado pela instituição contratante.

Em seguida, deu nova redação ao inciso XXI do art. 24 da Lei de Compras,

de modo que agora toda e qualquer aquisição ou contratação de “produto para

31 A Lei nº 12.349, de 2010, deu nova redação ao inciso XXI do art. 24 da Lei de Compras: “XXI –

para a aquisição de bens e insumos destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecno-

lógica com recursos concedidos pela CAPES, FINEP, CNPq ou outras instituições de fomento à

pesquisa credenciadas pelo CNPq para esse fim específico”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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pesquisa e desenvolvimento” deve ser dispensada do procedimento licitatório,

independente da origem de seus recursos ou instituição de fomento. Fez-se

única exceção para o caso de obras e serviços de engenharia32:

Art. 24. É dispensável a licitação: (...)

XXI - para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa

e desenvolvimento, limitada, no caso de obras e serviços de en-

genharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea

“b” do inciso I do caput do art. 23;

Nesse sentido, é possível concluir que o Novo Marco de CT&I deu resposta

às incertezas que pairavam a respeito da dispensa de licitação para todos os

produtos para pesquisa e desenvolvimento, nos termos da Lei de Compras.

Outro ponto merecedor de atenção é a extensão da aplicação da Lei nº

8.666, de 1993. Ou seja, todas as instituições públicas estão sujeitas ao seu pro-

cedimento? É importante ter em mente que grande parte das aquisições feitas

por universidades públicas e/ou ICTs públicas se valem de fundações de apoio.

Isto posto, as compras e contratações realizadas pelas universidades direta-

mente ou indiretamente por fundações de apoio estão submetidas ao mesmo

regime legal?

As fundações de apoio são definidas legalmente como fundações de di-

reito privado, regidas pelo Código Civil e pela legislação trabalhista33, com a

finalidade de apoiar projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento

institucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação.

32 Além da limitação relacionada ao valor da contratação, o § 3º do art. 24 da Lei de Compras

estipula que as obras e serviços de engenharia deverão seguir procedimentos especiais insti-

tuídos em regulamentação específica, mesmo nos casos de dispensa amparados no inciso XXI

do referido artigo.

33 Força do art. 2º da Lei nº 8.958, de 1994, com redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

246

Estas fundações não se encontrariam submetidas, por definição legal,

aos ditames da Lei de Compras. Entretanto, a redação original do art. 3º, inciso

I, da Lei nº 8.958, de 1994, expressamente previu a observância destas institui-

ções à Lei de Compras, quando se tratar de execução de convênios, contratos,

acordos e/ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos. Ademais,

previu também a submissão à fiscalização da execução destes instrumentos

aos órgãos estatais de controle (art. 3º, inciso IV).

Como resultado imediato destas disposições, instituições privadas se vi-

ram obrigadas a seguir os ditames da Lei de Compras, dificultando e inviabili-

zando procedimentos que deveriam ser simplificados. Esta reivindicação his-

tórica da Academia somente logrou realizar mudanças por meio da Lei nº

12.863, de 2013, a qual revogou a obrigatoriedade da observância à legislação

federal de licitações e contratos públicos, prevendo, em seu lugar, a adoção de

regulamento específico de aquisições e contratações, a ser editado por meio de

ato do Poder Executivo de cada nível de governo34.

No âmbito federal, o referido regulamento foi instituído pelo Decreto nº

8.241, de 2014, que dispõe justamente sobre a aquisição de bens e contratação

de obras e serviços pelas fundações de apoio aos IFES (instituições federais de

ensino superior) e demais ICTs, nos termos da Lei de Inovação. A propósito, é

importante ressaltar que o Decreto afirma expressamente que o regulamento

se aplica para todo e qualquer recurso utilizado pela fundação de apoio no âm-

bito de projetos, seja este de origem pública ou diversa (art. 1º, § 1º) 35.

Ora, justamente no momento em que o Novo Marco Legal de CT&I con-

cede, na Lei de Compras, tratamento privilegiado à aquisição de “produtos

34 Na verdade, a redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013, se referia apenas a ato do Poder Exe-

cutivo Federal, em detrimento dos demais entes federados. Tal fato foi corrigido pelo Novo

Marco Legal de CT&I, que estendeu a competência aos Poderes Executivos dos demais entes

federados.

35 O art. 1º, §3º, do Decreto nº 8.241, de 2014, estipula que “não se submetem a este Decreto as

aquisições referentes às despesas administrativas desvinculadas da execução do projeto”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

247

para pesquisa e desenvolvimento”, as fundações de apoio, no âmbito dos pro-

jetos científicos e tecnológicos, encontram-se submetidas a outro regime de

compras e contratação, o qual, aliás, não foi objeto de qualquer modificação

por parte da Lei nº 13.243/16. Vejamos.

O art. 8º a 17º do Decreto nº 8.241, de 2016, estabelecem os procedimen-

tos de seleção pública de fornecedores, os quais embora simplificados, ainda

guardam certa similaridade com a dinâmica da Lei de Compras. Mais adiante,

o art. 26 do mesmo normativo dispõe sobre as hipóteses de contratação direta:

Art. 26. A contratação direta será admitida nas seguintes hipó-

teses: (...)

VI - em todas as hipóteses legais de contratação direta por dis-

pensa ou inexigibilidade de licitação aplicáveis à administra-

ção pública federal.

Das condições previstas na legislação, destacamos o inciso VI, responsá-

vel por estender ao regulamento das fundações de apoio as hipóteses legais de

contratação direta por dispensa ou inexigibilidade. Assim, é seguro afirmar

que as fundações de apoio gozam do mesmo benefício concedido pelo novo

Marco Legal de CT&I às contratações amparadas pelas Lei nº 8.666, de 1993,

embora não se encontrem submetidas a esta.

Embora a previsão legal seja expressa, é sabido que, talvez por receio

frente a órgãos de controle e no sentido de salvaguardar os próprios agentes

públicos envolvidos, algumas fundações de apoio têm por hábito solicitar

(mesmo que não exigido pela legislação) parecer jurídico consubstanciando o

atendimento à legislação, adicionando, assim, mais uma etapa no já longo pro-

cesso de importação (ALMEIDA et al., 2013).

Como último ponto, destaca-se que o Novo Marco Legal de CT&I ampliou

o rol de hipóteses de utilização do Regime Diferenciado de Contratações Públi-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

248

cas (RDC), criado pela Lei nº 12.462, de 20012, estendendo-o às licitações e con-

tratos necessários à realização “das ações em órgãos e entidades dedicados à

ciência, à tecnologia e à inovação” (art. 1º, inciso X).

Espera-se, assim, que estas contratações ganhem em celeridade, tendo

em vista os principais benefícios advindos deste regime especial de compras:

(i) a inversão das fases de habilitação e julgamento (lances); (ii) redução dos

prazo mínimos para apresentação de propostas; (iii) unificação das fases re-

cursais, com prazo comum de 5 (cinco) dias; e (iv) a possibilidade de contrata-

ção integrada, por meio da qual se realiza uma única licitação para a contra-

tação do projeto básico/executivo, realização e entrega da obra.

Aliás, o art. 9º da Lei do RDC permite expressamente a adoção da contra-

tação integrada nas licitações de obras e serviços de engenharia, desde que

técnica e economicamente justificada, quando o objeto envolver inovação tec-

nológica ou técnica.

No que se referem aos projetos de lei atualmente em tramitação, desta-

camos o Projeto de Lei do Senado nº 226, de 2016, atualmente em trâmite no

Senado Federal. Conforme já informado anteriormente, o referido projeto tem

por finalidade precípua restabelecer o conteúdo do Novo Marco de CT&I vetado

pela Presidência da República.

Entretanto, o projeto recentemente recebeu emenda com a finalidade

de incluir o Capítulo VI-A à Lei de Inovação, intitulado “Das licitações no âm-

bito dos projetos de pesquisa”.

Por meio da inclusão dos artigos 23-A a E, o legislador pretende enunciar

os princípios que regerão as licitações para aquisição de bens e serviços essen-

ciais à realização de projetos de pesquisa por órgãos da Administração Pública

federal, estadual e municipal. A Lei de Licitação, pois, teria aplicação subsidi-

ária, restrita àquilo em que não conflitar com o referido Capítulo VI-A.

Dentre as iniciativas, destaca-se a criação da modalidade licitatória de-

nominada “cotação eletrônica”, a qual se assemelha ao pregão eletrônico pre-

visto na Lei nº 10.520, de 2002, embora possa ser utilizada para compra de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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bens e serviços considerados “não comuns” e os julgamentos possam ser feitos

com base em “técnica e preço”, em alguns casos (arts. 23-B e 23-C).

A legislação em vigor somente permite a utilização do pregão eletrônico

para a aquisição de bens e serviços “comuns”, ou seja, cujos padrões de desem-

penho e qualidade possam ser objetivamente definidos no Edital. Ademais, o

art. 6º do Decreto nº 5.450, de 2005, restringe expressamente o emprego do

pregão eletrônico às contratações de obras de engenharia, bem como locações

imobiliárias e alienações em geral.

Assim sendo, trata-se de importante proposta, uma vez que o pregão ele-

trônico promove maior celeridade e transparência às aquisições públicas,

muito em virtude da inversão de fases, concentração dos atos em sessão única

e fase recursal restrita apenas ao final do certame.

O prazo para recebimento das propostas para a licitação de “bens e ser-

viços comuns” voltados para os projetos de pesquisa de CT&I também foi redu-

zido pelo PL nº 226, de 2016: (i) cinco dias úteis, no caso de bens e serviços co-

muns; (ii) doze dias úteis no caso de julgamento por “técnica e preço”; e (iii)

dez dias úteis nos demais casos. A título de comparação, a legislação atual es-

tabelece prazo não inferior a oito dias úteis (art. 4º, inciso V, da Lei nº 10.540,

de 2002).

Concluindo, a Emenda ao PL nº 226, de 2016, permitirá que as aquisições

públicas de bens, serviços e insumos para os projetos de CT&I possam utilizar

amplamente recursos tecnológicos, de maneira mais célere e eficiente, a par-

tir da expansão do objeto e escopo do pregão eletrônico.

(i) Aspectos Tributários

Ponto que merece destaque acerca das importações de P&D sem fins lu-

crativos refere-se aos aspectos tributários desta operação. Considerando as le-

gislações citadas, instituições públicas ou privadas sem fins lucrativos que se

enquadrem enquanto Instituição Científica e Tecnológica – ICT, quando da im-

portação de insumos destinados a projetos de P&D estão isentas : (i) do Imposto

de Importação; (ii) do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI; e (iii) do

Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

250

Já o artigo 9º da Lei n° 10.865, de 2004, isenta o referido tipo de impor-

tação do pagamento dos impostos referentes aos Programas de Integração So-

cial – PIS, de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PASEP e da Contri-

buição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS. Nesse mesmo

sentido, o Convênio ICMS nº 93/1998 autoriza os Estados e o Distrito Federal a

isentarem as importações realizadas sob os preceitos da Lei n° 8.010/90 do Im-

posto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.

(i) Procedimentos de Importação

Os procedimentos administrativos de importação são fortemente mar-

cados por duas características principais: (a) protecionismo; e (b) burocracia.

A primeira característica tem origem econômica e refere-se às dificuldades

impostas ao processo de importação em nome da proteção à economia nacio-

nal, sobretudo quando a aquisição é financiada por recursos públicos. A se-

gunda característica diz respeito à enorme produção de informações conside-

radas necessárias para a conclusão da importação, sendo que a todo momento

compete ao importador provar a legalidade de sua aquisição, independente-

mente de seu histórico de operação.

Mas como funciona o processo de importação de insumos para a pes-

quisa científica sem fins lucrativos no Brasil? Em síntese, compreende seis

etapas:

a) Obtenção da “proforma invoice”, que se constitui num orçamento emitido

pelo exportador e que estabelece a intenção de compra, na qual devem

constar, características do bem, preço, formas de pagamento, envio, su-

porte técnico, entrega etc;

b) Registro da importação no Sistema Integrado de Comércio Exterior – SIS-

COMEX. O importador deverá escolher entre o regime normal ou especial

(para bens de até US$ 10 mil). Segundo o Conselho Nacional de Desenvolvi-

mento Científico e Tecnológico – CNPq e a Secretaria de Receita Federal –

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

251

SRF, 90% das importações para pesquisa realizadas nesse regime são dire-

cionadas para o canal verde e, por isso, tem trâmite alfandegário simplifi-

cado;

c) Anuência da importação. Nessa fase o importador deve ser credenciado no

CNPq e de acordo com o bem importado, receber autorização para importar

de outros órgãos do governo, tais como: Agência Nacional de Vigilância Sa-

nitária – ANVISA, Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, Instituto

Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA,

Polícia Federal – PF etc;

d) Câmbio e pagamento;

e) Procedimentos de embarque, nos quais o exportador é comunicado de todos

os requisitos do produto para a entrada no país e;

f) Desembaraço aduaneiro. Nesta última fase a decisão pelo regime de impor-

tação define os procedimentos, bem como a inclusão ou não, pela Secreta-

ria de Receita Federal – SRF da carga no canal verde.

Para regular a aplicação das exigências legais de simplificação de des-

pacho, a Secretaria da Receita Federal editou as Instruções Normativas, IN SRF

n° 799/07 e IN SRF n° 1.133/11. A primeira medida dispõe sobre o despacho

aduaneiro simplificado das importações realizadas nos termos da Lei n°

8.010/90 dando prioridade à classificação do canal verde (despacho imedi-

ato)36. A segunda medida altera a IN SRF nº 102/94 e confere prioridade de

armazenamento aos insumos destinados à pesquisa científica.

No que se refere aos procedimentos operacionais, as importações de

P&D estão dispensadas: (i) do processo licitatório; (ii) do exame de similari-

36 Com base na DI a RFB distribui a mercadoria por quatro canais parametrizados de despacho:

(i) verde, com liberação imediata da mercadoria; (ii) amarelo, com verificação documental;

(iii) vermelho, com exame documental e da mercadoria e (iv) cinza, com exame documental,

da mercadoria e do valor de importação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

252

dade; (iii) da emissão de guia de importação e (iv) dos controles prévios ao des-

pacho aduaneiro. O artigo 3° da Lei n° 8.010, de 1990, ainda estabelece que o

processo de importação dessas mercadorias será simplificado, principal-

mente quando tratar de deterioráveis.

Além disso, o artigo 2°, § 2º, da Lei n° 8.010/90, regulado pela Portaria

Interministerial entre o Ministério da Fazenda – MF e o Ministério da Ciência,

Tecnologia e Inovação – MCTI n° 977/10, determina que tais importações deve-

rão respeitar uma cota máxima estabelecida pelo MF , controlada e distribuída

pelo CNPq. Com base em critérios técnicos, internamente definidos, o CNPq

realiza a divisão desta cota entre os interessados.

(ii) Iniciativas Governamentais

Na medida em que o CNPq concentra os pedidos de importação que vi-

sam usufruir das isenções fiscais previstas na Lei n° 8.010/90, em 2011, a ins-

tituição lançou o Programa “CNPq Expresso”, que visa a agilizar a liberação de

mercadorias importadas. O referido programa, amparado pela IN SRF n°

1.133/11, altera a IN SRF n° 102/94, articulando as ações aduaneiras da SRF,

ANVISA, Ministério da Agricultura – MAPA, Empresa Brasileira de Infraestru-

tura Aeroportuária - INFRAERO e MCTI no sentido de dar tratamento prioritá-

rio a cargas identificadas com o selo “CNPq_Expresso”. Tal iniciativa atua, so-

bretudo, na fase de desembaraço aduaneiro.

Nesse mesmo período, e também atuando sobre o desembaraço adua-

neiro, foi criada uma nova modalidade de importação simplificada pelos Cor-

reios, o “Importa Fácil Ciência”. Neste programa, além de entregar a mercado-

ria, os Correios se encarregam dos trâmites de despacho aduaneiro. Mediante

cadastro no CNPq, instituições e pesquisadores individuais podem usufruir do

serviço mediante pagamento de taxas37. Apesar do website que hospeda o ser-

viço não informar, o serviço é limitado a importações de valor igual ou menor

do que US$ 10 (dez) mil e peso igual ou inferior a 30 kg.

37 Em março de 2016, o serviço Importa Fácil Ciência cobrava R$ 250,00 pelo despacho adua-

neiro (incluindo o 1° licenciamento) e R$ 40,00 por cada licenciamento adicional.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

253

Iniciativa relevante no sentido de conferir celeridade ao processo de im-

portação sobre a fase de anuência diz respeito à edição da Resolução da Dire-

toria Colegiada – RDC nº 01/08 pela ANVISA. A referida resolução estabelece

os procedimentos para a importação de insumos destinados à pesquisa e esta-

belece que as licenças de importação deverão serem deferidas em até 24 (vinte

e quatro) horas depois de cumpridas as exigências legais pertinentes.

Em que pese existir um conjunto ordenado e aparentemente suficiente

de leis, regulamentações infralegais dando tratamento diferenciado aos insu-

mos e às inciativas capitaneadas pelo CNPq, a comunidade científica ainda se

mostra queixosa sobre a morosidade no processo geral de importação e das

situações quase surreais referentes à anuência prévia e fiscalização para des-

pacho.

Do exposto, conclui-se que os principais obstáculos referentes à impor-

tação de insumos para a pesquisa sem fins lucrativos no Brasil derivam, não

da ausência de mecanismos legais específicos, mas, sobretudo, da coordena-

ção entre os diversos órgãos de Estado que participam do processo de impor-

tação, assim como da gestão e compatibilização normativa que precisa ser re-

alizada entre estas instituições governamentais.

Por mais que a legislação fale em “despachos simplificados”, “priorida-

des” e “isenções”, a prática de execução de todo o processo de importação mos-

tra-se ainda pouco eficiente e flexível, em especial para áreas de fronteira ci-

entífica, como a medicina e biologia. Nesse sentido, a capacidade de atualiza-

ção dos procedimentos administrativos destas instituições parece estar

aquém da velocidade da mudança técnico-científica nestes campos.

Consequentemente, sob a perspectiva da gestão pública, os fatos relata-

dos levam a questionar se a equalização destes problemas não estaria mais as-

sociada a uma reformulação geral dos procedimentos aduaneiros brasileiros,

do que modificações ad hoc e exclusivas à ciência, pois em termos de importa-

ção, os problemas que afetam a pesquisa sem fins lucrativos também afetam

todo o tecido produtivo nacional, conforme veremos no item seguinte.

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(iii) Recomendações

A título de recomendações a respeito da legislação que concerne as im-

portações de P&D, podemos citar os principais pontos:

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de acrescer o Capí-

tulo VI-A à Lei de Inovação, responsável pela criação da “cotação

eletrônica” como modalidade de licitação voltada para aquisição

de bens, serviços e insumos no âmbito de projetos de CT&I;

- Regulamentar o art. 11 da Lei nº 13.243, de 2016, no sentido de dis-

ciplinar efetivamente o que seriam o tratamento prioritário e

procedimentos simplificados a que se sujeitam os processos de

importação e desembaraço aduaneiro de bens, insumos, reagen-

tes, peças e componentes a serem utilizados em pesquisa cientí-

fica e tecnológica ou em projetos de inovação;

- Revisar a regulamentação normativa, buscando restringir ao má-

ximo, para os setores envolvidos com CT&I, as situações em que se

exige anuência prévia para importação;

2.2.2. Importação de insumos para a P&D com fins lucrativos

Esta subseção trata das importações realizadas pelas empresas nacio-

nais destinadas às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação. Por-

tanto, analisa a influência das políticas públicas de importação sobre o inves-

timento das empresas, públicas ou privadas, em inovação.

Nesse contexto, existem dois conjuntos de desafios a serem enfrentados,

o primeiro diz respeito a regulação das isenções fiscais e o segundo, a melhora

dos processos e procedimentos de importação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

255

(i) Isenções Fiscais

Segundo o artigo 2° da Lei n° 8.032/90, as empresas importadoras [...] na

execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação, cujos critérios

e habilitação serão estabelecidos pelo poder público [...] estão isentas do Im-

posto de Importação e do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.

Tal possibilidade inédita foi introduzida pela Lei n° 13.243/16 que alte-

rou a redação da Lei n° 8.032, de 1990, e equiparou as empresas às ICTs quanto

às isenções dos impostos citados. Contudo, as isenções previstas às empresas

ainda não foram reguladas pelo poder público. Assim, enquanto se elabora o

presente estudo, importações por parte de empresas destinadas a projeto de

PD&I ainda não podem usufruir das isenções mencionadas. De fato, a regula-

mentação das alterações feitas pela Lei n° 13.243/16 se constitui em grande

desafio, uma vez que separar – formalmente – as atividades de PD&I das de-

mais atividades da empresa é tarefa complexa.

É importante ressaltar ainda que, as isenções referem-se a insumos im-

portados a serem empregados em esforços nacionais de PD&I e não na aquisi-

ção de máquinas e equipamentos destinados à produção em larga escala, os

quais, em última instância, poderão ser considerados inovações de processo

ou organizacionais.

O objetivo dessas isenções é o de estimular atividades empresariais de

PD&I no país de forma a aumentar não só a competitividade internacional das

empresas brasileiras, como a atratividade internacional da própria realização

de PD&I no país.

De forma geral, as importações destinadas a PD&I se caracterizam pelo

baixo volume relativo, baixa rotinização e alto custo unitário. Em casos ligados

a projetos de PD&I dos setores químico e biotecnológico, por exemplo, os insu-

mos importados atuam no limiar da lei, isto é, muitas vezes sua importação

não foi claramente prevista pelo ordenamento legal e infralegal. Adicional-

mente, insumos importados para PD&I também tendem a ser mais perecíveis

dos que os demais. Perecíveis não apenas em termos de atuação de princípios

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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ativos, sobrevida de organismos vivos etc., mas também em termos da neces-

sidade de introduzir novos produtos no mercado antes dos concorrentes.

Nesse sentido, a velocidade do processo de importação é fundamental para o

sucesso dos processos de PD&I.

Outro ponto relevante ainda a respeito dos aspectos tributários que con-

cernem à importação de insumos de P&D por empresas, é o veto presidencial

ao § 2º do art. 2º da Lei nº 8.032, de 1990, introduzido pelo art. 10 do Novo

Marco de CT&I. O dispositivo vetado confere diversos incentivos tributários e

estabelece procedimentos alfandegários facilitados às empresas em projetos

de pesquisa, desenvolvimento e inovação:

I - Isenção dos impostos de importação e sobre produtos indus-

trializados e do adicional de frete para renovação de frete da

marinha mercante às importações de máquinas, equipamen-

tos, aparelhos e instrumentos, bem como suas partes e peças de

reposição, acessórios, matérias-primas e produtos intermediá-

rios destinados à pesquisa científica, tecnológica e de inovação;

II - Dispensa do exame de similaridade e controles prévios ao

despacho aduaneiro.

Por fim, diferentemente do que ocorre no caso das importações destina-

das a projetos de P&D sem fins lucrativos, as importações para projetos de PD&I

com fins lucrativos não gozam de isenção do ICMS e, como o art. 11 da Lei nº

13.243/16 ainda tem regulamentação pendente, tampouco existe tratamento

legal prioritário nos recintos aduaneiros e nos órgãos anuentes.

Procedimentos de Importação

Em que pese a existência de alguns mecanismos legais e infralegais de

facilitação de comércio presentes no fluxo de importação, o Brasil pode ser

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

257

considerado um país “fechado” ao comércio internacional38. Resta-nos com-

preender como os inúmeros gargalos logísticos e processuais que envolvem a

importação de produtos influenciam a capacidade das empresas em realizar

PD&I de forma veloz e eficiente. Esses desafios formam um conjunto distinto

daquele relacionado a regulamentação das isenções fiscais. Por isso, exigem

tratamento distinto.

A fim de discutir os desafios relacionados ao tema foi elaborada a figura

2. Esta figura apresenta o fluxo básico e simplificado do processo de importa-

ção de mercadorias no Brasil, sob o ponto de vista de uma empresa manufatu-

reira nacional. Por isso, diz respeito às relações mais comuns e não às inúme-

ras situações específicas.

38 Num ranking que mede o grau de abertura comercial elaborado para o “The Global Enabling

Trade Report 2014” pelo Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupava a 86° posição entre 138

países, atrás, por exemplo, de Honduras, Namíbia, Azerbaijão, Nicarágua e outros com produ-

tos internos brutos inferiores. Esse resultado deve-se, segundo o próprio relatório, a uma má

administração dos controles fronteiriços, à infraestrutura de transporte precária e ao ambi-

ente operacional desfavorável. Este último, relacionado a questões de propriedade intelectual,

eficiência e transparências das instituições, segurança pública, facilidade de cumprimento

das exigências legais etc. Em termos de ambiente operacional, o Brasil encontra-se em 90°

lugar, atrás de Quênia, Camarões, Libéria e Gana, por exemplo.

Nesse mesmo sentido, o Relatório Doing Bussines 2016 elaborado pelo Banco Mundial coloca o

país na 145° posição dentre 189 países quanto à facilidade de realizar transações comerciais

entre fronteiras. Segundo o relatório, o tempo médio para tratar de todo o processo de impor-

tação no Brasil é de 146 horas, contra 138 em Uganda, 44 no Timor Leste e de uma hora em

Singapura. FERRANTINO, GEIGER e TSIGAS (2013) mostram que se o Brasil aumentasse a efi-

ciência de seus processos de importação e exportação até, pelo menos, a metade da melhor

prática global, haveria um incremento de 3,6% no Produto Interno Bruto – PIB, de 29,7% nas

exportações e de 73,9% nas importações. Ou seja, o aumento da competitividade internacional

da economia brasileira passa, necessariamente, por uma revisão de seu sistema de comércio

exterior.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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Figura 2 – Etapas básicas e gerais de importação de mercadorias no Brasil

Fonte: Elaboração própria.

O processo se inicia com o importador identificando o código Nomen-

clatura Comum do Mercosul – NCM referente à mercadoria demandada. Com

base nessa informação, o importador realiza o registro no Portal do Sistema

Integrado de Comércio Exterior – Siscomex. Caso o importador não consiga en-

contrar o código referente ao produto desejado ele pode solicitar tal identifi-

cação à RFB.

Ainda no ambiente Siscomex, é preciso verificar se a mercadoria exige

Licença de Importação – LI, fornecida por órgão anuente específico. A LI pode

ser automaticamente conferida ou não-automaticamente. No primeiro caso,

o deferimento ocorre independente da data de embarque. Já no segundo caso,

o deferimento deve ocorrer antes do embarque, sob penalidade de multa. Con-

tudo, para importações cuja LI seja expedida pela Agência Nacional do Petró-

leo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, Ministério da Agricultura, Pecuária

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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e Abastecimento – MAPA e Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA

o deferimento pode ocorrer depois do embarque no exterior, mas antes do des-

pacho aduaneiro. Nestes casos, os referidos órgãos anuentes, mediante fisca-

lização da mercadoria no Brasil, deferem a LI pendente.

Com a chegada da mercadoria no Brasil, caso esta não exija fiscalização,

então, o importador pode elaborar a Declaração de Importação – DI. De forma

geral, a mercadoria deve estar no país para que se proceda a elaboração da DI

pelo importador.

Porém, conforme IN SRF nº 680/06, em alguns casos pode-se, de forma

antecipada a chegada no país, realizar a DI. Dentre estes casos destaca-se:

“mercadoria inflamável, corrosiva, radioativa ou que apresente característi-

cas de periculosidade” e “plantas e animais vivos, frutas frescas e outros pro-

dutos facilmente perecíveis ou suscetíveis de danos causados por agentes ex-

teriores”. O preenchimento antecipado da DI tem o potencial de acelerar todo

o processo de despacho, uma vez que pode ser feito durante o tempo de trans-

porte internacional da mercadoria.

Com base na DI a RFB distribui a mercadoria por quatro canais parame-

trizados de despacho: (i) verde, com liberação imediata da mercadoria; (ii)

amarelo, com verificação documental; (iii) vermelho, com exame documental

e da mercadoria e (iv) cinza, com exame documental, da mercadoria e do valor

de importação.

Contudo, caso a mercadoria importada exija inspeção quando de sua

chegada ao Brasil, o importador deve comunicar aos órgãos anuentes da pre-

sença desta no país. Nesse momento, a LI pendente é deferida pelos órgãos

anuentes e a mercadoria segue para a RFB após a elaboração da DI. É nesse

momento, também, que os órgãos anuentes podem fiscalizar a carga, indepen-

dente das licenças conferidas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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(ii) Iniciativas Governamentais

Assim como o Brasil, muitas economias emergentes sofrem com a ine-

ficiente gestão do comércio internacional, ineficiência essa que implica em

maiores custos e dificuldades em inserção em cadeias produtivas globais.

Nesse sentido, a Organização Mundial do Comércio – OMC, mediante

discussões realizadas no âmbito da IX Conferência Ministerial realizada em

Bali (Indonésia), lança o Acordo de Facilitação de Comércio – AFC que visa, com

base numa nova abordagem do risco nas transações, tratar destes desafios e

robustecer o comércio entre países através de ações mútuas de desburocrati-

zação, reorganização e simplificação de serviços aduaneiros, bem como da in-

tensificação do uso de tecnologias de informação e comunicação.

Portanto, tal acordo tem por objetivo não apenas reduzir exigências

quanto à documentação e a processos, mas também modificar a própria ma-

neira como o comércio exterior é encarado pelos países, dando prioridade à

liberação de mercadorias em detrimento ao controle excessivo e pouco inteli-

gente39.

Em março de 2016, o Congresso Brasileiro ratificou o referido acordo e

neste momento aguarda a aprovação da Presidência da República, momento a

partir do qual. o país deverá iniciar as muitas atividades necessárias ao seu

efetivo estabelecimento.40 Além da ratificação do AFC pelo Congresso, des-

taca-se as iniciativas de criação do Portal Único de Comércio Exterior e do Pro-

grama Brasileiro de Operador Econômico Autorizado – OEA.

39 Não obstante os inúmeros desafios à implementação, ZAKI (2014) e FERRAZ e MARINHO

(2015) demonstram o grande impacto potencial que as medidas previstas poderão ter sobre a

economia brasileira e sobre a eficiência dos processos de importação e exportação brasileiros.

Para FERRAZ e MARINHO (2015), inclusive, os atrasos aduaneiros são mais relevantes, do

ponto de vista econômico, do que as próprias tarifas de importação. Ou seja, medidas de au-

mento de eficiência na importação tendem a impactar positivamente o custo das importações

no Brasil.

40 O AFC entrou em vigor em 22 de fevereiro de 2017 (Nota do Organizador).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

261

O Portal Único de Comércio Exterior foi lançado em 2014 e sustenta-se

sobre três pilares: (i) integração de intervenientes; (ii) redesenho dos processos

e (iii) intensificação do uso de tecnologias de informação. O Portal41 tem por

meta reduzir drasticamente o tempo e o esforço despendido tanto nas impor-

tações quanto exportações realizadas por empresas brasileiras. Trata-se de ini-

ciativa inserida no Plano Nacional de Exportações e tem sua gestão feita pelo

Ministério da Indústria e Comércio Exterior – MDIC.

Trata-se, na verdade, de iniciativa que visa a resgatar e consolidar o ob-

jetivo central do Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX), criado

pelo Decreto nº 660, de 1992, que é ser o “instrumento administrativo que in-

tegra as atividades de registro, acompanhamento e controle das operações de

comércio exterior, mediante fluxo único, computadorizado, de informações”

(art. 2º).

O sistema – ainda em fase de implantação – funcionará como uma “ja-

nela única” na qual, através da certificação digital, todas as operações de co-

mércio exterior (inclusive referentes a drawback) serão efetuadas mediante

integração de todos os 22 órgãos anuentes na plataforma.

Tal iniciativa, apesar de se constituir num avanço, a julgar pelas afirma-

ções de MARTINS (2016), MOREIRA (2016), ASSIS (2016) e MACHADO (2015) não

é suficiente para resolver a miríade de problemas enfrentados na importação

de mercadorias por empresas brasileiras. De fato, o Portal auxilia mais na re-

solução de questões documentais do que propriamente no processo de despa-

cho aduaneiro e na interpretação da legislação para o deferimento de licenças

de importação.

Nesse sentido, destaca-se o OEA. Este programa foi criado pela Secreta-

ria da Receita Federal, por meio da Instrução Normativa RFB nº 1.521, de 04 de

dezembro de 2014, posteriormente revogada pela Instrução Normativa RFB nº

1.598, de 09 de dezembro de 2015, responsável por reformular o programa.

41 Ver (http://portal.siscomex.gov.br/).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

262

De adesão voluntária, o Programa possui nove objetivos42, dos quais se

destacam: “proporcionar maior agilidade e previsibilidade no fluxo de comér-

cio internacional”, “incrementar a gestão do risco das operações aduaneiras”,

“intensificar a harmonização dos processos de trabalho com outros órgãos re-

gulatórios do comércio exterior” e “priorizar as ações da Aduana com foco nos

operadores de comércio exterior de alto risco ou de risco desconhecido”.

De acordo com o art. 5º da referida Instrução Normativa, o Programa

oferecerá três tipos de certificação, que garantirão tratamento diferenciado,

tanto nas exigências documentais, quanto no processamento de cargas liga-

das ao comércio exterior. As certificações são: (i) OEA-Segurança (OEA-S); (ii)

OEA-Conformidade (OEA-C) e (iii) OEA-Pleno (OEA-P).

Se a OEA-S não trata das importações, as certificações OEA-C e OEA-P

conferem ao operador no ato da importação: (i) consulta sobre classificação

fiscal acelerada; (ii) dispensa da apresentação de garantia na concessão do re-

gime de admissão temporária43; (iii) seleção para canais de conferência com

percentual reduzido; (iv) parametrização das declarações aduaneiras imedia-

tas após registro de DI; (v) priorização na conferência das DIs; (vi) nas impor-

tações marítimas, permissão do registro da DI antes da chegada da carga com

seleção parametrizada imediata e (vii) classificação no canal verde das impor-

tações feitas sob o regime aduaneiro de admissão temporária. Ou seja, con-

fere-se tratamento prioritário a cargas que, em razão da certificação, são sa-

bidamente de baixo risco.

Para fazer jus aos benefícios associados às certificações OEA-C e OEA-P,

o agente importador deverá atender requisitos de admissibilidade , elegibili-

dade , segurança e conformidade (estes dois últimos critérios são empregados

segundo modalidade e tipo de operador).

42 Art. 3º da Instrução Normativa RFB nº 1.598, de 2015.

43 Ingresso isento de impostos, de carga a título não definido, devendo ser reexportada para o

destino original após o uso. É diferente do Regime de Drawback no qual a isenção se dá em

função do uso das mercadorias importadas na manufatura de atividades exportadoras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

263

Verifica-se, pois, que para cumprir sua certificação de importador como

OEA, este deve cumprir mais de duas dezenas de critérios de certificação. Ou

seja, para usufruir dos benefícios do programa, é preciso, além de experiência

na operação de comércio exterior, esforço prévio de gestão e organização para

comprovar o cumprimento das exigências.

Do ponto de vista das importações destinadas a projetos de PD&I priva-

dos, o programa de OEA cobre uma parcela significativa de empresas. Notada-

mente as grandes empresas multinacionais atuantes no país. Por outro lado, o

Programa pode não se mostrar desburocratizante para empresas sem experi-

ência no comércio exterior, empresas novas e pequenas empresas sem siste-

mas complexos de gestão.

Trata-se de restrição relevante, considerando-se a dinâmica do sistema

de inovação brasileiro, uma vez que, ficam de fora do programa as start-ups e

as empresas spin-offs de grandes e antigas empresas. A experiência em comér-

cio exterior, utilizada enquanto elemento de diluição de risco na certificação,

não existe nestas empresas.

De forma geral, as empresas que integraram o programa, poderiam im-

portar insumos para PD&I por meio deste. Contudo, o programa de OEA ainda

não atinge as relações estabelecidas com os órgãos anuentes, que, tal como já

mencionado, são mais truncadas quanto mais específicos são os insumos a se-

rem importados.

Os atrasos ocasionados por exigências de órgãos anuentes são mais evi-

dentes e noticiados nas importações de insumos para PD&I nos setores farma-

cêuticos e que envolvem biotecnologia. Então, mesmo para empresas que se

enquadram no programa de OEA, é preciso um tratamento diferenciado se o

objetivo for estimular atividades empresariais de PD&I.

Não obstante, segundo o cronograma de implantação do programa, es-

pera-se, em fins de 2016, implementar a certificação OEA Integrado – OEA-I,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 264

na qual seriam incorporadas aos sistemas as exigências dos órgãos anuen-

tes44. Se isso for realizado, as importações para a inovação das empresas cer-

tificadas, mesmo nos setores citados, seriam sobremaneira facilitadas, pois,

além de não pagar impostos de importação, tais empresas ganhariam agili-

dade na importação. Contudo, o OEA-I, para ser completo, precisa considerar

as especificidades e a não-parametrização das importações destinadas a PD&I.

Por fim, infere-se que seria oportuno o acompanhamento das discus-

sões acerca da regulamentação das iniciativas governamentais de unificação

e centralização dos procedimentos aduaneiros, como o Portal Único do Comér-

cio Exterior e o Programa OEA, no sentido de favorecer ou facilitar os procedi-

mentos a serem adotados para as atividades ligadas à CT&I.

(iii) Recomendações

Sob o ponto de vista do estímulo às atividades de PD&I com fins lucrati-

vos previsto na legislação, recomenda-se envidar esforços nas seguintes ativi-

dades:

- Regulamentar o art. 11 da Lei nº 13.243, de 2016, no sentido de

disciplinar para as empresas o que seria o tratamento prioritário

e procedimentos simplificados a que se sujeitam os processos de

importação e desembaraço aduaneiro de bens, insumos, reagen-

tes, peças e componentes a serem utilizados em pesquisa cientí-

fica e tecnológica ou em projetos de inovação;

- Regulamentar os critérios e a habilitação requeridos das empre-

sas para se conceder as isenções e reduções do Imposto de Impor-

tação referente às importações realizadas por estas, conforme

art. 2º, caput, inciso I, alínea “g”, c/c § 1º, da Lei nº 8.032, de 1990.

44 Em notícia de 09/05/2016, a Receita Federal informou que a VIGIAGRO seria o primeiro

Órgão de Estado a participar do OEA-Integrado, após realização da primeira reunião entre in-

tegrantes dos Ministérios da Fazenda e Agricultura.

Mais a respeito em: https://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/aduaneira/importacao-e-

exportacao/oea/noticias/primeira-reuniao-do-oea-integrado. Acesso em 18/06/2016.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

265

A título de sugestão, poderia ser utilizado um cadastro único das

empresas solicitantes;

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

conteúdo do veto presidencial ao art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.032, de

1990, introduzido pela Lei nº 13.243, de 2016, com o intuito de

conferir às empresas em projetos de pesquisa, desenvolvimento

e inovação: (i) isenção dos impostos de importação e sobre produ-

tos industrializados e do adicional de frete para renovação da

marinha marcante para a importação de máquinas, equipamen-

tos, aparelhos e instrumentos, bem como suas partes e peças de

reposição, acessórios, matérias-primas e produtos intermediá-

rios destinados à pesquisa científica, tecnológica e de inovação;

(ii) dispensa do exame de similaridade e controles prévios ao des-

pacho aduaneiro.

2.3. O poder de compra do governo como indutor da mudança técnica nas empresas

De forma geral, as economias mais avançadas têm empregado o poder

de compra do governo enquanto elemento indutor da mudança técnica de

duas formas, por meio da incorporação do estímulo à introdução e difusão de

inovações nos processos rotineiros de aquisição e mediante a encomenda de

soluções para problemas sociais que requerem desenvolvimento tecnológico.

Portanto, essa seção diz respeito aos itens B1 e B2 da figura 1.

Convencionou-se chamar, na Europa, a primeira forma de Public Pro-

curement for Innovation – PPI ou Compras Públicas para Inovação. Nesse caso,

os processos de contratação destinados à aquisição de bens e serviços necessá-

rios à execução das funções do Estado passam a ser desenhados de forma a

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

266

estimular a introdução e difusão de inovações no mercado. Em essência, trata-

se mais de uma abordagem implícita na forma de seleção e contratação de for-

necedores do que propriamente uma política explicitada em lei ou regula-

mento.

Assim, aquisições típicas de PPI permitem que o governo satisfaça sua

demanda por produtos e serviços ao mesmo tempo em que garante demanda

para bens que de outra forma não seriam, naquele momento ou naquelas cir-

cunstâncias, demandados pelo setor privado. Obviamente, permanecem pre-

sentes questões que envolvem preço, eficiência e qualidade. Trata-se, por-

tanto, de inserir a questão da inovação na própria rotina de compras do go-

verno.

Por outro lado, o governo ainda pode utilizar sua alta capacidade de ala-

vancagem financeira e de coordenação entre agentes no sentido de solucionar

grandes desafios sociais ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento

tecnológico nacional. Essa forma, muito mais explícita, tem sido chamada,

também na Europa, de Pre-Commercial Procurement ou Compras Públicas Pré-

Comerciais.

Contudo, dada as especificidades do caso nacional, é preferível chamá-las de

Encomendas Tecnológicas, pois em que pese possuírem uma fase pré-comer-

cial, são diretamente ligadas à satisfação de demandas através da produção

posterior em larga escala por empresas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

267

2.3.1. Iniciativas de Compras Públicas para a inovação no Brasil

O uso ou direcionamento das compras públicas para a inovação de-

pende, em grande medida, da maneira pela qual os agentes públicos organi-

zam e regulamentam os seus processos de aquisição.

Nas iniciativas de PPI, em virtude do risco tecnológico que caracteriza a

contratação, é importante que a aplicação e interpretação da lei não se pautem

apenas pela lógica do menor custo45 da aquisição ao Estado, pois o poder de

compra estatal é mecanismo fundamental para o desenvolvimento científico-

tecnológico do País. Em outras palavras, a utilização da legislação neste tipo

de aquisição deve reconhecer o valor, mesmo que no longo prazo e de forma

indireta, do estímulo público à mudança técnica visada.

Contudo, só recentemente questões como o estímulo à inovação passa-

ram a figurar entre os elementos a serem considerados nestas aquisições. As-

sim, à óbvia necessidade de comprar com o menor custo foram somadas ou-

tras necessidades, dentre elas a inovação, que está longe de ser tão óbvia e in-

teligível quanto o preço de aquisição.

Por outro lado, as entrevistas conduzidas demonstraram existir críticas

renitentes quanto ao excesso de formalismo do procedimento público de aqui-

sição, bem como apontaram para a existência de elevada aversão ao risco por

parte dos gestores dos contratos, o que contribui para a adoção de rigor exces-

sivo na interpretação da legislação de compras, no sentido de resguardarem-

se de eventuais punições ou sanções públicas, para só depois preocuparem-se

em fazer o processo de aquisição ser efetivo.

Nesse contexto, é preciso ainda mencionar que essa dinâmica reflete

também o resultado de um processo institucional, marcado fortemente pela

45 Independentemente do tipo de licitação a ser escolhida: “menor preço”, “melhor técnica e

preço”, “melhor técnica” ou “maior lance ou oferta”, conforme art. 45, §1º, da Lei nº 8.666, de

1993.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

268

falta de coordenação entre as instituições responsáveis pela operacionaliza-

ção das aquisições e órgãos estatais de controle.

Dentre estas, no âmbito federal destacam-se por seu poder de persua-

são, reconhecimento social e qualidade do capital humano, os órgãos de con-

trole, como o Tribunal Contas da União – TCU e a Controladoria Geral da União

- CGU. No espectro oposto, tem-se os pregoeiros e as comissões de licitação de

órgãos executores, que fragilmente se articulam em torno da construção de

uma rotina administrativa que acima de tudo, os proteja (pessoalmente) de

possíveis litígios. Veremos a seguir quais são os principais normativos objeto

desse conflito.

(i) Legislação Aplicável

O ordenamento jurídico de CT&I possui relevante conjunto de regras le-

gais e infralegais que procuram estimular a prática da PPI no país. A tabela

abaixo procura relacionar as iniciativas mais recentes e relevantes em termos

de impactos potenciais:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 269

Tabela 3 - Principais legislações de destaque para iniciativas de PPI no Brasil46

Legislação Número Intervenção de interesse

Texto constitu-

cional

Inciso XXI, do art. 37

da Constituição Fede-

ral de 1988

Estabelece que as contratações públicas ocorreram mediante lici-

tação pública que assegure igualdade de condições a todos os con-

correntes.

Lei 8.666, de 21 de junho

de 1993

Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, e insti-

tui normas para licitações e contratos da Administração Pública.

Lei Comple-

mentar

123, de 14 de dezem-

bro de 2006

Confere tratamento diferenciado e simplificado às microempre-

sas e empresas de pequeno porte nas aquisições públicas.

Lei 8.248, de 23 de outu-

bro de 1991

Estabelece a política de informática

Decreto 2.783, de 17 de setem-

bro de 1998

Proíbe a aquisição pública de produtos ou equipamentos que con-

tenham ou façam uso de substâncias nocivas à camada de ozônio.

Lei 10.176, de 11 de ja-

neiro de 2001

Dá nova redação a Lei n° 8.248/91 e confere preferência na aquisi-

ção pública de bens de informática com tecnologia desenvolvida

no país ou segundo o processo produtivo básico.

Lei 10.973, de 2 de dezem-

bro de 2004

Introduz o fomento à inovação no marco legal brasileiro

Lei 12.349, de 15 de de-

zembro de 2010

Estabelece as margens de preferências para produtos nacionais

em aquisições públicas, bem como compensação comercial, in-

dustrial, tecnológica nas licitações.

Decreto 7.746, de 5 de junho de

2012

Regulamenta o art. 3° da Lei n° 8.666/93 estabelecendo critérios

para a promoção do desenvolvimento sustentável nas contrata-

ções públicas.

Lei Comple-

mentar

147, de 7 de agosto de

2014

Dá nova redação a Lei n°123/06 ampliando o acesso ao mercado de

compras públicas para as micro e pequenas empresas.

Portaria Minis-

tério da Saúde

2.531, de 12 de novem-

bro de 2014

Revoga a Portaria MS 837/12 e confere nova redação à política das

Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo – PDPs da Saúde.

Fonte: Elaboração própria

46 São apresentados os principais regramentos (leis e decretos) segundo cada tipo de assunto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

270

É interessante ressaltar que se trata de legislação extremamente re-

cente. Mesmo os dispositivos da Lei de Compras - de 1993 - foram revisados ao

longo do período, adotando paulatinamente mecanismos específicos para a

prática de PPI, em especial por meio inclusão de hipóteses de dispensa de pro-

cesso licitatório para aquisições que tenham por objeto tecnologia e/ou inova-

ção47.

A Lei de Inovação, por meio da ampla revisão do Novo Marco de CT&I,

passou a fazer especial deferência à utilização do mecanismo do poder de

compra do Estado para fomento à inovação. Primeiramente, reconhece-o

como princípio para todas as medidas de incentivo à inovação, à pesquisa ci-

entífica e tecnológica, alcance da autonomia tecnológica e desenvolvimento

do sistema produtivo nacional e regional do País.48 Em seguida, lista-o expres-

samente dentre os instrumentos de estímulo à inovação nas empresas49. Por

47 Art. 24. É dispensável a licitação: (...)

XXI - para a aquisição ou contratação de produto para pesquisa e desenvolvimento, limitada,

no caso de obras e serviços de engenharia, a 20% (vinte por cento) do valor de que trata a alínea

“b” do inciso I do caput do art. 23; (Incluído pela Lei nº 13.243, de 2016) (...)

XXVIII – para o fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envol-

vam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer

de comissão especialmente designada pela autoridade máxima do órgão. (Incluído pela Lei nº

11.484, de 2007). (...)

XXXI - nas contratações visando ao cumprimento do disposto nos arts. 3º, 4º, 5º e 20 da Lei

nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, observados os princípios gerais de contratação dela cons-

tantes. (Incluído pela Lei nº 12.349, de 2010)

XXXII - na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos

para o Sistema Único de Saúde - SUS, no âmbito da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,

conforme elencados em ato da direção nacional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição

destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica. (Incluído pela Lei nº 12.715, de

2012)

48 Art. 1º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei de Inovação.

49 Art. 19, § 2º, inciso VIII, da Lei de Inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

271

fim, estabelece que, dentre as iniciativas de estímulo à inovação nas empresas,

pode-se compreender a indução de inovação por meio de compras públicas50.

Porém, no que se referem às compras públicas, nem todas as iniciativas

promovidas pelo Novo Marco de CT&I foram sancionadas pela Presidência da

República. Destacamos, em especial, o veto ao art. 20-A, caput e §1º, da Lei de

Inovação, responsáveis por dispensar do processo licitatório a contratação de

empresas de micro, pequeno e médio portes para a prestação de serviços ou

fornecimento de bens elaborados com a aplicação sistemática de conhecimen-

tos científicos e tecnológicos, desde que atendidos alguns requisitos de quali-

ficação, como a realização de cooperação com a Administração contratante e

ICTs51. Trata-se, pois, de importante iniciativa para prestigiar a contratação de

micro e pequenas empresas de base tecnológica ao passo em que se favorece a

indução de inovação por meio de compras públicas.

Nesse sentido, é salutar que o Projeto de Lei do Senado nº 226, de 2016,

seja aprovado, a fim de se restabelecer o conteúdo normativo do art. 20-A, ca-

put e § 1º.

No entanto, o artigo 20-A não foi inteiramente vetado, de modo que sub-

sistem regras a respeito da contratação de PD&I, em especial o § 3º, que faculta

a previsão, em regulamento, de outras hipóteses de contratação de prestação

de serviços ou fornecimento de bens elaborados com aplicação sistemática de

50 Art. 19, § 6º, inciso IX, da Lei de Inovação.

51 “Art. 20-A. É dispensável a realização de licitação pela administração pública nas contrata-

ções de empresas de micro, pequeno e médio portes, para prestação de serviços ou forneci-

mento de bens elaborados com a aplicação sistemática de conhecimentos científicos e tecno-

lógicos, que tenham auferido, no último ano-calendário, receita operacional bruta inferior a

noventa milhões de reais, oriunda de: I - cooperação celebrada com a contratante para a rea-

lização de atividades conjuntas de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico ou para

a melhoria de produto e processo ou desenvolvimento de fonte alternativa nacional de forne-

cimento; II - atividades de pesquisa fomentadas pela contratante no ambiente das ICTs.

§ 1º As atividades de que trata o inciso I poderão ser desenvolvidas pela contratada em parce-

ria com outras ICTs ou empresas”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

272

conhecimentos científicos e tecnológicos. Assim, apresenta-se excelente opor-

tunidade legal para se promover uma regulamentação mais flexível e amigá-

vel às contratações de PD&I, sem a necessidade de modificações legislativas

mais amplas.

Por outro lado, das poucas iniciativas listadas na tabela anterior que afe-

tam diretamente ou indiretamente estratégias baseadas em PPI no Brasil, des-

tacam-se o estabelecimento das margens de preferência e a possibilidade de

compensação tecnológica e comercial.

As margens de preferência seguem um padrão internacional de trata-

mento prioritário para bens produzidos e ou desenvolvidos localmente, tal

como faz, por exemplo, o Buy American Act de 2009, empregado em larga me-

dida enquanto esforço de recuperação recente da economia norte americana.

Analogamente, a política de compensação, muito empregada na China, exige

contrapartida para a exploração do mercado público nacional e é outra ro-

busta política de desenvolvimento industrial e tecnológica.

No Brasil, por meio de verdadeiro esforço de coordenação das ações na

esfera pública, ambas as políticas se encontram centralizadas na Comissão In-

terministerial de Compras Públicas – (CI-CP)52, criada pelo art. 7º do Decreto nº

7.546, de 2011. Este órgão de caráter temporário, possui como atribuições es-

pecíficas propor e acompanhar a aplicação da margem de preferência e medi-

das de compensação comercial, industrial e tecnológica. Veremos ambas a se-

guir em maior detalhe.

(ii) Margens de Preferência

A Medida Provisória n° 495, de 2010, posteriormente convertida na Lei

n° 12.349, de 2010, alterou a Lei de Compras e inaugurou a recente política de

52 Participam como membros natos da CI-CP: o Ministro da Fazenda, que o preside; Ministro do

Planejamento, Orçamento e Gestão; Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exte-

rior; Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação; e Ministro das Relações Exteriores (art. 9º do

Decreto nº 7.546, de 2011).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

273

margens de preferência brasileira na Administração Pública Federal. A refe-

rida política fundamenta-se na demanda governamental enquanto elemento

de estímulo à produção e ao desenvolvimento tecnológico nacional. Nesse sen-

tido, dá-se prioridade às aquisições públicas para produtos e tecnologias naci-

onais, mesmo quando elas tiverem preços superiores em até 25% frente aos

similares estrangeiros. Paga-se mais caro na expectativa de que emprego,

renda e desenvolvimento tecnológico sejam gerados no país.

Portanto, só faz sentido executar a política de margens, tal como ela está

configurada no Brasil, na medida em que os benefícios ultrapassem os custos

adicionais com que se adquirem produtos e serviços. Isto é, se o governo decide

pagar mais caro por um produto ou serviço, deve ocorrer alguma criação de

valor, do contrário, haverá simples transferência de recursos (da sociedade)

para os fornecedores nacionais.

Mas qual a definição de produtos e serviços nacionais? O Decreto n°

7.546, de 2011, responsável pela regulamentação da Lei nº 12.349, de 2010, con-

ceitua legalmente “produto manufaturado nacional” e “serviço nacional”53:

Art. 2º. (...)

IV – Produto manufaturado nacional - produto que tenha

sido submetido a qualquer operação que modifique a sua

natureza, a natureza de seus insumos, a sua finalidade ou o

aperfeiçoe para o consumo, produzido no território nacio-

nal de acordo com o processo produtivo básico definido nas

Leis nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991, e nº 8.248, de 23

de outubro de 1991, ou com as regras de origem estabeleci-

das pelo Poder Executivo federal, tendo como padrão mí-

nimo as regras de origem do MERCOSUL.

53 O art. 3º, § 10, da Lei de Compras, estipula que a margem de preferência destinada aos pro-

dutos e serviços nacionais poderá ser estendida, total ou parcialmente, aos bens e serviços ori-

ginários dos Estados Partes do Mercado Comum do Sul – Mercosul. É relevante notar que o

Decreto nº 7.546, de 2011, não traz esta faculdade.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 274

V – Serviço nacional - serviço prestado no País, nos termos,

limites e condições estabelecidos nos atos do Poder Execu-

tivo que estipulem a margem de preferência por serviço ou

grupo de serviços”.

Pelo art. 5º do Decreto nº 7.546, de 2011, estes produtos e serviços, con-

tudo, necessitam ser estabelecidos em outro Decreto do Poder Executivo Fede-

ral, o qual deverá estabelecer as margens de preferência, discriminar a abran-

gência de sua aplicação e fixar o universo de normas técnicas brasileiras apli-

cáveis por produto, serviço ou grupos de ambos.

Conforme já mencionado, compete à CI-CP elaborar as proposições nor-

mativas referentes às margens de preferência54. Estas deverão ser realizadas

com base em estudos revistos periodicamente, com a finalidade de identificar,

em síntese, o potencial de geração de emprego e renda, além do potencial de

desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, dentre outros55.

A Tabela 4, por sua vez, identifica os itens e setores econômicos sujeitos

às margens de preferência no Brasil no momento:

54 Art. 8º, caput, inciso I, do Decreto nº 7.546, de 2011. 55 Art. 8º, § 1º, incisos I a V, do referido Decreto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 275

Tabela 4 – Decretos que regulam as margens de preferência

Decreto Itens/setores de

impacto

Lançamento Vencimento Mar-

gem

nor-

mal

má-

xima

Mar-

gem

adici-

onal

má-

xima

Regulamento

(Portaria)

7.709/2012 Retroescavadei-

ras e motonive-

ladoras

03/04/2012 31/12/2016 25% - MDIC 89/2012 e

MDIC 246/2013

7.713/2012 Fármacos e me-

dicamentos

03/04/2012 31/12/2016 20% 5% MDIC 142/2012

7.756/2012 Confecções e

calçados

14/06/2012 31/12/2016 20% - MDIC 141/2012

7.767/2012 Equipamentos

médico-hospita-

lares

27/06/2012 30/06/2017 25% - MDIC 201/2012

7.810/2012 Papel-moeda 20/09/2012 31/12/2016 20% - MDIC 222/2012

7.812/2012 Veículos para

vias férreas

20/09/2012 31/12/2016 20% - MDIC 222/2012

7.816/2012 Caminhões, fur-

gões e imple-

mentos rodoviá-

rios

28/09/2012 31/12/2016 17% - MDIC 222/2012

7.840/2012 Perfuratrizes e

patrulhas meca-

nizadas

12/11/2012 31/12/2016 20% - MDIC 258/2012 e

MDIC 246/2013

7.843/2012 Disco para mo-

eda

12/11/2012 31/12/2016 20% - MDIC 258/2012

7.903/2013 Equipamentos

de TICs

04/02/2013 31/12/2016 15% 10% MDIC/MCTI

383/2013 e MCTI

950/2006

8.184/2014 Equipamentos

de TICs

17/01/2014 31/12/2016 10% 10% Idem

8.185/2014 Aeronaves exe-

cutivas

17/01/2014 31/12/2016 9% 16% -

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

276

8.186/2014 Programas de

computador

17/01/2014 31/12/2016 - 18% MCTI 555/2013

8.194/2014 Equipamentos

de TICs

12/02/2014 31/12/2016 15% 10% -

8.223/2014 Brinquedos 03/04/2014 31/12/2016 10% - MDIC 176/2014

8.224/2014 Máquinas e

equipamentos

03/04/2014 31/12/2016 20% 5% MDIC 208/2014

8.225/2014 Fármacos e me-

dicamentos (vi-

gência)

- 30/03/2017 - - -

8.626/2015 Diversos (vigên-

cia)

- 31/12/2016 - - -

Fonte: Elaboração própria.

A partir da lista acima, pode-se dizer que o primeiro aspecto relevante

da política de margem de preferência é a prevalência da aquisição de produtos

enquanto objeto, sendo poucos os Decretos aqueles que se ocupam da contra-

tação de serviços, exceção feita àqueles ligados a tecnologias de informação.

Outra característica interessante é que nitidamente a referida política,

num primeiro momento, buscou privilegiar outras iniciativas governamen-

tais em andamento como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Apresentou, em seu início, forte presença de bens de capital (maquinário de

construção, caminhões, veículos férreos etc.). A partir de 2014, privilegiou-se

setores mais intensos em tecnologia e inovação, embora o setor de fármacos e

medicamentos já estivesse contemplado anteriormente56.

E justamente estes produtos e serviços intensos em tecnologia e inova-

ção possuem incentivos extras na legislação. Consoante o disposto no art. 3º, §

4º, do Decreto nº 7.546, de 2011, os produtos manufaturados nacionais e os

56 As margens de preferência adicional somente se encontram presentes em dois Decretos pu-

blicados em 2012 e 2013, referentes aos setores da saúde e TICs.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

277

serviços nacionais resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica re-

alizados no País poderão ter margem de preferência adicional57, acumulada à

margem de preferência normal, devendo, no entanto, respeitar o limite de 25%

estabelecido.

Por outro lado, o art. 3º, § 5º, do mesmo Decreto, determina a competên-

cia do MCTI e do MDIC para estabelecerem, em conjunto, os requisitos e crité-

rios para verificação dos produtos e serviços resultantes de desenvolvimento

e inovação tecnológica realizados no país. Entretanto, até o presente momento

se encontra em vigor apenas a regulamentação do setor de Tecnologias de In-

formação e Comunicação – TIC, nos termos do Decreto58.

A ausência de regramentos sobre a inovação endógena, no entanto, está

longe de ser o único problema da intervenção em questão. De fato, a política

de margens de preferência brasileira é marcada pela ausência de planeja-

mento prévio e uma eficiente gestão de execução59. A título de exemplo, veja-

mos a questão das nomenclaturas técnicas, que exemplifica a falta de coorde-

nação estatal.

As margens de preferência são listadas nos decretos em termos de códi-

gos referentes à Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM. Contudo, o Sis-

tema Integrado de Administração e Serviços Gerais – SIASG do Ministério do

Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG, que faz a gestão das compras go-

57 Decreto nº 7.546, de 2011 – “Art. 2º, inciso II - Margem de preferência adicional - margem de

preferência cumulativa com a prevista no inciso I do caput, assim entendida como o diferen-

cial de preços entre produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais, resultantes de

desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, e produtos manufaturados es-

trangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de pro-

dutos manufaturados nacionais e serviços nacionais”

58 Vide Portaria Interministerial MCTI/MDIC nº 383, de 26 de abril de 2013.

59 Uma análise mais aprofundada das dificuldades de avaliação e execução da política brasi-

leira das margens de preferência é apresentada em RAUEN (2016).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

278

vernamentais federais da administração direta, autárquica e parte da indi-

reta, classifica os produtos e serviços através dos códigos de Categoria de Ma-

terial – CATMAT e de Categoria de Serviço – CATSER.

Consequentemente, os produtos e serviços listados nos decretos são dis-

tintos do que existe no sistema de aquisições públicas federais. Tal problema

poderia, com algum esforço técnico, ser contornado a partir da elaboração de

um conversor oficial e amplamente disponível entre os sistemas NCM e CAT-

MAT/CATSER. No entanto, tal conversor ainda não foi introduzido na execu-

ção da política60.

O resultado mais imediato desta lacuna específica (pois ainda existe a

ausência de regramento sobre inovação local em vários setores) é a insegu-

rança jurídica na aplicação das margens, o que desfavorece sua ampla utiliza-

ção. Se em alguns casos, produtos e serviços são facilmente relacionados em

ambos os sistemas, em outros, tal correspondência não é trivial, o que sobre-

carrega a atividade da comissão de licitação e/ou pregoeiros.

Nesse mesmo sentido, a taxa de aplicação das margens de preferência

adicional deve ser ainda menor, pois à ausência de correspondência entre sis-

temas soma-se a incompreensão do que deve ser considerado como inovação

ou desenvolvimento local.

Há, contudo, outra falha grave na gestão da política de margens de pre-

ferência, que caracterizam tanto como gargalos de aprendizado quanto de se-

60 Na tentativa de compreender, minimamente, o potencial das margens de preferência no

conjunto das aquisições públicas do governo federal, técnicos da Secretaria de Logística e Tec-

nologia – SLTI do MPOG criaram extraoficialmente um conversor NCM/SIASG para ser apli-

cado junto à base de dados de aquisições federais. Esse conversor pôde ser aplicado enquanto

filtro desta mesma base e permitiu estimar a participação dos produtos elegíveis para aplica-

ção das margens no conjunto total de aquisições. Contudo, segundo os próprios técnicos da

SLTI, tal conversor foi elaborado sem o auxílio de especialistas e serve apenas como um ponto

de partida para análise, ou seja, não é possível determinar uma margem de erro ou confiança

na estimação a partir desse filtro.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

279

letividade da política pública em questão: o governo federal não possui infor-

mação sobre o uso efetivo da margem na aquisição. Isto é, a informação sobre

o uso da margem pelo lance vencedor não é repassada ao banco de dados em-

pregado para o acompanhamento das compras públicas (DWSiasg).

Consequentemente, não é possível saber se a margem foi utilizada, ape-

nas se ela poderia ter sido empregada. É relevante destacar que, não basta sa-

ber a origem do produto vencedor da licitação para identificar o uso efetivo da

margem, pois o produto nacional pode ter sido adquirido na ausência de con-

corrente estrangeiro ou mesmo sem precisar fazer uso da preferência61.

Assim, fica evidente as dificuldades de se promover uma efetiva avalia-

ção dos efeitos e resultados da política pública, bem como acerca da conveni-

ência de sua renovação. Embora esteja previsto na legislação que a CI-CP de-

verá revisar periodicamente seus estudos a fim de justamente avaliar a sua

adequação e pertinência, encontram-se sem respostas questões fundamen-

tais, tais quais: qual é o sobre preço pago em razão da política?; quais são os

fornecedores que estão se beneficiando?; qual é a taxa de emprego das mar-

gens nas aquisições totais? Além disso, ainda inexistem estudos oficiais ou in-

dependentes sobre os impactos desta política na geração de emprego, renda e

tecnologia no tecido econômico brasileiro.

Apesar de todas essas impossibilidades referentes ao Monitoramento e

Avaliação – M&A da intervenção e da clara indicação de problemas de aplica-

ção real, todas as margens que tinham vencimento programado para 2015 fo-

61 Feitas estas ressalvas, em 2015, as compras públicas elegíveis para a aplicação das margens

de preferência (normal e adicional) tiveram o potencial de envolver, aproximadamente, R$ 3,4

bilhões ou 7,5% das aquisições totais (estimativa calculada empregando-se o filtro extraoficial

da SLTI). Do volume possivelmente relacionado às margens, a maior parte se refere à aquisição

de produtos médicos e equipamentos de TI. Ou seja, se o filtro estiver correto, as margens po-

deriam atuar sobre R$ 1,7 bilhões em aquisições de equipamentos médicos e R$ 500 milhões

em equipamentos de TI.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 280

ram renovadas até 2017. Ou seja, num cenário conjuntural de forte ajuste fis-

cal, optou-se por renovar margens de preferência de aquisição, mesmo que

muito pouco se saiba sobre seu real impacto na economia brasileira.

É preciso lembrar que as margens de preferência fazem com que o Es-

tado adquira produtos com preços mais elevados e que tal política deve obede-

cer a estrito critério de seletividade, visto que não pode ser empregada indis-

criminadamente. Não se pode abrir mão da sintonia fina na gestão da inter-

venção, sob o risco de onerar o governo com ações ineficazes e que apenas

transferem renda (e não criam) entre setores62.

Por fim, é importante ressaltar que o Decreto nº 7.546, de 2011, pres-

creve a adoção da política de margens de preferência apenas para a Adminis-

tração Pública Federal63, sendo que se faculta aos demais entes federados (Es-

tados, Distrito Federal e Municípios), e poderes da União (Legislativo e Judici-

ário federais), adotar as margens estabelecidas pelo Poder Executivo federal

(art. 3º, § 2º).

(iii) Medidas de Compensação

A Lei n°12.349, de 2010, revisou amplamente a redação do artigo 3º da

Lei de Compras, responsável por definir as diretrizes dos processos licitatórios.

Nesse intuito, introduziu o §11, o qual prevê a faculdade de se exigir do contra-

62 Nesse sentido, é fundamental que as margens tenham conexão com a política maior de

desenvolvimento econômico nacional, isto é, que estejam, de alguma forma, conectadas com

o Plano Brasil Maior ou com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, uma vez

que as margens não possuem um fim em si, mas são instrumentos para atingir os objetivos

dessas políticas maiores. Não obstante, a julgar por esses fragmentos de achados, as margens

têm se constituído mais em instrumentos de transmissão de renda do que de efetiva política

industrial e de inovação.

63 Para os fins deste Decreto, entende-se como administração pública federal, além dos órgãos

da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empre-

sas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas direta ou

indiretamente pela União (art. 3º, § 1º).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

281

tado, mediante prévia justificativa, a adoção de medidas de compensação co-

mercial, industrial ou tecnológica, ou ainda acesso a condições vantajosas de

financiamento, cumulativamente ou não.

O 2º, inciso III, do Decreto nº 7.546/2011, define tais medidas como:

“Art. 2º. (...)

III – medida de compensação industrial, comercial e tecnoló-

gica - qualquer prática compensatória estabelecida como con-

dição para o fortalecimento da produção de bens, do desenvol-

vimento tecnológico ou da prestação de serviços, com a inten-

ção de gerar benefícios de natureza industrial, tecnológica ou

comercial concretizados, entre outras formas, como: a) copro-

dução; b) produção sob licença; c) produção subcontratada; d)

investimento financeiro em capacitação industrial e tecnoló-

gica; e) transferência de tecnologia; f) obtenção de materiais e

meios auxiliares de instrução; g) treinamento de recursos hu-

manos; h) contrapartida comercial; ou i) contrapartida indus-

trial”.

Empregadas fundamentalmente enquanto estratégia de relaciona-

mento com fornecedores estrangeiros que tencionam explorar o mercado pú-

blico nacional, tais medidas têm sido chamadas de offset e têm sua lógica apoi-

ada no poder de compra do Estado enquanto comprador nacional de grande

vulto.

As medidas de compensação constituem-se em poderoso instrumento

de convergência tecnológica internacional e têm sido, historicamente, empre-

gadas pelo setor de defesa brasileiro. O uso da estratégia de offset com fins mi-

litares mostra que esta é uma ferramenta relevante de capacitação industrial

e de convergência tecnológica e tem sido empregada na Estratégia Nacional

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

282

de Defesa (CREPALDI, 2012). No meio civil, contudo, seu emprego ainda é tí-

mido.

Demonstrando a grande relevância e necessidade da intervenção, a Con-

federação Nacional da Indústria – CNI elaborou, em 2015, minuta de Exposição

de Motivos na qual propõe a criação de Decreto Presidencial estabelecendo a

Política Nacional de Compensação Comercial, Industrial e Tecnológica – PNAC,

por meio de aprofundamentos no Decreto nº 7.546, de 201164. Nesse sentido, é

importante destacar que hoje compete à CI-CP elaborar proposições normati-

vas referentes a medidas de compensação, por força do art. 8º, inciso II, alínea

“b”, do referido Decreto.

A criação da PNAC é medida relevante, em especial se regulamentar os

procedimentos administrativos e negociais por meio do qual a Administração

poderá solicitar e utilizar as medidas de compensação. Outro ponto ainda pen-

dente de regulamentação é a indicação de beneficiários privados para receber

as medidas, uma vez que a Lei de Compras se limita a prescrever a existência

de “processo isonômico” para a sua identificação, sem maiores detalhes.

O uso da compensação enquanto instrumento de política industrial e de

inovação no âmbito civil ainda é pouco explorada e também pouco documen-

tada. Por isso, um esforço coordenado de consolidação dessa intervenção po-

deria em muito contribuir com os esforços de desenvolvimento econômico na-

cional, como se verifica atualmente no campo da Saúde.

A principal experiência65 desta área diz respeito ao programa intitulado

Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (PDP), criada pela Portaria

64 Em 2004, por meio da Portaria MDIC n° 241, de 13 de outubro de 2004, o MDIC criou grupo

de trabalho para discutir a criação de uma política nacional de offset. Contudo, não se encon-

tram livremente disponíveis informações sobre os trabalhos deste grupo.

65 Outra experiência relevante se encontra na execução do Plano Nacional de Expansão da Ra-

dioterapia do SUS. O Ministério da Saúde – MS realizou encomenda de 80 aceleradores linea-

res para a disponibilização no SUS e, em contrapartida, o fornecimento ficou vinculado (além

de outras medidas de transferência tecnológica) à construção da primeira fábrica latino-ame-

ricana de produção de aceleradores lineares pelo fornecedor, a empresa VARIAN (MS, 2015).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 283

GM/MS nº 837, de 18 de abril de 2012, e atualmente em vigor pela Portaria

GM/MS nº 2.531, de 12 de novembro de 2014. No âmbito do programa, a partir

da definição de produtos estratégicos a serem consumidos no âmbito do Sis-

tema Único de Saúde – SUS, o Ministério da Saúde (MS) vincula a compra de

medicamentos produzido por empresas privadas com sede fora do país à

transferência de tecnologia produtiva para instituições públicas e privadas no

país. Nesse modelo, o acesso ao vasto mercado farmacêutico constituído pelo

SUS é vinculado à contrapartida de internalização da tecnologia de produção

do fármaco.

Tendo em vista a dificuldade de se identificar um beneficiário privado

para receber as medidas de compensação, como apontamos, o modelo das

PDPs foi montado a partir de um agente público com fins de pesquisa66. Isto

é, o agente público (em parceria ou não com empresas privadas nacionais) as-

socia-se a um fabricante cujo medicamento esteja listado como prioritário e

solicita ao MS a criação de uma nova PDP.

Uma vez aprovada a PDP, o MS, com fundamento no art. 24, incisos

XXXII e XXXIV, da Lei de Compras67, compromete-se a adquirir com exclusivi-

66 Art. 2º da Portaria GM/MS nº 837, de 2012: “As PDP são parcerias realizadas entre institui-

ções públicas e entidades privadas com vistas ao acesso a tecnologias prioritárias, à redução

da vulnerabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS) a longo prazo e à racionalização e redu-

ção de preços de produtos estratégicos para saúde, com o comprometimento de internalizar e

desenvolver novas tecnologias estratégicas e de valor agregado elevado”. No art. 2º, inciso I,

da Portaria GM/MS nº 2.531, de 2014: “I – Parceria para o Desenvolvimento Produtivo (PDP):

parcerias que envolvem a cooperação mediante acordo entre as instituições públicas e entre

instituições públicas e privadas para desenvolvimento, transferência e absorção de tecnolo-

gia, produção, capacitação produtiva e tecnológica do País em produtos estratégicos para

atendimento às demandas do SUS”.

67 Art. 24, incisos XXXII e XXXIV, da Lei de Compras: “XXXII - na contratação em que houver

transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde - SUS, no

âmbito da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, conforme elencados em ato da direção na-

cional do SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absor-

ção tecnológica. (...) “XXXIV - para a aquisição por pessoa jurídica de direito público interno

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

284

dade o produto do fornecedor parceiro, sendo que este precisa transferir a tec-

nologia de produção à referida entidade pública, a qual procederá à internali-

zação e produção do fármaco para fornecimento ao SUS.

Munido das possibilidades legais introduzidas na Lei de Licitações bra-

sileira o MS acabou, na prática, por desenhar uma política na qual a técnica de

produção do fármaco é internalizada por uma entidade pública, e não privada

nacional como seria de se esperar. Isto é, a compensação que é exigida do for-

necedor primeiro é absorvida pelo governo e só depois (quando ocorre) para o

tecido industrial68.

A criação da Política Nacional de Compensação Comercial, Industrial e

Tecnológica – PNAC, por sua vez, poderia equacionar esse desafio ao esclarecer

as hipóteses e condições por meio das quais se poderia realizar a transferência

da produção para uma entidade privada. A regulamentação desta política con-

tribuiria com maior segurança jurídica à expansão das experiências pioneiras

do MS para outras áreas de atuação do Estado.

de insumos estratégicos para a saúde produzidos ou distribuídos por fundação que, regimen-

tal ou estatutariamente, tenha por finalidade apoiar órgão da administração pública direta,

sua autarquia ou fundação em projetos de ensino, pesquisa, extensão, desenvolvimento insti-

tucional, científico e tecnológico e estímulo à inovação, inclusive na gestão administrativa e

financeira necessária à execução desses projetos, ou em parcerias que envolvam transferên-

cia de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde – SUS, nos termos

do inciso XXXII deste artigo, e que tenha sido criada para esse fim específico em data anterior

à vigência desta Lei, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mer-

cado”.

68 As PDPs possuem quatro fases: (i) proposta; (ii) projeto de implantação; (iii) aquisição e (iv)

transferência. Para uma análise detalhada e recente das PDPs ver VARRICHIO (2016). De todas

as PDPs já iniciadas, as mais avançadas referem-se à vacina para influenza e à clozapina (an-

tipsicótico). Ambas se encontram na última fase da parceria, qual seja, a de efetiva transfe-

rência de tecnologia.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

285

(iv) Recomendações

A guisa de conclusão, sob o ponto de vista do estímulo à política pública

de compras públicas voltadas para a área de CT&I, recomenda-se envidar es-

forços nas seguintes atividades:

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

conteúdo do veto presidencial ao caput e § 1º do art. 20-A da Lei

de Inovação, referentes à contratação, por dispensa de licitação,

de micro e pequena empresa para a prestação de serviço ou oferta

de bem com aplicação sistemática de conhecimentos tecnológi-

cos, desde que respeitados critérios de qualificação;

- Regulamentar § 3º do art. 20-A da Lei de Inovação, que faculta a

criação de outras hipóteses de contratação de prestação de servi-

ços ou fornecimentos de bens elaborados com aplicação sistemá-

tica de conhecimentos científicos e tecnológicos.

Ademais, destacamos o Projeto de Lei do Senado nº 559, de 2013, recen-

temente aprovado pelo Senado Federal e encaminhado à Câmara dos Deputa-

dos. O referido projeto é fruto do trabalho da Comissão Temporária de Moder-

nização da Lei de Licitações e Contratos (Relatório Final nº 04, de 2013) e pre-

tende revisar as normas de licitações e contratos da Administração Pública por

meio da revogação da Lei de Licitações, Lei do Pregão Eletrônico e da parte ge-

ral da Lei do Regime Diferenciado de Contratação.

Dentre as principais iniciativas voltadas à CT&I, destacamos a criação da

modalidade de licitação denominada de diálogo competitivo, inspirada na le-

gislação comunitária europeia. Pela definição legal, trata-se de “modalidade

de licitação em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes

previamente selecionados com o intuito de desenvolver uma ou mais alterna-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

286

tivas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresen-

tar proposta final após o encerramento do diálogo” (art. 5º, inciso XL, do PLS

nº 559, de 2013).

Esta modalidade, embora de aplicação bastante restrita, poderá ser uti-

lizada na contratação de objetos que envolvam inovação tecnológica ou téc-

nica. O diálogo será mantido pela Administração contratante com os licitantes

até que a Administração identifique a solução que atenda às suas necessida-

des, sendo que somente após o encerramento desta etapa é que a Administra-

ção definirá e divulgará os critérios para julgamento das propostas finais dos

licitantes.

Além disso, o referido PL prevê a dispensa de licitação para a contrata-

ção de produtos para pesquisa e desenvolvimento, independentemente do va-

lor, exceto no caso de obras e serviços de engenharia, no limite de R$ 300 mil

(trezentos mil reais). O projeto também prevê a existência de regulamentação

específica para obras e serviços de engenharia nesta hipótese (art. 67, §4º, do

PLS nº 559, de 2013).

Assim sendo, recomenda-se igualmente:

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 559, de 2013, atualmente em trâmite na Câmara dos De-

putados Federais, com objetivo de revogar a Lei nº 8.666, de 1993,

e criar novo regime jurídico para as licitações e contratações pú-

blicas;

Já sob o ponto de vista do estímulo à política pública de margens de pre-

ferência, recomenda-se envidar esforços nas seguintes atividades:

- Regulamentar a criação de um conversor NCM-SIASG, de forma

a facilitar a utilização, e posterior avaliação, da política de mar-

gens de preferência. Nesse sentido, é importante destacar que em

2014 o MDIC, por meio de Projeto UNESCO, encomendou a elabo-

ração de tal conversor. Os resultados deste estudo precisam ser

resgatados e servir de base para o conversor oficial, o qual deve

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

287

ser amplamente divulgado e inserido enquanto filtro no sistema

DWsiasg;

- Acompanhar as discussões e trabalhos de responsabilidade da CI-

CP, de forma a intervir na elaboração das políticas de margens de

preferência e medidas compensatórias, com vistas a assegurar a

priorização de produtos e serviços nacionais intensivos em tec-

nologia e inovação;

- Regulamentar os novos requisitos e critérios para verificação dos

produtos e serviços resultantes de desenvolvimento e inovação

tecnológica realizados no País, com vistas à adoção de margem de

preferência adicional prevista em lei. Esta competência pertence

ao MCTI e MDIC, em conjunto, nos termos do art. 3º, § 5º, do De-

creto nº 7.546, de 2011, e pode ser feita via Portaria Interministe-

rial;

- Recomendar a extensão da política de margens de preferência

por parte aos demais entes federados, de forma a adotar as mar-

gens estabelecidas pelo Poder Executivo federal (art. 3º, § 2º, do

Decreto nº 7.546, de 2011).

Especificamente do ponto de vista do estímulo à política pública de me-

didas de compensação, recomenda-se envidar esforços nas seguintes ativida-

des:

- Regulamentar, via Decreto, a Política Nacional de Compensação

Comercial, Industrial e Tecnológica - PNAC, de forma a dar maior

segurança jurídica à sua elaboração e seleção dos interessados

privados potenciais;

- Revisar a Portaria GM/MS nº 2.134, de 12 de novembro de 2014,

que trata do funcionamento da PDPs da Saúde, de forma a permi-

tir a transferência de tecnologia diretamente às empresas priva-

das brasileiras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

288

2.3.2. Encomendas Tecnológicas

O poder de compra do Estado pode ser empregado enquanto instru-

mento de desenvolvimento de soluções tecnológicas em matéria de interesse

público. Nesse sentido, o governo, ao identificar um problema relevante para

a sociedade, cuja solução ainda não tenha sido encontrada, pode encomendar

o desenvolvimento atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação com

vistas à solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, ser-

viço ou processo inovador. Este instrumento é denominado de “encomenda

tecnológica”.

Grosso modo, as encomendas tecnológicas podem ser definidas como a

aquisição pública de esforço de pesquisa com vistas a solucionar determinado

problema social. São instrumentos que atuam pelo lado da demanda, que co-

locam o direcionamento tecnológico sob controle direto do governo. A partir

da definição das encomendas, realiza-se um determinado esforço tecnológico

em busca de solução para um problema técnico específico, e não de um pro-

duto ou serviço pré-determinado.

Se o governo determina o que deve ser resolvido, são os fornecedores

quem devem determinar como tal solução será encontrada. Portanto, nesse

modelo, cabe ao governo orientar o mercado quanto às especificações de solu-

ção e não os caminhos ou rotas tecnológicas. Trata-se de um esforço voltado a

um resultado e não de fomento à uma área científica, por exemplo.

(i) Legislação Aplicável

No Brasil, as encomendas tecnológicas foram introduzidas pelo artigo

20 da Lei de Inovação, cuja redação foi revisada pelo Novo Marco de CT&I, com

a finalidade principal de permitir a contratação de encomendas tecnológicas

de ICTs:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

289

Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em

matéria de interesse público, poderão contratar diretamente

ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou empre-

sas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades

de pesquisa e de reconhecida capacitação tecnológica no setor,

visando à realização de atividades de pesquisa, desenvolvi-

mento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução

de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço

ou processo inovador.

Dada a natureza das atividades de PD&I (incertas, tácitas e multidisci-

plinares), dificilmente a encomenda tecnológica consegue ser operacionali-

zada com o uso de mecanismos tradicionais de aquisição, isto é, a licitação,

tendo em vista que, tal como já mencionado, o processo licitatório brasileiro é

marcado pelo excessivo formalismo, controle de meios, personalização da res-

ponsabilidade e rigidez. Nesse sentido, o Novo Marco expressamente qualifi-

cou a contratação como “direta”, ou seja, sem submissão ao processo licitató-

rio, embora a Lei de Compras já o fizesse no art. 24, inciso XXXI, incluído pela

Lei nº 12.349, de 2010.

Contudo, dispensar a licitação não foi suficiente para permitir a real

operacionalização das encomendas, para tanto, também foi preciso detalhar

sua forma de contratação e funcionamento. Isso ocorreu somente em 2011,

com a publicação do Decreto n° 7.539/11, responsável por revisar o artigo es-

pecífico das encomendas tecnológicas presente no Decreto nº 5.563, de 2005,

que regulamenta a Lei de Inovação.

Por fim, destaca-se a criação do Programa Nacional de Plataformas do

Conhecimento pelo Decreto nº 8.269, de 2014, sendo este o primeiro programa

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

290

do governo federal a trabalhar exclusivamente com as encomendas tecnológi-

cas69. Apresentamos, a seguir, quadro resumo das principais normas aplicá-

veis às encomendas tecnológicas.

Tabela 5 – Legislação referente às encomendas tecnológicas no Brasil70

Legislação Número Intervenção de interesse

Lei

8.666, de 21 de ju-

nho de 1993

Institui normas para licitações e contratos da Adminis-

tração Pública

Lei

10.973, de 2 de

dez. de 2004

Em seu artigo 20 estabelece a possibilidade de realiza-

ção de encomenda tecnológica.

Decreto

5.563, 11 de out.

de 2005

Primeira regulamentação do artigo 20 da Lei n°

10.973/04.

Lei

12.349, de 15 de

dez. de 2010

Estabelece que as encomendas tecnológicas previstas

no art.20 da Lei n° 10.973/04 ocorrerão com dispensa

de licitação.

Decreto

7.539, 02 de

agosto 2011

Altera e detalha o Decreto 5.563/11 de forma a especifi-

car procedimentos necessários a encomenda tecnoló-

gica.

Decreto

8.269, de 25 de ju-

nho de 2014

Institui o Programa Nacional de Plataformas do Conhe-

cimento e seu Comitê Gestor

Lei

13.243, de 11 de

jan. de 2016

Altera e rebusca a redação do art. 20 da Lei n°

10.973/04, bem como dispensa a licitação na aquisição

dos resultados da encomenda, estabelece remuneração

sob o esforço, e não resultado, e permite a contratação

de mais de uma empresa para o mesmo projeto.

Fonte: Elaboração própria

69 É importante destacar que hoje no âmbito do Programa de P&D da ANEEL, com fundamento

na Lei nº 9.991, de 2000, diversas empresas públicas e sociedades de economia mista se utili-

zam das encomendas tecnológicas para viabilizar suas contratações de PD&I, porém não se

trata de diretriz ou obrigação do programa.

70 São apresentados os principais regramentos segundo cada tipo de assunto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

291

Encomendas Tecnológicas na Lei de Inovação

Mapeamento da utilização da encomenda tecnológica pelo governo fe-

deral (administração direta e parte da indireta) elaborado por Rauen (2015)

evidencia o baixo emprego da intervenção enquanto política pública. De fato,

o trabalho mostra a existência de um pequeno número de encomendas espa-

lhadas erraticamente entre áreas tecnológicas e objetivos sociais71.

Corroborando o estudo, ao longo da tramitação do Novo Marco de CT&I

verificaram-se diversas críticas à forma pela qual a legislação disciplinava a

contratação das encomendas tecnológicas, assim como a relação da Adminis-

tração com a entidade contratada após a entrega, total ou parcial, da enco-

menda tecnológica. Ambos os pontos sofreram alteração por meio da redação

final do marco legal.

Com relação à contratação das encomendas, embora a legislação pre-

veja, desde 2010, a hipótese de dispensa de licitação, é preciso considerar que

o art. 20 da Lei de Inovação não permitia a contratação de ICT, tampouco per-

mitia a contratação concomitante de mais de uma entidade para desenvolver

alternativas de solução de problema técnico específico ou obtenção de inova-

ção72. Estes pontos foram corrigidos na nova redação do art. 20, caput, e § 5º

da Lei de Inovação.

71 Os desafios inerentes à utilização do art. 20 da Lei de Inovação são tão significativos que a

Força Aérea Brasileira, ao encomendar o desenvolvimento de uma nova aeronave, empregou

outro instrumento contratual: a inexigibilidade de licitação (art.25 da Lei 8.666/93).

72 Permitir a concorrência numa mesma fase da encomenda garante certa diluição de riscos e

a exploração de rotas tecnológicas alternativas. Assim, os fornecedores definem as soluções e

estas competem entre si. Nesse sentido, tornam-se possível a realização de encomendas tec-

nológicas da forma como os países líderes tecnológicos as têm realizado, qual seja, numa es-

trutura do tipo funil, em que diferentes fornecedores competem dentro de uma mesma etapa

do projeto, a qual culmina na seleção de um ou mais de um fornecedor para a sequência do

projeto. Findo o desenvolvimento, caso haja resultado, este pode ser contratado em larga es-

cala pelo Estado.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

292

Ainda a respeito da contratação, é importante mencionar o veto ao art.

20-A, caput e §1º, a serem introduzidos na Lei de Inovação. Conforme já men-

cionamos, trata-se relevante iniciativa do Novo Marco Legal de CT&I, com o in-

tuito de dispensar do processo licitatório a contratação de empresas de micro,

pequeno e médio portes para a prestação de serviços ou fornecimento de bens

elaborados com a aplicação sistemática de conhecimentos científicos e tecno-

lógicos, desde que atendidos alguns requisitos de qualificação, como a realiza-

ção de cooperação com a Administração contratante e ICTs.

Verifica-se, por outro lado, que este artigo não cuida de encomendas tec-

nológicas, mas sim de toda e qualquer aquisição de bem ou serviço de base tec-

nológica, independentemente de seu caráter inovador, ou da existência de

risco tecnológico como obstáculo ao seu desenvolvimento ou entrega. Estes

dois requisitos são indispensáveis para a caracterização da contratação de en-

comendas.

Porém, as críticas ao art. 20 da Lei de Inovação não se resumiam apenas

às indefinições quanto à contratação das encomendas tecnológicas. A entrega

e utilização do resultado do esforço de pesquisa também eram marcados por

forte insegurança jurídica. Também a respeito destes o Novo Marco de CT&I

realizou mudanças significativas.

Primeiramente, revisou o § 3º do art. 20 da Lei de Inovação, estipulando

que o pagamento decorrente da contratação da encomenda tecnológica seja

feito proporcionalmente aos trabalhos executados, ou seja, proporcional ao es-

forço despendido consoante previsto no cronograma físico-financeiro previa-

mente aprovado73. Ademais, a nova redação permite o pagamento de remune-

ração adicional em função do desempenho no cumprimento do projeto.

73 Inicialmente a redação do referido parágrafo mencionava que o pagamento seria proporci-

onal aos resultados obtidos, o que inibia a contratação de encomendas tecnológicas com risco

tecnológico elevado, pela maior possibilidade de fracasso. Também se mostrava muito impre-

ciso o termo “resultados obtidos”, pela falta de critérios objetivos que qualificassem a proxi-

midade entre os resultados obtido e almejado.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

293

Na medida em que a natureza das atividades de PD&I é marcada pela

elevada incerteza quanto aos seus resultados, remunerar o esforço e não o

atingimento de determinado resultado esperado – pode, inclusive, não ser

atingido – é adequado e prudente. Essa mesma incerteza dificulta a correta

mensuração do esforço necessário para atingir os objetivos, por isso, permitir

a remuneração adicional em função do desempenho é extremamente rele-

vante, pois estimula o cumprimento dos prazos e cláusulas contratuais.

Posteriormente, o Novo Marco de CT&I previu nova hipótese de dispensa

de licitação, desta vez, para o fornecimento, em escala ou não, do produto ou

processo inovador resultante das atividades encomendadas na forma do caput

do art. 20 da Lei de Inovação. Tal contratação, aliás, pode ser feita com o pró-

prio desenvolvedor da encomenda, observado o regulamento específico74. Esta

alteração cria um forte incentivo para que as empresas e demais instituições

se engajem no fornecimento de esforços de PD&I para o Estado.

Por fim, nos termos do regulamento específico, as encomendas tecnoló-

gicas usufruem de tratamento prioritário, simplificado e especial no que se

refere à análise de órgãos e entidades competentes da administração pública

federal para realizar atividades de regulação, revisão, aprovação, autorização

ou licenciamento referentes à: (a) pesquisa, desenvolvimento ou inovação en-

comendada na forma do art. 20 da Lei de Inovação; (b) obtenção de insumos

necessários a esta atividade; e (c) fabricação, produção e contratação de pro-

duto, serviço ou processo inovador resultante da encomenda tecnológica 75.

74 Art. 20, § 4º, da Lei de Inovação.

75 Este tratamento diferenciado foi criado pela Medida Provisória nº 718, de 16 de março de

2016, ao incluir o § 6º ao art. 20 da Lei de Inovação. Esta iniciativa somou-se aos esforços do

Poder Executivo Federal em facilitar o acesso aos insumos necessários às pesquisas conduzi-

das no combate ao vírus da zika.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

294

(ii) Pontos de Atenção

Apesar dos avanços obtidos com o Novo Marco de CT&I, é importante res-

saltar que, conforme já indicamos, diversos pontos ainda carecem de regula-

mentação específica, no sentido de conferir maior segurança jurídica ao pro-

cedimento de contratação das encomendas tecnológicas.

É relevante mencionar que a Lei de Inovação não fornece muitas consi-

derações acerca dos procedimentos administrativos a serem adotados pela

Administração contratante nas etapas de seleção e contratação das encomen-

das tecnológicas.

A seu turno, o art. 21 do Decreto nº 5.563, de 2005, estabelece condutas e

requisitos a serem atendidos na etapa contratação e execução do contrato,

como por exemplo: a aprovação prévia de projeto específico, com etapas de

execução estabelecidas em cronograma físico-financeiro; além disso, pres-

creve o constante acompanhamento da Administração, mediante auditoria

técnica e financeira, quanto à evolução e aos resultados parciais do projeto.

Ademais, afirma-se a faculdade da Administração de descontinuar o projeto,

em caso de inviabilidade técnica ou econômica, ou mesmo por desinteresse76.

Assim sendo, é fundamental que o Poder Executivo procure estabelecer

diretrizes mais claras a respeito dos procedimentos administrativos referen-

tes à contratação das encomendas tecnológicas, em especial quanto à etapa de

seleção da instituição a ser contratada77. Além desta recomendação inicial,

destacam-se mais dois pontos de atenção.

76 Art. 21, §§ 1º a 4º, do Decreto nº 5.563, de 2005.

77 É importante ter em mente que a hipótese de dispensa de licitação não se confunde com a

injustificada restrição da necessária concorrência entre as instituições eventualmente inte-

ressadas. Embora o processo de licitação não permita uma eficiente aquisição de PD&I, não se

pode abrir mão da transparência e principalmente da concorrência entre fornecedores, uma

vez que esta tem o potencial de diluir risco e incerteza tecnológica, bem como custos de aqui-

sição. Além disso, a regulamentação permitirá maior previsibilidade jurídica e econômica

para todos os agentes envolvidos na aquisição.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

295

Em primeiro lugar, a nova redação do caput do art. 20 da Lei de Inovação

permite a adoção de interpretação restritiva quanto à qualificação das empre-

sas aptas a serem contratadas para entrega de encomenda tecnológica. Pela

redação anterior do dispositivo, exigia-se às instituições privadas sem fins lu-

crativas que estas fossem voltadas para atividades de pesquisa, além de pos-

suírem reconhecida capacitação tecnológica do setor. A nova redação, con-

tudo, truncou a redação do artigo, permitindo que tal restrição eventualmente

possa ser feita às empresas contratadas78.

Na prática, a alteração potencialmente restringiu o escopo de fornece-

dores eventuais do Estado79. O fato central desta discussão reside na dificul-

dade de documentalmente demonstrar que determinada empresa seja “vol-

tada para atividades de pesquisa”. Deve a Administração solicitar o Estatuto

Social da empresa? Ou deve antes considerar a Classificação Nacional das Ati-

vidades Econômicas – CNAE80? Ambas as alternativas são péssimas, pois difi-

cilmente as empresas se preocupam em formalizar legalmente sua atividade

de PD&I, em especial grandes empresas.

78 Art. 20. Os órgãos e entidades da administração pública, em matéria de interesse público,

poderão contratar diretamente ICT, entidades de direito privado sem fins lucrativos ou em-

presas, isoladamente ou em consórcios, voltadas para atividades de pesquisa e de reconhe-

cida capacitação tecnológica no setor, visando à realização de atividades de pesquisa, desen-

volvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico es-

pecífico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador.

79 O potencial destrutivo dessa mudança é significativo, pois, como se sabe, o gestor de com-

pras público procura a todo o momento se antecipar às possíveis exigências de estrito cumpri-

mento da lei por parte dos órgãos de controle e seguramente buscará exigir comprovação

(além da já solicitada “reconhecida capacidade tecnológica no setor”) de que a empresa é vol-

tada para pesquisa.

80 Embora uma empresa possa adotar diversos códigos CNAE como secundários, é preciso obri-

gatoriamente designar à Receita Federal o CNAE primário, que deve representar a atividade

de maior faturamento da empresa. Há o risco potencial de que os órgãos de controle conside-

rem isto um requisito para a contratação de empresa com fundamento no art. 20 da Lei de

Inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

296

O segundo ponto de atenção refere-se à titularidade da propriedade in-

telectual decorrente da aquisição da encomenda tecnológica. Deve esta titula-

ridade pertencer, obrigatoriamente, à Administração contratante? Em caso

afirmativo, o instrumento de fomento das encomendas tecnológicas poderia

se resumir a um contrato de desenvolvimento e aquisição de tecnologia por

parte do Estado.

A Lei de Inovação não fornece uma resposta clara e objetiva à per-

gunta81. Porém, o Decreto nº 5.563, de 2005, a pretexto de regulamentá-la, es-

tabeleceu orientações a respeito da titularidade acerca dos resultados do pro-

jeto, sua documentação e a propriedade intelectual destes decorrentes. Inici-

almente silente a respeito, o assunto foi posteriormente abordado por dois De-

cretos distintos: nº 7.539, de 2011, e nº 8.269, de 201482.

Inicialmente determinou-se que os resultados do projeto, a respectiva

documentação e os direitos de propriedade intelectual pertenceriam ao con-

tratante, o que poderia eventualmente inibir o interesse das instituições em

participar do desenvolvimento de solução inovadora, sem poder participar da

exploração comercial posterior. A pretexto de criar o Programa Nacional de

Plataformas de Conhecimento, o Decreto nº 8.269, de 2014, deu novo entendi-

mento ao assunto:

81 O art. 20, § 1º, da Lei de Inovação, fornece-nos indício a respeito ao determinar que a criação

intelectual pertinente ao objeto do contrato da encomenda, cuja proteção seja requerida em

até dois anos após o seu término, seja considerada como desenvolvida na vigência do contrato.

Ora, não se trata de disciplinar aqui a aferição dos resultados obtidos, pois o contrato efetiva-

mente já se encontra encerrado na hipótese. A redação, na verdade, parece nos indicar que a

intenção do legislador foi assegurar à Administração contratante a titularidade, total ou par-

cial, dos direitos de propriedade intelectual decorrentes da contratação.

82 O Decreto nº 7.539, de 2011, introduziu o § 9 ao art. 21 do Decreto nº 5.563, de 2005, cuja

redação foi posteriormente revista pelo Decreto nº 8.269, de 2014.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

297

Art. 12. O Decreto nº 5.563, de 11 de outubro de 2005, passa a

vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 21. (...)

§ 9º Os resultados do projeto, a documentação e os direitos de

propriedade intelectual serão partilhados entre os contratan-

tes, conforme o disposto no instrumento contratual ou em re-

gulamentação específica. (...)

§ 12. Não havendo disposições em instrumento contratual ou

em regulamentação específica, os resultados do projeto, a do-

cumentação e os direitos de propriedade intelectual pertence-

rão ao contratante. ” (NR)

Da nova redação, podemos depreender duas conclusões lógicas. A pri-

meira é que a regra geral determina que os direitos de propriedade intelectual

serão da Administração contratante, salvo disposição contratual ou regula-

mentação específica. A segunda é que o instrumento contratual ou regula-

mentação específica deverá dispor sobre a partilha entre os contratantes, sem

expressamente permitir a eventual renúncia por parte da Administração.

Mas o assunto não é simples: o art. 111 da Lei de Compras determina,

como regra geral para as aquisições públicas, que a contratação e pagamento

de seus contratados está condicionada à cessão, por parte do autor, dos direi-

tos patrimoniais relativos ao contrato, de acordo com o previsto no ajuste ou

regulamento. Ainda a respeito, reproduzimos o parágrafo único do mesmo ar-

tigo:

Parágrafo único. Quando o projeto se referir a obra imaterial

de caráter tecnológico, insuscetível de privilégio, a cessão dos

direitos incluirá o fornecimento de todos os dados, documentos

e elementos de informação pertinentes à tecnologia de concep-

ção, desenvolvimento, fixação em suporte físico de qualquer

natureza e aplicação da obra.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

298

Ou seja, como podemos conciliar a Lei de Compras com a Lei de Inova-

ção? Acerca deste assunto, valemo-nos de parecer do renomado Prof. Carlos

Ari Sundfeld, um dos mais importantes especialistas em Direito Administra-

tivo no País hoje.

Em atenção ao nosso questionamento, o parecerista salienta que “a Lei

de Inovação não proíbe a composição de interesses com relação a tais direitos

no arranjo contratual”, tendo em vista que as encomendas tecnológicas pre-

vistas na Lei de Inovação inserem-se em “regime jurídico próprio, distinto do

regime contratual da Lei de Licitações (lei 8.666/93) ”. Consequentemente,

conclui que o art. 111 da Lei de Compras não se aplica aos contratos disciplina-

dos pela Lei de Inovação.

(iii) Recomendações

A título de recomendações a respeito das encomendas tecnológicas, po-

demos citar os principais pontos:

- Promover ampla regulamentação acerca do art. 20 da Lei de Ino-

vação, com a finalidade de disciplinar os procedimentos adminis-

trativos a serem adotados pela Administração contratante, em es-

pecial quanto à etapa pré-contratual, que envolve a seleção das

entidades, ausente na legislação. Esta regulamentação pode even-

tualmente ser feita por meio de revisão do Decreto nº 5.563, de

2005, ou por Decreto autônomo;

- A regulamentação também pode cuidar de desfazer o equívoco na

redação do caput do art. 20 da Lei de Inovação, no sentido de per-

mitir que toda e qualquer empresa com reconhecida capacidade

tecnológica no setor possa ser contratada pelo Estado. A título de

sugestão, a comprovação da nova exigência poderia ser reconhe-

cida na legislação: (i) mediante autodeclararão da empresa em

que ateste o desempenho de atividades de pesquisa; (ii) mediante

o reconhecimento normativo de que a atividade de pesquisa não

necessita ser a atividade única ou principal desenvolvida pela em-

presa;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

299

- Para mitigar incerteza, modificar o art. 21, §§ 9º e 12, do Decreto

nº 5.563, de 2005, de forma a reconhecer expressamente a possi-

bilidade de renúncia, por parte da Administração, da titularidade

dos direitos de propriedade intelectual referentes ao resultado do

projeto e sua documentação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

300

3. Fluxos de Conhecimento

A estruturação do Sistema Nacional de CT&I deve ter como pedra funda-

mental a sólida, contínua e próspera relação entre as atividades de desenvol-

vimento tecnológico e inovação desenvolvidas no setor público e no setor pri-

vado, para que esta parceria atue como força motriz do desenvolvimento cien-

tífico e tecnológico do país.

A nova geração de políticas científicas e tecnológicas tem, como pre-

missa, a superação da oposição entre Estado e mercado, favorecendo, ao invés,

a sua articulação, por meio de um fluxo sinérgico e contínuo de conhecimento

entre ambos. Nesse sentido, fluxo de conhecimento compreende a relação pú-

blico-privada em termos de transferência e compartilhamento de infraestru-

tura, recursos humanos e propriedade intelectual.

Muito embora a legislação aplicável às parcerias público-privadas seja

bastante ampla e diversificada, encontramos na Lei de Inovação os principais

dispositivos que regulamentam estas relações quando voltadas para a ativi-

dade de pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Destaca-se, enquanto princípio da própria Lei de Inovação, a “promoção

da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e

privado e entre as empresas”.83 Para a consecução deste princípio, o caput do

art. 3º Lei de Inovação faculta a todos os entes federados e suas respectivas

agências de fomento estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas

e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo os setores público

e privado, considerado o objetivo de gerar produtos, processos e serviços ino-

vadores, além da transferência e difusão de tecnologia.

Com a edição do Novo Marco de CT&I, foi realizada ampla revisão da Lei

de Inovação, e em especial quanto aos procedimentos de estímulo à participa-

83 Art. 1º, parágrafo único, inciso V, da Lei de Inovação, introduzido pelo Novo Marco de CT&I.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

301

ção das ICTs no processo de inovação, aperfeiçoando não apenas os seus pro-

cedimentos internos, como também suas relações com o setor produtivo. Os

avanços foram muitos e relevantes. Porém, ainda permanecem desafios jurí-

dico-institucionais às parcerias público-privadas para inovação, os quais de-

mandam soluções de natureza tanto legislativa como institucional.

O resultado das entrevistas conduzidas corrobora a pertinência da dis-

cussão e a necessidade dos ajustes, conforme depoimentos colhidos dos agen-

tes entrevistados, públicos e privados. Destacamos algumas considerações

que, em síntese, dizem respeito à simplificação e facilitação dos procedimen-

tos pelos quais as parcerias público-privadas se concretizam, agrupados por

temas:

Recursos Humanos

- Criar mecanismos para facilitar a presença dos pesqui-

sadores de empresas nos laboratórios das universidades:

A despeito de o marco ter melhorado o trânsito de pes-

quisadores de órgãos públicos em outras instituições,

ainda são percebidas restrições que desestimulam essa

integração, que poderiam ser minimizadas inclusive

com possíveis regulamentações para isso;

- Rever o veto da isenção fiscal das bolsas para ICTs priva-

das. Houve consenso por parte dos entrevistados em re-

lação a iniquidade de condições que o veto gerou, eventu-

almente até mesmo mencionado como inconstitucional;

- Incentivar à imigração de pesquisadores e cientistas es-

trangeiros: Seria possível por meio da adoção de procedi-

mentos mais céleres nos Ministérios das Relações Exteri-

ores e Ministério do Trabalho e Emprego;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

302

Cooperação ICT-Empresa

- Inclusão de mecanismos para promoção de estruturação

de espaços de colaboração empresas-ICTs;

- Regulamentar possíveis procedimentos que norteiem e

simplifiquem como as empresas se relacionam com ICTs:

Atualmente as relações se estabelecem de maneira buro-

crática e complexa, pois passam por várias instâncias;

Propriedade Intelectual

- Viabilizar livre negociação ente empresas e ICTs sobre

propriedade intelectual: Relatos de que a discussão é fre-

quentemente paralisada, indo na contramão da urgência

do tempo nesse tipo de caso.

A partir dessas contribuições, o intuito principal deste capítulo é anali-

sar como os fluxos de conhecimento são regulados pela Lei de Inovação, va-

lendo-nos da análise de outras normas pertinentes, quando necessário. Divi-

dimos o presente capítulo a partir dos três conjuntos de temas apresentados

acima. Ao final desta seção, apresentaremos recomendações.

Com o intuito de chancelar as conclusões jurídicas ora apresentadas, o

presente estudo contou com o auxílio de interlocução e de parecer solicitado

ao renomado parecerista Prof. Carlos Ari Sundfeld que possui vasta experiên-

cia na área de direito societário, um dos mais importantes especialistas em Di-

reito Administrativo no País hoje, conforme já mencionado.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

303

3.1. Recursos Humanos

Embora o fornecimento de condições materiais de pesquisa seja muito

importante, é importante destacar que a atividade de inovação depende, es-

sencialmente, de ideias, isto é, da contribuição decisiva de pessoas qualifica-

das e dedicadas a estas atividades.

O Novo Marco de CT&I estabeleceu importantes avanços no sentido de

incentivar uma maior interação entre os recursos humanos dos setores pú-

blico e privado, em especial por meio de três iniciativas: (i) estabelecimento de

definições mais claras quanto às regras do compartilhamento de recursos hu-

manos das ICTs públicas; (ii) instituição de incentivos fiscais e remuneratórios;

e (iii) incentivo à atração de talentos internacionais. Vejamos a seguir os con-

tornos jurídicos de cada uma destas.

3.1.1. Compartilhamento de Recursos Humanos das ICTs Públicas

Quanto ao primeiro item, é preciso destacar que o Novo Marco de CT&I

preocupou-se em oferecer maior segurança jurídica às relações entre o corpo

funcional das ICTs e as empresas. Embora seja sabido que esta relação é a força

motriz da atividade da inovação, a legislação anterior ainda não esclarecia su-

ficientemente os parâmetros desta interação.

Neste sentido, destaca-se que o Novo Marco de CT&I reconheceu juridi-

camente o capital intelectual do quadro funcional da ICT pública como ativo

da instituição, em condição de igualdade com sua infraestrutura física. En-

quanto ativo, o novo inciso III do art. 4º da Lei de Inovação faculta à ICT pública

permitir o uso de seu capital intelectual em projetos de pesquisa, desenvolvi-

mento e inovação, mediante contrapartida financeira ou não e por prazo de-

terminado, nos termos de contrato ou convênio.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

304

O Novo Marco de CT&I ainda estabelece, no inciso IV do art. 15-A da Lei

da Inovação, que compete à política de inovação da ICT pública estabelecer as

diretrizes e parâmetros de compartilhamento e permissão de uso por terceiros

de seus recursos humanos e capital intelectual, em consonância com as prio-

ridades da política nacional de CT&I e políticas industrial e tecnológica nacio-

nal. Ou seja, compete à ICT pública, por instrumento normativo próprio, disci-

plinar o compartilhamento e utilização de recursos humanos, o que lhe per-

mite maior autonomia gerencial de seus ativos.

Entretanto, talvez o maior avanço jurídico-institucional introduzido

pelo Novo Marco de CT&I no sentido de fomentar e fortalecer as atividades pú-

blico-privada na área encontre-se no novo art. 14-A da Lei de Inovação.

O referido dispositivo não apenas solucionou inquietudes referentes ao

trânsito de pesquisadores entre ICT públicas, mesmo em regime de dedicação

exclusiva, como também permitiu que estes profissionais exerçam atividade

remunerada de PD&I em empresas84:

Art. 14-A. O pesquisador público em regime de dedicação ex-

clusiva, inclusive aquele enquadrado em plano de carreiras e

cargos de magistério, poderá exercer atividade remunerada de

pesquisa, desenvolvimento e inovação em ICT ou em empresa e

84 Neste sentido deu concretude à previsão do caput do art. 19 da Lei de Inovação, que estabe-

lece a concessão de recursos humanos como medida de estímulo às empresas por parte dos

órgãos e entidades estatais às empresas: “Art. 19. A União, os Estados, o Distrito Federal, os

Municípios, as ICTs e suas agências de fomento promoverão e incentivarão a pesquisa e o

desenvolvimento de produtos, serviços e processos inovadores em empresas brasileiras e em

entidades brasileiras de direito privado sem fins lucrativos, mediante a concessão de recursos

financeiros, humanos, materiais ou de infraestrutura a serem ajustados em instrumentos es-

pecíficos e destinados a apoiar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, para aten-

der às prioridades das políticas industrial e tecnológica nacional.” (Redação pela Lei nº 13.243,

de 2016)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

305

participar da execução de projeto aprovado ou custeado com re-

cursos previstos nesta Lei, desde que observada a conveniência

do órgão de origem e assegurada a continuidade de suas ativi-

dades de ensino ou pesquisa nesse órgão, a depender de sua res-

pectiva natureza.

Ainda a esse respeito, é importante destacar que o art. 10 do Novo Marco

de CT&I também reformulou dispositivo legal da Lei nº 12.772, de 2012, que es-

tipula o plano de carreiras e cargos do magistério federal, ampliando de 120

horas para 416 horas anuais, ou 08 horas semanais, o período de dedicação dos

contratados em regime de dedicação exclusiva às atividades de CT&I:

Lei nº 12.772, de 2012

Art. 21. No regime de dedicação exclusiva será admitida, obser-

vadas as condições da regulamentação própria de cada IFE, a

percepção de: (...)

XI - retribuição pecuniária, em caráter eventual, por trabalho

prestado no âmbito de projetos institucionais de ensino, pes-

quisa e extensão, na forma da Lei nº 8.958, de 20 de dezembro

de 1994; e (Redação dada pela Lei nº 12.863, de 2013)

XII - retribuição pecuniária por colaboração esporádica de na-

tureza científica ou tecnológica em assuntos de especialidade

do docente, inclusive em polos de inovação tecnológica, devida-

mente autorizada pela IFE de acordo com suas regras. (Incluído

pela Lei nº 12.863, de 2013) (...)

§ 4º As atividades de que tratam os incisos XI e XII do caput não

excederão, computadas isoladamente ou em conjunto, a 8 (oito)

horas semanais ou a 416 (quatrocentas e dezesseis) horas anu-

ais. (Redação dada pela Lei nº 13.243, de 2016)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

306

Por fim, é importante abordar o alcance e eficácia dos referidos disposi-

tivos aos demais entes federados, isto é, os Estados e Municípios, tendo em

vista a competência constitucional pertinente à administração de cada ente.

A esse respeito, reproduzimos o entendimento do parecerista Carlos Ari

Sundfeld:

“O princípio da autonomia político-administrativa dos entes

federativos (art. 18, caput, da CF) também se reflete na atribui-

ção para disciplinar o regime jurídico dos servidores estatais

(art. 39 da CF, em sua redação original, atualmente em vigor por

força de liminar do STF).

O Congresso Nacional não possui competência para dispor so-

bre o regime jurídico de servidores estaduais ou municipais.

Cada ente federativo é autônomo para disciplinar tal regime ju-

rídico, obedecendo aos preceitos gerais da Constituição Fede-

ral. Assim, a Lei de Inovação não pode criar regras autorizando

o afastamento ou prevendo ganhos adicionais para servidores

de outras esferas federativas que não os da própria União.

Assim, por exemplo, quando a Lei de Inovação prevê, nos seus

artigos 14 e 14-A, situações de afastamento, de recebimento de

gratificações, bem como hipóteses de desempenho de ativida-

des remuneradas por servidores com dedicação exclusiva,

atinge tão somente servidores federais. Um indicativo rele-

vante dessa limitação é a referência expressa que tais disposi-

tivos fazem ao Estatuto Jurídico dos Servidores Públicos Civis

da União, aplicável apenas aos servidores federais (art. 1º da lei

8.112/90).

Mais uma vez, o que se extrai de efeito dessas regras para outras

entidades federativas é apenas a indicação de que a adoção

dessa política por um desses entes será compatível com a polí-

tica nacional de inovação. Trata-se de um regime de gestão de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

307

pessoal adotado no âmbito federal que, se for considerado con-

veniente e adequado pelas demais entidades federativas, pode

vir a ser reproduzido. Mas isso não se dá automaticamente,

nem depende exclusivamente da adesão unilateral das ICTs.

Para tanto, será necessária a aprovação de regras próprias, em

cada esfera de poder (Estados ou Municípios).

Na opinião do parecerista, portanto, a eficácia dos dispositivos de recur-

sos humanos previstos na Lei de Inovação limita-se à esfera federal, embora

sirvam de importante inspiração para a eventual edição de normas próprias

pelos demais entes, uma vez que servem como indicativos de compatibilidade

destas ações à política nacional de CT&I. Assim, os avanços normativos da Lei

de Inovação servirão como relevante princípio ou diretriz para os demais en-

tes federativos.

3.1.2. Instituição de Incentivos Remuneratórios

O Novo Marco de CT&I também introduziu na Lei de Inovação importan-

tes incentivos remuneratórios para recursos humanos dedicados à realização

de atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação, em especial quanto à

manutenção de seus vencimentos e vantagens em casos de afastamento para

ICTs, bem como quanto à percepção de bolsas no âmbito de acordos de parceria

com instituições públicas e privadas para o desenvolvimento destas atividades

de PD&I.

É importante destacar que a redação anterior da Lei de Inovação já in-

centivava o trânsito de pesquisadores entre as diferentes ICTs públicas, desde

que observada a conveniência da ICT de origem. No entanto, havia significa-

tiva dúvida a respeito da movimentação dos pesquisadores e professores con-

tratados em regime de dedicação exclusiva, sobretudo quanto à percepção de

gratificações e incentivos decorrentes deste regime de contratação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

308

A resposta do Novo Marco de CT&I veio por meio de seu art. 14, que esta-

belece que ao servidor, empregado público e militar serão garantidos os mes-

mos direitos a vantagens e benefícios pertinentes a seu cargo e carreira du-

rante o afastamento de sua entidade de origem, e no interesse da administra-

ção, para o exercício de atividade de CT&I.

Ademais, deu nova redação ao art. 14, § 3º, da Lei de Inovação, a qual

esclarece que todas as gratificações específicas do pesquisador público em re-

gime de dedicação exclusiva serão garantidas quando houver o completo afas-

tamento de ICT pública para outra, na forma do § 2º do mesmo artigo85.

Por outro lado, o art. 14-A da Lei de Inovação não reproduz este disposi-

tivo para as hipóteses de afastamento do pesquisador público, mesmo em re-

gime de dedicação exclusiva, para empresas. É possível concluir, contudo, que

não se faz necessário assegurar a percepção de vantagens destes pesquisado-

res porque não há completo afastamento do cargo por parte do servidor, ou

seja, este desenvolve atividades na empresa na medida em que assegura a con-

tinuidade de suas atividades de ensino ou pesquisa no seu órgão de lotação.

De qualquer forma, a fim de dirimir qualquer dúvida a respeito, reco-

menda-se que a o decreto regulamentador apenas esclareça este ponto, qual

seja, explicite a legalidade da manutenção das gratificações e vantagens dos

pesquisadores públicos, mesmo em regime de dedicação exclusiva, quando

exercer atividade remunerada em empresa.

A fim de incentivar a formalização de acordos de parceria com institui-

ções públicas e privadas para a realização de atividades conjuntas de PD&I, o

85 Lei de Inovação, Art. 14. § 2º - Durante o período de afastamento de que trata o caput deste

artigo, são assegurados ao pesquisador público o vencimento do cargo efetivo, o soldo do cargo

militar ou o salário do emprego público da instituição de origem, acrescido das vantagens

pecuniárias permanentes estabelecidas em lei, bem como progressão funcional e os benefícios

do plano de seguridade social ao qual estiver vinculado.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

309

Novo Marco de CT&I também incluiu na Lei de Inovação dispositivo normativo

acerca da concessão de bolsas de pesquisa no âmbito destas parcerias. Trata-

se de relevante medida que busca incentivar a maior participação da mão-de-

obra qualificada da Administração Pública nestes projetos, nos termos dos no-

vos §§ 1º e 4º do art. 9º da Lei de Inovação:

§ 1º O servidor, o militar, o empregado da ICT pública e o aluno

de curso técnico, de graduação ou de pós-graduação envolvidos

na execução das atividades previstas no caput poderão receber

bolsa de estímulo à inovação diretamente da ICT a que estejam

vinculados, de fundação de apoio ou de agência de fo-

mento. (Redação pela Lei nº 13.243, de 2016).

§ 4º A bolsa concedida nos termos deste artigo caracteriza-se

como doação, não configura vínculo empregatício, não carac-

teriza contraprestação de serviços nem vantagem para o doa-

dor, para efeitos do disposto no art. 26 da Lei nº 9.250, de 26 de

dezembro de 1995, e não integra a base de cálculo da contribui-

ção previdenciária, aplicando-se o disposto neste parágrafo a

fato pretérito, como previsto no inciso I do art. 106 da Lei

nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. (Incluído pela Lei nº 13.243,

de 2016).

Em resumo, a Lei de Inovação estabelece que as bolsas recebidas nos ter-

mos e condições acima descritos estão isentas de Imposto de Renda (IR) e con-

tribuições previdenciárias (INSS), aplicando-se o disposto, inclusive, a ato ou

fato pretérito, ou seja, às bolsas já recebidas.

Este regime de concessão de bolsas, inicialmente, também se aplicava às

ICTs privadas.86 Entretanto, a extensão do benefício a estas restou prejudicada

86 É importante lembrar que o Novo Marco de CT&I deu nova redação à definição de ICTs, de

modo que hoje estas podem assumir a forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

310

em virtude do veto da Presidência da República ao §5º do art. 9º da Lei de Ino-

vação. É interessante notar que o dispositivo vetado não trata de desproposi-

tada concessão de bolsas, mas apenas no âmbito de parcerias cooperativas en-

tre ICT e instituições públicas e privadas para o desenvolvimento de atividades

de PD&I.

Porém, este não foi o único veto da Presidência da República a respeito

da concessão de bolsas de estudo no Novo Marco de CT&I. Também não logrou

a sanção presidencial o art. 21-A, parágrafo único, da Lei de Inovação e o art.

16 do Novo Marco de CT&I, ambos responsáveis por instituir os efeitos do art.

9º, § 4º, da Lei de Inovação à concessão de bolsas destinadas à formação e ca-

pacitação de recursos humanos que contribuam para a execução de projetos

de PD&I.

Em especial quanto ao art. 16 do Novo Marco de CT&I, refere-se exclusi-

vamente às atividades de ensino, pesquisa e extensão em educação e formação

de recursos humanos, por parte de ICT, agência de fomento ou fundação de

apoio, inclusive em situações de residência médica e multiprofissional e as re-

alizadas no âmbito de hospitais universitários87.

Alternativamente à aprovação do PLS nº 226, de 2016, vislumbra-se à

hipótese de estender a aplicação do § 4º do art. 9º às empresas e ICTs privadas

por meio do Decreto regulamentador, com fundamento no art. 19, § 2º, inciso

VII, c/c art. 21-A da Lei de Inovação, com redação dada pela Lei nº 13.243, de

201688. No entanto, a medida é polêmica.

lucrativos, cujo objeto ou estatuto social preveja dedicação às atividades de PD&I, conforme

art. 2º, inciso V, da Lei de Inovação.

87 Em sintonia com o veto ao art. 16, a Presidência da República também vetou a nova redação

do art. 4º, § 8º, da Lei nº 8.958, de 1994, a ser dada pelo art. 7º do Novo Marco de CT&I. Trata-se

do mesmo dispositivo.

88 Lei de Inovação, art. 19, § 2º, “São instrumentos de estímulo à inovação nas empresas,

quando aplicáveis, entre outros: VII – concessão de bolsas”; “Art. 21-A. A União, os Estados, o

Distrito Federal, os Municípios, os órgãos e as agências de fomento, as ICTs públicas e as fun-

dações de apoio concederão bolsas de estímulo à inovação no ambiente produtivo, destinadas

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

311

É preciso ter em mente que o Ministério da Fazenda motivou o veto com

base em suposto inobservância ao art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, que

determina que a concessão de incentivos tributários seja acompanhada de es-

tudos de impacto orçamentário-financeiro, além de demonstrar a renúncia

foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, ou ainda estar

acompanhada de medidas compensatórias para a perda de receita. Assim, a

legalidade da proposta poderia ser questionada judicialmente, com grande

chance de sucesso.

3.1.3. Incentivo à Atração de Talentos Internacionais

A Lei de Inovação é lacônica a respeito dos incentivos ao fluxo interna-

cional de conhecimento das atividades de PD&I. Neste item, em especial, cui-

daremos dos incentivos à atração de talentos internacionais previstos na Lei

de Inovação, valendo-nos oportunamente de outra legislação aplicável, sendo

que em item posterior trataremos dos incentivos à internacionalização da pes-

quisa em si.

A fim de estruturar o estudo, analisaremos a questão da atração de ta-

lentos internacionais à luz das diferentes leis que regem o tema.

(a) Lei de Inovação

Inicialmente, destaca-se que não existe na Lei de Inovação, mesmo após

sua extensa revisão pelo Novo Marco de CT&I, qualquer tipo de instrumento ou

incentivo específico à atração de pesquisadores estrangeiros, o que constitui,

de fato, uma lacuna importante no cerne do sistema nacional de CT&I.

à formação e à capacitação de recursos humanos e à agregação de especialistas, em ICTs e em

empresas, que contribuam para a execução de projetos de pesquisa, desenvolvimento tecno-

lógico e inovação e para as atividades de extensão tecnológica, de proteção da propriedade

intelectual e de transferência de tecnologia”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

312

Embora o tema da internacionalização da pesquisa nacional tenha rece-

bido atenção especial por parte do Novo Marco de CT&I, é curioso notar, porém,

que o legislador se ocupou em disciplinar a “exportação” da atividade tecnoló-

gica feita pelas ICTs públicas no país, sem prever mecanismo específico de in-

centivo à atração e alocação de recursos humanos estrangeiros qualificados

para as ICTs e empresas. Corrobora o entendimento o fato de que o art. 15, §2º,

inciso III, do Novo Marco de CT&I cuida apenas da alocação de recursos huma-

nos das ICTs públicas no exterior.

(b) Lei do Estrangeiro

Diante do silêncio da Lei de Inovação, para fins de estudo, é necessário

verificar os dispositivos da Lei nº 6.815, de 1980, que disciplina a situação ju-

rídica do estrangeiro no Brasil.

Embora já conte com mais de 35 anos, a Lei do Estrangeiro sofreu poucas

alterações relevantes, as quais se concentraram em alterar sobretudo os pro-

cedimentos de emissão de visto para turistas e de extradição. A referida norma

menciona apenas uma vez os termos “cientista” e “pesquisador”, justamente

ao tratar da concessão de visto temporário. Tampouco confere qualquer trata-

mento diferenciado aos estrangeiros com esta qualidade.

Dentre as alterações introduzidas pelo Novo Marco de CT&I, destacamos

as alterações promovidas nas hipóteses de concessão de visto temporário pre-

vistas no art. 13 da Lei nº 6.815, 1980, em especial nos incisos V e VIII.89 Embora

o inciso V já previsse o visto temporário para o estrangeiro que viesse na con-

dição de cientista, a nova redação deixa clara a possibilidade de concessão para

pesquisador, mitigando eventual insegurança jurídica quanto aos casos em

que o estrangeiro não se apresente na condição de cientista:

89 É importante notar que o art. 23 do Decreto regulamentador nº 86.715, de 1981, ainda não

foi atualizado para confortar a nova redação da Lei nº 8.615, de 1980.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

313

Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro

que pretenda vir ao Brasil: (...)

V - Na condição de cientista, pesquisador, professor, técnico ou

profissional de outra categoria, sob regime de contrato ou a ser-

viço do governo brasileiro (NR);

Por outro lado, verifica-se que não foi alterado o procedimento extrema-

mente burocrático para a emissão de visto temporário ao estrangeiro referido

no inciso V acima:

Art. 15. Ao estrangeiro referido no item III ou V do artigo 13 só

se concederá o visto se satisfizer às exigências especiais estabe-

lecidas pelo Conselho Nacional de Imigração e for parte em

contrato de trabalho, visado pelo Ministério do Trabalho, salvo

no caso de comprovada prestação de serviço ao Governo brasi-

leiro.

O art. 23, §5º, do Decreto regulamentador nº 86.715, de 1981, ainda esta-

belece que a Secretaria de Imigração do Ministério do Trabalho encaminhará

cópia dos contratos, que visar, aos Departamentos Consular e Jurídico do Mi-

nistério das Relações Exteriores e Federal de Justiça do Ministério da Justiça.

Além disso, poderá ser exigida pela autoridade consular, a prova da condição

profissional atribuída ao interessado, salvo na hipótese de prestação de ser-

viço ao Governo brasileiro (art. 23, §6º).

Outra modificação importante introduzida pelo Novo Marco de CT&I, foi

nova hipótese de concessão de visto temporário, a saber:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

314

Art. 13. O visto temporário poderá ser concedido ao estrangeiro

que pretenda vir ao Brasil: (...)

VIII - na condição de beneficiário de bolsa vinculada a projeto

de pesquisa, desenvolvimento e inovação concedida por órgão

ou agência de fomento.

O prazo de validade para o visto temporário emitido com fundamento

nos incisos V e VIII é correspondente à duração da missão, contrato, ou da pres-

tação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o dis-

posto na legislação trabalhista (art. 14 da Lei nº 6.815, de 1980). Contudo, o art.

25 do Decreto nº 86.715, de 1981, estipula o prazo máximo de estada no Brasil

para o titular de visto temporário:

Art. 25 - Os prazos de estada no Brasil para os titulares de visto

temporário serão os seguintes: (...)

V - Para cientista, professor, técnico ou profissional de outra

categoria, sob regime de contrato ou a serviço do Governo bra-

sileiro, até dois anos;

Trata-se, aliás, do mesmo prazo estipulado pela legislação trabalhista

para os contratos de prazo determinado.90 O prazo do visto temporário conce-

dido para cientista, pesquisador ou técnico estrangeiro poderá ser prorrogado,

desde que seja na mesma categoria e seja respeitado o limite do inciso V do art.

25 (art. 66, §1º, do Decreto nº 86.715, de 1981).

90 CLT. “Art. 445 O contrato de trabalho por prazo determinado não poderá ser estipulado por

mais de 02 anos, observada a regra do art.451”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

315

Caso seja do interesse do titular, o visto temporário poderá transformar

seu visto em permanente, desde que preencham as condições para sua conces-

são (art. 69 do Decreto nº 86.715, de 1981). A concessão do visto permanente

está condicionada ao atendimento a exigências de caráter especial, previstas

nas normas de seleção de imigrantes estabelecidas pelo Conselho Nacional de

Imigração (art. 27, caput, do Decreto nº 86.715, de 1981).

A legislação em comento também prevê limitação às atividades de pes-

quisa a serem desenvolvidas por estrangeiros no País. Ainda imbuído do naci-

onalismo acentuado pelo viés da segurança nacional característico da Guerra

Fria, o art. 106, inciso IV, da Lei nº 6.815, de 1980, veda ao estrangeiro obter

concessão ou autorização para pesquisa, prospecção, exploração e aproveita-

mento das jazidas, minas e demais recursos minerais e dos potenciais de ener-

gia hidráulica.

Por fim, destacamos que o art. 10 da Lei nº 6.815, de 1980,91 prevê que,

observados os prazos de estada definidos em lei, os vistos para turistas e vistos

temporários para artistas ou desportistas poderão ser dispensados mediante

acordo internacional ou, a juízo do Ministério da Relações Exteriores, respei-

tados os prazos legais máximos92 e a existência de reciprocidade de trata-

mento aos nacionais brasileiros.

A título de recomendação, a referida dispensa poderia ser legalmente

estendida aos incisos V e VIII, pelo prazo de duração do contrato ou prestação

de serviços, de forma a incentivar o intercâmbio científico, bem como desbu-

rocratizar os procedimentos migratórios.

91 Redação conferida pela Lei nº 12.968, de 2014.

92 Lei nº 6.815, de 1980, “Art. 14 O prazo de estada no Brasil, nos casos dos incisos II e III do art.

13, será de até noventa dias; no caso do inciso VII, de até um ano; e nos demais, salvo o disposto

no parágrafo único deste artigo, o correspondente à duração da missão, do contrato, ou da

prestação de serviços, comprovada perante a autoridade consular, observado o disposto na

legislação trabalhista”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

316

(c) Projeto de Lei nº 5.5655, de 2009 – Estatuto do Estrangeiro

Evidenciada a imperativa necessidade de reforma mais abrangente da

Lei nº 6.815, de 1980, tramita na Câmara dos Deputados o PL nº 5.655, de 2009,

de iniciativa do Poder Executivo, com a finalidade de criar o “Estatuto do Es-

trangeiro”.

O Projeto de Lei apresenta interessantes avanços para o campo de CT&I,

como por exemplo, ao estabelecer que a política imigratória objetivará, pri-

mordialmente, a admissão de mão-de-obra especializada adequada ao desen-

volvimento econômico, social, cultural, científico e tecnológico do Brasil (art.

4º). Mais adiante, reforma o supracitado art. 106, inciso VI, da Lei nº 6.815, de

1980, permitindo ao estrangeiro ao menos pesquisar os recursos minerais na-

cionais:

Art. 7º É vedado ao estrangeiro, ressalvado o disposto em legis-

lação específica: (...)

IV - Obter autorização ou concessão para a exploração e apro-

veitamento de jazidas, minas e demais recursos minerais e dos

potenciais de energia hidráulica;

Ainda de acordo com a Proposta, o visto temporário poderá ser conce-

dido ao estrangeiro para trabalho, com ou sem vínculo empregatício ou funci-

onal no Brasil (art. 21, inciso III), compreendidas as atividades de treinamento

ou capacitação profissional (§1º, inciso I), assistência técnica ou transferência

de tecnologia (§1º, inciso II), pesquisa (§1º, inciso III) e professor, técnico ou

cientista aprovado em concurso público em instituição pública de ensino ou

de pesquisa científica ou tecnológica (§1º, inciso VII).

O visto temporário para trabalho poderá ser concedido por (a) um ano

no caso de o estrangeiro sem vínculo empregatício e (b) até dois anos no caso

de estrangeiro com vínculo empregatício, admitida única prorrogação pelo

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

317

mesmo prazo. Ambos os casos dependem de manifestação do Ministério do

Trabalho e Emprego (arts. 26 a 28).

Consoante o disposto no caput do art. 34, o visto permanente poderá ser

concedido ao estrangeiro cientista ou pesquisador que pretenda fixar-se defi-

nitivamente no Brasil, desde que preenchido os seguintes requisitos especiais:

Art. 34 O visto permanente poderá ser concedido ao estrangeiro

que pretenda fixar-se definitivamente no Brasil, satisfeita uma

das seguintes condições:

III - notório conhecimento em sua área de atuação profissional

e puder prestar serviços relevantes ao Brasil; (...)

V - Tiver residido no Brasil como permanente e perdido essa

condição em razão de ausência do País justificada por estudos

de graduação ou pós-graduação, treinamento profissional, ati-

vidade de pesquisa ou atividade profissional a serviço do Go-

verno brasileiro;

Verifica-se, contudo, que o Projeto de Lei não prescreve qualquer proce-

dimento consular simplificado ou preferencial aos cientistas e pesquisadores,

seja mediante simplificação de documentação ou imposição de prazo de res-

posta consular. Nesse sentido, recomenda-se acompanhar a participar das dis-

cussões referentes à tramitação do PL nº 5.655, de 2009, de forma a inserir

elementos que favoreçam e facilitem a atração de recursos humanos estran-

geiros qualificados para as atividades nacionais de PD&I.

(d) Lei de Contratação Temporária (Lei nº 8.745, de 1993)

A Lei nº 8.745, de 1993, dispõe sobre a contratação por tempo determi-

nado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público

da Administração Federal direta, autárquica e fundacional. Trata-se, portanto,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

318

de lei federal e não nacional93, voltada exclusivamente para as instituições pú-

blicas federais não celetistas.

Nos termos do art. 2º, inciso VIII, da Lei nº 8.745, de 1993, o Novo Marco

de CT&I revisou as hipóteses em que se justifica a necessidade temporária de

excepcional interesse público:

V – Admissão de professor e pesquisador visitante estrangeiro;

(...)

VIII - a admissão de pesquisador, de técnico com formação em

área tecnológica de nível intermediário ou de tecnólogo, nacio-

nais ou estrangeiros, para projeto de pesquisa com prazo deter-

minado, em instituição destinada à pesquisa, ao desenvolvi-

mento e à inovação; (redação dada pela Lei nº 13.243, de 2016)

A contratação de professor estrangeiro deverá atender a requisitos de

titulação e competência profissional, ou reconhecido renome em sua área pro-

fissional, atestado por deliberação do Conselho Superior da instituição contra-

tante (art. 2º, §6º, incisos I e II). A referida norma ainda estabelece os requisi-

tos mínimos de titulação e competência profissional necessários à contrata-

ção94, incluídos pela Lei nº 12.772, de 2012:

93 Isto é, não possui aplicação imediata para os demais entes federados, que poderão ter sua

própria norma.

94 Excepcionalmente, as instituições da rede federal de educação profissional, científica e tec-

nológica poderão contratar professores visitantes estrangeiros sem o título de doutor, desde

que possuam comprovada competência em ensino, pesquisa e extensão tecnológicos ou reco-

nhecimento da qualificação profissional pelo mercado de trabalho, conforme previsto no re-

gulamento do Conselho Superior da instituição contratante (art. 2º, §8º, da Lei nº 8.745, de

1993).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

319

§ 7º São requisitos mínimos de titulação e competência profis-

sional para a contratação de professor visitante ou de professor

visitante estrangeiro, de que tratam os incisos IV e V do caput:

I - Ser portador do título de doutor, no mínimo, há 2 (dois) anos;

II - ser docente ou pesquisador de reconhecida competência em

sua área; e

III - ter produção científica relevante, preferencialmente nos

últimos 5 (cinco) anos.

Quanto ao inciso VIII do art. 2º da Lei nº 8.745, de 1993, a nova redação

estende a caracterização de excepcional interesse público, antes restrita ape-

nas a pesquisadores, aos técnicos com formação em área tecnológica de nível

intermediária ou de tecnólogo, nacional ou estrangeiro.

A contratação será feita por tempo determinado, observado para o in-

ciso V o prazo máximo de 04 anos, prorrogável até este limite; e para o inciso

VIII, o prazo máximo de 03 anos, prorrogável até o limite de 04 anos (art. 4º,

incisos IV e V c/c § único, inciso IV da Lei nº 8.745, de 1993).

É importante destacar que, por meio deste tipo de contratação, o pesqui-

sador passará a integrar, ainda que temporariamente, o quadro de funcioná-

rios da Administração contratante, de forma que sua remuneração não se

dará por meio da concessão de bolsas de docência ou pesquisa, e sim salário.

A remuneração do contratado nas hipóteses acima (incisos V e VIII) não

poderá ser superior ao valor da remuneração constante dos planos de retribui-

ção ou nos quadros de cargos e salários do serviço público, para servidores que

desempenhem função semelhante, ou, não existindo a semelhança, às condi-

ções do mercado de trabalho (art. 7º, inciso II, da Lei nº 8.745, de 1993). Ou seja,

não há incentivos fiscais ou previdenciários específicos na percepção desta re-

muneração.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

320

Por outro lado, o pesquisador poderá ter acesso aos incentivos remune-

ratórios previstos na Lei de Inovação, conforme interpretação da definição le-

gal de “pesquisador público” presente no art. 2º, inciso VIII, da Lei de Inovação.

Entretanto, seria oportuno que o decreto regulamentador trouxesse expressa-

mente a hipótese de que os contratados temporariamente pela Administração

possam se valer dos benefícios da Lei de Inovação.

Destacamos, por fim, que o pessoal contratado nos termos do art. 2º, in-

cisos V e VIII, desta Lei não poderá ser novamente contratado, com funda-

mento na mesma norma, antes de decorridos 24 meses do encerramento de

seu contrato anterior (art. 9º, inciso III). Tampouco poderá ser nomeado para

o exercício de cargo em comissão ou função de confiança, ou mesmo ser de-

signado substituto (art. 9º, inciso II).

(e) Lei nº 11.196, de 2005 – Lei do Bem

Os arts. 17 a 26 da Lei nº 11.196, de 2005, mais conhecida como “Lei do

Bem”, dispõem sobre os incentivos fiscais para as atividades ligadas à inova-

ção tecnológica, sendo que os referidos benefícios incidem não apenas sobre

as despesas de capital como também sobre despesas de custeio realizadas pe-

las empresas no âmbito de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos.

Dentre as despesas de custeio dedutíveis, destacamos que os dispêndios

realizados com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnoló-

gica, realizados ao longo do período de apuração, são classificados como des-

pesas operacionais pela legislação tributária. Nesse sentido, a soma destes dis-

pêndios pode ser deduzida, para fins de apuração de lucro líquido, tanto da

base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) quanto da Con-

tribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), conforme estabelecido nos arts.

17, inciso I, c/c art. 18, caput, da Lei do Bem.

Estes dispêndios e pagamentos, por sua vez, somente poderão ser dedu-

zidos se pagos a pessoas físicas ou jurídicas residentes e domiciliadas no País,

nos termos do art. 22, inciso II, da Lei do Bem. Verifica-se, portanto, que a le-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

321

gislação criou mecanismo indireto de incentivo à atração de pesquisador es-

trangeiro, pois ao invés de oferecer incentivo tributário direto ao estrangeiro,

incentiva-se seu contratante.

Ademais, o art. 21 da Lei do Bem faculta à União, por meio de suas agên-

cias de fomento, subvencionar a remuneração de pesquisadores titulados

como mestres e doutores, desde que alocados em atividades de inovação tec-

nológica em empresas localizadas no território brasileiro. Trata-se de outro

mecanismo de incentivo à contratação de brasileiros e estrangeiros para tra-

balhar em nosso País.

(f) Programa Ciências sem Fronteiras

O Programa Ciências sem Fronteiras é hoje a maior política pública vol-

tada à atração e fixação de cientistas, professores e pesquisadores estrangei-

ros no País. O programa foi instituído pelo Decreto nº 7.642, de 13 de dezembro

de 2011, tendo por objetivo precípuo “propiciar a formação e capacitação de

pessoas com elevada qualificação em universidades, instituições de educação

profissional e tecnológica, e centros de pesquisa estrangeiros de excelência,

além de atrair para o Brasil jovens talentos e pesquisadores estrangeiros de

elevada qualificação, em áreas de conhecimento definidas como prioritárias”

(art. 1º, caput).

Mais adiante, enuncia-se outro objetivo do Programa:

Art. 2º (...):

IV - Promover a cooperação técnico-científica entre pesquisa-

dores brasileiros e pesquisadores de reconhecida liderança ci-

entífica residentes no exterior por meio de projetos de coopera-

ção bilateral e programas para fixação no País, na condição de

pesquisadores visitantes ou em caráter permanente;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 322

Para atender aos objetivos do Programa Ciência sem Fronteiras, a CAPES

e o CNPq concederão bolsas no País para pesquisadores visitantes estrangeiros

e para jovens talentos, assim identificados:

Art. 8º (...)

§ 6º As bolsas para pesquisadores visitantes estrangeiros têm

como objetivo atrair lideranças internacionais, estrangeiros ou

brasileiros, com expressiva atuação no exterior, nas áreas de

conhecimento prioritárias.

§ 7º As bolsas para jovens talentos têm como objetivo atrair jo-

vens cientistas de talento, estrangeiros ou brasileiros, com des-

tacada produção científica ou tecnológica nas áreas de conhe-

cimento prioritárias.

Verifica-se que a remuneração dos pesquisadores inscritos no Programa

é feita por meio de concessão de bolsas de estudo e pesquisa. Tendo em vista

que a sua percepção não representa vantagem (econômica) ao doador e não

caracteriza contraprestação de serviços, possui natureza tributária de doação,

de modo que os rendimentos recebidos a título de bolsa de estudos são consi-

derados isentos de imposto de renda, nos termos do art. 39, inciso VII, do De-

creto nº 3.000, de 1999 (Regulamento do Imposto de Renda).

O processo de concessão de bolsas é precedido de chamadas públicas re-

alizadas pela CAPES e CNPq, sendo estas responsáveis pela avaliação e seleção

dos beneficiários, a partir do mérito dos candidatos e projetos (art. 9º). Os va-

lores das referidas bolsas podem ser considerados baixos quando convertidos

para dólares americanos, em especial quando se pretende atrair pesquisado-

res e cientistas de ponta.95

95Valores obtidos em: http://www.cienciasemfronteiras.gov.br/web/csf/valores-de-auxilios-

e-bolsas. Acesso em 25/06/2016. “Pesquisador Visitante: R$ 14.000,00 (quatorze mil reais) por

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

323

3.2. Cooperação ICT-Setor Privado

A sinergia entre as atividades de CT&I dos setores público e privado é

peça fundamental para o desenvolvimento científico e tecnológico de um país.

Nesse sentido, o sistema nacional de inovação deve ser munido de regras e co-

mandos jurídicos claros e objetivos, com a finalidade de prover segurança e

previsibilidade às relações público-privadas.

Neste item procuraremos analisar a Lei de Inovação no que concerne as

principais relações de cooperação entre as ICTs públicas e o setor privado.

Nesse sentido, o presente estudo se ocupará das (i) relações de parceria e mú-

tua cooperação; (ii) relações comerciais; e, (iii) internacionalização das ativida-

des de PD&I.

3.2.1. Relações de Parceria

Para fins deste estudo, consideramos as relações de parceria as relações

entre ICT e o setor privado que não objetivam, em si, a atividade comercial ou

lucrativa. Ou seja, trata-se das relações de mútua cooperação voltada para ati-

vidades de PD&I, as quais, em momento posterior, poderão ter contornos co-

merciais.

Primeiramente, é importante destacar que o Novo Marco de CT&I intro-

duziu o novo art. 15-A na Lei de Inovação, o qual determina que toda ICT insti-

tua sua própria política de inovação, estabelecendo diretrizes e objetivos

mês em que o pesquisador visitante se encontra no País, acrescido de verba de auxílio à pes-

quisa no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) por ano do projeto, bem como auxílio-

deslocamento com valores estipulados em função da região geográfica”; Jovem Talento nível

A: R$ 7.000,00 (sete mil reais) por mês, acrescido de verba de auxílio à pesquisa no valor de R$

20.000,00 (vinte mil reais) por ano de projeto; e Jovem Talento nível B: R$ 4.100,00 (quatro mil

e cem reais) por mês, acrescido de verba de auxílio à pesquisa no valor de R$ 10.000,00 (dez

mil reais) por ano de projeto”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

324

acerca do estabelecimento de parcerias para desenvolvimento de tecnologias

com inventores independentes, empresas e outras entidades,96 dentre outros.

Estas parcerias são disciplinadas pelo art. 9º da Lei de Inovação, o qual

sofreu também revisão por parte do Novo Marco de CT&I. Em suma, consistem

em acordos celebrados com instituições públicas e privadas com o objetivo de

realizar atividades conjuntas de PD&I. É justamente no âmbito destas parce-

rias que são concedidas as bolsas de estímulo aos servidores, empregados, mi-

litares e alunos de ICTs públicas, conforme visto no item acerca dos incentivos

remuneratórios deste documento.

Usualmente, estas parcerias envolvem o comprometimento de contra-

partidas tanto da ICT quanto de suas parceiras. Como medida de estímulo, se-

ria oportuno que a regulamentação deste artigo permitisse que a concessão de

bolsas por parte da ICT, fundações de apoio ou agências de fomento, pudesse

ser considerada como contrapartida no âmbito dos acordos de parceria.

Para auxiliar as ICTs nas relações com estas entidades, o Novo Marco de

CT&I inseriu o art. 16, § 1º, inciso IX, na Lei de Inovação, de forma a instituir

que os Núcleos de Inovação Tecnológica (NIT) terão competência para “promo-

ver e acompanhar o relacionamento da ICT com empresas, em especial para as

atividades previstas nos arts. 6º e 9º” da Lei de Inovação.

Espera-se, assim, dotar as ICTs de mecanismos de relacionamento com

as empresas mais flexíveis e adequados à esta relação, tendo em vista que os

próprios NITs podem ter personalidade jurídica própria, como entidade pri-

vada sem fins lucrativos, graças ao art. 16, § 3º, da Lei de Inovação, introduzido

pelo Novo Marco de CT&I.

96 Lei de Inovação, art. 15-A, inciso VIII. Cumpre-se salientar que o Ministério da Ciência, Tec-

nologia, Inovações e Comunicações, por meio da Portaria GM/MCTI nº 251, de 12 de março de

2014, estabeleceu as diretrizes para a gestão da política de inovação para as unidades de pes-

quisa do MCTI.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

325

3.2.2. Relações Comerciais

No que se refere aos aspectos comerciais presentes nas relações entre

ICT e setor privado disciplinadas na Lei de Inovação, vamos destacar três as-

pectos: (i) compartilhamento de infraestrutura; e (ii) prestação de serviços; e

(iii) questões contratuais relevantes.

(i) Compartilhamento de Infraestrutura

Assim como ocorre com as relações de parceria, a política de inovação

da ICT deve dispor sobre as diretrizes e objetivos do compartilhamento e per-

missão de uso por terceiros de seus laboratórios, equipamentos, recursos hu-

manos e capital intelectual (art. 15-A, inciso IV).

Aprovadas e divulgadas pela ICT as prioridades, critérios e requisitos

para o compartilhamento e a permissão de uso de suas instalações, a Lei de

Inovação dispõe que deve ser assegurada a igualdade de oportunidades a em-

presas e demais organizações interessadas (art. 4º, parágrafo único).

O assunto, contudo, passou por significativas mudanças em virtude do

Novo Marco de CT&I. Anteriormente, Lei de Inovação permitia, mediante re-

muneração, o compartilhamento da infraestrutura da ICT apenas com mi-

croempresas e empresas de pequeno porte, assim como facultava a permissão

de uso de suas instalações apenas a empresas nacionais e organizações de di-

reito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa.

Após a edição do Novo Marco de CT&I, verifica-se que a ICT pública pode,

mediante contrapartida financeira ou não, compartilhar sua infraestrutura

com outras ICTs e empresas de qualquer porte, assim como permitir o uso de

suas instalações por parte de ICT, empresa ou pessoa física voltada à atividade

de PD&I.97Ademais, também prevê no inciso III do art. 4º da Lei de Inovação a

permissão do uso de seu capital intelectual em projetos de pesquisa, desenvol-

vimento e inovação, conforme já vimos anteriormente.

97 Lei de Inovação, art. 4º, caput, incisos I e II.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

326

A criação do instrumento de fomento denominado “bônus tecnológico”

é outra novidade introduzida pelo Novo Marco de CT&I no que se refere ao com-

partilhamento e uso da infraestrutura de ICTs. Nos termos do inciso XIII, do

art. 2º, da Lei de Inovação, trata-se de subvenção a microempresas e a empre-

sas de pequeno porte, por meio de dotações orçamentárias aos órgãos e enti-

dades da Administração Pública, destinada ao pagamento de compartilha-

mento e uso de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológico,

dentre outros98.

Ou seja, trata-se de incentivo orçamentário direto às ICTs para a presta-

ção de serviços a microempresas e empresas de pequeno porte. Contudo, este

dispositivo ainda se encontra pendente de regulamentação, o que se reco-

menda seja feito prontamente.

Ainda a respeito do compartilhamento de infraestrutura, o parecerista

Carlos Ari Sundfeld defende que o art. 4º da Lei de Inovação possui aplicação

direta e imediata para os demais entes federados, como por exemplo, uma ICT

estadual. Por outro lado, é preciso verificar que o referido artigo possui caráter

autorizativo para os demais entes, de modo que se recomenda verificar se o

compartilhamento ou cessão de infraestrutura não encontra eventual obstá-

culo expresso em disposição própria:

“O referido art. 4º da Lei de Inovação, portanto, pode ser apli-

cado direta e imediatamente por ICT pública estadual.

Há de se ter em conta, porém, a legislação própria e os estatutos

disciplinadores da atuação de cada ICT pública estadual. Se

houver vedação ou condicionamento à cessão de recursos da

98 Lei de Inovação, art. 2º, inciso XIII, “bônus tecnológico: subvenção a microempresas e a em-

presas de pequeno e médio porte, com base em dotações orçamentárias de órgãos e entidades

da administração pública, destinada ao pagamento de compartilhamento e uso de infraestru-

tura de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, de contratação de serviços tecnológicos es-

pecializados, ou transferência de tecnologia, quando esta for meramente complementar

àqueles serviços, nos termos de regulamento”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

327

ICT a outras entidades, previstos em lei estadual ou norma es-

tatutária, tais limitações deverão ser observadas. A regra pre-

vista na lei nacional, portanto, possui caráter apenas autoriza-

tivo. Ela não impõe a cessão ou compartilhamento de tais re-

cursos. O compartilhamento ou a cessão de infraestrutura de

pesquisa por ICT estadual, portanto, só será viável juridica-

mente se não houver disposição própria impedindo a celebra-

ção desses pactos. ”

Por fim, o Novo Marco de CT&I deu nova redação ao parágrafo único do

art. 18 da Lei de Inovação, permitindo que a ICT pública delegue à fundação de

apoio as atividades de captação, gestão e aplicação das receitas próprias da

instituição, desde que aplicadas exclusivamente em objetivos institucionais

de P&I, incluindo a carteira de projetos institucionais e a gestão da política de

inovação. Ou seja, abrange a receita obtida por meio das relações comercias

celebradas pela ICT com o setor privado.

(ii) Prestação de Serviços

Assim como ocorre com as relações de parceria e o compartilhamento

de infraestrutura, a política de inovação da ICT deve dispor sobre as diretrizes

e objetivos acerca da prestação de serviços técnicos (art. 15-A, inciso III). Por

alteração do Novo Marco de CT&I, conforme vimos, compete ao NIT promover

e acompanhar o relacionamento da ICT com seus clientes.

A prestação de serviços, contudo, é disciplinada pelo art. 8º da Lei de Ino-

vação, em que faculta à ICT prestar serviços técnicos especializados compatí-

veis com os objetivos da Lei a instituições públicas ou privadas. Estes serviços

deverão estar relacionados a atividades voltadas à PD&I no ambiente produ-

tivo. Por alteração do Novo Marco de CT&I, a prestação de serviços por parte

das ICTs deve buscar, dentre outros objetivos, a maior competitividade das em-

presas.

É interessante mencionar que a eventual retribuição pecuniária rece-

bida pelo servidor, militar ou empregado público envolvido na prestação do

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

328

serviço, diferentemente do que ocorre com as relações de parceria, estará su-

jeita à incidência de tributos e contribuições aplicáveis, bem como será como

ganho eventual para fins de contribuição previdenciária, nos termos do art. 8º

§ 4º, da Lei de Inovação, inalterado pelo Novo Marco de CT&I.

Por fim, destaca-se que o Novo Marco de CT&I estendeu as medidas de

incentivos previstas na Lei de Inovação, no que for cabível, às ICTs públicas que

também exerçam atividades de produção e oferta de bens e serviços. Por outro

lado, a Presidência da República vetou a inclusão do art. 26-B à Lei de Inovação,

que tinha por objetivo conferir maior autonomia gerencial, orçamentária e fi-

nanceira às ICTs que se dedicam à atividade de produção e oferta de bens e

serviços:

“Art. 26-B. A ICT pública que exerça atividade de produção e

oferta de bens e serviços poderá ter a sua autonomia gerencial,

orçamentária e financeira ampliada mediante a celebração de

contrato nos termos do § 8º do art. 37 da Constituição Federal,

com vistas à promoção da melhoria do desempenho e incre-

mento dos resultados decorrentes das suas atividades de pes-

quisa, desenvolvimento, inovação e produção. ”

O referido dispositivo constitucional prevê a ampliação da autonomia

gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da Administração

direta e indireta mediante celebração de contrato, que tenha por objetivo es-

tabelecer metas, controles e avaliação de desempenho para a entidade contra-

tada, bem como prazo de duração e remuneração do pessoal.

Embora o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão tenha ale-

gado, como razão do veto presidencial, que o dispositivo não se encontra regu-

lamentado, é importante inseri-lo na legislação, a fim de constranger o Poder

Executivo para acelerar esta regulamentação. A propósito, se o dispositivo for

eventualmente regulamentado, já existirá previsão expressa de que se apli-

cará às ICTs que possuam atividade produtiva e comercial.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

329

(iii) Questões Contratuais Relevantes

Alguns aspectos contratuais dificultam o estabelecimento de parcerias

e contratos para o desenvolvimento de PD&I entre ICT pública e setor privado

e por consequência, dificultam a fluidez do fluxo de conhecimento. Em espe-

cial, neste trataremos dos seguintes aspectos: (i) transferência de tecnologia e

licenciamento para outorga de direito de uso ou exploração de criação; (ii) con-

fidencialidade; e (iii) foro e arbitragem.

Transferência de Tecnologia e Licenciamento

Especificamente em relação à celebração de contratos de transferência

de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso ou exploração

de criação, a Lei de Inovação, em seu art. 6º, reconhece que a ICT pública pode

celebrá-lo tanto para criação por ela desenvolvida isoladamente como por

meio de parceria.

No caso de celebração desses contratos sem exclusividade, os contratos

podem ser firmados diretamente, para fins de exploração de criação que deles

seja objeto, na forma do regulamento. Por sua vez, a contratação com cláusula

de exclusividade, na versão da Lei de Inovação de 2004, deveria ser necessari-

amente precedida da publicação de edital. Com a edição do Novo Marco de

CT&I, duas alterações importantes foram inseridas:

- quando houver exclusividade, a contratação deve ser precedida

da publicação de extrato da oferta tecnológica em sítio eletrônico

oficial da ICT, na forma estabelecida em sua política de inovação;

e

- nos casos em que a criação tenha sido desenvolvida em conjunto

com empresa, essa poderá ser contratada com cláusula de exclu-

sividade, dispensada a oferta pública, devendo ser estabelecida

em convênio ou contrato a forma de remuneração.99

99 Lei de Inovação, art. 6º, §§ 1º e 1º-A.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

330

Em razão das alterações introduzidas, acima referidas, ficou superada

a discussão sobre a possibilidade ou não de órgãos estatais celebrarem contra-

tos de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito

de uso ou exploração sem a realização de procedimento que garanta a oferta

pública.

Como se sabe, a exigência de publicação de edital para esses casos de cri-

ação resultante de pesquisa em parceria resultava em uma parceria pouco

atrativa para o parceiro e, portanto, ineficiente para o sistema de inovação,

uma vez que a criação poderia ser transferida ou licenciada a empresa diversa

daquela que havia investido recursos na primeira fase da pesquisa e que resul-

tou na criação.

Ainda nos termos do Novo Marco de CT&I, cumpre informar que com-

pete à ICT estipular, em sua política institucional de inovação, as diretrizes e

objetivos relativos à gestão da propriedade intelectual e de transferência de

tecnologia (art. 15-A, inciso V). Ademais, é competência do NIT negociar e gerir

os acordos de transferência de tecnologia oriunda da ICT (art. 16, § 1º, inciso

X). Trata-se, portanto, de importante iniciativa no sentido de facilitar as nego-

ciações entre os setores público e privados, pois como já mencionamos, os NITs

podem assumir personalidade jurídica própria, como entidade privada sem

fins lucrativos (art. 16, § 3º).

Confidencialidade

Ainda no tocante ao regime jurídico dos contratos entre ICT e o setor pri-

vado, deve-se observar a existência de conflitos entre certas condições neces-

sárias ao desenvolvimento da pesquisa e a lógica contida nas normas que re-

gulam a ação estatal.

Entre eles, destaca-se a obrigação da confidencialidade (que exige a pro-

teção de informações consideradas confidenciais) em grande parte das pes-

quisas científicas e tecnológicas. Como se sabe, sigilo pode ser fundamental

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

331

quando se trata de pesquisa voltada à inovação, especialmente se houver po-

tenciais competidores na obtenção de novos produtos, serviços ou processos

ou na agregação de novas funcionalidades ou características a esses produtos,

serviços e processos.

Em muitos casos, a confidencialidade é, inclusive, objeto de instru-

mento anterior ao acordo que formalizará a pesquisa: são os “acordos de con-

fidencialidade”, que correspondem a procedimento padrão adotado por diver-

sas entidades para o início de uma negociação de parceria. Destina-se, por-

tanto, a estabelecer um compromisso de sigilo, geralmente fazendo parte da

fase negocial de contratos ou outros acordos entre as partes interessadas.

Trata-se de um compromisso de não fazer algo, isto é, de não divulgar infor-

mações consideradas sigilosas, sendo em geral limitado no tempo, no espaço e

também quanto ao seu objeto.

Diversamente, a atuação de órgãos e entidades da administração pú-

blica é regida por um outro princípio: a publicidade, conforme se depreende

do art. 37, caput, da Constituição Federal. Essa colisão de princípios (dever de

confidencialidade e dever de publicidade) representa, em inúmeros casos prá-

ticos, uma limitação ao fluxo do conhecimento.

Destaca-se que nos termos do PLS nº 559, de 2015, responsável pela atu-

alização da Lei de Licitações e Contratos Públicos, determina a confidenciali-

dade quanto ao conteúdo do diálogo competitivo, voltado para a contratação

de objetos que envolvam inovação tecnológica ou técnica (art. 29, § 1º, inciso

IV).

A título de recomendação, seria oportuno que a regulamentação da Lei

de Inovação contivesse dispositivo expresso autorizando a celebração, por

parte das ICTs, de acordos de confidencialidade ou outros instrumentos desti-

nados a preservar o sigilo do objeto da pesquisa a ser desenvolvida em parceria

com ente privado, quando necessário.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

332

Foro e Arbitragem

Outra questão relevante diz respeito ao foro aplicável aos contratos ce-

lebrados entre os setores público e privado. Tendo em vista que o Novo Marco

de CT&I valoriza a internacionalização das atividades de CT&I, como se verá a

seguir, tornar-se-á mais frequente a discussão sobre o foro aplicável aos con-

tratos, uma vez que a regra geral da Lei nº 8.666, de 1993, estabelece que os

contratos administrativos deverão, via de regra, ter o foro da Administração

Pública.

É importante destacar que a Lei de Inovação, a partir do Novo Marco de

CT&I, permite que a ICT pública delegue sua representação, no âmbito de sua

política de inovação, ao gestor do NIT que a assessora (art. 16, § 2º). Este, por

sua vez, pode ser dotado de personalidade jurídica própria, como entidade pri-

vada sem fins lucrativos (art. 16, § 3º). Tal configuração permite, em tese, que

o NIT tenha mais autonomia quanto aos termos contratados com outros entes

privados, desde que respeitadas as diretrizes e objetivos da política institucio-

nal de inovação (art. 15-A, incisos V e VIII).

Trata-se de discussão relevante, pois caso prevaleça sobre estes ajustes

os aspectos típicos de contratos administrativos, há de se considerar impor-

tantes repercussões, como a imposição do foro da administração para a defi-

nição da jurisdição competente para a resolução de controvérsias e a prerro-

gativa de rescisão unilateral do contrato por parte da administração pública.

Outro ponto de destaque diz respeito à resolução de controvérsias

acerca das relações entre ICT e setor privado. Trata-se de questão fundamental

nas definições entre as partes, sendo inclusive um costumeiro óbice à celebra-

ção dos contratos necessários à formalização dessas parcerias.

A Lei federal nº 9.307, de 1996, também chamada de Lei de Arbitragem,

introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade da adoção da

arbitragem com mecanismo alternativo ao Poder Judiciário para a resolução

de controvérsias.

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333

A arbitragem, nos termos da referida Lei, é válida para dirimir litígios

relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Para tanto, deve haver previsão

contratual da adoção desse mecanismo pelas partes envolvidas no conflito. A

decisão arbitral tem força de decisão judicial.

Nos termos da redação original da Lei de Arbitragem, não havia ex-

pressa permissão para sua adoção por parte da Administração Pública. Ao re-

vés, a opção do órgão estatal demandava autorização expressa em lei especí-

fica, em face do princípio da legalidade estrita. Ademais, a arbitragem era

sempre vista com reservas pelos órgãos da administração diante do argu-

mento da indisponibilidade do interesse público, uma vez que não poderia ser

objeto de transigência.

Ainda assim, foram feitas alterações específicas na legislação para pre-

ver hipóteses nas quais poderiam ser adotados mecanismos alternativos para

a solução de controvérsias entre a administração pública e particulares (como

ocorreu, por exemplo, na concessão de serviços públicos em determinados se-

tores regulados), com o objetivo de conferir maior eficiência e flexibilidade a

essas relações jurídicas.

Recentemente, por força da Lei nº 13.129, de 2015, a arbitragem passou

a ser uma possível forma de resolução de controvérsias também para litígios

envolvendo a administração pública. Nesse sentido, a Lei de Arbitragem foi al-

terada e passou a estabelecer em seu art. 1º, § 1º, que “a administração pública

direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relati-

vos a direitos patrimoniais disponíveis”. Desse modo, as entidades estatais po-

dem adotar o procedimento arbitral em instrumentos jurídicos voltados à for-

malização de parcerias, o que inclui os acordos e contratos de que trata a Lei

de Inovação.

Nos termos do art. 86, § 3º, do PLS nº 559, de 2015, responsável pela atu-

alização da Lei de Licitações e Contratos Públicos, permite-se que o contrato

administrativo preveja meios alternativos de solução de controvérsias, inclu-

sive quanto ao seu equilíbrio econômico-financeiro, sendo permitido o estabe-

lecimento de cláusula arbitral e mediação, nos termos da Lei nº 9.307, de 1996,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

334

e da Lei nº 13.140, de 2015. Porém, não há previsão legal para eleição de foro,

que permanecesse sendo o da Administração contratante, inclusive em con-

tratos administrados firmados com pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no

exterior (art. 86, § 1º, do PLS nº 559, de 2015).

A título de recomendação, com o intuito de reforçar as liberdades con-

tratuais necessárias à consecução das atividades de PD&I por parte das ICTs,

seria oportuno acompanhar e incentivar a tramitação do PLS nº 559, de 2013,

bem como promover a regulamentação da Lei de Inovação de modo que esta

contenha dispositivo expresso autorizando a negociação entre as partes

quanto à eleição de cláusula de foro e arbitral.

3.2.3. Internacionalização das Atividades de PD&I

Conforme já mencionamos anteriormente, a Lei de Inovação é lacônica

a respeito do fluxo internacional de conhecimento. Em sua redação original,

poucos eram os incentivos legais à internacionalização das atividades de PD&I,

seja com relação ao acesso à pesquisa realizada no exterior, seja com relação a

mecanismos de incentivo à internacionalização da pesquisa nacional.100

Embora pouco tenha sido alterado quanto à atração de talentos interna-

cionais, a lacuna na legislação a respeito da internacionalização das ativida-

des de PD&I começou a ser corrigida pela Emenda Constitucional nº 85, de

2015, que inseriu o § 7º ao art. 218 do texto constitucional:

100 Em síntese, resumia-se a prever que o apoio da Administração Pública às atividades de PD&I

poderia contemplar as redes e os projetos internacionais de pesquisa tecnológica (art. 3º, pa-

rágrafo único).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

335

§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das

instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vis-

tas à execução das atividades previstas no caput. (Incluído pela

Emenda Constitucional nº 85, de 2015)

Em atenção ao dispositivo constitucional, o art. 15 do Novo Marco de CT&I

estabeleceu que o Poder Público manterá mecanismos de fomento, apoio e ges-

tão à internacionalização das ICTs públicas, permitindo expressamente o exer-

cício de suas atividades de CT&I fora do território nacional, respeitados seus

dispositivos estatutário e regimentais. Dentre estes mecanismos, estes com-

preenderão, na forma do regulamento:

Art. 15, §2º Os mecanismos de que trata o caput deverão com-

preender, entre outros objetivos, na forma de regulamento:

I - o desenvolvimento da cooperação internacional no âmbito

das ICTs, inclusive no exterior;

II - a execução de atividades de ICTs nacionais no exterior;

III - a alocação de recursos humanos no exterior.

Neste intuito, o § 1º do art. 15 do Novo Marco de CT&I facultou à ICT pública

desempenhar suas atividades mediante convênios ou contratos com entida-

des públicas ou privadas, estrangeiras ou internacionais. No entanto, a norma

faz referência à observância do inciso I do art. 49 da Constituição Federal.101

101 Constituição Federal, Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I - resol-

ver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos

ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

336

Conforme se depreende da leitura de seu texto, a norma estabeleceu pro-

cedimento extremamente burocrático e moroso para chancelar as relações in-

ternacionais das ICTs públicas. Embora o Brasil mantenha tratados internaci-

onais vigentes de cooperações científica e tecnológica com diversos países, a

celebração destes tratados e acordos envolve a intensa participação de outros

órgãos alheios ao sistema de CT&I, como a Agência Brasileira de Cooperação,

vinculada ao Ministério das Relações Exteriores.

Na contramão do texto normativo, os convênios de CT&I deveriam ter

formalização facilitada, especialmente quando se tratar de entidades priva-

das. Nesse mesmo sentido, é recomendável que a chancela de contratos de

prestação de serviço, fruto da atividade negocial da ICT, não seja submetido ao

crivo político do Congresso Nacional ou técnico do Ministério das Relações Ex-

teriores.

Portanto, é mister que a regulamentação do art. 15 do Novo Marco de

CT&I discrimine detidamente as hipóteses em que se fará necessária a apreci-

ação por parte do Congresso Nacional, privilegiando a formalização destes

acordos por meio de instrumentos flexíveis, especialmente quando se tratar

de entidades privadas.

Por fim, destaca-se que o Novo Marco de CT&I também se preocupou com

a internacionalização das atividades de PD&I no setor privado. Neste propó-

sito, estabeleceu na Lei de Inovação a promoção da competitividade empresa-

rial no mercado internacional como princípio às medidas de incentivo à PD&I

e ao desenvolvimento do sistema produtivo nacional (art. 1º, parágrafo único,

inciso VII).

Mais adiante, ao tratar das medidas de estímulo à inovação nas empresas,

estabeleceu que o Poder Público poderá privilegiar ações que visem à “coope-

ração internacional para inovação e para transferência de tecnologia” e à “in-

ternacionalização de empresas brasileiras por meio de inovação tecnológica”

(art. 19, § 6º, incisos VII e VIII, da Lei de Inovação). Compete à Administração

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

337

Pública, pois, instituir instrumentos ou programas que deem concretude ao

dispositivo legal.

3.3. Propriedade Intelectual

O tema da propriedade intelectual é relevante no âmbito das relações

entre ICT e setor privado, tendo em vista que, na opinião dos interlocutores, a

formalização das parcerias é frequentemente paralisada neste ponto especí-

fico, em razão da falta de orientações normativas a respeito.

Conforme já informado, a Lei de Inovação, após a edição do Novo Marco

de CT&I, estabelece que as ICTs instituam, obrigatoriamente, em sua política

institucional de inovação as diretrizes e objetivos a respeito da gestão da pro-

priedade intelectual (art. 15-A, inciso V).

Ademais, estabelece a competência do NIT para “acompanhar o proces-

samento dos pedidos e a manutenção dos títulos de propriedade intelectual da

instituição” (art. 16, § 1º, inciso VI), bem como “promover e acompanhar o re-

lacionamento da ICT com empresas, em especial para as atividades previstas

nos arts. 6º e 9º” (art. 16, § 1º, inciso IX). Conforme vimos anteriormente, estas

atividades compreendem as relações de parceria e prestação de serviços por

parte das ICTs.

As unidades de pesquisa do MCTI também se encontram submetidas à

Portaria GM/MCTI nº 251, de 12 de março de 2014, a qual estabelece diretrizes

para a gestão da propriedade intelectual nas unidades de pesquisa vinculadas

a esse Ministério.

Quanto à cessão de direitos, a Lei de Inovação reconhece que os órgãos

estatais (notadamente as ICTs públicas) podem ceder seus direitos sobre a cri-

ação, mediante manifestação expressa e motivada e a título não oneroso, ao

criador, para que os exerça em seu próprio nome e sob sua inteira responsabi-

lidade, ou a terceiro, mediante remuneração (art. 11).

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338

Em especial no que se refere aos acordos de parceria, fica instituído pela

Lei de Inovação que as partes deverão negociar e prever a titularidade da pro-

priedade intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações

resultantes da parceria (art. 9º, § 2º). Ademais, nestes acordos, a ICT pública

poderá ceder ao parceiro privado a totalidade dos direitos de propriedade in-

telectual mediante compensação financeira ou não financeira, desde que eco-

nomicamente mensurável (art. 9º, § 3º).

Dessa forma, a Lei de Inovação autoriza aos órgãos estatais definir a ti-

tularidade e o compartilhamento da propriedade intelectual resultante de

parcerias com terceiros, não havendo a determinação de uma regra a priori

para essa definição. No entanto, deve-se observar que a referida Lei não trata

do instituto jurídico da propriedade intelectual em si – o qual se encontra re-

gulado pela Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279, de 1996).

Nesse ponto, cumpre fazermos a seguinte observação: ainda que a Lei de

Inovação tenha buscado conferir novos contornos à gestão da propriedade in-

telectual pelos órgãos estatais, não houve a mesma iniciativa no sentido de

aprimorar a Lei de Propriedade Industrial.

Em outras palavras, mesmo havendo um esforço no sentido de tornar

mais flexível a relação entre ICT pública e Empresa por meio de mecanismos

que facilitem a negociação dos resultados de pesquisas desenvolvidas em par-

ceria, os direitos relativos à propriedade intelectual resultante da parceria

ainda se encontram atrelados aos procedimentos (bastante morosos) que de-

correm das disposições da Lei de Propriedade Industrial.

Tais procedimentos são de observância obrigatória, para que os contra-

tos possam, conforme mencionado acima, produzir efeitos em relação a ter-

ceiros e dar segurança aos acordos (além dos efeitos perante terceiros, a aver-

bação é necessária para, por exemplo, o envio de remessas de divisas ao exte-

rior como pagamento pela tecnologia negociada e para permitir a dedutibili-

dade fiscal para a empresa receptora da tecnologia das importâncias pagas a

título de royalties).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

339

Outro ponto interessante a respeito das relações público-privadas volta-

das à CT&I é a alteração, pelo Novo Marco de CT&I, da redação do art. 5º da Lei

de Inovação, responsável por disciplinar o instrumento de participação no ca-

pital de empresas, com o propósito de desenvolver produtos ou processos ino-

vadores.

Anteriormente, a propriedade intelectual sobre os resultados obtidos

pertenceria às instituições detentoras do capital social, na proporção da res-

pectiva participação. Com a nova redação, fixou-se que a propriedade intelec-

tual caberá exclusivamente à empresa, na forma da legislação vigente (art. 5º,

§1º, da Lei de Inovação).

3.4. Recomendações

Sob o ponto de vista do fluxo de conhecimento, reunimos a seguir as su-

gestões fornecidas ao longo desta seção, recomendando que se envide esforços

nas seguintes atividades:

Recursos Humanos

- Por medida de cautela, regulamentar o art. 14-A da Lei de Inova-

ção de maneira a prever explicitamente que os pesquisadores pú-

blicos, mesmo em regime de dedicação exclusiva, mantenham as

gratificações e vantagens inerentes ao seu cargo quando exercer

atividade em empresa;

- Regulamentar o art. 9º da Lei de Inovação, no sentido de permitir

que a concessão de bolsas de estímulo possa ser estabelecida

como contrapartida das ICTs, fundações de apoio ou agência de

fomento vinculadas aos acordos de parceria;

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

340

conteúdo do veto presidencial ao art. 9º, § 5º, da Lei de Inovação,

com o intuito de restabelecer a extensão dos efeitos do § 4º do

mesmo artigo para a concessão de bolsas pelas ICTs privadas;

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

conteúdo do veto presidencial ao art. 21-A, da Lei de Inovação,

com o intuito de restabelecer a extensão dos efeitos do § 4º do art.

9º da Lei de Inovação à concessão de bolsas destinadas à forma-

ção e capacitação de recursos humanos que contribuam para a

execução de projetos de PD&I;

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

conteúdo do veto presidencial ao art. 16 da Lei nº 13.243, de 2016,

e à nova redação do art. 4º, § 8º, da Lei 8.958, de 1994, com o in-

tuito de restabelecer a extensão dos efeitos do § 4º do art. 9º da

Lei de Inovação à concessão de bolsas destinadas aos preceptores

da residência médica e multiprofissional e aos bolsistas de proje-

tos de ensino, pesquisa e extensão, inclusive os realizados no âm-

bito dos hospitais universitários;

- Alternativamente à reapresentação de novo projeto de lei ou me-

dida provisória para estender os efeitos do § 4º do art. 9º à con-

cessão de bolsas de estímulo por parte de empresas e ICTs priva-

das, propõe-se regulamentar o art. 19, § 2º-A, inciso VII e art. 21-

A, da Lei de Inovação, considerados os alertas feitos nesta seção;

- Alterar o art. 10 da Lei nº 6.815, de 1980, no sentido de dispensar

os cientistas e pesquisadores estrangeiros da emissão de vistos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

341

temporários pelo prazo de duração de seu contrato ou prestação

de serviços;

- Alternativamente, solicitar a inclusão da recomendação anterior

ao PL nº 5.655, de 2009, que instituiu o Estatuto de Estrangeiro,

atualmente em trâmite na Câmara dos Deputados;

- Por medida de cautela, prever na regulamentação do Novo Marco

de CT&I que os contratados em caráter temporário, com funda-

mento na Lei nº 8.745, de 1993, possam se valer dos benefícios

instituídos pela Lei de Inovação;

Cooperação ICT – Setor Privado

- Regulamentar o art. 9º da Lei de Inovação, no sentido de permitir

que a concessão de bolsas de estímulo por parte de ICT, fundação

de apoio ou agência de fomento possa ser considerada como con-

trapartida no âmbito de acordos de parceria firmados com fun-

damento neste artigo;

- Regulamentar o instrumento do bônus tecnológico, previsto no

inciso XIII, art. 2º, da Lei de Inovação;

- Acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 226, de 2016, de autoria do Senador Jorge Viana (PT/AC)

e relatoria do Senador Cristovam Buarque (PPS/DF), atualmente

em trâmite no Senado Federal, com objetivo de reapresentar o

conteúdo do veto presidencial ao art. 26-B da Lei de Inovação,

com o intuito de restabelecer a possibilidade de se conferir maior

autonomia administrativa e financeira às ICTs públicas, nos ter-

mos do art. 37, § 8º, da Constituição Federal;

- Prever na regulamentação da Lei de Inovação dispositivo que au-

torize a celebração, por parte das ICTs públicas, de acordos de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

342

confidencialidade ou outros instrumentos destinados a preser-

var o sigilo do objeto da pesquisa a ser desenvolvida em parceria

com ente privado, quando necessário;

- Prever na regulamentação da Lei de Inovação dispositivo que au-

torize a negociação, por parte das ICTs públicas, quanto à eleição

de cláusula de foro e à adoção de cláusula arbitral nos contratos

a serem firmados com o setor privado, ou alternativamente,

acompanhar e incentivar a tramitação do Projeto de Lei do Se-

nado nº 559, de 2013, atualmente em trâmite na Câmara dos De-

putados Federais, com objetivo de revogar a Lei nº 8.666, de 1993,

e criar novo regime jurídico para as licitações e contratações pú-

blicas;

- Regulamentar o art. 15, § 1º, do Novo Marco de CT&I de forma a

discriminar detidamente as hipóteses em que se fará necessária

a apreciação por parte do Congresso Nacional, privilegiando a

formalização destes acordos por meio de instrumentos flexíveis,

especialmente quando se tratar de entidades privadas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

343

4. Empreendedorismo e Inovação

Uma das premissas para o bom funcionamento do Sistema Nacional de

CT&I é assegurar que a atividade de inovação possa ser reconhecida e incenti-

vada em todo o tecido nacional produtivo, independentemente do porte da ins-

tituição ou empresa. Nesse sentido, são essenciais tanto a participação de em-

presas de grande porte, com P&D estruturado e contínuo, e empresas inician-

tes inovadoras.

O empreendedorismo inovador já foi objeto de análise ao longo deste

projeto, quando se destacou a importância do incentivo às empresas iniciantes

para inovação e buscou identificar os problemas enfrentados, no âmbito do

ecossistema à inovação, pelas empresas inovadoras, de alto impacto e de base

tecnológica. Por fim, o referido documento concluiu pela necessidade de o Bra-

sil tornar seu ecossistema de empreendedorismo inovador mais complexo e

diversificado, sugerindo ações nas seguintes áreas: regulação para o capital

empreendedor; investimento e capitalização; capacitação e ambientes ao em-

preendedorismo.

As entrevistas conduzidas para a análise do marco legal da inovação

também registraram pontos de atenção quanto à necessidade de se aprimorar

os mecanismos de incentivo ao capital empreendedor. Em especial, as consi-

derações apreendidas cuidam do investimento nas empresas nascentes de

base tecnológica, inclusive via fundos de capital de risco:

- Inclusão de mecanismos específicos para viabilização de

fundos de capital de risco: essencial na visão dos entre-

vistados para o estímulo a atividades de inovação, há su-

gestão de que sejam construídos em parceria com o setor

privado e tenham governança público-privada;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

344

- Minimizar obstáculos para que o setor privado possa in-

vestir em startups ou MPE de base tecnológica: por exem-

plo, aprimorar resoluções jurídicas para problemas tra-

balhistas nesse tipo de empreendimento. Também é de-

mandada maior participação do governo no comparti-

lhamento dos riscos desse tipo de investimento, na visão

dos entrevistados, assim como investidores que perdem

seu capital em caso de não sucesso, o governo poderia

abrir mão da tributação nesses casos.

O intuito principal desta seção é analisar como o empreendedorismo

inovador é regulado pela Lei de Inovação, valendo-nos da análise de outras

normas pertinentes, quando necessário. Para estruturar o estudo, dividimos o

presente capítulo em dois temas principais: (a) incentivos às empresas inova-

doras em estágio inicial; e (b) os incentivos ao capital de risco em inovação.

Pela especificidade e complexidade do assunto ora tratado, o presente

estudo contou com a consulta ao escritório Veirano Advogados102, que possui

vasta experiência na área de direito societário, com ênfase em investimentos

via fundos.

102 Apenas a título de informação, o escritório recentemente foi citado entre os 100 melhores

do mundo pela publicação internacional The Who’s Who Legal 100 2014, bastante respeitada

no meio jurídico: http://www.conjur.com.br/2014-jun-10/pinheiro-neto-veirano-entre-100-

melhores-escritorios-mundo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

345

4.1. Incentivo à Atração de Talentos Internacionais

Conforme já demonstrado anteriormente, os marcos legais que discipli-

nam o Sistema Nacional de CT&I são relativamente recentes, e ainda não se

encontram suficientemente consolidados. Por outro lado, é também recente a

própria temática do favorecimento às empresas nascentes, inovadoras ou não.

A propósito, o principal marco legal da matéria – a Lei Complementar nº 123,

de 2006 – é contemporâneo às principais leis que fomentam a inovação no

País.

Foi justamente por meio da Lei Complementar nº 123, de 2006, respon-

sável por instituir o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pe-

queno Porte, que a legislação de CT&I apresentou efetivamente as primeiras

medidas concretas de apoio às empresas nascentes103. Em resumo, estas me-

didas cuidam do tratamento favorecido destas empresas em relação a recur-

sos públicos destinados à inovação, bem como incentivos tributários104.

103 É curioso notar que originalmente a Lei de Inovação tratava das empresas nascentes em

apenas duas passagens: (a) permissão para que ICTs compartilhem sua infraestrutura com as

microempresas e empresas de pequeno porte para atividades de incubação (art. 4º, inciso I); e

(b) obrigação para que as agências de fomento promovam, por meio de programas específicos,

ações de estímulo à inovação nas empresas nascentes, inclusive mediante extensão tecnoló-

gica realizada pelas ICTs (art. 21).

104 Dentre as mais relevantes, destacam-se: (a) as condições de acesso diferenciadas, favoreci-

das e simplificadas aos programas governamentais (art. 65, inciso I); (b) a estipulação de meta

de aplicação de, no mínimo, 20% dos recursos destinados à inovação para as empresas nas-

centes, por parte da Administração Pública (art. 65, §2º); e (c) autorização para redução a 0

(zero) as alíquotas de impostos e contribuições incidentes na aquisição ou importação, pelas

empresas nascentes, de equipamentos, máquinas, aparelhos, instrumentos, acessórios, so-

bressalentes e ferramentas, na forma do regulamento, para incorporação ao seu ativo imobi-

lizado (art. 65, § 4º). Nos termos dos incisos I e II do referido parágrafo, os impostos são: (a)

pela União, em relação ao IPI, à Confins, ao PIS/PASEP, à Confins Importação e à Contribuição

para o PIS/PASEP-Importação; (b) pelos Estados e Distrito Federal, o ICMS.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

346

A Lei de Inovação, por sua vez, passou a conceder atenção especial às

empresas inovadoras em estágio inicial, somente após a ampla revisão reali-

zada pelo Novo Marco de CT&I. Como novidade, estabeleceu o tratamento dife-

renciado e simplificado às empresas nascentes como diretriz para aplicação

da Lei de Inovação,105 tanto para o acesso aos programas e recursos públicos

quanto para as compras públicas106, bem como criou um novo instrumento de

fomento exclusivamente voltado para estas empresas: o bônus tecnológico107,

ainda pendente de regulamentação.

Aliás, é justamente o acesso ao financiamento, público e privado, que

causa a maior apreensão das empresas nascentes inovadoras, uma vez que

pretendem desenvolver ideias inovadoras e novas tecnologias, porém não pos-

suem capacidade de se autofinanciar, tampouco de obter empréstimos, pois

em geral possuem relevante escassez de recursos em caixa, patrimônio ou re-

servas de capital.

Para poder desenvolver suas atividades, as empresas nascentes recor-

rem a financiadores dispostos a aportar recursos financeiros na empresa. O

tipo de investimento a ser feito é bastante influenciado pelo estágio operacio-

nal em que se encontra a startup. Por outro lado, as consequências jurídicas do

ingresso no capital, contudo, são definidas pela estrutura societária adotada

pela empresa a ser investida. O parecer de Veirano Advogados aqui utilizado

apresenta breve descritivo acerca dos principais tipos de financiamento e for-

mas societárias empregadas pelas startups:

105 Art. 27, inciso III, da Lei de Inovação.

106 Art. 27, inciso IV, da Lei de Inovação.

107 Sua definição encontra-se no art. 2º, inciso XIII, da Lei de Inovação: “XIII - bônus tecnoló-

gico: subvenção a microempresas e a empresas de pequeno e médio porte, com base em dota-

ções orçamentárias de órgãos e entidades da administração pública, destinada ao pagamento

de compartilhamento e uso de infraestrutura de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos, de

contratação de serviços tecnológicos especializados, ou transferência de tecnologia, quando

esta for meramente complementar àqueles serviços, nos termos de regulamento”;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

347

“Apesar de não ser muito utilizada principalmente por exigir

um significativo investimento inicial, a estrutura societária de

EIRELI pode mostrar-se vantajosa caso o empreendedor tenha

o capital necessário para registrar a EIRELI e não queira sócios

e deseje ficar enquadrado como microempresa, dado o fato de

ainda não haver receita. Todavia, reitera-se que não é comum

empreendedores utilizarem a estrutura de uma EIRELI.

Uma vez que essa empresa atraia o interesse de um investidor

anjo ou uma aceleradora/incubadora, torna-se mais interes-

sante utilizar-se de um formato mais complexo de estrutura so-

cietária, por meio do qual seja viável que o novo investidor

possa ter inserção real na gerência da sociedade, mas não ex-

cluindo os poderes de gestão do idealizador inicial da empresa.

Nesse sentido, a sociedade limitada se mostra mais interes-

sante do que a EIRELI, uma vez que (i) com a entrada do investi-

dor anjo ou aceleradora/incubadora, a empresa passa a ter

mais de um sócio, e (ii) mesmo com pluralidade de sócios, a

forma da entrada do investidor na empresa pode ser regulada

por meio de acordo de quotistas.

Conforme exposto anteriormente, de acordo com a prática do

mercado, o investimento realizado por um investidor anjo ou

uma aceleradora/incubadora, ou até mesmo por um fundo de

venture capital, é feito por meio de um mútuo conversível. Este

mecanismo de investimento é utilizado muito em razão do co-

nhecimento que o investidor tem acerca da natureza de star-

tups. Se, em média, apenas uma em cada dez startups obtém

grande sucesso, não é do interesse do investidor ter o seu nome

figurando em contratos sociais de nove empresas que, por qual-

quer razão, foram obrigadas a encerrar suas atividades ou, em

alguns casos, pedir recuperação judicial ou declarar falência.

Em vista disso, por meio da estrutura de um mútuo conversível,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

348

o investidor pode aportar capital em uma startup sem necessa-

riamente figurar no quadro societário, eximindo-se, portanto,

dos deveres, passivos e responsabilidades aplicáveis a sócios de

uma sociedade.

Uma vez que a empresa tenha atingido um estado de amadure-

cimento maior, seu produto já tenha sido testado e angariado

usuários e, na maioria dos casos, já tenha apresentado receita,

necessitando assim de investimentos significativamente mai-

ores em montante para que possa escalar e sofisticar seus pro-

dutos/serviços, a empresa passa a atrair investidores de maior

porte, tais como fundos de venture capital e empresas grandes

(os corporate ventures). Nesse momento, torna-se mais impor-

tante contar com uma estrutura de governança mais sofisti-

cada, que garanta determinados direitos e atraia fundos de

venture capital para investimento, bem como aos sócios funda-

dores da empresa, determinados direitos tais como veto em de-

liberações. Para implementação desse objetivo, a empresa alvo

deve converter-se, idealmente, em S.A.

Nesta fase secundária do ciclo de investimento de uma startup,

o aporte não é mais efetuado por meio mecanismos de dívida,

como é o caso do mútuo conversível, mas por meio de mecanis-

mos de participação societária. Deste modo, os investimentos,

geralmente, passam a ser feitos em rodadas de investimentos,

as chamadas “séries”. As rodadas de investimento ocorrem pe-

riodicamente, de acordo com a necessidade da empresa de cap-

tar recursos para que ela tenha condições de escalar sua opera-

ção, bem como aprimorar seus produtos e/ou serviços. O inves-

timento realizado desta maneira só é possível devido à cres-

cente confiança que o investidor possui na empresa, em decor-

rência de seus números de crescimento e grau de adesão por

consumidores. Nesse ponto, a startup já atingiu um certo grau

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 349

de sucesso e busca captar recursos para consolidar sua posição

no mercado”.

Conforme se depreende das observações acima, embora o empreende-

dor inovador possa se valer de diversas formas societárias, conclui-se que o

regime societário mais apropriado às necessidades de investimento das em-

presas nascentes é a sociedade anônima, em virtude tanto de sua estrutura de

governança sofisticada quanto pela atratividade de investimentos, em espe-

cial aqueles realizados por fundos de investimento em participação (FIPs)108.

A constituição de uma empresa nascente inovadora enquanto sociedade

por ações não se mostra uma tarefa fácil ou barata. A Lei nº 6.404, de 1976,

também chamada da Lei das S.A., prescreve uma série de requisitos e procedi-

mentos societários que acabam por encarecer e burocratizar sua gestão109.

Como se não fosse o bastante, as empresas constituídas neste regime tam-

108 Conforme veremos mais adiante, estes fundos são o principal instrumento de financia-

mento no mercado de venture capital e, por determinação legal, somente podem investir na

aquisição de participação societária em empresas constituídas no regime de sociedade por

ações.

109 É importante registrar que a Lei das S.A. já admite, em seu artigo 294, a simplificação de

alguns procedimentos societários, porém ainda de forma muito limitada: “Art. 294. A compa-

nhia fechada que tiver menos de vinte acionistas, com patrimônio líquido inferior a R$

1.000.000,00 (um milhão de reais), poderá: (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001) I - con-

vocar assembleia-geral por anúncio entregue a todos os acionistas, contra recibo, com a ante-

cedência prevista no artigo 124; e II - deixar de publicar os documentos de que trata o artigo

133, desde que sejam, por cópias autenticadas, arquivados no registro de comércio juntamente

com a ata da assembleia que sobre eles deliberar. § 1º A companhia deverá guardar os recibos

de entrega dos anúncios de convocação e arquivar no registro de comércio, juntamente com a

ata da assembleia, cópia autenticada dos mesmos. § 2º Nas companhias de que trata este ar-

tigo, o pagamento da participação dos administradores poderá ser feito sem observância do

disposto no § 2º do artigo 152, desde que aprovada pela unanimidade dos acionistas. § 3º O

disposto neste artigo não se aplica à companhia controladora de grupo de sociedade, ou a ela

filiadas”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

350

pouco podem aderir ao programa Simples Nacional, instituído pela Lei Com-

plementar nº 123, de 2006, acarretando maior tributação e custos administra-

tivos.

Já existem iniciativas legislativas a respeito do tema. Como alternativa,

tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.303, de 2012, de autoria

do Dep. Laércio de Oliveira (PR/SE), que pretende instituir a Sociedade Anô-

nima Simplificada – SAS, por meio do acréscimo dos arts. 294-A a 294-I à Lei

das Sociedades Anônimas110.

Dentre as principais alterações promovidas pelo PL nº 4.303/12, desta-

camos: (a) facultar à companhia, cujo patrimônio líquido seja inferior a R$ 48

milhões de reais, constituir-se sob o regime especial de sociedade anônima

simplificada ou a ele aderir a qualquer tempo; (b) a companhia sob o regime

especial da SAS poderá ter apenas um acionista, pessoa física ou jurídica; (c) o

acionista da companhia sob o regime especial da SAS poderá participar e votar

a distância em assembleia geral, conforme o estatuto; (d) o acionista participa

dos lucros e das perdas, na proporção das respectivas ações, podendo dispor

diversamente o Estatuto; e (e) inclusão das sociedades sob o regime de socie-

dade anônima simplificada no “Simples Nacional”.

Paralelamente à iniciativa parlamentar, em 2015 a Secretaria de Assun-

tos Estratégicos (SAE) preparou o documento intitulado “Produtivismo Inclu-

dente”, em que elenca uma série de propostas normativas visando a solucio-

nar entraves que têm contido o impulso empreendedor e inovador na econo-

mia brasileira. Dentre as iniciativas propostas, encontram-se a criação das so-

ciedades anônimas simplificadas e sua elegibilidade ao “Simples Nacional”111.

110 Após aprovação na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio

(CDEIC), o PL4303/12 encontra-se na Comissão de Finanças e Tributação (CFT) da Câmara,

onde desde 25/06/15 aguarda parecer do relator a respeito de emenda sugerida. Caso apro-

vado, deverá seguir para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).

111 Em seu conteúdo, a proposta da SAE é mais abrangente do que o defendido pelo PL4303/12.

Na verdade, a maior parte do PL se encontra contida na Proposta da SAE. Enquanto o PL

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

351

Outro célebre ponto de entrave ao investimento em empresas nascentes

inovadoras diz respeito ao risco de o Poder Judiciário decretar a desconsidera-

ção da personalidade jurídica da empresa investida. Em síntese, tal medida

alarga a responsabilização pessoal e patrimonial dos sócios para além do capi-

tal social integralizado, em face de eventual prejuízo ou dano cometido pelos

representantes da empresa.

Alerta-nos o Veirano Advogados que, embora se trata de instituto bas-

tante antigo no ordenamento jurídico do país, a sua utilização tem sido cada

vez mais frequente, em razão de dispositivos legais genéricos que concedem

grande discricionariedade ao julgador. É interessante notar que a medida se

encontra presente em diversos ramos do Direito, como o societário, cível, con-

sumerista, trabalhista, ambiental, falimentar, concorrencial etc.

A consequência direta desta instabilidade jurídica é a falta de previsibi-

lidade financeira e o aumento dos custos do investimento, em razão da neces-

sidade de constante monitoramento e controle da sociedade investida. Não é

necessário frisar que resta ainda mais prejudicada, pois, a atratividade das

empresas nascentes nacionais ao capital investidor estrangeiro.

É, portanto, fundamental que se discipline legalmente a aplicação do

instituto da desconsideração da personalidade jurídica, permitindo ao inves-

tidor antecipadamente precificar o risco do investimento. Nesse sentido, é im-

portante reconhecer o avanço que representou a aprovação do Projeto de Lei

Complementar nº 25, de 2007, convertido na Lei Complementar nº 155, de 27

4303/12 preocupa-se em criar novo regime especial societário – sociedade anônima simplifi-

cada – a Proposta da SAE pretende promover outras alterações em prol da diversificação dos

potenciais investimentos realizados pelas sociedades anônimas, como por exemplo, discipli-

nar a emissão de debêntures por parte destas companhias. Outro ponto relevante na proposta

da SAE e ausente no PL 4303/12 é a previsão de que a companhia que tenha sócio domiciliado

no exterior também possa aderir ao Simples Nacional, desde que respeitadas determinadas

condições. Também nesse sentido, a permissão de se filiar ao Simples Nacional, a MPME de

cujo capital participe entidade da Administração Pública, direta ou indireta, de qualquer ente

federado, desde que esta participação decorra de sua condição de quotista de fundo de inves-

timento em participações empreendedoras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

352

de outubro de 2016, responsável por regulamentar a figura jurídica do “inves-

tidor-anjo”, bem como limitar suas responsabilidades112.

A principal inovação jurídica foi considerar o “investimento-anjo” como

uma espécie de aporte de capital não integrante do capital social da empresa,

de modo que o investidor-anjo não é considerado propriamente um sócio, pois

não tem direito a gerência ou voto na administração. Consequentemente, não

será responsável por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação

judicial (art. 61-A, § 4º, da Lei Complementar nº 123, de 2006), uma vez que a

atividade empresarial será exercida unicamente pelos sócios, sob sua exclu-

siva responsabilidade (art. 61-A, § 3º, da Lei Complementar nº 123, de 2006).

Outra iniciativa legislativa importante, em razão de sua maior abran-

gência, encontra-se consubstanciada no Projeto de Lei Complementar nº 446,

de 2014, de autoria do Dep. José Humberto et al., atualmente em trâmite na

Câmara dos Deputados.

A proposta legislativa tem por objetivo estabelecer incentivos aos inves-

timentos efetuados em participações empresariais por meio de capital empre-

endedor, regulamentando, assim, o conceito de investimento transitório,

como os investidores-anjo, por exemplo113. Neste contexto, a proposta limita a

112 Em síntese, a referida lei complementar inseriu os seguintes pontos: (i) os aportes de capi-

tal, realizados por pessoas físicas, jurídicas ou investidores-anjo não integrarão o capital so-

cial da empresa, tampouco serão contabilizados como receita, desde que a finalidade de fo-

mento à inovação seja prevista em contrato; (ii) os investidores-anjo não serão considerados

sócios regulares da empresa, portanto, não terão direito de gerência ou voto na administração

da empresa; (iii) os investidores-anjo não responderão por qualquer dívida da empresa,

mesmo em caso de recuperação judicial; (iv) estabelece o prazo mínimo de dois anos para o

investimento-anjo; e (v) permite expressamente que os fundos de investimento poderão apor-

tar capital em microempresas e empresas de pequeno porte na qualidade de investidores-anjo.

113 A título de informação, o documento “Produtivismo Includente” (SAE, 2015) também apre-

senta proposta normativa de regulamentação do capital empreendedor, porém, quando se

compara à redação do PLC nº446, de 2014, verifica-se enorme similaridade ou coincidência

entre as iniciativas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

353

utilização do instituto da desconsideração, tornando obrigatória a prévia per-

missão expressa da legislação114 (art. 5º), bem como veda a sua aplicação de

ofício (art. 7º). Ademais, estipula que investidores transitórios não responde-

rão além do valor de suas quotas pelas obrigações da sociedade investida, res-

salvados os pressupostos dos arts. 50 e 1.080 do Código Civil (art. 10).

A referida proposta também previu, em seus arts. 21 e 24, a criação e

majoração de incentivos tributários destinados ao capital inovador, em espe-

cial quanto ao imposto devido sobre o ganho de capital quando da alienação

de investimento-anjo ou investimento acelerador de empresas em fundo de

investimento participação na produção econômica intensiva em pesquisa, de-

senvolvimento e inovação (FIP-PD&I)115.

À guisa de conclusão, tendo em vista que já se encontram em trâmite

iniciativas legislativas a respeito do tema, recomendamos o acompanhamento

da tramitação dos Projetos de Lei Complementar nº 4.303, de 2012, e nº 446,

de 2014, na Câmara dos Deputados, no sentido de assegurar maior atrativi-

dade e segurança jurídica ao investimento em empresas nascentes inovado-

ras.

A seguir, analisaremos em maior detalhe algumas das opções legais de

que dispõem os investidores para mitigar os possíveis riscos de seu investi-

mento em empresas nascentes inovadoras.

114 Também neste sentido, o Veirano Advogados faz recomendação no sentido de revisar a le-

gislação trabalhista e consumerista, buscando restringir a aplicação do instituto e a conse-

quente responsabilização pessoal e patrimonial do sócio. As iniciativas, diferentemente do

PLC nº 446/2014, não são exclusivas ao investimento em empresas nascentes.

115 Estes fundos foram instituídos pela Lei nº 11.418, de 2007. Veremos mais a respeito na pró-

xima seção.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

354

4.2. Incentivos às Empresas Inovadoras em Estágio Inicial: o financiamento via capital de risco

O financiamento a empresas emergentes inovadoras, por meio de me-

canismos do mercado de capitais, corresponde a um capítulo fundamental do

tema do Empreendedorismo e da Inovação.

Como se sabe, o mercado de capitais representa uma forma eficiente

para a captação de recursos privados por empresas cujos negócios apresentam

alto potencial de crescimento (e também de risco), mas que não dispõem dos

recursos necessários para tanto.

Nesse sentido, é importante destacar que a Lei de Inovação representa

um marco de abertura ao venture capital, isto é, ao capital de risco no campo

da inovação. Com as alterações recentemente introduzidas por força da Lei n.

13.243/2016, a Lei de Inovação reforçou o papel dos fundos de investimentos e

os fundos de participação como mecanismos de estímulo à inovação nas em-

presas.

Ampliando ainda mais as possibilidades de financiamento a médio e

longo prazos para promover a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação no

setor privado, a Lei de Inovação também estabeleceu, por força da edição da

Lei 13.243/2016, que as iniciativas do Estado poderão ser estendidas a ações

visando à “utilização do mercado de capitais e de crédito em ações de inova-

ção” (art. 19, § 6º, VI).

No Brasil, a regulação do mercado de capitais ainda pode ser mais explo-

rada no sentido de incorporar e desenvolver mecanismos voltados especifica-

mente ao incentivo de empresas emergentes inovadoras.

Por essa razão, pretende-se expor a seguir as principais questões relaci-

onadas à regulação do capital de risco, de modo que se possa avaliar em que

medida esses instrumentos de captação de recursos são efetivamente capazes

de viabilizar empresas emergentes com base tecnológica e simultaneamente

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

355

atender a indústria dos fundos de investimentos (compreendidos as empre-

sas, os investidores e os prestadores de serviços nela envolvidos).

4.2.1. Nota introdutória sobre capital de risco: ventura capital, seed money e private equity

A definição de capital de risco pode incluir várias modalidades de inves-

timento. São investimentos que sempre envolvem grau de risco considerado

elevado em relação a outros investimentos, geralmente porque destinam-se a

empresas nascentes, nas quais o negócio é ainda embrionário, ou a empresas

de pequeno ou médio porte, que ainda requerem investimento para a expan-

são de suas atividades. Conforme a fase de desenvolvimento das empresas ob-

jeto do investimento, pode ser denominado seed capital, venture capital ou

private equity.

Os fundos de investimentos, por sua vez, são os veículos de investimento

que aportam recursos em empresas que têm grande potencial de crescimento,

recebendo por essa capitalização uma participação nas empresas investidas.

Além de recursos, a empresa receberá a expertise do investidor e, ainda, po-

derá se beneficiar da rede de relacionamentos que esse investidor tenha por-

ventura com outras empresas.

Conforme o perfil do fundo e objetivos de investimento, tais fundos po-

dem aportar capital em empresa ainda na fase inicial dos negócios (seed capi-

tal), em empresa já estruturada, mas em processo de crescimento e desenvol-

vimento (venture capital) ou em empresa estruturada e em processo de conso-

lidação de mercado com o propósito de abertura de capital ou de fusão ou aqui-

sição por outra empresa (private equity).116

116 Conforme “Cartilha ABVCAP sobre a indústria de private equity, seed e venture capital”.

Disponível em http://www.abvcap.com.br/Download/Guias/2726.pdf. Último acesso em

01/06/2016.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 356

Para cada uma dessas modalidades, os fundos devem observar regras

específicas, assim como dispor de estrutura adequada a suas finalidades, ob-

servadas as normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, ór-

gão regulador do mercado de capitais brasileiro, notadamente a Instrução

CVM nº 578, de 30 de agosto de 2016, responsável pela regulamentação dos

fundos de investimento em participação (FIPs).

De modo geral, os fundos de investimentos consistem em uma comu-

nhão de recursos com o objetivo de obter ganhos financeiros a partir da apli-

cação em títulos e valores mobiliários. Os fundos são constituídos sob a forma

de condomínio, não apresentando personalidade jurídica e sendo represen-

tado por um administrador (o administrador do fundo). Ainda assim, os fun-

dos possuem deveres e obrigações perante terceiros. O patrimônio do fundo é

dividido em cotas. Portanto, as cotas correspondem a frações do valor do pa-

trimônio do fundo.

Por fim, uma outra forma de aportar capital empreendedor a um negó-

cio corresponde ao investidor-anjo. Trata-se de investidor com interesse e ca-

pacidade para apoiar e investir recursos próprios em uma empresa nascente -

start-up - que apresente potencial de crescimento. Isso significa dizer que

além de aportar recursos financeiros, referido investidor também aportará

seu conhecimento ao negócio. Conforme visto no item anterior, a Lei Comple-

mentar nº 155, de 27 de outubro de 2016, finalmente regulamentou a figura do

“investidor-anjo”.

No Brasil, os investimentos na indústria de seed money, venture capital

e private equity vêm apresentando resultados crescentes. Com base em esta-

tísticas elaboradas pela Associação Brasileira de Venture Capital - ABVCAP, ve-

rifica-se que, no período de 2012 a 2014, houve um aumento tanto do capital

comprometido como do capital efetivamente investido em empresas, acom-

panhando a tendência de aumento observada em anos anteriores. Deve-se des-

tacar que esses dados se referem a período definido, não havendo garantia de

que necessariamente irão se repetir em períodos subsequentes. Porém, se-

gundo a ABVCAP, a comparação dos resultados do Brasil com os EUA e Reino

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 357

Unido permitem afirmar que ainda há bastante espaço para crescimento nes-

ses investimentos.117

4.2.2. O capital de risco na Lei da Inovação

Desde 2004, a Lei de Inovação autorizava a instituição de fundos mútuos

de investimentos em empresas cuja atividade principal fosse a inovação118, na

forma da Lei 6.385/1976, que regula o mercado de valores mobiliários no país.

Desse modo, a Lei representa efetivamente um marco de abertura ao venture

capital, isto é, ao capital de risco no campo da inovação.

Com as alterações recentemente introduzidas por força da Lei n.

13.243/2016, a Lei de Inovação reforçou o papel dos fundos de investimentos e

os fundos de participação como mecanismos de estímulo à inovação nas em-

presas. Nesse sentido, o art. 19, caput,119 estabelece formalmente que ao Es-

tado, no âmbito das suas políticas industrial e tecnológica, compete promover

117 Conforme “Consolidação de Dados da Indústria de Private Equity e Venture Capital no Brasil

– 2011 a 2014. Disponível em http://www.abvcap.com.br/Download/Estudos/3233.pdf. Úl-

timo acesso em 01/06/2016.

118 Lei de Inovação, “Art. 23: Fica autorizada a instituição de fundos mútuos de investimento

em empresas cuja atividade principal seja a inovação, caracterizados pela comunhão de re-

cursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários, na forma da Lei n.

6.385, de 07 de dezembro de 1976, destinados à aplicação em carteira diversificada de valores

mobiliários de emissão dessas empresas. Parágrafo único. A Comissão de Valores Mobiliários

editará normas complementares sobre a constituição, o funcionamento e a administração dos

fundos, no prazo de 90 (noventa) dias da data de publicação desta Lei”.

119 Art. 19, caput: “a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios, as ICT e suas agências

de fomento promoverão e incentivarão a pesquisa e o desenvolvimento de produtos e proces-

sos inovadores em empresas brasileiras e em entidades brasileiras de direito privado sem fins

lucrativos, mediante a concessão de recursos financeiros, humanos, materiais ou de infraes-

trutura a serem ajustados em instrumentos específicos e destinados a apoiar atividades de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

358

e incentivar a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação em entidades de na-

tureza privada por meio da concessão de recursos financeiros, humanos, ma-

teriais ou de infraestrutura. Para tanto, dispõe de diversos mecanismos, entre

os quais os fundos de investimentos e os fundos de participação (art. 19, §2º-

A, IX e X).

Desse modo, é inegável que a Lei de Inovação representa um esforço efe-

tivo no sentido de estabelecer um ambiente mais propício à pesquisa e ao de-

senvolvimento científico e tecnológico no país, mediante a cooperação pú-

blico-privada, buscando aproximar o Brasil dos países considerados líderes

mundiais da inovação, nos quais as empresas são consideradas elemento fun-

damental no processo de inovação.

Ampliando ainda mais as possibilidades de financiamento a médio e

longo prazos para promover a pesquisa, o desenvolvimento e a inovação no

setor privado, a Lei de Inovação também estabeleceu, por força da edição da

Lei 13.243/2016, que as iniciativas do Estado poderão ser estendidas a ações

visando à “utilização do mercado de capitais e de crédito em ações de inova-

ção” (art. 19, § 6º, VI).

Como se sabe, o mercado de crédito corresponde a um sistema de finan-

ciamento no qual o acesso ao capital pelas empresas requer necessariamente

a participação de uma instituição financeira cuja atividade seja a concessão

de empréstimos e financiamentos: por excelência os bancos, sejam eles públi-

cos ou privados. No mercado de crédito os empréstimos e financiamentos são

via de regra concedidos pelos bancos que assumem os riscos da inadimplência

do tomador de recursos, em operações de curto ou médio prazos, razão pela

qual os custos pelo capital podem ser bastante elevados. Em dados contextos,

essa forma de acesso ao capital com intermediação de instituição financeira

pode ser especialmente vantajosa, como por exemplo, no caso de criação de

linhas de financiamentos de bancos públicos. Porém, no mercado de crédito a

decisão da concessão do crédito fica restrita às instituições financeiras e suas

pesquisa, desenvolvimento e inovação, para atender às prioridades das políticas industrial e

tecnológica nacional”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

359

respectivas políticas de crédito, as quais estão diretamente vinculadas a con-

junturas políticas e econômicas que conferem maior ou menor espaço para

empréstimos e financiamentos, razão pela qual esse mercado nem sempre é

capaz atender às necessidades dos agentes econômicos.

Por sua vez, o mercado de capitais, por meio de suas instituições e ins-

trumentos, corresponde a uma forma de acesso ao capital privado de terceiros

para o financiamento de projetos das empresas, isto é, de “capitalização das

empresas”, na qual a transferência dos recursos dos investidores ocorre dire-

tamente aos tomadores desses recursos – as empresas – por meio de instru-

mentos variados como ações, debêntures, fundos de investimentos, entre ou-

tros. Nesse modelo de acesso ao capital as operações costumam ser de médio e

longo prazos e as instituições financeiras, tais como bancos de investimentos,

corretoras e distribuidoras, são prestadoras de serviço: assumem a função de

assessorar as empresas na estruturação das operações para captação de recur-

sos junto aos investidores no mercado de capitais. Sendo assim, esse mercado

desempenha papel fundamental para o funcionamento e para a competitivi-

dade das empresas e, consequentemente, para desenvolvimento da economia

do país como um todo.120

Nesse sentido, a Lei de Inovação não apenas introduziu de forma espe-

cífica os fundos de investimentos e os fundos de participação como instru-

mentos de estímulo à inovação nas empresas e incentivou o venture capital,

mas também passou a reconhecer a importância do papel do mercado de capi-

tais para o desenvolvimento da política industrial e tecnológica brasileira.

Mesmo representando uma conquista importante para um país no qual

as empresas historicamente financiavam seus projetos e atividades por meio

de capital próprio ou financiamento (ou seja, via mercado de crédito, em espe-

cial financiamento público), ainda há um longo caminho a ser percorrido para

120 LOPES, C.; ANTUNES, L.; CARDOSO, M. Financiamento de Longo Prazo: Mercado de Debên-

tures e Programa de Emissão da BNDESPAR. In Revista do BNDES, Rio de Janeiro, v. 14, n. 27,

p. 43-70, jun. 2007, p. 45.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

360

360que, a partir dos dispositivos da lei, as potencialidades dos instru-

mentos do mercado de capitais sejam efetivamente exploradas em prol das

empresas brasileiras voltadas à pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Conforme se depreende da percepção dos entrevistados no exercício de

avaliação do uso da Lei de Inovação, o instrumento trouxe avanços importan-

tes. Porém, dentre os avanços mencionados não foram apontados os dispositi-

vos relativos aos fundos de investimento e aos fundos de participação. Ao con-

trário, há manifestações no sentido de uma ausência legislativa no que tange

à inclusão de mecanismos de capitalização das empresas voltadas à inovação

e de acesso a recursos privados.

A seguir, analisamos a Lei de Inovação com o objetivo de apontar o al-

cance dos dispositivos relacionados à matéria dos fundos de investimentos e

às formas de aporte de capital de risco para estimular a inovação nas empre-

sas.

4.3. Investimento em empresas inovadoras por meio de Fundos de Investimento em Participação - FIP

Os fundos de investimentos voltados a empresas inovadoras são consti-

tuídos nos termos da Instrução CVM 578/2016, que dispõe sobre a constituição,

o funcionamento e a administração dos fundos de investimentos em partici-

pações (FIPs), após a revogação das Instruções CVM nº 209, de 1994, e nº 391,

de 2003121. Apresentamos, a seguir, as principais características gerais do FIP,

passando, num segundo momento, a discorrer sobre as suas modalidades e os

investimentos em empresas inovadoras.

121 Ao revogar a Instrução Normativa CVM nº 209, de 1994, a Instrução Normativa CVM nº 578,

de 2016, acabou com os Fundos de Investimentos em Empresas Emergentes Inovadoras (FMI-

EEI), criados pela Instrução Normativa nº 415, de 2005, e incorporados aos arts. 43-A e B da

Instrução CVM nº 209/94.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

361

4.3.1. Principais Características do FIP

Nos termos do caput do art. 5º da Instrução CVM nº 578/16, o FIP, cons-

tituído sob a forma de condomínio fechado, destina-se à aquisição de ações,

debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários con-

versíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fe-

chadas, bem como títulos e valores mobiliários representativos de participa-

ção em sociedade limitadas.

Trata-se, aliás, de significativo avanço regulatório promovido pela refe-

rida Instrução, uma vez que as normas anteriores não permitiam o investi-

mento de FIP em empresas constituídas sob a forma de sociedade limitada.

De modo geral, o FIP destina-se a aplicação de longo prazo em empresas

mais estruturadas, havendo previsão de participação do fundo no processo de

cisório da empresa investida com influência na definição política estratégica

e na sua gestão por meio da indicação de membros do Conselho de Adminis-

tração.

Quanto à efetiva participação do fundo no processo decisório da compa-

nhia investida, o art. 6º da Instrução CVM n. 578/16 apresenta as hipóteses nas

quais essa participação pode ocorrer. São elas: (i) a detenção de ações que in-

tegrem o respectivo bloco de controle; (ii) a celebração de acordo de acionistas;

e (iii) a celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento

que assegure ao fundo efetiva influência na definição de sua política estraté-

gica e na sua gestão.

Outra característica peculiar dos FIPs consiste na determinação de que

somente poderão investir nesse fundo investidores qualificados, nos termos

de regulamentação específica (art. 4º da Instrução CVM nº 578/2016).

A Instrução CVM n. 554/2014, que regulamentou a matéria, estabelece

que os investidores qualificados são: (i) aqueles enquadrados como investido-

res profissionais; (ii) as pessoas naturais ou jurídicas que possuam investi-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

362

mentos financeiros em valor superior a R$ 1 milhão de reais e que, adicional-

mente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante

termo próprio; (iii) as pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames

de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como

requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administra-

dores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a

seus recursos próprios; e (iv) clubes de investimento, desde que tenham a car-

teira gerida por um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados (art.

9º, Instrução CVM n. 554).

Na verdade, o estabelecimento de restrição aos investimentos em FIPs

por meio da definição de investidores qualificados, pela CVM, corresponde a

um mecanismo de proteção aos investidores em geral, na medida em que os

investimentos em FIPs são geralmente investimentos de riscos elevados.122

É importante destacar o papel central da definição da política de inves-

timentos e do comitê de investimentos, notadamente quando se tratar de

fundo voltado a empresas emergentes inovadoras. Por meio desses instru-

mentos é que serão estabelecidos os critérios para investimentos, havendo,

dessa forma, uma definição quanto às responsabilidades pelas decisões toma-

das pelo fundo.

Não é por outra razão que o art. 38, §1º, da Instrução CVM n. 578/2016

estabelece que poderão ser constituídos conselhos consultivos, comitês técni-

cos ou de investimentos para auxiliá-los na consecução da política de investi-

mentos, nos termos do regulamento do FIP. Contudo, os membros destes ór-

gãos não poderão ser remunerados às expensas do fundo, tampouco possuem

o condão de eximir o administrador ou o gestor da responsabilidade sobre as

operações da carteira o fundo.

O conselho ou comitê de investimentos corresponde a um importante

mecanismo de governança, na medida em que seus membros participam do

122 Os investidores qualificados são aqueles considerados pela CVM como investidores com os

requisitos necessários para avaliar os riscos envolvidos nessas operações financeiras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

363

processo decisório dos investimentos do fundo, na condição de membros vo-

tantes. Portanto, pode também ser compreendido como mecanismo de segu-

rança jurídica.

Quanto ao prazo de duração dos FIPs, a regra da Instrução CVM n. 578

não estabelece prazo determinado, deixando a matéria para o regulamento de

cada fundo específico. Porém, de modo geral esses fundos seguem a prática do

mercado que estabelece o prazo de 10 anos.

Em síntese, esses são os principais parâmetros dentro dos quais deve se

dar a engenharia financeira dos FIPs, sejam eles destinados ou não a empresas

inovadoras.

4.3.2. Modalidades de FIP

Como já adiantado, a Instrução Normativa nº 578/2016 foi responsável

por fazer uma profunda reformulação na regulamentação dos investimentos

via fundos de investimento, mediante a revogação de alguns normativos e a

consolidação de normas esparsas a respeito das diferentes modalidades de FIP

previstas na legislação.

Nesse sentido, ressaltamos a revogação da Instrução CVM nº 209, de

1994, responsável por regulamentar os Fundos de Investimento em Empresas

Emergentes Inovadoras (FMIEEI), primeiro mecanismo de investimento cri-

ado exclusivamente para o fomento às empresas emergentes inovadoras. Por

outro lado, o FIP de Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvi-

mento e Inovação foi incorporado à consolidação normativa promovida pela

Instrução CVM nº 578, de 2016.

A Instrução Normativa CVM nº 578, de 2016, apresenta os seguintes me-

canismos (i) FIP-Capital Semente; (ii) FIP-Empresas Emergentes; e (iii) FIP – In-

fraestrutura e FIP-Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvi-

mento e Inovação (FIP-PD&I); e (iv) FIP - Multiestratégia. Vejamos, a seguir, al-

gumas de suas principais características.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

364

No que se refere ao FIP-Capital Semente, as empresas investidas devem

ter receita bruta anual de até R$ 16 milhões apurada no exercício social encer-

rado em ano anterior ao primeiro aporte do fundo (art. 15, inciso I). Dispensa-

se a adoção obrigatória de práticas de governança (art. 15, inciso II).

Quanto ao FIP-Empresas Emergentes, as empresas investidas devem ter

receita bruta anual de até R$ 300 milhões apurada no exercício social encer-

rado em ano anterior ao primeiro aporte do fundo (art. 16, inciso I). Dispensa-

se a adoção obrigatória de algumas práticas de governança (art. 16, inciso II).

Criados pela Lei nº 11.478, de 2011, o FIP-Infraestrutura e FIP-PD&I des-

tinam-se ao financiamento de projetos de produção econômica intensiva em

PD&I em áreas estabelecidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal,

implementados por Sociedades de Propósito Específico (SPE) criadas para tal

fim e que atendam à regulamentação do Ministério da Ciência, Tecnologia,

Inovação e Comunicações (MCTIC).

É importante destacar que a SPE necessariamente deve ser organizada

sob a forma de sociedades por ações, de capital aberto ou fechado, nos termos

do art. 1º, §3º, da Lei nº 12.431, de 2011. Por outro lado, o FIP-PD&I possui in-

centivos tributários no que se refere aos ganhos e rendimentos auferidos, con-

forme veremos no item a seguir.

Por fim, o FIP-Multiestratégia refere-se àquele que não se classifica nas

demais categorias por admitir o investimento em diferentes tipos e portes de

sociedades investidas. Caso respeite as limitações de investimento previstas

para os FIP-Capital Semente e FIP-Empresas Emergentes, o FIP-Multiestraté-

gia poderá usufruir das dispensas de formalidades destes FIPs.

4.3.3. Empresas Inovadoras e FIP

A Instrução CVM nº 578, de 2016, criada a partir de longo debate com

diversos setores da sociedade, foi responsável pela consolidação normativa

dos procedimentos relativos aos FIPs. Por outro lado, é patente a ausência de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

365

foco específico no fomento das atividades de CT&I, embora não se tenha criado

qualquer óbice ou entrave quanto à sua constituição.

Se de um lado a referida Instrução eliminou os Fundos de Investimento

em Empresas Emergentes Inovadoras (FMIEEI), é preciso considerar que a

nova norma prevê expressamente que todos os tipos de FIP previstos podem

ser destinados à aplicação em empresas cuja atividade principal seja a inova-

ção, nos termos da Lei de Inovação. Para tanto, o parágrafo único do art. 14 da

Instrução CVM nº 578, de 2016, determina que estes fundos devam contar, em

sua denominação, com a expressão “inovação”.

Específico para CT&I, portanto, restou apenas o FIP-PD&I, extremamente

limitado quanto à sua utilização, embora apresente incentivos tributários

para seus cotistas. Como já informado, os FIP-PD&I somente pode investir em

sociedade de propósito específico, constituída na forma de sociedades por

ações, em determinadas áreas de atividade econômica: energia; transporte;

água e saneamento básico; irrigação e demais áreas tidas como prioritárias

pelo Poder Executivo Federal.

No entanto, pessoas físicas e investidores estrangeiros cotistas em FIP-

PD&I possuem alíquota zero para rendimentos e/ou ganhos auferidos na alie-

nação de cotas do fundo, enquanto as demais pessoas jurídicas são tributadas

em 15% (art. 2º da Lei nº 11.478, de 2011, com redação dada pela Lei nº 12.431,

de 2011).

Incentivo tributário semelhante é concedido pelo art. 2º da Lei nº 12.431,

de 2011, desta vez sobre os ganhos e rendimentos de debêntures emitidas por

SPE constituída nos termos da Lei nº 11.478, de 2011. As pessoas físicas gozam

de alíquota zero sobre o eventual ganho de capital, enquanto as pessoas jurídi-

cas tributadas com base no lucro real, presumido ou arbitrado, pessoa jurídica

isenta ou optante pelo Simples Nacional possuem alíquota de 15%, exclusiva-

mente na fonte.

Contudo, verifica-se que os FIP-Capital Semente e FIP-Empresas Emer-

gentes, embora não tenham foco específico nas empresas inovadoras, apre-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

366

sentam menos burocracia ao investimento realizado, tendo em vista que per-

mitem o aporte de capital em sociedades limitadas e organizadas por ações,

não constituídas necessariamente como SPE para o desenvolvimento de pro-

jeto inovador regulamentado pelo MCTIC.

Nesse sentido, recomenda-se modificar o art. 1º, §§1º-A e 3º, Lei nº

11.478, de 2011, no sentido de atualizar a legislação ao disposto na Instrução

CVM nº 578, de 2016, ou seja, permitir que estes fundos de investimento pos-

sam investir em qualquer empresa ou companhia que detenha projeto inova-

dor, independentemente de sua organização societária, constituída ou não sob

a forma de sociedade de propósito específico. Esta alteração é importante para

que os incentivos tributários já concedidos aos investidores do FIP-PD&I pos-

sam ser estendidos.

4.4. Fundos de investimentos em empresas inovadoras com participação estatal

Um importante capítulo relacionado ao capital de risco refere-se à par-

ticipação estatal em fundos de investimentos. São diversos os motivos que jus-

tificam a participação de órgãos estatais em fundos de investimentos, notada-

mente em fundos voltados a empresas emergentes inovadoras. Entre os prin-

cipais fatores encontra-se o volume reduzido de recursos disponíveis para in-

vestimentos em empreendimentos de risco e, ainda, de base tecnológica.

Essa escassez de recursos resulta muitas vezes da existência de uma fa-

lha de mercado, o que impede a alocação eficiente de capital de risco – essa

falha pode resultar, entre outros fatores, da assimetria das informações dis-

poníveis, da forma de seleção de startups tecnológicas para investimentos, da

falta da expertise necessária dos profissionais tanto para a identificação de

novas tecnologias como para a direção de empresas com esse perfil.123

123 Conforme MURRAY, G.; COWLING, M.; WEIXI, L. and KALINOWASKA-BESZCZYNSKA, O.

“Government co-financed “Hybrid” Venture Capital programmes: generalizing developed

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

367

A participação estatal surge então como resposta a essa alocação pouco

eficiente, por meio de programas governamentais que buscam direcionar re-

cursos a empresas nascentes, mas com grandes possibilidades de crescimento.

Desse modo, a participação estatal pode em muitos casos ser decisiva no de-

senvolvimento da indústria do venture capital.

O Estado poderia intervir na indústria do venture capital apenas por

meio de mecanismos de regulação, buscando criar as condições jurídico-insti-

tucionais necessárias para a criação de um ambiente ideal para a emergência

e desenvolvimento dessa indústria. Porém, a participação concreta do Estado

é muitas vezes considerada necessária para alcançar esse objetivo, especial-

mente se forem considerados os impactos positivos das empresas nascentes e

de pequeno e médio porte no crescimento econômico (por exemplo, criação de

empregos). O mesmo raciocínio pode ser adotado com relação à inovação: o

desenvolvimento da indústria do venture capital pode ser decisivo para a ino-

vação e, consequentemente, para a competitividade de um país. 124

No entanto, a participação do Estado na condição de “co-investidor”

deve ser considerada em suas diversas facetas: se por um lado, essa participa-

ção pode ser decisiva para ultrapassar o obstáculo da escassez de recursos dis-

poníveis no mercado, por outro, pode revelar que se trata, de fato, de investi-

mento pouco atraente para os parceiros privados do ponto de vista dos retor-

nos econômicos. Nesse sentido, a participação estatal pode requerer uma en-

genharia financeira “sob medida” (estruturas financeiras, tributárias e de ga-

rantias mais sofisticadas, por exemplo), de modo a alcançar o objetivo de atra-

ção de investidores e fortalecimento da indústria do venture capital.

No Brasil, a participação estatal nos fundos de investimentos voltados a

empresas emergentes inovadoras já é utilizada na esfera federal ao menos

economy experience and its relevance to emerging nations”, In Kauffman INternational

Research and Policy Roundtable, Liverpool, 11-12, March 2012, p. 01.

124 MURRAY, G.; COWLING, M.; WEIXI, L. and KALINOWASKA-BESZCZYNSKA, O. 2012, p. 01-

02.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

368

desde 2001 pela Financiadora de Estados e Projetos – FINEP, em seu Programa

Inovar, mesmo antes da edição da Lei de Inovação, adotando-se como principal

veículo os fundos previstos na Instrução CVM n. 391/2003.125 Cumpre destacar

que a FINEP realiza estes investimentos com recursos do Fundo Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), obedecendo ao disposto no

art. 12, § 1º, da Lei nº 11.540, de 2007126.

Com a edição da Lei de Inovação, em 2004, observa-se que foi autori-

zada, em seu art. 23, a instituição de fundos de investimento em empresas cuja

atividade principal seja a inovação. No âmbito de sua competência, a CVM re-

gulamentou a matéria, conforme visto anteriormente, entendendo que os

fundos de investimentos em empresas inovadoras deveriam ser constituídos

na forma dos fundos disciplinados pela Instrução CVM n. 578, de 2016, estabe-

lecendo algumas restrições específicas para essa nova modalidade.

Porém, não há na Lei de Inovação autorização específica para a partici-

pação de órgãos estatais em fundo de investimento voltados a empresas emer-

gentes inovadoras na qualidade de cotista. Esta participação depende, pois, de

autorização legislativa ou estatutária específica da entidade pública investi-

dora, ou ainda, do regime jurídico da origem do recurso, a exemplo do que

ocorre com os recursos do FNDCT, conforme vimos anteriormente127.

125 Ressalte-se que essa forma de atuação estatal também vem sendo discutida e adotada por

outros entes da federação. A referida Instrução, como visto, foi revogada e substituída pela

Instrução CVM nº 578, de 2016.

126 O FNDCT foi instituído pelo Decreto-Lei nº 719, de 1969, o qual prevê expressamente a apli-

cação de recursos em fundos constituídos ou que vierem a ser constituídos com vistas a apoiar

financeiramente o desenvolvimento científico e tecnológico de setores econômicos específi-

cos, por meio do art. 3º-A, caput, inciso II, incluído pela Lei nº 10.197, de 2001.

127 Lei nº 11.540, de 2007, art. 12, §1º. “Observado o limite de que trata a alínea a do inciso II

do caput deste artigo, os recursos também poderão ser utilizados em fundos de investimentos

autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários - CVM, para aplicação em empresas inova-

doras, desde que o risco assumido seja limitado ao valor da cota”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

369

De modo geral, não resta dúvida de que o Estado possa participar de fun-

dos de investimentos. Porém, com relação à participação do Estado como co-

tista em fundo de investimento voltado a empresas emergentes inovadoras,

atenção especial deve-se dar à respectiva autorização, ainda mais por tratar-

se de autorização para o Estado participar em um empreendimento de risco.

O mercado tem maior flexibilidade para incorporar o risco na medida

em que suas operações financeiras são acompanhadas por uma estrutura de

gestão de riscos bastante complexa com o objetivo de buscar retorno finan-

ceiro. Essa não é a realidade do Estado, que deve atuar de forma a atender os

objetivos de uma política de inovação, observados os limites da autorização le-

gal concedida

Desse modo, pode-se dizer que essa participação ainda apresenta um

grau considerável de incerteza quanto aos seus limites (as condições da parti-

cipação estatal no fundo e os limites das responsabilidades do Estado, por

exemplo), o que traz insegurança jurídica para os gestores públicos tanto no

exercício de suas funções como no seu controle pelos órgãos competentes. Es-

sas incertezas dificultam o avanço desse modelo no país – o apoio governa-

mental ao venture capital voltado a empreendimentos inovadores –, com con-

sequências negativas tanto para a política de inovação como para a consolida-

ção do venture capital voltado para inovação tecnológica.

4.5. O capital de risco na Lei de Inovação: principais entraves e propostas no plano jurídico

Partindo-se da interpretação de que a Lei de Inovação incorpora o ven-

ture capital, por meio de fundos de investimentos voltados à inovação, como

instrumento de incentivo à inovação nas empresas, o desafio consiste em ana-

lisar esses fundos de investimentos considerando as diferentes dimensões

normativas nas quais estão inseridos, isto é, a partir das interações entre as

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

370

normas que disciplinam a ciência, tecnologia e inovação e as normas que re-

gulam o mercado de capitais no país.

De uma perspectiva mais ampla, trata-se de analisar, no âmbito de uma

política de inovação e também de uma política de fortalecimento do mercado

de capitais do país, em que medida esses instrumentos de captação de recursos

são efetivamente capazes de viabilizar empresas emergentes com base tecno-

lógica e simultaneamente atender a indústria dos fundos de investimentos

(compreendidos as empresas, os investidores e os prestadores de serviços nela

envolvidos).

Embora as recentes alterações normativas introduzidas pela Instrução

CVM nº 578/2016 ainda não passaram pelo crivo da ampla utilização, algumas

considerações podem ser feitas em razão de serem temas ainda não resolvidos

pelo regulamento atual.

Mais especificamente quanto aos arts. 4º, 15 e 16 da Instrução CVM nº

578/2016, importa verificar: (i) em que medida a definição de investidores

qualificados é também adequada para investimentos em empresas emergen-

tes inovadoras, considerados os riscos envolvidos (deveria haver restrições

maiores ou menores aos investidores?); (ii) em que medida são efetivamente

necessários os limites máximos de faturamento das companhias investidas e

dos grupos econômicos de que façam parte – em outras palavras, trata-se de

compreender se esses limites fazem sentido da perspectiva dos investidores e

das empresas alvo; (iii) se há outras restrições importantes a serem estabele-

cidas considerando os riscos envolvidos nesse tipo de investimento (inclusive

riscos tecnológicos).

Ainda quanto aos fundos voltados especialmente a empresas emergen-

tes inovadoras, contata-se que o normativo da CVM é omisso quanto à existên-

cia de tipos específicos de informações para essa modalidade de empresa que

devam estar disponíveis para os processos decisórios dos fundos e de seus co-

tistas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

371

Da mesma forma, deve-se avaliar a necessidade de definição a priori de

metodologia de avaliação dos ativos integrantes da carteira desses fundos,

considerando a natureza das empresas investidas. Em outras palavras, trata-

se de identificar se existem mecanismos de contabilização de ativos mais ade-

quados para fundos que investem em empresas inovadoras, com vistas a evi-

tar a supervalorização de ativos e a ocorrência de fraudes (afinal, como avaliar

e estabelecer o valor de uma tecnologia?).

Nesse sentido, destaque-se a existência de regras editadas pela CVM que

tratam da mensuração de ativos e passivos dos fundos de investimentos (Plano

Contábil dos Fundos de Investimentos – COFI), as quais inclusive foram recen-

temente alteradas de modo a refletir normas internacionais de contabilidade

(International Accounting Standards Board - IASB).

Disso decorre um outro aspecto: a necessidade de contratação de gestor

com competências específicas para tais fundos de investimentos. Uma pro-

posta possível seria criar certificação específica, no âmbito da autorregulação

do setor exercida pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Fi-

nanceiro e de Capitais (ANBIMA), tanto para os profissionais que desempe-

nham as atividades de comercialização e distribuição de produtos de investi-

mento e como dos profissionais que desempenham a atividade de gestão pro-

fissional de recursos de terceiros. Essa proposta parte do pressuposto de que o

fomento à inovação requer profissionais com expertise na matéria.

A partir das questões acima, relacionadas a empresas inovadoras, pode-

se afirmar a necessidade do estabelecimento de um mecanismo concreto de

articulação entre entidades de CT&I, públicas e privadas, e as entidades do

mercado de capitais (em especial a CVM). Nesse sentido, uma proposta de cu-

nho jurídico seria a criação de procedimento no qual entidades de CT&I parti-

cipassem e fossem ouvidas no processo de elaboração de normas pela CVM

para o investimento em empresas inovadoras.

De outro lado, caberia o estabelecimento, inicialmente por parte dos ór-

gãos governamentais, de uma política de incentivo a que entidades do setor de

inovação (tais como a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

372

Empresas Inovadoras – ANPEI e a Associação Nacional de Entidades Promoto-

ras de Empreendimentos Inovadores – ANPROTEC) se mobilizem no sentido

acompanharem alterações legislativas relativas ao mercado de capitais (como,

por exemplo, mediante participação em audiências públicas promovidas pela

CVM), inclusive por meio do estabelecimento de canais de diálogo com entida-

des como a Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP),

a ANBIMA e a própria CVM.

Uma vez analisadas as normas que tratam dos fundos de investimentos

a partir da perspectiva da sua regulação pela CVM, é importante examinar a

disciplina desses fundos com a perspectiva do setor estatal. Ainda que seja um

órgão estatal, a CVM, no desempenho de suas funções, tem foco nas necessi-

dades do mercado – que é efetivamente o seu objetivo primordial.

Porém, deve-se destacar a existência de uma outra perspectiva: a do re-

gulador prudencial (prudential regulator), cujo objetivo consiste sobretudo na

solidez do sistema. Desse modo, no caso da regulação de fundos voltados a em-

presas inovadoras, a participação de entidades estatais que conheçam o seg-

mento é fundamental para que sejam discutidos mecanismos voltados à segu-

rança jurídica desse tipo de investimento.

Essa questão da regulação prudencial é ainda mais relevante se consi-

derarmos a possibilidade de participação do Estado na condição de cotista de

fundos de investimentos em empresas emergentes inovadoras – investimento

que envolve elevados graus de risco.

Embora viável, a participação estatal em fundos de investimentos vol-

tados a empresas emergentes inovadoras apresenta alguns impasses, sendo os

principais deles a autorização legislativa e os limites da responsabilidade por

eventual resultado negativo do fundo.

Conforme já mencionado anteriormente, não resta dúvida de que o Es-

tado possa participar de fundos de investimentos. Porém, com relação à parti-

cipação do Estado como cotista em fundo de investimento voltado a empresas

emergentes inovadoras, deve haver autorização legal, ainda mais por tratar-

se de participação em um empreendimento de risco. Desse modo, o Estado

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

373

deve atuar dentro dos limites da autorização legal concedida, inclusive para

fins de controle pelos órgãos competentes, razão pela qual se recomenda a edi-

ção de norma autorização as entidades da União a participarem de fundos de

investimentos em empresas emergentes inovadoras.

A outra questão, relacionada aos limites da responsabilidade, comporta

dois desdobramentos. Um deles corresponde à hipótese de desconsideração da

personalidade jurídica, aplicada de modo bastante amplo no Brasil, a qual

eleva de forma considerável os riscos para investidores de fundos, na medida

em que estes podem ser responsabilizados pelos passivos das empresas inves-

tidas (notadamente em matéria trabalhista e ambiental). Por outro lado, é pre-

ciso reconhecer que a promulgação da Lei Complementar nº 155, de 2016, re-

conheceu a possibilidade dos fundos realizarem “investimentos-anjo” em mi-

croempresas e empresas de pequeno porte, ou seja, aportes de capital que não

são considerados aumento de capital social. Assim, o FIP não se torna efetiva-

mente sócio e não se responsabiliza pela condução da atividade empresarial e

eventuais passivos, nos termos do art. 61-A, § 4ª, inciso II, da Lei nº 123, de

2006.

O outro desdobramento refere-se aos limites da responsabilidade de

cada participante do fundo de investimentos em caso de patrimônio líquido

negativo. Nos termos dos art. 25, inciso II, alínea “d” da Instrução CVM n. 555,

de 2014, na hipótese de ocorrência de patrimônio líquido negativo, o cotista é

responsável por efetuar aportes adicionais de recursos de forma a compensar

as perdas do fundo (o que pode ser particularmente difícil quando se trata de

entidade estatal na qualidade de cotista). Desse modo, aqui também caberia,

por fim, discussão de proposta de alteração normativa com o órgão regulador,

com o objetivo de buscar mecanismos de boa governança que garantam maior

proteção jurídica aos cotistas diante de um cenário de perdas financeiras e que

representem uma contrapartida ao risco do empreendimento.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

374

4.6. Recomendações

Sob o ponto de vista do empreendedorismo e inovação, reunimos a se-

guir algumas sugestões fornecidas ao longo desta seção:

Incentivos às Empresas Inovadoras em Estágio Inicial

- Recomendamos acompanhar e incentivar a tramitação, na Câ-

mara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar nº 4.303,

de 2012, de autoria do Dep. Laércio de Oliveira (PR/SE), que pre-

tende instituir a Sociedade Anônima Simplificada – SAS, por

meio do acréscimo dos arts. 294-A a 294-I à Lei das Sociedades

Anônimas; e

- Recomendamos acompanhar e incentivar a tramitação, na Câ-

mara dos Deputados, do Projeto de Lei Complementar nº 446, de

2014, de autoria do Dep. José Humberto et al., que pretende esta-

belecer incentivos aos investimentos efetuados em participações

empresariais por meio de capital empreendedor, com vistas a as-

segurar maior atratividade e segurança jurídica ao investimento

em empresas nascentes inovadoras. Em especial, o referido pro-

jeto apresenta propostas para a regulamentação da utilização do

instituto da desconsideração da personalidade jurídica, como

também uma série de incentivos fiscais ao investimento nas em-

presas inovadoras em estágio inicial;

Incentivos ao capital de risco em inovação

- Criar certificação específica para gestores com competências es-

pecíficas para fundos de investimentos voltados a empresas ino-

vadoras, no âmbito da autorregulação do setor exercida pela As-

sociação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de

Capitais (ANBIMA). Essa proposta, voltada tanto para os profissi-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

375

onais que desempenham as atividades de comercialização e dis-

tribuição de produtos de investimento e como para os profissio-

nais que desempenham a atividade de gestão profissional de re-

cursos de terceiros, parte do pressuposto de que o fomento à ino-

vação requer profissionais com expertise na matéria.

- Modificar o art. 1º, §§1º-A e 3º, Lei nº 11.478, de 2011, no sentido

de atualizá-la ao disposto na Instrução CVM nº 578, de 2016, no

sentido de permitir que o FIP-PD&I possa investir em qualquer

empresa que detenha projeto inovador, independentemente de

sua organização societária, constituída ou não sob a forma de so-

ciedade de propósito específico;

- Discutir, no âmbito dos trabalhos da CVM, para reunir as instru-

ções 209 e 391 (entre outras), levando em consideração as deman-

das das empresas emergentes inovadoras: (i) a definição ade-

quada dos investidores (qualificados ou profissionais), (ii) os li-

mites de faturamento das empresas investidas, (iii) as eventuais

restrições considerando o risco tecnológico, (iv) a definição de

parâmetros para o enquadramento de empresa na qualidade de

inovadora para fins de financiamento via fundo de investi-

mento, (v) mecanismos específicos de governança, (vi) metodolo-

gia de avaliação de ativos integrantes da carteira dos fundos de

investimentos voltados a empresas inovadoras.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

376

5. Financiamento

Muito embora a organização do Sistema Nacional de CT&I seja funda-

mental para favorecer o ambiente de inovação, para que este objetivo possa

ocorrer é imprescindível que este sistema seja dotado de mecanismos de fo-

mento adequados e modernos instrumentos de financiamento, com vistas a

garantir o acesso dos agentes inovadores aos recursos necessários.

O presente capítulo buscará analisar a viabilidade jurídica da proposta

de criação do Fundo Nacional de Inovação e do Fundo de Inovação do Sistema

Financeiro Nacional, apresentadas anteriormente no âmbito desta pesquisa

como resposta à lacuna legislativa ora existente. Para fins de estruturação da

análise, optou-se em primeiramente apresentar a síntese da proposta, e pos-

teriormente estudar, de maneira segregada, a viabilidade jurídica dos aspec-

tos de financiamento público e privado recomendados, bem como eventuais

alternativas para sua concretização.

Pela especificidade e complexidade do assunto ora tratado, o presente

estudo contou com o auxílio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo

Marques Advogados, que possui vasta experiência na área de direito adminis-

trativo.

5.1. Síntese da Proposta de Fundo Nacional de Inovação

O subsistema de financiamento à inovação já foi objeto de estudo nesta

pesquisa, quando se reconheceu que, embora tenha conhecido significativos

avanços nos últimos anos128, o financiamento à inovação no País ainda é es-

sencialmente marcado por três características principais: (i) a existência de

128 No produto 2 deste projeto, foi apresentada a evolução do marco legal de CT&I em três im-

portantes momentos: (i) A construção do novo padrão de financiamento, entre 1997 e 2002;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

377

fontes de recursos esparsas para investimento em CT&I; (ii) gestão descentrali-

zada destas verbas; e (iii) instabilidade econômico-financeira dos fluxos de re-

cursos. Como consequência direta deste cenário, verifica-se a impossibilidade

de estruturação de uma política pública coordenada e estratégica de fomento

à inovação.

Entretanto, o tema do financiamento à inovação se constituiu na mais

importante lacuna prevista no marco regulatório, sendo incidentalmente tra-

tado por outros mecanismos de financiamento não exclusivos à inovação,

como o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT).

As entrevistas realizadas corroboraram a necessidade de reestrutura-

ção do subsistema de financiamento à inovação, conforme recomendação co-

lhida dos entrevistados:

Criar mecanismos para viabilizar financiamentos: na percep-

ção dos entrevistados essa questão é inexistente no marco atual

e há demanda pela criação de um fundo que não esteja neces-

sariamente sob controle da academia e que tenha governança

simplificada.

Em sintonia com esta sugestão, apresentou-se a proposta de um novo

padrão de financiamento, consubstanciada na criação do Fundo Nacional de

Inovação (FNI), como alternativa ao modelo de financiamento vigente. Em sín-

tese, a proposta de criação do primeiro fundo público exclusivamente voltado

para as atividades de inovação reúne os seguintes pontos:

(i) constituição do FNI sob a forma de fundo público especial de natureza contábil;

(ii) a consolidação do novo modelo de governança entre 2003 e 2009 e; (iii) a integração da

política de CT&I com a política industrial durante o último período entre 2010 e 2014.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

378

(ii) centralização da gestão de recursos voltados à inovação pre-sentes em fundos setoriais já existentes (FNDCT, Fundo Social e FUNTTEL);

(iii) redirecionamento de recursos públicos atualmente não des-tinados às atividades de CT&I, presentes em fundos constitucio-nais como o Fundo de Financiamento do Norte, Fundo de Finan-ciamento do Nordeste, Fundo de Financiamento do Centro-Oeste e o Fundo de Amparo ao Trabalhador; e

(iv) adoção de mecanismos de estímulo ao desenvolvimento do mercado nacional privado de crédito para o setor.

Em especial a respeito do último item, com o intuito de diversificar as

fontes de recursos voltados para o subsistema de fomento à inovação, vislum-

bra-se a criação de instrumento de renúncia fiscal destinado a instituições fi-

nanceiras públicas e privadas que realizem operações de crédito para o finan-

ciamento de atividades de inovação, estruturado de maneira semelhante ao

instrumento previsto na Lei nº 11.196, de 2005 (“Lei do Bem”)129.

Estes recursos seriam redirecionados a um novo fundo, intitulado

Fundo de Inovação do Sistema Financeiro Nacional (FISFN)130, com a finali-

dade de financiar e prestar garantias às operações de investimento em empre-

sas inovadoras. É importante destacar que, nos termos da proposta, a gestão

do FNI e do FISFN seria feita de forma homogênea, centralizada a partir do

129 Em síntese, a proposta autorizaria o abatimento dos recursos aplicados nestas operações

de crédito voltadas à inovação quando da apuração anual de lucros da instituição financeira,

calculada antes da dedução do Imposto de Renda (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro

Líquido (CSLL).

130 Nos termos da proposta apresentada pelo Produto 5, “a arquitetura Institucional do fundo

do SFN pode assumir diversos desenhos de modelos jurídico-institucional: a) um único fundo

privado com 100% dos recursos; b) criação de fundos de garantias mediante consórcios de IFs;

c) dois fundos: um privado e um fundo público com depósitos das IFs que renunciarem a in-

tenção de administrar os recursos, podendo ser o próprio FNI o receptor dessas contribuições”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

379

poder decisório e normativo do Conselho Diretor do Fundo Nacional de Inova-

ção.

5.2. Fomento à Inovação por Financiamento Público

Este item apresenta resumidamente as conclusões e recomendações re-

sultantes da análise de viabilidade jurídica, realizados pelo escritório contra-

tado Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados, no que se refere

aos aspectos de financiamento público, inicialmente presentes na proposta

por meio da criação do Fundo Nacional de Inovação (FNI).

Tendo por premissas a necessidade de assegurar a estabilidade econô-

mico-financeira do fluxo de recursos, assim como a centralização da gestão de

recursos públicos e privados voltados à inovação, o parecer apresentou três al-

ternativas para a estruturação jurídica das ideias apresentadas: (a) criação de

um fundo público de natureza contábil; (b) constituição de um fundo de inves-

timento financeiro; e (c) constituição de uma pessoa jurídica.

Apresentaremos, a seguir, os aspectos mais relevantes de cada modelo

jurídico.

5.2.1. Fundo Público Especial de Natureza Contábil

A primeira alternativa versa sobre a criação do primeiro fundo público

exclusivamente voltado à temática da inovação, sob a forma de fundo público

especial de natureza contábil, cujas receitas seriam compostas por recursos

provenientes de outros fundos públicos já existentes, voltados ou não para as

atividades de inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

380

(a) Características Principais

A instituição de fundos públicos especiais é disciplinada pelo ordena-

mento constitucional. Em especial, a Constituição Federal determina que sua

criação deve ser precedida de autorização em lei ordinária, por força do art.

167, inciso IX, bem como prescreve o caráter obrigatório da inclusão de suas

receitas e despesas na Lei Orçamentária Anual, em observância ao art. 165, §

5º, incisos I e III.

Por sua vez, a Lei nº 4.320, de 1964, é a norma infraconstitucional res-

ponsável por disciplinar a criação destes fundos, em especial nos arts. 71 a 74,

sendo definidos como “separação contábil de recursos orçamentários, por

meio de dotações na Lei Orçamentária Anual do ente federativo a que se vin-

cula o fundo ou por meio de créditos adicionais, que possuem uma destinação

específica, estabelecida pela sua lei de criação”.

Nesse sentido, embora sejam desprovidos de personalidade jurídica pró-

pria, são considerados um “tipo especial de gestão financeira de recursos vin-

culados à realização de certas finalidades, por determinação legal”, ou seja,

“mero destaque contábil de recursos de um determinado órgão ou entidade da

Administração ao qual se vinculam”.

A partir das considerações realizadas pelo parecer contratado, apresen-

tamos a seguir quadro sintético que resume as principais características legais

dos fundos públicos especiais:

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381

FUNDOS PÚBLICOS ESPECIAIS - CARACTERÍSTICAS

- devem obedecer ao regime jurídico fixado pelas leis de finanças públicas (CF/88, art. 165,

§9º) – atualmente, a Lei nº 4.320/64;

- dependem de prévia autorização legislativa (CF/88, art. 167, IX), bastando, para tanto, a

mera edição de lei ordinária;

- não podem vincular receitas de impostos, ressalvadas as exceções enumeradas pela pró-

pria Constituição Federal (CF/88, art. 167, IV e §4º);

- a aplicação das receitas que constituem os fundos públicos deve ser efetuada por meio de

dotações consignadas na lei orçamentária ou em créditos adicionais (CF/88, art.165, § 5º e

Lei nº 4.320, de 1964, art.72); 131

- devem ser constituídos de receitas especificadas, próprias ou transferidas (Lei nº

4.320/64, art. 71);

- a aplicação das receitas deve vincular-se à realização de programas e ações relacionadas

aos objetivos definidos na criação dos fundos (Lei nº 4320/64, art. 71);

- a lei que instituir o fundo poderá estabelecer normas adicionais de aplicação, controle,

prestação e tomada de contas, ressalvadas as normas que tratam dos assuntos e a compe-

tência específica dos Tribunais de Contas (Lei nº 4.320/64, arts. 71 e 74);

- o saldo apurado em balanço do fundo será transferido para o exercício seguinte, a crédito

do mesmo fundo (Lei nº 4.320/64, art. 73 e LC nº 101/00, art. 8º, § único);

131 A esse respeito, segundo o parecer, é importante esclarecer que: “a natureza orçamentária

dos fundos públicos especiais significa que os recursos de tais fundos estão sujeitos às mes-

mas regras típicas de gestão orçamentária. Isso significa, por exemplo, que (i) a execução

dos recursos públicos deve observar o procedimento para a liquidação de despesas a que

estão sujeitos todos os demais órgãos da Administração Pública (a saber, o processamento,

empenho, liquidação e efetivação do pagamento, conforme previsto pela Lei nº 4.320/64); (ii)

que tais recursos estão sujeitos à eventuais execuções contra a Fazenda Pública por meio

do regime de precatórios; (iii) que sua aplicação deve observar todas as disposições cons-

tantes da Lei de Responsabilidade Fiscal; bem como (iv) está sujeita ao controle por parte do

Tribunal de Contas e eventuais outros mecanismos de prestação de contas estabelecidos

por lei.”

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382

- na escrituração das contas públicas, a disponibilidade de caixa deverá constar de registro

próprio, de modo que os recursos vinculados a órgão, fundo ou despesa obrigatória fiquem

identificados e escriturados de forma individualizada; (LC nº 101/00, art. 50, I);

- obediência às regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00, art. 1º, §

3º, I, b);

- necessidade de registro junto ao CNPJ (cf. Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil

nº 1.634/16, art. 4º, X).

- demonstrações contábeis individualizadas (LC nº 101/00, art. 50, III);

Ademais, os fundos especiais podem ser de natureza contábil ou finan-

ceira, de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo art. 71 do Decreto nº

93.872, de 1986132. A propósito destas distinções e suas consequências, valemo-

nos das explicações apresentadas pelo parecer contratado:

“A diferença é que enquanto os fundos de natureza meramente

contábil operam com ativos destacados das disponibilidades da

conta única do Tesouro Nacional para a realização de ações ou

operações que constituam, em essência, imobilizações tempo-

rárias (tais como empréstimos, aquisição de títulos, prestação

de garantias, entre outros), os fundos de natureza financeira

movimentam recursos e dotações orçamentárias por meio de

contas correntes bancárias em estabelecimentos oficiais de

132 Fundos de natureza contábil são os fundos “constituídos por disponibilidades financeiras

evidenciadas em registros contábeis, destinados a atender a saques a serem efetuados direta-

mente contra a caixa do Tesouro Nacional” (art. 71, §1º). Já os fundos de natureza financeira

são “constituídos mediante movimentação de recursos de caixa do Tesouro Nacional para de-

pósitos em estabelecimentos oficiais de crédito, segundo cronograma aprovado, destinados a

atender aos saques previstos em programação específica” (art. 71, §2º), ambos no Decreto nº

93.872, de 1986.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

383

crédito, para a realização de investimentos ou custeio de pro-

gramas setoriais.133

Cumpre salientar, contudo, que, a despeito da distinção formal

estabelecida pelo Decreto nº 93.872/86, na prática, ambos os

fundos possuem tratamento jurídico, financeiro e fiscal muito

semelhante (sobretudo pelo fato de que mesmo os fundos con-

tábeis acabam por depositar os recursos transferidos em conta

bancária em instituição financeira), o que tem levado a dou-

trina brasileira a tratar majoritariamente dos fundos públicos

contábeis e financeiros como um único instituto jurídico.

Ademais, em que pese o fato dos instrumentos normativos co-

mumente referirem-se apenas a “fundos públicos de natureza

contábil”, a lei não veda a constituição de fundos que possuam,

simultaneamente, natureza contábil e financeira. Tal é o que

ocorre, por exemplo, em relação ao Fundo Social (cf. art. 47 da

Lei nº 12.351/2010)134 ao Fundo de Amparo ao Trabalhador –

FAT (cf. art. 10, parágrafo único da Lei nº 7.998/1990) e ao

Fundo Soberano do Brasil – FSB (cf. art. 1º da Lei nº

11.887/08).135 (...)

133 TÔRRES, Heleno Taveira. Fundo Soberano do Brasil e Finanças Públicas: regime jurídico dos

Fundos Públicos Especiais, experiência internacional e a Lei nº 11.887/2008. Belo Horizonte:

fórum, 2012, p. 30.

134 “Art. 47. É criado o Fundo Social - FS, de natureza contábil e financeira, vinculado à Presi-

dência da República, com a finalidade de constituir fonte de recursos para o desenvolvimento

social e regional, na forma de programas e projetos nas áreas de combate à pobreza e de de-

senvolvimento: (...)”.

135 “Art. 1º. Fica criado o Fundo Soberano do Brasil - FSB, fundo especial de natureza contábil

e financeira, vinculado ao Ministério da Fazenda, com as finalidades de promover investimen-

tos em ativos no Brasil e no exterior, formar poupança pública, mitigar os efeitos dos ciclos

econômicos e fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

384

Enquanto fundo público de natureza contábil, o FNI será reves-

tido de todas as características próprias de tais fundos. Isso sig-

nifica dizer que tal fundo não passará de mera rubrica orça-

mentária, sendo operado junto à conta única do Tesouro Naci-

onal. Incidirão sobre os recursos que compõem o FNI todas as

regras orçamentárias e fiscais, inclusive aquelas concernentes

à aplicação dos recursos por meio de dotações orçamentárias

consignadas na Lei Orçamentária Anual, ao procedimento de

execução de despesas, e à preservação dos saldos do exercí-

cio.136

Com respeito à regulamentação dos fundos especiais públicos, portanto,

é possível arrematar que estes devem observar o regime jurídico estipulado na

Constituição Federal e, na legislação infraconstitucional, o disposto na Lei nº

4.320, de 1964, na Lei-Complementar nº 101, de 2000, e pelo Decreto nº 93.872,

de 1986.

(b) Vinculação de Receitas

A proposta de criação do FNI contempla a vinculação de receitas prove-

nientes do redirecionamento de recursos públicos atualmente alocados em

outros fundos públicos especiais, como o FNDCT, o Fundo Social e FUNTTEL. É

importante notar que estes fundos já possuem mecanismos de financiamento

às atividades de inovação.

Neste caso, o parecer adverte que o repasse destes recursos “importa, ao

menos em princípio, na necessária observância do regime jurídico estabelecido

para os recursos de cada um dos fundos de origem”, de modo que a aplicação

dos recursos recebidos pelo FNI ainda estaria sujeita a “todas as restrições e

136 A aplicação dos recursos dos fundos públicos especiais deve respeitar as finalidades legais

previstas em sua criação, conforme art. 71 da Lei nº 4.320, de 1964, e art. 8º, parágrafo único,

da Lei Complementar nº 101, de 2000.

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385

condicionantes estabelecidas pelas leis de criação do FNDCT, FS e FUNTTEL”,

em especial no que se refere às destinações dos recursos, política de investi-

mento e instrumento de financiamento.

Todavia, é possível cessar estas restrições de aplicação por meio de dis-

posição legal em contrário, contida em normativo de igual hierarquia ao me-

nos. Nesse sentido, vislumbra-se a alternativa de que a lei de criação do FNI

poderia segregar os recursos na origem, de modo a afastar o regime jurídico

incidente hoje sobre as receitas dos fundos públicos especiais mencionados. O

novo regime poderia ser estabelecido na própria lei de criação do FNI ou nas

leis criadoras dos demais fundos.

(c) Regime de Gestão Financeira do FNI

Conforme vimos anteriormente, uma das premissas para a criação do

FNI diz respeito à estabilidade dos fluxos de recursos voltados à inovação, em

detrimento das reiteradas práticas de contingenciamento de recursos públi-

cos no âmbito do orçamento federal.

Embora as receitas do fundo sejam compostas de recursos provenientes

de outros fundos públicos já existentes, estas receitas deverão estar consigna-

das no orçamento federal, em razão de sua qualidade de fundo público espe-

cial.137 Assim, é possível concluir que todos estes recursos, via de regra, estão

submetidos ao contingenciamento, como medida do Poder Executivo voltada

para garantir o equilíbrio das contas públicas138.

As medidas de contingenciamento, por sua vez, não podem ser aplicadas

às obrigações constitucionais e legais do ente público, inclusive aquelas desti-

137 Em atenção ao disposto no art. 165, § 5º, inciso III, da Constituição Federal.

138 O parecer destaca que a Lei de Responsabilidade Fiscal autoriza a limitação de empenho

e/ou movimentações financeiras em caso de eventual insuficiência de receitas que possa

comprometer o alcance das metas fiscais estabelecidas na legislação orçamentária.

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386

nadas ao pagamento do serviço da dívida, e às ressalvas feitas pela lei de dire-

trizes orçamentárias, conforme redação do art. 9º, § 2º, da Lei de Responsabi-

lidade Fiscal.139

A fim de reforçar a blindagem dos recursos do FNI contra as eventuais

práticas de contingenciamento orçamentário e financeiro por parte do Te-

souro Nacional, o parecer elenca algumas alternativas:

- 1ª alternativa: repasse dos recursos do FNI (em parte ou na sua integra-

lidade) para um Fundo de Investimento Financeiro, de natureza pri-

vada, administrado pela entidade gestora do FNI, observadas a regula-

mentação da Comissão de Valores Mobiliários (notadamente, a Instru-

ção CVM nº 555/2014);

- 2ª alternativa: inclusão de disposição expressa na lei do FNI quanto à

preservação de eventuais saldos remanescentes ao final de cada exercí-

cio financeiro na conta do Fundo, sem que tais recursos retornem à

conta única do Tesouro Nacional;

- 3ª alternativa: inclusão de previsão normativa na lei do FNI vedando

expressamente o contingenciamento dos recursos do Fundo.

A 1ª alternativa, que trata da criação de um Fundo de Investimento Fi-

nanceiro – FIF, possui significativa vantagem na medida em que este fundo,

de natureza privada, segregando-se os recursos do FNI, em parte ou integral-

mente, das verbas públicas do orçamento federal, afastando-se o regime fi-

nanceiro originalmente incidente. Ou seja, “o saldo remanescente no final do

exercício financeiro não precisará retornar à conta única do Tesouro Nacional”

e a execução destes recursos será feita por “mera transferência, sem a obser-

vância dos procedimentos de pagamento de despesas orçamentárias previstas

na Lei nº 4.320, de 1964”.

139 Ademais, lei orçamentária estabelece critérios e procedimentos para a adoção de medidas

de contingenciamento por limitação de empenho ou de movimentações financeiras. A título

exemplificativo, ver o art. 55 da Lei nº 13.242, de 2015 (LDO 2016).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

387

As 2ª e 3ª alternativas valem-se de vedações expressas contra a prática

do contingenciamento na lei que instituir o FNI. Entretanto, em ambos os ca-

sos esta estipulação teria força por lei ordinária, a qual poderia ser alterada

por dispositivo contrário de mesma hierarquia.

Por fim, o parecer ainda destaca que a gestão financeira e aplicação des-

tas receitas poderá ser delegada à instituição financeira, por meio de designa-

ção na lei ordinária instituidora do fundo, ou mesmo em seu decreto regula-

mentador. É também possível que a operação financeira do FNI seja feita me-

diante mera escrituração contábil, permitindo o reinvestimento dos recursos

nas suas atividades.

(d) Procedimentos para Operacionalização

Feitas as ressalvas pertinentes neste item, apresentam-se a seguir, com

base nas recomendações feitas pelo parecer contratado, os procedimentos ne-

cessários para a criação do FNI, nos moldes de um fundo público especial de

natureza contábil e/ou financeira:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 388

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Criação do Fundo Nacional de Inovação (FNI) como Fundo Público Especial

- Edição de lei ordinária criando o FNI. Referido instrumento normativo poderá abordar ou-tros temas além da criação do Fundo (tal como a regulamentação do novo sistema de fo-mento à inovação, em geral), não havendo, portanto, a necessidade de edição de lei especí-fica;

Conteúdo Normativo Mínimo

- A lei do FNI deverá especificar a natureza jurídica do Fundo, suas finalidades, as receitasque o comporão (observadas as limitações legais e constitucionais), a política de investi-mentos do Fundo, as operações que podem ser realizadas para a aplicação dos recursos, bemcomo a eventual delegação da operação do Fundo à instituição financeira;

- As demais disposições da lei do FNI deverão estar em consonância com o regime jurídicofixado pelas leis de finanças públicas.

Vinculação de Receitas

- Edição de lei ordinária determinando a vinculação de parte dos recursos do FNDCT, FS eFUNTTEL para o FNI, o que pode ser feito de duas formas:

o 1ª alternativa: segregação dos recursos na origem, afastando todo o regime jurídicoincidente sobre as receitas do FNDCT, FS e FUNTTEL (alteração da lei que instituiu todos estes fundos);

o 2ª alternativa: previsão de mero redirecionamento dos recursos dos fundos para oFNI. Neste caso, a aplicação dos recursos deverá observar todo o regime jurídico pre-visto na lei de criação do FNDCT, FS ou FUNTTEL, a menos que haja derrogação (par-cial ou total) por instrumento normativo de hierarquia idêntica ou superior.

Gestão Financeira do FNI

- A lei ordinária do FNI poderá delegar a operação dos recursos do Fundo para instituiçãofinanceira (nomeada pela própria lei ou por instrumento normativo regulamentador), queestará obrigada a observar a política pública de investimento dos recursos, definida por leie por eventuais outros instrumentos normativos;

- Recomenda-se que a lei do FNI preveja que a operação financeira do Fundo seja feita me-diante mera escrituração contábil, de modo a autorizar a entidade responsável pela gestãodos recursos a reinvesti-los conforme a política pública de investimento;

- A lei do FNI poderá conter dispositivos específicos que visem conferir maior proteção aosrecursos do Fundo contra as práticas de contingenciamento orçamentário e financeiro. Co-gita-se, nesse sentido, de três alternativas:

o 1ª alternativa: repasse dos recursos do FNI (em parte ou na sua integralidade) paraum Fundo de Investimento Financeiro, de natureza privada, administrado pela en-tidade gestora do FNI, observadas a regulamentação da Comissão de Valores Mobili-ários (notadamente, a Instrução CVM nº 555/2014);

o 2ª alternativa: inclusão de disposição expressa na lei do FNI quanto à preservaçãode eventuais saldos remanescentes ao final de cada exercício financeiro na conta do Fundo, sem que tais recursos retornem à conta única do Tesouro Nacional;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 389

o 3ª alternativa: inclusão de previsão normativa na lei do FNI vedando expressamenteo contingenciamento dos recursos do Fundo.

- Em complemento a tais disposições normativas, é possível que sejam incluídas na lei doFNI medidas de governança destinadas a mitigar eventuais falhas na atuação do gestor doFundo que possam estar dificultando a execução dos recursos públicos disponibilizadospela União para o financiamento do setor de CT&I. Cogita-se, aqui, de medidas voltadas àcentralização dos recursos destinados ao fomento à inovação e à desburocratização do pro-cesso decisório e do planejamento da entidade gestora.

- E possível, também, que a lei do FNI autorize a descentralização operacional dos recursosdo Fundo, mediante o repasse de receitas pela entidade gestora a outras instituições finan-ceiras, que deverão obedecer à política pública prevista em lei;

- A lei do FNI poderá obrigar ou facultar à entidade gestora a adoção de mecanismos de cha-madas públicas, cartas-consultas ou plataformas digitais para a captação e seleção de pro-jetos a serem financiados com os recursos do Fundo.

5.2.2. Fundo de Investimento Financeiro

A título de alternativa à constituição de um fundo público contábil, vis-

lumbra-se que o Fundo Nacional de Inovação adote a estrutura de um Fundo

de Investimento Financeiro (FIF), o qual poderia ser instituído pela União, com

recursos vinculados aos repasses dos fundos já constituídos (FNDCT, FNS,

FUNTTEL).

Conforme nos explica o parecer contratado, os FIFs são entidades de na-

tureza jurídica privada sem personalidade jurídica própria, regulamentados

pela Instrução Normativa CVM nº 555, de 17 de dezembro de 2014.140 Este nor-

mativo regulamenta não apenas os critérios para constituição, como também

os procedimentos para manutenção do registro perante a CVM.

Os FIFs, na verdade, possuem natureza jurídica de condomínio, reu-

nindo recursos de seus diversos investidores para fins de investimento por

meio de uma instituição financeira autorizada pela CVM, que atua como ges-

140 Na definição do art. 3º, trata-se de uma “comunhão de recursos, constituído sob a forma de

condomínio, destinado à aplicação em ativos financeiros”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

390

tora do fundo. Ademais, o patrimônio do FIF não se confunde com o patrimô-

nio dos quotistas, de modo que se mostra uma vantagem perante os eventuais

contingenciamentos orçamentários.

Assim como os fundos públicos especiais, a estruturação do FIF depende

apenas de edição de lei ordinária, autorizando a sua instituição por parte da

União, em atendimento à Instrução Normativa nº 555, de 2014. Alerta-nos o

parecer que esta lei “deverá determinar o redirecionamento de uma parcela

dos recursos do FNDCT, FS e FUNTTEL”, bem como “definir os objetivos do

Fundo, sua política de investimento, as categorias de ativos financeiros em que

poderá investir, eventuais taxas cobradas pelos serviços e outras regras gerais

de participação e organização a serem especificadas em regulamento”.

Ao cotejar esta alternativa à criação de fundo público especial, o parecer

de Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados apresenta as vanta-

gens da instituição do FIF:

A constituição do FNI sob a forma de um Fundo de Investi-

mento Financeiro apresenta algumas vantagens em relação à

alternativa estudada no Tópico III.1 acima (a saber, a constitui-

ção de um fundo público especial de natureza contábil), a co-

meçar pela desvinculação das restrições orçamentárias impos-

tas aos fundos especiais. Isso porque na medida em que os re-

cursos públicos são aportados ao FIF, estes passam a estar se-

gregados da pessoa jurídica de origem (no caso, a União) e,

ainda, passam a ser destinados apenas às finalidades definidas

para o fundo. Logo, tais recursos não são mais operados junto à

conta única do Tesouro Nacional, estando, portanto, blindados

em face de eventuais contingenciamentos.

Ainda, os investimentos em projetos e ações de fomento à ino-

vação são realizados diretamente pela entidade gestora do FIF,

sem que seja necessária a observância dos procedimentos de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

391

execução de despesas orçamentárias (consignado pela Lei nº

4.320/64), o que certamente contribui para a desburocratiza-

ção da atuação do agente financeiro.

Havendo a segregação dos recursos públicos, não se cogita, ade-

mais, da devolução de eventual saldo remanescente ao final do

exercício financeiro.

Por fim, há que se ter em mente que qualquer tentativa de exe-

cução contra a Fazenda Pública não poderá atingir as receitas

aplicadas no Fundo (as quais estarão segregadas em um fundo

de natureza privada, vinculadas ao cumprimento de finalida-

des específicas), sendo muito pouco provável que eventual exe-

cução atinja as quotas da União sobre o Fundo. Tal fato também

contribui para reforçar a blindagem dos recursos do FNI.

Por outro lado, é importante destacar que a adoção deste modelo não

inibe por completo os efeitos de eventual limitação de empenho ou movimen-

tações financeiras, visto que a União poderia atrasar ou deixar de realizar o

repasse das verbas orçamentárias para o FIF.

Há outra consideração relevante a respeito dos instrumentos de finan-

ciamento a serem utilizados pelo FIF, os quais deverão ser autorizados na pró-

pria lei ordinária de criação do fundo. Entretanto, a realização de investimen-

tos sem retornos financeiros não se encontra prevista dentre as atividades que

podem ser custeadas com os recursos de tais fundos, nos termos da Instrução

Normativa CVM nº 555, de 2014. Trata-se de limitação relevante, tendo em

vista que os investimentos sem retornos financeiros, como a subvenção eco-

nômica, são peça-fundamental do sistema de financiamento à inovação.

A exemplo do que fizemos no item anterior, apresentamos a seguir ta-

bela, a partir do parecer contratado, que sintetiza os principais procedimentos

a serem adotados em caso de opção pela constituição de um FIF:

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392

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Autorização para Constituição do FIF

- Edição de lei ordinária (lei do FNI) autorizando a criação de Fundo de Investimento Financeiro e vinculando o redirecionamento de parte das verbas do FNDCT, FS e FUNT-TEL para este novo Fundo;

Conteúdo Normativo Mínimo

- O referido diploma normativo deve também definir os objetivos do FNI, sua política de investimento, as categorias de ativos financeiros em que o Fundo poderá investir; eventuais taxas que serão cobradas pelos serviços e outras regras gerais de participação e organização, a serem especificadas no regulamento do Fundo;

- a lei do FNI deverá atribuir a administração do Fundo a uma instituição financeira, devidamente credenciada pela Comissão de Valores Mobiliários;

Criação do FIF

- a instituição administradora será responsável pela efetiva instituição do FNI, por meio de ato unilateral, sendo necessário também o cumprimento de todos os demais procedimentos obrigatórios para a constituição do Fundo, nos termos da Instrução CVM nº 555/2014.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

393

5.2.3. Empresa Estatal

A terceira alternativa diz respeito à destinação dos recursos públicos

para uma empresa estatal, a qual seria responsável pela execução das ativida-

des de financiamento à inovação. Conforme salienta o parecer, esta alterna-

tiva pode se valer de empresa estatal já constituída, como a FINEP, ou ainda a

criação de novo ente público, sob a forma de uma empresa pública ou socie-

dade de economia mista, nos termos do Decreto-Lei nº 200, de 1967. Caso opte-

se pela criação da empresa estatal, faz-se necessária a previsão em lei ordiná-

ria, específica ou não, autorizando a criação da empresa, nos termos do art. 37,

caput, inciso XIX, da Constituição Federal141.

Ao cotejar esta alternativa às anteriores, que previam a constituição de

fundo específico, o parecer encomendado apresenta as vantagens e desvanta-

gens da utilização de uma empresa estatal como base da estrutura de financi-

amento à inovação no país:

À semelhança do que foi dito em relação à constituição do FNI

sob a forma de um Fundo de Investimento Financeiro, a estru-

turação de um novo modelo de financiamento público para

projetos de inovação por meio da vinculação de receitas a uma

empresa estatal mostra-se vantajosa em razão da segregação

de parcela das receitas orçamentárias, que passam a constituir

o patrimônio privado da empresa – o que importa, por via de

consequência, na sua desvinculação de todas as restrições im-

postas pela legislação orçamentária e fiscal (tal como o regime

141 A referida lei deverá ainda cuidar de todos os requisitos legais necessários à criação de uma

empresa estatal, como sua forma jurídica, sede, prazo de duração, composição do capital so-

cial, finalidades, estrutura organizacional, política de investimentos e instrumentos para sua

aplicação, dentre outros. Ademais, há de se adotar os procedimentos administrativos neces-

sários, como a criação de seu estatuto social via decreto do Poder Executivo, criação de seu

CNPJ, concursos públicos para empregados, licitações para compras de equipamentos etc.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

394

de execução de despesas; a eventual devolução do saldo ao final

do exercício financeiro; o regime público de execução contra a

Fazenda Nacional, dentre outros).

Isso porque a gestão do patrimônio da empresa estatal é feita

de modo apartado da conta única do Tesouro Nacional, o que

contribui de maneira significativa para blindar os recursos pú-

blicos das práticas de contingenciamento eventualmente ado-

tadas pela União.

Em relação à segunda alternativa apresentada nesta Opinião

Legal para a estruturação de um novo modelo de financia-

mento à inovação por meio do redirecionamento de receitas de

fundos públicos já existentes (a constituição de um FIF), a solu-

ção que ora se discute mostra-se vantajosa na medida em que

não esbarra no problema apontado no Tópico III.2 acima (caso

dos FIFs), relacionado ao financiamento de projetos sem re-

torno financeiro.

Tal circunstância decorre do fato de que as empresas estatais

devem estar orientadas prioritariamente para a satisfação de

interesses coletivos ou para a promoção da segurança nacional

(cf. art. 173 da CF/88), o que significa que as atividades econô-

micas da empresa não necessariamente deverão ser lucrativas.

O que se pretende afirmar é que o fomento à inovação por meio

da concessão de financiamentos para projetos não reembolsá-

veis (tal como desejado pela Consulente) é compatível com a na-

tureza e a essência deste instituto jurídico.

Em que pese tais vantagens, há que se considerar que a consti-

tuição de uma nova empresa estatal importa na criação de mais

um ente público, procedimento este que é bastante burocrático

(pois não apenas depende da edição de lei autorizativa, mas da

prática de todos os atos necessários à sua efetiva constituição,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

395

bem como da contratação de pessoal, bens e serviços necessá-

rios à operacionalização de suas atividades empresariais) e cus-

toso para o Estado.

A exemplo do que fizemos no item anterior, reproduzimos tabela do pa-

recer contratado, que sintetiza os principais procedimentos a serem adotados

em caso de opção pela utilização de uma empresa estatal:

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Autorização para Criação ou Utilização de Empresa Estatal

- Edição de lei ordinária (lei do FNI) autorizando a criação de uma empresa estatal;

- Alternativamente, caso se opte pelo repasse de recursos à empresa estatal já existente (ao invés da criação de uma nova pessoa jurídica), será necessária a edição de lei (ordi-nária), que (i) vincule as receitas dos fundos públicos (FNDCT, FS e FUNTTEL) à compa-nhia; (ii) estabeleça as diretrizes para a aplicação destes recursos (destinação, política de investimento, operações financeiras, etc.); e (iii) eventualmente altere a lei de cria-ção da empresa estatal para incluir, dentre as suas finalidades legais, a função de ope-ração da política pública de fomento à inovação.

Conteúdo Normativo Mínimo

- A lei ordinária deve especificar a forma da futura sociedade, seu eventual prazo de duração, a composição de seu capital social, suas finalidades (dentre as quais deverá constar, de maneira expressa, a execução da política pública de financiamento a proje-tos no setor de CT&I), sua estrutura organizacional, a política de investimento dos re-cursos e os instrumentos para a sua aplicação, dentre outros aspectos relevantes para a estruturação da empresa;

- A lei poderá, ainda, autorizar genericamente a constituição de empresas subsidiárias ou a participação minoritária da estatal no capital social de outras empresas, como forma de política de fomento ao setor de CT&I;

Demais Procedimentos

- Para a efetiva criação da empresa estatal, far-se-á necessário o cumprimento de todos os requisitos previstos para a constituição de uma pessoa jurídica, em conformidade com a legislação de direito privado, bem como os procedimentos de contratação de bens e pessoal típicos da administração pública;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

396

5.2.4. Utilização de Recursos dos Fundos Constitucionais

Apresentadas as alternativas de estruturação jurídica da proposta de

FNI, outro ponto relevante para estudo diz respeito à utilização de recursos dos

fundos constitucionais para o fomento à inovação, notadamente dos recursos

provenientes dos Fundos Regionais (Fundo Constitucional de Financiamento

do Norte, o Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste e o Fundo

Constitucional de Financiamento do Centro Oeste), bem como o Fundo de Am-

paro ao Trabalhador (FAT) e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

No âmbito da proposta apresentada nesta pesquisa, recomendou-se a

destinação, para projetos de PD&I, de 15% da captação anual das instituições

financeiras que operam recursos dos fundos constitucionais. Trata-se, por-

tanto, da priorização da aplicação dos recursos destes fundos, sem necessari-

amente haver redirecionamento ao FNI, ou seja, sua execução seria de respon-

sabilidade da própria entidade gestora do fundo correspondente.

Para tanto, faz-se necessário que estes fundos constitucionais prevejam

a aplicação dos recursos em atividades de fomento à inovação em suas políti-

cas de financiamento, conforme a finalidade do FNI. Nesse sentido, o parecer

contratado verificou a análise da compatibilidade das atividades do FNI com

as finalidades constitucionais e legais de cada um dos Fundos propostos.

Como resultado, constatou-se que estes fundos constitucionais admi-

tem a priorização do financiamento a projetos no setor de CT&I dentre as suas

finalidades legais. Por outro lado, há especificidades a serem consideradas:

- A Lei nº 7.827, de 1989, regulamenta os Fundos Constitucionais Re-

gionais e prevê, dentre as finalidades estabelecidas, o financiamento

a projeto de CT&I, nos termos do Plano de Desenvolvimento Regional

estabelecido para cada área. Assim, a priorização da aplicação destes

recursos em inovação poderia ocorrer por instrumento normativo in-

fralegal, embora seja recomendada a sua previsão em lei;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

397

- O FGTS não possui vinculação de finalidades, condicionantes e res-

trições em nível constitucional, de modo que é a Lei nº 8.306, de 1990,

que estabelece os setores econômicos para aplicação dos recursos: ha-

bitação, infraestrutura urbana e saneamento básico. A eventual ex-

pansão destas áreas necessitaria alteração legislativa. A priorização

dos recursos poderia ser feita pelo Conselho Curador do fundo; e

- O FAT é regulamentado pelas Leis nº 7.998 e 8.019, ambas de 1990,

as quais determinam a aplicação dos recursos em programas de de-

senvolvimento econômico, dentre os quais se incluem os fomentos à

inovação. A exemplo dos casos anteriores, é possível que a vinculação

prioritária seja feita por meio de instrumento normativo infralegal.

A exemplo do que fizemos no item anterior, reproduzimos tabela do pa-

recer contratado, que sintetiza os principais procedimentos a serem adotados

para fins de vinculação dos recursos ao sistema de fomento à inovação:

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

- Edição de lei ordinária (lei do FNI), determinando que as instituições financeiras que operam os recursos dos Fundos Constitucionais apliquem, prioritariamente, 15% (quinze por cento) das receitas repassadas anualmente em financiamentos de projetos no setor de CT&I.

- Alternativamente, é possível que tal previsão seja introduzida pela mera edição de norma infralegal (por parte do órgão gestor de cada Fundo que tenha competência para tal). Embora esta solução seja muito menos burocrática (do ponto de vista do processo le-gislativo), a estabilidade conferida ao mecanismo de fomento é menor, uma vez que a di-retriz emanada pode ser alterada, a qualquer tempo, pelo mero advento de nova norma do órgão gestor.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

398

5.3. Fomento à Inovação por Financiamento Privado

A proposta do FNI não contempla apenas a vinculação de recursos pú-

blico às atividades de inovação. Ao contrário, prescreve a diversificação das

fontes de recursos voltados para o subsistema de fomento à inovação, privile-

giando a constituição de uma rede privada de crédito que aumente o volume

de recursos disponíveis ao financiamento do setor.

Conforme exposto anteriormente, propõe-se a criação de instrumento

de renúncia fiscal destinado a instituições financeiras privadas que realizem

operações de crédito para o financiamento de atividades de inovação, de ma-

neira semelhante ao instrumento previsto na Lei nº 11.196, de 2005 (“Lei do

Bem”), observado o limite de dedução de até 10% do lucro apurado anual-

mente.

Não obstante a dedução fiscal, a proposta ainda prevê que estes recursos

se converterão em receita do Fundo de Inovação do Sistema Financeiro Nacio-

nal (FISFN), a ser constituído para garantir que as instituições financeiras

reinvistam estes recursos em práticas de estímulo ao crédito à inovação, com

duas finalidades precípuas: (i) aplicação em investimentos no setor; (ii) garan-

tia de liquidez de carteiras de crédito à inovação.

Assim sendo, este item apresenta resumidamente as conclusões e reco-

mendações resultantes da análise de viabilidade jurídica, realizados pelo es-

critório contratado Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados, no

que se refere aos aspectos de financiamento privado atinentes à proposta do

FNI, no que se refere: (i) à criação de incentivo fiscal às instituições financeiras;

(ii) alternativas de estruturação do sistema privado de fomento à inovação

(FISFN).

A criação de benefícios fiscais é autorizada pelo art. 150, §6º, da Consti-

tuição Federal, mediante lei ordinária específica, sendo o ordenamento cons-

titucional bastante flexível quanto à modalidade do benefício a ser instituído,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

399

desde que o tributo seja de titularidade do mesmo ente político que busca es-

tabelecer o incentivo142.

Dentre as diversas formas de estruturação dos benefícios fiscais, o in-

centivo fiscal proposto se caracteriza como hipótese de redução de base de cál-

culo de tributos federais, no caso específico, o imposto de renda da pessoa ju-

rídica (IR) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL). Nos termos do

parecer:

Este cenário constitucional evidencia que a prática de benefí-

cios fiscais apresenta contornos bastante amplos em nosso di-

reito. Seu exercício é acometido ao Estado sob a forma de uma

prerrogativa, que poderá ser operada de maneira discricionária

para atender fins de interesse público. Vale destacar que a am-

plitude desta discricionariedade se aplica tanto para a modela-

gem da política pública quanto para o mecanismo de funciona-

mento do benefício a ser concedido.

O parecer chancela a legalidade da exigência de contrapartidas para as

instituições financeiras com vistas à utilização do benefício tributário, no caso

concreto, a destinação dos recursos decorrentes do benefício ao FISFN. Con-

forme demonstrado, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é histori-

camente favorável ao entendimento, desde que as contrapartidas atendam a

critério de razoabilidade, ou seja, mostrem-se adequadas e suficientes ao aten-

dimento da política pública.143

Outro ponto de destaque cuida da exigência de lei ordinária específica

para a instituição do benefício fiscal. A partir de análise da jurisprudência

142 Isto é, trata-se de vedação das isenções heterônimas, instituídas por pessoa jurídica de di-

reito público distinta daquela competente para a criação do tributo.

143 Em especial ver STF: Agravo Regimental no RE nº 522.716/RS. Segunda Turma. Min. Rel.

Joaquim Barbosa, j. 08/05/2012.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

400

constitucional, o parecer afirma que existem duas alternativas para cumprir

a exigência do art. 105, § 6º, da Constituição Federal:

Trazendo estas considerações para o caso concreto que nos foi

submetido pela Consulente, podemos entender que o atendi-

mento a condicionante prática instituída pelo § 6º do artigo 150

poderá ser realizada através de duas hipóteses. Isto é, será pos-

sível instituir o benefício fiscal através de lei que trate exclusi-

vamente do tema ou, ainda, aproveitar a norma de instituição

do FNI para disciplinar o mecanismo fiscal ora em tela.

Quanto à iniciativa legislativa para a propositura do benefício fiscal, o

texto constitucional estabelece que a competência é concorrente, de modo que

pode ser de iniciativa da Presidência da República ou do Congresso Nacio-

nal.144

O parecer também adverte que a cessão do benefício fiscal proposto de-

verá observar os requisitos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal145, de

modo que a proposta legislativa deverá estar instruída de estudos que demons-

trem a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no ano de início de sua

144 Ver o art. 61, § 1º, alínea ”b”, c/c art. 48, inciso I, da CF.

145 Lei de Responsabilidade Fiscal, “Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício

de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de es-

timativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e

nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma

das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada

na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas

de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar

acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do au-

mento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majora-

ção ou criação de tributo ou contribuição”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

401

vigência e nos dois seguintes, bem como deverá atender a pelo menos uma das

seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi consi-

derada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma

do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais

previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período

mencionado no caput, por meio do aumento de receita, prove-

niente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo,

majoração ou criação de tributo ou contribuição.

É importante destacar que se a dedução fiscal for instituída por lei ordi-

nária após a aprovação da lei orçamentária, torna-se obrigatório o atendi-

mento à segunda condicionante, por meio do qual se estabelece a adoção de

medidas compensatórias para manter a arrecadação tributária.

Por fim, a exemplo do que fizemos nos itens anteriores, reproduzimos

tabela do parecer contratado, que sintetiza as alternativas de procedimentos a

serem adotados para fins de instituição do benefício fiscal pretendido:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

402

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Criação do Benefício Fiscal

- A lei poderá ser proposta tanto pelo Presidente da República quanto por membro do Con-gresso Nacional;

- A instituição do benefício deverá observar as condicionantes decorrentes do artigo 14 da Lei Complementar nº 101/2000.

1ª Alternativa:

- Edição de lei ordinária específica exclusivamente destinada à criação do benefício fiscal pretendido, disciplinando seu mecanismo de funcionamento, os limites percentuais da de-dução ser realizada e a obrigatoriedade da destinação dos recursos obtidos pelas institui-ções financeiras ao FISFN;

2ª Alternativa:

- Constituição do benefício fiscal através de sua disciplina (mecanismo de funcionamento, os limites percentuais da dedução ser realizada e a obrigatoriedade da destinação dos re-cursos obtidos pelas instituições financeiras ao FISFN) na própria lei de instituição do FNI. Por se tratar de tema dotado de pertinência temática ao benefício fiscal, não há impeditivo jurídico para a sua regulação neste mesmo instrumento normativo.

5.3.2. Estruturação do Sistema Privado de Fomento à Inovação (FISFN)

Consoante a proposta elaborada, o Fundo de Inovação do Sistema Finan-

ceiro Nacional (FISFN), fundo de natureza privada, seria o depositário dos re-

cursos obtidos em virtude da adesão ao regime de renúncia fiscal exposto no

item anterior. A aplicação destes recursos estaria restrita às instituições fi-

nanceiras participantes, com a finalidade de: (i) realizar investimentos em

inovação; (ii) garantir liquidez de operações de crédito a serem realizadas pe-

las entidades financeiras particulares.

No que se refere ao modelo jurídico-institucional do FISFN, a proposta

traz algumas alternativas, todas consideradas viáveis juridicamente pelo pa-

recer contratado: a) um único fundo privado com 100% dos recursos; b) cria-

ção de fundos de garantias mediante consórcios de IFs; c) dois fundos: um pri-

vado e um fundo público com depósitos das IFs que renunciarem a intenção

de administrar os recursos, podendo ser o próprio FNI o receptor dessas con-

tribuições.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

403

Por outro lado, o parecer buscou delimitar as alternativas jurídicas que

se apresentam para permitir a prática de investimentos em inovação e a ces-

são de garantias. Nesse sentido, apresentou-se três hipóteses para a utilização

do instrumento de investimento e uma alternativa para cessão de garantias.

Reproduzimos, a seguir, as considerações e recomendações apresentadas pelo

parecer contratado:

a) Fundo de Investimento Privado

- Proposta: Constituição de fundos sob a forma de condomínios privados

destinados ao investimento em ativos financeiros de empresas inova-

doras.

- Formalmente, serão instituídos por ato unilateral do próprio ente admi-

nistrador do fundo, o qual deverá aprová-lo junto do ato de sua consti-

tuição;

- Para operar regularmente, o fundo deverá obter registro na Comissão

de Valores Mobiliários, através da apresentação da documentação espe-

cificada pelo artigo 8º da Instrução CVM nº 555/2014;

- O fundo poderá ser criado por cada instituição financeira beneficiária

do mecanismo de incentivo fiscal ou por uma entidade administradora

única, contratada conjuntamente pelas instituições financeiras benefi-

ciárias, a depender do arranjo institucional elegido;

- Os recursos decorrentes do benefício fiscal deverão ser aportados no

fundo de investimentos mediante aquisição de suas cotas pelas institui-

ções financeiras em valor correspondente à dedução percebida;

- Os fundos privados de investimento poderão aplicar seus recursos em

atividades de investimento em ativos financeiros, conforme definido

pelo artigo 2º da Instrução CVM nº 555/2014;

- Especificamente no que diz respeito ao investimento em empresas de

inovação, a regulação da CVM oferece duas alternativas de fundos de in-

vestimento:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

404

i) Fundo de Investimento em Participações (“FIP”): Investem 90% de

seus recursos em qualquer companhia que emita ativos financeiros no

mercado de capitais – inclusive naquelas que promovam projetos de ino-

vação;

ii) Fundo de Investimento em Empresas Emergentes Inovadoras (FIEEI):

Investem 75% de seus recursos em qualquer modalidade de ativos finan-

ceiros emitidos por empresas emergentes inovadoras (faturamento

anual de até R$ 150.000.000,00).

- Será relevante que a lei de instituição do benefício fiscal ou de institui-

ção do FNI autorize transferência dos recursos oriundos da dedução fis-

cal ao fundo privado, assim como permita a sua constituição pelas ins-

tituições financeiras.

b) Conta Vinculada

- Proposta: Constituição de conta bancária sob a forma de conta corrente

associada a cada instituição financeira beneficiária do incentivo fiscal

ou, ainda, sua constituição como uma conta vinculada única, que rece-

berá os depósitos de todas as entidades beneficiadas pelo regime tribu-

tário;

i) 1ª Alternativa: Cada instituição financeira deverá segregar os valores

deduzidos em conta própria, sendo desnecessário qualquer ato jurídico

específico para a sua criação. O compromisso para a aplicação destes re-

cursos exclusivamente em inovação poderá advir da lei do benefício fis-

cal ou de instituição do FNI;

ii) 2ª Alternativa: A conta deverá ser constituída mediante contrato junto

à instituição financeira selecionada para gerir a conta única. O contrato

poderá prever a obrigatoriedade de os recursos serem destinados ape-

nas ao investimento em empresas de inovação.

- Os recursos da conta vinculada poderão ser aplicados em múltiplas for-

mas de investimento em empresas inovadoras. Em ambos os arranjos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

405

institucionais acima descritos, a operadora dos recursos será institui-

ção financeira autorizada a desempenhar atividades de aplicação (ou

investimento) de recursos de terceiros na forma do art. 17 da Lei Federal

nº 4.595, de 1964;

- Estes investimentos poderão ser realizados em: (i) ativos financeiros, (ii)

participação em projetos ou, ainda, em (iii) qualquer outra modalidade

de investimentos compatível com o regime das instituições financeiras,

conforme definido na Opinião Legal;

- Será relevante que a lei de instituição do benefício fiscal ou de institui-

ção do FNI preveja a possibilidade de transferência dos recursos oriun-

dos da dedução fiscal à conta vinculada, assim como estipule a possibi-

lidade de sua constituição.

c) Entidade Privada sem Fins Lucrativos

- Proposta: Constituição de entidade civil sem fins lucrativos sob a forma

de associação ou fundação civil integrada pelas instituições financeiras

que aderirem ao regime de dedução tributária;

- Os recursos decorrentes dos benefícios fiscais serão destinados a conta

corrente de titularidade da fundação ou associação, a ser custodiada por

instituição financeira de sua escolha;

- A entidade civil poderá ser constituída por cada uma das instituições fi-

nanceiras beneficiárias do regime de dedução fiscal ou poderá ser cons-

tituída como entidade única, integrada por todas as instituições finan-

ceiras beneficiárias do regime fiscal;

a) 1ª Alternativa (Associação Civil): sua constituição deverá ser realizada

por contrato, que observará o artigo 54 do Código Civil;

b) 2ª Alternativa (Fundação Privada): As instituições financeiras deverão

designar dotação especial de bens livres a serem aplicados nas finalida-

des específicas da entidade, o que será feito mediante escritura pública

ou contrato, observantes dos art. 63 a 69 do Código Civil;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

406

- Em ambos os casos, o ato de constituição deverá prever a vinculação de

atuação da entidade ao investimento em inovação;

- A entidade civil não poderá custodiar ou intermediar por conta própria

os recursos que lhe serão direcionados pelas instituições financeiras.

Sua atuação consistirá em uma operacionalização gerencial de conta, a

ser custodiada por instituição financeira de sua escolha;

- Não há restrição à modalidade de investimentos a serem realizadas pela

entidade civil sem fins lucrativos. Estes poderão assumir qualquer

forma, desde que sejam realizados junto a empresas inovadoras;

- Por deter finalidade não lucrativa, a entidade civil não poderá distribuir

os resultados dos investimentos entre seus associados. Obrigatoria-

mente, estes recursos deverão ser redestinados à atividade de apoio a

empresas inovadoras;

- Será relevante que a lei de instituição do benefício fiscal ou de institui-

ção do FNI preveja a possibilidade de transferência dos recursos oriun-

dos da dedução fiscal à conta da entidade privada sem fins lucrativos,

assim como estipule a obrigatoriedade de associação a esta última.

d) Fundo Garantidor de Crédito (“FGC”)

- Proposta: Utilização do FGC como instrumento de garantia para as ope-

rações de crédito das instituições financeiras a serem realizadas no se-

tor de inovação;

- Será necessária a modificação da Resolução nº 4.469/2016 – que conso-

lida as versões mais atualizadas do Estatuto e do Regulamento do FGC;

- As alterações deverão inserir na Resolução nº 4.469/2016 um novo ca-

pítulo, autorizando e disciplinando esta nova atividade do FGC;

- Este novo capítulo deverá disciplinar, prioritariamente: (i) a autoriza-

ção para o FGC aplicar recursos na garantia de operações de crédito no

setor de inovação; (ii) um novo mecanismo de repasse de receitas ao FGC

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

407

e (iii) as regras de aplicação de seus recursos em garantias no setor de

inovação;

- As alterações ora sugeridas poderão ser instituídas tanto pela lei de ins-

tituição do FNI e, posteriormente, especificamente regulamentadas por

Resolução do BACEN que altere a Resolução nº 4.469/2016.

Sendo estas as considerações relevantes feitas pelo parecer contratado

acerca de cada uma das alternativas possíveis para viabilizar a operacionali-

zação dos instrumentos de investimento e cessão de garantias, reproduzimos,

a seguir, tabela que sintetiza os procedimentos a serem adotados para fins de

operacionalização das alternativas propostas:

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Criação do Fundo Privado de Investimento

- A hipótese de constituição de um fundo privado de investimentos para as atividades de investimento do FISFN deverá ser contemplada pela lei que vier a instituir o FNI.

- A lei de constituição do mecanismo de benefício fiscal deverá contemplar autorizativo para o direcionamento de seus recursos para fundos privados de investimento.

- O fundo deverá ser constituído por ato unilateral do próprio ente administrador do fundo, o qual deve aprovar o seu regulamento, concomitantemente ao ato de sua constituição (cf. art. 6º, da Instrução CVM nº 555/2014). Sua operação dependerá de credenciamento junto à CVM, o que se processará mediante a apresentação dos documentos listados pelo art. 8º da Instrução CVM nº 555/2014.

Constituição de Conta Vinculada

- A hipótese de constituição de uma conta corrente vinculada à realização das atividades de investimento do FISFN deverá ser contemplada pela lei que vier a instituir o FNI.

- A lei de constituição do mecanismo de benefício fiscal deverá contemplar autorizativo para o direcionamento de seus recursos para contas corrente vinculadas às práticas de in-vestimento.

- Caso se opte por um modelo de conta única, deverá se celebrar contrato entre as institui-ções financeiras e a entidade financeira depositária dos recursos, no qual irá se restringir os repasses de seus recursos às finalidades de investimento em inovação. Preferencial-mente, o banco selecionado neste caso deverá ser um banco de investimentos ou um banco múltiplo.

Constituição de Entidade Privada sem Fins Lucrativos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

408

- A hipótese de constituição de uma entidade privada sem fins lucrativos, associação civil

ou fundação, para a realização das atividades de investimento do FISFN deverá ser contem-

plada pela lei que vier a instituir o FNI.

- A associação das instituições financeiras a esta entidade privada sem fins lucrativos de-

verá ser prevista como compulsória para os bancos que acessarem os mecanismos de dedu-

ção fiscal.

- A lei de constituição do mecanismo de benefício fiscal deverá contemplar autorizativo

para direcionamento dos recursos a contas corrente de titularidade da entidade privada

sem fins lucrativos.

- A entidade privada sem fins lucrativos deverá deter em seu estatuto a vinculação da apli-cação de seus recursos em atividades de investimento em inovação.

Fundo Garantidor de Crédito

- A hipótese de utilização do FGC como uma entidade destinada à garantia das operações de

crédito a serem realizadas pelas instituições financeiras beneficiárias do mecanismo de de-

dução tributária deverá ser contemplada pela lei que vier a instituir o FNI.

- O estatuto e o regulamento do FGC, atualmente disciplinados pela Resolução nº

4.469/2016 do BACEN, deverão ser alterados para se inserir a disciplina da atuação do FGC

junto às instituições financeiras destinatárias de garantias de suas operações de crédito.

Deverão ser disciplinadas estas novas competências do FGC e as novas formas de contribui-

ção para seu patrimônio.

- A lei de constituição do mecanismo de benefício fiscal deverá contemplar autorizativo para direcionamento de seus recursos a conta corrente de titularidade do FGC, caso alter-nativa seja cogitada.

5.4. Governança do Fundo Nacional de Inovação

A proposta do Fundo Nacional de Inovação exige um cuidado especial

com o estabelecimento dos critérios e procedimentos de governança e gestão

dos recursos, tendo em vista a multiplicidade origens de recursos, públicos e

privados, bem como dos agentes financeiros envolvidos.

A fim de evitar repetir a gestão descentralizada dos recursos destinados

à política de inovação, a proposta submetida à consulta prevê a constituição

do Conselho Diretor do FNI, voltado para as diretrizes políticas e repasse de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

409

recursos para os agentes financeiros públicos do FNI, bem como para a orien-

tação estratégica e normativos para a operação do FISFN.

Consoante o exposto no parecer, a criação do Conselho Diretor deverá

ser prevista em lei ordinária, presumindo-se que seja a mesma que efetiva-

mente cria o FNI. Por outro lado, a fixação das competências deste órgão não

precisa necessariamente ser feita em nível legal, podendo ser realizada poste-

riormente via decreto, por autorização do art. 84, inciso IV, da Constituição

Federal.

Neste momento também poderá estabelecer a vinculação administra-

tiva no âmbito da Administração Direta, a qual recomendamos que seja feita

à Presidência da República (Lei nº 10.683, de 2003), a fim de lhe acentuar a

legitimidade e prioridade de sua atuação.

Quanto às competências de atuação do Conselho Diretor, o parecer ar-

remata que estas se distinguirão de acordo com a origem dos recursos que

compõem o sistema de fomento à inovação:

Especificamente no que toca ao FNI, o Conselho Diretor poderá

deter competências mais interventivas, disciplinando os aspec-

tos operacionais deste fundo em detalhe. Esta regulamentação

poderá incidir, especialmente, sobre três temas de atenção: (i)

a definição de diretrizes de aplicação de seus recursos; (ii) a dis-

ciplina das condições financeiras a serem praticadas no re-

passe dos recursos do fundo e, ainda, (iii) a definição das dire-

trizes de uma política de capitalização do fundo. (...)

Cumpre destacar, contudo, que a atuação do Conselho sobre es-

tas instituições (integrantes do FISFN) não se dará nos mesmos

termos em que apresentados acima para o FNI. O FISFN será in-

tegrado por instituições privadas, responsáveis por manejar

suas próprias linhas de crédito e de investimento em inovação.

No exercício destas funções, na medida em que estas institui-

ções assumirão os riscos da operação dos recursos a serem des-

tinadas à inovação, estas poderão se limitar a observar seus

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

410

próprios critérios financeiros nos empréstimos praticados, as-

sim como deterão discricionariedade para definir as condições

específicas da contratação.

Deste modo, o Conselho Diretor do FNI poderá limitar-se a dis-

por de orientações e diretrizes estratégicas para as instituições

financeiras privadas do FISFN. Tais diretrizes podem funcionar

como uma carta de intenções, sem pretensões de vinculação a

práticas de políticas de crédito específicas ou de condições es-

peciais de contratação. Sua edição teria a finalidade de oficiali-

zar o compromisso de adesão destas instituições à política na-

cional de financiamento à inovação.

Para se averiguar o cumprimento deste compromisso, isto é, o

de direcionar os recursos do FISFN ao setor de inovação, ainda

é possível que se estabeleçam competências de fiscalização

para o Conselho Diretor. Nesta senda, o conselho desempenha-

ria também algumas atribuições de supervisão da gestão do

FISFN, porém, sem deter competências para disciplinar especi-

ficamente os instrumentos manejados pelas instituições priva-

das.

Em situação similar encontram-se as instituições responsáveis

pela gestão dos recursos dos fundos constitucionais. Estas es-

tão vinculadas a requisitos próprios de aplicação dos recursos

que lhes são transferidos diretamente dos fundos constitucio-

nais, de tal sorte que a sobreposição de critérios eventualmente

definidos pelo Conselho Diretor poderá ensejar incongruências

entre as políticas de inovação e as políticas constitucionais que

estas entidades estarão obrigadas a efetivar. Neste sentido,

quanto a estas entidades é possível que o Conselho Diretor do

FNI se limite a apenas averiguar se a parcela de 15% dos fundos

constitucionais tem sido aplicada em operações de crédito em

inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

411

Verifica-se, pois, que as atribuições do Conselho Diretor serão distintas

perante as diversas entidades que compõem o sistema de financiamento à ino-

vação, embora tenha poderes e instrumentos para assegurar a coesão e uni-

formidade da política de investimentos na área.

Mais adiante, o parecer contratado ainda discorre sobre os mecanismos

de prevenção à inexecução orçamentária. Em apertada síntese, defende que o

Conselho Diretor institua uma agenda de investimentos e estipule prazo para

a realização do empenho das despesas planejadas, o que seria especialmente

importante para a governança da parcela de recursos presentes no FNI.

Por fim, recomenda-se que o Conselho Diretor adote premissas de des-

centralização operacional dos recursos, o que se faz relevante novamente para

os recursos presentes no FNI, uma vez que a atuação das instituições integran-

tes do FISFN já é, via de regra, descentralizada.

Sendo estas as considerações relevantes feitas pelo parecer contratado

acerca dos aspectos de governança do sistema de fomento à inovação pro-

posto, reproduzimos, a seguir, tabela que sintetiza os procedimentos a serem

adotados para fins de operacionalização das alternativas propostas:

PROCEDIMENTOS PARA A OPERACIONALIZAÇÃO DA ALTERNATIVA

Criação do Fundo Privado de Investimento

- A lei de instituição do FNI deverá contemplar a previsão de criação do Conselho Dire-tor do FNI, com vinculação direta à Presidência da República

- A disciplina de suas competências deverá ser realizada na própria lei de instituição do FNI ou em decreto superveniente, dedicado à regulamentação da lei do FNI.

- A lei de instituição do FNI poderá prever a possibilidade de o Conselho Diretor estipu-lar uma agenda de investimentos à entidade financeira gestora do FNI e definir prazos para o empenho dos recursos destinados ao fundo.

- A lei de instituição do FNI poderá prever a possiblidade de o Conselho Diretor instituir normas de descentralização operacional para a realização de operações de crédito com os recursos do FNI.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

412

Considerações Finais

Conforme demonstrado ao longo deste item, a consulta ao escritório Ma-

nesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Advogados conclui pela viabilidade

jurídica da proposta de criação do FNI e do FISFN, quanto à criação de incenti-

vos fiscais para o setor privado e à vinculação de parte de recursos orçamen-

tários anuais dos Fundos Constitucionais aos investimentos em projetos de

inovação.

Dentre as alternativas apresentadas, recomenda-se a constituição do

FNI sob o modelo jurídico-institucional de Fundo Público Especial de Natu-

reza Contábil (item 6.2.1.), por se tratar de modelo mais flexível para a política

de inovação no que tange à utilização de uma gama diversificada de instru-

mentos financeiros, dentro dos espectros reembolsáveis e não-reembolsáveis.

Além do conteúdo mínimo obrigatório, recomenda-se que a lei ordiná-

ria que crie o FNI preveja necessariamente os seguintes itens:

(i) Criação do Conselho Diretor do FNI, vinculado à Presidência da Re-

pública, disciplinando suas competências e os instrumentos de fi-

nanciamento disponíveis;

(ii) Segregação dos recursos na origem, afastando o regime jurídico de

aplicação dos recursos oriundos do FNDCT, FS e FUNTTEL;

(iii) Operação financeira mediante mera escrituração contábil;

(iv) Autorização de repasse de recursos do FNI, no todo ou em parte, para

um fundo de investimento financeiro, de natureza privada, adminis-

trado pela entidade gestora do FNI;

(v) Disposição expressa quanto à preservação de eventuais saldos rema-

nescentes na conta do FNI ao final de cada exercício financeiro;

(vi) Vedação expressa quanto ao eventual contingenciamento de recur-

sos do FNI;

(vii) Determinação para que as instituições financeiras que operam os re-

cursos dos Fundos Constitucionais apliquem, prioritariamente, 15%

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

413

(quinze por cento) das receitas repassadas anualmente em financia-

mentos de projeto de inovação;

(viii) Autorização para a constituição do Fundo de Inovação do Sistema Fi-

nanceiro Nacional, de natureza privada, bem como a autorização

para que este possa constituir fundos privados de investimento; e

(ix) Criação do benefício fiscal às instituições financeiras que invistam

em inovação (mecanismos de funcionamento, limites percentuais de

dedução a ser realizada e a obrigatoriedade da destinação dos recur-

sos obtidos ao Fundo de Inovação do Sistema Financeiro Nacional).

A incorporação das instituições privadas do Sistema Financeiro Nacio-

nal, especialmente os bancos múltiplos e comerciais no financiamento à ino-

vação, proposta no item 6.3.2, traz um elemento novo e decisivo para qualifi-

car este conjunto de medidas como a estruturação de um Novo Padrão de Fi-

nanciamento da Política de Inovação, tanto no que diz respeito ao volume de

recursos, quanto ao espectro de instrumentos e em especial ao novo modelo

institucional.

Conforme apresentado anteriormente, o potencial de recursos a serem

mobilizados com essas medidas será superior ao volume orçamentário dispo-

nibilizado em 2015, quando o FNDCT e PSI/BNDES/FINEP juntos aplicaram

mais de R$ 10 bilhões, e garantido por um modelo jurídico mais estável, con-

ferindo sustentabilidade à nova política.

Por fim, o modelo de governança sugerido no item 6.4 deve ser incorpo-

rado no novo marco legal de forma a garantir a coordenação estratégica da

aplicação de todos os recursos a serem mobilizados, respeitando-se a autono-

mia das instituições públicas e privadas. Reforça-se, por oportuno, a impor-

tância da vinculação do Conselho Diretor do FNI à Presidência da República.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 414

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tinados à pesquisa científica e tecnológica, e dá outras providências.

____. Anvisa. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 01/08.

____. Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. Convênio ICMS 93/98.

____. Decreto n° 2.783, de 17 de setembro de 1998. Dispõe sobre proibição de aquisi-

ção de produtos ou equipamentos que contenham ou façam uso das Substâncias que

Destroem a Camada de Ozônio - SDO, pelos órgãos e pelas entidades da Administra-

ção Pública Federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências.

____. Decreto n° 7.546, de 2 de agosto de 2011.

Regulamenta o disposto nos §§ 5o a 12 do art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de

_____. Decreto n° 7.709, de 3 de abril de 2012. Estabelece a aplicação de margem de

preferência nas licitações realizadas no âmbito da Administração Pública Federal

para aquisição de retroescavadeiras e motoniveladoras descritas no Anexo I, para

fins do disposto no art. 3o da Lei no8.666, de 21 de junho de 1993.

Disponível em: http://www.valor.com.br/opiniao/4419398/abertura-uma-questao-

de-sobrevivencia. Acesso em 28/03/2016.

em: http://www.bain.com/Images/WEF_Enabling_trade_valuing_growth_opportu-

nities_.pdf. Acesso em 28/03/2016.

Page 416: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 415

____. Decreto n° 7.746, de 5 junho de 2012. Regulamenta o art. 3o da Lei no 8.666, de

21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção

do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realizadas pela adminis-

tração pública federal, e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na

Administração Pública – CISAP.

____. Decreto n° 6.262, de 20 de novembro de 2007. Dispõe sobre a simplificação de

procedimentos para importação de bens destinados à pesquisa científica e tecnoló-

gica.

____. Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacio-

nal da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis

no 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho

- CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de

14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e re-

voga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.

____. Lei Complementar n° 147, de 7 de agosto de 2014. Altera a Lei Complementar no

123, de 14 de dezembro de 2006, e as Leis nos 5.889, de 8 de junho de 1973, 11.101, de

9 de fevereiro de 2005, 9.099, de 26 de setembro de 1995, 11.598, de 3 de dezembro de

2007, 8.934, de 18 de novembro de 1994, 10.406, de 10 de janeiro de 2002, e 8.666, de

21 de junho de 1993; e dá outras providências.

____. Lei Complementar n° 155, de 27 de outubro de 2016. Altera a Lei Complementar

nº 123, de 14 de dezembro de 2006, para reorganizar e simplificar a metodologia de

apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional; altera as Leis nºs

9.613, de 3 de março de 1998, 12.512, de 14 de outubro de 2011, e 7.998, de 11 de ja-

neiro de 1990; e revoga dispositivo da lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991.

____. Lei n° 10.176, de 11 de janeiro de 2001. Altera a Lei no 8.248, de 23 de outubro de

1991, a Lei n° 8.387, de 30 de dezembro de 1991, e o Decreto-Lei no 288, de 28 de feve-

reiro de 1967, dispondo sobre a capacitação e competitividade do setor de tecnologia

da informação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 416

____. Lei n° 10.865, de 30 de abril de 2004. Dispõe sobre a Contribuição para os Pro-

gramas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a

Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a impor-

tação de bens e serviços e dá outras providências.

____. Lei n° 8.248, de 23 de outubro de 1991. Dispõe sobre a capacitação e competiti-

vidade do setor de informática e automação, e dá outras providências.

____. Lei n°. 10.973, de 2 de dezembro de 2004. Dispõe sobre incentivos à inovação e à

pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo e dá outras providências.

____. Lei n°. 12.349, de 15 de dezembro de 2010. Altera as Leis nos 8.666, de 21 de ju-

nho de 1993, 8.958, de 20 de dezembro de 1994, e 10.973, de 2 de dezembro de 2004; e

revoga o § 1o do art. 2o da Lei no 11.273, de 6 de fevereiro de 2006.

____. Lei n°. 12.462, de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contrata-

ções Públicas RDC; altera a Lei no 10.683, de 28 de maio de 2003, que dispõe sobre a

organização da Presidência da República e dos Ministérios, a legislação da Agência

Nacional de Aviação Civil (Anac) e a legislação da Empresa Brasileira de Infraestru-

tura Aeroportuária (Infraero) ; cria a Secretaria de Aviação Civil, cargos de Ministro

de Estado, cargos em comissão e cargos de Controlador de Tráfego Aéreo; autoriza a

contratação de controladores de tráfego aéreo temporários; altera as Leis nos 11.182,

de 27 de setembro de 2005, 5.862, de 12 de dezembro de 1972, 8.399, de 7 de janeiro

de 1992, 11.526, de 4 de outubro de 2007, 11.458, de 19 de março de 2007, e 12.350, de

20 de dezembro de 2010, e a Medida Provisória no 2.18535, de 24 de agosto de 2001; e

revoga dispositivos da Lei no 9.649, de 27 de maio de 1998.

____. Lei n°. 13.243, de 11 de janeiro de 2016. Dispõe sobre estímulos ao desenvolvi-

mento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação e al-

tera a Lei no 10.973, de 2 de dezembro de 2004, a Lei no 6.815, de 19 de agosto de

1980, a Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011, a

Lei no 8.745, de 9 de dezembro de 1993, a Lei no 8.958, de 20 de dezembro de 1994, a

Lei no 8.010, de 29 de março de 1990, a Lei no 8.032, de 12 de abril de 1990, e a Lei no

2.772, de 28 de dezembro de 2012, nos termos da Emenda Constitucional no 85, de 26

de fevereiro de 2015.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 417

____. Lei n°. 8.032, de 12 de abril de 1990. Dispõe sobre a isenção ou redução de im-

postos de importação, e dá outras providências.

____. Lei n°. 8.402, de 8 de janeiro de 1992. Restabelece os incentivos fiscais que men-

ciona e dá outras providências.

____. Lei n°. 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Cons-

tituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pú-

blica e dá outras providências.

____. Medida Provisória, n° 495, de 19 de julho de 2010. Convertida na Lei n°

12.349/10.

____. Ministério da Fazenda e Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Portaria

Interministerial n° 977, de 24 de novembro de 2010.

____. Ministério da Saúde. Portaria n° 2.531, de 12 de novembro de 2014. Redefine as

diretrizes e os critérios para a definição da lista de produtos estratégicos para o Sis-

tema Único de Saúde (SUS) e o estabelecimento das Parcerias para o Desenvolvi-

mento Produtivo (PDP) e disciplina os respectivos processos de submissão, instru-

ção, decisão, transferência e absorção de tecnologia, aquisição de produtos estraté-

gicos para o SUS no âmbito das PDP e o respectivo monitoramento e avaliação.

____. Portaria MDIC, n° 241 de 2004. Estabelece grupo de trabalho para discutir a po-

lítica nacional de compensação comercial e tecnológica.

____. Receita Federal. Instrução Normativa IN-1.133/1.

____. Receita Federal. Instrução Normativa IN-1.133/11.

____. Receita Federal. Instrução Normativa IN-102/94.

____. Receita Federal. Instrução Normativa IN-799/07.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 418

_____. Decreto n° 7.713, de 3 de abril de 2012. Estabelece a aplicação de margem de

preferência nas licitações realizadas no âmbito da Administração Pública Federal

para aquisição de fármacos e medicamentos descritos no Anexo I, para fins do dis-

posto no art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.756, de 14 de junho de 2012. Estabelece a aplicação de margem de

preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de produtos de confecções, calçados e artefatos, para fins do disposto

no art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.767, de 27 de junho de 2012. Estabelece a aplicação de margem de

preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de produtos médicos para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666,

de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.810, de 20 de setembro de 2012. Estabelece a aplicação de mar-

gem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública fe-

deral para aquisição de papel-moeda, para fins do disposto no art. 3o da Lei no 8.666,

de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.812, de 20 de setembro de 2012. Estabelece a aplicação de mar-

gem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública fe-

deral para aquisição de veículos para vias férreas, para fins do disposto no art. 3º da

Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.816, de 28 de setembro de 2012. Estabelece a aplicação de mar-

gem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública fe-

deral para aquisição de caminhões, furgões e implementos rodoviários, para fins do

disposto no art. 3o da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.840, 12 de novembro de 2012. Estabelece a aplicação de margem

de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição 14 de perfuratrizes e patrulhas mecanizadas, para fins do disposto

no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

419

_____. Decreto n° 7.843, de 12 de novembro de 2012. Estabelece a aplicação de mar-

gem de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública fe-

deral para aquisição de disco para moeda, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº

8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 7.903, de 4 fevereiro de 2013. Estabelece a aplicação de margem de

preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e comunicação que

menciona.

_____. Decreto n° 8.184, de 17 de janeiro de 2014. Estabelece a aplicação de margem

de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e comunicação, para

fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 8.185, de 17 de janeiro de 2014. Estabelece a aplicação de margem

de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de aeronaves executivas, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº

8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 8.186, de 17 de janeiro de 2014. Estabelece a aplicação de margem

de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de licenciamento de uso de programas de computador e serviços cor-

relatos, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 8.194, de 12 fevereiro de 2014. Estabelece a aplicação de margem

de preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de equipamentos de tecnologia da informação e comunicação, para

fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

_____. Decreto n° 8.223, de 3 de abril de 2014. Estabelece a aplicação de margem de

preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de brinquedos, para fins do disposto no art. 3º da Lei nº 8.666, de 21

de junho de 1993.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 420

_____. Decreto n° 8.224, de 3 de abril de 2014. Estabelece a aplicação de margem de

preferência em licitações realizadas no âmbito da administração pública federal

para aquisição de máquinas e equipamentos, para fins do disposto no art. 3º da Lei

nº 8.666, de 21 de junho1993, e institui a Comissão Interministerial de Compras Pú-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 427

05 /MANUFATURA AVANÇADA NOS EUA

US NATIONAL NETWORK OF MANUFACTURING INNOVATION: A ESTRATÉGIA AMERICANA PARA A INDÚSTRIA AVANÇADA

SUMÁRIO EXECUTIVO

- Os Estados Unidos mantêm uma multiplicidade de instituições e pro-

gramas que dão origem a um dos mais eficientes e complexos sistemas

nacionais de inovação. Este capítulo analisa o mais novo programa do

governo norte-americano cujo objetivo é preparar a transição da indús-

tria para a manufatura avançada: o National Network of Manufacturing

Innovation (NNMI).

- O programa insere se num esforço de retomada da hegemonia norte-

americana em manufatura. Está diretamente associado ao desenvolvi-

mento econômico e social (emprego e renda) e à manutenção da lide-

rança tecnológica americana. Trata-se de um programa de pesquisa

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

428

aplicada, que visa a superação do chamado “vale da morte” e o aumento

da comercialização de produtos derivados de inovações tecnológicas.

- O programa foi elaborado e é coordenado diretamente pela Presidência

da República, por meio da assessoria econômica e do Office of Science

and Technology Policy (OSTP). Está fortemente baseado em uma articu-

lação entre Estado, universidades e empresas.

- A Casa Branca articulou um sistema de governança que, ao mesmo

tempo em que confere autonomia para o programa, mantém sua super-

visão e intervenção em casos de eventuais desvios de rota.

- Para a coordenação operacional, foram criadas secretarias de manufa-

tura avançada nos principais ministérios envolvidos: Departamentos de

Defesa, Energia e Comércio. Para a coordenação interministerial, foi cri-

ado um órgão ligado à Casa Branca que envolve secretários de ministé-

rios, o OSTP, universidades e empresas.

- O NNMI baseia-se em uma articulação público-privada. O governo fede-

ral, por meio dos ministérios, serve-se de editais para a constituição de

centros de inovação. Além disso, fornece subsídio direto, não reembol-

sável, de US$ 70 milhões em cinco anos para cada centro, e exige que os

consórcios vencedores aloquem pelo menos igual quantia para a manu-

tenção desses centros. Houve casos de alocação de contrapartida pri-

vada de US$ 250 milhões no lançamento do centro.

- O NNMI está inserido no sistema de inovação norte-americano, que

conta com agentes, instrumentos e programas diversificados, que co-

brem desde o financiamento à ciência até os programas de extensio-

nismo industrial. As políticas de inovação norte-americanas são forte-

mente orientadas a missões (mission oriented), ou seja, estão voltadas

para a superação de desafios considerados relevantes pela autoridade

pública. No âmbito do sistema de inovação, o NNMI destaca-se pela

busca do desenvolvimento da indústria de ponta, capaz de produzir e

expandir a fronteira da manufatura.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

429

- A forma de criação do programa é consistente com sua execução. Perso-

nalidades acadêmicas e líderes industriais discutiram e elaboraram as

propostas gerais. A assessoria da Presidência formula os objetivos, os

principais temas e os documentos que norteiam a elaboração de Request

for Information (RFI), guias que especificam o programa para as empre-

sas, universidades e demais atores. A partir dos RFI, são realizados se-

minários regionais que orientam a formatação final dos projetos e dos

futuros editais.

- A coordenação do programa é feita por um gabinete interdepartamen-

tal sediado no National Institute of Standars and Technology (NIST). No

entanto, cada departamento lida diretamente com os institutos que fi-

nancia, estabelecendo prazos, metas e agendas tecnológicas. Essa coor-

denação possui como função principal explicitar e assegurar as diretri-

zes da Casa Branca.

- O presente capítulo sugere ao governo brasileiro a criação de uma As-

sessoria Especial da Presidência da República, nos moldes do OSTP. O

novo órgão teria a responsabilidade de oferecer análises e informação

qualificada para a presidência, a partir de estudos e consultas a especi-

alistas, de modo a estimular os ministérios e as iniciativas mais relevan-

tes de apoio à inovação. Essa sugestão foi feita com a convicção de que

somente a permanência de um corpo profissional ligado ao centro do

poder da República conseguiria dar o senso de urgência e a prioridade

efetiva que a inovação e a tecnologia precisam ter no país.

- É também recomendação deste capítulo a criação de ambientes de pes-

quisa cooperativa, de estatuto público e privado, com características ex-

ploratórias, de disseminação, qualificação e de testes de tecnologias,

produtos e processos de manufatura avançada. Esses ambientes, inspi-

rados nos centros articulados pelo NNMI, permitiriam que empresas e

universidades, públicas e privadas, lidassem com problemas tecnológi-

cos e buscassem conjuntamente as soluções mais adequadas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

430

- O intercâmbio com centros de excelência internacional pode ajudar a

diminuir a distância que separa a indústria brasileira das práticas mais

avançadas que prenunciam fortes transformações no mundo da manu-

fatura, com impacto econômico e social significativo. Nesse sentido, a

formulação de programas de estímulo à internacionalização das empre-

sas brasileiras é fundamental. O ritmo das mudanças nos países avan-

çados dificilmente será alcançado pela indústria aqui instalada sem a

intensificação de sinergias, capazes de acelerar processos de absorção

de conhecimento.

- Este capítulo reforça também a convicção de que o esforço conjunto das

instâncias de governo, das universidades e das empresas é essencial

para a elevação da competitividade da indústria brasileira.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

431

Introdução

O presente capítulo apresenta as diretrizes, os objetivos e o funciona-

mento do programa norte-americano de manufatura avançada, conhecido

como National Network of Manufacturing Innovation (NNMI), estabelece algu-

mas referências e formula sugestões para o desenvolvimento da manufatura

avançada no Brasil. Além desta seção introdutória, o trabalho organiza-se em

quatro seções adicionais. A seção 2 oferece um panorama do sistema de apoio

à ciência, tecnologia e inovação (CT&I) ligado à indústria manufatureira nos

Estados Unidos, além de detalhar os procedimentos empregados para a reali-

zação da pesquisa de campo. A seção 3, por sua vez, descreve e analisa o pro-

grama de manufatura avançada em foco. Um breve detalhamento de um dos

centros em funcionamento, o Digital Manufacturing and Design Innovation

Institute (DMDII), com sede em Chicago, é apresentado na seção 4, que discute

as tendências de inovação nos Estados Unidos a partir da implantação do pro-

grama. A última seção do trabalho, por fim, sistematiza as principais conclu-

sões e recomendações da pesquisa.

Documentos oficiais do governo americano, de diversos ministérios, de

universidades e centros de pesquisa foram utilizados para sustentar as análi-

ses e recomendações aqui apresentadas. A seleção de instituições a serem vi-

sitadas definiu a estrutura das entrevistas e os gestores públicos, pesquisado-

res e entidades a serem consultados, levando em consideração a sua participa-

ção direta na formulação de políticas de desenvolvimento da manufatura

avançada, com destaque para o programa NNMI. As entrevistas incluíram a

assessoria do presidente dos Estados Unidos, na própria Casa Branca, o coor-

denador executivo do NNMI, responsáveis pela execução do programa em dois

ministérios, pesquisadores que participaram desde o início da concepção do

programa e acadêmicos que colaboraram com análises sobre a indústria

norte-americana.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

432

1. A emergência da rede de manufatura avançada

O investimento em CT&I nos Estados Unidos é um dos mais diversifica-

dos e amplos do mundo. Desde o relatório de Vannevar Bush, Science the En-

dless Frontier (1945), esse país coloca a ciência básica e o desenvolvimento tec-

nológico como centrais para a manutenção da competitividade da economia e

para a sua afirmação como liderança econômica e tecnológica mundial. Além

de dispor de um sistema de financiamento à CT&I altamente diversificado e

descentralizado, densa rede de universidades e laboratórios, os Estados Uni-

dos contam com um número expressivo de empresas que realizam atividades

na fronteira do conhecimento, definem tendências de tecnologia em áreas crí-

ticas, investem em pesquisa básica, aplicada e inovação em todos os níveis e

possuem uma rede de subsidiárias espalhadas pelo planeta. Não à toa, os EUA

possuem a economia mais inovadora do mundo.

A despeito de todo esse potencial de pesquisa e desenvolvimento, setores

empresariais e da academia sentem que o sistema de inovação norte-ameri-

cano perdeu energia nos últimos anos e tem enfrentado dificuldades para de-

senvolver produtos, processos e tecnologias capazes de gerar impactos positi-

vos no desempenho da economia. Uma das explicações elaboradas por analis-

tas do sistema americano sugere que embora o padrão de financiamento exis-

tente tenda a assegurar sua posição de potência científica, tem baixo impacto

na competitividade da indústria, no desenvolvimento da manufatura e, parti-

cularmente, na geração de empregos.

Exatamente por isso, o poder público estimula a criação de programas,

políticas e instituições que tenham como alvo a dinamização da indústria. O

setor industrial norte-americano, além de exibir uma produtividade decli-

nante, realizou forte transplante de unidades manufatureiras para países

emergentes, atraído pela perspectiva de custos mais baixos e acesso a enormes

mercados, como o chinês e o indiano.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

433

O programa norte-americano National Network of Manufacturing Inno-

vation começou a ser concebido em 2011 para ajudar a superar as dificuldades

de utilização do vasto conhecimento produzido pelo sistema de CT&I ameri-

cano para oxigenar e retomar o dinamismo da economia, servindo-se, em es-

pecial, de avanços tecnológicos inéditos, que abrem novos horizontes para os

processos de manufatura. A criação de novos ambientes de pesquisa, com ca-

racterísticas exploratórias, para o desenvolvimento de provas de conceito, tes-

tes e prototipagem foi estimulada pelo Governo Federal, de modo a levar em-

presas e universidades a compartilhar experiências e realizar projetos de co-

desenvolvimento, intensamente subsidiados. A NNMI impulsionou, assim, a

formação de institutos de inovação em manufatura, que despontam como

uma novidade no sistema nacional de inovação dos Estados Unidos.

Do ponto de vista do ambiente, o NNMI procura construir estruturas or-

ganizacionais ágeis e propícias à inovação, com equipes interdisciplinares,

flexíveis (não contam com um corpo técnico permanente) e vocacionadas para

a cooperação entre empresas, mesmo que concorrentes. Dois aspectos cha-

mam a atenção: primeiro, tanto nos documentos oficiais quanto nas entrevis-

tas, é salientado que a proposta do NNMI se inspirou na experiência alemã dos

Institutos Fraunhofer146, o que demonstra que os americanos reconhecem o

pioneirismo da indústria alemã, especificamente no que se refere à manufa-

tura avançada. Em segundo, o lugar especial que o programa NNMI ocupa nas

políticas públicas de inovação, o que justifica os cuidados que recebe do go-

verno federal.

146 Não se trata de aqui analisar o caso alemão, nem os Institutos Fraunhofer (o que será feito

em outro capítulo deste mesmo projeto). Apenas registramos que se trata de uma das institui-

ções mais importantes para o desenvolvimento de tecnologias orientadas para a resolução de

problemas das empresas, contando com financiamento em grande parte público. Sem dúvida

alguma, os Institutos Fraunhofer são um grande exemplo de estruturação de ambiente de pes-

quisa tecnológica aplicada, tendo como foco a manutenção e ampliação do poderio industrial

alemão.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

434

Como se sabe, os EUA possuem um sistema de financiamento de CT&I

poderoso e descentralizado, além de contar com instituições do porte da Nati-

onal Science Foundation (NSF) e com estruturas e sistemas setoriais como os

National Institutes of Health (NIH). Os americanos mantêm ainda uma indús-

tria de defesa que responde por um volume enorme de inovações e tecnologias

que ganharam a sociedade civil e todo o planeta. As encomendas públicas do

Departament of Defense (DoD, correspondente ao Ministério da Defesa no Bra-

sil), com o apoio fundamental de uma agência especializada em tecnologias

disruptivas (Defense Advanced Research Projects Agency - DARPA), assim

como de editais de outros Ministérios (como os de Energia, Comércio e Saúde)

ou de instituições como a Administração da Aviação Civil (FAA) ou a National

Aeronautics and Space Administration (NASA), movimentam orçamentos gi-

gantescos, que são utilizados de modo ágil e flexível no apoio à inovação. Mais

ainda, a rede de suporte à inovação conta também com uma série de institui-

ções e programas de incentivo direto, como o Small Businness Innovation Re-

search (SBIR) e o Manufacturing Extension Partneship (MEP – programa federal

de extensionismo industrial), além de programas estaduais e municipais.

Toda essa malha institucional, de perfil público, funciona há décadas

para fortalecer a pesquisa e a competitividade da economia americana,

mesmo não sendo oficialmente apresentada como fruto da atuação do Estado.

Com a proposta de criação de uma rede de institutos de manufatura

avançada, com focos tecnológicos diferentes, mas sempre orientados para

buscar a aplicação prática em empresas e a comercialização de produtos e pro-

cessos baseados nessas tecnologias, o NNMI nasceu – e assim era tratado pelo

governo de Barack Obama – para ser protagonista e transformar-se em sím-

bolo das políticas de inovação para a indústria do futuro. Por sua pretensão de

reestruturar a indústria (trazendo de volta uma parte da manufatura insta-

lada no exterior) e por sua operação descentralizada, tanto administrativa

quanto financeiramente, o NNMI desenvolve-se como fonte de novas tecnolo-

gias de produto e processo, com perspectivas de integração de indústria e ser-

viços, cujo impacto tenderá a se espraiar por toda a economia americana.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

435

2. Por dentro do projeto NNMI

O trabalho de campo teve como objetivo um entendimento mais apro-

fundado da iniciativa NNMI. Mesmo sendo um programa com documentação

aberta para o público, a observação in loco e as entrevistas com gestores envol-

vidos contribuíram para dimensionar a estratégia americana para a manufa-

tura avançada.

As instituições escolhidas para visitação estão diretamente ligadas aos

institutos do NNMI, seja na condução política, gerencial ou técnica. A escolha

dos locais para visitação foi baseada em recomendações da embaixada brasi-

leira em Washington, na literatura especializada e em contatos acadêmicos e

com movimentos empresariais (como o Council on Competitiveness).

O roteiro semiestruturado para as entrevistas ajudou a captar a novi-

dade da proposta, seu lugar no sistema de inovação e a atuação decisiva do se-

tor público e privado (o roteiro, com suas perguntas e dimensões, está no

Anexo 1).

Após as consultas, a seleção dos alvos a serem visitados obedeceu aos

critérios de pioneirismo, estado da arte em manufatura, nível das tecnologias

e disposição para realizar intercâmbio com o Brasil. Uma equipe formada por

um pesquisador sênior e um pesquisador de nível 1 (doutorando) visitou as se-

guintes instituições e entrevistou os seguintes profissionais:

Georgia Institute of Technology (Georgia Tech), Atlanta

Don McConnell, vice-presidente de cooperação com a indústria.

Consultas a Thomas Kurfess, Professor Titular que trabalhou na ela-

boração da proposta do NNMI junto à Casa Branca.

Departamento de Energia (DoE), Washington

Robert W. Ivester, Deputy Director, Advanced Manufacturing Office.

Eli Levine, Acting Director, Clean Energy Manufacturing Initiative.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

436

Elena Berger, Senior Adviser, International, Energy Efficiency and

Renewable Energy (formada na Escola Politécnica-USP em Engenha-

ria Química).

Lauren K, Joyce, International Affairs Specialist, Office of Interna-

tional Affairs.

Rhiannon Davis, Deputy Director, Office of American Affairs, Office

of International Affairs.

National Institute of Standards and Technology (NIST), instituição do

Department of Commerce (DoC), Washington

Michael F. Molnar, Director, NIST Advanced Manufacturing Office,

Advanced Manufacturing National Program Office.

Frank W. Gayle, Deputy Director, Advanced Manufacturing National

Program Office.

Magdalena Navarro, Senior International Program Manager, Inter-

national and Academic Affairs Office.

Council on Competitiveness, Washington

Willian Bates, Executive Vice-President & Chief of Staff.

Office of Science and Technology Policy (OSTP), Casa Branca (White

House).

Megan Brewster, Senior Advisor for Advanced Manufacturing, Exec-

utive Office of the President, OSTP.

DMDII – Digital Manufacturing and Design Innovation Institute

Jason Harris, Director, Corporate Engagement, UI Labs (entidade que

nucleia o DMDII).

MIT – Massachussets Institute of Technology

Randolph E. Kirchain, Principal Research Scientist, Materials Sys-

tems Laboratory, Institute for Data, Systems, and Society. Direção do

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

437

Lightweight Innovations for Tomorrow (LIFT), NNMI à época em

constituição.

Diane Soderholm, diretora responsável pela área de formação do The

American Institute for Manufacturing Integrated Photonics (AIM

Photonics).

Yashu Kauffman, responsável pelo AIM Academy Assessment.

Carlos Martinez-Vela, Director of Innovation Policy at the MTC's John

Adams Innovative Institute.

Rensselaer Polytechnic Institute (RPI)

John Wen, Professor Titular e Chefe do Departamento de Industrial

and Systems Engineering (ISE), que colaborou na formulação do

NNMI desde o princípio.

Lois S. Peters, Professora Associada, Lally School of Management, so-

bre inovação radical nas empresas americanas.

Gina C. O’Connor, Professora Titular e Vice-Diretora da Lally School

of Management, sobre inovação e as plataformas de negócios basea-

das em tecnologias disruptivas nas grandes empresas americanas.

Além das entrevistas acima citadas, os pesquisadores fizeram visitas

técnicas ao Office of Science & Technology Policies (da Presidência da Repú-

blica), ao NIST e à sede do Digital Manufacturing and Design Innovation Insti-

tute, de Chicago.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

438

3. Tendências nas políticas de inovação a partir do NNMI

3.1. A origem do projeto NMI

A análise detalhada do National Network of Manufacturing Innovation

deixa claro que o programa foi criado para enfrentar os desafios da recupera-

ção da competitividade da indústria americana por meio de uma transição

para a manufatura avançada.

Segundo dados oficiais do governo americano, a indústria vem per-

dendo a liderança mundial na exportação de produtos com alta densidade tec-

nológica. Os EUA continuam bem posicionados como desenvolvedores, mas

não mais como fabricantes de produtos. De 1994 a 2010, observa-se perda

ainda maior de sua liderança, com o crescente déficit norte americano na aqui-

sição de bens de alta tecnologia (PCAST, 2011).

Figura 1 – Balanço de pagamentos de produtos de alta tecnologia

Fonte: National Science and Technological Council, 2012.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

439

A figura 1 indica que, cada vez mais, os Estados Unidos são dependentes

de produtos importados de alta tecnologia. Mais grave do que o aumento de

gastos públicos e privadosé a perda da capacidade de produzir domestica-

mente, com a diminuição do estoque de conhecimento compartilhado entre

empresas e a concentração em grandes complexos. Na verdade, o esgarça-

mento do tecido industrial, com a migração de unidades produtivas para ou-

tros países, abre falhas no funcionamento da indústria, que perde poder de

integração, de intercâmbio técnico e mesmo de escala (com impacto na for-

mação de preços).

Especialistas como Pisano e Shih (2009) afirmam que, para restaurar a

competitividade americana, seria necessário o restabelecimento do que deno-

minam industrial commons147, isto é, capacidades coletivas de toda a cadeia de

conhecimento, que vão desde o desenvolvimento do conceito até a fabricação

do produto. Com o intenso outsourcing de atividades fabris para países com

menores custos de produção, os EUA perderam parcelas de sua capacidade de

manufatura e se especializaram na pesquisa e no desenvolvimento de produ-

tos e processos. Parte da diminuição de empregos industriais em solo ameri-

cano pode ser explicada por esses movimentos de “fuga para fora”.

Os institutos projetados pelo programa americano surgem como uma

tentativa de atuar na mediação entre o desenvolvimento e sua comercializa-

ção. Se utilizarmos as sugestões de classificação do Technology Readness Level

(TRL), como mostra a Figura 2, esse percurso estaria situado entre os níveis 4 e

147 “Ouvimos gestores racionalizar decisões de terceirização, dizendo que sempre podem re-

verter o curso se a qualidade do trabalho não é boa o suficiente, se as economias de custo an-

tecipadas se provarem efêmeras, se as complexidades da cadeia de abastecimento ou riscos

são muito grandes, ou se o trabalho acaba por ser mais estratégico do que se pensava inicial-

mente. Mas essa lógica negligencia o dano duradouro que a terceirização inflige não só na

própria capacidade de uma empresa, mas também sobre outras empresas que servem essa

indústria, incluindo fornecedores de materiais avançados, ferramentas, equipamentos de

produção e componentes. Chamamos essas capacidades coletivas de industrial commons” (PI-

SANO e SHIH, 2009; tradução própria).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

440

7, fase conhecida como o “vale da morte”, que concentra os maiores obstáculos

ao desenvolvimento de inovações e, por essa via, das próprias empresas.

Figura 2 – Vale da Morte

Fonte: PCAST (President’s Council of Advisors of Science and Technology), 2012.

A diminuição do tempo dispendido entre o surgimento de uma ideia e

sua transformação em produto comercializável é crucial para a competitivi-

dade das empresas e da economia. Os institutos do NNMI foram desenhados

exatamente para atuar nesse segmento, como se pode ver pela Figura 3. Com

foco no desenvolvimento tecnológico, na prototipagem, testes e transferência

para as empresas, os institutos procuram fazer a mediação entre o governo e

academia, de um lado, e as empresas, de outro lado, para que todo o potencial

de desenvolvimento tecnológico do país seja aproveitado (Cf. estudo do Presi-

dent’s Council of Advisors of Science and Technology – PCAST, 2014).

A Figura 3 mostra também as diferenças de ênfase no que é trabalhado

prioritariamente pelas distintas instituições. O financiamento do governo fe-

deral concentra-se, em grande medida, na pesquisa básica, tendo a National

Science Foundation (NSF) como principal agência financiadora. A pesquisa

mais adequada para o setor industrial é a aplicada, que se concentra, por sua

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

441

vez, em desafios de engenharia mais definidos. O NNMI não trabalha com a

ideia de que um tipo de pesquisa é mais necessário do que outro, mas enfatiza

que essas atividades não formam necessariamente uma sequência natural,

questionando o tradicional modelo linear de desenvolvimento tecnológico.

Dessa maneira, advoga que assim como a pesquisa básica pode ajudar a resol-

ver problemas da indústria, técnicas da produção podem pautar uma agenda

de pesquisa básica.

Figura 3 – Foco do NNMI

Fonte: NIST- GeorgiaTech, 2014.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

442

3.2. Arcabouço institucional e governança do programa

Os institutos que conformam o NNMI aparecem no sistema de inovação

norte-americano como elo entre a pesquisa acadêmica e a aplicação indus-

trial. A rede sustenta uma iniciativa em favor da inovação, com governança e

financiamento ainda em fase de experimentação. É consenso que a aborda-

gem do NNMI se inspirou nas atividades dos Institutos Fraunhofer, mas o for-

mato americano, inclusive em função das modificações na regulamentação

inseridas pelo Congresso, apresenta diferenças em relação ao modelo alemão.

Cabe ressaltar que o ponto de partida para a estruturação do NNMI foi

um levantamento das melhores experiências mundiais, no qual se destacou a

alemã. A preocupação do governo Barack Obama com a questão da recupera-

ção da capacidade manufatureira dos Estados Unidos tomou a forma de uma

grande ação congressual para garantir orçamento para a pesquisa e desenvol-

vimento. No entanto, é importante registrar que o arcabouço institucional que

orienta os institutos se inicia no governo George W. Bush, com o America Com-

pete Act, de 2007, cujo objetivo era a coordenação de várias agências america-

nas de modo a canalizar recursos para a inovação, inclusive com a criação de

um escritório para tratar especificamente da política tecnológica do go-

verno148.

148 Segundo o documento do programa: “no prazo máximo de 180 dias após a data da promul-

gação desta Lei, o Presidente convocará uma Cúpula Nacional de Ciência e Tecnologia para

examinar a saúde e a direção das iniciativas em ciência, tecnologia, engenharia e matemática

dos Estados Unidos. A Cúpula deve incluir representantes da indústria, empresa de pequeno

porte, trabalhadores, academia, governos estaduais, agências federais de pesquisa e desenvol-

vimento, grupos de política energética e ambiental sem fins lucrativos preocupados com as

questões de ciência e tecnologia, e outras organizações não-governamentais, além de repre-

sentantes de organizações e associações da ciência, tecnologia e engenharia que representem

indivíduos identificados na seção 33 ou 34 da Lei da Igualdade de Oportunidades em Ciência e

Engenharia” (EUA, 2007, tradução própria).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

443

Já no governo Obama, o America Compete Reauthorization Act, em sua

seção 102, apresenta a seguinte disposição:

“SEC. 102. Coordenação Pesquisa e desenvolvimento em manufa-

tura avançada. (A) Comitê Interinstitucional - O Diretor deve criar

ou designar um Comitê de Tecnologia no âmbito do Conselho Na-

cional de Ciência e Tecnologia. A Comissão será responsável por

planejar e coordenar programas federais e atividades de pesquisa

e desenvolvimento em manufatura avançada. (B) Responsabilida-

des da comissão - A Comissão deverá: (1) coordenar os programas

e atividades de pesquisa e desenvolvimento em manufatura avan-

çada das agências federais; (2) estabelecer metas e prioridades

para a pesquisa e desenvolvimento em manufatura avançada que

irão fortalecer a manufatura dos Estados Unidos” (EUA, 2010, tra-

dução própria).

A lei permite, portanto, que se crie um grupo de prospecção tecnológica

e um comitê de planejamento e coordenação da política federal de manufa-

tura avançada. Com suporte legal, o Office of Science and Technolony Policy

(OSTP, órgão sediado na Casa Branca) é incumbido de detalhar um programa

para o desenvolvimento da manufatura avançada sob coordenação direta do

Executive Office of the President (EOP)149. Nessa posição, cabe ao OSTP a propo-

149 O EOP tem como função aconselhar o presidente nos temas de cada office, bem como esta-

belecer uma conexão entre a Casa Branca e a sociedade civil. Essa estrutura trabalha de forma

direta com a presidência, sendo gerida pelo Chief of Staff da Casa Branca. Sua função primor-

dial o aconselhamento da Presidência da República, não tendo poder de decisão como os De-

partamentos (ministérios, que são chamados Cabinet Level). A importância do EOP depende

do quanto a Presidência faz uso de seus aconselhamentos. Considerando o esforço do governo

norte-americano de fazer a proposta dos institutos e da manufatura avançada tornarem-se

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 444

sição e formulação de políticas públicas de CT&I, na condição de assessoria di-

reta do presidente da República (a presidência do OSTP é indicada pela Presi-

dência da República e sua aprovação depende de voto favorável do Senado).

Dessa movimentação, surge em 2011 o primeiro documento produzido

pelo President’s Council of Advisors of Science and Technology (PCAST), que

apresenta a manufatura avançada como um meio para assegurar a liderança

norte-americana em tecnologia e elevar a competitividade da economia. Após

o relatório do PCAST, outro documento, produzido pelo National Science and

Technology Council (NSTC), também evidencia a importância da manufatura

avançada. Esses dois comitês (PCAST e NSTC) estão sob o controle do OSTP,

como mostra a Figura 4, sendo, portanto, partes integrantes da estrutura de

interlocução da Casa Branca para temas relacionados com ciência e tecnolo-

gia, internamente e com a sociedade como um todo, sendo ambos chefiados

pela mesma autoridade150.

O PCAST é integrado por membros do governo e da sociedade e ocupa-se

do desenvolvimento das políticas para a manufatura avançada. Por reunir

pessoas de diferentes segmentos sociais em torno de assuntos transversais

com o objetivo de recomendar políticas para o presidente, constitui-se em ins-

tituição importante no cenário norte-americano 151.

uma realidade, podemos concluir estar o OSTP com um grau significativo de prestígio dentro

da estrutura da presidência.

150 O NSTC reúne membros de todos os departamentos (ministérios) e agências do governo

para debater as questões relacionadas com ciência e tecnologia. O PCAST, por sua vez, possui

objetivos similares aos do NSTC, mas é composto por membros notáveis da comunidade aca-

dêmica e da indústria.

151 É importante salientar que as reuniões do PCAST são transmitidas ao vivo via internet e

disponibilizadas no site da Casa Branca (https://www.whitehouse.gov/administra-

tion/eop/ostp/pcast/meetings/webcasts). Congregando membros notáveis da comunidade

científica e empresarial em reuniões abertas, o PCAST consegue atribuir a suas propostas

certo grau de consenso, importante para a legitimação das políticas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 445

Figura 4 – Organograma do OSTP

Fonte: SARGENT & SHEA, 2014

O office responde pela elaboração de políticas que dizem respeito à CT&I

e pelo diálogo com a academia e o empresariado que valida e dá legitimidade

às suas propostas. Observou-se que o convite para participação em uma reu-

nião do PCAST é tomado pelas personalidades como um reconhecimento pro-

fissional de sua qualidade e estatura. Dessa forma, o PCAST assegura a inter-

locução com especialistas extragoverno, ao mesmo tempo que confere legiti-

midade às propostas formuladas. Além da transparência na formulação de po-

líticas públicas, a alta qualificação dos gestores designados para acompanhar

os programas facilita sua condução e a avaliação de seus resultados.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

446

Em 2012, o PCAST desenvolveu a proposta dos institutos de inovação em

manufatura, que deu base para o Revitalize American Manufacturing and In-

novation Act, aprovado pelo Congresso em 2014. Nessa lei, os institutos são

definidos da seguinte maneira:

“ESTABELECIMENTO DO PROGRAMA REDE PARA INOVAÇÃO EM MANU-

FATURA: (1) GERAL - O secretário estabelecerá dentro do Instituto um

programa a ser conhecida como a "Programa Rede para Inovação Manu-

facturing" (referida nesta seção como o "Programa"). (2) OBJETIVOS DO

PROGRAMA - Os objetivos do Programa são- (A) aprimorar a competiti-

vidade da manufatura dos Estados Unidos e aumentar a produção de

bens manufaturados predominantemente nos Estados Unidos; (B) esti-

mular a liderança dos Estados Unidos em pesquisa em manufatura

avançada, fabricação, inovação e tecnologia; (C) facilitar a transição de

tecnologias inovadoras em capacitações de fabricação de alto desempe-

nho, escalável e de baixo custo, e; (D) facilitar o acesso das empresas ma-

nufatureiras à infraestrutura de capital intensivo, incluindo eletrôni-

cos e computação de alta performance, e às cadeias de fornecimento que

permitem essas tecnologias; (E) acelerar o desenvolvimento de uma

força de trabalho em manufatura avançada; (F) facilitar a troca entre

pares e da documentação de melhores práticas na abordagem dos desa-

fios da manufatura avançada; (G) alavancar fontes não federais de

apoio para promover um modelo de negócio estável e sustentável sem a

necessidade de financiamento federal de longo prazo; e (H) criar e pre-

servar postos de trabalho” (EUA, 2014, tradução própria).

A elaboração da proposta pelo PCAST ajudou a dar qualidade técnica e

representatividade ao programa. Mesmo assim, o Congresso Americano efe-

tuou mudanças no texto inicial, principalmente no que tange ao financia-

mento do NNMI. A proposta original previa um financiamento próprio para os

institutos que foi vetado pelos congressistas, o que forçou o governo a utilizar

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

447

o orçamento já aprovado para o ano fiscal dos Departamentos de Defesa, do

Comércio e de Energia.

3.3. Os institutos: criação, funcionamento e avaliação

O objetivo central dos institutos é a criação de ambientes de pesquisa

aplicada cooperativos, no qual empresas, universidades e órgãos do Estado di-

vidirão o risco de investimentos tecnológicos ainda em maturação para ala-

vancar a possibilidade de comercialização e diminuir a queda das empresas

nas armadilhas do “vale da morte”.

Atualmente, estão em operação ou em vias de finalização nove institu-

tos, selecionados a partir de edital que prevê que o governo federal, via DoD,

DoE ou DoC, pode investir US$ 70 milhões em subsídio direto, não reembolsá-

vel, e um consórcio de entidades (empresas, universidades, centros da socie-

dade civil, governos estaduais e municipais etc.) deve aplicar ao menos quan-

tia igual para se qualificar para a disputa. Sem considerar os institutos em

processo de licitação152 no momento da redação do presente capítulo, temos os

seguintes institutos operando ou já aprovados:

- America Makes: The National Additive Manufacturing Innovation

Institute. Situado em Yongstown (Ohio), o America Makes foi pri-

meiro instituto a ser inaugurado. Seu foco é a manufatura adi-

tiva, impressão 3D, design e pesquisa em novos materiais.

- Digital Manufacturing and Design Innovation Institute (DMDII).

Situado em Chicago (Illinois), o DMDII busca a criação de compe-

tências em tecnologias digitais. De todos os institutos, é o mais

152 Há duas propostas com temas em aberto a serem escolhidas pelo DoC, duas chamadas con-

duzidas pelo DoD (para um instituto de robótica e outro com foco em biofabricação de tecidos),

e uma pelo DoE para um instituto de energia limpa com o intuito de redução de emissões.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

448

consolidado, contando com sede própria e grande número de em-

presas atuando.

- Lightwheight Innovations for Tomorrow (LIFT). Como um consór-

cio de várias universidades, o LIFT instalou sua gestão na Univer-

sidade de Michigan e conta com pesquisadores do MIT. Seu foco é

a pesquisa em metais leves.

- PowerAmerica. Situado em Raleigh (Carolina do Norte), seu foco é

a produção de semicondutores de alto desempenho.

- The Institute for Advanced Composites Manufacturing (IACM). Se-

diado em Knoxville (Tenessee), seu objetivo é a criação de proces-

sos de manufatura baseados em compósitos avançados.

- American Institute for Manufacturing Integrated Photonics (AIM

Photonics). O AIM Photonics é um consórcio gerido por várias uni-

versidades, tendo como instituição líder a Politécnica da State

University of New York (SUNY)153. Seu foco é a aplicação de fotô-

nica.

- The Flexible Hybrid Eletronics Manufacturing Innovation Institute

(NextFlex). Sediado em San Jose (Califórnia), conta com equipes

da GeorgiaTech e do MIT. Seu foco é o desenvolvimento de eletrô-

nicos híbridos.

- Advanced Functional Fabrics of America (AFFOA). Sediado no

MIT, esse instituto tem como objetivo a fabricação de fibras para

tecidos inteligentes.

- Clean Energy Smart Manufacturing Innovation Institute. É o ins-

tituto mais recente, sediado em Los Angeles (Califórnia). Seu

153 O estado de Nova Iorque entrou no consórcio com US$ 250 milhões, garantindo a localiza-

ção da sede numa região industrialmente degradada situada na parte norte do seu território.

Page 450: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

449

foco será a criação de energia limpa, tendo em vista as necessi-

dades da indústria avançada.

Da proposta inicial, que prevê a criação de 45 institutos, o governo norte-

americano conseguiu até o momento encaminhar 15 institutos, que deverão

estar em funcionamento, em estágios de desenvolvimento diferentes, até o fi-

nal do mandato do presidente Obama, em fins de 2016.

A criação de um instituto começa com a elaboração de uma demanda

pública, sempre em sintonia com as estratégias centrais do governo. Após a

formulação da demanda, segue-se um procedimento chamado Request for In-

formation (RFI), no qual um Departamento manifesta sua intenção de criar um

instituto sobre determinado tema. Este RFI fica disponível para o público em

site na internet que contém todas as oportunidades de financiamento em C&T

dos Estados Unidos, assim como uma detalhada descrição do tipo de atividade

que se deseja para o instituto e as informações procedimentais de financia-

mento.

Segue-se a esse documento (RFI) um evento chamado Proposer’s Day, no

qual o Departamento que possui interesse em estabelecer um instituto con-

voca uma reunião na qual são fornecidas informações e debatidas as propos-

tas e objetivos idealizados com possíveis criadores de consórcios. Trata-se de

um evento que discute tópicos técnicos e administrativos para postular a cri-

ação de um instituto. Na prática, isso significa que a proposta final formulada

para um instituto apenas se completa após debates com o público diretamente

interessado. Além disso, essas reuniões podem ser ponto de encontro de pes-

soas de universidades e empresas interessadas nas questões tecnológicas e de

mercado relacionadas aos temas em evidência, o que tende a favorecer a for-

mação de redes e a aglutinação de competências. Em geral, uma proposta é

considerada forte quando consegue atrair a liderança de pelo menos uma

grande empresa. Um consórcio formado para a criação de um instituto, por

sua vez, será mais forte na medida em que conte com grandes empresas e uni-

versidades de excelência. Uma vez que a proposta do NNMI tem como objetivo

principal gerar ganhos de competitividade, é explícita, no documento que

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

450

lança a iniciativa, a ideia de que a presença de empresas no consórcio é crucial

para se vencer o edital. Ao mesmo tempo, a presença de grandes empresas é

garantia do aporte inicial de capital necessário para conseguir o suporte fi-

nanceiro público, o que dificilmente poderia ser atingido em um consórcio

com universidades e empresas de portes médio e pequeno154. Na prática, os

consórcios que administram os institutos são liderados por instituições que já

possuíam alguma relação prévia, ou já atuavam em rede, em geral grandes

empresas e universidades de ponta, com participação menor de médias e pe-

quenas empresas.

No entanto, mesmo para as pequenas empresas ou universidades não

tão destacadas, a vantagem da participação nos institutos reside no contato

com tecnologias de ponta, com técnicos e pesquisadores avançados, além de

poderem acessar projetos, estratégias e um universo de conhecimento em ma-

nufatura. Desta forma, ainda que as pequenas e média empresas, bem como

as universidades, não tenham o controle do instituto, sua participação as co-

loca em contato com grandes players do mercado e da pesquisa tecnológica.

Isso significa que uma das grandes vantagens dos institutos é a criação de um

ambiente de aprendizado que favorece a todos os participantes, independen-

temente da cota de participação adquirida.

3.4. Funcionamento interno

Conforme dito anteriormente, o propósito principal dos institutos é a

constituição de ambiente compartilhado entre pessoas de universidades e em-

presas com o objetivo de resolver conjuntamente problemas da indústria. Esse

intuito revela-se na escolha dos projetos que serão conduzidos por cada insti-

tuto. Ainda que os níveis de influência e as formas de atuação variem de

154 Há também situações nas quais pessoas com passagens por grandes empresas, mas atual-

mente na universidade, fazem o papel de promotores da proposta da academia, contando com

a vantagem de ter passado pelo mundo empresarial para angariar membros.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

451

acordo com a cota de participação adquirida junto ao consórcio, todos os mem-

bros podem propor projetos de pesquisa. No entanto, para uma proposta ser

levada à frente, deve contar com um patrocinador que seja membro de maior

cota de participação (Tier 1). Essa forma de atuação faz com que os projetos a

serem realizados pelos institutos guardem estreita relação com as necessida-

des das maiores empresas que fazem parte do consórcio e que, objetivamente,

são grandes players na economia americana. Trata-se de uma vantagem para

todas as empresas, que terão a chance de dividir o risco do investimento em

pesquisa e desenvolvimento com o governo e com outras empresas, bem como

acessar, em um mesmo ecossistema de inovação, diferentes empresas e nú-

cleos de pesquisa.

Como os institutos nascem com a ideia de buscar a aplicação de tecno-

logias, a definição e a condução empresarial dos projetos é um dos alicerces da

estrutura. No entanto, como grande financiador e desenvolvedor das propos-

tas, os Departamentos cumprem a função de supervisão técnica dos institutos.

Assim, mesmo que formalmente não haja interferência governamental na

condução das pesquisas, os institutos orientam-se pelas diretrizes dos Depar-

tamentos. Pode-se afirmar, portanto, que a definição do que será pesquisado

dentro do instituto é resultado de uma negociação entre os membros mais in-

fluentes do consórcio e o Departamento financiador.

É interessante notar que, desde o lançamento da proposta pelo PCAST,

passando pelos RFI criados pelos Departamentos, o papel dos offices e da Casa

Branca é o de financiar e sinalizar qual será o conteúdo tecnológico dos insti-

tutos, sem estabelecer metas nem exercer pressão pelo seu cumprimento coti-

diano. Essa função de supervisão dos institutos fica a cargo do Ministério fi-

nanciador, que possui orçamento próprio para financiar pesquisas de seu in-

teresse, seguindo a descentralização que caracteriza as políticas de C&T dos

EUA. No entanto, a entidade que exerce a coordenação geral do programa está

sempre presente e atua para fazer cumprir as diretrizes centrais definidas

pela Casa Branca. O Advanced Manufacturing National Program Office (AM-

NPO), sediado no National Institute of Standards and Technology (NIST), é o

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

452

responsável pela coordenação geral. A criação desse office deveu-se ao fato de

não haver muita interlocução entre os diversos departamentos, constituindo-

se o AMNPO em ambiente de supervisão dos vários atores do governo, bem

como em representação da Casa Branca155.

Alguns entrevistados salientaram a falta de capacidade e tradição dos

ministérios em trabalharem juntos, limitando a sua atuação aos institutos que

financiam. Tanto o DoE quanto o DoD possuem offices de manufatura avan-

çada próprios, que além de promover a celebração de acordos com empresas e

universidades, lidam também com os institutos. A entrevista no office de ma-

nufatura avançada do DoEr evelouque o ministério está aprendendo a lidar

com os institutos e que não havia ainda uma forma estabelecida de avaliação

de desempenho. Segundo um entrevistado, pretende-se observar como os ins-

titutos caminham, e não lidar com eles da mesma forma que com os national

labs. Os national labs do DoE (17 laboratórios em áreas de alta tecnologia) são

estruturas de pesquisa geridas pela iniciativa privada, financiadas, em larga

medida, pelo ministério de Energia. Talvez a maior diferença do NNMI para os

national labs seja a presença de uma equipe fixa, em contraposição à rotativi-

dade de pessoal nos labs. É possível entender o NNMI como um ambiente de

pesquisa mais aplicada, ao passo que os national labs ocupam-se de pesquisa

básica.

O AMNPO é composto por representantes dos Departamentos, pelo

OSTP, por membros de outras esferas do governo federal (NASA, National Sci-

ence Foundation), universidades e empresas convidadas. É sediado no NIST

(DoC), que está envolvido no programa desde o seu início156. O papel do AMNPO

155 Uma entrevistada no AIM Photonics revelou que a cada seis meses um representante do

DOD faz uma vistoria, mas não há, pelo menos ainda, cobranças em torno de resultados. Essa

informação indica que a função de observar cotidianamente os institutos fica a cargo do De-

partamento financiador, e não da AMNPO, responsável pela coordenação geral do programa.

156 Vale mencionar que foi entrevistado o coordenador geral do programa, diretor do AMNPO,

Mike Molnar.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

453

é de coordenação geral do programa e dos investimentos federais, arbitrando

eventuais conflitos entre departamentos. Por exemplo, mais de um entrevis-

tado comentou que houve propostas de criação de institutos semelhantes aos

que já haviam sido aprovados, tendo cabido ao ANMPO atuar junto aos depar-

tamentos proponentes para que mudassem o seu foco. Ainda, o AMNPO, sus-

tentado politicamente pela Casa Branca, garante que os departamentos se em-

penhem na execução do programa do NNMI.

O AMNPO não tem influência interna direta nos institutos, sendo a con-

dução cotidiana feita pelas instituições Tier 1 que compõem a coordenação de

cada unidade, com participação de representante do departamento financia-

dor. Os institutos possuem grande liberdade de ação, não havendo um con-

trole formal por parte do governo em ditar o que deve ser pesquisado. Embora

os projetos dependam do interesse das empresas, o representante do departa-

mento financiador no corpo diretivo do instituto tem uma opinião de peso e

conta com uma espécie de poder de veto, uma vez que os departamentos são

grandes contratantes de pesquisa. Tendo em vista que os consórcios que con-

duzem os institutos são constituídos a partir de relações previamente existen-

tes, tanto do ponto de vista pessoal quanto institucional, não há maiores difi-

culdades em vislumbrar os potenciais membros líderes de um futuro instituto.

O sistema nacional de inovação dos Estados Unidos é bastante complexo, com

tradição de projetos conjuntos entre órgãos do Estado, universidades e empre-

sas. Por exemplo, um dos entrevistados vinculado ao RPI (a escola de engenha-

ria mais antiga dos EUA, cuja reitora foi convidada para participar de reunião

inicial que discutiu a ideia de política de manufatura avançada) afirmou que

muitas grandes empresas não realizam technological roadmaps (TRMs), pois

departamentos como os de Defesa e Energia já os realizam. As empresas se-

guem o planejamento desses departamentos, pois sabem que são eles que ori-

entam investimentos e compras governamentais.

Como cada projeto tem financiamento próprio, bancado por uma ou

mais empresas, estas possuem voz para designarem os projetos de pesquisa a

serem conduzidos, tendo como base a estrutura de cotas de participação, que

demarca a possibilidade de ação de cada membro. Essa forma de atuação dos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

454

departamentos e das empresas (financiamento conjunto de projetos de pes-

quisa) é time-consuming, pois a construção do consórcio demanda diálogo e

tranquilidade para a superação de eventuais dificuldades – como os acordos

de propriedade intelectual. Houve casos em que essas negociações se arrasta-

ram por mais de 12 meses.

3.4.1. O caso do instituto de manufatura avançada de Chicago

Um dos institutos mais bem estabelecidos do NNMI, o DMDII é fruto de

parcerias já existentes a partir de relações construídas em torno da Universi-

dade de Illinois. Por ocasião do lançamento do RFI que daria origem ao DMDII,

essas parcerias foram formalizadas em um consórcio chamado UI Labs, que

tinha como função a gestão de projetos de pesquisa. Com o apoio da prefeitura

de Chicago, a GE entrou como uma das grandes empresas patrocinadoras da

proposta, que também contou com a Procter & Gamble, Dow, Lockheed Martin,

Rolls-Royce, Siemens, Boeing, Deere, Caterpillar, Microsoft, Illinois Tool Works

e PARC157. Cada um dos participantes de Tier 1 investiu US$ 400.000 ao ano no

consórcio como cota (ver tabela 1).

157 Usualmente, a participação no programa é restrita a empresas americanas. Porém, por

pragmatismo, empresas como a Siemens e a Rolls Royce, dado o seu poder tecnológico e de

mercado e a sua forte participação no programa alemão Industrie 4.0, foram aceitas no Insti-

tuto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

455

Tabela 1 – Regra para participação no DMDII

Regras para entrada no Instituto: Indústria

• TIER 1: 5 anos de envolvimento, taxa anual de US$ 400 mil, aporte de ao menos US$ 3 milhões em projetos; assento no comitê executivo e técnico; desenvolvimento da agenda do instituto; uso de propriedade intelectual sem royalties para uso interno e externo; participação nos projetos de P&D.

• TIER 2: 5 anos de envolvimento, taxa anual de US$ 200 mil; representação no comitê executivo e assento no comitê técnico; propriedade intelectual sem royalties para uso interno; participação nos projetos de P&D.

• TIER 3: 5 anos de envolvimento, taxa anual de US$ 500; participação nos projetos de P&D.

Regras para entrada no Instituto: Academia

• TIER 1: investimento de US$ 5 milhões em cinco anos; assento no comitê executivo e técnico; desenvolvimento da agenda do instituto; uso da propriedade intelectual sem royalties para uso interno e externo; participação nos projetos de P&D.

• TIER 2: investimento de US$ 2 milhões em cinco anos; representação no comitê exe-cutivo e assento no comitê técnico; propriedade intelectual sem royalties para uso in-terno; participação nos projetos de P&D.

• TIER 3: representação no comitê executivo e técnico; investimento de US$ 1 milhão em cinco anos.

• TIER 4: representação no comitê técnico; taxa anual de US$ 500.

Fonte: DMDII.

Dessa forma, com relações antigas já estabelecidas dentro da universi-

dade, a participação da prefeitura e a presença de grandes empresas, a pro-

posta do UI Labs conseguiu se sagrar vencedora. Hoje o DMDII conta com mais

de 400 membros, tendo oferecido uma contrapartida de US$ 250 milhões para

os US$ 70 milhões alocados pelo governo federal. Vale destacar a forma de atu-

ação do instituto, com um processo sequencial que busca dar conta de uma

solução específica: definição de problema, desenho da parceria, desenvolvi-

mento da solução, demonstração do impacto da solução e escalonamento (fi-

gura 5).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

456

Figura 5 – Forma de atuação do DMDII

Fonte: UI Labs, 2015.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

457

3.5. Emprego e qualificação

As iniciativas de recuperação da manufatura americana foram pensa-

das em sintonia com a criação de empregos, cabendo aos institutos o necessá-

rio treinamento da mão de obra. No entanto, os institutos treinarão principal-

mente técnicos e engenheiros, uma vez que, em todas as iniciativas, a criação

de competências gira em torno de tecnologias muito avançadas, ainda em pe-

ríodo de maturação, o que não aponta para uma política de recuperação signi-

ficativa do emprego industrial.

O MIT, por exemplo, participa do AIM Photonics especificamente na

parte de treinamento. A partir das entrevistas realizadas e do material anali-

sado, foi possível perceber que os cursos são voltados basicamente para enge-

nheiros. Essa realidade incomoda os gestores públicos, na medida em que

tende a retirar legitimidade do discurso de recuperação do emprego industrial

que muito fortaleceria o programa.

3.6. Avaliação

Foi recorrente, nas entrevistas, a ênfase no caráter experimental do

NNMI, não havendo ainda nenhuma metodologia estabelecida para avaliação

dos institutos. É possível, contudo, destacar duas visões acerca dessa questão:

i) a visão do consórcio que gerencia o instituto (ênfase no aspecto financeiro):

busca a sustentabilidade da iniciativa e tem no horizonte a comercialização

das tecnologias produzidas; espera a continuidade do programa e a alocação

de novos subsídios; ii)o ponto de vista do coordenador público do NNMI (o AM-

NPO), que enfatiza a importância da adesão de instituições e o esforço de rees-

truturação da indústria: o crescimento do número de membros, independen-

temente da cota adquirida, é sinal de vitalidade da proposta.

É importante registrar, porém que, até o momento, nenhum instituto

possui sustentabilidade garantida e que ainda não foi produzida nenhuma

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

458

aplicação ou tecnologia com potencial de impacto no mercado. Além das in-

certezas devido às eleições presidenciais, pois há a noção de alguns dos entre-

vistados de que se trata de uma política com a marca pessoal do presidente

Obama, gerando dúvidas sobre sua continuidade sob outra administração, o

maior teste aos institutos é a sustentabilidade de suas atividades depois dos

cinco anos previstos de investimento federal. Uma vez que o Congresso não

autorizou financiamento próprio para o programa, coube aos departamentos

reservar parte de seu orçamento para essa finalidade. A forma estabelecida,

até U$ 70 milhões divididos em cinco anos, coloca desafios para a sustentação

dos institutos. Além de não haver a certeza de que haverá dinheiro suficiente

para conseguir o pareamento do investimento público, questiona-se se cinco

anos seriam suficientes para a que as tecnologias a serem desenvolvidas con-

sigam passar para o estágio de comercialização. Um dos entrevistados, por

exemplo, afirma que a quantia estipulada seria mais bem aproveitada se par-

celas menores fossem distribuídas ao longo de dez anos.

Como os institutos mais consolidados sugerem, a sustentabilidade da ini-

ciativa associa-se muito mais ao tamanho dos consórcios de empresas e uni-

versidades do que à garantia do financiamento federal. Claro que os recursos

públicos são elementos cruciais nessa empreitada, mas são os membros de

empresas e universidades que conduzem o cotidiano dos institutos, que não

contam com pessoal do governo.

É fundamental que as avaliações e análises sobre as experiências do

NNMI sejam realizadas através de lentes de médio e longo prazo, pois esse é o

ritmo do desenvolvimento tecnológico. O projeto em curso procura reunir, em

um ambiente compartilhado, competências empresariais e acadêmicas para

desenvolver processos de manufatura avançada. Trata-se de um esforço con-

junto público e privado que pode servir de inspiração para o Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

459

Considerações finais

A despeito das diferenças entre os dois países, a experiência do NNMI

nos EUA chama a atenção para algumas questões relacionadas à indústria bra-

sileira. Destacam-se, a seguir, três pontos considerados importantes para as

políticas públicas em inovação no Brasil.

1. A centralidade do OSTP na formulação da política de inovação

A diversificação do sistema de inovação americano, a ousadia na cons-

trução de novas institucionalidades e programas e a disposição demonstrada

por agentes públicos e privados evidenciam a dimensão do esforço e a quali-

dade da proposta consubstanciada no programa NNMI.

Esse programa não teria tomado forma sem a iniciativa do presidente

Obama e a estrutura de assessoria em CT&I que possui, especificamente o

OSTP. A preparação e a qualidade das propostas serviram de base para a to-

mada de decisão presidencial. A busca do diálogo permanente com empresas,

universidades, especialistas e instituições de C&T foi parte integrante de uma

estratégia de construção de consensos em torno das ideias de elevação da pro-

dutividade americana e de progressão acelerada das tecnologias relacionadas

à manufatura avançada. O resultado foi uma política pública de qualidade,

que possui aspectos ainda em construção, mas que tem conseguido ganhar

apoio a partir de sua consistência.

As dificuldades da indústria americana são fonte constante de preocu-

pação. Sua reestruturação é chave para a competitividade de toda a economia.

Exatamente por isso, é a presidência da República que tomou a iniciativa de

propor e conduzir o NNMI.

No Brasil, a crise da indústria é ainda mais forte. Além disso, aqui, de

modo mais flagrante do que nos EUA, a indústria, mesmo em declínio, é ponto

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

460

de apoio essencial para a recuperação e crescimento da economia. Desse ponto

de vista, as políticas de inovação, essenciais para propiciar ganhos de produti-

vidade, precisam ser claramente prioritárias, coordenadas e supervisionadas

diretamente pelos organismos centrais do governo. Para isso, a formação de

um corpo profissional, de especialistas qualificados e aptos a tratar dos assun-

tos de inovação e tecnologia, é fundamental. Nos EUA, o debate e a elaboração

de políticas relevantes na área de CT&I não ficam confinados aos ministérios,

nem marginalizadas em conselhos sem voz e poder.

Esse é um exemplo a ser seguido pelo Brasil. Para assegurar a prioridade

que deve ter, as políticas de inovação merecem um tratamento especial e uma

localização no centro de poder que seja capaz de torná-la transversal, sistemá-

tica e consistente. Esse local é a presidência da República, que deve contar com

um grupo de profissionais qualificados para assessorar e coordenar as diretri-

zes das políticas e programas de inovação.

2. “Ministérios-fim” no financiamento e nas aquisições de inovações

Um fator importante para o financiamento da ciência e tecnologia nos

Estados Unidos é a descentralização de recursos nos distintos ministérios, que

contam com orçamentos específicos para promover pesquisas conforme seus

interesses. Não há, nos Estados Unidos, um ministério encarregado de estabe-

lecer a política cientifica e tecnológica (como o MCTI no Brasil), sendo que cada

departamento possui autonomia para elaborar diretrizes e elencar priorida-

des nessa área. Dessa forma, amplia-se o escopo do financiamento e da elabo-

ração de políticas públicas para CT&I.

A formação de competências nos ministérios brasileiros é chave para a

CT&I. A qualificação dos gestores públicos é um poderoso instrumento para a

formulação de novas políticas e programas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 461

3. Criar ambientes compartilhados para experimentar,absorver, gerar e testar tecnologias de última geração

Nos EUA, a função principal dos institutos que compõem o NMMI é a cri-

ação de um ambiente no qual empresas e universidades compartilhem conhe-

cimentos e busquem a resolução de problemas tecnológicos. Assim, o ponto

central do programa é o trabalho conjunto, realizado por equipes de pesquisa

interdisciplinares não permanentes e corpo administrativo mínimo. Trata-se

de um programa sustentado pela parceria público-privada.

No Brasil, é crucial o aprofundamento da cooperação entre empresas e

destas com as universidades e centros de pesquisa. O esboço de proposta como

a das Plataformas do Conhecimento, lançada, mas não implementada, assim

como de experiências como a da Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e

Inovação Industrial), ajudam a visualizar novas oportunidades. É possível, ins-

titucionalmente, construir no Brasil plataformas demonstradoras, inspiradas

no programa NNMI. Com esse tipo de instrumento, será possível reunir com-

petências da indústria e da academia, qualificar mão de obra e testar proces-

sos e metodologias que podem ajudar a indústria brasileira a diminuir a dis-

tância das práticas que prenunciam a manufatura avançada.

O Instituto de Inovação de Chicago e as autoridades americanas estão

abertas a estabelecer convênios de intercâmbio de pesquisa aplicada à indús-

tria. A decisão de dar continuidade e de aproveitar as oportunidades abertas

cabe inteiramente ao governo brasileiro.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 462

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 465

Anexo 1: Roteiro de entrevista para trabalho de campo

Para as entrevistas, utilizou-se um roteiro semiestruturado preparado

previamente com vistas a ser utilizado em todos os estudos de caso da linha 3

do projeto. O objetivo principal é identificar componentes das novas agendas

de política de inovação orientadas a resultados nas áreas, instituições e instru-

mentos selecionados. O roteiro segue a estrutura de temas a seguir:

a) Política: objetivos dos programas, tanto para o país como em rela-

ção a outros países, considerando, por exemplo, a busca por lide-

rança setorial e tecnológica e as ações de catch up tecnológico.

b) Dimensão estatal: formação e origem da demanda; processos de

construção e consolidação das medidas; participação pública nos

processos; relação intragoverno e entre diferentes níveis de go-

verno (como articulação de agências); fontes e formas de financi-

amento.

c) Dimensão de pesquisa e setor privado (consórcio ou parceria): de-

finição da agenda de pesquisa; captação e gestão de recursos,

tanto financeiros como humanos; articulação entre os atores

(universidades, centros de pesquisa, laboratórios, empresas);

competição, considerando especialmente apropriação e gestão de

tecnologia; empresas participantes (diferenciar nível local, naci-

onal e internacional); participação de micro e pequenas empre-

sas; participação de universidades e laboratórios; questões de pro-

priedade intelectual.

As perguntas sugeridas para as entrevistas são descritas no quadro a se-

guir. Vale lembrar que se trata de um roteiro geral que foi complementado pe-

los pesquisadores nas visitas, conforme as especificidades de cada localidade.

Page 467: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 466

Questão geral Questões específicas

1) quais os objetivos gerais doprograma? Quais metas bus-cam alcançar para o país? Porque outros programas de polí-tica tecnológica não conse-guem suprir esses objetivos?

- Diretrizes do programa.

- Alvos definidos objetivamente.

- Comparação entre a posição relativa do paísfrente a outros e/ou das tecnologias frente aoutras.

2) como são geradas as deman-das a serem perseguidas? Quem participa dos processos e definediretrizes?

- Existência de comitês ou conselhos formais(permanentes ou ad hoc).

- Workshops, seminários ou congressos.

- Estudos de especialistas ou de órgão especí-fico do governo (checar se estão disponíveispublicamente).

- Material disparador veio do governo, da aca-demia ou de entidades de classe?

- Articulação dentro do governo

- Fontes de financiamento e composição orça-mentária do programa

- Definição de investimento e de orçamento dediferentes projetos? (iniciativa do governo,editais, institutos buscam fundos para finan-ciamento, colocam recursos próprios etc.)

3) Como é a gestão do programaorientado à missão?

- Operação e execução do programa

- Institucionalidade do laboratório, ou da rede,responsável pela execução da política

- Processo de gestão do instituto

- Participação de cada um dos atores (governo,academia e indústria) na definição de agendae projetos de pesquisa

- Participação financeira de cada um dos ato-res no processo

- Relação no desenvolvimento de produtos epropriedade intelectual (há regra ou há livrenegociação? Qual o padrão mais usual?)

- Acesso de terceiros? (Comercialização ou se-ção de direitos de propriedade intelectual)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 467

06 /CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM SAÚDE NOS EUA: POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTITUIÇÕES

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por objetivo apresentar o sistema de C&T norte-ame-

ricano na área da saúde, suas principais instituições, políticas públicas e for-

mas de governança, a fim de extrair lições e recomendações para as políticas

de C&T no Brasil.

A primeira seção do documento descreve, a título de contextualização,

algumas das principais características que tornam o sistema de C&T norte-

americano tão bem-sucedido em entregar resultados concretos para a socie-

dade. Entre essas características está a própria história da sua constituição,

que seguiu um modelo chamado de ciência conectada cuja finalidade era a su-

premacia militar. Essa história ajuda a explicar a cultura de “orientação à mis-

são” hoje disseminada pelas principais instituições de pesquisa do país.

A diversidade do investimento em pesquisa, seja básica ou aplicada e o

fato de que boa parte dos recursos e das instituições mantém o seu foco em

pesquisa aplicada e desenvolvimento também garante uma execução efici-

ente de missões específicas e ajuda a explicar alguns dos resultados concretos

do investimento público em pesquisa e desenvolvimento (P&D). A possibili-

Page 469: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 468

dade de governo e instituições públicas contratarem o desenvolvimento de no-

vas tecnologias, por sua vez, é uma ferramenta importante para o alcance de

suas missões.

A especificação dessas missões costuma contar com a expertise e a inte-

ligência da comunidade científica americana, que produz insumos que auxi-

liam o governo na definição dos próximos desafios tecnológicos a serem per-

seguidos por várias de suas agências e instituições. No governo central, o Of-

fice of Science and Technology Policy (OSTP) é o órgão responsável, entre outras

coisas, pela articulação com a comunidade científica. Essa orientação a mis-

sões não tem, contudo, relação com uma governança centralizada. Ao contrá-

rio, o sistema norte-americano é altamente descentralizado, contando com

instituições que gozam de relativa autonomia para executar suas missões. O

fato de o investimento público em P&D ser executado em agências e ministé-

rios com missões específicas, como será analisado ao longo deste capítulo,

também garante uma maior aderência dos investimentos em C&T com resul-

tados concretos alcançados.

A segunda seção do capítulo explicita a metodologia adotada, que in-

cluiu visitas técnicas e entrevistas semiestruturadas com cerca de uma dezena

de profissionais em oito diferentes instituições (órgãos públicos e instituições

de pesquisa) entre os dias 6 e 10 de junho de 2016. Essas entrevistas foram re-

alizadas com pessoas chave do sistema de C&T norte-americano, entre as quais

alguns dos principais assessores para C&T do presidente Barack Obama e al-

guns dos maiores cientistas do país, responsáveis por auxiliar o governo ame-

ricano no planejamento de suas ações em C&T.

A terceira seção, por sua vez, descreve as principais instituições respon-

sáveis pela execução das políticas científicas e tecnológicas norte-americanas

na área da saúde. Para isso, aborda tanto a distribuição do orçamento público

entre as principais agências quanto a organização e a governança do sistema.

Evidenciou-se que a saúde é a segunda área onde o governo norte-americano

mais investe em P&D e que os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) são a insti-

tuição central para a execução da política de C&T em saúde. O papel do OSTP é

Page 470: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 469

relevante, mas existe uma autonomia das instituições e agências em relação

ao governo central, acompanhada por uma relativa estabilidade na distribui-

ção dos recursos orçamentários.

Também se apontou, com base nos documentos analisados e, principal-

mente, nas entrevistas realizadas, quais seriam as principais características

das políticas de C&T na área da saúde. Observou-se, ainda, que algumas dessas

características estão disseminadas por toda a política de C&T norte-ameri-

cana, quais sejam:

1. Cultura de resultados.

2. Mecanismos de acompanhamento e avaliação bem estruturados.

3. Conhecimento científico como base para a definição de priorida-

des.

4. Centralidade de instituições específicas na política científica.

5. Existência de atores privados relevantes no financiamento à pes-

quisa.

A quarta seção descreve e analisa as principais tendências e aconteci-

mentos recentes das políticas de C&T norte-americanas e discute como essas

tendências estão influenciando o sistema de pesquisa na área de saúde. As

principais ocorrências identificadas a partir da literatura e, principalmente,

das entrevistas realizadas, são as seguintes:

1. Uso crescente de big data em saúde e a promulgação do Health

Information Technology for Economic and Clinical Health (HI-

TECH) Act, que destinou US$ 29 bilhões em 10 anos para suporte à

adoção de registros eletrônicos e outros tipos de tecnologias de in-

formação em saúde.

2. A aposta na medicina de precisão, ou medicina personalizada,

aproveitando as oportunidades abertas pela maior disponibili-

dade de informações individuais de saúde (como os registros de

saúde criados a partir do HITECH).

Page 471: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 470

3. A Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnolo-

gies (Brain Initiative), voltada a fazer um mapeamento sem pre-

cedentes da atividade cerebral.

4. A Cancer Moonshot Initiative, destinada a perseguir a cura do cân-

cer, que também está fortemente relacionada com o aumento na

disponibilidade de dados (inclusive genéticos) sobre os indiví-

duos.

5. O crescimento da pesquisa translacional.

6. A biomanufatura.

Por fim, a última seção apresenta as principais lições do caso americano

e reúne algumas recomendações de políticas em saúde para o Brasil.

Page 472: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 471

1. Ciência, Tecnologia e Inovação dos EUA: a ciência com missão

A história da criação da maior parte das instituições de C&T norte-ame-

ricanas começa no contexto da segunda guerra mundial e da guerra fria, im-

pulsionada pelos investimentos em P&D na área de defesa. Nesse sentido, todo

o sistema de C&T norte-americano e seu modus operandi são fortemente influ-

enciados por esse período e contexto. Nessa época, sob a coordenação de Van-

nevar Bush, foram criados o National Defense Research Council (NRDC) e o Of-

fice of Science Research and Development (OSRD), agências que seriam respon-

sáveis pela coordenação do P&D americano em tempos de guerra, elaborando

projetos em áreas críticas.

Segundo Bonvillian (2009), Bush foi o responsável pelo chamado mo-

delo de ciência conectada (connected science), no qual os avanços na ciência

básica estavam fortemente conectados com os estágios seguintes de desenvol-

vimento, prototipagem e produção159. Os fatores chave desse modelo são, de

acordo com Bonvillian, a existência de equipes não burocráticas, interdiscipli-

nares, organizadas em projetos e orientadas a grandes desafios tecnológicos

como radares e armas atômicas. Para viabilizar essas condições, Bush manteve

o controle civil das instituições de pesquisa e conservou os pesquisadores dis-

tantes da burocracia militar, que era tida como uma das responsáveis pelo in-

sucesso da pesquisa militar durante a primeira guerra mundial.

Foi Bush que propôs a criação da National Science Foundation (NSF)

como um órgão central no sistema de C&T norte-americano, defendendo que

a instituição deveria ter como função coordenar todos os investimentos em

C&T do país. Ele acreditava que, com o fim da segunda guerra, haveria um

longo período de paz e redução dos investimentos em C&T na área da defesa

159 Bush é mais conhecido pelo artigo “The endless frontier” que, ironicamente, propunha um

modelo linear, oposto ao de ciência conectada que ele mesmo criou. Disponível em

https://www.nsf.gov/od/lpa/nsf50/vbush1945.htm, acesso em 20.04.2017 (Nota do Organi-

zador).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 472

por parte do governo. Para manter os investimentos em ciência, portanto,

achava que seria necessário mudar o foco do investimento público para a ci-

ência básica (Bonvillian, 2009).

A ideia de criação desse novo órgão, contudo, não foi bem recebida pelo

presidente Truman e acabou demorando a sair do papel. Nesse tempo, novas e

variadas instituições de pesquisa surgiram e, quando a NSF foi efetivamente

criada, cinco anos depois, seu potencial de coordenar as demais instituições

do sistema norte-americano tinha se esvaziado. Atualmente, como será visto

mais a frente, a NSF representa menos de 5% do total do orçamento norte-

americano para ciência e tecnologia.

Com o esvaziamento da centralidade do papel da NSF, tal como proposto

por Bush, o sistema de C&T norte-americano acabou se tornando fortemente

diversificado e descentralizado. Essas são, efetivamente, duas das caracterís-

ticas centrais desse sistema, que poderão ser observadas, também, ao se ana-

lisar especificamente o sistema de inovação em saúde nos Estados Unidos.

Atualmente, o país investe, entre recursos públicos e privados, aproxi-

madamente 2,8% do seu PIB em P&D. Desse total, 0,8% são investimentos pú-

blicos realizados pelo governo federal norte-americano, metade dos quais (ou

0,4% do PIB) no setor de defesa. O papel da segunda guerra mundial, e princi-

palmente da guerra fria, na consolidação do sistema de C&T norte-americano

fica explícito no gráfico a seguir.

Page 474: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 473

Gráfico 1. Investimentos federais em P&D do governo norte-americano (em porcentagem do PIB): 1949-2013.

Fonte: Office of Management and Budget

(http://www.whitehouse.gov/omb/budget/Historicals).

Extraído de Negri e Squeff (2014).

Segundo De Negri e Squeff (2014), a análise da evolução histórica dos

investimentos federais em pesquisa dos EUA evidencia um ciclo de cresci-

mento muito forte que começa em 1958 – o ano do lançamento do satélite

Sputnik I pelos russos – e se mantém até o início dos anos 1970. Assim, mais do

que a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Fria foi o elemento fundamental a

impulsionar os investimentos em C&T norte-americanos, contradizendo as ex-

pectativas de V. Bush acerca dos tempos de paz e dos baixos investimentos pú-

blicos em ciência na área de defesa. Na realidade, o lançamento do satélite so-

viético, ao evidenciar a liderança dessa federação na área espacial, precipitou

um aumento substancial dos investimentos norte-americanos em tecnologias

espaciais, em particular, e de defesa.

Durante o auge da guerra fria, foram criadas várias das instituições de

pesquisa que hoje constituem o núcleo do sistema de C&T norte-americano.

Em 1958, foram criadas a Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA)

e a National Aeronautics and Space Administration (NASA). Logo a seguir, sur-

1,30,8

0,4

1,0

0,70,4

0,4

0,0

0,5

1,0

1,5

2,0

2,5

1949

1952

1955

1958

1961

1964

1967

1970

1973

1976

1978

1981

1984

1987

1990

1993

1996

1999

2002

2005

2008

2011

Nondefense National Defense

Page 475: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 474

giram vários dos laboratórios nacionais vinculados ao departamento de ener-

gia (Westwick, 2003) e muitos dos Funded Research and Development Centers

(FFRDCs) que, segundo Hruby et al. (2011), chegaram a 74 no final dos anos 60.

De Negri e Squeff (2014) argumentam que esse “grande ciclo de ampli-

ação dos investimentos em P&D entre os anos 1950 e 1970 sugere que a cons-

trução de um sistema de C&T complexo como o norte-americano requereu um

esforço orçamentário significativo durante praticamente duas décadas”. Se-

gundo as autoras, “dado que a riqueza e a diversidade institucional norte-ame-

ricana são, muito provavelmente, características que explicam a liderança

tecnológica do país, esse período inicial de construção institucional se reveste

de crucial importância” para a compreensão do sistema de C&T norte-ameri-

cano.

De fato, várias características importantes emergem desse período. Pri-

meiro, a variedade e a diversidade institucional no sistema norte-americano

começam a se desenhar já nesse momento de constituição. Além disso, desde

sua criação, as instituições de pesquisa tinham missões específicas e equipes

interdisciplinares, seguindo o modelo de ciência conectada. Embora a maior

parte das instituições criadas nesse período fossem voltadas à defesa, é razoá-

vel supor que essa cultura institucional tenha se disseminado pelo restante do

sistema norte-americano ao longo do tempo.

Outra característica fundamental do sistema é sua elevada descentrali-

zação e a autonomia das instituições na execução de seus respectivos progra-

mas e orçamentos. De fato, muitas dessas agências são responsáveis, elas mes-

mas, pela negociação dos seus orçamentos no Congresso norte-americano.

Isso não significa, contudo, que os orçamentos das principais agências sofram

variações significativas ao longo do tempo. Pelo contrário, a trajetória do or-

çamento federal norte-americano em C&T mostra uma grande estabilidade,

assim como a distribuição desse orçamento entre as agências.

Por um lado, essa autonomia das agências garante que suas ações em

C&T sejam mais próximas de suas missões específicas. Por outro lado, isso tam-

Page 476: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 475

bém significa que não há uma coordenação centralizada das ações, ou do or-

çamento federal, em C&T. Segundo Sarewitz (2003) “The first thing to note here

is that there is neither a capacity nor an intent to undertake centralized, stra-

tegic science policy planning in the U.S”. Segundo o autor, a proposta orçamen-

tária é elaborada pelo Office of Management and Budget a partir da consulta

aos diferentes ministérios e agências em um processo cumulativo e essencial-

mente definido de baixo para cima. Além disso, esse processo é influenciado,

de forma também descentralizada, por inúmeros comitês do Congresso, o que

leva o autor a ir mais longe em suas conclusões: “From this perspective, it can

reasonably be asserted that there is no such thing as science policy in the Uni-

ted States” (Sarewitz, 2003).

A instituição que mais se aproxima de uma função de coordenação ou

de articulação entre as diferentes agências envolvidas na política de C&T é o

Office for Science and Technology Policy (OSTP). O OSTP é um escritório de as-

sessoria direta ao Presidente da República em temas relacionados à política

científica e tecnológica e conta com um staff de aproximadamente 100 pes-

soas. Sua missão é desenvolver e implementar políticas e orçamentos para C&T

que reflitam as prioridades da administração.

De acordo com a missão oficial, seus principais objetivos são:

1. Assegurar que os investimentos em C&T estão sendo utilizados da

melhor forma possível, no sentido de promover crescimento econô-

mico, prosperidade, saúde pública, qualidade ambiental e segurança

nacional;

2. Estimular e consolidar processos que permitam mais adequada alo-

cação de recursos, coordenação e avaliação de programas de desen-

volvimento C&T;

3. Promover interação entre representantes da academia, indústria e

governo, de forma a conhecer os avanços, desafios, necessidades e

propostas dos diferentes segmentos envolvidos com C&T;

Page 477: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 476

4. Identificar elementos que informem políticas para desenvolvimento

de C&T;

5. Formar especialistas de nível internacional capazes de assessorar o

presidente e seu staff na formulação, análises e avaliação de políti-

cas, planos e programas de C&T;

6. Assegurar que as políticas propostas pelo Executivo sejam embasa-

das por informações e análises consistentes e acuradas; e

7. Assegurar a coordenação das ações do Executivo nas áreas de Ciência

e Tecnologia de forma a beneficiar a sociedade (Committee on Sci-

ence of the National Science and Technology Council).

O OSTP funciona também como secretaria executiva dos dois principais

conselhos que articulam a política norte-americana para C&T. O primeiro de-

les é o National Science and Technology Council (NSTC), conselho ministerial

presidido pelo Presidente da República que reúne todos os principais minis-

tros e presidentes de agências responsáveis pela política norte-americana de

C&T para definir as prioridades da política de C&T norte-americana. O segundo

conselho relevante é o President's Council of Advisors on Science and Techno-

logy (PCAST), formado por 19 cientistas e engenheiros de destaque em suas

áreas, que se reúne bimestralmente e prepara relatórios para assessorar o Pre-

sidente da República em diversos temas. Esse conselho evidencia uma das for-

tes características da política de C&T norte-americana: sua capacidade de ou-

vir a comunidade acadêmica e utilizar suas competências para ajudar a defi-

nir as prioridades em termos de políticas públicas.

Como não é o OSTP que define os orçamentos de C&T das agências nem

há relação de subordinação entre as agências, as instituições de pesquisa e o

OSTP, sua função é preponderantemente de articulação entre os diferentes ór-

gãos de governo e, principalmente, entre o governo e a academia. Mecanismos

formais de consulta à comunidade científica norte-americana são frequente-

mente usados para a definição das prioridades de investimento do governo e

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 477

das próximas missões a serem perseguidas pelo país. A área onde a comuni-

dade acadêmica tem menos influência talvez seja o próprio setor de defesa,

onde a definição de prioridades é mais fortemente afetada por questões de se-

gurança nacional.

Por fim, um aspecto importante, embora talvez não determinante, na capaci-

dade norte-americana de investir em pesquisa orientada a missões específicas

tem relação com a forma de execução dessas pesquisas. Em algumas agências,

boa parte da pesquisa realizada é aplicada. Os dados consolidados pela NSF em

2013 e apresentados em De Negri e Squeff (2014) mostram que 31% dos recur-

sos federais para P&D são investidos em pesquisa básica, em pesquisa aplicada

(23%) e desenvolvimento (46%). As autoras mostram também que agências

mais voltadas a missões específicas parecem ter uma participação maior de

desenvolvimento vis a vis pesquisa básica.

Além disso, a diversidade do sistema norte-americano também se ma-

nifesta nas formas contratuais pelas quais o governo pode investir em P&D.

Esses investimentos podem ser feitos, segundo De Negri e Squeff (2014): i) di-

retamente, em institutos de pesquisa e laboratórios federais; ii) diretamente,

nos FFRDCs; iii) indiretamente, por meio de subvenções (grants); iv) indireta-

mente, por meio de acordos de cooperação; e v) indiretamente, por meio de

contratos de P&D.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 478

Gráfico 2. Distribuição entre pesquisa básica e aplicada nas principais agências responsáveis pela política de C&T norte-americana.

Fonte: National Science Foundation. Extraído de Squeff e De Negri (2014).

Os acordos de cooperação são uma forma intermediária entre o con-

trato, no qual existem produtos claramente definidos e maior enforcement do

setor público, e os grants, que objetivam estimular determinada pesquisa sem

que esteja prevista a entrega de um produto ao final do projeto. No caso dos

acordos de cooperação, a aplicação dos recursos pelos pesquisadores não é tão

flexível como no caso dos grants e espera-se, ao final do projeto, algum tipo de

resultado concreto.

A escolha do tipo de contratação também varia substancialmente entre

os diferentes órgãos. Agências ou ministérios onde as ações de P&D têm maior

ênfase em desenvolvimento e engenharia (tais como NASA ou Departamento

de Defesa) possuem um percentual maior de contratos em relação ao P&D to-

tal.

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

Pesquisa Básica (%) Pesquisa Aplicada (%) Desenvolvimento (%)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 479

Gráfico 3. P&D executado por meio de contratos como proporção do P&D total executado por cada agência do governo norte-americano.

Esta seção buscou explicitar algumas das características iniciais do sis-

tema norte-americano que ajudam a explicar porque esse sistema é tão bem-

sucedido em perseguir e alcançar missões específicas. A própria história da

constituição do sistema de C&T norte-americano dentro do modelo de ciência

conectada, cuja finalidade era a supremacia militar, ajuda a explicar essa cul-

tura de “orientação à missão” hoje disseminada pelas principais instituições

de pesquisa do país.

A diversidade de formas de execução do investimento em pesquisa, seja

básica ou aplicada, também garante que seja possível executar missões espe-

cíficas de forma mais eficiente. Além disso, o fato de boa parte do investi-

mento e das instituições ser focada em pesquisa aplicada e desenvolvimento

ajuda a explicar alguns dos resultados concretos do esforço público de P&D. A

possibilidade de governo e instituições públicas contratarem o desenvolvi-

mento de novas tecnologias, por fim, é uma ferramenta importante para o al-

cance de suas missões.

A definição dessas missões, por sua vez, costuma contar fortemente

com a expertise e a inteligência da comunidade científica americana. Os insu-

mos dessa comunidade auxiliam o governo na definição dos próximos desa-

fios tecnológicos a serem perseguidos por várias de suas agências e institui-

ções. No governo central, o OSTP é o órgão responsável, entre outras coisas,

pela articulação com a comunidade científica.

0,0

20,0

40,0

60,0

80,0

DOD NASA DOE HHS NSF Outros TotalFederal

Page 481: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 480

Essa orientação a missões não tem, contudo, relação com uma gover-

nança centralizada. Ao contrário, o sistema norte-americano é altamente des-

centralizado e as instituições gozam de relativa autonomia para executar suas

missões. O fato de o investimento público em P&D ser executado em agências

e ministérios com missões específicas, como será analisado nas próximas se-

ções, também garante uma maior aderência dos investimentos em C&T a re-

sultados concretos.

Page 482: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 481

2. Metolodogia do levantamento de campo

Como visto anteriormente, existe uma enorme diversidade de institui-

ções e formas de atuação vinculadas às políticas de C&T norte-americana de

modo geral e, em particular, às da área da saúde. A compreensão mais apro-

fundada de como as instituições interagem entre si e com o governo central

exige mais do que analisar a evolução do orçamento para C&T no país. A orga-

nização institucional, os regimes de incentivos das entidades, a cultura orga-

nizacional e a própria história das instituições são elementos fundamentais

para essa análise.

Nesse sentido, parte fundamental do capítulo consistiu na realização de

pesquisa de campo destinada a captar informações acerca desses pontos e,

principalmente, a entender como o governo norte-americano consegue orien-

tar as instituições responsáveis pela execução da política de C&T a obter os re-

sultados desejados. Em outras palavras, buscou-se compreender como o go-

verno dos Estados Unidos define suas demandas e prioridades e de que forma

essas definições guiam a atuação das instituições.

Assim, a pesquisa de campo buscou, a partir de entrevistas com dirigen-

tes ou pesquisadores das instituições visitadas, esclarecimentos para as se-

guintes questões:

1. Objetivos gerais dos programas de C&T operados (ou desenhados,

no caso de entrevistas com agências de governo) pelas instituições en-

trevistadas.

- Nessa primeira parte da entrevista, buscava-se saber quais são as

metas, diretrizes e objetivos dos principais programas de C&T em

saúde nos EUA. Também foi possível inferir, a partir das entrevis-

tas, como esses objetivos percorrem todo o sistema e chegam até

as instituições executoras e aos pesquisadores.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 482

2. Como as demandas e prioridades das políticas de C&T são defini-

das?

- A intenção dessa parte da entrevista era compreender melhor de

que forma são definidas as prioridades e as diretrizes das políti-

cas e dos programas de C&T na área da saúde, ou seja, quem são os

responsáveis pela definição das diretrizes de política para C&T em

saúde e quais os critérios que suportam essa definição. Além

disso, pretendia-se saber até que ponto as diretrizes elaboradas

pelo governo central são plenamente executadas pelas institui-

ções que estão em contato direto com os pesquisadores.

3. Como essas políticas são financiadas e como é distribuído o orça-

mento entre as diferentes iniciativas e programas?

- O orçamento norte-americano de C&T é, em alguma medida, re-

sultado da própria alocação de recursos orçamentários do exercí-

cio anterior. Existe, portanto, um caráter inercial no orçamento

das instituições, o que, ao mesmo tempo, confere certa estabili-

dade à alocação de recursos entre os diferentes programas de go-

verno. As entrevistas procuraram aprofundar, dada essa relativa

rigidez, como novas prioridades e novas iniciativas são imple-

mentadas e qual o volume de recursos destinados a elas.

4. Como é realizada a gestão da política ou programa?

- A última parte da entrevista buscava saber de que forma as dife-

rentes instituições fazem a gestão dos diversos programas de go-

verno, investigando quais os mecanismos de acompanhamento e

avaliação e como é feita sua governança (em especial dos progra-

mas e políticas que integram distintas agências de governo e di-

ferentes instituições).

Para selecionar as entidades que seriam entrevistadas, foram utilizados

diversos critérios que garantiram a diversidade e a relevância do conjunto

Page 484: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 483

analisado, permitindo que se desenhasse um quadro bastante amplo e com-

pleto do funcionamento das políticas e programas de C&T para saúde nos EUA.

Assim, as visitas e entrevistas realizadas incluíram diferentes tipos de insti-

tuições:

i) Instituições públicas de pesquisa, como os NIH.

ii) Instituições privadas de pesquisa.

iii) Universidades.

iv) Agências de governo responsáveis pela formulação das políticas

de C&T em saúde.

Além de garantir a diversidade de tipos institucionais, os critérios para

a seleção das entrevistas também buscaram assegurar que as entidades tives-

sem:

- Atuação em áreas específicas na fronteira do conhecimento em

saúde e orientadas a resultados, como medicina de precisão ou

personalizada, câncer, AIDS/HIV e neurociências e tecnologias

para o estudo do cérebro;

- Importância no sistema de inovação local, estimada indireta-

mente pelo volume de recursos recebidos e pela diversidade de

parcerias e projetos desenvolvidos;

- Potencial de parceria com o Brasil, representada por histórico de

parcerias ou atuação conjunta com instituições de outros países,

o que denota a capacidade e interesse de cooperar internacional-

mente.

A fim de mapear as instituições que tivessem essas características, fo-

ram realizadas consultas às Embaixadas do Brasil nos EUA, a líderes no setor

privado brasileiro e a especialistas da academia. Dado o tempo reduzido para

Page 485: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 484

as entrevistas (agenda de apenas uma semana em Washington e Boston), fo-

ram selecionadas 10 entidades entre agências de governo e instituições de pes-

quisa/universidades.

Os órgãos de governo entrevistados foram as duas principais agências

responsáveis pela política de C&T norte-americana na área da saúde: o OSTP e

os NIH. Nos NIH, a entrevista foi realizada com o responsável pela articulação

institucional do instituto, com os pesquisadores responsáveis pela execução

do Brain Initiative e por profissionais responsáveis pelo processo de planeja-

mento e avaliação das atividades do instituto. No caso do OSTP, foram ouvidos

profissionais responsáveis pelo Precision Medicine Initiative e pelo Brain Initi-

ative, assim como os assessores responsáveis pelo relacionamento com os NIH.

Em relação às instituições de pesquisa entrevistadas, todas recebem

apoio substantivo do governo norte-americano, por meio de grants ou contra-

tos, para sua manutenção e para a realização das pesquisas. De modo geral,

receberam um aporte inicial privado para sua constituição e, em alguns casos,

constituição de seu endowment.160 Todas essas instituições também possuem

atribuições muito específicas e bem definidas, o que reforça o caráter mission

oriented não apenas das políticas norte-americanas, mas também de suas ins-

tituições.

A seguir, apresenta-se um breve panorama das instituições entrevista-

das, de modo a contextualizar a análise da política de C&T norte-americana na

área de saúde que integra a seção 3 deste relatório.

160 O endowment consiste na criação de fundos patrimoniais de longa duração ou perpétuos,

para conservação, expansão e promoção de determinada atividade, como institutos de pes-

quisa ou agências de fomentos. Diferem das ações de doação e filantropia pela sua natureza

permanente (nota do organizador).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 485

Ragon Institute

O Ragon Institute foi criado em 2009 a partir de uma doação inicial de US$ 100

milhões da família Ragon, com uma missão muito específica: contribuir para

o desenvolvimento de uma vacina para a AIDS e tornar-se um centro de refe-

rência mundial em estudos colaborativos sobre imunologia. Trata-se de um

instituto multidisciplinar que agrega, em forma de rede, mais de 50 pesquisa-

dores de diversas especialidades em diferentes laboratórios do MIT, Harvard e

Massachusetts General Hospital. Existem alguns laboratórios no próprio ins-

tituto, que ocupa três andares de um prédio no centro do MIT, mas o Ragon é

mais um hub para articulação de competências que podem ser úteis para o de-

senvolvimento da vacina do que um centro tradicional que reúne laboratórios

e pesquisadores dedicados.

Uma das principais formas de atuação do instituto é a concessão de

apoio (grants) a projetos de pesquisa que possam contribuir, de alguma forma,

para o desenvolvimento de uma vacina para o HIV. Isso inclui o suporte a pes-

quisadores que não obteriam recursos em fontes tradicionais, em virtude da

pouca experiência ou do limitado número de publicações diretamente associ-

adas ao HIV, mas cuja pesquisa pode ter impacto significativo sobre o eventual

desenvolvimento de uma vacina. Uma das missões do instituto é, justamente,

prover os meios para o desenvolvimento de pesquisas arriscadas e inovadoras

que teriam dificuldade de obter financiamento em fontes tradicionais, onde a

pressão por resultados pode inviabilizar a descoberta de novas rotas tecnoló-

gicas, mais arriscadas e incertas. A seleção dos projetos a serem apoiados

passa por um comitê e os pesquisadores recebem uma subvenção de US$ 250

mil/ano para desenvolver suas atividades.

Recentemente, o instituto lançou um programa, em parceria com o

Broad Institute, denominado ENDHIV Collaborative Grants. Esse programa

concede US$ 100 mil por ano para projetos em parceria entre os dois institutos

que integrem a pesquisa biomédica com a física e a engenharia, de modo a

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 486

apontar novas direções de pesquisa para as duas instituições. O foco desse pro-

grama são projetos inovadores e de alto risco.

Os recursos para manutenção e operação do instituto são provenientes,

principalmente, do governo americano, com destaque para os NIH e para o De-

partamento de Defesa, e de instituições de fomento privadas como o Howard

Hughes Medical Institute (HHMI). Em 2014, o instituto investiu cerca de US$

35 milhões em projetos de pesquisa, dos quais US$ 14 milhões provenientes do

governo federal, US$ 11 milhões de doações e cerca de US$ 10 milhões prove-

nientes de fundações como a HHMI ou a Bill & Melinda Gates.

Forsyth Institute

Outro instituto de excelência atuando na área de saúde, especificamente em

odontologia, é o Forsyth Institute, vinculado à Harvard University. Em 1915, o

instituto começou a sua própria agenda de pesquisa, que hoje é organizada em

quatro departamentos (microbiologia, imunologia e doenças infecciosas, bio-

logia de tecidos minerais e ciências orais aplicadas), além de alguns centros

multidisciplinares. Com mais de 30 pesquisadores principais e mais de 100

pesquisadores associados, estudantes e pesquisadores de pós-doutorado, pos-

sui um orçamento que varia entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões por ano.

Aproximadamente metade desses recursos é proveniente dos NIH, sendo o res-

tante dividido, principalmente, entre empresas (20%) e endownment da insti-

tuição (10%), além de recursos de fundações (Gates).

A definição da agenda de pesquisa da instituição é o resultado das com-

petências internas desenvolvidas ao longo do tempo e das agendas para as

quais existem recursos disponíveis. Nesse sentido, em alguma medida, as pri-

oridades do NIH acabam orientando a definição do portfólio de projetos da ins-

tituição. Na opinião do diretor do instituto, mesmo quando o orçamento é re-

lativamente limitado, como no caso das iniciativas recentes (Precision Medi-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 487

cine ou Brain), as definições do NIH são um sinalizador importante. Ele utili-

zou como exemplo o projeto do genoma humano, que gerou resultados que

ainda hoje alimentam a pesquisa científica na área da saúde, indo muito além

do financiamento ao projeto de mapeamento.

O instituto possui forte interação com empresas. Além da elevada parti-

cipação empresarial no financiamento das pesquisas, o Forsyth também dis-

põe de uma espécie de incubadora (Entrepreneurial Science Center - FESC), cuja

missão é fomentar a pesquisa biomédica e acelerar o crescimento de empresas

nascentes. O foco do centro é microbioma, imunologia e doenças infecciosas.

Whitehead Institute

Outro exemplo de instituto que revolucionou a pesquisa biomédica

mundial e que nasceu graças à doação privada é o Whitehead Institute. O em-

presário e filantropo Edwin C. “Jack” Whitehead proveu recursos para a fun-

dação do instituto a partir da vontade de criar um centro independente dedi-

cado a melhorar a saúde humana por meio do incentivo ao desenvolvimento

de pesquisa básica, na fronteira do conhecimento, em ciências biomédicas.

Para atingir esse objetivo, teve a ideia de associar-se a um renomado instituto

de pesquisa, o que culminou com a parceria oficial estabelecida com o Massa-

chusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge.

Instituído em 1982, o instituto recebeu um aporte inicial de Jack Whitehead no

valor de US$ 35 milhões para construção do prédio e a compra de equipamen-

tos, além de US$ 5 milhões por ano e um endowment que totalizaram uma do-

ação de US$ 135 milhões. Em poucos anos, o instituto tornou-se referência

mundial em pesquisas biomédicas, com contribuições fundamentais para o

projeto genoma humano, e, mais recentemente, para células tronco em cân-

cer, origem da doença de Parkinson e novos modelos animais para entender a

genética do autismo, entre outros.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

488

Atualmente o instituto abriga 17 pesquisadores principais, quatro pes-

quisadores associados (fellows) e inúmeros pós-doutorandos, trabalhando em

estreita colaboração e parceria com o MIT. O renomado e altamente competi-

tivo programa de fellows visa oferecer a jovens cientistas de destaque a opção

de liderar um grupo de pesquisa logo após a conclusão do doutorado, sem a

necessidade de realizar pós-doutoramento. Para tal, os fellows dispõem de

aporte financeiro, espaço físico e infraestrutura para desenvolver suas pes-

quisas.

Em 2014, o instituto operou com um orçamento de US$ 76 milhões, pro-

venientes do endowment do Whitehead (29%), de aportes do governo federal

por meio de grants de pesquisa (29%), de recursos de corporações e fundações

(22%) e de doações (20%). Deste montante, 72% dos recursos foram investidos

em pesquisa.

Wyss Institute

O instituto foi criado em 2005, com recursos da Harvard University e a

missão de “aplicar os princípios de engenharia utilizados pela natureza para

criar materiais e dispositivos para revolucionar os cuidados médicos”. Em

2009, recebeu uma doação do Hansjörg Wyss no valor de US$ 125 milhões.

Atualmente, existem 375 pessoas trabalhando no instituto, muitas das

quais são também professores de Harvard. O staff exclusivo da instituição é de

cerca de 40 pessoas (tanto da academia como da indústria) e os seus integran-

tes não têm laboratórios próprios, mas participam de projetos e trabalham em

equipes multidisciplinares. O orçamento anual do instituto é de US$ 75 mi-

lhões, majoritariamente provenientes de grants, mas também oriundos de fi-

lantropia e da própria universidade de Harvard.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 489

No que se refere à relação com o governo, houve um aporte de recursos

inicial usado para a construção do instituto. Além disso, a sua manutenção de-

pende fortemente de recursos públicos, entre eles NIH e DARPA. O NIH se ca-

racteriza por projetos de baixo risco, enquanto a DARPA, por outro lado, as-

sume mais riscos e é o maior financiador do instituto. O projeto de organs on

chip, por exemplo, é feito para a DARPA e custa US$ 37 milhões (em 5 anos, que

é o prazo típico dos projetos da DARPA).

A definição da agenda de pesquisa no instituto segue o modelo de funil:

existem centenas de projetos constantemente sendo conduzidos pelos institu-

tos na primeira fase, mas apenas os melhores têm continuidade. No que se re-

fere à avaliação, o Wyss tem um Scientific Advisory Board, um conselho de di-

retores, que se reúne regularmente, além de auditorias frequentes.

Harvard-MIT Health Sciences and Technology (HST)

O HST é uma iniciativa/programa (e não um instituto autônomo) que con-

grega Harvard e MIT nas áreas de ensino e pesquisa, procurando integrar ci-

ência, medicina e engenharia para resolver problemas da saúde. Apesar do as-

pecto interdisciplinar e da ênfase na aplicação da engenharia na solução de

problemas da saúde humana (o instituto de engenharia e ciência médica é a

sede do HST), a iniciativa é bastante abrangente. Envolvendo professores de

Harvard e MIT, além de mais de 300 estudantes de pós-graduação, já alcançou

alguns resultados importantes, como o regime de medicação que possibilitou

que o HIV/AIDS se tornasse uma doença tratável e a primeira tecnológica não-

invasiva para observar o cérebro em ação.

Na entrevista realizada, uma das vantagens mencionadas da parceria

MIT-Harvard no HST é dar liberdade aos alunos de trabalhar com qualquer pro-

fessor e em qualquer laboratório nas duas instituições. Segundo essa mesma

entrevista, o HST não tem um grande doador individual, mas segue um modelo

em rede que reúne diversos professores e laboratórios associados.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 490

3. A política de C&T norte-americana na área de saúde

Após o breve panorama de algumas instituições de C&T na área de saúde,

analisa-se a política de C&T em saúde de forma mais ampla. Primeiramente, é

necessário saber a relevância dessa área no contexto geral da política de C&T

norte-americana. Como já ressaltado, o setor de defesa responde por cerca de

metade dos investimentos públicos em P&D no país. O departamento de saúde,

principalmente por meio dos NIH, detém a segunda maior fatia do bolo orça-

mentário para C&T, seguido pela NASA e pelo Departamento de Energia (Ta-

bela 1).

Na estrutura do governo dos EUA, não existe um ministério responsável

exclusivamente por assuntos relacionado à C&T. Os investimentos públicos em

P&D ocorrem por meio dos ministérios setoriais, principalmente defesa, ener-

gia e saúde, o que reforça a ideia de que C&T serve como meio para se alcançar

resultados concretos em diferentes áreas. Essa seria uma especificidade do

sistema norte-americano em relação, por exemplo, ao sistema brasileiro, e

também uma das características que facilitam a realização de P&D orientada

a uma missão161. A NSF, responsável por cerca de 4% do investimento público

em P&D nos EUA, é uma das poucas agências de fomento completamente ho-

rizontais atuantes no sistema de C&T norte-americano.

161 Sobre mission-oriented R&D nos EUA, ver Mowery (2009) e Sampat (2012).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 491

Tabela 1. Investimento em P&D do Governo norte-americano por Agência. 2015.

Agência Orçamento 2015 (US$ milhões)

Departamento de Defesa (DoD) - RDT&E 64.430

Departamento de Saúde e Serviços (DHHS) 31.069

Institutos Nacionais de Saúde (NIH) 29.540 (1)

Departamento de Energia (DOE) 12.227

NASA 11.555

National Science Foundation (NSF) 5.565

Departamento de Agricultura 2.447

Outros 7.817

Total 135.110

Fonte: Office of Science and Technology Policy, disponível em: http://www.whitehouse.gov/administration/eop/ostp/rdbudgets

(1) Esse valor não coincide precisamente com os valores da série histórica do orçamentodo NIH, possivelmente por uma questão de discrepância na atualização dos números nasduas fontes de dados.

O Departamento de Saúde responde por pouco mais de US$ 31 bilhões

dos investimentos públicos norte-americanos em P&D, dos quais cerca de US$

29 bilhões são investidos nos NIH. Os NIH são, portanto, os principais executo-

res da política científica norte-americana na área de saúde. Sua criação re-

monta ao início do século XX, com a transformação de um antigo laboratório

de pesquisa da Marinha no Instituto Nacional de Saúde, em 1930. Alguns anos

depois, em 1938, foi criado o primeiro Instituto voltado para a pesquisa de uma

enfermidade específica, o Instituto Nacional do Câncer (NCI). Ao longo dos

anos seguintes, uma série de outros institutos foi criada, sendo que o período

de ouro da expansão dos NIH é o período de 1955 a 1968. Para se ter uma ideia

da dimensão desse crescimento, o orçamento dos NIH saltou de US$ 8 milhões

em 1947 para mais de US$ 1 bilhão em 1966.

Atualmente, existem 26 institutos voltados para agendas de pesquisa

muito específicas, sempre relacionados com alguma enfermidade ou com par-

tes e sistemas do corpo humano. Os institutos possuem infraestrutura de pes-

quisa própria em seu campus, de 300 hectares e 75 edifícios, localizado em

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 492

Bethesda, Maryland, onde trabalham mais de 6 mil pesquisadores (De Negri e

Squeff, 2014 b).

Apesar da expressividade desses números, o orçamento dos NIH para

2015 mostra que apenas 17% do investimento total dos institutos é feito intra-

muros. O restante (83%) é realizado por pesquisadores externos por meio de

subvenções, acordos de cooperação ou contratos de P&D. Esse fato evidencia

que os NIHsão, em grande medida, uma espécie de instituição de fomento, re-

conhecida como um dos maiores financiadores da pesquisa biomédica no

mundo (Sampat, 2012). Segundo o site dos NIH, mais de 300 mil pesquisadores

já foram apoiados pelos institutos.162

A tabela 2 detalha a distribuição do orçamento dos NIH em 2014, ressal-

tando a importância da pesquisa extramuros (subvenção e contratos de P&D)

como principal forma de atuação da instituição. Além disso, chama a atenção

para o fato de que essa pesquisa extramuros é realizada, prioritariamente, por

meio de subvenções (grants) e que apenas 10% do total do orçamento do NIH é

executado por meio de contratos de P&D. Essa forma de atuação contrasta com

a das agências do Departamento de Defesa e a da Nasa, por exemplo, onde

cerca de 60% dos investimentos são executados por meio de contratos.

Tabela 2. Orçamento detalhado dos NIH segundo mecanismo de execução. 2014.

Mecanismo 2014 %

Subvenção a pesquisa 20.738 69%

Treinamento 738 2%

Contratos de P&D 2.990 10%

Pesquisa intramuros 3.374 11%

Outros (gestão, suporte, construção e manut. de instalações) 2.179 7%

NIH total 30.019 100%

Fonte: http://officeofbudget.od.nih.gov/spending_hist.html. Elaboração própria.

162 https://www.nih.gov/ (nota do organizador).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 493

Segundo informações colhidas nas entrevistas realizadas para este ca-

pítulo, a definição de áreas prioritárias para investimento é feita de forma re-

lativamente autônoma pelos institutos, segundo seus processos internos de

planejamento. No entanto, ficou também evidenciado que existe uma separa-

ção bem definida entre a pesquisa realizada intramuros e aquela que é contra-

tada externamente. A existência de duas áreas distintas vinculadas ao diretor

geral do NIH, uma voltada para pesquisa intramuros e outra para pesquisa ex-

tramuros, é uma evidência dessa segregação.

A seleção dos projetos externos que serão apoiados pelo NIH é feita por

meio de um sistema de peer review com a participação de pesquisadores de

outras instituições e a divulgação dessas oportunidades é feita de forma am-

pla e transparente, permitindo-se, muitas vezes, a participação de pesquisa-

dores de fora do país. Um elemento importante na gestão desses projetos é a

figura do program manager (gestor de projeto), que existe, com nomes varia-

dos, nas principais agências norte-americanas de fomento à pesquisa. Na mai-

oria dos casos, inclusive no NIH, trata-se de um cientista ou especialista na

área do projeto, e não simplesmente de um servidor administrativo. Essa ca-

racterística provê uma capacidade de interlocução da agência com o pesqui-

sador, o que, muito possivelmente, facilita a obtenção dos resultados espera-

dos e a sua aderência às estratégias definidas pela agência e pelas políticas pú-

blicas.

O orçamento dos NIH cresceu substantivamente entre o final dos anos

1990 e início dos anos 2000, por uma decisão do congresso norte-americano

(apoiado por republicanos e democratas) de dobrar os recursos alocados para

esses institutos. No período recente, esse orçamento tem se mantido estável

no patamar dos US$ 30 bilhões ao ano (gráfico 4).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 494

Gráfico 4. Evolução do orçamento dos NIH (2000-2016).

Fonte: NIH. Disponível em: http://www.nih.gov/about/almanac/appropria-tions/index.htm. Acesso em: 25/ago. 2016. Elaboração própria.

A Tabela 3, a seguir, mostra a distribuição do orçamento dos NIH entre

seus institutos. Os maiores são o Instituto Nacional do Câncer (NCI), que é tam-

bém o mais antigo, e o Instituto de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID). Jun-

tos, esses dois institutos somam um orçamento anual de quase US$ 10 bilhões.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 495

Tabela 3. Distribuição do orçamento dos NIH pelos Institutos/Centros (2016).

Instituto/Centro Orçamento 2016

(US$ mil)

National Cancer Institute (NCI) 5.214.701

National Institute of Allergy and Infectious Diseases (NIAID) 4.629.928

National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI) 3.115.538

National Institute of General Medical Sciences (NIGMS) 2.512.073

National Institute of Diabetes and Digestive and Kidney Diseases

(NIDDK) 1.968.357

National Institute of Neurological Disorders and Stroke (NINDS) 1.696.139

National Institute on Aging (NIA) 1.600.191

NIH Office of the Director (OD) 1.571.200

National Institute of Mental Health (NIMH) 1.548.390

Eunice Kennedy Shriver National Institute of Child Health and Human

Development (NICHD) 1.339.802

National Institute on Drug Abuse (NIDA) 1.077.488

National Institute of Environmental Health Sciences (NIEHS) 771.051

National Eye Institute (NEI) 715.903

National Center for Advancing Translational Sciences (NCATS) 685.417

National Institute of Arthritis and Musculoskeletal and Skin Diseases

(NIAMS) 542.141

National Human Genome Research Institute (NHGRI) 518.956

National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA) 467.700

National Institute on Deafness and Other Communication Disorders

(NIDCD) 423.031

National Institute of Dental and Craniofacial Research (NIDCR) 415.582

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 496

National Institute of Biomedical Imaging and Bioengineering (NIBIB) 346.795

National Library of Medicine (NLM) 394.664

National Institute on Minority Health and Health Disparities (NIMHD) 275.718

National Institute of Nursing Research (NINR) 146.485

National Center for Complementary and Alternative Medicine

(NCCAM) 130.789

Buildings and Facilities 128.863

Fogarty International Center (FIC) 70.447

TOTAL 30.913.798

Fonte: NIH. Disponível em: https://www.nih.gov/about-nih/what-we-do/nih-almanac/ap-propriations-section-1. Acesso em: 25 ago 2016. Elaboração própria.

Conforme já apontado em De Negri e Squeff (2014 b), a proporção do or-

çamento dedicada a cada um dos institutos tem se mantido relativamente es-

tável nos últimos anos. Merece destaque, contudo, o crescimento do investi-

mento do governo norte-americano em estudos voltados ao envelhecimento,

cujo orçamento (do Instituto Nacional de Envelhecimento) cresceu de US$ 1

bilhão em 2003 para US$ 1,6 bilhão em 2016. Vale ressaltar também que os

institutos gozam de razoável autonomia, inclusive sobre suas agendas de pes-

quisa.

Por outro lado, dada a autonomia e os recursos despendidos, os NIH têm

sido questionados em relação aos seus resultados em termos de saúde pública.

Crow (2011), por exemplo, ao analisar os péssimos indicadores de saúde dos

EUA, argumenta que os NIH falham em entregar à sociedade americana as de-

vidas soluções para os grandes problemas de saúde pública do país.

Apesar dos NIH serem os principais executores do investimento em ci-

ência na área de saúde nos EUA, há outras instituições e agências que, de al-

gum modo, acabam participando da política de C&T na área de saúde, seja nas

Instituto/Centro Orçamento 2016

(US$ mil)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 497

iniciativas propostas pela Casa Branca ou em iniciativas próprias desenvolvi-

das com relativa autonomia. São elas:

i) A National Science Foundation (NSF), que participa do BRAIN e de

outras iniciativas relevantes do governo norte-americano para a

área de saúde;

ii) A Defense Advanced Research and Projects Agency (DARPA), que

investiu milhões em um projeto de pesquisa com um instituto de pes-

quisa em Boston para desenvolver órgãos humanos em chips que po-

deriam ser usados para testes de medicamentos (a DARPA também

participa ativamente do BRAIN);

iii) Department of Defense (DOD);

iv) Intelligence Advanced Research Projects Activity (IARPA);

v) Department of Energy (DOE); e

vi) Food and Drug Administration (FDA).

Como já ressaltado anteriormente, as agências e departamentos são bas-

tante autônomos na definição de sua agenda e na execução de seu orçamento.

Ao que parece, o que dá unidade à política de C&T para a saúde dos EUA é um

conjunto de características e princípios que parecem estar disseminados entre

as instituições responsáveis pela execução dessa política. O conjunto de infor-

mações colhidas a partir das entrevistas com pessoas chave do sistema de C&T

norte-americano (policy makers e pesquisadores) em saúde reforçou a percep-

ção sobre a relevância de tais características, que são apresentadas a seguir.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 498

Conhecimento científico como base para a definição de prioridades

Essa é uma característica central do processo de formulação das estratégias

norte-americanas para C&T: o forte embasamento no conhecimento científico

de ponta e na comunidade acadêmica norte-americana. Assim, associações

como a American Association for Advancement of Science (AAAS) e a National

Academy of Sciences (NAS) são extremamente influentes e participativas no

debate público sobre o papel da ciência e sobre as políticas científicas. Con-

tudo, o papel da ciência na formulação das políticas vai muito além da parti-

cipação dessas instituições e de demandas por maiores investimentos em C&T,

passando também pela atuação de conselhos como o PCAST e por grupos de

trabalho como o que foi formado em resposta ao lançamento da Brain Initia-

tive pelo presidente Obama. Esse programa é um bom exemplo de como é ativa

a participação da comunidade científica na definição dos resultados espera-

dos de uma política pública: o “Brain 2025: a scientific vision” (Bargmann et

al, 2014), formulado por um conjunto relevante de cientistas norte-america-

nos163, é o documento que estabelece as principais metas e resultados espera-

dos do programa .

Centralidade dos NIH na política científica em saúde

Seja pelo tamanho do seu orçamento, que representa quase a totalidade

dos investimentos em pesquisa na área da saúde nos EUA, seja pela sua proe-

minência, o NIH é a instituição central na política de C&T norte-americana

para a saúde. É ele o órgão que participa mais ativamente na formulação e na

execução dos investimentos em pesquisa do país na área de saúde, mesmo em

ações inicialmente propostas pela Casa Branca, como a Brain Initiative ou o

Cancer moonshot Initiative.

163 Entre eles Emery Brown, do MIT, um dos entrevistados para este capítulo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 499

Existência de atores privados relevantes no financiamento à pesquisa

Existem, no sistema de C&T norte-americano para saúde, atores priva-

dos muito relevantes no financiamento à pesquisa na área. Esses atores vão

desde as grandes empresas farmacêuticas até fundações privadas e milioná-

rios norte-americanos interessados em pesquisas em saúde164.

As empresas farmacêuticas investem mais de 46 bilhões ao ano em P&D

no país165, um pouco mais, portanto, que o investimento público na área. Esses

investimentos são feitos diretamente nos centros de P&D dessas empresas, por

meio de contratação de pesquisa nas universidades norte-americanas ou me-

diante investimento em empresas nascentes.

Entre as fundações privadas de maior destaque no fomento à pesquisa

em saúde nos EUA está a Howard Hughes Medical Institute (HHMI), que in-

veste aproximadamente US$ 800 milhões ao ano em pesquisa e educação ci-

entífica na área de saúde. Em 2015, o instituto contabilizou mais de US$ 660

milhões investidos em pesquisas na área biomédica e mais de US$ 80 milhões

em educação científica.

Cultura de resultados

Existe uma percepção de que os investimentos em C&T nas mais diversas

áreas, mas principalmente na área de saúde, devem gerar resultados concre-

tos para a sociedade norte-americana. Sendo assim, os projetos de pesquisa e

164 Como exemplo, pode-se citar o Dr. Partrick Soon-Shiong, cientista e empreendedor que lan-

çou seu próprio programa de pesquisa para buscar a cura do câncer – o “Cancer MoonShot

2020”.

165 Dados disponíveis em Science and Engineering Indicators 2016 (http://www.nsf.gov/statis-

tics/2016/nsb20161/ ). Acesso em setembro/2016.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 500

investimento elaborados, contratados ou apoiados pelas agências e departa-

mentos possuem produtos claros e bem especificados.

Também é bastante comum que um novo programa ou iniciativa seja

criado a partir de problemas contemporâneos da sociedade, sendo, a partir

desse diagnóstico, identificados os seus objetivos específicos, como nos casos

recentes do Cancer Moonshot e da Brain Iniciative.

Mecanismos de acompanhamento e avaliação bem estruturados

A definição precisa de objetivos e produtos também facilita o acompa-

nhamento e a avaliação dos programas e políticas. Os mecanismos e critérios

de acompanhamento e avaliação são, nesse sentido, definidos no momento da

formulação do programa.

A atividade de acompanhamento das tarefas e das entregas dos resulta-

dos previstos é uma atividade corriqueira. Um exemplo é o caso do Brain Initi-

ative, cujo processo de formulação já incluiu uma lista de resultados e produ-

tos (deliverables) que deveriam ser entregues ao final do programa. Os respon-

sáveis pela coordenação da iniciativa dentro do NIH ressaltaram que o acom-

panhamento desses resultados e produtos é feito rotineiramente por eles.

Obviamente, avaliação de impacto é uma atividade um pouco mais com-

plexa, pois exige mensurar o quanto os resultados obtidos pelo programa de

fato impactaram a sociedade. Esse tipo de avaliação, ao que tudo indica, não é

tão corriqueira quanto o acompanhamento das atividades e dos resultados,

mas, ainda assim, é uma preocupação constante explicitada pelos responsá-

veis pelos programas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 501

4. Tendências recentes nas políticas de CTI em Saúde

As entrevistas realizadas com cientistas, pesquisadores e policy makers

contribuíram de maneira significativa para a identificação das principais ten-

dências recentes nas políticas de C&T norte-americanas para a área de saúde.

Também foi útil a essa finalidade a análise dos documentos enviados pelos

NIH ao congresso americano para justificar seu orçamento, apontando as pri-

oridades de cada ano fiscal166.

A proeminência que teria a política científica e tecnológica nos EUA no

período recente, bem como suas prioridades, ficam explícitas logo no início da

administração Obama, em setembro de 2009, quando o governo lança o docu-

mento intitulado “A strategy for American Innovation”. Esse documento in-

sere-se no conjunto das medidas implementadas pelo governo para superar a

crise de 2008, principalmente o American Recovery and Reinvestment Act

(ARRA), que realizou investimentos de cerca de US$ 100 bilhões em infraes-

trutura e inovação para a recuperação da economia americana. Assim, a ad-

ministração Obama aproveitou a crise e o ARRA para lançar programas que

pudessem, ao mesmo tempo, alavancar o crescimento no curto prazo e promo-

ver avanços técnicos e científicos de longo prazo (Blumenthal et al, 2011a,

2011b).

É nesse contexto que nasce o documento sobre a estratégia para a ino-

vação, que apontava três grandes prioridades nacionais para as quais a inova-

ção seria crucial: i) desenvolvimento de fontes alternativas de energia; ii) fa-

bricação de veículos avançados e; iii) redução de custos e melhoria da quali-

dade de vida por meio de tecnologias de informação aplicadas à saúde.

166 Esses documentos estão disponíveis em:

https://officeofbudget.od.nih.gov/history_bud-get_req.html

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 502

No documento de 2009, portanto, a saúde já ocupava um lugar de des-

taque, posicionando-se entre as prioridades da estratégia nacional de inova-

ção. A ênfase seria a aplicação de tecnologias da informação e comunicação

para evitar erros médicos, aprimorar a qualidade da assistência à saúde e re-

duzir custos. Assim, foi aprovada, dentro do ARRA, uma lei chamada “Health

Information Technology for Economic and Clinical Health (HITECH) Act”, que

destinou US$ 29 bilhões em 10 anos para suporte à adoção de registros eletrô-

nicos de saúde e outros tipos de tecnologias de informação em saúde (Blumen-

thal et al, 2011a, 2011b). Isso envolvia a criação, pelo departamento de saúde,

de um sistema de informação interoperável, privativo e seguro para o compar-

tilhamento de registros de saúde.

O Strategy for American Innovation foi atualizado em 2011 e 2015, con-

tinuando a saúde, no último documento, a figurar como uma das prioridades

nacionais para as quais seria importante catalisar inovações. O documento

está organizado em 6 grandes blocos, sendo que os três primeiros dizem res-

peito às questões sistêmicas que afetam a capacidade inovativa da economia

americana, como educação, infraestrutura etc., e os três finais relacionam-se

com a inovação como ferramenta para gerar mais e melhores empregos, para

um governo inovador e, finalmente, para contribuir com as grandes priorida-

des nacionais.

Segundo o documento, “maximizing the impact of innovation on na-

tional priorities means identifying those areas where focused investment can

achieve transformative results to meet the challenges facing our nation and

the world”. Entre esses desafios, na área da saúde foram citados: medicina de

precisão e desenvolvimento de neurotecnologias por meio da Brain Initiative.

Na solicitação de orçamento enviada ao Congresso em 2016, para o ano

fiscal de 2017, são apontados quatro grandes grupos de prioridades para o tra-

balho do NIH, entre os quais estavam a medicina de precisão; o uso de big data

e tecnologia para aprimorar a saúde; e a Brain initiative. Esses temas vêm apa-

recendo de forma recorrente nas últimas solicitações de orçamento do NIH,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 503

evidenciando, além de consistência na definição de prioridades, um alinha-

mento com o documento mais amplo de estratégia para inovação.

O uso de big data em saúde pode ser considerado uma das principais

tendências recentes nas políticas de C&T na área. O avanço de novas tecnolo-

gias computacionais e o crescimento do volume de dados disponíveis sobre os

indivíduos estão criando inúmeras possibilidades de pesquisa em saúde, po-

tencializando a descoberta de novos tratamentos. Essas grandes e complexas

bases de dados, que têm ficado cada vez mais disponíveis para o setor público

e pesquisadores, vão desde sequenciamentos genômicos até registros eletrô-

nicos de saúde, passando por aplicativos que monitoram a saúde do usuário

(NIH, 2014).

Contudo, a utilização e análise dessa quantidade de informações requer

uma infraestrutura computacional adequada, que está muito além da capaci-

dade de pesquisadores individuais (NIH, 2014). Por essa razão, os NIH estão in-

vestindo, desde 2012, em um programa chamado Big Data to Knowledge

(BD2K), cujo objetivo é promover um salto na capacidade da pesquisa biomé-

dica e “maximizar o valor do crescente volume e complexidade dos dados bio-

médicos”.

A medicina de precisão é uma das avenidas abertas pela maior disponi-

bilidade de dados e registros individuais de saúde. Ela diz respeito ao desen-

volvimento de técnicas para a customização dos tratamentos de saúde, le-

vando em conta as características de cada indivíduo e suas respostas pessoais

às enfermidades. Assim, a medicina personalizada tem por objetivo maximi-

zar a efetividade do tratamento médico e da prevenção de doenças ao levar em

consideração a variabilidade genética individual, o meio ambiente e estilo de

vida.

Lançada em janeiro de 2015 pelo presidente Obama, a iniciativa em me-

dicina de precisão (Precision Medicine Initiative – PMI) tem como missão apri-

morar a inovação biomédica por meio de pesquisas, tecnologias e políticas que

permitam a pacientes, pesquisadores e provedores de saúde trabalharem jun-

tos com vistas ao desenvolvimento de tratamentos médicos individualizados.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 504

As expectativas em relação ao programa são enormes em termos de novos di-

agnósticos e terapias (NIH, 2016).

O NIH tem papel de liderança nessa iniciativa, que envolve diversas ou-

tras agências, tendo participado, em 2016, com um orçamento específico de

mais de US$ 200 milhões (NIH, 2016). Uma das principais ações do instituto

nesse programa é o PMI Cohort Program, que foca em um dos grandes desafios

da medicina personalizada, que é a coleta de dados individuais dos pacientes

para criar uma base de dados suficientemente ampla e completa para a reali-

zação das pesquisas. Segundo um dos entrevistados, funcionário do OSTP,

uma das soluções encaminhadas na PMI é utilizar dados e registros de saúde

das Forças Armadas. A outra é o PMI Cohort Program que pretende construir

uma coorte composta por 1 milhão de participantes para estudo longitudinal

que ajudará a identificar os efeitos do ambiente, genética e estilo de vida sobre

a propensão ao adoecimento e sobre os efeitos dos tratamentos nas pessoas.

Um dos objetivos da Precision Medicine Initiative é acelerar os resultados

das pesquisas em oncologia. Para isso, o National Cancer Institute (NCI) apli-

cou, em 2016, US$ 70 milhões na PMI – Oncology, cujo objetivo é expandir de

forma significativa os esforços em relação à genômica do câncer de modo a

subsidiar diagnósticos e a escolha pelo melhor tratamento, além de aperfei-

çoar as abordagens preventivas (NIH, 2016).

A busca pela cura ou por tratamentos mais efetivos para o câncer tam-

bém aparece como uma das prioridades nacionais recentes, impulsionada pe-

las possibilidades abertas pela medicina individualizada. A National Cancer

Moonshot Initiative, lançada em fevereiro de 2016 pelo presidente Obama, re-

cebeu aporte inicial de US$ 1 bilhão com o objetivo de acelerar as pesquisas

para tratamento de câncer que já estejam em estágios avançados de desenvol-

vimento, como é o caso da imunoterapia e do uso combinado de agentes tera-

pêuticos para prevenir a resistência a drogas. O programa pretende quebrar

as barreiras para avançar rapidamente na área, facilitando o acesso a dados,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 505

promovendo colaborações entre pesquisadores, médicos, filantropistas, paci-

entes e organizações de pacientes, assim como empresas de biotecnologia e

farmacêuticas.

Os investimentos serão prioritariamente alocados em pesquisas na

fronteira do conhecimento nas seguintes áreas: i) prevenção e desenvolvi-

mento de vacina para câncer; ii) detecção precoce de câncer; iii) imunoterapia

de câncer e terapia combinada; iv) análise genômica do tumor e células cir-

cundantes; v) melhoria no compartilhamento de dados; vi) desenvolvimento

de um centro de excelência em oncologia; vii) câncer pediátrico; e viii) criação

do fundo Vice President’s Exceptional Opportunities in Cancer Research Fund

(Lowy e Collins, 2016).

A iniciativa BRAIN, lançada em abril de 2013 pelo governo norte-ameri-

cano como parte de uma estratégia focada em grandes desafios do governo

(Administration’s Grand Challenges), persegue objetivos ambiciosos em escala

nacional e global, que exigem avanços em inovação e atuação disruptiva em

ciência e tecnologia. Com esse esforço, busca-se avançar fortemente na com-

preensão da mente humana e descobrir novos modos de tratar, prevenir e cu-

rar enfermidades como mal de Alzheimer, esquizofrenia, autismo, epilepsia e

traumatismos no cérebro.

A iniciativa foi inspirada no Brain 2025: a scientific vision, documento

produzido por cientistas norte-americanos que apontava os principais desa-

fios relacionados à pesquisa do cérebro humano, como mencionado anterior-

mente. Muitos dos desafios colocados ali dependiam de aumentar a capaci-

dade científica em medir e monitorar a atividade cerebral. Os cientistas en-

tendiam que a ampliação da capacidade de processamento dos computadores

e os avanços em big data permitiriam mapear as atividades do cérebro de uma

forma que não teria sido possível há até pouco tempo. Mas, para que isso fosse

possível, seria necessário o desenvolvimento de novas tecnologias destinadas

ao monitoramento das atividades dos neurônios. É por isso que a primeira fase

da iniciativa, ainda em andamento, está focada no desenvolvimento de novos

métodos e equipamentos para o monitoramento da atividade cerebral.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 506

Desde que foi anunciado em 2013, o programa já investiu cerca de US$

1,5 bilhão. Diversos líderes de empresas tecnológicas, instituições acadêmicas,

cientistas e outros atores atenderam ao chamado do projeto, constituindo um

programa interagências com investimento descentralizado. Entre os agentes

públicos, estão envolvidos principalmente: NIH, DARPA, FDA, NSF e IARPA. Em

2015, foram investidos aproximadamente US$ 150 milhões pelo NIH, US$ 150

milhões pela DARPA e cerca de US$ 60 milhões pela NSF, além de recursos da

IARPA.

Essas instituições desfrutam de autonomia para desenvolver suas ativi-

dades e não há uma coordenação central, como mencionado no início deste

relatório. Entretanto, o documento Brain 2025 – que possui metas a serem

atingidas e produtos muito bem definidos – é um guia para a atuação dessas

instituições. Periodicamente, os responsáveis pela iniciativa em cada uma das

instituições reúnem-se para compartilhar informações sobre os projetos em

execução por cada uma delas, com a participação do OSTP.

Há também um conselho consultivo que ajuda na definição das priori-

dades, além de grupos de trabalho temáticos. Tanto o conselho quanto os gru-

pos de trabalho são formados por pesquisadores e cientistas de destaque na

comunidade acadêmica norte-americana.

Um aspecto importante da iniciativa diz respeito à forma de contrata-

ção. No caso do Brain, 60% do orçamento do NIH é executado por meio de con-

tratos ou acordos de cooperação, enquanto o restante por meio de grants (sub-

venções). Os demais recursos orçamentários do NIH, como visto na seção an-

terior, são majoritariamente executados por meio de subvenções à pesquisa.

O potencial da iniciativa Brain é compatível com o do Projeto Genoma

Humano para o avanço na área da genômica. Para efeitos comparativos, de

1988 a 2003, o governo americano investiu US$ 3,8 bilhões no Projeto Genoma,

que geraram US$ 796 bilhões de retorno, segundo estimativas da Casa Branca.

Ou seja, para cada US$ 1 investido retornaram US$ 141.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 507

A partir das entrevistas realizadas com pesquisadores e empresários, foi

possível identificar uma tendência importante da pesquisa em saúde não ne-

cessariamente vinculada a políticas públicas específicas: o crescimento da

pesquisa translacional. A medicina translacional é um campo multidiscipli-

nar em forte expansão na pesquisa biomédica, cujo objetivo é acelerar a des-

coberta de novos tratamentos e novos diagnósticos a partir de resultados de

pesquisa já existentes em universidades e centros de pesquisa.

O diagnóstico que norteia a pesquisa translacional é que existem muitos

achados em pesquisa básica que ainda não foram utilizados em testes clínicos

ou muitos protocolos avaliados positivamente que ainda não se converteram

em prática clínica padrão. Ou seja, existe um espaço enorme na pesquisa bio-

médica relacionado à aplicação de conhecimento já produzido em universida-

des e centros de pesquisa (NIH, 2014).

Essa constatação tem levado à adoção de estratégias de pesquisa volta-

das a aproveitar ao máximo o conhecimento disponível e a acelerar os testes

de drogas ou tratamentos recém-descobertos. Não por acaso, em 2012 o NIH

criou um novo centro de pesquisa (National Center for Advancing Translatio-

nal Science - NCATS) para desenvolver inovações voltadas para reduzir, remo-

ver ou superar gargalos que consomem recursos e tempo no pipeline da pes-

quisa translacional, construindo um esforço para acelerar a entrega de novas

drogas, diagnósticos e equipamentos médicos167. O NCATS já nasceu com um

orçamento superior a US$ 570 mil e, no ano fiscal de 2016, o montante dispo-

nível chegou a quase US$ 700 mil.

Essa tendência tem sido perceptível, também, nas estratégias empresa-

riais. Vários pesquisadores ouvidos relataram que tem se reduzido o volume

de recursos empresariais disponíveis para pesquisa básica e crescido o mon-

tante destinado para os estágios finais do pipeline de pesquisa. Ao mesmo

tempo, tem se tornado muito comum que empresas do setor farmacêutico

167 https://ncats.nih.gov/about/center

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 508

criem fundos de venture capital para investir em ideias (novas drogas ou tra-

tamentos) inovadoras provenientes de pesquisadores. Esses fundos contri-

buem para acelerar testes e lançamentos no mercado de novas drogas e trata-

mentos, sendo, do ponto de vista empresarial, menos onerosos do que o inves-

timento em pesquisa básica.

Por fim, outra tendência relevante identificada nas entrevistas é o cres-

cimento da biomanufatura, definida como a fabricação de produtos a partir

do uso de organismos biológicos vivos (bactérias, leveduras e plantas, por

exemplo) ou de alguns componentes de um ou vários organismos (You e

Zhang, 2012). Basicamente, trata-se da automação da produção de bens

usando a maquinaria celular. Com o desenvolvimento da engenharia genética,

engenharia de proteínas, biologia de sistemas e biologia sintética, a biomanu-

fatura vem ganhando espaço crescente nos laboratórios e nas indústrias, em

função de uma miríade de formas de transformar organismos vivos para pro-

duzir altas quantidades de produtos (naturais ou modificados), a saber: bio-

commodities, biomateriais, derivados da química fina e medicamentos.

Uma visão que vem conquistando espaço nas universidades e indústrias

norte-americanas nos últimos anos é a de abordar a biologia não apenas como

o estudo da vida e dos seres vivos, mas também como “uma plataforma manu-

fatureira” com capacidade de personalização e funcionalidade nunca antes

obtida, conforme afirma Drew Endy, professor da Universidade Stanford, em

entrevista ao blog da PLOS (Kieniewicz, 2014). Segundo Ogunnaike (2016), as

indústrias baseadas na biologia irão substituir as sínteses químicas industri-

ais complexas e caras que utilizam altas temperaturas, altas pressões e catali-

sadores tóxicos por sínteses bioquímicas mais eficientes e menos tóxicas. As-

sim, a biomanufatura aparece também como área prioritária no contexto dos

National Network for Manufacturing Innovation, a rede de institutos lançada

em 2014 pelo Presidente Obama com vistas a impulsionar tecnologias e pro-

cessos de manufatura avançada (foco de outro relatório deste projeto de pes-

quisa).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 509

Considerações finais: lições das experiências dos EUA e recomendações de políticas e ações para o Brasil

A análise do sistema de C&T norte-americano – sua organização, suas

instituições, governança e políticas – e o relato da política científica e tecnoló-

gica na área da saúde trazem elementos importantes para pensar o caso bra-

sileiro. A despeito das diferenças brutais em termos de orçamento, institui-

ções e base científica disponível nos dois países, a forma pela qual são formu-

ladas e executadas as políticas de C&T nos EUA é fonte de aprendizado impor-

tante para as políticas brasileiras.

A primeira lição importante é que é fundamental orientar o esforço ci-

entífico em direção aos grandes desafios nacionais, que, obviamente, são di-

ferentes nos EUA e no Brasil. Enquanto nos EUA a defesa e a segurança nacio-

nal são questões prementes, que mobilizam um volume significativo de recur-

sos públicos, no Brasil essas não são questões cruciais. Em compensação, há

desafios gigantescos na infraestrutura, na mobilidade urbana, na educação,

na saúde e na segurança pública, entre outras áreas que poderiam ser objeto

de preocupação da ciência brasileira.

Uma segunda grande lição é a priorização desses grandes desafios e a

utilização do conhecimento científico disponível para auxiliar na definição de

estratégias. Criar mecanismos efetivos de consulta à comunidade científica –

não apenas às instituições representativas da comunidade acadêmica – na

busca de soluções para os principais problemas do país é fundamental para

um planejamento mais afinado com os objetivos da política científica e tecno-

lógica.

Esses objetivos precisam ser definidos, e essa é uma terceira lição im-

portante, em função dos maiores problemas identificados, e não em função

das necessidades de pequenos grupos de interesse ou da comunidade acadê-

mica. É preciso reforçar, no Brasil, a visão de ciência e tecnologia como meios

para se alcançar uma vida melhor e para resolver problemas da sociedade. Isso

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 510

pode ser feito pela ampliação dos investimentos em C&T realizados por minis-

térios setoriais. O ministério da Saúde, por exemplo, cujos investimentos em

C&T são realizados, preponderantemente, pela Fiocruz, poderia ampliar e di-

recionar esses investimentos a fim de encontrar soluções para os principais

problemas da saúde pública no Brasil. Encontrar a cura para o vírus da zika e

para a dengue ou criar tecnologias que ajudem a reduzir o custo do Sistema

Único de Saúde (SUS) são alguns dos desafios óbvios que estão colocados para

o país na área da saúde.

Ainda na esfera da saúde, reside uma oportunidade extremamente re-

levante tanto para os EUA quanto para o Brasil. O aumento na capacidade de

processamento de dados, bem como do volume de informação disponível so-

bre os indivíduos, são oportunidades abertas para todos os países. No caso bra-

sileiro, essa oportunidade é ainda mais relevante, uma vez que o país conta

com um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo – em termos de po-

pulação atendida e abrangência dos serviços. O uso de tecnologias de compar-

tilhamento de informação (registros médicos individuais) e de telemedicina

podem reduzir substantivamente os custos desse sistema e ampliar sua efici-

ência, beneficiando tanto o setor público quanto a saúde suplementar. Essas

oportunidades podem ser aproveitadas com a definição clara de um objetivo

para os investimentos em P&D – que também devem ser ampliados – do Minis-

tério da Saúde, qual seja: desenvolver tecnologias que reduzam os custos do

SUS. Um chamamento à comunidade científica (brasileiros fora do país e pes-

quisadores estrangeiros) ajudaria a definir o escopo e as metas de um pro-

grama de investimento como esse, ampliando a disponibilidade de capital hu-

mano.

Esse tipo de ação – e essa é a quarta lição – deve ter estabilidade e foco

em resultados, além de metas claramente definidas. Programas como a Brain

Initiative possuem metas e prazos definidos de execução. Não são programas

com prazo indeterminado, mas também não são interrompidos antes do prazo

previsto. Estabilidade e previsibilidade são essenciais para que a ciência gere

resultados relevantes para o país. Não se vê, no orçamento norte-americano

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 511

para C&T, mudanças abruptas como as verificadas historicamente no Brasil.

Mesmo o crescimento do orçamento para C&T precisa ser sustentável no longo

prazo.

A quinta lição, decorrente da anterior, diz respeito à avaliação dos pro-

gramas criados. É necessário um planejamento detalhado e preciso dos novos

programas em C&T, envolvendo a definição de resultados concretos e meca-

nismos claros de avaliação desses resultados. O objetivo de um programa não

pode ser apenas ampliar o número de beneficiários ou do gasto em determi-

nada área. Programas de P&D voltados a resolver problemas devem ter resul-

tados e produtos verificáveis ao final do processo. É claro que isso não se aplica

no caso da manutenção da infraestrutura de pesquisa, sem a qual não se faz

pesquisa de qualidade, nem à formação de capital humano, também requisito

indispensável para se fazer ciência.

Um aspecto importante para que a ciência gere resultados para a socie-

dade – e essa é a sexta lição – tem relação com o tipo de P&D apoiado. A forma

de contratação também é um elemento fundamental. No caso dos EUA, o apoio

a projetos de pesquisa pode ser feito via subvenção, tal como o Brasil faz com

os fundos setoriais, maior fonte de suporte à P&D no país. Os aportes também

podem ser feitos diretamente nas instituições públicas de pesquisa do governo

norte-americano, tal como faz o Brasil em instituições como Embrapa e Fio-

cruz ou nas instituições vinculadas ao MCTI. No caso norte-americano, con-

tudo, é possível contratar o desenvolvimento de novos produtos ou processos.

A contratação de P&D representa entre 35% e 40% do total dos investimentos

públicos federais nessa área. Para isso, a legislação de compras públicas norte-

americana prevê, explicitamente, a possibilidade de aquisição de P&D por

parte do governo a fim de atender suas necessidades. Esse mecanismo é forte-

mente utilizado, por exemplo, pelo Ministério da Defesa e pela NASA. Essa pos-

sibilidade, no caso brasileiro, precisaria ser aperfeiçoada, já que o artigo 20 da

Lei de Inovação quase não é utilizado. Além disso, a Lei 8.666, que institui nor-

mas para licitações e contratos da Administração Pública, coloca enormes di-

ficuldades para a realização desse tipo de aquisição.

Page 513: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 512

Em sétimo lugar, também se poderia pensar, no caso do Brasil, na diver-

sificação do sistema de C&T por meio da criação de institutos de pesquisa ori-

entados a solucionar problemas de saúde da população brasileira. Esses insti-

tutos poderiam contar com forte aporte de recursos privados e governamen-

tais para atacar problemas como o vírus zika, a dengue e o câncer. Institutos

privados, como o Ragon Institute, podem ser fontes importantes de inspiração

nessa direção.

Por fim, a oitava lição/recomendação seria aprimorar a gestão dos pro-

jetos de P&D apoiados pelas agências brasileiras. A criação de uma figura si-

milar aos program officers dos NIH, com competências científicas específicas,

pode facilitar a gestão e o acompanhamento dos projetos apoiados.

Em síntese, a despeito das profundas diferenças existentes entre os Es-

tados Unidos e o Brasil, há uma série de características do sistema de C&T

norte-americano que pode contribuir para aprimorar as políticas públicas

brasileiras. A complexidade e a diversidade de instituições e as formas de atu-

ação da política pública norte-americana para a área são, muito provavel-

mente, fatores de sucesso da ciência e da tecnologia americana nas últimas

décadas. Talvez seja o momento de tornar o sistema brasileiro também mais

complexo, diversificado e, porque não dizer, mais eficiente.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 513

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 516

Anexo 1: Roteiro de entrevista para trabalho de campo

Para as entrevistas, utilizamos roteiro semiestruturado preparado pre-

viamente com vistas a ser utilizado em todos os estudos de caso da linha 3 do

projeto. O objetivo principal é identificar componentes das novas agendas de

política de inovação orientadas a resultados nas áreas selecionadas, institui-

ções envolvidas e instrumentos utilizados. O roteiro segue a estrutura de te-

mas a seguir:

a) Política: Objetivos dos programas, tanto para o país como em re-

lação a outros países, considerando, por exemplo, busca por lide-

rança setorial e na tecnologia e ações de catch up tecnológico.

b) Dimensão estatal: formação e origem da demanda; processos de

construção e consolidação das medidas; participação pública nos

processos; relação intragoverno e entre diferentes níveis de go-

verno (como articulação de agências); fontes e formas de financi-

amento.

c) Dimensão de pesquisa e setor privado (consórcio ou parceria): de-

finição da agenda de pesquisa; captação e gestão de recursos,

tanto financeiros como humanos; articulação entre os atores

(universidades, centros de pesquisa, laboratórios, empresas);

competição, considerando especialmente apropriação e gestão de

tecnologia; empresas participantes (diferenciar nível local, naci-

onal e internacional); participação de micro e pequenas empre-

sas; participação de universidades e laboratórios; questões de

propriedade intelectual.

As perguntas sugeridas para as entrevistas são descritas no quadro a se-

guir. Vale lembrar que se trata de um roteiro geral que foi complementado pe-

los pesquisadores nas visitas conforme as especificidades de cada localidade.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 517

Questão geral Questões específicas

1) quais os objetivos gerais doprograma? Quais metas buscamalcançar para o país? Por que ou-tros programas de política tec-nológica não conseguem supriresses objetivos?

- Diretrizes do programa.

- Alvos definidos objetivamente.

- Comparação entre a posição relativa do paísfrente a outros e/ou das tecnologias frente aoutras.

2) como são geradas as deman-das a serem perseguidas? Quemparticipa dos processos e definediretrizes?

- Existência de comitês ou conselhos formais

(permanentes ou ad hoc).

- Workshops, seminários ou congressos.

- Estudos de especialistas ou de órgão especí-fico do governo (checar se disponíveis publi-camente).

- Material disparador veio do governo, da aca-demia ou de entidades de classe?

- Articulação dentro do governo

- Fontes de financiamento e composição orça-mentária do programa

- Definição de investimento e de orçamento dediferentes projetos? (iniciativa do governo,editais, institutos buscam fundos para finan-ciamento, colocam recursos próprios etc.)

3) Como é a gestão do programaorientado à missão?

- Operação e execução do programa

- Institucionalidade do laboratório, ou da rede,responsável pela execução da política

- Processo de gestão do instituto

- Participação de cada um dos atores (governo,academia e indústria) na definição de agendae projetos de pesquisa

- Participação financeira de cada um dos ato-res no processo

- Relação no desenvolvimento de produtos epropriedade intelectual (Há regra ou há livrenegociação? Qual o padrão mais usual?)

- Acesso de terceiros? (Comercialização ou se-ção de direitos de propriedade intelectual)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 518

Anexo 2: Locais visitados e entrevistados – Saúde nos EUA

Ragon Institute of MGH, MIT

and Harvard

Bruce D Walker, MD, Ph.D. Director, Ragon Institute of MGH, MIT and Harvard and Harvard University Center for AIDS Research Professor of Medicine, Harvard Medical School Investigator, Howard Hughes Medical Institute Adjunct Faculty, Nelson Mandela School of Medicine

Facundo D. Batista, Ph.D.

Principal Investigator

Forsyth Institute

Philip P. Stashenko, DMD, Ph.D.

President and Chief Executive Officer

Antonio Campos-Neto, MD, Ph.D.

Senior Member of the Staff, Department of Immunol-ogy and Infectious Diseases. Director, Center for Global Infectious Disease Research. Lecturer in Oral Medicine, Infection, and Immunity, Harvard School of Dental Medicine

Biomanufacturing Education

& Training Center (BETC) Kamal A. Rashid, Ph.D. Director, Research Professor Department of Biology and Biotechnology

Whitehead Institute for Bio-

medical Research Gabriel Victora, Ph.D.

Fellow

Harvard-MIT Health Sciences

and Technology

Emery N. Brown, MD, Ph.D.

Director, Harvard-MIT Health Sciences and Technology

Associate Director, Institute for Medical Engineering and Sciences, Massachusetts Institute of Technology

Professor of Computational Neuroscience and Health Sciences and Technology, Massachusetts Institute of Technology

Warren M. Zapol Professor of Anaesthesia, Harvard Medical School and Massachusetts General Hospital

http://www.ragoninsti-tute.org/

https://www.forsyth.org/

www.wpi.edu/+betc

http://wi.mit.edu/

http://hst.mit.edu/

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 519

Wyss Institute Ayis Antoniou, Ph.D., M.B.A.

Administrative Director

OSTP (Office for Science and

Technology Policy) Robbie Barbero, Ph.D.

Assistant Director for Biological Innovation

NIH (National Institutes of

Health)

Greg Farber, Ph.D.

Mental Health Institute and Brain Initiative

Kevin Bialy

http://wyss.harvard.edu/

https://www.whitehouse.gov/administration/eop/ostp

https://www.nih.gov/

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 520

07 /MANUFATURA AVANÇADA NA ALEMANHA

MODELOS INSTITUCIONAIS E POLÍTICAS DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO EM MANUFATURA AVANÇADA: O CASO DA ALEMANHA E DO PROGRAMA INDUSTRIE 4.0

SUMÁRIO EXECUTIVO

- Este capítulo detalha as características principais da plataforma Indus-

trie 4.0, que é um dos elementos centrais da atual política industrial da

Alemanha. O termo Industrie 4.0 busca fazer referência à quarta revo-

lução industrial, considerada já em curso, e caracterizada pela aplicação

intensiva de tecnologias da comunicação e da informação na indústria,

resultando no uso disseminado de sistemas cyber-físicos na produção

de bens e serviços.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 521

- A plataforma Industrie 4.0 visa estruturar e fomentar o desenvolvi-

mento de novas tecnologias, processos e sistemas de manufatura avan-

çada com potencial de alterar a competitividade e reconfigurar o setor

industrial no mundo. O objetivo central da plataforma é o alinhamento

de atores no desenvolvimento tecnológico pré-comercial e na prepara-

ção da sociedade para a aplicação das novas tecnologias.

- A inserção da plataforma Industrie 4.0 na política industrial do governo

alemão foi resultante de grande articulação no meio empresarial e aca-

dêmico, entre 2011 e 2015. A plataforma foi inicialmente estabelecida

em 2013, como um programa gerido por entidades de classe fora do âm-

bito do governo. Somente em 2015, a Industrie 4.0 foi incorporada como

política industrial de governo.

- Um dos pontos distintos da plataforma é a sua governança, que contem-

pla ampla participação de diversos atores da sociedade. A governança é

sofisticada e define claramente os papéis de decisão, de orientação e de

geração de conteúdos. A participação ativa de diversos atores resulta em

alto grau de coesão e de efetividade na aplicação da política industrial

pelo governo alemão.

- Na governança atual, a gestão de mais alto nível (Chair) é realizada de

forma compartilhada pelo Ministério de Economia e Energia (BMWi) e o

Ministério da Educação e Pesquisa (BMBF). Fazem parte da estrutura:

Strategy group, que tem função de integração e de direcionamento de

alto nível; Steering body, que atua no direcionamento técnico, coorde-

nação e supervisão da implementação das ações da plataforma; Working

groups, responsáveis pela produção de novos conteúdos e pela geração

de resultados; Scientific Advisory Committee, que envolve o direciona-

mento científico e tecnológico.

- A coordenação das ações, das agendas e da operação da plataforma fica

a cargo do Secretariat (secretaria geral) que atua como um escritório de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

522

gestão de projetos. A despeito da complexidade e do tamanho da plata-

forma, a secretaria geral é bastante enxuta.

- A participação do governo na plataforma se dá mais como facilitador do

diálogo e coordenador dos atores públicos envolvidos no sistema de ino-

vação alemão do que como gestor, uma vez que as atividades da plata-

forma são definidas de maneira bottom-up e realizadas pelos atores en-

volvidos.

- Em termos de infraestrutura, a plataforma Industrie 4.0 tem incenti-

vado o estabelecimento, mapeamento, divulgação e uso de ambientes de

demonstração e teste de tecnologias em fase pré-competitiva, chama-

dos Testumgebungen (ou testbeds do inglês).

- Testbeds podem ser definidos como ambientes de teste e de demonstra-

ção que procuram simular a realidade de ambientes de produção. Po-

dem ser bastante sofisticados, simulando uma fábrica completa com

base em um produto exemplo, ou bastante simplificados e pragmáticos,

implantados em bancadas de testes ou em máquinas específicas em la-

boratórios. Tipicamente estão instalados em universidades ou centros

de pesquisa como infraestrutura compartilhada.

- A premissa é que as demonstrações em testbeds têm um papel relevante

na construção de consenso e, especialmente, na formação da visão de

futuro, contribuindo para disseminação de informação e articulação.

As fábricas de demonstração são também um recurso efetivo na capaci-

tação de pessoal.

- Fontes específicas de financiamento para a plataforma Industrie 4.0 são

pontuais e limitadas em volume de recursos. Esse fato chama muito a

atenção, considerando o grande porte e a elevada complexidade da pla-

taforma. De fato, a maior parte do financiamento das ações da plata-

forma é baseada em mecanismos tradicionais e em recursos existentes

oriundos de fontes já estabelecidas pelos ministérios e órgãos responsá-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

523

veis pelo fomento à pesquisa e desenvolvimento tecnológico na Alema-

nha. O que vem ocorrendo nas fontes tradicionais é um direcionamento

temático para projetos relacionados de alguma forma com a plataforma

Industrie 4.0.

- Alguns novos mecanismos específicos para a plataforma Industrie 4.0

foram criados e estão sendo utilizados. Destacam-se três linhas, sendo

todas relacionadas à garantia de participação de PMEs (pequenas e mé-

dias empresas) na plataforma. Essas novas linhas são direcionadas

para: capacitação de pessoal; apoio ao uso de testbeds por PMEs; partici-

pação de PMEs em desenvolvimentos tecnológicos de maior porte.

- A análise do caso alemão neste documento permite a identificação de

experiências que podem ser consideradas no cenário brasileiro, ainda

que haja diferenças entre os dois países no que se refere ao sistema de

inovação e ao ponto de partida nos campos empresarial, acadêmico e

governamental, dentre outras diferenças.

- Da análise detalhada e das lições aprendidas do caso alemão são apon-

tados alguns direcionamentos para o Brasil. Os direcionamentos apre-

sentados estão alinhados em torno de cinco eixos: 1. Criação de um pro-

grama brasileiro de manufatura avançada; 2. Busca de um acordo bila-

teral específico entre o programa de manufatura avançada brasileiro e

a plataforma Industrie 4.0 e aproveitamento das relações existentes en-

tre o país e a Alemanha; 3. Criação de uma rede de testbeds de manufa-

tura avançada no Brasil; 4. Utilização das linhas de fomento existentes

e criação de linhas específicas para manufatura avançada; 5. Engaja-

mento de PMEs.

- As informações apresentadas neste capítulo foram obtidas por meio de

análise de documentos, entrevistas preliminares, sistematização de in-

formações prévias da equipe e trabalho de campo, realizando em junho

de 2016, com objetivo coletar informações inéditas e possibilitar enten-

dimento mais qualificado e profundo da plataforma Industrie 4.0 para

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

524

apoiar a definição de recomendações para o Brasil. Também são explo-

rados potenciais pontos de contato e cooperações possíveis com a Ale-

manha a partir de oportunidades identificadas no trabalho de campo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

525

Introdução

O presente capítulo apresenta a análise do programa alemão de manu-

fatura avançada, denominado plataforma Industrie 4.0. Da análise da plata-

forma são derivados aprendizados e recomendações para o Brasil.

A plataforma Industrie 4.0 é um dos elementos centrais da atual política

industrial da Alemanha. Essa plataforma tem chamado a atenção de governos

de diversos países por três características. Primeiro, o seu enfoque temático,

que visa o desenvolvimento de novas tecnologias de manufatura avançada po-

tencialmente disruptivas. Segundo, o horizonte de tempo, que não se restringe

a tecnologias de longo prazo, mas também envolve aplicações que já possuem

maior nível de maturidade tecnológica e que poderão ser disseminadas no mé-

dio prazo. Entende-se que essas novas tecnologias e sistemas em desenvolvi-

mento e implantação têm potencial de alterar a competitividade e reconfigu-

rar o setor industrial no mundo. Terceiro, a plataforma também se destaca

pela coesão e pela ampla participação de instituições da sociedade, represen-

tada pelo setor produtivo, academia, sindicatos, dentre outras instituições.

O consenso em torno da plataforma Industrie 4.0 foi construído ao longo

do seu estabelecimento entre 2011 e 2015. A participação ativa de diversos ato-

res resulta em alto grau de efetividade na aplicação da política industrial pelo

governo alemão. Considerando o já elevado nível de desenvolvimento tecnoló-

gico da base industrial da Alemanha, estima-se que o Industrie 4.0 trará ga-

nhos significativos de competitividade para sua economia.

As três características citadas fazem com que a plataforma Industrie 4.0

sirva de inspiração para a criação de programas análogos em outros países ou,

pelo menos, seja tomada como referência para o estabelecimento de políticas

industriais avançadas. É o caso, por exemplo, de países como Estados Unidos,

China e França. Apesar da plataforma Industrie 4.0 ter sido criada como uma

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

526

iniciativa interna da Alemanha, para elevar a competitividade de sua indús-

tria e para ampliar o seu potencial exportador, é crescente o interesse decla-

rado de outros países em estabelecer algum tipo de cooperação [1, 2].

Este capítulo detalha as características-chave da plataforma Industrie

4.0, com a preocupação de destacar aspectos relevantes que possam inspirar a

elaboração de políticas avançadas para indústria brasileira. Também são ex-

plorados potenciais pontos de contato e cooperações possíveis com a Alema-

nha, que foram identificados nas entrevistas realizadas durante o trabalho de

campo.

O levantamento de dados para a elaboração deste capítulo foi iniciado

com a realização de entrevistas exploratórias com pessoas envolvidas na pla-

taforma Industrie 4.0, que fazem parte da rede de relacionamentos da equipe

do projeto, sugestões da embaixada brasileira na Alemanha e análise de pes-

quisas e documentos publicados. A partir do entendimento inicial e com apoio

da embaixada do Brasil em Berlim, foram definidos centros prioritários para

visitas e atores relevantes para entrevistas. O levantamento de dados em

campo foi realizado em junho de 2016 e envolveu, como destaque, entrevistas

com a Secretaria Geral da Plataforma Industrie 4.0 em Berlim e com represen-

tante do Ministério de Economia e Energia (BMWi – Bundesministeriums für

Wirtschaft und Energie). Foram visitados dois institutos Fraunhofer na área de

manufatura, em Aachen e Berlim. As visitas incluíram também fábricas e la-

boratórios de aplicação e de demonstração de tecnologias em fase pré-comer-

cial, os chamados Testumgebungen (ou testbeds do inglês), que possuem desta-

cado papel na plataforma Industrie 4.0.

O capítulo está estruturado em cinco seções. A seção 2 discute a origem,

o desenvolvimento e as características da plataforma Industrie 4.0 e o seu re-

lacionamento com as políticas de inovação e industrial na Alemanha. A seção

3 apresenta a metodologia de levantamento de dados incluindo as instituições

visitadas e a relação de pessoas entrevistadas. A seção 4 detalha aspectos cen-

trais da plataforma Industrie 4.0 com foco em pontos relevantes para o Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

527

Por fim, a seção 5 descreve as lições aprendidas e detalha recomendações es-

pecíficas para o Brasil.

1. Ciência, tecnologia e inovação em manufatura na Alemanha: uma visão geral

A plataforma Industrie 4.0 é atualmente um dos elementos centrais da

política industrial da Alemanha e se relaciona diretamente com a política de

mais alto nível de inovação do governo alemão, chamada de Die neue

Hightech-Strategie (ou The new High-Tech Strategy em inglês) [3]. Também

está vinculada diretamente ao programa de digitalização da economia alemã,

denominado Digitale Strategie 2025 (Estratégia Digital 2025) [4].

O objetivo da The new High-Tech Strategy é garantir a coerência da polí-

tica de inovação da Alemanha (revisada em setembro de 2014) e impulsionar

o crescimento econômico do país. A política dá grande ênfase em ações para

acelerar a transferência de conhecimento científico para produtos, processos

e serviços comercializáveis, assim como na melhoria do ambiente de inovação

[5]. A meta maior é possibilitar que a Alemanha continue a ser um país líder

mundial em inovação [3].

A política de inovação The new High-Tech Strategy estabelece dez “pro-

jetos de futuro”, dentre os quais a plataforma Industrie 4.0 [6]:

1. Cidades com eficiência energética, adaptação ao clima e balanço

neutro em emissões de CO2;

2. Biomassa como alternativa ao petróleo;

3. Conversão inteligente de fontes de energia;

4. Tratamentos médicos individualizados;

5. Saúde por meio de prevenção direcionada e alimentação;

6. Vida independente em idade avançada;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

528

7. Mobilidade sustentável;

8. Serviços baseados em Internet para a economia;

9. Industrie 4.0;

10. Identificação segura.

A plataforma Industrie 4.0 também é uma das iniciativas-chave relaci-

onadas pela Digitale Strategie 2025 [4], que tem objetivos de mais curto prazo

especificados na Digitale Agenda 2014-2017 (Agenda Digital 2014-2017), que

foi lançada em agosto de 2014 [7]. A Digitale Strategie 2025 e a Digitale Agenda

2014-2017 podem ser entendidas como partes de um programa estratégico

que define várias ações de digitalização da economia, que envolvem desde in-

fraestrutura até ações de incentivo para a adoção de soluções digitais pela so-

ciedade e de fomento para startups.

Assim, de forma mais ampla, a plataforma Industrie 4.0 está contem-

plada na política de inovação The new High-Tech Strategy. Também se relaci-

ona e se beneficia dos investimentos do programa estratégico de digitalização

da economia, que é um impulsionador da Industrie 4.0 [8].

Já na política industrial alemã do Ministério de Economia e Energia

(BMWi), a plataforma Industrie 4.0 é um dos dois únicos enfoques temáticos

explícitos, ao lado de mobilidade elétrica [9].

A inserção da plataforma Industrie 4.0 na política industrial do governo

foi resultante de grande articulação no meio empresarial, entre 2011 e 2015. A

plataforma foi criada e estabelecida inicialmente como um programa gerido

por entidades de classe fora do âmbito do governo e somente em 2015, a Indus-

trie 4.0 foi incorporada como política industrial de governo.

Apesar de articulada entre 2011 e 2015, a plataforma Industrie 4.0 tem

raízes em anos anteriores na busca por uma iniciativa integradora, com foco

na competitividade da indústria alemã.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

529

Os anos 2000 foram marcados por grandes investimentos de empresas

alemãs em aumento da capacidade produtiva na Ásia, notadamente na China,

em certa medida contrariando o entendimento disseminado em discussões

empresariais e acadêmicas no país de que a permanência na Alemanha seria

um fator relevante para a manutenção da capacidade inovadora de longo

prazo, dada a relação estreita entre as atividades de pesquisa e desenvolvi-

mento e a produção de alto valor agregado, como no caso do setor de máquinas

e equipamentos [10]. Mesmo assim, os baixos custos aliados ao potencial do

mercado local na Ásia levaram ao investimento massivo em novas plantas e

na capacidade produtiva na China.

Iniciativas, programas e projetos estabelecidos entre 2000 e 2010 bus-

caram alinhar a indústria alemã em torno da elevação de seus indicadores de

competitividade. Como exemplo, é possível citar o programa de pesquisa Tec-

nologias Integradas de Produção para Países com Altos Salários (Exzellenzclu-

ster Integrative Produktionstechnik für Hochlohnländer), desenvolvido na Uni-

versidade de Aachen a partir de 2006 [11]. Outro exemplo foi o estudo financi-

ado pela Associação dos Fabricantes de Máquinas e Equipamentos (VDMA –

Verband Deutscher Maschinen- und Anlagenbau) para adaptação de métodos

e ferramentas de Produção Enxuta (Lean Manufacturing) para aplicação na

produção de produtos complexos em baixos volumes, como é característico do

setor de bens de capital [12]. Ambas iniciativas deram ênfase ao aumento da

produtividade da indústria na Alemanha, seja por meio de maior automação

ou da adoção de abordagens de gestão. No mesmo período, na Comunidade Eu-

ropeia foi desenvolvido o programa Manufuture-EU, que resultou no estabele-

cimento de uma visão de futuro para a manufatura na Europa em 2020 [13].

Apesar de importantes, essas iniciativas não foram capazes de gerar o mesmo

nível de articulação, de adesão e de grande mobilização como a que se tem

agora com a plataforma Industrie 4.0.

A Industrie 4.0 começou a ser definida por meio de um grupo de trabalho

que envolveu o setor produtivo e a academia e contou com apoio do governo

Page 531: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

530

alemão via Ministério da Educação e Pesquisa (BMBF – Bundesministeriums für

Bildung und Forschung).

O termo Industrie 4.0 foi apresentado ao público de forma mais ampla

pela primeira vez na Feira de Hannover de 2011. Com o termo, busca-se fazer

referência à quarta revolução industrial, considerada já em curso, e caracteri-

zada pela aplicação intensiva de tecnologias da comunicação e da informação

na indústria, resultando no uso disseminado de sistemas cyber-físicos na pro-

dução de bens e serviços. Naquele momento, já se anunciava que as mudanças

tecnológicas em andamento teriam enorme impacto na competitividade do

setor industrial e na configuração da indústria mundialmente [14]. A Figura 1

posiciona a quarta revolução industrial em relação aos avanços industriais an-

teriores [15].

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

531

Figura 1: As quatro revoluções industriais [15]

Em 2012, o grupo de trabalho apresentou um denso relatório contendo

o direcionamento inicial para um programa alemão de manufatura avançada

[16]. O trabalho evoluiu e resultou em um documento de recomendações para

a implantação da iniciativa Industrie 4.0, publicado em abril de 2013 pela Aca-

demia Alemã de Ciências e Engenharia (Acatech – Deutsche Akademie der

Technikwissenschaften ou National Academy of Science and Engineering) [15].

O documento da Acatech estabeleceu os primeiros focos de ação e ajudou a

formar consenso e alinhar atores em torno da relevância da iniciativa para a

economia alemã. Os objetivos declarados da Industrie 4.0 naquele momento

foram a manutenção da liderança industrial e o incremento do potencial de

exportação de produtos de alto valor agregado da economia alemã.

A partir da publicação dos documentos de definição inicial da iniciativa

Industrie 4.0 [15, 16], três entidades de classe dos setores de máquinas e equi-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

532

pamentos (VDMA – Verband Deutscher Maschinen- und Anlagenbau), de ele-

trônica (ZVEI – Zentralverband Elektrotechnik- und Elektronikindustrie) e de

tecnologia da informação, comunicação e mídia (BITKOM – Bundesverband In-

formationswirtschaft, Telekommunikation und neue Medien), que juntas repre-

sentam mais de 6.000 empresas, se uniram para lançar a primeira versão da

plataforma Industrie 4.0. O lançamento da Industrie 4.0 como uma plata-

forma tecnológica e de projetos ocorreu na Feira de Hannover de 2013.

Dessa forma, a plataforma Industrie 4.0 iniciou em 2013 como uma ini-

ciativa da sociedade civil organizada, especificamente de entidades de classe,

de setores industriais e da academia, com o objetivo de identificar os desafios

técnicos que a indústria alemã enfrentaria com o advento das tecnologias que

configuram a 4º revolução industrial. Esse primeiro momento foi marcado

pela articulação de entidades para a realização de estudos, decorrente de es-

forços anteriores que demonstravam a necessidade de uma articulação mul-

tissetorial e de diferentes agentes para enfrentar os grandes desafios que a

implantação e o desenvolvimento de novos padrões tecnológicos representa-

riam para a economia do país.

No período entre 2013 e 2015, a plataforma foi liderada e operada con-

juntamente pelas três entidades de classe (VDMA, ZVEI e BITKOM). O período

foi caracterizado por grande disseminação do termo e das ações da plata-

forma. Apesar de a plataforma receber apoio governamental no período, não

era considerada ainda parte da política industrial governamental [10].

Em 2015, a plataforma Industrie 4.0 foi “relançada” como política indus-

trial de governo e assumiu sua governança e institucionalidade atual. A trans-

formação da plataforma em política pública se deu, pois, com o passar do

tempo, identificou-se que a governança da “plataforma antiga” apresentava

limitações. Por ser gerida por três entidades de classe, faltava ampla represen-

tação de outros segmentos da sociedade.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

533

Após o “relançamento”, a liderança da plataforma passou a ser exercida

conjuntamente pelo Ministério de Economia e Energia (BMWi) e pelo Ministé-

rio da Educação e Pesquisa (BMBF). A operação ficou a cargo de uma Secretaria

Geral operada pela Associação de Engenheiros da Alemanha (VDI – Verein Deu-

tscher Ingenieure) com apoio de uma consultoria com papel de prestador de

serviços. Houve expansão significativa da participação nos vários níveis de go-

vernança e de operação, com a inclusão de novos membros da sociedade civil,

como representantes de sindicatos e dos estados da federação.

Nota-se que essa política industrial de governo foi formatada de forma

evolutiva entre 2011 e 2015 com participação ampla de diversos atores da so-

ciedade na busca de consenso e de foco para o desenvolvimento industrial ale-

mão. A formulação da política industrial seguindo um percurso bottom-up, de

fora do governo para dentro, participativo, consensual, evolutivo é sem dúvida

bastante distinta.

Como resultado da política industrial, tem-se que o objetivo declarado

primordial da plataforma Industrie 4.0 é garantir e desenvolver a liderança

internacional da indústria de manufatura alemã – “Plattform Industrie 4.0’s

primary objective is to secure and develop Germany’s top international posi-

tion in industrial manufacturing. ” [17]. Observa-se assim que se trata essenci-

almente de um projeto nacional e interno ao país, para alavancar a sua com-

petitividade. Não se tratava, em primeiro momento, de uma plataforma de de-

senvolvimento para articular a participação de diferentes países de forma co-

laborativa, nem mesmo no âmbito da Comunidade Europeia. Entretanto, a

forte disseminação internacional dos preceitos conceituais e dos focos de de-

senvolvimento da plataforma transforma a iniciativa em imediata oportuni-

dade comercial e de influência tecnológica. Assim, algumas oportunidades de

colaboração se abrem.

Os aspectos centrais da plataforma Industrie 4.0 e as oportunidades de

colaboração para o Brasil são discutidos de forma detalhada na seção 4 deste

documento.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

534

Nesta seção, cabe ainda analisar a posição e o papel dos institutos da so-

ciedade Fraunhofer, dada sua importância para todo o sistema nacional de

inovação da Alemanha, assim como o papel das universidades nos desenvolvi-

mentos da plataforma Industrie 4.0.

Participação dos Institutos Fraunhofer e de universidades na plataforma

Industrie 4.0

A sociedade Fraunhofer, fundada em 1949, é uma organização de inte-

resse social, sem fins lucrativos e voltada para a pesquisa aplicada. Tem como

objetivo promover o desenvolvimento econômico da Alemanha por meio da

inovação. O nome Fraunhofer é uma homenagem a Joseph von Fraunhofer,

um proeminente pesquisador e empreendedor alemão do século XIX.

A sociedade Fraunhofer se organiza em institutos de pesquisa orienta-

dos para áreas específicas do conhecimento. Atualmente existem 68 institutos

na Alemanha, onde trabalham mais de 24.000 pessoas. Geralmente os institu-

tos Fraunhofer são relacionados a alguma universidade. Os pesquisadores e

professores gestores de cada instituto são tipicamente chefes de cadeiras/de-

partamentos nas suas respectivas universidades. O objetivo é fazer a ponte en-

tre o conhecimento científico gerado e o desenvolvimento de produtos, pro-

cessos e serviços baseados em descobertas com potencial de aplicação.

O orçamento global da sociedade Fraunhofer ultrapassou € 2 bilhões em

2015 [18]. A política oficial de financiamento de cada instituto indica que cerca

de um terço dos recursos deve ser proveniente de recursos governamentais;

um terço dos recursos deve ser proveniente de editais competitivos de pes-

quisa – tipicamente baseados em fundos públicos; e um terço dos recursos

deve ser obtido por meio de contratos de projetos com empresas e instituições.

Os institutos Fraunhofer funcionam de modo independente. Podem

existir mais de um instituto para cada área do conhecimento. No conjunto, os

institutos se organizam em torno de sete grupos temáticos tecnológicos:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

535

1. Information and Communication Technology;

2. Life Sciences;

3. Microelectronics;

4. Lights & Surfaces;

5. Production;

6. Material and Components;

7. Defense and Security.

Os projetos específicos da plataforma Industrie 4.0 são em grande parte

realizados nos oito institutos da área de Production [19]:

1. Fraunhofer Institute for Factory Operation and Automation (IFF),

localizado em Magdeburg;

2. Fraunhofer Institute for Machine Tools and Forming Technology

(IWU), localizado em Chemnitz;

3. Fraunhofer Institute for Material Flow and Logistics (IML), local-

izado em Dortmund;

4. Fraunhofer Institute for Mechatronic Systems Design (IEM), locali-

zado em Paderborn;

5. Fraunhofer Institute for Production Systems and Design Technol-

ogy (IPK), localizado em Berlim;

6. Fraunhofer Institute for Manufacturing Engineering and Automa-

tion (IPA), localizado em Stuttgart;

7. Fraunhofer Institute for Production Technology (IPT), localizado

em Aachen;

8. Fraunhofer Institute for Environmental, Safety and Energy Tech-

nology (UMSICHT), localizado em Oberhausen;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

536

Tecnologias específicas para utilização em projetos de Industrie 4.0 po-

dem ser desenvolvidas em diversos outros institutos, como nos institutos com

foco em tecnologia da informação e/ou microeletrônica, de forma que parte

significativa da rede Fraunhofer está de alguma forma envolvida com projetos

da plataforma Industrie 4.0.

Uma das iniciativas centrais do Fraunhofer relacionadas com Industrie

4.0 é o projeto E3-Produktion. E3 se refere à produção eficiente em termos de

consumo de recursos e de energia, com balanço neutro em emissões e com a

consideração dos aspectos humanos na organização do trabalho (Energie- und

ressourceneffiziente Produktion, Emissionsneutrale Fabrik, Einbindung des

Menschen in die Produktion). Para desenvolver os aspectos do E3-Produktion,

participam da iniciativa 13 institutos Fraunhofer de quatro áreas: Information

and Communication Technology, Life Sciences, Production e Material and Com-

ponents.

Os conceitos do E3-Produktion estão sendo desenvolvidos e testados de

forma integrada em quatro demonstradores de tecnologia em implantação

nos institutos em Berlim, Chemnitz, Dortmund e Stuttgart. Destaca-se o de-

monstrador Fábrica de Pesquisa (E³-Forschungsfabrik) em Chemnitz, como lo-

cal para testes e avaliações de novas tecnologias de Industrie 4.0 [20]. O papel

e a relevância de demonstradores (testbeds) para a plataforma Industrie 4.0

são discutidos em maior profundidade na seção 4 deste documento.

O Fraunhofer possui uma experiência de cooperação internacional, em

geral por meio da comercialização de serviços especializados. Em 2015, a re-

ceita internacional de todos os institutos foi de € 291 milhões [18]. Diversas

organizações brasileiras desenvolvem ou já desenvolveram projetos em parce-

ria com algum instituto Fraunhofer, em esforços que envolveram prestação

de serviços, desenvolvimento conjunto ou assessoramento estratégico. Por-

tanto, há oportunidade de considerar a colaboração com institutos Fraunho-

fer em esforços de manufatura avançada do Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

537

Por fim, discute-se aqui o envolvimento das universidades de pesquisa

alemãs na plataforma Industrie 4.0. Desde a concepção inicial do programa, a

participação das universidades tem sido muito intensa. Acadêmicos partici-

param da formulação inicial do programa e da elaboração dos primeiros do-

cumentos de orientação que servem de base para o Industrie 4.0 até hoje [15,

16]. Na governança atual, a academia é representada no comitê de assessora-

mento científico [21] – cujo papel e relação com outros elementos da gover-

nança são detalhados na seção 4 deste documento.

Mais especificamente, as universidades alemãs realizam inúmeros pro-

jetos de pesquisa e desenvolvimento relacionados com a plataforma Industrie

4.0. Para isso, se apoiam em parcerias existentes com a indústria e em fontes

de financiamento da plataforma ou em outras que já existiam previamente.

De fato, muitas das fontes ordinárias preexistentes foram orientadas formal

ou informalmente para fomentar temas relacionados com a plataforma In-

dustrie 4.0. Na área de produção, por exemplo, é comum que os projetos sub-

metidos para órgãos de fomento especifiquem a sua relação com a plataforma

Industrie 4.0. Como exemplo, pode-se citar inclusive o programa bilateral de

projetos na área de manufatura entre Brasil e Alemanha, denominado BRA-

GECRIM (Iniciativa Brasil-Alemanha para Pesquisa Colaborativa em Tecnolo-

gia de Manufatura ou Brazilian-German Collaborative Research Initiative on

Manufacturing Technology), financiado conjuntamente pela CAPES e pela DFG

(Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa ou Deutsche Forschungsgemeins-

chaft). A análise dos projetos aprovados recentemente no âmbito do BRAGE-

CRIM indica a relação de alguns deles com temas prioritários de Industrie 4.0,

como sistemas “inteligentes” de manutenção, sistemas produto-serviço e sis-

temas de produção “inteligentes” com base em componentes “inteligentes”.

Ou seja, há uma forte orientação da academia alemã na área de tecnologias da

produção para projetos que se relacionam com a plataforma Industrie 4.0.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

538

As universidades alemãs também têm participado intensamente na dis-

seminação de ambientes de testes e de demonstração de tecnologias, conheci-

dos na plataforma Industrie 4.0 como testbeds. O fomento aos testbeds é um

dos aprendizados da análise da plataforma para o Brasil explorado mais deta-

lhadamente nas seções 4 e 5 deste documento.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

539

2. Metodologia do levantamento de campo

O trabalho de campo teve como objetivo coletar informações inéditas e

possibilitar entendimento mais qualificado e profundo da plataforma Indus-

trie 4.0 para apoiar a definição de recomendações para o Brasil.

Apesar da documentação disponível sobre a plataforma Industrie 4.0 ser

ampla por se tratar de um programa público, muitos aspectos sobre o funcio-

namento da plataforma, de sua governança e da efetiva participação dos ato-

res não estão documentados e, como é natural nesse tipo de programa, só po-

dem ser identificados por meio de observação local e de entrevistas em pro-

fundidade com atores envolvidos no processo de formulação e implementação

da iniciativa.

O trabalho de levantamento em campo foi precedido de análise dos do-

cumentos existentes e de entrevistas preliminares com pessoas da rede de

contatos dos pesquisadores que de alguma forma atuam em projetos relacio-

nados com a Industrie 4.0 ou que possuíam conhecimento sobre a plataforma

e sobre o sistema de inovação alemão. Experiências prévias da equipe de pes-

quisadores também foram consideradas.

A análise dos documentos, as entrevistas preliminares e a sistematiza-

ção de conhecimentos prévios da equipe resultaram na identificação de aspec-

tos centrais a serem avaliados no trabalho de campo. Com apoio da Embaixada

do Brasil em Berlim e com envolvimento da equipe de pesquisadores, foram

identificados e priorizados locais para visitas e pessoas relevantes para entre-

vistas.

A preparação para o levantamento em campo também envolveu a ela-

boração de um roteiro semiestruturado de entrevistas contemplando elemen-

tos da governança, financiamento, infraestrutura, e de participação de atores

na plataforma. O roteiro também contemplou a exploração das possíveis for-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

540

mas de cooperação e de participação do Brasil e de empresas brasileiras na pla-

taforma Industrie 4.0 (Anexo 1). No agendamento das visitas e entrevistas

também recebemos apoio da Embaixada do Brasil em Berlim.

A relação de locais visitados e de pessoas entrevistadas é apresentada na

Tabela 1. As visitas e entrevistas ocorreram na Secretaria Geral da Plataforma

Industrie 4.0 em Berlim, com representante do Ministério de Economia e Ener-

gia (BMWi), em dois institutos Fraunhofer da área de produção, nas cidades de

Berlim e Aachen (Fraunhofer Institute for Production Systems and Design

Technology e Fraunhofer Institute for Production Technology), em três fábricas

de demonstração (testbeds) e na empresa de sistemas de gestão empresarial

SAP, como um caso específico de participação de empresa na plataforma.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 541

Tabela 1: Relação de locais visitados e de pessoas entrevistadas

Local Entrevistados

Secretariat Plattform In-

dustrie 4.0

e

Ministério de Economia

e Energia (BMWi) – Ber-

lim

Reunião com o acompanhamento do Sr. Secretário Eduardo

Terada Kosmiskas, Embaixada do Brasil em Berlim, na sede

do Secretariado da Plataforma Industrie 4.0, com os senho-

res:

Dr. Daniel Senff – Deputy Secretary General, Secretariat

Plattform Industrie 4.0

Dr. Friedrich Gröteke – Digitisation, Industrie 4.0, Federal

Ministry for Economic Affairs and Energy

Fraunhofer Institute for

Production Systems and

Design Technology (IPK) –

Berlim

Reunião com o acompanhamento do Sr. Secretário Eduardo

Terada Kosmiskas, Embaixada do Brasil em Berlim, com os

senhores:

Dipl.-Ing. Eckhard Hohwieler – Head of Department, Produc-

tion Machines and Systems Management

Dr.-Ing. Tiago Borsoi Klein – Research Fellow, Manufacturing

Technologies

M.Sc. Rodrigo Pastl Pontes – Research Assistant, Production

Machines and Systems Management

Fraunhofer Institute for

Production Technology

(IPT) – Aachen

Entrevista no IPT com os senhores: Dr. Thomas Bobek, Líder

do grupo de CAx-Technologies, e Dr. Eike Permin, Líder do

grupo de Production Quality and Metrology

Demofabrik Aachen –

Aachen

Visita à fábrica demonstradora de Aachen, localizada no

Campus da Universidade de Aachen, e entrevista com o

Dipl.-Ing. Michael Haumann, Operations Manager da fá-

brica demonstradora

ETA-Fabrik

(Energieeffizienz-,

Technologie- und

Anwendungszentrum) –

Visita e reunião na ETA-Fabrik, do Institute of Production

Management, Technology and Machine Tools (PTW) da

Technische Universität Darmstadt. A reunião foi realizada

com o Dipl.-Wirtsch.-Ing. Philipp Schraml

Page 543: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 542

Darmstadt

Prozesslernfabrik CiP

(Center für industrielle

Produktion) / Process

Learning Factory CiP

(Centre for industrial

Production) – Darmstadt

Visita e reunião na Prozesslernfabrik CiP, do Institute of Pro-

duction Management, Technology and Machine Tools (PTW)

da Technische Universität Darmstadt. A reunião foi reali-

zada com o M.Sc. Maximilian Meister.

SAP Headquarter –

Walldorf

Reunião na sede da empresa SAP com os responsáveis pelas

áreas de IoT (Internet of Things) e Industrie 4.0. Participa-

ram da reunião os (as) senhores (as):

Dr.-Ing. Dirk Ammermann, Vice President IoT Strategy,

Products & Innovation Division

Sr. Daniel Faulk, Senior Product Manager, IoT Application

Services

Srª. Maria Cecilia Calzada de Neumann, Country Manager

Latin America, Spain & Portugal, SAP University Alliances

Srª. Nathalie Boulay, SAP University Alliances

Como resultados das entrevistas, foram documentadas informações so-

bre o funcionamento da plataforma e do sistema de inovação da Alemanha

agora detalhados nas seções 2 e 4 deste capítulo, as quais servem de base para

a elaboração de recomendações apresentadas na seção 5.

Local Entrevistados

Page 544: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 543

3. Tendências recentes nas políticas de CTI

Nesta seção, são discutidos aspectos centrais da plataforma Industrie

4.0 detalhados no levantamento em campo e que podem apoiar a definição de

recomendações para o Brasil.

3.1. Governança do programa Industrie 4.0 e formas de participação

A governança atual da plataforma Industrie 4.0 foi adotada a partir de

2015, quando a plataforma assumiu seu papel de política de governo. Na go-

vernança atual, a gestão de mais alto nível passou a ser realizada de forma

compartilhada entre o Ministério de Economia e Energia (BMWi) e o Ministério

da Educação e Pesquisa (BMBF). Os diversos níveis e formas de participação na

plataforma garantem representatividade ampla de vários setores da socie-

dade.

A Figura 2 apresenta a visão geral da governança da plataforma Indus-

trie 4.0 a partir de 2015. Detalhes sobre o funcionamento de cada um de seus

elementos são relatados em seguida.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 544

Figura 2: Estrutura organizacional e de governança da plataforma Industrie 4.0 [20]

No nível mais alto da governança, o Chair da plataforma é composto pes-

soalmente pelos ministros de Economia e Energia e da Educação e Pesquisa,

além de representantes de mais alto nível de quatro empresas. O Chair se re-

úne duas vezes ao ano. Suas atribuições envolvem o direcionamento de alto

nível, a alocação e priorização de recursos, e a coordenação com outras ações

da política de inovação e da política industrial do governo.

O Steering body é composto primordialmente por representantes de

cerca de 30 empresas com a participação de alguns membros do governo, esses

em menor número. Reúne-se quatro vezes ao ano. As atribuições do Steering

body envolvem o direcionamento técnico e a coordenação e supervisão da im-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 545

plementação das ações da plataforma. Nota-se que as empresas envolvidas po-

dem, por meio de sua participação, exercer influência sobre as escolhas e pri-

oridades de desenvolvimento tecnológico no âmbito da Industrie 4.0.

Os Worging groups são responsáveis pela geração de resultados e pela

produção de novos conteúdos nas áreas de: arquitetura de referência e padro-

nização; pesquisa e inovação; segurança de sistemas em rede; marco legal;

preparação da força de trabalho; dentre outros enfoques temáticos, definidos

conforme a prioridade. Os Working groups são compostos por membros desig-

nados para atuar na plataforma por um período de tempo que pode ser consi-

derado como de médio a longo. Assim, não se esperam trocas frequentes de

membros designados por empresas e instituições participantes para atuar nos

Working groups. De acordo com relatos, a participação nos Working groups é

muito personificada e os membros têm compromisso pessoal de dedicação de

tempo, de aporte de conteúdo e de execução das tarefas designadas. A cons-

trução de relações pessoais nos Working groups é vista como importante para

que haja comprometimento com a execução dos trabalhos. Tipicamente, os

Working groups se reúnem uma vez por mês. O idioma de trabalho é o alemão,

de forma que se houver participação de estrangeiros ou de empresas estran-

geiras, essa deve ocorrer por meio de representante fluente no idioma alemão.

O Strategy group tem função de direcionamento da política, de constru-

ção de consenso e de multiplicação por meio de desdobramentos das ações nas

organizações representadas. O Strategy group contempla ampla representa-

ção, contando, por exemplo, com representantes do governo central, dos esta-

dos da federação, do Steering body (majoritariamente empresas), de entidades

de classe, de sindicatos e da academia (ex. Fraunhofer). A participação ampla

visa, além da construção de consenso, possibilitar desdobramentos efetivos

para os segmentos representados. Como exemplo, pode-se citar a participação

sindical do IG Metall no Strategy group, que por sua vez realiza ações próprias

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 546

internas relacionadas com a plataforma Industrie 4.0 do ponto de vista de im-

pactos e de geração de oportunidades para os trabalhadores da indústria na

Alemanha.

O Scientific Advisory Committee contempla o direcionamento científico

e tecnológico, tanto do ponto de vista temático como da formalização de ins-

trumentos de fomento à pesquisa e para a formação de pessoal qualificado.

Considerando a operação da plataforma, nota-se que o Steering body e

os Working groups, relacionados do lado esquerdo da Figura 2, têm composi-

ção formada majoritariamente por representantes de empresas, com ação fo-

cada na geração de novos conceitos e de propostas para a indústria alemã. Essa

atuação ainda é pré-competitiva, não diretamente relacionada a produtos co-

merciais específicos e com viés geral de gerar oportunidades para todos os se-

tores envolvidos e para a indústria alemã como um todo. Na parte central da

Figura 2, o Strategy group e o Scientific Advisory Committee têm função pri-

mordial de representatividade, de suporte na formulação da política, de for-

mação de consenso e de facilitar desdobramentos na implantação efetiva da

política.

Do lado direito da Figura 2, são relacionadas as ações e mecanismos di-

recionados para o mercado, que já se aproximam de soluções comerciais espe-

cíficas. As iniciativas podem ser realizadas em consórcios de empresas. Como

exemplo, pode-se citar um demonstrador tecnológico conjunto das empresas

SAP (de softwares de gestão empresaria) e Festo (da área de automação). As

empresas são diretamente responsáveis por esse tipo de atividade voltada ao

mercado e para a promoção comercial, uma vez que naturalmente essas ativi-

dades saem do escopo de atuação da política pública da plataforma.

Por fim, a coordenação das ações, das agendas e da operação da plata-

forma fica a cargo do Secretariat (secretaria geral) que atua como um escritó-

rio de gestão de projetos. O Secretariat é responsável pela gestão da plata-

forma, envolvendo atividades como comunicação, realização de eventos, aten-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

547

dimento de demandas externas, dentre outras. A operacionalização é reali-

zada pela Associação de Engenheiros da Alemanha (VDI), com apoio de uma

consultoria externa com papel de prestador de serviços. Na visita realizada,

notou-se que a despeito da complexidade e do tamanho da plataforma Indus-

trie 4.0, a secretaria geral é bastante enxuta, sendo composta por cinco pessoas

dedicadas que atuam em um escritório de pequeno porte em Berlim.

O objetivo central da plataforma é a articulação de atores no desenvol-

vimento tecnológico pré-comercial. Articulam-se em torno da plataforma

aproximadamente 300 pessoas das diferentes organizações que a compõem.

Não há coordenação centralizada detalhada das ações de cada participante.

Cada grupo (ex. Working group) se organiza de forma independente. Os proje-

tos e iniciativas são divulgados de acordo com o interesse dos membros para

ampla participação e articulação entre os interessados.

O integrante do ministério de Economia e Energia que foi entrevistado

esclareceu que a participação do governo na plataforma se dá mais como faci-

litador do diálogo e coordenador dos atores públicos envolvidos no sistema de

inovação alemão do que como gestor. Uma vez que as atividades da plataforma

se concentram na fase pré-competitiva, e que a plataforma se estrutura de ma-

neira bottom-up, o governo atua como facilitador interno na plataforma. Ou

seja, os representantes do governo na plataforma articulam os membros do

próprio governo para ações públicas relacionadas às demandas oriundas da

plataforma. A participação dos ministros de Economia e Energia e da Educa-

ção e Pesquisa pessoalmente no Chair da plataforma legitima as ações do go-

verno nesse sentido.

Um ponto relevante enfatizado pelo entrevistado do ministério de Eco-

nomia e Energia, é que a plataforma Industrie 4.0 não atua diretamente na

elaboração de normas nem na padronização, pois isso refletiria formação de

cartel sob a ótica do direito internacional. É de responsabilidade dos Working

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 548

groups a elaboração de estudos técnicos para a sugestão de ações nesse sen-

tido, que são encaminhadas aos órgãos responsáveis por normas no país e na

União Europeia, mas não há participação do governo nesse ponto.

Questionado se seria viável assinar um acordo de cooperação da plata-

forma Industrie 4.0 da Alemanha com o Brasil, foi indicado que a assinatura

de qualquer documento de alto nível depende do desejo concreto das empresas

envolvidas efetivamente cooperarem de ambos os lados. Se houver essa indi-

cação pelas empresas, garantindo a característica bottom-up da plataforma, o

governo alemão pode assinar um acordo bilateral. Caso contrário, o entrevis-

tado considera que será um documento com pouca efetividade – mostraram-

se relutantes a assinar algo acordado no nível de governo somente.

Um exemplo recente de acordo bilateral específico é o que foi firmado

entre a plataforma alemã Industrie 4.0 e o programa francês Alliance Industrie

du Futur. Como resultado há um plano de trabalho conjunto que enfatiza o de-

senvolvimento de cenários, casos de uso, testbeds e de ações de formação de

pessoal, dentre outras.

A questão se haveria possibilidade de participação direta de empresas

brasileiras em algum dos Working groups da plataforma Industrie 4.0 foi res-

pondida afirmativamente, desde que observada uma série de premissas. Os

participantes dos Working groups devem ser de empresas com operação ma-

nufatureira na Alemanha. Essas empresas podem então indicar um membro

qualificado e fluente em alemão que tenha disponibilidade de tempo para par-

ticipar efetivamente e aportar conhecimentos e trabalho para o Working

group ao qual ele seja designado. A candidatura do integrante deve ser apro-

vada pelos demais membros do Working groups, uma vez que os trabalhos já

estão em andamento. Ou seja, a candidatura e a participação devem fazer sen-

tido e fortalecer o Working group para que ela seja desejada.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 549

Por fim, como calendário geral da plataforma Industrie 4.0, existem três

feiras que representam marcos importantes para as atividades em curso: Han-

nover Messe, CEBIT, IT Summit. Havendo propensão, o Brasil poderia se posi-

cionar como o parceiro principal de uma das edições de um desses eventos.

Adicionalmente, ressalta-se que a Reunião do G20 em 2017 será na Alemanha,

com subgrupos de trabalho focados em manufatura avançada. Essa reunião

do G20 pode ser aproveitada para aproximação entre os países no tema.

Os pontos discutidos anteriormente de potencial assinatura de acordo

bilateral com Alemanha, de eventual possibilidade de participação de empre-

sas brasileiras em um ou mais Working groups da plataforma, de possível par-

ticipação mais contundente em feiras alemãs e de posicionamento e prepara-

ção em relação ao encontro do G20 na Alemanha serão retomados nas reco-

mendações na seção 5 deste documento.

3.2. O papel dos ambientes de teste e demonstração - testbeds

A plataforma Industrie 4.0 tem incentivado o estabelecimento, mapea-

mento, divulgação e uso de ambientes de teste e demonstração como infraes-

trutura compartilhada (testbeds). A premissa é que as demonstrações em tes-

tbeds têm um papel relevante na construção de consenso e especialmente na

formação da visão de futuro, contribuindo para disseminação de informação

e articulação.

Testbeds podem ser definidos como ambientes de teste e de demonstra-

ção que procuram simular a realidade de ambientes de produção. Podem ser

bastante sofisticados, simulando uma fábrica completa com base em um pro-

duto exemplo, ou bastante simplificados e pragmáticos, implantados em ban-

cadas de testes ou em máquinas específicas em laboratórios. Tipicamente es-

tão instalados em universidades ou centros de pesquisa como infraestrutura

compartilhada.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 550

O uso de ambientes que simulam a produção real como infraestrutura

compartilhada de pesquisa não é novo na Alemanha. Por exemplo, a Universi-

dade de Aachen criou em 1992 a fábrica de demonstração ADITEC (Aachener

Demonstrationslabor für integrierte Produktionstechnik). Esses ambientes são

relevantes para permitir o teste e a avaliação de aplicações de maior nível de

maturidade tecnológica em situações próximas do real, simulando as suas

condições de utilização e permitindo a avaliação de ganhos potenciais e de ne-

cessidades de melhoria.

As fábricas de demonstração são também um recurso efetivo na capaci-

tação profissional de alunos de graduação e especialmente de pesquisadores

pós-graduandos envolvidos na sua operação. Em geral, a operação dos testbeds

não é rotineira como na produção real. A produção simulada em testbeds tipi-

camente ocorre em lotes pequenos e em lead times mais longos, por limitações

de recursos e pela própria característica de teste, diferente da produção para

comercialização. Mesmo assim, a operação de testbeds é altamente deman-

dante em termos de alocação de pessoal e de conhecimentos, fazendo com que

esses ambientes sejam efetivos para o aprendizado prático. As novas tecnolo-

gias a serem avaliadas precisam ser instaladas, adaptadas para as condições

de uso e para o produto exemplo do testbed e equipadas para testes que preci-

sam ser criados para avaliação e validação. Ao combinar trabalho prático com

aplicação de novas tecnologias e a coleta de dados para análise de benefícios e

de requisitos adicionais, os testbeds promovem a formação de mão de obra al-

tamente qualificada e atualizada em termos tecnológicos.

Na plataforma Industrie 4.0, os testbeds assumem um papel central,

como local para o encontro de parceiros e aplicações piloto, bem como para

demonstrações para potenciais futuros usuários. Tipicamente, os testbeds são

utilizados para testar tecnologias em fase pré-comercial. Como são infraestru-

turas mais caras e com nível de utilização que varia com o tempo e por projeto,

há benefícios em se utilizar de forma compartilhada. De forma geral, somente

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 551

grupos empresariais muito grandes podem arcar com ambientes de demons-

tração próprios, como é o caso da Siemens, que possui uma fábrica real que é

utilizada também para demonstração de novas tecnologias de manufatura

avançada. Nessas circunstâncias, os testbeds em universidades como infraes-

trutura de pesquisa compartilhada são muito relevantes para possibilitar a

utilização por empresas menores.

Dadas todas as características descritas anteriormente, a plataforma In-

dustrie 4.0 envolve o incentivo ao estabelecimento de testbeds e promove a di-

vulgação desses ambientes para que sejam utilizados por empresas. Os tes-

tbeds já identificados são apresentados em um mapa interativo da Alemanha,

disponível no website da plataforma. A Figura 3 apresenta os testbeds já mape-

ados pela plataforma Industrie 4.0. No total, a plataforma já mapeou 33 tes-

tbeds, sendo que a grande maioria é localizada em universidades ou em cen-

tros de pesquisa.

Figura 3: Mapa de testbeds identificados pela plataforma Industrie 4.0 na Alemanha [22]

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 552

Outra iniciativa de mapeamento de testbeds apoiada pela plataforma

Industrie 4.0 é a chamada “Lab Network Industrie 4.0”, disponível no link

http://lni40.de/en/. Não se tem registro de nenhuma outra iniciativa anterior

que tenha resultado no fomento e mapeamento de ambientes de demonstra-

ção de forma tão intensiva como a plataforma Industrie 4.0 vem fazendo.

Além do mapeamento de testbeds para divulgação, a plataforma Indus-

trie 4.0 contempla ações específicas de incentivo ao uso de demonstradores

especialmente por pequenas e médias empresas (PMEs) por meio de fomento

específico. Esse aspecto será retomado na seção 4.3 sobre mecanismos de fo-

mento.

A rede de testbeds é o que há de mais concreto nos resultados da plata-

forma. Uma potencial forma de relação do Brasil com a plataforma é via coo-

peração com testbeds. As subseções a seguir descrevem alguns dos testbeds vi-

sitados no trabalho de campo. A oportunidade de replicação de testbeds no

Brasil será explorada nas recomendações na seção 5 deste documento.

Fábrica de Demonstração Aachen (Demonstrationsfabrik Aachen)

A Demonstrationsfabrik Aachen é uma iniciativa de uma fábrica de-

monstradora localizada no campus da RWTH Aachen, a Universidade de Aa-

chen. Trata-se de um empreendimento com gestão e participação de professo-

res da universidade, localizado em uma estrutura da universidade, e dedicado

a receber empresas que desenvolvem projetos em parceria com departamen-

tos ou grupos de pesquisadores.

A fábrica tem como foco o desenvolvimento de processos adaptados à

manufatura avançada. Simula a produção de um carrinho elétrico, e com isso

incorpora diversos desenvolvimentos tecnológicos e de processos em sua linha

de produção para testar a aplicação e as implicações para a organização do tra-

balho. Como exemplo, são avaliados sistemas de eficiência energética para

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 553

máquinas e um sistema de gestão de estoques com base em Internet das Coisas

que permite monitorar continuamente o nível de estoque de cada compo-

nente, e que possui conexão direta com os fornecedores para realização de pe-

didos quando identificado o ponto de reposição. Além disso, são empregados

sistemas que permitem mapear o fluxo de componentes e de trabalho com o

uso de um “GPS interno”, que coleta dados de posições e de operações realiza-

das para possível otimização.

A Figura 4 apresenta fotos externas e internas do prédio da Demonstra-

tionsfabrik Aachen. Nota-se que se trata de infraestrutura dedicada e sofisti-

cada, sendo esse um dos mais completos e avançados testbeds de Industrie 4.0

em operação.

Figura 4: Demonstrationsfabrik Aachen [23]

A Demonstrationsfabrik Aachen possui um sistema de “filiação”, no qual

empresas podem se filiar para testar processos e sistemas de manufatura

avançada no fluxo produtivo da fábrica. Existe a possibilidade de dedicação de

horas, de máquinas, espaço físico ou contratação de serviços. É um empreen-

dimento bastante interessante, que conta com o engajamento concreto da in-

dústria, tendo como parceiros empresas como Trumpf Laser e SAP, além de

diversas outras pequenas e médias empresas.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 554

A entrevista realizada e contatos posteriores com gestores da Demons-

trationsfabrik Aachen indicam disponibilidade para projeto e troca de experi-

ências com Brasil, inclusive para eventual estruturação e replicação de empre-

endimentos similares no país.

3.2.1. ETA-Frabrik (Centro de eficiência energética, tecnologia e aplicação)

A ETA-Fabrik (Energieeffizienz Technologie und Anwendungszentrum) é

uma fábrica demonstradora vinculada ao Departamento de Gestão da Produ-

ção, Tecnologia e Máquinas-Ferramenta (Institute of Production Management,

Technology and Machine Tools – PTW) da Technische Universistät Darmstadt.

Localizada no campus da universidade, a ETA-Fabrik foi criada com base na

experiência acumulada no campus em outra fábrica de demonstração criada

anteriormente, a Prozesslernfabrik CiP (Center für industrielle Produktion) ou

Process Learning Factory CiP (Centre for industrial Production), que é apresen-

tada na seção 4.2.3.

A ETA-Fabrik possui foco de pesquisa em eficiência energética de pro-

cessos produtivos. É uma fábrica recente, inaugurada em 2015, que contou

com investimento de 15 milhões de Euros. Grande parte dos recursos foi finan-

ciada pelo Ministério de Economia e Energia (BMWi) e pelo governo do estado

de Hessen. A fábrica recebeu ainda apoio em menor volume de algumas em-

presas em forma de parceria.

A fábrica conta com uma linha de produção com foco na avaliação da

eficiência energética. Nela são aplicados métodos e ferramentas visando a oti-

mização do consumo de energia na produção. Nesse sentido, há integração en-

tre fluxos de calor e de energia entre as várias etapas de fabricação. A ETA-

Fabrik também contempla integração entre o processo produtivo e a própria

operação do prédio, visando a otimização energética da planta como um todo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 555

O projeto multidisciplinar contou com os departamentos de engenharia

civil, arquitetura, materiais, produção, dentre outras áreas da Universidade

Técnica de Darmstadt. A construção predial da fábrica também envolveu o de-

senvolvimento e aplicação de novos materiais e métodos para a construção ci-

vil, como, por exemplo, a aplicação de uma estrutura específica em concreto

com maior eficiência térmica nas paredes e telhado do prédio. A Figura 5 apre-

senta fotos externas e internas do prédio da ETA-Fabrik.

Figura 5: ETA-Fabrik Darmstadt [24]

A ETA-Fabrik é credenciada como um dos Kompetenzzentren, centro de

excelência, estabelecidos por meio de um programa específico do Ministério

de Economia e Energia (BMWi) com objetivo de disseminação de tecnologias

de manufatura avançada para PMEs. Isso ocorre por meio da participação das

empresas no processo produtivo demonstrador, ou por meio da participação

em cursos de extensão e em workshops. O fomento específico para formação

de Kompetenzzentren é discutido na seção 4.3 deste texto.

Um destaque interessante é a participação de parceiros nas fábricas de-

monstradoras. Na ETA-Fabrik são 36 parceiros “filiados”. Eles possuem direi-

tos de horas de uso, de participação em pesquisas e testes, além de envolvi-

mento em cursos. Por exemplo, a empresa de consultoria McKinsey & Com-

pany desempenhou papel relevante em ambas as fábricas visitadas no campus

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 556

da Universidade Técnica de Darmstadt (ETA-Fabrik e CiP). A empresa de con-

sultoria atuou na concepção de atividades específicas de capacitação que hoje

são oferecidas ao público, como cursos de extensão relacionado às melhores

práticas e tecnologias avançadas em manufatura e em eficiência energética.

3.2.2. Process Learning Factory CiP (Centre for indus-trial Production)

A Prozesslernfabrik CiP (Center für industrielle Produktion) ou Process

Learning Factory CiP (Centre for industrial Production) foi criada em 2009 com

foco inicial na disseminação da abordagem de Lean Manufaturing na Alema-

nha por meio da capacitação de pessoal. Atualmente, a CiP evoluiu para envol-

ver a aplicação de conceitos e tecnologias da Industrie 4.0.

A CiP conta com uma linha de produção e de montagem, na qual são

aplicadas novas abordagens e tecnologias de Lean Manufaturing e de manufa-

tura avançada. O produto exemplo é um cilindro pneumático cedido pela em-

presa Bosch Rexroth para possibilitar a simulação da produção em ambiente

próximo do real. A linha de produção é focada na fabricação de um único com-

ponente (tampa do cilindro). Já a linha de montagem abrange a montagem fi-

nal completa do produto exemplo utilizando para isso tanto o componente

produzido internamente na fábrica de demonstração (tampa do cilindro)

como demais componentes obtidos externamente.

A Figura 6 apresenta imagens externas e internas da CiP no campus da

Universidade Técnica de Darmstadt.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 557

Figura 6: Prozesslernfabrik CiP (Center für industrielle Produktion) [25]

O grupo responsável pela ETA-Fabrik e pela CiP já atuou na especifica-

ção e implantação de fábricas de demonstração em cinco locais diferentes.

Nas entrevistas realizadas, se declararam abertos para a participação em pro-

jetos análogos no Brasil.

3.2.3. Testbeds no Fraunhofer Berlim

A Demonstrationsfabrik Aachen, a ETA-Fabrik e a CiP, apresentadas an-

teriormente, representam casos de testbeds complexos e com exigência de in-

vestimentos significativos para possibilitar a simulação completa de uma fá-

brica com fluxo de produção de um produto exemplo. Existem também tes-

tbeds mais simples, compostos por máquinas e equipamentos utilizados para

realizar testes e avaliação de novas tecnologias de manufatura avançada em

condições que buscam simular a aplicação real. Os testes devem seguir um

procedimento definido e possibilitar a coleta de dados para avaliação de im-

pactos e potenciais benefícios da tecnologia, visando subsidiar a transferência

futura para ambientes reais. Nem sempre é preciso simular o ambiente com-

pleto de uma fábrica para avaliar as condições de aplicação de uma nova tec-

nologia. Nesse sentido, em sua oficina, o Fraunhofer IPK de Berlim oferece

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 558

múltiplas alternativas e condições de testes de novas tecnologias de Industrie

4.0.

Adicionalmente, no Fraunhofer IPK em Berlim será implantado um

novo demonstrador de tecnologias virtuais, no âmbito do projeto E3-Pro-

duktion do Fraunhofer, descrito na seção 2 deste documento. A chamada Vir-

tuelle Demonstratorplattform (plataforma de demonstração virtual) envolverá

métodos e ferramentas para modelagem, simulação, planejamento e otimiza-

ção de fluxos de produção [20]. O objetivo é possibilitar apoio digital para o

planejamento e otimização da produção. A Figura 7 apresenta o conceito desse

novo demonstrador.

Figura 7: Futuro demonstrador virtual no Fraunhofer Berlim [26]

Da mesma forma como nas Universidades de Aachen e de Darmstadt, o

Fraunhofer IPK em Berlim declarou ter abertura para cooperar em projetos de

manufatura avançada no Brasil. De fato, o Fraunhofer IPK já atua na área de

manufatura avançada no Brasil, por exemplo, apoiando o SENAI Nacional na

implantação dos Institutos SENAI de Inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 559

3. 3. Instrumentos específicos de fomento eenvolvimento de PMEs

Fontes específicas de financiamento para a plataforma Industrie 4.0 são

pontuais e limitadas em volume de recursos. Esse fato chama muito a atenção,

considerando o grande porte e a elevada complexidade da plataforma. De fato,

a maior parte do financiamento das ações da plataforma é baseada em meca-

nismos tradicionais e em recursos existentes oriundos de fontes já estabeleci-

das pelos ministérios e órgãos responsáveis pelo fomento à pesquisa e desen-

volvimento tecnológico na Alemanha.

O que vem ocorrendo é um direcionamento temático para projetos rela-

cionados de alguma forma com a plataforma Industrie 4.0 nas fontes tradici-

onais. Como exemplo, podem ser citados programas regulares de apoio da DFG

(Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa ou Deutsche Forschungsgemeins-

chaft). Nos institutos de pesquisa que atuam na área de manufatura, novas

submissões de projeto buscam enfatizar a relação do projeto com a Industrie

4.0.

O alto aproveitamento de linhas existentes de fomento foi confirmada

nas entrevistas realizadas. Entrevistados no Fraunhofer tanto em Aachen

quanto em Berlim indicaram que a situação de funding para a pesquisa não

mudou muito com o lançamento da plataforma. Os entrevistados afirmaram

continuar submetendo pedidos de recursos em linhas existentes previamente

e que não houve mudanças significativas nas linhas de financiamento para

pesquisa nos ministérios. Segundo eles, as linhas de funding tradicionais con-

tinuam importantes da mesma forma como antes.

Adicionalmente, alguns novos mecanismos específicos para a plata-

forma Industrie 4.0 foram criados e estão sendo utilizados. Destacam-se três

linhas, sendo todas relacionadas à garantia de participação de PMEs na plata-

forma.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 560

A primeira linha visa a formação de centros de competência em Indus-

trie 4.0 (Kompetenzzentren) focados em capacitação e disseminação. A política

financia a formação de centros de competência normalmente em universida-

des, mas não exclusiva a elas, para capacitação de PMEs em relação aos temas

da Industrie 4.0. A capacitação nos centros ocorre, por exemplo, por meio de

cursos e de workshops. Estão previstos 15 hubs regionais decorrentes dessa po-

lítica.

A segunda linha visa fomentar o uso de testbeds por PMEs. Os recursos

são limitados a 100 mil Euros por solicitação. Esse financiamento considera o

mapeamento dos testbeds realizado pela plataforma. O objetivo dessa política

é que a tendência de disseminação de testbeds pelo país possa ser aproveitada

por PMEs no desenvolvimento de novas soluções comerciais. Dessa forma,

busca-se apoiar o crescimento das empresas e ampliar a inserção de tecnolo-

gias da Industrie 4.0. Interessante notar que ao mesmo tempo em que a política

fomenta a obtenção de resultados por PMEs, ela contribui com a manutenção

e a evolução dos testbeds.

Especificamente em relação aos temas da Industrie 4.0, o governo ale-

mão lançou uma chamada especial denominada Autonomik – Autonome und

simulationsbasierte Systeme für den Mittelstand – Sistemas autônomos e ba-

seados em simulação para PMEs.

Por fim, observa-se também a participação efetiva dos governos estadu-

ais no fomento à plataforma Industrie 4.0. Um exemplo é o caso da ETA-Fabrik

na Universidade Técnica de Darmstadt, que contou com aporte significativo

do estado de Hessen. Outro exemplo é o projeto Leistungszentrum Vernetzte

Adaptive Produktion liderado pelo Fraunhofer IPT de Aachen. O projeto relaci-

ona Industrie 4.0 com as áreas de energia, mobilidade e saúde. Possui um fi-

nanciamento de 6,4 milhões de Euros, sendo 40% do estado NRW, 40% da in-

dústria e 20% do próprio Fraunhofer.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 561

Em termos de fomento, a plataforma Industrie 4.0 primordialmente in-

fluencia temas de chamadas de projetos, mas não altera substancialmente o

seu volume ou sua forma. Alguns novos mecanismos estão sendo criados. A

ênfase até o momento tem sido no direcionamento dos mecanismos existen-

tes.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 562

Considerações finais: lições das experiências da Alemanha e recomendações para o Brasil

A análise do caso alemão neste documento permite a identificação de

experiências que podem ser consideradas no cenário brasileiro, ainda que haja

diferenças entre os dois países no que se refere ao sistema de inovação e ao

ponto de partida nos campos empresarial, acadêmico e governamental, dentre

outras diferenças. Seis aspectos centrais da plataforma Industrie 4.0 podem

servir de inspiração para o Brasil:

1. A plataforma Industrie 4.0 como política de governo resultou da

construção de consenso bottom-up a partir de iniciativas da socie-

dade civil organizada entre 2011 e 2015. O consenso atingido contri-

bui para que a plataforma tenha atualmente alto nível de alinha-

mento e de participação. Para o caso brasileiro, a trajetória completa

é bastante difícil de se reproduzir por muitos motivos, dentre os

quais a urgência para definição de um programa de manufatura

avançada que ajude a alavancar a competitividade e a retomada de

investimentos na indústria; a falta de esforços integradores anterio-

res, como os que ocorreram entre 2000 e 2010 na Alemanha, e que

criaram as bases para o atual consenso. Mesmo assim, um programa

brasileiro de manufatura avançada pode contemplar uma fase ini-

cial de discussão, alinhamento e de busca de consenso e de um mote

inspirador e agregador.

2. A governança da plataforma Industrie 4.0 é representativa, contando

com a participação ampla de vários atores, dentre os quais represen-

tantes do governo central, dos estados, de empresas, de sindicatos de

trabalhadores, da academia e da comunidade científica. O viés é de

busca de ganhos para todos os envolvidos por meio do aumento da

competitividade e do potencial exportador da Alemanha. A liderança

exercida pessoalmente por ministros legitima a plataforma e con-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 563

fere poder de atuação. A representatividade ampla facilita desdobra-

mentos nas várias esferas, como, por exemplo, nas ações do sindicato

visando preparação para mudanças na organização do trabalho e na

academia visando aprimoramento na formação de pessoal.

3. A gestão e operação da plataforma por meio de um escritório de pro-

jetos enxuto e focado é bastante pragmática. A operação desse escri-

tório por uma entidade “neutra” facilita a sua aceitação pelos envol-

vidos.

4. O incentivo ao desenvolvimento, formalização e divulgação de tes-

tbeds amplia as possibilidades para a indústria realizar testes quali-

ficados de novas soluções com apoio de avaliadores externos. Os tes-

tbeds mais sofisticados como as fábricas demonstradoras também

contribuem para a tangibilização da visão de futuro da plataforma.

Como os equipamentos são caros, há benefícios de utilização como

infraestrutura compartilhada.

5. O financiamento baseado em mecanismos existentes de fomento

com alinhamento temático agiliza a implementação da plataforma.

A criação de alguns novos mecanismos de fomento permite dar dire-

cionamento específico para cobrir lacunas. A participação dos esta-

dos pode garantir aporte maior de recursos.

6. O envolvimento de PMEs precisa ser incentivado e garantido por

meio de mecanismos específicos – no caso, o estabelecimento de cen-

tros de competência para capacitação e o financiamento para PMEs

utilizarem testbeds, o que também contribui com a manutenção

dessa infraestrutura.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 564

Da análise detalhada e das lições aprendidas do caso alemão podemos

identificar algumas linhas de atuação para o Brasil. As recomendações estão

alinhadas em torno de cinco eixos: 1. Criação de um programa brasileiro de

manufatura avançada; 2. Busca de um acordo bilateral específico entre o pro-

grama de manufatura avançada brasileiro e a plataforma Industrie 4.0 e apro-

veitamento das relações existentes entre o país e a Alemanha; 3. Criação de

uma rede de testbeds de manufatura avançada no Brasil; 4. Utilização de li-

nhas de fomento existentes e criação de linhas específicas para manufatura

avançada; 5. Engajamento de PMEs. Cada um desses eixos é apresentado a se-

guir.

1. Criação de um programa brasileiro de manufatura avançada

- Definição de estrutura de governança ampla, com repre-

sentação de vários setores da sociedade – dentre os quais,

pode-se incluir CNI, MEI, entidades de classe, empresas,

sindicatos de trabalhadores, universidades, FAPs, centros

de pesquisa, dentre outros atores relevantes;

- Busca de consenso inicial para o direcionamento macro,

por meio de uma agenda clara de discussões;

- Estabelecimento de agenda acelerada de implantação, ala-

vancando definições e experiências da Alemanha e de ou-

tros países, para ganhar tempo;

- Enfoque no trabalho aplicado realizado majoritariamente

nas empresas, com apoio de centros de pesquisa e de uni-

versidades;

- Implantação de um escritório de projetos enxuto – pode ser

operacionalizado por órgão ou entidade a ser selecionada,

preferencialmente com posição mais “neutra” para facili-

tar alinhamento dos atores envolvidos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 565

2. Busca de um acordo bilateral específico entre o programa de manu-

fatura avançada brasileiro e a plataforma Industrie 4.0 e aproveita-

mento das relações existentes entre o país e a Alemanha

- Engajamento de empresas alemãs no Brasil, visando esta-

belecer a base para novos investimentos e para parcerias;

- Engajamento dos diversos órgãos de apoio da Alemanha

instalados no Brasil (AHK, DAAD, DFG etc.);

- Participação de representantes de empresa brasileira com

fábrica na Alemanha em Working groups, como forma de

absorção de conhecimentos sobre procedimentos e opera-

ção. São poucas as empresas que atendem requisitos para

participação. O envolvimento dependerá essencialmente

do interesse dessas empresas na plataforma brasileira e

alemã;

- Contratação de apoio técnico da Alemanha (ex. Universi-

dade de Aachen, Universidade Técnica de Darmstadt, Frau-

nhofer IPT ou Fraunhofer IPK) para detalhar o plano de cri-

ação de uma rede de testbeds de Industrie 4.0 no Brasil e

para detalhar especificação técnica de testbeds específicos;

- Avaliação da pertinência de participação do Brasil como

país parceiro em uma das feiras alemãs que são chave para

a Industrie 4.0 (Hannover Messe, CEBIT, IT Summit);

- Definição de agenda específica de trabalhos sobre manufa-

tura avançada como preparação para o encontro do G20 em

2017 a ser realizado na Alemanha.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 566

3. Criação de uma rede de testbeds de manufatura avançada no Brasil

- Definição de estratégia para alavancar a infraestrutura

existente como testbeds (ex. Centros SENAI de Inovação,

universidades, centros nacionais de pesquisa, unidades

EMBRAPII etc.);

- Criação de pelo menos uma fábrica de demonstração mais

ampla, adicional ao demonstrador de manufatura avan-

çada existente no SENAI-CIMATEC em Salvador na Bahia;

- Preparação de modelos de contrato simplificados para re-

gulamentar e facilitar o uso de testbeds públicos por empre-

sas privadas – ex. contratos de cessão onerosa de uso.

4. Alinhamento das linhas de fomento existentes e criação de linhas es-

pecíficas para manufatura avançada

- Busca de alinhamento com FAPs estaduais, para ampliar

alocação de recursos;

- Definição de recursos de fontes tradicionais federais

(CNPq, CAPES, FINEP, EMBRAPII etc.);

- Definição de linha específica para fomentar a criação de

testbeds;

- Definição de outros programas específicos caso haja iden-

tificação de alguma lacuna de financiamento.

5. Engajamento de PMEs

- Definição de programas específicos de disseminação e de

capacitação de conceitos da Industrie 4.0;

- Definição de iniciativa para viabilizar o uso de testbeds por

PMEs;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 567

- Definição de outras ações específicas necessárias para fo-

mentar o engajamento de PMEs na plataforma nacional.

Espera-se com essas recomendações apoiar o debate e a definição de

próximos passos visando a preparação de um programa brasileiro de manufa-

tura avançada.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 568

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 571

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 572

Anexo 1: Roteiro de entrevista para trabalho de campo

Para as entrevistas, utilizamos roteiro semiestruturado preparado previa-

mente com vistas a ser utilizado em todos os estudos de caso da linha 3 do pro-

jeto. O objetivo principal é identificar componentes das novas agendas de po-

lítica de inovação orientadas a resultados nas áreas selecionadas, instituições

envolvidas e instrumentos utilizados. O roteiro segue a estrutura de temas a

seguir:

a) Política: Objetivos dos programas, tanto para o país como em relação a

outros países, considerando, por exemplo, busca por liderança setorial

e na tecnologia e ações de catch up tecnológico.

b) Dimensão estatal: formação e origem da demanda; processos de cons-

trução e consolidação das medidas; participação pública nos processos;

relação intragoverno e entre diferentes níveis de governo (como articu-

lação de agências); fontes e formas de financiamento.

c) Dimensão de pesquisa e setor privado (“consórcio” ou parceria): defini-

ção da agenda de pesquisa; captação e gestão de recursos, tanto finan-

ceiros como humanos; articulação entre os atores (universidades, cen-

tros de pesquisa, laboratórios, empresas); competição, considerando es-

pecialmente apropriação e gestão de tecnologia; empresas participan-

tes (diferenciar nível local, nacional e internacional); participação de

micro e pequenas empresas; participação de universidades e laborató-

rios; questões de propriedade intelectual.

As perguntas sugeridas para as entrevistas são descritas no quadro a se-

guir. Vale lembrar que se trata de roteiro geral que foi complementado pelos

pesquisadores nas visitas conforme as especificidades de cada localidade.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 573

Questão geral Questões específicas

1) quais os objetivos gerais do

programa? Quais metas buscam

alcançar para o país? Por que ou-

tros programas de política tec-

nológica não conseguem suprir

esses objetivos?

- Diretrizes do programa.

- Alvos definidos objetivamente.

- Comparação entre a posição relativa do

país frente a outros e/ou das tecnolo-

gias frente a outras.

2) como são geradas as deman-

das a serem perseguidas? Quem

participa dos processos e define

diretrizes?

- Existência de comitês ou conselhos for-

mais (permanentes ou ad hoc).

- Workshops, seminários ou congressos.

- Estudos de especialistas ou de órgão es-

pecífico do governo (checar se disponí-

veis publicamente).

- Material disparador veio do governo, da

academia ou de entidades de classe?

- Articulação dentro do governo

- Fontes de financiamento e composição

orçamentária do programa

- Definição de investimento e de orça-

mento de diferentes projetos? (inicia-

tiva do governo, editais, institutos bus-

cam fundos para financiamento, colo-

cam recursos próprios etc.)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 574

3) Como é a gestão do programa

orientado à missão?

- Operação e execução do programa

- Institucionalidade do laboratório, ou da

rede, responsável pela execução da po-

lítica

- Processo de gestão do instituto

- Participação de cada um dos atores (go-

verno, academia e indústria) na defini-

ção de agenda e projetos de pesquisa

- Participação financeira de cada um dos

atores no processo

- Relação no desenvolvimento de produ-

tos e propriedade intelectual (Há regra

ou há livre negociação? Qual o padrão

mais usual?)

- Acesso de terceiros? (Comercialização

ou seção de direitos de PI)

Questão geral Questões específicas

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 575

08 /ENERGIA E TECNOLOGIA NA ALEMANHA

A POLÍTICA DE INOVAÇÃO PARA ENERGIAS SUSTENTÁVEIS NA ALEMANHA

SUMÁRIO EXECUTIVO

- A Alemanha é referência no desenvolvimento e na difusão de tec-

nologias para a geração de energia elétrica a partir de fontes re-

nováveis provenientes da matriz eólica e solar.

- Atualmente, os esforços de políticas de inovação para energias re-

nováveis na Alemanha podem ser identificados na estratégia do

governo alemão para a transição energética, do alemão Energie-

wende. Uma iniciativa que compreende a coordenação entre polí-

tica energética e de inovação, com o estabelecimento de metas

agressivas para a inserção de novas fontes renováveis, oriundas do

processo de planejamento energético participativo, atrelada a uma

política de subsídios para novas fontes e a políticas de inovação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 576

- Uma primeira lição decorrente da análise da experiência alemã

para o fomento à inovação e à transição tecnológica no setor elé-

trico por meio da incorporação de fontes de energias renováveis

está relacionada à metodologia de construção e na gestão da polí-

tica de inovação no país, sobretudo, à ênfase em instrumentos de

política de inovação orientada a missão e demanda. O governo

Alemão estabeleceu um conjunto de metas a serem atingidas em

seu processo de transição do sistema elétrico para patamares com

maior inserção de fontes de energia renováveis. Essas são metas

agressivas e construídas por meio de um processo participativo,

com o envolvimento de diferentes atores da sociedade.

- As metas se consolidam em programas de inovação nos modelos

de Plataformas. Tratam-se de iniciativas que coordenam esforços

de pesquisa entre diferentes atores relacionados aos sistemas elé-

tricos, a indústria, institutos de pesquisa, universidades e go-

verno, com o fim específico de prover soluções tecnológicas que

contribuam para o atendimento das metas estabelecidas.

- O trabalho de campo nos possibilitou observar o papel fundamen-

tal que possuem os projetos demonstradores, conhecido pelo

termo em inglês de testbeds, vinculados a programas desenvolvi-

dos nas plataformas. Essas experiências passam a

- Ser fundamentais para a política industrial alemã, uma vez que

é o resultado da articulação de pesquisa e inovação entre a uni-

versidade, os institutos de pesquisa e empresas, para a solução de

demandas estabelecidas nas plataformas.

- Os testbeds são uma ponte entre a pesquisa conceitual, a aplicada

e o desenvolvimento pré-comercial das tecnologias relacionadas

às demandas sociais, de forma a permitir a articulação entre esses

atores e, sobretudo, incluir PMEs e startups nesse processo. Muitas

vezes são articulados a plataformas com propósitos múltiplos,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 577

como as relacionadas à indústria 4.0, que contemplam desenvol-

vimentos tecnológicos em eficiência energética, articulando as-

sim o atendimento à metas definidas pela política energética aos

desafios de desenvolvimento industrial estabelecidos pelas políti-

cas de inovação para a manufatura avançada na Alemanha.

- Outro importante mecanismo utilizado pelo governo alemão para

fomentar a inovação a serviço da transição no setor elétrico é a

geração de mercado para novas tecnologias mediante uma polí-

tica de subsídios. Segundo os entrevistados durante o trabalho de

campo, para o sucesso da política de subsídio às fontes renováveis

no país, é necessário que ela seja flexível para reconhecer a matu-

ridade tecnológica de cada fonte, e estar atrelada a esforços de de-

senvolvimento tecnológico para contribuir com a inovação no se-

tor.

- Para compreender como o caso deste país pode servir de exemplo

para ações de políticas de inovação no Brasil, foram realizadas vi-

sitas de campo em instituições de pesquisa relacionadas ao desen-

volvimento tecnológico no setor. Esse trabalho de campo foi sub-

sidiado por pesquisas documentais, entrevistas prévias com ins-

titutos de pesquisa no Brasil e na Alemanha, bem como contou

com o apoio da embaixada brasileira naquele país. Dessa forma,

foram selecionados para as visitas os principais centros de pes-

quisas e órgãos do governo relacionados ao desenvolvimento tec-

nológico no setor.

- Dos aprendizados observados ao longo deste trabalho, extraímos

quatro recomendações para a política de inovação e energética do

Brasil:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 578

(1) Diversificar a matriz com fontes renováveis. É fundamental que o

Brasil desenvolva de modo constante e consistente alternativas reno-

váveis – em especial na área de eólica e solar – de modo a diversificar

anda mais sua matriz energética. Isso significa aumentar o investi-

mento em inovação. Para isso, não somente deverão mudar as refe-

rências regulatórias, como precisam ser implementados programas

públicos de estímulo à pesquisa e à indústria, como os utilizados in-

tensivamente pela Alemanha. Outro fator crucial aqui é a manuten-

ção de políticas de subsídios flexíveis e vinculadas às políticas de ino-

vação para a geração de um mercado fornecedor de tecnologias e so-

luções para a geração a partir de tais fontes.

(2) Explorar novas tecnologias via Plataformas demonstradoras. A coor-

denação entre as políticas de inovação e de energia é de grande im-

portância para o atendimento das demandas tecnológicas voltadas

para o desenvolvimento do país. O exemplo alemão do Energiewende

e o modo de funcionamento das plataformas demonstradoras, obser-

vados ao longo do trabalho de campo, podem ser absorvidos e im-

plantados no Brasil.

(3) Dar forma a um ecossistema setorial de inovação. Para dar um salto

na área de energia, com implicações profundas para as cidades e

para a indústria, o Brasil precisa pensar em uma nova modelagem

institucional e caminhar para dar forma a um ecossistema setorial,

capaz de gerar sinergias e interações atualmente residuais. Uma ava-

liação cuidadosa do programa Inova Energia (BNDES-Finep), de

modo a identificar virtudes e vícios, pode ajudar na formulação de

uma nova geração de políticas de inovação e de energia.

(4) Utilizar recursos provenientes da Lei 9.991/2000 para a criação de

fundos de investimento no setor de energia. A exemplo do que obser-

vamos na Alemanha, é essencial o aumento do investimento público

e privado em todo o setor, assim como a busca de novos instrumentos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

579

de apoio a startups e pequenas e médias empresas de base tecnoló-

gica. A ANEEL, agência responsável pelo programa de P&D estipulado

pela lei 9.991/00, que regula os investimentos de P&D no setor, possui

atribuições legais para construir essas alternativas e pode autorizar

que parte dos recursos definidos pela lei possa ser aplicada em fun-

dos de investimento específicos para o setor de energia.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 580

Introdução

A Alemanha se destaca como o país com um dos maiores avanços para o

desenvolvimento tecnológico em energias renováveis no mundo. Em especial

sobre as fontes eólica, solar e para eficiência energética. Esse processo pode

ser descrito como uma história de desenvolvimento tecnológico, de institui-

ções e de mercados que culminou em um dos mais bem estruturados e efici-

entes sistema de inovação para energias renováveis no mundo.

Neste capítulo, buscaremos descrever esse processo de desenvolvi-

mento tecnológico e como ele desencadeou o desenvolvimento industrial e de

mercado para essas fontes naquele país. Em especial, será dada atenção sobre

como as políticas tecnológicas alemãs foram articuladas às políticas industri-

ais e energéticas, tanto quanto ao ambiente político do país para a definição

de metas a serem alcançadas no que se refere à inserção de energias renová-

veis na matriz elétrica.

Esse processo de desenvolvimento tecnológico para a geração de energia

a partir das fontes eólicas e solar, para além de significar um grande esforço

de desenvolvimento tecnológico orientado à missão foi capaz de articular di-

ferentes atores para a manutenção de esforços nacionais para o desenvolvi-

mento de um mercado e uma estrutura industrial para suprir a demanda da

sociedade alemã por um sistema elétrico sustentável.

Este estudo de caso se baseou em um trabalho de campo, onde visitas e

entrevistas foram feitas para compreender as principais características da po-

lítica de inovação para o setor no país. O trabalho de campo foi subsidiado por

uma extensa pesquisa bibliográfica prévia, que teve como objetivo identificar

os principais atores envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico

na Alemanha. Também foram realizadas entrevistas prévias com membros de

instituições de pesquisas na Alemanha e no Brasil, bem como contou com o

apoio de especialistas e membros da embaixada brasileira em Berlim.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

581

Esse capítulo está estruturado de modo a apresentar os resultados desse

processo de pesquisa. No tópico a seguir, será apresentada uma visão geral do

processo de desenvolvimento tecnológico para a geração de energia elétrica a

partir das fontes eólicas e solares na Alemanha. Especial ênfase será dada ao

processo de geração de políticas de inovação e de formação de mercados para

a difusão dessas tecnologias no país. No terceiro tópico, o foco é a metodologia

do trabalho de campo, em que foram visitados laboratórios relacionados ao

desenvolvimento tecnológico alemão e realizadas entrevistas com profissio-

nais locais, fornecendo subsídios inéditos para os resultados finais apresen-

tado neste documento. No quarto tópico do capítulo, buscamos descrever o es-

tágio atual da política de inovação para energias renováveis na Alemanha. Por

fim, apresentamos recomendações para o desenvolvimento de políticas de

inovação para o setor de energias renováveis no Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 582

1. Ciência, tecnologia e inovação no setor elétrico daAlemanha: uma visão geral

O processo de desenvolvimento tecnológico para energias renováveis na

Alemanha pode ser dividido em três grandes períodos (JACOBSSON; LAUBER,

2006). O primeiro período situa-se entre os anos 1974 e o final dos anos 1980,

e compreende a formação inicial das tecnologias que impulsionaram o desen-

volvimento de ambas as fontes de energia e da eficiência energética. O se-

gundo período inicia-se em 1988, quando importantes decisões políticas esti-

mularam a criação de um mercado para as fontes renováveis de energia elé-

trica na Alemanha. E o terceiro período se caracteriza pela difusão e pelo cres-

cimento do uso das energias renováveis no País, a partir dos anos 2000.

1.1. 1974 – 1989: Formação inicial da dinâmica do desenvolvimento tecnológico no setor

O período entre 1974 e o final dos anos 1980 serviu para a criação da es-

trutura tecnológica e científica que permitiu o grande desenvolvimento e a di-

fusão da tecnologia nas décadas posteriores. Assim como em muitos países do

mundo, a crise energética dos anos 1970 induziu um processo de replaneja-

mento do sistema elétrico alemão. Como primeira consequência do chamado

“choque do petróleo”, o governo da Alemanha decidiu fazer grandes investi-

mentos em energia nuclear e proveniente do carvão. Entretanto, desde seu iní-

cio essa opção foi alvo de grandes questionamentos da opinião pública no país,

o que possibilitou a constituição de uma rede de atores que legitimaram os

movimentos de políticas de inovação e energética que possibilitou o desenvol-

vimento tecnológico no tema.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 583

Muitos consideravam que, em vez de se fazer grandes investimentos em

energia nuclear, o governo deveria investir em programas de Pesquisa e De-

senvolvimento em fontes renováveis de energia elétrica (LIPP, 2007). Esse foi

o primeiro grande processo de pressão, por parte da sociedade civil, para a

construção de um sistema de inovação que daria suporte à emergência do de-

senvolvimento tecnológico posterior em energias renováveis na Alemanha.

Como resultado direto dessa mobilização ocorrida nos anos 1970, uma

primeira comissão de investigação no parlamento alemão foi instituída em

1980 sobre o tema. Os resultados finais dessa comissão recomendavam que o

investimento em tecnologias que garantissem a eficiência energética e fontes

renováveis fosse priorizado pelo governo. Em 1981, o então denominado Mi-

nistério de Pesquisa e da Tecnologia da Alemanha Ocidental, inicia um pro-

grama de pesquisa de cinco anos que ganha grande notoriedade pública ao ser

publicado em uma data próxima à do acidente da Usina Nuclear de Chernobyl.

Nesse estudo, o ministério afirmava que somente um sistema elétrico baseado

em fontes renováveis e com ênfase em eficiência energética era condizente

com uma sociedade livre, e que os investimentos em P&D para o desenvolvi-

mento dessas fontes de energia seriam mais baratos que para o desenvolvi-

mento de fontes de energia baseada em plutônio, como na época se esperava

(JACOBSSON; LAUBER, 2006).

O acidente nuclear de Chernobyl e as crescentes preocupações com as

mudanças climáticas marcaram o início de uma nova era para a política ener-

gética na Alemanha. A oposição à energia nuclear no país representava mais

de 70% da população dois anos após o acidente de Chernobyl, e uma comissão

pública sobre as mudanças climáticas recomendara em 1991 grandes cortes

na emissão de CO2 (de 30% até 2005 e 80% até 2050). Assim, a demanda por

uma mudança radical na política energética do país passou a ser desenhada

nesse período (LIPP, 2007).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

584

Decorrente desse processo de pressão pública em favor das energias re-

nováveis, os investimentos em P&D para o setor cresceram a um patamar sig-

nificativo ao longo da década de 1980. A Figura 1 apresenta o perfil da evolu-

ção dos investimentos de P&D em energia na Alemanha.

Durante esse período, importantes mudanças institucionais começa-

ram a ocorrer para viabilizar o desenvolvimento e a difusão de fontes eólica e

solar na matriz elétrica alemã. Essas mudanças institucionais foram funda-

mentais para abrir espaço para o futuro desenvolvimento tecnológico no se-

tor, em especial através do desenvolvimento de programas de pesquisa e de

demonstração que envolveu universidades, empresas e associações.

O surgimento de programas de P&D voltados para tecnologias de ener-

gias renováveis abriu espaço para universidades, institutos de pesquisa e em-

presas pesquisarem e mitigarem os riscos de investimentos nos momentos

iniciais do desenvolvimento tecnológico, gerando assim um sistema de inova-

ção que permitiu a difusão da tecnologia nas décadas posteriores. Os progra-

mas de desenvolvimento da energia eólica são um bom exemplo de sucesso da

experiência alemã.

O desenvolvimento das tecnologias de turbinas eólicas na Alemanha

possui duas raízes (WUSTENHAGEN; BILHARZ, 2006). O projeto GROWIAN,

iniciado no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, foi um projeto desen-

volvido pelo governo alemão e implantado de forma centralizada pelo minis-

tério de pesquisa que tinha como objetivo a instalação de um parque para a

demonstração da tecnologia de 3 MW de capacidade instalada. Entretanto,

esse projeto tinha sido originalmente desenhado para demonstrar que a ener-

gia eólica não seria viável na Alemanha, e sua estrutura, centralizada e sem as

conexões necessárias com a indústria e com a academia, contribuiu para que

fosse rejeitado pela opinião pública, culminando no insucesso e cancelamento

do projeto (JACOBSSON; LAUBER, 2006).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 585

Figura 1. Financiamento público em P&D em Energia na Alemanha (€ mi.)

Fonte: Adaptado de Wustenhagen e Bilharz, 2006.

Em paralelo ao projeto GROWIAN, outros programas de P&D para ener-

gia eólica no país foram desenvolvidos de forma menos vistosa e sem alarde,

mas, entretanto, foram grandes e flexíveis o suficiente para financiar diversos

tipos de projetos fortalecendo a constituição de um sistema de inovação que

desse suporte ao desenvolvimento tecnológico no setor. No período de 1977 a

1989, mais de 40 projetos de P&D foram financiados para uma gama de uni-

versidades e empresas para o desenvolvimento ou o teste de tecnologias de pe-

quenas e médias novas turbinas eólicas (JACOBSSON; LAUBER, 2006; WUSTE-

NHAGEN; BILHARZ, 2006).

Um conjunto de programas de plataformas demonstradoras passou a

ser financiado durante os anos 1980, o que possibilitou que as tecnologias de-

senvolvidas nos projetos de P&D fossem difundidas e possibilitassem a gera-

ção de uma indústria para o fornecimento de tecnologia e soluções para o setor

de energia eólica. Ao menos 14 empresas industriais alemãs fornecedoras de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 586

turbinas eólicas receberam financiamento para a instalação de 124 platafor-

mas demonstradoras de tecnologias entre os anos 1983-1991. Esses programas

constituíram uma etapa muito importante do desenvolvimento tecnológico

alemão no tema, e abriu espaço para o grande desenvolvimento no setor de

energia eólica no país observado nos anos 1990.

Os programas que garantiram o desenvolvimento inicial da indústria de

energia eólica permitiram a entrada de novos atores no mercado de turbinas

eólicas no país, e novas e maiores turbinas passaram a ser desenvolvidas por

novos fornecedores. O tamanho médio das turbinas instaladas cresceu de 10 a

50 kW nos anos 1980 para uma média de 182 kW em 1992, para passar a marca

de 1.500 kW em média em 2003, como apresenta a Figura 2.

Figura 2. Evolução da potência das turbinas eólicas na Alemanha

Fonte: Morris e Pehnt, 2015

A entrada de novos atores no processo, como novas empresas e novos

institutos de pesquisa é uma parte crucial para o sucesso do estabelecimento

de um sistema de inovação que serviu para o desenvolvimento tecnológico e

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 587

de uma indústria de energias renováveis na Alemanha. Cada novo ator que

participa desse processo atrai mais conhecimento, capital e outros recursos

para o sistema. Os novos entrantes, pequenos, médios e mesmo grandes con-

glomerados industriais, geraram novas soluções tecnológicas, criaram uma

nova indústria de serviços especializados de suporte às novas inovações, e cri-

aram novas demandas tecnológicas que fortaleceram o sistema. Além disso,

também contribuíram para fortalecer a coalizão pública em favor da manu-

tenção e expansão dos investimentos nacionais em tais programas.

O mesmo processo pode ser observado em relação à energia solar no pe-

ríodo inicial de formação tecnológica do setor. Entre 1977 e 1989, 18 universi-

dades, 39 empresas e 12 institutos de pesquisa receberam financiamento pú-

blico para projetos de P&D em energia solar fotovoltaica. Em relação aos pro-

gramas demonstradores de tecnologia, em 1983 foi lançado o primeiro pro-

grama do tipo pelo governo alemão, que previa a instalação de 300 kWp em

painéis solares, o que se tornou o maior programa na Europa na época. Em

1986 esse programa foi seguido por um segundo programa de demonstração

que contribuiu para a instalação de mais 70 grandes parques fotovoltaicos no

país, acumulando uma capacidade instalada de 1,5 MWp (JACOBSSON; LAU-

BER, 2006).

Em resumo, o período entre os anos 1970 e 1980 serviu para a consolida-

ção de programas de P&D e de demonstração que possibilitou a Alemanha se

tornar líder no desenvolvimento tecnológico de energias renováveis no

mundo nas décadas posteriores. Atrelado a esse processo, surgiram organiza-

ções sociais que se tornaram atores relevantes para um processo de pressão

social (advocacy), que permitiu ao governo do país realizar mudanças institu-

cionais e regulatórias que induziram a difusão das tecnologias de energias re-

nováveis pelo

país durante os anos 1990 e 2000. Organizações como o partido verde (fun-

dado no início dos 1970) e o Institute of Ecology, de Freiburg, fundado em 1977,

foram fundamentais para esse processo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 588

1.2. 1990 – 2000: Geração da indústria de energias renováveis na Alemanha

A segunda etapa de difusão das tecnologias de energias renováveis na

Alemanha se inicia com mudanças regulatórias e institucionais que permiti-

ram a consolidação das tecnologias e, sobretudo, do mercado, em especial para

a energia eólica. As pressões políticas pela sustentabilidade do sistema elétrico

alemão induziram mudanças no marco regulatório do setor elétrico no país,

em especial a instituição de políticas de “feed-in” para energias renováveis.

Tais políticas impõem uma tarifa prêmio para as fontes renováveis, que são

partilhadas por todo o sistema, numa forma de induzir a geração de um mer-

cado que contribua para o crescimento da indústria de energias renováveis.

De fato, as mudanças institucionais que induziram o grande avanço na

difusão das tecnologias de energia solar e eólica foram precedidas de progra-

mas de pesquisa que deram continuidade aos programas anteriormente de-

senvolvidos e que serviram para criar um espaço demonstrador para as ten-

dências de mercado para essas tecnologias. Em 1988, o então ministério da

pesquisa lança dois grandes programas demonstradores com o objetivo de for-

mação de mercado.

O primeiro, voltado para energia eólica, foi iniciado em 1989 e tinha

como objetivo inicial a construção de uma capacidade instalada de 100 MW

em usinas eólicas, um volume bastante grande comparado aos 20 MW de ca-

pacidade instalada até então existente no país. O segundo grande programa

de demonstração que impulsionou a difusão das tecnologias de energia reno-

váveis nessa se

gunda etapa foi voltado para a energia solar fotovoltaica e previa a instalação

de 1.000 sistemas de painéis fotovoltaicos em telhados residenciais em todo o

país.

Entretanto, o grande elemento indutor do salto na difusão e aplicação

das tecnologias eólica e solar na Alemanha foram mudanças institucionais

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 589

iniciadas em 1991 com a instituição da lei de “feed-in” (JACOBSSON; LAUBER,

2006; WUSTENHAGEN; BILHARZ, 2006; FRONDEL et al., 2010). Sob os termos

dessa lei, as distribuidoras de energia elétrica na Alemanha passaram a ser

obrigadas a contratar energias renováveis remunerando-as em até 90% a mais

que as tarifas de eletricidade praticadas no varejo. Em conjunto aos programas

de formação de mercado já citados, a lei de “feed-in” gerou incentivos para o

investimento nessas tecnologias, atraindo grandes grupos industriais no país

para a atuação no setor.

Pode-se destacar, desse processo de formação de mercado para tais tec-

nologias iniciado no início dos anos 1990, três grandes efeitos para o setor (JA-

COBSSON; LAUBER, 2006). O primeiro efeito que desencadeou o sucesso na di-

fusão da tecnologia pelo país foi a indução decorrente dessas primeiras medi-

das de reformas regulatórias ao grande crescimento no mercado de energia

eólica. Esse mercado passou de cerca de 20 MW de capacidade instalada em

1989 para 490 MW instalados em 1995, o que determinou a viabilidade de uma

indústria de suporte compreendendo grandes grupos industriais, como a Sie-

mens, bem como pequenas e médias empresas.

Um segundo efeito dessas políticas foi o fortalecimento de uma rede de

institutos de pesquisa que iniciaram suas atividades ao longo dos anos 1970 e

1980. Esses institutos estabeleceram um intenso fluxo de conhecimento com

forte interlocução com a nova indústria de fornecedores de tecnologias para o

setor, o que permitiu a Alemanha, a consolidação de um sistema de inovação

robusto para contribuir com o desenvolvimento tecnológico.

Um terceiro efeito foi o fortalecimento político das organizações que fa-

zem o “advocacy” para o setor, o que resultou em uma nova onda de mudanças

institucionais que consolidaram o crescimento exponencial das energias re-

nováveis na Alemanha. As figuras 3 e 4 apresentam o rápido crescimento das

fontes eólicas e solares na Alemanha a partir do início dos anos 1990.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 590

Figura 3. Evolução da difusão de energia eólica na Alemanha

Fonte: Jacobson e Lauber, 2006

Figura 4. Evolução da difusão de energia solar na Alemanha

Fonte: Jacobson e Lauber, 2006

O crescimento do mercado doméstico para as fontes renováveis de ener-

gia, especialmente para a eólica, foi fundamental para a consolidação da in-

dústria alemã como uma das principais no fornecimento de tecnologias para

o setor no mundo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

591

1.3. 2000 em diante: Consolidação do processo de difusão das tecnologia de energia renováveis na Alemanha

A terceira etapa de consolidação do mercado de energias renováveis na

Alemanha foi iniciada com a implantação, no ano 2000, do Renewable Energy

Source Act (EEG). O principal efeito dessa nova lei foi a instituição de garantias

legais de preços no estilo das leis que instituíram a política de “feed-in” por 20

anos, provendo condições favoráveis para a produção de energias renováveis

no longo prazo e assim à consolidação de uma indústria, de tecnologia e servi-

ços (de engenharia, logística, sistemas, financeiros, etc.) que permitiram ao

país se consolidar, definitivamente como o maior produtor de tecnologias

para energias renováveis nos anos 2000.

O objetivo dessa nova lei foi facilitar o desenvolvimento sustentável do

fornecimento de energia com o interesse de gerir os impactos do aquecimento

global e com proteção ao meio ambiente (WUSTENHAGEN; BILHARZ, 2006).

Em 2004, uma nova versão da lei foi promulgada após um grande debate pú-

blico sobre seus impactos na economia alemã, bem como questionamentos da

União Europeia sobre os subsídios dados às novas tecnologias em confronta-

ção às leis de garantia de livre concorrência aplicada pelo bloco.

Nessa nova versão de 2004, o governo mantém sua política de tarifas

prêmios e enuncia seus objetivos como sendo:

- Reduzir os custos de produção de energia para a economia nacional

por meio da internalização de custos externos;

- Contribuir para evitar conflitos geopolíticos baseados em fontes de

energia fósseis;

- Promover o desenvolvimento tecnológico de energias renováveis;

- Aumentar a participação de fontes renováveis de energia para ao

menos 12,5% da oferta de energia elétrica em 2010 e ao menos 20%

em 2020.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

592

O grande sucesso do Renewable Energy Source Act (EEG) possibilitou o

atendimento das metas estipuladas antes de 2010, conforme Figura 5. Seus

instrumentos passaram a ser copiados em políticas energéticas e tecnológicas

em países como França, Itália e Espanha (FOUNDEL et al.; 2010).

Figura 5. Participação de fontes renováveis na produção de energia elétrica na Alemanha

Fonte: Banco Mundial

Sob os termos da EEG, as concessionárias de distribuição de energia elé-

trica passaram a ser obrigadas a contratar energias renováveis de produtores

independentes em contratos de 20 anos, pagando tarifas “feed-in”, ou seja, ta-

rifas prêmios por cada tecnologia de acordo com a Tabela 1.

Tabela 1. Tarifas prêmio (feed-in) por tecnologia - € cents/kWh

Fonte: Frondel et. al., 2010

3.5

3.2

3.7

3.9

4.5

4.9

4.8

4.2

4.5

5.2

6.2

6.5

7.6

7.7

9.3

10.0

11.2

13.9

14.3

16.1

16.7

2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009Eólica on-shore 9.10 9.10 9.00 8.90 8.70 8.53 8.36 8.19 8.03 9.20Eólica off-shore 9.10 9.10 9.00 8.90 9.10 9.10 9.10 9.10 8.92 15.00Fotovoltaica 50.62 50.62 48.09 45.69 50.58 54.53 51.80 49.21 46.75 43.01Biomassa 10.23 10.23 10.13 10.13 14.00 13.77 13.54 13.32 13.10 14.70Tarifa média 8.50 8.69 8.91 9.16 9.29 10.00 10.88 11.36 12.25 13.60

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

593

Enquanto as concessionárias são obrigadas a contratar as energias re-

nováveis pagando as tarifas de acordo com a Tabela 1, são os consumidores

industriais e residenciais que acabam por financiar a política de energias re-

nováveis estipuladas pela EEG. Em 2008, o sobrepreço pago pelos consumido-

res alemães dados os subsídios as energias renováveis foi de 1,5 centavos de

euro/Kwh, que significa um acréscimo de 7,5% sobre a tarifa média paga no

país. Esse sobrepreço resultou no mesmo ano um repasse à indústria de ener-

gias renováveis no país de € 9 bilhões, de acordo com o apresentado na Tabela

2.

Tabela 2. Recursos alocados em tarifas subsidiadas por tecnologia

Fonte: Frondel et. al., 2010

O sucesso no desenvolvimento tecnológico, iniciado em 1977 com a

constituição de programas que possibilitaram a criação de um sistema de ino-

vação que envolve universidades, institutos de pesquisa, organizações não go-

vernamentais e empresas, possibilitou à economia alemã dar saltos no pro-

cesso de difusão tecnológica quando, a partir da década de 1990, inicia-se o

processo de mudança institucional que gerou a criação de um mercado para

tais fontes de energia. Esse processo se consolida e ganha força a partir do ano

2000 com a promulgação do EEG, e sua revisão em 2004.

É importante destacar que a história do desenvolvimento tecnológico e

da inserção das fontes renováveis na matriz elétrica alemã foi acompanhada

por esforços em P&D coordenados com políticas setoriais que visaram mudan-

ças regulatórias para a geração e indução do mercado. A figura 6 apresenta os

principais eventos históricos desse processo, bem como os marcos legais que

foram determinantes para o sucesso na difusão das tecnologias de energias

renováveis no país.

2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008Energia Eólica (%) - 64.50 65.10 63.70 54.30 47.10 44.50 39.50Biomassa (%) - 10.40 12.50 14.10 17.70 23.00 27.40 29.90Fotovoltaica (%) - 3.70 5.90 7.80 15.10 20.30 20.20 24.60Total em bilhões de euros 1.58 2.23 2.61 3.61 4.40 5.61 7.59 9.02

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

594

Figura 6. Marcos histórico e institucional para energias renováveis na Alemanha

Fonte: Agora, 2015

Esse conjunto de fatores possibilitou a Alemanha ser um grande caso de

sucesso na inserção de novas fontes de energia por meio de um processo coor-

denado entre políticas de inovação e energéticas. A figura 7 mostra esse

grande crescimento das fontes renováveis de energia no país e a situação atual

alcançada.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

595

Figura 7. Capacidade Instalada de fontes renováveis de energia elétrica

Fonte: Fraunhofer ISE. (https://www.energy-charts.de/power_inst.htm.

Acesso em 10/09/2016)

Visando compreender como esse processo pode gerar aprendizados

para a elaboração de políticas industriais e de inovação no Brasil, foi realizado

trabalho de campo na Alemanha com visitas técnicas a institutos de pesquisas

e entrevistas em profundidade com profissionais locais, tema a ser tratados

no próximo tópico.

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Capa

cidad

e In

stal

ada

(GW

)

Solar Eólica on-shore Eólica off-shore

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

596

2. Metodologia do trabalho de campo

A história de sucesso da Alemanha no desenvolvimento de tecnologias

para a geração de energia elétrica sustentável pode ser atribuída à capacidade

de o país estabelecer um sistema de inovação fruto de esforços coordenados

de políticas energéticas e de inovação. Essa capacidade de consolidar progra-

mas de pesquisa e desenvolvimento, plataformas demonstradoras de tecnolo-

gias e mercados para a geração de uma indústria de suporte, somadas às mu-

danças institucionais e regulatórias que possibilitaram a emergência de um

mercado robusto, precisa ser compreendida para possibilitar aprendizados

para o Brasil. Esse processo pode ser interpretado como uma política de inova-

ção orientada à demanda, onde o governo, influenciado por fortes pressões

oriundas da sociedade, atua como o financiador e, sobretudo, como coordena-

dor de esforços de pesquisa para a geração de soluções que atendam a uma

demanda socialmente reconhecida.

Como argumentado anteriormente neste projeto de pesquisa, a viagem

para os estudos de caso foi feita com o propósito de identificar as estruturas

institucionais dos programas de inovação do governo alemão. Em especial, o

objetivo foi identificar os elementos constitutivos dos instrumentos de polí-

tica industrial orientada à demanda em relação à: origem da demanda, pro-

cesso de construção e consolidação das medidas, participação pública no pro-

cesso, cooperação e gestão partilhada de recursos (o roteiro de entrevistas uti-

lizado no trabalho de campo se encontra no Anexo 1).

A capacidade de o Estado fomentar a inovação por meio de instrumen-

tos de política industrial orientados a demanda depende de sua competência

em identificar e estimular demandas tecnológicas reconhecidas e aceitas, que

engajem atores e mobilizem conhecimentos em direção a uma missão con-

creta. Essa foi a hipótese norteadora desse trabalho de campo, que buscou

identificar as estruturas institucionais relacionadas às políticas de inovação

para as energias renováveis na Alemanha.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

597

A pesquisa sobre política industrial orientada à demanda se relaciona

em grande medida à capacidade de o Estado buscar mobilizar atores para

atender uma demanda social e assim incentivar inovações que gerem encade-

amentos positivos no processo produtivo industrial. Há um elemento central

para a elaboração de políticas industriais orientadas a demanda que deve ser

objeto de novos estudos. Como o Estado é capaz de articular atores e identificar

demandas tecnológicas da indústria? Essa questão se relaciona ao processo

pelo qual o Estado coordena e mobiliza atores em busca de um objetivo especí-

fico. É papel do Estado o de garantir que esta cooperação de atores privados e

da academia dialogue com uma estratégia nacional para o desenvolvimento

industrial.

Em relação aos esforços de desenvolvimento tecnológico no setor de

energia, o governo canaliza as demandas sociais para a sustentabilidade no

setor na forma de metas de planejamento energético que não só apresenta as

demandas para a inovação do setor, como articula capitais para a formação de

uma indústria de suporte à inovação para atender às tais demandas.

Uma decorrência dessa forma de geração de política de inovação são os

projetos demonstradores, conhecido pelo termo em inglês de testbeds, vincu-

lados a programas desenvolvidos em forma de plataformas, que é a forma

como se desenha as políticas industriais para a inovação na Alemanha. Essas

experiências passam a ser fundamentais para a política industrial alemã, uma

vez que é o resultado da articulação de pesquisa e inovação entre a universi-

dade, os institutos de pesquisa, como os Fraunhofer, e empresas, para a solução

de demandas estabelecidas nas plataformas. Os testbeds são uma ponte entre

a pesquisa conceitual, a aplicada e o desenvolvimento pré-comercial das tec-

nologias relacionadas às demandas sociais, de forma a permitir a articulação

entre esses atores e, sobretudo, incluir PMEs e startups nesse processo.

Dessa forma, ponto central do trabalho de campo foi buscar compreen-

der como as instituições estão articuladas nesse contexto de políticas tecnoló-

gicas e energéticas com fins claros. Ênfase foi dada em instituições relaciona-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

598

das ao Instituto Fraunhofer, que muito contribuiu para todo o processo de de-

senvolvimento tecnológico na Alemanha. Novamente, retomamos aqui os ar-

gumentos desenvolvidos anteriormente nesse projeto de pesquisa para ressal-

tar a importância destes importantes instrumentos de políticas de inovação

orientadas à demanda.

Os Institutos Fraunhofer são institutos de grande importância para

todo o sistema nacional de inovação da Alemanha, por isso, durante essa via-

gem, foram entrevistados representantes de dois institutos relacionados es-

pecificamente ao desenvolvimento tecnológico em energias renováveis. Fun-

dado em 1949, o Instituto Fraunhofer desenvolve pesquisa aplicada com o ob-

jetivo de promover o desenvolvimento econômico da Alemanha através da

inovação. Atualmente existem 68 institutos Fraunhofer na Alemanha, onde

trabalham mais de 24.000 empregados, em geral pesquisadores oriundos de

universidades e da indústria, que desenvolvem seus trabalhos de pesquisa,

mestrados e doutorados, em projetos relacionados a algum problema concreto

demandado pela indústria.

O orçamento global de todos os Institutos Fraunhofer ultrapassou € 2

bilhões em 2015. Desse total, aproximadamente € 1,7 bilhão é oriundo de con-

tratos de pesquisa realizados com a indústria ou através de editais competiti-

vos de fundos de fomento dos governos federais e estaduais na Alemanha. A

política oficial de financiamento do instituto é que 1/3 seja proveniente de re-

cursos governamentais garantidos para a manutenção de todos os institutos,

sendo o repasse realizado pela sede central para todas as unidades do sistema;

1/3 de recursos provenientes de editais de pesquisa – tipicamente baseados em

fundos públicos; e 1/3 de recursos de projetos de empresas.

Geralmente os Institutos Fraunhofer são relacionados a alguma univer-

sidade, e os professores gestores de cada instituto são também chefes de de-

partamentos nas universidades. Para essa pesquisa foram selecionados dois

institutos Fraunhofer que são referências internacionais no desenvolvimento

tecnológico para energias renováveis.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

599

I) Fraunhofer Institute for Wind Energy and Energy System Technology

(IWES): O IWES foi fundado em 2009, possui 500 funcionários e atua em

duas áreas: Energia Eólica e Sistemas Elétricos. O instituto possui cen-

tros de pesquisa em Bremerhaven, Bremen, Hannover, Oldenburg (esses

primeiros relacionados à pesquisa em energia eólica) e em Kassel (siste-

mas elétricos). Os laboratórios relacionados ao desenvolvimento em

energia eólica são referências mundiais no tema, e cobrem todos os as-

pectos físicos e de engenharia para o desenvolvimento tecnológico de

unidades geradoras de energia elétrica a partir dos ventos. A unidade de

sistemas elétricos, sediada em Kassel, é especialmente interessante

para a realidade brasileira. Desenvolve pesquisas em sistemas para a in-

tegração de fontes de energias renováveis alternativas (solar, eólia e de

biomassa) à rede de distribuição de energia elétrica.

II) Fraunhofer Institute for Solar Energy Systems (ISE): Fundado em Frei-

burg, em 1981, o ISE desenvolve sistemas, componentes, materiais e pro-

cessos nas áreas de energia solar. Os projetos do instituto se aplicam a

diferentes fundamentos do uso da energia solar, em seu uso térmico,

células fotovoltaicas, sistemas de suprimento de energia elétrica, con-

versão química de energia, armazenamento e uso racional de energia

elétrica. Com uma equipe de 1.100 funcionários é o maior instituto de

pesquisa em energia solar da Europa. As pesquisas desenvolvidas pelo

instituto vão do desenvolvimento de pesquisas tecnológicas e protótipos

à construção de sistemas demonstradores.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

600

2.1. Energia e Indústria 4.0

Além dos institutos acima mencionados, a visita à Alemanha teve como

foco institutos relacionados à plataforma Indústria 4.0. O conceito por trás da

indústria 4.0 se relaciona profundamente aos desafios apontados pelas políti-

cas que visam garantir a transição dos sistemas elétricos rumo a uma maior

participação das fontes renováveis e à sustentabilidade. Em especial relaci-

ona-se aos desafios tecnológicos de eficiência energética.

A Plataforma 4.0 torna-se um importante instrumento de política in-

dustrial a ser estudado em relação à energia. Trata-se de uma política capaz de

coordenar esforços sociais, de política industrial, tecnológica e energética, vi-

sando atender demandas sociais pela sustentabilidade e, sobretudo, auferir

competitividade à indústria alemã. Essa plataforma age como um grande for-

mador de consenso em todos os segmentos da sociedade relacionados à indús-

tria para a articulação de esforços em direção ao desenvolvimento tecnoló-

gico. Essa estrutura que se inicia com as articulações de associações setoriais

e profissionais e torna-se política pública através de um processo de geração

de consenso que determina demandas concretas para a intervenção pública.

Fábricas demonstradoras e centros de pesquisa que se dedicam à efici-

ência energética dos processos produtivos industriais foram selecionados

para visitas técnicas:

III) Demofabrik, Aachen: A Demofabrik é uma iniciativa de uma fábrica de-

monstradora, testbed, localizada no campus da RWTH Aachen, universi-

dade de Aachen. Trata-se de um empreendimento privado, com a parti-

cipação de professores da universidade localizada em uma estrutura da

universidade dedicada a receber empresas que desenvolve projetos em

parceria com departamentos ou grupos de alunos. A fábrica tem como

foco o desenvolvimento de processos adaptados à manufatura avan-

çada. Simula produção de um carro elétrico, e com isso incorpora diver-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

601

sos desenvolvimentos tecnológicos e de processos em sua linha para tes-

tar sua aplicação e as implicações para a organização do trabalho. Nesse

sistema, encontram-se sistemas de eficiência energética, de gestão de

estoques com ferramenta de IoT que permite, por exemplo, identificar o

fluxo do estoque em conexão direta com o fornecedor de peças quando

identificado o nível crítico de peças.

IV) ETA-Fabrik, Darmstadt: A ETA-Fabrik é uma fábrica demonstradora, tes-

tbed, vinculada ao departamento de gestão da produção, tecnologia e

máquinas da Technische Universistät Darmstadt. Localizada no campus

da universidade. Com o foco em eficiência energética, é uma fábrica re-

cente, inaugurada em 2015. Projeto de 15 milhões de Euros, grande parte

financiado pelo Ministério de Economia e Energia, BMWi, e o governo

estadual. É um projeto que envolveu departamentos de engenharia civil,

arquitetura, materiais, produção, dentre outros. Também possui uma li-

nha de produção onde são testados os processos relacionados à eficiên-

cia energética para a indústria 4.0, com a integração de todas as partes

do processo produtivo, dos estabelecimentos administrativos e do pró-

prio prédio para a otimização energética da planta.

O trabalho de campo possibilitou identificar elementos constitutivos

das políticas de inovação no país e, principalmente, das formas de coordena-

ção e da articulação de esforços de diversos segmentos da sociedade para o de-

senvolvimento e a difusão de tecnologias relacionadas às energias renováveis.

Os resultados foram consolidados, e, em conjunto com resultados obtidos atra-

vés das pesquisas documentais e da análise das entrevistas e documentos co-

letados no trabalho de campo, serão apresentados no próximo tópico. A lista

de profissionais entrevistados se encontra no Anexo 2.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

602

3. Tendências recentes nas políticas energéticas

Os esforços de políticas de inovação para energias renováveis na Alema-

nha podem ser identificados na estratégia do governo alemão para a transição

energética, do alemão Energiewende. Iniciada nos anos 1990, com a instituição

das reformas regulatórias que impulsionaram o desenvolvimento tecnológico

e de mercados para as energias renováveis, a política de transição é um con-

junto de políticas de inovação e energéticas que visam aumentar a participa-

ção de energias renováveis na matriz elétrica alemã. De fato, essas metas têm

sido alcançadas, mas não sem um intenso debate na sociedade alemã em torno

dos custos econômicos dessas iniciativas, bem como grandes desafios para a

competitividade da indústria alemã provenientes, sobretudo, da China.

Figura 9. Matriz elétrica da Alemanha - 1990, 2000 e 2014.

Fonte: Fraunhofer ISE, https://www.energy-charts.de/power_inst.htm

A Energiewende atualmente é coordenada pelo Ministério da economia

e energia, BMWi, e visa três objetivos estratégicos formalmente enunciados:

(i) Segurança Energética, (ii) acesso a energia para toda a população e (iii) um

46.20%53.20%58.70%

17.90%

29.60%27.80%

10%

1.70%9.50%6.40%6.10%9.20%7.40%

4%3.80%3.20%

201420001990

Carvão Nuclear Eólica Biomassa Solar Gás Natural Hidroelétrica

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

603

suprimento de energia ambientalmente responsável. Esses grandes objetivos

tornam-se metas de políticas, relacionadas às mudanças climáticas, segu-

rança energética e manutenção da competitividade industrial alemã. A partir

dessa concepção estratégia o governo apresenta uma estrutura de metas e de

coordenação que permite a gestão e a transparência de suas ações.

Podemos estruturar a estratégia alemã de transição para o setor de ener-

gia em três passos. Em um primeiro momento o governo alemão estabelece

metas, como as de redução do consumo de energia e de participação de fontes

renováveis em sua matriz. De acordo com o último plano de transição energé-

tica de 2010, com manutenção referendada em 2015, o governo alemão esti-

pulou como meta a redução do consumo de energia elétrica em 10% até 2020,

em relação ao nível de consumo apresentado em 2005, e em 25% até 2050.

As metas para o consumo final de energia geral, que engloba combustí-

veis para transporte, processos produtivos e geração de calor, são ainda maio-

res e preveem a diminuição em 20% no consumo de energia até 2020, em re-

lação aos níveis de 2005, e de 50% até 2050. Para a geração de calor predial, nos

sistemas de calefação, espera-se reduzir o consumo de energia em 80% até

2050, em relação aos níveis observados em 2008. Além disso, o governo alemão

mantém a meta de redução na emissão de gases do efeito estufa em 40% até

2020, em referência aos valores observados em 1990, e em 80% até 2050

(BMWi, 2016).

As metas de participação de fontes renováveis na matriz elétrica alemã

são também bastante agressivas, conforme pode ser observado na Figura 10.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

604

Figura 10. Participação de fontes renováveis no consumo de energia elétrica na Alemanha e metas para o futuro

Fonte: BMWi, 2015

As metas apresentadas são fruto de debates na sociedade, e consolidam-

se no parlamento alemão. Do ponto de vista de política de inovação, apresen-

tam-se como demandas sociais a serem perseguidas mediante o desenvolvi-

mento tecnológico, reforçando-se, assim, as políticas de inovação orientadas

pela demanda no país. A Tabela 3 apresenta o conjunto de metas estipuladas

pela Energiewende em relação ao setor de energia elétrica no país.

Acompanhando o estabelecimento das metas, em um segundo mo-

mento da política de transição do setor elétrico no país, estão as políticas re-

gulatórias de geração de mercado através das tarifas prêmio às fontes renová-

veis, feed-in, estipuladas pela EEG. Conforme apresentado anteriormente

neste trabalho, essa política obriga as concessionárias de distribuição de ener-

gia elétrica na Alemanha a contratarem toda a energia renovável disponível a

um sobrepreço. Essa política possibilitou a geração de um mercado no país

para a indústria de tecnologia para a geração de energia elétrica a partir de

fontes renováveis. Esse fato foi apontado como o grande indutor da inovação

no setor pelos entrevistados nas visitas de campo.

15.1 16.3 17 20.4 23.7 25.2 27.435

5065

80

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2020 2030 2040 2050

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

605

Tabela 3. Principais metas da Energiewende

Fonte: Agora, 2015

De fato, a Alemanha obteve sucesso na geração de uma indústria forne-

cedora de tecnologias para a geração de energias renováveis e para a eficiência

energética. Mesmo sofrendo forte concorrência internacional, em especial dos

fornecedores chineses, que foram capazes de absorver os conhecimentos ori-

undos de projetos de cooperação internacional com diversos centros de pes-

quisa mundiais, muitos da própria Alemanha, o país consegue se manter como

o principal fornecedor mundial em diversas tecnologias críticas de energias

renováveis, com mais de 90% do market share em equipamentos para a produ-

ção de células fotovoltaicas de acordo com um dos entrevistados no trabalho

de campo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

606

Esse fato se deve em grande medida à capacidade do país em coordenar

esforços em P&D à geração de mercados, que induziu não somente a atração

de capital, mas também à conscientização pública em torno da necessidade de

se manter os níveis de investimentos no setor. A Figura 11 abaixo apresenta a

participação da Alemanha na geração de energias eólicas e solares em relação

ao mundo.

Figura 11. Participação da Alemanha da capacidade instalada global, 2012

Fonte: Morris e Pehnt, 2015

Essa capacidade de gerar mercados, em estreita colaboração com políti-

cas de inovação para o desenvolvimento tecnológico no país, é um fator de des-

taque da estratégia para a transição alemã. O país foi capaz de criar uma

grande indústria no setor, que, de acordo com estimativas oficiais do governo

alemão, irá gerar 230.000 postos de trabalho até 2050 (BMWi, 2016). Destaca-

se a capacidade do país em fazer um processo de transição planejado e coorde-

nado, inclusive com uma política para o mercado de trabalho com a substitui-

ção dos empregos nos setores tradicionais de geração de energia elétrica para

os de geração renováveis.

Esses esforços têm impacto na competitividade industrial da Alemanha,

com o país apresentando um dos maiores custos de energia elétrica do mundo.

As figuras 12 e 13 apresentam a composição do preço de contratação de ener-

gia elétrica proveniente de fontes renováveis na Alemanha e a composição da

tarifa média de energia para um consumidor residencial no país. Como se

Alemanha32%

Resto do Mundo 30.80%

Resto da U.E. 37.20%

Solar

Alemanha12%

EUA,21%

China27%

Resto do Mundo

40% Eólica

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

607

pode observar, o preço adicional da tarifa proveniente das fontes subsidiadas

pelo EEG representa mais 60% do preço médio de energia elétrica pago no

mercado alemão em 2016. E em relação à tarifa residencial, o subsídio relaci-

onado à EEG representa aproximadamente 21% do total pago por um consu-

midor naquele país.

Figura 12. Preços de energia elétrica e sobrepreço para renováveis.

Fonte: BMWi, 2016

Tendo em vista o grande impacto que as políticas de subsídios para as

energias renováveis possuem para o custo de energia elétrica industrial na

Alemanha, atrelado à percepção de que as fontes renováveis, em especial as

fontes eólica e solar, chegaram a um estágio de maturidade tecnológica, re-

centemente o governo alemão anunciou algumas mudanças no EEG que pas-

sarão a ocorrer a partir de 2017.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

608

Figura 13. Composição da tarifa média residencial na Alemanha, Euro cent/kWh

Fonte: BMWi, 2016

A partir deste ano as contratações de energia elétrica provenientes das

fontes solares e eólicas serão realizadas por meio de leilões públicos, em que

os fornecedores farão seu preço e os que ofertarem a energia a um menor

custo obterão contratos de 20 anos com as distribuidoras de energia elétrica.

Esse fato demonstra que a política de transição de energia na Alemanha chega

a uma nova etapa, na qual as fontes passarão a ser tratada de forma competi-

tiva. Outras medidas visando mitigar os custos de políticas de subsídios para

a geração de energias renováveis foram anunciadas em 2016, sendo a de maior

debate na sociedade alemã a definição do governo em restringir a permissão

de instalação de novas usinas eólicas no país devido aos impactos ambientais

que as usinas passam a ter. Essa medida não afetará as usinas eólicas offshore,

que já representam a maior parte da expansão da capacidade instalada da

fonte.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

609

De fato, os impactos das decisões para o fomento às energias renováveis

possuem alguns pontos fracos que a política do país visa superar com sua es-

tratégia Energiewende. A política de substituir plenamente as usinas nucleares

por outras fontes, anunciada em 2009 e iniciada efetivamente em 2011, gerou

um aumento na importação de energia oriunda de combustíveis fósseis no

país. Em 2014, 61% de toda a energia elétrica consumida na Alemanha foi im-

portada; em 1990 a dependência energética representava 47%.

Atrelado a esses fatos, a Alemanha vem sofrendo com os efeitos da crise

econômica que impacta toda a Europa, bem como da concorrência internaci-

onal, em especial da China. Os impactos nos empregos do setor, bem como nos

investimentos, são sentidos, e foram tema de destaque ao longo de todo o tra-

balho de campo. Em especial, o setor de energia solar fotovoltaica vem so-

frendo com a grande concorrência internacional e a queda nos investimentos

domésticos. O setor de energia eólica continua em expansão, sobretudo com o

crescimento na exploração de usinas eólicas off-shore.

Em 2014, as empresas alemãs de produção de células fotovoltaicas em-

pregaram entre 45.000 e 50.000 trabalhadores, uma queda comparada aos

53.000 trabalhadores empregados no setor em 2013 e aos 111.000 trabalhado-

res empregados em 2011 (IRENA, 2015). Esses fatos são resultados da crise que

a Alemanha começa a enfrentar no setor. Os investimentos internos na insta-

lação de nova capacidade de produção, bem como a geração de emprego no

setor, vêm caindo, como pode ser observado nas figuras 14 e 15.

Os desafios em competitividade do setor de energia solar na Alemanha

são significativos. Entre 2012 e 2013, o crescimento do mercado encolheu 57%,

seguido de outro decréscimo de 40% entre 2013 e 2014. Esse fato não é uma

realidade somente na Alemanha, já que o ritmo de crescimento do mercado

europeu de energia solar fotovoltaica vem diminuindo, assim com sua parti-

cipação no mercado mundial, que representou em 2013 28% do total no mundo

– em 2012 representava 59%. Neste mesmo ano, a China instalou 11,3 GW em

painéis fotovoltaicos, representando 30% de toda capacidade adicionada no

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

610

setor. Isso teve um profundo impacto na estrutura da indústria alemã de pai-

néis e equipamentos acessórios. Em 2013, essa indústria encolheu 40% em sua

produção, com uma receita de € 3,56 bi, representando uma queda na receita,

incluindo exportações, de 56% em relação ao ano anterior (O´Sullivan, 2014).

Figura 14. Capacidade instalada adicional de energia solar, GW.

Fonte: IRENA 2015

Figura 15. Empregos no setor de Energias Renováveis na Alemanha

*Empregados em institutos de P&D públicos e privados ligados a energias renováveis Fonte: O´Sullivan et al., 2014

7,6 3,3 1,9012345678

2012 2013 2014

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

611

O mesmo não pode ser dito sobre a indústria de energia eólica, em espe-

cial decorrente do avanço nos investimentos em plataformas off-shore. Em

2014 a Alemanha instalou 5,3 GW em capacidade adicional, a segunda maior

taxa de crescimento no mundo, perdendo apenas para a China. Desse total,

32% foram de usinas off-shore (IRENA, 2015). Os investimentos em energia eó-

lica continuam a crescer, em grande medida decorrentes do sucesso na im-

plantação das medidas do EEG. Os investimentos em energia eólica em 2013

foram 81% maiores que os realizados em 2012, e o rendimento líquido do setor,

considerando exportações, cresceu 16% no mesmo período (O´Sullivan et al.,

2014).

A despeito dos grandes desafios enfrentados pelo setor de energias re-

nováveis na Alemanha, os impactos das políticas de geração de mercado, esta-

belecidos no EEG, ainda são expressivos. Estima-se que aproximadamente

261.500 empregos existentes no setor de energias renováveis no país eram di-

retamente relacionados à existência do programa em 2013, sendo 137.800 no

setor de energia eólica, 63.000 no setor de biomassa e 56.000 no setor de ener-

gia solar. O sucesso do programa na geração de mercado pode ser represen-

tado na Figura 16.

Figura 16. Empregos decorrentes do EEG e sua participação no total de empregos em energias renováveis na Alemanha.

Fonte: O´Sullivan et al., 2014

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

612

O terceiro momento da estratégia alemã para a transição tecnológica no

sistema elétrico prevê o contínuo esforço em inovação, seja tecnológica ou ins-

titucional, que dará suporte à economia nacional atingir as metas definidas.

Visando garantir o sucesso de sua estratégia de transição, o governo alemão

destaca 10 projetos principais, os quais foram aprovados pelo legislativo ale-

mão e que compõem os esforços do governo para a transição. Esses projetos

compõem iniciativas de monitoramento, prospecção, mudanças regulatórias,

integração energética, bem como inovação tecnológica.

No que se refere à inovação, a Alemanha possui características peculia-

res. Um elemento de destaque identificado no trabalho de campo é que, inde-

pendentemente das estratégias nacionais, o governo alemão se utiliza de um

sistema de inovação consolidado, com fortes universidades e institutos de pes-

quisa em estreita relação com a indústria, bem como programas de fomento a

P&D, plataformas demonstradoras e pesquisas básicas em seus ministérios. As

plataformas se baseiam no sistema nacional de inovação existente, que é forte,

dinâmico e consolidado.

Esse fato se destacou nas entrevistas e nas visitas realizadas no trabalho

de campo. É comum um instituto de pesquisa estar envolvido em diversos pro-

gramas relacionados às diferentes plataformas existentes no país, estabele-

cendo uma relação entre diferentes campos de pesquisa e diferentes indús-

trias na busca por soluções tecnológicas. Assim é com a estratégia de manufa-

tura avançada, que se articula em torno da Plataforma Indústria 4.0, con-

forme apresentado em outro produto deste projeto de pesquisa. Também é

com a política de inovação para a transição tecnológica no setor de energia

elétrica.

A estratégia Energiewende, articulada pelo ministério da economia e

energia, BMWi, coordena cinco plataformas de pesquisa: (i) “Energy Grids”, (ii)

“Electricity Market Platform”, (iii) “Energy Efficiency Platform”, (iv) “Energy

Transition Platform: Buildings”, e, (v) “Research and Innovation Platform”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

613

Cada plataforma articula membros do Estado, da indústria, da acade-

mia e institutos de pesquisa, bem como da sociedade civil em esforços de pes-

quisa para a proposição de solução a demandas sociais para a sustentabilidade

do sistema elétrico. A plataforma “Energy Grids” é coordenada por membros

do governo alemão, de concessionárias de distribuição de energia elétrica,

consumidores e organizações civis de defesa do meio ambiente, e visa a for-

mulação de recomendações para a expansão e a modernização da rede de dis-

tribuição de energia elétrica no país.

A plataforma “Electricity Market Platform” coordena esforços de repre-

sentantes do governo e de institutos de pesquisa e associações relacionadas à

economia, energia e ao meio ambiente com o objetivo de garantir a segurança

no suprimento elétrico nacional e a transição no sistema elétrico. Por sua vez,

a “Energy Efficiency Platform” coordena esforços entre governo, institutos de

pesquisa e associações industriais e de trabalhadores para o aumento da efici-

ência energética de toda a economia alemã.

O setor de construção civil, junto ao governo e associações e institutos

de pesquisa relacionados à energia, engenharia e indústria, se articulam em

torno da “Energy transition platform: Buildings”, visando a eficiência energé-

tica em edificações para o atendimento às metas estabelecidas pelo Energie-

wende.

Por fim, a “Research and Innovation Platform”, busca articular mem-

bros da academia, institutos de pesquisa e governo para garantir uma coorde-

nação estratégica de todos os programas de inovação nacional, que podem

contribuir para a transição energética, de forma a garantir o atendimento às

metas gerais do Energiewende, bem como da política para a União Europeia

Horizon 2020.

Esses esforços podem ser caracterizados pela participação da sociedade

em todos seus níveis, em plataformas tipicamente “botton-up”, com forte in-

teração público-privado, inclusive em seu financiamento. Também se destaca

a transparência, norteada pelos conceitos de accountability, onde as metas são

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

614

debatidas e tomadas publicamente, de forma a permitir o monitoramento e a

avaliação. Durante o trabalho de campo foram diversas as referências às ne-

cessidades de monitoramento e a importância das entidades responsáveis

pela gestão e transparência dos resultados de pesquisa para os institutos e

para todo o programa.

Em relação à Energiewende, existe uma publicação disponível onde são

listados todos os envolvidos nas plataformas da estratégia, com o nome, ende-

reço e contato de cada indivíduo responsável em cada organização, seja pú-

blica ou privada, pela execução das metas da estratégia (BMWi, 2015a).

A pesquisa de campo permitiu compreender a importante participação

da sociedade alemã na geração de demandas objetivas, claramente enuncia-

das, que geram metas a serem alcançadas por meio de programas e políticas

de inovação. É observado na Alemanha um sistema de inovação voltado para

a solução de problemas concretos da sociedade, e a articulação entre os dife-

rentes atores na busca por soluções tecnológicas que geram desenvolvimento

é um importante destaque que o trabalho de campo possibilitou identificar.

A articulação do sistema de inovação, em torno de demandas concretas,

é oriunda do estabelecimento de metas claras, que são debatidas socialmente

e entendidas pelos atores envolvidos no processo. Em todas as entrevistas do

trabalho de campo ficou claro o envolvimento dos pesquisadores nesta articu-

lação em torno de metas. O Estado atua, assim, como o coordenador dos esfor-

ços entre os diferentes órgãos de governo, academia e indústria, utilizando-se

do sistema de inovação consolidado no país. Esse processo serve de aprendi-

zado para os novos ciclos de políticas de inovação no Brasil conforme será

apresentado no próximo tópico.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

615

Considerações finais: lições das experiências do país e recomendações para o Brasil

Como argumentado ao longo deste trabalho, a Alemanha é um caso de

sucesso no desenvolvimento tecnológico e na inserção de fontes de energias

renováveis no seu setor elétrico. A análise das experiências alemãs traz ele-

mentos para se pensar o caso brasileiro, apesar das diferenças entre os dois

países na capacidade industrial, de engenharia e, principalmente, de maturi-

dade e qualidade do sistema de inovação e tecnologia. Destacamos a seguir al-

guns elementos que podem ser considerados na elaboração de novas políticas

de inovação em energias renováveis no Brasil.

Uma primeira lição decorrente da análise da experiência alemã para o

fomento à inovação e à transição tecnológica no setor elétrico mediante a in-

corporação de fontes de energias renováveis está relacionada à metodologia

de construção e à gestão da política de inovação no país, sobretudo, à ênfase

em instrumentos de política de inovação orientada à missão e à demanda.

Esse processo depende da competência dos órgãos do governo em iden-

tificar e estimular demandas tecnológicas reconhecidas e aceitas, que enga-

jem atores e mobilizem conhecimentos em busca de resultados efetivos. A his-

tória da emergência na indústria de tecnologias e soluções para a geração de

energia elétrica a partir de fontes renováveis na Alemanha é um bom exemplo

desse processo.

Decorrente das pressões sociais para a sustentabilidade do sistema elé-

trico, o governo inicia um intenso processo de diálogo que permite a absorção

das demandas sociais, que passam a consolidar metas para o desenvolvimento

do sistema. Assim, o governo não somente garante que as demandas aponta-

das por ele são reconhecidas e realmente necessárias para a estrutura indus-

trial do país, como facilita a coordenação e, do ponto de vista político, articula

o apoio necessário para a efetiva implementação das medidas, seu acompa-

nhamento e avaliação transparente.

Page 617: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

616

É grande o consenso na sociedade alemã sobre as necessidades das me-

didas aplicadas no Energiewende. Em 2011, 85% dos parlamentares do país vo-

taram a favor das medidas do Energiewende e 100% dos partidos políticos pre-

sentes no parlamento concordaram com a interrupção da operação de todas

as usinas nucleares. Em 2015, o Energiewende tinha aprovação de 90% dos ci-

dadãos na Alemanha, e 45% acreditavam que o programa estava trazendo bons

resultados (AGORA, 2015). A importância das coalizões de interesses para a

efetividade de políticas não é processo exclusivamente da Alemanha. Especia-

listas em políticas científicas e tecnológicas apontam a importância da gera-

ção de demandas e consensos, mediante coalizões, para a eficiência de políti-

cas de indução à inovação (RHODES, 2001; SCHNEIDER, 2009).

Esse processo de geração de demanda implica diálogo e gestão das coa-

lizões em torno do processo de elaboração das políticas públicas. No que se re-

fere à estratégia de transição alemã, esse processo se relaciona com o estabe-

lecimento de metas, que são construídas de forma participativa e transpa-

rente, em uma estratégia “botton-up”.

No Brasil, o processo de planejamento energético está a cargo da Em-

presa de Planejamento Energético (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e

Energias (MME). A EPE divulga a cada ano o Plano Decenal de Expansão de

Energia, com o planejamento de expansão do sistema elétrico visando suprir

a demanda projetada, mas o debate sobre planejamento energético fica res-

trito a um conjunto de atores envolvidos com as organizações de planejamento

do governo.

É evidente que o processo de planejamento da transição do sistema elé-

trico brasileiro não se dará da mesma forma que o Alemão. Grandes diferen-

ças marcam ambos os países. Uma delas é que o Brasil apresenta uma matriz

elétrica com a maior participação de fontes renováveis no mundo: aproxima-

damente 80% da matriz elétrica brasileira é composta de fontes renováveis de

geração de energia elétrica, em comparação aos 30% apresentados na Alema-

nha (Figura 17).

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

617

Figura 17. Matriz elétrica brasileira, Abril/2016

Fonte: Elaboração própria com dados da EPE.

Por outro lado, o Brasil enfrenta grandes desafios no setor elétrico que

exigem a expansão do sistema nacional com a inserção de novas fontes reno-

váveis alternativas, visando tornar a matriz elétrica ainda mais equilibrada. O

Brasil é reconhecidamente um país com enorme potencial para essas fontes,

com grande irradiação solar em todo seu território, um regime eólico ainda

pouco explorado e uma indústria agrária com possibilidade real de expansão

a partir da biomassa.

O espaço para a inovação também é enorme no processo de transição do

sistema de distribuição brasileiro, que apresenta um dos maiores índices de

perdas de energia do mundo (19% em 2015), e não conta com soluções consoli-

dadas para a migração para conceitos relacionados ao smart grid.

Deve-se reconhecer que o Brasil tem tido grande sucesso na inserção de

novas fontes renováveis de energia em sua matriz elétrica, e assim como a Ale-

manha, na inserção das fontes eólica e solar. Entretanto, esse processo se deu

sem uma efetiva participação da indústria no processo de desenvolvimento

tecnológico no setor. A despeito das políticas de conteúdo local, estimuladas

pelo BNDES com o financiamento de projetos de energia, poucos esforços têm

Page 619: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

618

sido feitos no sentido de coordenar as ações de políticas de inovação e energé-

tica, visando aproveitar as oportunidades para desenvolver uma indústria na-

cional desenvolvedora de tecnologia.

Um exemplo positivo desse processo foi o programa Inova Energia, exe-

cutado por BNDES e Finep (2013-2015), que buscou consolidar os esforços de

ambas políticas em três eixos específicos: (i) Smart-grids e tecnologias de ultra

alta tensão; (ii) Fontes de energias renováveis alternativas, e; (iii) Veículos hí-

bridos e elétricos. O exemplo do Inova Energia se apresenta como oportuni-

dade a ser buscada pelas novas políticas industriais no Brasil, que podem ab-

sorver parte dos aprendizados das melhores práticas de políticas de inovação

no mundo, como o observado na Alemanha.

Fator importante observado na experiência alemã é o funcionamento de

um sistema de inovação consolidado e com forte conexão com a indústria no

país. Conforme argumentado anteriormente, independentemente das estra-

tégias nacionais, o governo alemão se utiliza de um sistema de inovação con-

solidado, com fortes universidades e institutos de pesquisa em estreita relação

com a indústria, bem como programas de fomento a P&D, plataformas de-

monstradoras e pesquisa básica, já consolidados em seus ministérios. As es-

tratégias tecnológicas alemãs frequentemente se utilizam de plataformas de-

monstradoras que se apoiam no sistema de inovação instalado no país.

Diferentemente, o Brasil não conta com um sistema de inovação articu-

lado para a área de energia. Mais ainda, a regulamentação dos gastos em P&D

no setor elétrico é falha e não consegue estimular a qualidade dos investimen-

tos.

Com base no levantamento e análise das experiências alemãs, identifi-

camos quatro ações que podem tornar o processo de inovação para energias

renováveis no Brasil mais efetivo:

Page 620: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

619

(1) Diversificar a matriz com fontes renováveis. É fundamental que o

Brasil desenvolva de modo constante e consistente alternativas reno-

váveis – em especial na área de eólica e solar – de modo a diversificar

ainda mais sua matriz energética. Isso significa aumentar o investi-

mento em inovação assim como a eficiência em todo o setor. Para

isso, não somente as referências regulatórias precisam mudar, mas

também devem ser implementados programas públicos de estímulo

à pesquisa em parceria com a indústria, como os utilizados intensi-

vamente pela Alemanha. Outro fator crucial é a manutenção de po-

líticas de subsídios flexíveis e vinculadas às políticas de inovação

para a geração de um mercado fornecedor de tecnologias e soluções

para a geração a partir de tais fontes.

(2) Explorar novas tecnologias via Plataformas demonstradoras. A coor-

denação entre as políticas de inovação e de energia é de grande im-

portância para o atendimento das demandas tecnológicas voltadas

para o desenvolvimento do país. O exemplo alemão do Energiewende

e a forma de funcionamento das plataformas demonstradoras, ob-

servados ao longo do trabalho de campo podem ser absorvidos e im-

plantados no Brasil. Essas plataformas são baseadas na cooperação

entre universidades, empresas e poder público e se voltam para di-

fundir, pesquisar e testar novas modalidades de geração, transmis-

são e distribuição de energia. Com esse tipo de apoio, será possível

alavancar tecnologicamente as empresas brasileiras, além de prepa-

rar a indústria e os serviços em energia para as transformações pre-

nunciadas pela Indústria 4.0.

(3) Dar forma a um ecossistema setorial de inovação. Para dar um salto

na área de energia, com implicações profundas para as cidades e a

indústria, o Brasil precisa pensar em uma nova modelagem institu-

cional e caminhar para dar forma a um ecossistema setorial, capaz

de gerar sinergias e interações atualmente residuais. Uma avaliação

cuidadosa do programa Inova Energia (BNDES-Finep), de modo a

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

620

identificar virtudes e vícios, pode ajudar na formulação de uma nova

geração de políticas de inovação e de energia.

(4) Utilizar recursos provenientes da Lei 9.991/2000 para a criação de

fundos de investimento no setor de energia. A exemplo do que obser-

vamos na Alemanha, é essencial o aumento do investimento público

e privado em todo o setor, assim como a busca de novos instrumentos

de apoio à startups e pequenas e médias empresas de base tecnoló-

gica. A ANEEL, agência responsável pelo programa de P&D estipulado

pela lei 9.991/00, que regula os investimentos de P&D no setor, possui

atribuições legais para construir essas alternativas e pode autorizar

que parte dos recursos definidos pela lei possa ser aplicada em fun-

dos de investimento específicos para o setor de energia.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 621

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 624

Anexo 1: Roteiro de entrevista para trabalho de campo

Para as entrevistas, utilizamos roteiro semiestruturado preparado previa-

mente com vistas a ser utilizado em todos os estudos de caso da linha 3 do pro-

jeto. O objetivo principal é identificar componentes das novas agendas de po-

lítica de inovação orientadas a resultados nas áreas selecionadas, instituições

envolvidas e instrumentos utilizados. O roteiro segue a estrutura de temas a

seguir:

a) Política: Objetivos dos programas, tanto para o país como em relação a

outros países, considerando, por exemplo, busca por liderança setorial

e na tecnologia e ações de catch up tecnológico.

b) Dimensão estatal: formação e origem da demanda; processos de cons-

trução e consolidação das medidas; participação pública nos processos;

relação intragoverno e entre diferentes níveis de governo (como articu-

lação de agências); fontes e formas de financiamento.

c) Dimensão de pesquisa e setor privado (“consórcio” ou parceria): defini-

ção da agenda de pesquisa; captação e gestão de recursos, tanto finan-

ceiros como humanos; articulação entre os atores (universidades, cen-

tros de pesquisa, laboratórios, empresas); competição, considerando es-

pecialmente apropriação e gestão de tecnologia; empresas participan-

tes (diferenciar nível local, nacional e internacional); participação de

micro e pequenas empresas; participação de universidades e laborató-

rios; questões de propriedade intelectual.

As perguntas sugeridas para as entrevistas são descritas no quadro a se-

guir. Vale lembrar que se trata de roteiro geral que foi complementado pelos

pesquisadores nas visitas conforme as especificidades de cada localidade.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

625

Questão geral Questões específicas

1) quais os objetivos gerais do programa? Quais metas buscam alcançar para o país? Por que ou-tros programas de política tec-nológica não conseguem suprir esses objetivos?

- Diretrizes do programa.

- Alvos definidos objetivamente.

- Comparação entre a posição relativa do país frente a outros e/ou das tecnologias frente a outras.

2) como são geradas as deman-das a serem perseguidas? Quem participa dos processos e define diretrizes?

- Existência de comitês ou conselhos formais (per-

manentes ou ad hoc).

- Workshops, seminários ou congressos.

- Estudos de especialistas ou de órgão específico do governo (checar se disponíveis publicamente).

- Material disparador veio do governo, da academia ou de entidades de classe?

- Articulação dentro do governo

- Fontes de financiamento e composição orçamen-tária do programa

- Definição de investimento e de orçamento de dife-rentes projetos? (iniciativa do governo, editais, institutos buscam fundos para financiamento, co-locam recursos próprios etc.)

3) Como é a gestão do programa orientado à missão?

- Operação e execução do programa

- Institucionalidade do laboratório, ou da rede, res-ponsável pela execução da política

- Processo de gestão do instituto

- Participação de cada um dos atores (governo, aca-demia e indústria) na definição de agenda e proje-tos de pesquisa

- Participação financeira de cada um dos atores no processo

- Relação no desenvolvimento de produtos e propri-edade intelectual (Há regra ou há livre negocia-ção? Qual o padrão mais usual?)

- Acesso de terceiros? (Comercialização ou seção de direitos de PI)

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 626

Anexo 2: Locais visitados e profissionais entrevistados na Alemanha

Local Entrevistados

Fraunhofer Institute

for Production Tech-

nology - IPT - Aa-

chen/Germany

Entrevista no IPT com os senhores:

Dr. Thomas Bobek, Líder do grupo de CAx-Techno-

logies

Dr. Eike Permin, Líder do grupo de Production Qua-

lity and Metrology.

Demofabrik Aachen Visita à fábrica demonstradora de Aachen, localizada

no Campus da Universidade de Aachen, e entrevista

com o Dipl.-Ing. Michael Haumann, Operations Mana-

ger, da fábrica demonstradora.

Fraunhofer Institute

for Wind Energy and

Energy System

Techonology – IWES –

Kassel/Alemanha

Apresentação feita pela equipe da pesquisa, intitu-

lada “Brazilian Energy Outlook”, em seminário para a

equipe do IWES. A apresentação durou aproximada-

mente 50 minutos, onde foram abordadas as caracte-

rísticas e os desafios tecnológicos do sistema elétrico

brasileiro. Após o seminário foi realizada reunião com

a presença dos senhores:

Dr.-Ing. Philipp Strauss – Deputy Director

Dr. rer. nat. Timo Fischer - Scientific Coordinator

Dr. Ulrike Fuchs – Scientific Coordination and In-

ternational Business Development

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 627

Dr. rer. nat. Thomas Degner – Head of Department

Network Technology and Integration

Dr.-Ing. Norbert Henze – Head of Department En-

gineering and Measuring Technology

Secretariat Plattform

Industrie 4.0 – Ber-

lin/Alemanha

Reunião com o acompanhamento do Sr. Secretário

Eduardo Terada Kosmiskas, embaixada brasileira na

Alemanha, na sede do Secretariado da Plataforma In-

dústria 4.0, com os senhores:

Dr. Daniel Senff – Deputy Secretary General, Sec-

retariat Plattform Industrie 4.0

Dr. Friedrich Gröteke – Digitisation, Industrie 4.0,

Federal Ministry for Economic Affairs and Energy

Fraunhofer Institute

for Production Sys-

tems and Design

Technology – IPK –

Berlim/Alemanha

Reunião no IPK com o acompanhamento do Sr. Secre-

tário Eduardo Terada Kosmiskas, embaixada brasi-

leira na Alemanha, com os senhores:

Dipl.-Ing. Eckhard Hohwieler – Head of Depart-

ment, Production Machines and Systems Manage-

ment.

Dr.-Ing. Tiago Borsoi Klein – Research Fellow, Man-

ufacturing Technologies.

M.Sc. Rodrigo Pastl Pontes – Research Assistant,

Production Machines and Systems Management.

Local Entrevistados

Page 629: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 628

ETA-Fabrik

Darmstadt/Alemanha

Visita e reunião na ETA-Fabrik, do Institute of Produc-

tion Management, Technology and Machine Tools –

PTW – da Technische Universität Darmstadt. A reu-

nião foi realizada com o Dipl.-Wirtsch.-Ing. Philipp

Schraml.

Process Learning Fac-

tory CiP (Centre for

industrial Produc-

tion) do Institute of

Production Manage-

ment, Technology and

Machine Tools – PTW –

da Technische Uni-

versität Darmstadt

A reunião foi realizada com o M.Sc.

Maximilian Meister.

SAP Headquarter

Walldorf/Alemanha

Reunião na sede da empresa SAP com os responsáveis

pelas áreas de IoT (Internet of Things) e Indústria 4.0.

Participaram da reunião os senhores:

Dr.-Ing. Dirk Ammermann, Vice President IoT

Strategy, Products & Innovation Division.

Sr. Daniel Faulk, Senior Product Manager, IoT Ap-

plication Services.

Srª. Maria Cecilia Calzada de Neumann, Country

Manager Latin America, Spain & Portugal, SAP

University Alliances.

Srª. Nathalie Boulay, SAP University Alliances.

Local Entrevistados

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 629

Fraunhofer Institute

for Solar Energy Sys-

tems – ISE

Freiburg/Berlim

Reunião no ISE com o Prof. Dr. Hans-Martin Henning,

Deputy Director of ISE, Director of Division Thermal

Systems and Buildings.

Local Entrevistados

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 630

09 /MANUFATURA AVANÇADA NO BRASIL

DIRETRIZES E RECOMENDAÇÕES PARA A FORMULAÇÃO DE UM PROGRAMA NACIONAL

SUMÁRIO EXECUTIVO

- O presente capítulo consolida um conjunto de análises dos casos estu-

dados no projeto de pesquisa coordenado pela ABDI, denominado de “Es-

tudos e Pesquisas acerca de Políticas Industriais e Ações de Fomento ao

Desenvolvimento e Tecnológico e à Inovação”, e apresenta diretrizes e

recomendações para a construção de um programa nacional em manu-

fatura avançada capaz de ajudar o Brasil a se preparar para a indústria

do futuro.

- Para além da atual situação econômica, é importante destacar que o de-

bate suscitado pela indústria do futuro, além de se voltar para a eleva-

ção da produtividade da indústria brasileira, procura identificar opor-

tunidades para uma transformação estrutural da nossa economia, dire-

tamente constrangida pelos rápidos avanços que começam a se tornar

realidade em outros países.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

631

- Este capítulo está estruturado em duas partes. Na primeira, são aponta-

dos os fatores mais relevantes obtidos a partir dos estudos de caso que

subsidiam este trabalho, a saber, Alemanha, EUA e China, sendo que os

dois primeiros foram alvo de pesquisa de campo e de detalhados relató-

rios específicos. Na segunda parte, são apresentados os direcionadores

para uma política nacional voltada à manufatura avançada. As propos-

tas apresentadas são descritas de forma a permitir que o governo brasi-

leiro e os demais atores envolvidos no tema possam analisar e aprovei-

tar as recomendações, de modo a contribuir para a difusão e absorção

de inovações relacionadas à manufatura avançada no Brasil.

- A avaliação de experiências pioneiras em outros países indicou que os

programas de manufatura avançada ocupam posição prioritária nas

políticas governamentais, e a compreensão de seus mecanismos for-

nece contornos e referências de operação para o caso brasileiro.

- Na Alemanha, a expectativa na plataforma Industrie 4.0 é dupla. Por um

lado, espera-se que a implantação dos sistemas avançados irá fortalecer

a indústria manufatureira alemã, tornando-a mais produtiva e compe-

titiva. Por outro, o próprio desenvolvimento de sistemas chamados

cyber-físicos (que mesclam as informações virtuais com a produção

real) representará oportunidades significativas para a produção e ex-

portação de novas soluções tecnológicas. Dessa forma, a estratégia para

a aplicação da Indústria 4.0 tem como objetivo abrir mercados para in-

dústria alemã, seja via exportação de produtos, seja pelo reforço da in-

dústria e comercialização de máquinas e equipamentos. O programa

alemão, executado com maior foco na indústria de bens de capital, pos-

sui governança mais centralizada do que nos EUA.

- Nos EUA, que procura reestabelecer sua plena capacidade industrial e

tornar o país uma referência global em P&D sobre manufatura avan-

çada, o governo federal lançou um programa chamado National

Network of Manufacturing Innovation (NNMI), dotado de um escopo

mais amplo do que a plataforma alemã. Esse programa cria ambientes

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 632

compartilhados entre empresas, universidades e institutos de pesquisa

para trabalho conjunto e resolução de problemas tecnológicos. Sua base

reside na criação de institutos de desenvolvimento tecnológico, com

foco temático definido por instituto e coordenado por consórcios espe-

cializados. O plano anunciado prevê a criação de 45 institutos, dos quais

9 já foram implantados. Outros estão em processo de consolidação e

ainda há chamadas abertas pelos Departamentos (Ministérios) para a

constituição de mais institutos. A execução do NNMI é mais descentra-

lizada do que na Alemanha e na China. Baseada em uma governança ar-

ticulada institucionalmente a partir do Office of Science and Technology

Policy da Presidência da República, possui uma operação local efetiva e

orientada para resultados.

- Na China, o plano econômico lançado em 2016, denominado Made in

China 2025, concentra suas energias na manufatura avançada. Trata-se

de uma iniciativa do Conselho de Estado, implementada pelo Ministério

da Indústria e das Tecnologias de Informação, duas das mais importan-

tes instituições chinesas. Seu objetivo básico é o reordenamento da in-

dústria chinesa em torno da manufatura avançada, o que exige a otimi-

zação e elevação do patamar da atual estrutura industrial e a formação

de mão de obra qualificada. Um de seus pilares é o aumento da partici-

pação das indústrias de base tecnológica no PIB chinês, de modo a alcan-

çar 15% em 2025, contra os 12% atuais.

- Para o Brasil, este capítulo apresenta diretrizes para a elaboração do

Programa Indústria do Futuro. Um programa que deverá utilizar am-

plamente os instrumentos disponíveis (crédito subsidiado, subvenção

econômica, recursos não-reembolsáveis para ICTs e investimento em

participação) e as instituições instaladas no país (como o BNDES, a Fi-

nep, CNPq, Capes, além das FAPs e secretarias de C&T).

- Para viabilizar esse Programa, será necessário alocar recursos suficien-

tes para abrir um período de transição do atual estágio para um pata-

mar mais elevado da manufatura brasileira. Um Programa que está

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

633

pautado, desde sua concepção, pela necessária articulação e conjugação

de esforços entre o setor público e a iniciativa privada.

- É importante registrar que diante da atual defasagem tecnológica que

marca a indústria brasileira, o esforço de superação dificilmente será

bem-sucedido se não contar com a utilização de instrumentos extraor-

dinários, como o poder de compra do Estado e as encomendas tecnoló-

gicas. De acordo com a regulamentação legal, esses mecanismos (farta-

mente utilizados nos EUA, Alemanha e China) são apropriados para es-

timular e viabilizar a interação entre empresas e universidades por

meio da formação de consórcios (com empresas e ICTs públicas ou pri-

vadas, nacionais ou estrangeiras) que se candidatam a enfrentar gran-

des desafios de interesse da sociedade brasileira. No mesmo sentido, as

empresas e ICTs precisam acelerar seus processos de internacionaliza-

ção – e para isso precisam contar com suporte do Estado – de modo a

abreviar as fases de absorção, capacitação e desenvolvimento de novas

tecnologias.

- Neste capítulo será dada ênfase a quatro áreas primordiais para o de-

senvolvimento do Programa Indústria do Futuro: 1. Governança; 2. In-

tegração internacional; 3. Laboratórios; e 4. Rede de testbeds. Uma

quinta área essencial, a de formação de recursos humanos, pela sua

abrangência e complexidade, merece tratamento específico e seu de-

senvolvimento não integrará o presente estudo.

- A governança dos processos de inovação e transformação da manufa-

tura deve ter como foco o envolvimento e a coordenação de diversos ato-

res para diminuir a distância tecnológica que separa a indústria brasi-

leira das experiências mais avançadas. Isso significa um esforço de per-

suasão e atração dos agentes econômicos – grandes, médios e pequenos

– assim como de instituições de pesquisa para, juntamente com o setor

público, concentrar as energias para fazer avançar a economia. O pri-

meiro passo para isso é a construção de um espaço de diálogo e coorde-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

634

nação do Programa Indústria do Futuro diretamente debaixo da Presi-

dência da República, com participação majoritária de representantes da

indústria, além de Ministérios e lideranças acadêmicas. Esse Comitê de

Liderança poderá basear sua atuação em uma Secretaria Executiva, com

suporte de grupos de trabalho temáticos, orientados para o equaciona-

mento das principais dimensões que fazem parte do Programa.

- Esse Comitê de Liderança terá como meta a garantia da estabilidade do

Programa Indústria do Futuro e o equacionamento dos obstáculos que

vierem a se colocar diante de sua execução (por exemplo, marco regula-

tório, financiamento, infraestrutura e outros). Ao se basear em uma re-

presentação ampla da indústria, essa coordenação será dotada da legi-

timidade necessária para sustentar um programa nacional, necessaria-

mente ambicioso. Estrutura semelhante poderá ser reproduzida ou

constituída em cada estado interessado em desenvolver o programa, ou

construída com atores locais ou como mecanismos de gestão e coorde-

nação de unidades específicas.

- É importante registrar que um programa desse porte e natureza terá ne-

cessariamente de desenvolver iniciativas voltadas para envolvimento,

atração e apoio às startups, e às pequenas e médias empresas, cujo dina-

mismo será essencial para arejar a remodelagem das cadeias de valor e

da indústria brasileira.

- A aceleração da internacionalização das empresas e instituições de pes-

quisa brasileiras é fundamental para a absorção e geração de novas tec-

nologias. É mais do que necessário avançar rapidamente na: i) celebra-

ção de novos acordos internacionais de impacto que facilitem o fluxo de

conhecimento, de recursos humanos e de tecnologias de modo a oxige-

nar a economia brasileira; ii) alavancagem da infraestrutura e de orga-

nizações já atuantes no Brasil, de modo a estreitar a colaboração inter-

nacional e aumentar a sintonia das empresas e da P&D com as experiên-

cias e práticas mais avançadas; iii) disseminação de resultados e ampli-

ação de benefícios de parcerias internacionais para o maior número de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 635

empresas e instituições locais; iv) estruturação de um amplo programa

de internacionalização de empresas brasileiras, de modo a sustentar seu

esforço de participação em experiências de manufatura avançada no

exterior, seja via intercâmbio e atração de talentos e especialistas, seja

por meio do apoio à aquisição – parcial ou total – de ativos tecnológicos

no exterior. As empresas brasileiras podem e devem se preocupar em

diminuir fases e etapas da transformação industrial.

- Considerando a infraestrutura e a institucionalização já existentes no

país (BNDES, Finep, EMBRAPII, Institutos SENAI de Inovação, assim

como a rede de laboratórios privados e de universidades e centros de

pesquisa, dentre outros), pode-se avançar por dois caminhos: i) destina-

ção de recursos e de apoio para a implantação e operação de laboratórios

de manufatura avançada de forma articulada com empresas e institui-

ções voltadas para a inovação; ii) fortalecimento e capacitação de labo-

ratórios já existentes nas universidades de ponta, selecionados por meio

de editais e articulados de modo a aumentar a sinergia e o impacto de

seus trabalhos.

- Por fim, das experiências estudadas, este capítulo destaca as atividades

de laboratórios especiais, chamados de testbeds, que estão sendo consti-

tuídos em diferentes países, como ambientes de demonstração e teste,

que simulam a realidade dos sistemas produtivos em contato com novas

tecnologias. No Brasil, uma rede de testbeds pode ter um papel relevante

na agregação de esforços e, especialmente, na formação das visões com-

partilhadas de futuro, o que contribui para a articulação e a dissemina-

ção de experiências e de informação. Os testbeds são um recurso efetivo

na formação de pessoal para atuar em processos de manufatura avan-

çada na medida em que viabilizam sua capacitação on the job. De ma-

neira geral, os testbeds podem ser sofisticados – e simularem uma fá-

brica completa – ou bastante simplificados e pragmáticos, implantados

em bancadas de testes ou em máquinas específicas em laboratórios. Ti-

picamente estão instalados em universidades ou centros de pesquisa

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 636

como infraestrutura compartilhada, multiusuário e multi-institucio-

nal, que permita o acesso fácil das empresas interessadas na manufa-

tura avançada.

- Sobre testbeds, a recomendação é a constituição de uma rede no país, a

exemplo da Alemanha que já mapeou 33 infraestruturas desse tipo.

Dada a novidade do tema, será necessário apoiar as ICTs na viabilização

da operação dessas estruturas em suas respectivas organizações. Assim,

o conjunto de proposições inclui:

i. Seleção de testbeds e formação de uma rede de testbeds por meio

de edital em que ICTs se candidatam para oferecer a sua infraes-

trutura já existente;

ii. Elaboração de diretrizes e padrões de funcionamento de testbeds

como guia para apoiar as ICTs a reorganizarem o seu espaço físico

e funcionamento visando viabilizar a operação dos testbeds;

iii. Lançamento de edital específico para a constituição de um nú-

mero limitado de testbeds mais sofisticados, como fábricas com-

pletas de demonstração, com eventual contratação de apoio de

instituições internacionais para detalhamento das propostas;

iv. Elaboração de modelos de contratos e de convênios para apoiar as

ICTs na viabilização da operação dos testbeds;

v. Avaliação da possibilidade de lançamento de edital para suporte

às empresas que irão utilizar os testbeds em projetos – conside-

rando especialmente o apoio para Pequenas e Médias Empresas

(PMEs).

- Empresas, pesquisadores e representantes do poder público podem – e

devem – a cada momento discutir a forma apropriada e mais eficiente a

ser adotada como mecanismos de governança. Projetos de maior porte

podem se utilizar de recursos legais como a constituição de uma Orga-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 637

nização Social ou de uma Sociedade de Propósito Específico para equa-

cionar a difícil e delicada atividade de governança dos projetos a serem

desenvolvidos. Sem transparência, representatividade e legitimidade a

tendência será a repetição de velhos equívocos que, apesar de bem in-

tencionados, acabam por travar os processos de transformação industrial.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 638

Introdução

O objetivo deste estudo é apresentar diretrizes e recomendações para a

elaboração de uma política nacional de transformação da manufatura brasi-

leira rumo à indústria do futuro. Os estudos de caso sobre Alemanha, Estados

Unidos e China, juntamente aos debates com especialistas e levantamento

atualizado de literatura qualificada, permitiu-nos extrair das experiências in-

ternacionais os elementos para uma política de inovação voltada para elevar

o padrão produtivo brasileiro. Destaca-se aqui algumas inovações institucio-

nais que estão na fronteira da execução de políticas públicas de desenvolvi-

mento tecnológico, formuladas como parte de uma aliança entre governos, a

iniciativa privada e a academia para impulsionar a necessária transformação

industrial.

O futuro da indústria tem sido tema de debates e políticas em todo o

mundo. As preocupações em geral circulam em torno de três blocos de ques-

tões. O primeiro se refere às possibilidades e desafios para a competitividade

industrial dos países, a partir da adoção de novas tecnologias que prometem

revolucionar o sistema produtivo mundial. Essas tecnologias prenunciam ga-

nhos de produtividade ao longo das cadeias produtivas e sugerem a emergên-

cia de novos negócios e produtos, com impacto na configuração da indústria,

nas relações entre cadeias produtivas e na integração de pequenas e médias

empresas. Na verdade, os resultados esperados indicam transformações qua-

litativas nos sistemas nacionais de inovação. Por isso, os formuladores de po-

líticas públicas de inovação concentram desde já seus esforços no desenho de

novos sistemas regulatório-legais, instituições, instrumentos e formação para

lidar com os desafios à frente.

O segundo bloco decorre da visualização das alterações na estrutura e

na dinâmica das cadeias globais de valor e na re-espacialização da produção

mundial. Países como a Alemanha e os EUA desenvolvem políticas industriais

específicas com o objetivo de aproveitar as oportunidades abertas, para acele-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 639

rar a modernização de suas economias. Esse processo também pode ser obser-

vado em outros países, como Japão, Inglaterra, França e Itália, e passa a ser um

importante fator de pressão sobre os países de industrialização mais recente,

como China, Índia e também o Brasil.

Um terceiro bloco de preocupações se relaciona às implicações que as

novas tecnologias trarão para o emprego e formação profissional nos países

que passarão pelo processo de transformação relacionado à indústria do fu-

turo. A Figura 1 apresenta um resumo dos três principais blocos de questões

mencionados e dos principais impactos relativos ao processo de modernização

industrial em curso.

Figura 1 – Fatores desencadeadores, principais blocos de questões e impactos relativos ao processo de modernização industrial em curso

Fonte: Elaboração própria.

As políticas atuais diferem das formas mais tradicionais de se fazer po-

líticas públicas, pois ocorrem em sociedades democráticas, com economias

mais abertas do que no passado e não se pautam pelo protecionismo. Mais

ainda, se nos países desenvolvidos as políticas se voltam para a manutenção

da liderança de suas economias, nos emergentes elas buscam aproveitar as

Novas tecnologias de

Manufatura Avançada

Å Ganhos de produtividade

Å Emergência de novosnegócios e produtos

Å Mudanças naconfiguração da indústriae nas relações entrecadeias produtivas

Å Mudanças na integraçãode pequenas e médiasempresas

1. Possibilidades e desafios paraa competitividade industrialdos países

2. Alterações na estrutura edinâmica das cadeias globaisde valor e na re-espacializaçãoda produção mundial

3. Implicações para o emprego ea formação profissional

Políticas publicas

atualizadas

Principais blocos de questõesFatores desencadeadores Impactos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 640

oportunidades para realizar alterações estruturais na indústria e para elevar

o padrão de sua produtividade e competitividade.

Este capítulo apresenta diretrizes e recomendações para a elaboração de

um programa nacional para a indústria do futuro. Espera-se com isso delinear

medidas que podem-se tomar para ampliar e estimular o processo de inovação

relacionado à difusão, absorção e geração das novas tecnologias, principal-

mente pela indústria brasileira.

É importante destacar que o debate suscitado sobre a indústria do fu-

turo, além de se voltar para a elevação da produtividade da indústria brasi-

leira, procura identificar oportunidades para uma transformação estrutural

da nossa economia, diretamente constrangida pelos rápidos avanços que co-

meçam a se tornar realidade em outros países. Algumas das inovações relaci-

onadas a essa revolução industrial já são uma realidade em diversas plantas

industriais e cadeias de valor no mundo e mesmo no Brasil. Mas é preciso avan-

çar mais e concentrar energias em um programa, especialmente no convenci-

mento e na coordenação dos diferentes atores envolvidos no tema, para ga-

rantir o volume necessário e a priorização do investimento, para aumentar a

capacidade de absorção e a geração de tecnologias pela indústria nacional.

Este capítulo está estruturado em duas partes. Na primeira, são aponta-

dos os fatores mais relevantes obtidos a partir dos estudos de caso que subsi-

diam este trabalho, a saber, Alemanha, Estados Unidos e China, sendo que os

dois primeiros países citados anteriormente foram analisados em volumes an-

teriores (volumes 7 e 8, respectivamente).

Na segunda parte, são apresentadas as proposições para o desenvolvi-

mento da manufatura avançada no país.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 641

Primeira parte: indústria do futuro, EUA, Alemanha e China

1. Uma nova indústria

Diversas inovações tecnológicas estão transformando significativa-

mente a forma como a produção industrial ocorrerá nas próximas décadas do

século XXI. Sistemas complexos controlados por computadores estão cada vez

mais conectados em rede e à Internet, possibilitando a convergência entre ob-

jetos físicos (“mundo real”) e informações digitais (“mundo virtual”). Essa

convergência viabiliza a produção mais flexível, customizada e com maior ní-

vel de produtividade, como também a oferta de novos serviços de valor agre-

gado aos produtos.

Sistemas de produção avançados compreendem instalações desenvolvi-

das digitalmente, máquinas “inteligentes” e sistemas de produção e armaze-

namento com integração “end-to-end” com base nas Tecnologias da Informa-

ção e Comunicação (TIC), desde a logística de entrada de insumos produtivos à

produção, comercialização, logística de distribuição e prestação de serviços. A

Internet das Coisas (IoT, do inglês Internet of Things) torna possível criar redes

desse tipo que incorporam todo o processo de fabricação e de oferta de serviços

e, dessa forma, convertem as indústrias em “ambientes inteligentes”.

Quanto maior a densidade da rede, mais a manufatura do futuro vai pe-

netrar em diversas áreas da economia. As transformações em curso apontam

para o surgimento de redes inteligentes em áreas críticas como o domínio da

geração e abastecimento de energia, as estratégias de mobilidade sustentá-

veis, na saúde e na agricultura. Na manufatura, a possibilidade de customiza-

ção em massa, de integração horizontal da cadeia de valor dos produtos e a

agregação de serviços à produção física por meio de sistemas cada vez mais

integrados e autônomos permitem vislumbrar o que vem sendo chamado de a

“quarta revolução industrial”.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

642

As novas possibilidades tecnológicas indicam que maior flexibilidade

combinada a uma engenharia de alta qualidade podem alterar o planeja-

mento, a fabricação, operação, processos logísticos e a agregação de serviços

ao ciclo de vida dos produtos, e permitir a organização de cadeias produtivas

de forma mais ágil e descentralizada, em forte contraste com o modelo fabril

atual.

Consequentemente, a adoção das novas tecnologias e o avanço da ma-

nufatura vai exigir uma regulamentação adequada, bem como a definição de

padrões de comunicação para viabilizar novos processos e negócios. Esse mo-

vimento, evidentemente, não é linear nem possui seus desenlaces definidos.

Há tecnologias em desenvolvimento que coexistem ao lado de outras que fo-

ram apenas esboçadas e estão em nível de maturidade bem mais baixo. O

mesmo se nota nos sistemas de comunicação, entre máquinas, softwares e in-

dústrias, que vivem, por exemplo, desafios de linguagem, protocolos e de har-

monização, assim como nas características dos mecanismos regulatórios. Essa

realidade aumenta a incerteza nas empresas e governos: enquanto algumas

áreas passarão por uma rápida mudança, outros setores mudarão lenta e pro-

gressivamente. O importante, porém, é que os avanços sinalizam fortemente

que a tecnologia industrial atingiu um ponto de não-retorno, de forma que a

evolução, a adoção e a disseminação dessas tecnologias devem continuar. Pa-

vimentar e facilitar a entrada da indústria brasileira nesse universo ainda em

formação, de modo a diminuir riscos e melhor aproveitar as oportunidades, é

tarefa primeira das políticas públicas.

Frente a esse avanço tecnológico, é importante definir os conceitos re-

lacionados à indústria do futuro. A discussão sobre a definição do escopo das

inovações tecnológicas que moldarão o futuro da indústria visa prover direci-

onamento para os trabalhos nesta iniciativa. Mais especificamente, a defini-

ção do que se entende por indústria do futuro busca contribuir para a identi-

ficação de temas-chave e para apoiar a priorização de iniciativas a serem rea-

lizadas no Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 643

Assim, a próxima seção discute os conceitos fundamentais que susten-

tam a chamada quarta revolução industrial. As seções seguintes abordam de

forma concisa as políticas industriais desenvolvidas por Alemanha, Estados

Unidos e China visando à transição de seus setores industriais para a nova

configuração produtiva do século XXI. Por fim, a última seção desta primeira

parte do capítulo apresenta uma síntese das ações dos países estudados em

relação aos aspectos-chave para o Brasil. As experiências internacionais ana-

lisadas neste projeto servem de base para as proposições para o Brasil que são

detalhadas na segunda parte deste estudo.

2. Conceitos e fundamentos

As inovações tecnológicas que moldarão a manufatura no futuro envol-

vem conceitos relacionados à produção inteligente, com emprego de novos

processos produtivos altamente flexíveis e da automação para possibilitar

ofertas customizadas. O uso amplo de sensores, a coleta de dados para análises

em tempo real, a digitalização da manufatura e a integração de dados possibi-

litam a otimização dinâmica da produção, como, por exemplo, o aumento da

eficiência energética de máquinas e de sistemas de produção completos. En-

volve também diretamente inovações relacionadas ao desenvolvimento de no-

vos produtos, com emprego de novos materiais e de tecnologias emergentes

das áreas química e biológica, por exemplo. O “produto inteligente”, conectado

por meio da Internet, possibilita a coleta de dados de uso ao longo do ciclo de

vida, apoiando a oferta de serviços de valor agregado, nos chamados Sistemas

Produto-Serviço (PSS, do inglês Product-Service Systems). Nesse sentido, essas

inovações resultarão na oferta de novos produtos e serviços integrados, de alto

valor agregado, produzidos dentro do escopo da produtividade e otimização

extremamente elevados em comparação com a produção convencional.

Os conceitos que compõem a noção da indústria do futuro evoluem in-

corporando uma visão mais abrangente dos processos envolvidos na sua con-

figuração.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 644

O que oferece base analítica à manufatura avançada, e que permite cap-

tar o sentido das trajetórias tecnológicas, está assentado sobre um tripé que

articula três motores essenciais da indústria do futuro: informação, integra-

ção e automação. Informações são coletadas em grandes volumes e em tempo

real por meio de sensores conectados em rede, permitindo a constituição de

amplas bases de dados para análise e tomada de decisão. As informações cole-

tadas são integradas aos processos de negócio e aos sistemas e equipamentos,

possibilitando aumento da agilidade com menor tempo de resposta, bem como

a oferta de novos serviços de alto valor agregado direcionados por meio das

informações obtidas. A base de informações integradas é utilizada por equi-

pamentos e sistemas automatizados, viabilizando a produção mais flexível e

customizada (Figura 2).

Figura 2 – Motores essenciais da indústria do futuro: informação, integração e automação

Fonte: Elaboração própria.

As tecnologias originalmente consideradas como moldes dos processos

produtivos para a indústria do futuro podem ser classificadas de acordo com

suas relações funcionais da seguinte maneira:

i. Tecnologias de engenharia de desenvolvimento de produtos (de-

sign), utilizadas na fase de projeto do produto e de projeto do pro-

cesso produtivo;

Informação Integração Automação

Å Coleta de dados emtempo real – sensores eIoT

Å Dados de ambiente,mercado, usuários,máquinas, sistemaprodutivo, logística,entre outros

Å Integração entresoftwares e hardware(máquinas eequipamentos)

Å Integração de processosde negócio, empresas ecadeias de produção

Å Agregação de serviços

Å Integração entredisciplinas / áreas doconhecimento

Å Grande volume de dadoscoletados – big data

Å Agilidade e produtividade

Å Agregação de valor

Å Tomada de açãoautônomas conformeinformações do sistemaintegrado – inteligênciaartificial

Å Produção mais flexível -customização

Å Flexibilidade

Å Produtividade

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 645

ii. Tecnologias de manufatura, empregadas na produção propria-

mente dita;

iii. Tecnologias administrativas, que permitem comunicação mais

rápida dentro da organização e ao longo da cadeia de suprimen-

tos.

Além disso, inovações nos produtos levaram à expansão tecnológica

para áreas como novos materiais e novas abordagens na química, na física e

na biologia. A integração é aspecto central para o futuro da manufatura, via-

bilizada pelas tecnologias de informação e comunicação e pela Internet.

É importante registrar que diferentes concepções produzem diferentes

políticas. Os países que lideram a indústria mundialmente, mais do que sua

posição, disputam também a atual transição para o novo padrão em desenvol-

vimento de manufatura, a afirmação de seus próprios parâmetros, critérios e

protocolos, pois assim beneficiarão suas empresas e permitirão vantagens às

suas economias. Exatamente por isso, o Brasil, em que pesem todas as suas di-

ficuldades e carências, deve se preparar para participar da consolidação dessa

nova indústria. Quanto mais tardia for sua reação, quanto maior for a distân-

cia a separar o país das empresas mais dinâmicas, maiores serão os obstáculos

a serem vencidos para revitalizar a indústria brasileira.

Nesse sentido, cabe uma distinção entre duas grandes tendências esta-

belecidas pelos principais players dessa evolução da manufatura global. A Ale-

manha desenvolveu sua estratégia para a manufatura por meio da plataforma

Industrie 4.0. A concepção desse programa, e das principais ações do governo

alemão para o tema, estão conectados às concepções mais clássicas de manu-

fatura avançada, fortemente lastreadas em processos produtivos, automação,

robotização e novas máquinas e equipamentos. Isso se deve à estratégia alemã

de se tornar líder no desenvolvimento e fornecimento dessas tecnologias de

meios de produção. Nota-se que a estratégia se justifica e se ancora na expres-

siva base industrial alemã no setor de máquinas e equipamentos. A estratégia

também é relevante para manter o nível de emprego no setor na Alemanha,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 646

que é caracterizado por ter elevada participação de pequenas e médias empre-

sas que dependem fortemente da exportação de suas soluções.

Por outro lado, o conceito de manufatura avançada, defendido pelos

EUA em seus programas, traz uma concepção muito mais ampla do que será a

indústria do futuro, e engloba iniciativas nas áreas de materiais, química, bi-

oquímica e energia, dentre outras. Não se trata somente de uma diferença de

perspectiva. Trata-se, sobretudo, de uma disputa em relação à liderança da in-

dústria desses países no processo de transição para um novo padrão produ-

tivo.

Ao defender uma visão mais restrita do que seria a indústria do futuro,

a Alemanha trabalha com medidas de padronização, de protocolos de comuni-

cação, automação e robotização, que alavancarão suas empresas, segmen-

tando os mercados e permitindo a inserção de diferentes fornecedores ale-

mães, em especial de bens de capital, nas diferentes etapas do processo produ-

tivo. Da mesma forma, os EUA, ao defenderem um conceito mais amplo, pro-

curam abrir espaço para o que há de mais avançado na sua própria indústria,

principalmente na área de computação, tecnologias de informação e comuni-

cação, big data, design, analytics, biomanufatura e nanomanufatura.

Quando se olha para a China, observa-se um esforço concentrado para

fazer avançar aceleradamente sua ciência e tecnologia e a capacitação de sua

indústria, a começar pelo desenvolvimento de sua engenharia. Desse prisma,

ocupa lugar de destaque na estratégia chinesa a compra de empresas estran-

geiras, via um grande envolvimento estatal, como forma de saltar fases na ab-

sorção e geração de tecnologias. Portanto, diferentemente da Alemanha e dos

EUA, onde os programas de manufatura avançada se dão via cooperação entre

governo, empresas, universidades e institutos de pesquisa, muitas vezes de

forma descentralizada, como nos EUA, ou com forte protagonismo empresa-

rial, como na Alemanha, na China há a decisiva ação do Estado em todas as

dimensões da manufatura avançada. A determinação do Estado em diminuir

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 647

seu atraso tecnológico e potencializar a absorção de conhecimento e de técni-

cas avançadas é uma das principais lições que a estratégia chinesa pode deixar

ao Brasil.

As experiências internacionais relatadas permitem uma aproximação

conceitual sobre a indústria do futuro que aborda as inovações tecnológicas

que tendem a moldar os processos produtivos avançados como soluções inte-

gradas, que combinam a produção automatizada de artefatos físicos com o

universo dos serviços, com base em softwares de alto desempenho e um

imenso volume de informações; como pano de fundo desses processos está a

busca da sustentabilidade, via utilização de materiais e modelos hiper-efici-

entes de fabricação e de consumo de energia.

A partir dessa visão, dispositivos diversos são integrados e automatiza-

dos para formar um complexo de produção de bens tangíveis e intangíveis, em

contraste com a manufatura tradicional. Em um sentido amplo, a manufatura

tradicional consiste na fabricação e montagem de produtos via processos, em

geral, lineares. Na indústria do futuro: (i) os novos materiais deixaram de ser

somente insumos e passaram a ser parte integrante dos processos de fabrica-

ção e montagem; (ii) as fronteiras entre fabricação e montagem praticamente

são apagadas pelos processos de automação e por novas tecnologias de fabri-

cação; (iii) os produtos deixam de ser apenas artefatos físicos, mas compõem

muitas vezes soluções completas que integram produto físico com software e

serviços de alto valor agregado ao longo do ciclo de vida; (iv) os processos de

reaproveitamento de rejeitos industriais apontam para uma nova dimensão

da reciclagem, prolongando o ciclo de vida e a otimização dos produtos, em um

sentido mais amplo do que as preocupações ecológicas ou ambientais.

Nesse sentido, destacamos como áreas de interesse para a intervenção

pública os seguintes domínios: manufatura de precisão; robótica e automa-

ção; design e gestão de cadeias; nova geração de eletrônicos; nanoengenharia

de materiais; e biomanufatura. Esses itens são considerados internacional-

mente como as principais áreas de interesse para o processo de manufatura

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 648

no futuro, que podem ajudar a identificar áreas de potencial desenvolvimento

no Brasil.

A seguir, é apresentada uma síntese das principais vertentes que defi-

nem as estratégias da Alemanha, dos EUA e da China em manufatura avan-

çada.

3. Alemanha

A plataforma Industrie 4.0 visa a estruturar e fomentar o desenvolvi-

mento de novas tecnologias, processos e sistemas de manufatura avançada

com potencial de alterar a competitividade e reconfigurar a indústria mun-

dial. O objetivo central da plataforma é o alinhamento de atores no desenvol-

vimento tecnológico pré-comercial e na preparação da indústria e da socie-

dade para a aplicação das novas tecnologias.

A inserção da plataforma Industrie 4.0 na política industrial do governo

alemão foi resultante de articulação pioneira nascida no meio empresarial,

em cooperação com a academia, entre 2011 e 2015. A plataforma foi concreta-

mente estabelecida em 2013, como um programa gerido por entidades de

classe fora do âmbito do governo. Somente em 2015, a Industrie 4.0 foi incor-

porada como política industrial de governo.

A expectativa na plataforma Industrie 4.0 é dupla. Por um lado, espera-

se que a implantação dos sistemas avançados irá fortalecer a indústria manu-

fatureira alemã, tornando-a mais produtiva e competitiva; por outro, o pró-

prio desenvolvimento de sistemas chamados cyber-físicos (que mesclam as in-

formações virtuais com a produção real) representará oportunidades signifi-

cativas para a produção e exportação de novas soluções tecnológicas. Dessa

forma, a estratégia para a aplicação da Indústria 4.0 tem como objetivo abrir

mercados para indústria alemã, seja via exportação de produtos, seja pelo re-

forço da indústria e comercialização de máquinas e equipamentos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 649

O estudo de caso realizado no país identificou características funda-

mentais do programa alemão. Um dos pontos distintivos da plataforma é sua

governança, que contempla ampla participação de diversos agentes da socie-

dade civil. A governança é sofisticada e define claramente os papéis de deci-

são, de orientação e de geração de conteúdo. A liderança (Chair) é exercida pes-

soalmente por dois ministros (Educação e Pesquisa e Economia e Energia), o

que legitima a plataforma e confere poder de atuação. Academia, sindicatos, e

entidades de classe têm atuação destacada nas instâncias de orientação. Nos

grupos de trabalho (working groups), representantes das empresas atuam di-

retamente nas atividades para a geração de resultados. A participação ativa de

diversos atores resulta em alto grau de coesão e de efetividade na aplicação da

política industrial pelo governo alemão.

A coordenação das ações, das agendas e da operação da plataforma fica

a cargo de uma secretaria geral (Secretariat), que atua como um escritório de

gestão de projetos. A despeito da complexidade e do tamanho da plataforma,

a secretaria geral é bastante enxuta. A operacionalização é realizada pela As-

sociação de Engenheiros da Alemanha (VDI).

A participação do governo na plataforma se dá mais como facilitador do

diálogo e coordenador dos atores públicos envolvidos no sistema de inovação

alemão do que como gestor, uma vez que as atividades da plataforma são de-

finidas de maneira bottom-up e realizadas pelos agentes envolvidos. Nesse

ponto, é importante destacar o papel dos working groups, que conta com par-

ticipação decisiva das empresas e responde pela formulação técnica da plata-

forma. Um ponto importante a salientar é que na indicação de seus represen-

tantes para participar de um working group, as empresas são demandadas

para alocar pessoas que possam permanecer por um prazo suficiente nessa

atribuição. Busca-se com isso a construção de redes de relações interpessoais,

de modo a facilitar a comunicação e a produção de resultados. Isso significa

que os working groups funcionam como uma base de relacionamento entre

empresas para formulação de estratégias nas fases pré-competitivas. Esses

grupos de trabalho se reúnem de forma independente, sem interferência de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria 650

qualquer comissão central e assim decidem, no âmbito dos grupos, os projetos

e metas a serem perseguidos e os produtos a serem gerados.

Em termos de infraestrutura, a plataforma Industrie 4.0 incentiva o es-

tabelecimento, mapeamento, divulgação e uso de ambientes de demonstração

e teste de tecnologias em fase pré-competitiva, chamados Testumgebungen (ou

testbeds, do inglês). Os testbeds podem ser definidos como ambientes de teste

e de demonstração que procuram simular a realidade dos ambientes de pro-

dução. Podem ser sofisticados, e simular uma fábrica completa – como no caso

da Demofabrik, em Aachen, e da ETA-Fabrik em Darmstadt –, ou bastante sim-

plificados e pragmáticos, e assim implantados em bancadas de testes ou em

máquinas específicas em laboratórios. Tipicamente estão instalados em uni-

versidades ou centros de pesquisa com infraestrutura compartilhada. A pre-

missa é que as demonstrações em testbeds têm um papel relevante na constru-

ção de consensos e, especialmente, na formação das visões de futuro, o que

contribui para a articulação e a disseminação de informações. As fábricas de

demonstração são também um recurso efetivo na formação de pessoal para

atuar em processos de manufatura avançada.

O financiamento das ações da plataforma é em grande parte baseado

em mecanismos tradicionais e em recursos existentes oriundos de fontes já

estabelecidas pelos ministérios e órgãos responsáveis pelo fomento à pesquisa

e desenvolvimento tecnológico na Alemanha. Fontes específicas de financia-

mento para a Plataforma Industrie 4.0 são pontuais e limitadas em volume de

recursos. Esse fato chama a atenção, considerando o grande porte e a elevada

complexidade da plataforma. De fato, o que vem ocorrendo nas fontes tradici-

onais é um alinhamento temático com os projetos relacionados à Plataforma

Industrie 4.0. Alguns novos instrumentos específicos de política industrial

para a plataforma foram criados e estão em utilização. Destacam-se três li-

nhas, todas relacionadas à garantia de participação de PMEs (pequenas e mé-

dias empresas, o que pode incluir startups de base tecnológica) na plataforma.

Essas novas linhas são direcionadas para a capacitação de pessoal, apoio ao

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

651

uso de testbeds por PMEs, e a participação de PMEs em desenvolvimentos tec-

nológicos de maior porte.

A Plataforma Industrie 4.0 conseguiu em pouco tempo angariar amplo

envolvimento de pessoas e de empresas. Em novembro de 2016, estavam con-

tabilizados e divulgados publicamente 33 testbeds e 267 casos de aplicação em

empresas. O engajamento em torno da plataforma é ainda maior, conside-

rando que grande parte do fomento para a pesquisa em manufatura nas uni-

versidades e centros de pesquisa da Alemanha está de alguma forma alinhado

com as prioridades da Industrie 4.0. Um exemplo disso é o engajamento dos

institutos Fraunhofer da área de Produção em projetos de desenvolvimento e

implantação da Indústria 4.0.

A análise do caso alemão permitiu a identificação de instrumentos que

podem ser considerados no cenário brasileiro, ainda que haja diferenças entre

os dois países no que se refere ao sistema de inovação e ao ponto de partida

nos campos empresarial, acadêmico e governamental167. Uma síntese dos fa-

tores-chave do caso alemão para o Brasil é apresentada no Quadro 1, na pró-

xima seção.

4. Estados Unidos

Há nos Estados Unidos um debate em torno da necessidade de reindus-

trialização do país. Governos, empresas, pesquisadores, think tanks dialogam

sobre a importância de se fomentar no país uma estrutura industrial sólida,

capaz de gerar empregos e fazer o país se recuperar de vez dos efeitos da crise

de 2008. Pode-se dizer que há um consenso no governo federal em torno da

167 Em termos de potenciais parcerias com o Brasil, as entrevistas e reuniões realizadas du-

rante o levantamento de campo apontam possibilidades que apresentaremos na segunda

parte deste capítulo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

652

necessidade de se ampliar a presença em território norte-americano de uni-

dades fabris de empresas que, no passado, buscaram menores custos de pro-

dução em outros países. Dessa forma, há uma polêmica sobre os efeitos dele-

térios na economia de anos seguidos de empresas que deixaram os EUA, de

modo a enfatizar a urgente necessidade de novamente ampliar o investimento

em capacidade de produção no país como forma de fortalecer o seu poderio

industrial.

Atento a esse processo, no período recente, o governo norte-americano

começou a buscar formas de reestabelecer a plena capacidade industrial dos

EUA, no intuito de transformar o país em uma referência em pesquisa e de-

senvolvimento da manufatura avançada. Ainda no Governo Obama foi lan-

çado um programa chamado National Network of Manufacturing Innovation

(NNMI), com o objetivo de criar ambientes compartilhados entre empresas,

universidades e institutos de pesquisa para trabalho conjunto e resolução de

problemas tecnológicos.

Apesar de possuir uma das infraestruturas de pesquisa e desenvolvi-

mento mais diversificadas do mundo, um dos problemas enfrentados pelos

EUA é a transferência de tecnologia dos centros produtores de conhecimento

para as empresas. Os efeitos do chamado “vale da morte”, que representa o

intervalo em que boas ideias se perdem e empresas nascentes morrem por

conta das incertezas que envolvem as novidades tecnológicas, são amenizados

com estruturas de apoio às empresas para maturação tecnológica, prototipa-

gem, demonstração até sua consolidação. Foi para a superação do “vale da

morte” que o NNMI foi desenvolvido, colocando lado a lado pesquisadores de

universidades, institutos de pesquisa e empresas, com foco na transferência

de tecnologia.

O NNMI se apresenta também como uma novidade no que diz respeito

ao financiamento à pesquisa nos EUA, pois foi concebido de forma a combinar

financiamento público com privado. Sua base reside na criação de institutos

de desenvolvimento tecnológico, com foco temático definido por instituto e

coordenado por consórcios especializados. Para a aprovação de um instituto,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

653

há a necessidade de aporte financeiro por parte de um consórcio formado por

um grupo de empresas e universidades, sendo o investimento estatal corres-

pondente ao do consórcio: a União aporta US$ 70 milhões em até 5 anos desde

que as entidades (como empresas, universidades, estados, municípios, ONGs)

aportem, pelo menos, valor idêntico. Na prática, podem aportar mais, como no

Digital Manufacturing and Design Innovation Institute (DMDII) de Chicago,

com aporte inicial de US$ 350 milhões. Tal contrapartida é explicitamente exi-

gida nos editais para a constituição dos centros. Esse tipo de construção finan-

ceira permite angariar mais recursos do que o previsto para a proposta, bem

como dotar os institutos de gestão empresarial168.

Esses consórcios são formados, geralmente, por grandes empresas e

universidades de prestígio, atores que possuem capacidade de investimento.

Há centros com importantes aportes de estados (como o de fotônica, situado

no estado de Nova Iorque, que aportou US$ 250 milhões), e há casos de aporte

de cidades, como San José, na Califórnia, que assegurou a sede do NextFlex

(centro de eletrônica flexível). No entanto, após a constituição de um instituto,

o consórcio é aberto a pequenas e médias empresas e demais universidades,

mediante cotas de participação que dão direitos diversos, mas basicamente di-

zem respeito à participação em pesquisas e à possibilidade de apresentação de

potenciais projetos a serem financiados, ou, no mínimo, participar da rede

como “ouvinte”, articulando negócios com as grandes empresas. A participa-

ção de atores com baixa capacidade de investimento dá diversidade ao pro-

grama, pois permite que aqueles com menor estrutura possam ter acesso ao

conhecimento novo e a técnicas inovadoras.

168 A proposta inicial do NNMI previa o financiamento público dos institutos via lei específica,

o que foi barrado no Congresso. Sendo assim, usando os recursos orçamentários dos Departa-

mentos (Ministérios), estabeleceu-se a possibilidade de investimento de US$ 70 milhões, di-

vido em cinco anos e com a obrigação de pareamento do investimento feita pelo consórcio

gestor do instituto.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

654

Portanto, a proposta norte-americana para o desenvolvimento da ma-

nufatura avançada surge como uma novidade no cenário da ciência e tecnolo-

gia daquele país. Ela é voltada para o escalonamento e à comercialização de

tecnologias, não para pesquisa científica básica – o país tem outros instrumen-

tos para isso, como os financiamentos da NSF e dos próprios Departamentos.

É uma proposta centrada na empresa e menos nas universidades e centros de

pesquisa. Isso se reflete na escolha de propostas para criação de instituto: uma

proposta será considerada forte quanto mais empresas estiverem presentes,

quanto maior o aporte dos participantes. Trata-se de um programa em fase

inicial, não havendo ainda métricas para avaliar seu sucesso. No entanto,

como dito, o objetivo maior é facilitar o desenvolvimento de tecnologias apli-

cadas e sua comercialização, juntando desenvolvimento e comercialização

numa única entidade.

O plano anunciado prevê a criação de 45 institutos, dos quais 9 foram

implantados. Outros estão em processo de consolidação e ainda há chamadas

abertas pelos Departamentos (Ministérios) para a constituição de mais insti-

tutos. Aqueles em pleno funcionamento até o momento de elaboração deste

capítulo são listados a seguir:

America Makes: The National Additive Manufacturing Innovation Insti-

tute. Situado em Yongstown, em Ohio, o America Makes foi o primeiro

instituto a ser inaugurado. Seu foco é a manufatura aditiva, impressão

3D, design e pesquisa em novos materiais;

Digital Manufacturing and Design Innovation Institute (DMDII). Situado

em Chicago, estado de Illinois. O DMDII trabalha na criação de compe-

tências em tecnologias digitais. De todos os institutos, é o mais consoli-

dado. Conta com sede própria e grande número de empresas atuando;

Lightwheight Innovations for Tomorrow (LIFT). Como um consórcio de

várias universidades, o LIFT instalou sua gestão na Universidade de Mi-

chigan e conta com pesquisadores do Massachussets Institute of

Technology (MIT). Seu foco é a pesquisa em metais leves;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

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PowerAmerica. Situado em Raleigh, na Carolina do Norte, está direcio-

nado para a produção de semicondutores de alto desempenho;

The Institute for Advanced Composites Manufacturing (IACM). Sediado

em Knoxville, no estado do Tenessee, seu objetivo é a criação de proces-

sos de manufatura baseados em compósitos avançados;

American Institute for Manufacturing Integrated Photonics (AIM Pho-

tonics). É um consórcio gerido por várias universidades, tendo como

instituição líder a Politécnica da State University of New York (SUNY).

Seu foco é a aplicação de fotônica;

The Flexible Hybrid Electronics Manufacturing Innovation Institute

(NextFlex). Sediado em San Jose, na Califórnia, conta com equipes da Ge-

orgiaTech e do MIT. Seu foco é o desenvolvimento de eletrônicos híbri-

dos;

Advanced Functional Fabrics of America (AFFOA). Sediado no MIT, este

instituto tem como objetivo a fabricação de fibras para tecidos inteli-

gentes;

Clean Energy Smart Manufacturing Innovation Institute. Sediado em Los

Angeles, na Califórnia. Seu foco é a criação de energia limpa, tendo em

vista as necessidades da indústria avançada.

No que tange aos testbeds como ambientes de demonstração, os institu-

tos NNMI, de certa maneira, promovem a demonstração de aplicações de ma-

nufatura avançada no âmbito do consórcio. De forma mais ampla, testbeds são

fomentados, estruturados e divulgados nos EUA por meio da iniciativa Indus-

trial Internet Consortium (IIC), que considera esse tipo de ação crucial para o

desenvolvimento e avaliação de tecnologias em estágio pré-comercial. Ade-

mais, dada a sua abertura, uma forma de integração de empresas brasileiras

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

656

com desenvolvimento de manufatura avançada nos EUA pode se dar por meio

de participação como membro no IIC169.

Uma síntese dos fatores-chave do programa norte-americano de manu-

fatura avançada também é apresentada no Quadro 1, abaixo.

Quadro 1 – Síntese dos principais aspectos dos programas de manufatura avançada da Alemanha e EUA para o caso brasileiro

Alemanha – Industrie 4.0 EUA – National Network of Manufacturing Innovation (NNMI)

Enfoque - Concepção mais clássica de manufatura avançada, lastre-ada em processos produtivos, automação, robotização e in-tegração.

- Estratégia: aumentar produti-vidade e competitividade da manufatura na Alemanha e abrir mercados para novas so-luções de sistemas de produ-ção.

- Forte protagonismo empresa-rial na plataforma.

- Engloba iniciativas em muitas áreas, como materiais, química, bioquímica e energia, dentre outras.

- Reforça desenvolvimento em áreas e setores já relevantes: computação,

TICs, big data, design, analytics, bio e nanomanufatura.

- Ações descentralizadas na cooperação entre governo, empresas, universida-des.

Governança do

programa

- Governança representativa, com participação ampla de vários atores – governo cen-tral, estados, empresas, sindi-catos de trabalhadores, acade-mia e comunidade científica.

- Liderança exercida pessoal-mente por ministros.

- Secretaria geral atua como es-critório de projetos, com es-trutura bastante enxuta.

- Governança exercida por um Office in-terministerial, que representa o go-verno federal e os Departamentos. No instituto, a governança é exercida pelo consórcio que o administra, formado por empresas e universidades, e o De-partamento financiador.

- Liderança de alto nível exercida pesso-almente pelo Presidente.

- O Office somente “observa” o pro-grama, sendo que os projetos são defi-nidos pelos institutos e o Departa-mento financiador.

Laboratórios - Alavanca infraestrutura exis-tente do sistema de inovação da Alemanha, envolvendo universidades e centros de pesquisa.

- Fomento para a criação de 45 novos institutos de desenvolvimento tecnoló-gico em parceria público-privada, dos quais 9 estão implantados.

Testbeds - Grande ênfase no estabeleci-mento, divulgação e utiliza-ção de ambientes de testes. Apoiam a formação de visão compartilhada de futuro, a disseminação para PMEs e a formação de pessoal.

- Ambientes de teste e validação existen-tes no âmbito dos NNMI.

- Testbeds estruturados e disseminados pelo IIC.

Fonte: Elaboração própria.

169 Já existe empresa brasileira atuando como membro do IIC, conforme se observou na pes-

quisa de campo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

657

5. China

A China é o segundo país que mais investe em pesquisa e desenvolvi-

mento no mundo – em 2014 foram investimentos da ordem de 2,05% do PIB.

Esse montante resultou em uma sólida infraestrutura de pesquisa, que ajuda

a produzir um número enorme de artigos científicos, de doutores, lideranças

científicas e um volume considerável de empresas intensivas em tecnologia.

Tudo indica que a China caminha para se consolidar como potência científica

e tecnológica, o que terá consequências positivas para a sua já influente eco-

nomia.

É preciso salientar que esse salto científico e tecnológico se deu de

forma rápida, pois há vinte anos o esforço para qualificar a infraestrutura de

pesquisa estava apenas se iniciando. Pode-se dizer que a urgência do governo

chinês em aumentar seu capital científico e tecnológico cresce na medida em

que seu papel predominante na economia mundial se consolida. Cada vez mais

fica claro ao governo chinês que o país não se contenta nem se sustenta como

a “oficina do mundo”, mas que necessita avançar para as áreas de alto valor

agregado. Essa é a base do concentrado esforço chinês para construir uma eco-

nomia puxada pela inovação.

A transformação econômica da China, baseada em baixos custos de pro-

dução, mostra claros sinais de desgaste. Além disso, países como Malásia, Ín-

dia, Indonésia, Taiwan e Vietnã aplicaram em suas economias as lições chine-

sas e hoje oferecem condições mais vantajosas do que a China para a instala-

ção de empresas. Tudo indica que a China aprendeu com a rápida industriali-

zação do México, Argentina e do Brasil e procura evitar as armadilhas que tra-

vam o crescimento desses países, em especial investindo fortemente em edu-

cação, CT&I, assim como na capacitação da mão de obra e de suas empresas.

Com o crescimento econômico dos últimos anos, a China está se mos-

trando capaz de transitar para uma economia predominantemente urbana, o

que coloca desafios para os serviços básicos; além disso, o sucesso da economia

gerou uma valorização generalizada dos salários, o que minou um dos pilares

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

658

da competitividade chinesa. O novo patamar que a China atingiu após décadas

de crescimento rápido, com o aumento das pressões internas e externas sobre

sua economia, empurra o governo a buscar saídas para o drama que vivem pa-

íses de renda média, com a estagnação da produtividade, diminuição do cres-

cimento e persistência ou aumento das desigualdades sociais.

O plano econômico chinês lançado em 2016, chamado Made in China

2025, que tem seu foco nas inovações de alto desempenho representa clara-

mente uma das alternativas exploradas pelo governo. Não à toa, o Made In

China 2025 concentra suas energias na manufatura avançada. Trata-se de

uma iniciativa do Conselho de Estado, implementada pelo Ministério da Indús-

tria e das Tecnologias de Informação, duas das mais importantes instituições

chinesas. Seu objetivo básico é o reordenamento da indústria chinesa em

torno da manufatura avançada, o que exige a otimização da estrutura indus-

trial e a formação de mão de obra qualificada. Um de seus pilares é o aumento

da participação das indústrias de base tecnológica no PIB chinês, de modo a

alcançar 15% em 2025, contra os 12% atuais. Portanto, trata-se de um pro-

grama de médio prazo, com metas estabelecidas a partir da identificação de

gargalos na economia e das estratégias de alocação de investimentos. O pro-

blema geral da baixa produtividade da economia encontra solução no fortale-

cimento e avanço acelerado de sua indústria, alavanca e motor do país.

Além dos recursos destinados a criar uma infraestrutura poderosa de

pesquisa e desenvolvimento para dar suporte à manufatura avançada, a China

multiplicou o investimento nas universidades e institutos de pesquisa e im-

plantou programas de estímulo à compra de empresas estrangeiras, em uma

ofensiva estratégia de catch up tecnológico. Significativo neste caso foi a com-

pra da empresa alemã de robôs KUKA pela MIDEA, um grupo chinês do setor

de eletrodomésticos, por cerca de US$ 5 bilhões.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

659

A China sabe para onde ir, fixou objetivos claros para se tornar uma po-

tência da indústria de alta tecnologia e concentra seus esforços e recursos, go-

vernamentais e empresariais, para realizar seus planos. Uma valiosa lição

para o Brasil.

6. Trajetórias adotadas nos países analisados

Ao longo deste projeto foi enfatizada a necessidade de o Brasil desenvol-

ver novos instrumentos de políticas públicas para a inovação. Esses instru-

mentos precisam ser configurados de maneira mais eficaz, relacionados ao

que se convenciona chamar de política de inovação orientada à missão. A ca-

pacidade de o Estado fomentar a inovação por meio de instrumentos de polí-

tica orientada à missão depende de sua competência em identificar e estimu-

lar demandas tecnológicas reconhecidas e aceitas, que engajem atores e mo-

bilizem conhecimentos em direção a uma missão concreta. Essa foi uma ca-

racterística central dos resultados observados no trabalho de campo, que bus-

cou identificar as estruturas institucionais relacionadas às políticas de inova-

ção para a manufatura avançada na Alemanha e nos EUA.

Dessa forma, o que se observa nas ações dos países citados anterior-

mente é a capacidade de o Estado mobilizar atores para atender a uma de-

manda, por meio de um processo de geração de consenso, e sua eficiência em

induzir inovações que gerem encadeamentos positivos no processo produtivo

industrial. Como foi visto nos exemplos da Alemanha e dos Estados Unidos, os

esforços para a transição da indústria para a manufatura avançada se dão a

partir de intensa discussão que envolve o governo, setor produtivo, universi-

dades e institutos de pesquisa. Por sua vez, na China vê-se a presença mais

central do Estado na coordenação das políticas públicas, mas não sem a parti-

cipação de empresas e instituições de ensino e pesquisa. Em suma, há em todos

os países debatidos a ideia de que fazer a transição da indústria para a manu-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

660

fatura avançada é uma empreitada cooperativa, devido ao aspecto interdisci-

plinar que essa indústria traz consigo, bem como aos efeitos econômicos e so-

ciais que sua adoção trará.

Ao buscar a automação de quase todas as etapas da produção, aliada à

conexão entre produtor e consumidor, a manufatura avançada promete cau-

sar impactos na própria forma de produzir, no mundo do trabalho, na cultura

do consumo, dentre outras. Não se trata somente da aplicação de tecnologia à

produção, buscando elevar a produtividade da indústria. É isso e muito mais,

com efeitos definitivos na forma como uma sociedade organiza e distribui sua

produção industrial. Desta forma, atingir consenso sobre a adoção da manu-

fatura avançada, com discussão sobre sua necessidade e efeitos é crucial.

A plataforma Industrie 4.0, da Alemanha, pode servir de exemplo a esse

processo. Como política de governo resultou da construção de consenso, estru-

turado a partir de iniciativas da sociedade civil entre 2011 e 2015, portanto, de

baixo para cima (o que já é um diferenciador e contraste importante com a

tradição brasileira). Nesse período, as associações dos fabricantes de produtos

eletrônicos (ZVEI), das empresas de tecnologia da informação (BITKOM) e dos

fabricantes de máquinas e equipamentos (VDMA) se organizaram com a Aca-

demia de Ciências e Engenharia (Acatech) em estudos prospectivos sobre a ne-

cessidade de avançar em direção à manufatura avançada. Em 2013, foi lan-

çada o que se denominou como primeira versão da plataforma Industrie 4.0,

com coordenação das entidades de classe. Dada a evolução da plataforma em

potencial e interesse para a sociedade e seu amadurecimento como meca-

nismo de pesquisa e desenvolvimento, em 2015 foi “relançada” com caráter de

política pública e papel mais ativo do governo. O “relançamento” visou tam-

bém ampliar a participação de outros setores da sociedade, além das entidades

de classe, e buscou equilibrar interesses. O consenso atingido no processo con-

tribui para que a plataforma tenha alto nível de alinhamento e de engaja-

mento.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

661

O intenso debate sobre a necessidade de intensificar a atividade indus-

trial observado nos Estados Unidos é outro exemplo da importância da gera-

ção de consenso para a efetividade das políticas. Após anos de perda de capa-

cidade industrial para outras partes do mundo que ofereciam melhores con-

dições de produção, os debates na academia e no governo americano eviden-

ciam a importância de se manter maior parte das cadeias produtivas da indús-

tria envolvida e articulada em um processo de articulação, estimulando a cri-

ação de capacitações e favorecendo inovações para a manufatura avançada.

Esse processo permitiu à sociedade americana, em especial os atores envolvi-

dos com a manufatura avançada, reconhecer que competitividade e capaci-

dade industrial estão conectadas e colocar em prática medidas de políticas de

inovação alinhadas com as estratégias empresariais para a busca de soluções.

Tanto na Alemanha como nos Estados Unidos, há preocupação de forta-

lecer a capacidade industrial para melhorar a competitividade das empresas.

Nos estudos de caso, pode-se averiguar que se trata de uma preocupação com-

partilhada pelo governo, setor produtivo, universidades e institutos de pes-

quisa. Nos Estados Unidos, a ideia da necessidade da manufatura avançada

nasce por iniciativa do governo, que busca apoio no setor produtivo para dar

suporte à proposta. Por sua vez, na Alemanha, o alerta sobre a necessidade da

indústria se adaptar a manufatura avançada toma forma nas associações em-

presariais e academia e chega ao governo. Independente da forma como a

ideia surge, os efeitos são os mesmos: um alerta sobre o futuro da indústria, e

a consciência da necessidade de esforços colaborativos entre empresas, go-

verno e infraestrutura de pesquisa.

No caso da China, o esforço do governo em elevar a produtividade da in-

dústria via manufatura avançada, aplicando vultosos recursos em pesquisa e

desenvolvimento, é prova da importância que se dá à indústria do futuro como

meio de manter as altas taxas de crescimento econômico no país.

Dessa forma, nos três países analisados, foi criado o consenso de que

para manter a competitividade da indústria é necessário ter como meta a ma-

nufatura avançada. E esforços de pesquisa e em políticas devem ser feitos para

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

662

se atingir tais objetivos. Nos países estudados, a avaliação é que a manufatura

avançada é a forma pela qual as economias atingirão maior produtividade,

trazendo retorno econômico e maior bem-estar para a população. Entende-se

que no Brasil não é diferente, pois há uma discussão crescente sobre a neces-

sidade de a indústria se adaptar à manufatura avançada como forma de recu-

perar sua competitividade e reposicionar a economia brasileira no cenário

mundial. Há em curso no país um processo de discussão em vários níveis e com

vários atores sobre a necessidade de articulação em torno da transição da in-

dústria brasileira para a manufatura avançada. É necessário avançar para a

implantação de um plano nessa direção.

7. Ponto de partida no Brasil

As discussões atuais sobre manufatura avançada no Brasil não partem

do zero.

A Feira Internacional de Máquinas e Equipamentos (FEIMEC), que ocor-

reu em maio de 2016, promovida pela Associação Brasileira de Máquinas e

Equipamentos (ABIMAQ), apresentou uma demonstração de manufatura

avançada, tomando como exemplo a fabricação de um suporte de telefone ce-

lular para mesa customizado para cada cliente, fabricado em um sistema de

produção integrado altamente automatizado. A montagem da demonstração

envolveu o trabalho cooperativo de mais de 20 empresas, com coordenação da

ABIMAQ e apoio de outras entidades, como a ABDI. Mais do que a apresentação

da demonstração em si, essas experiências trazem como benefício o aumento

do engajamento das empresas e a atuação colaborativa em um projeto de apli-

cação tecnológica de caráter não competitivo, contribuindo para a formação

de uma visão de futuro.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por sua vez, realizou recen-

temente estudo sobre a adoção da manufatura avançada no Brasil, buscando

mapear as possibilidades dessa indústria no país. Segundo a pesquisa, 48% das

empresas brasileiras adotam tecnologias digitais em sua produção, com des-

taque para o setor de equipamentos de informática, eletrônicos e ópticos. No

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

663

entanto, as empresas brasileiras ainda devem realizar esforço em adotar tec-

nologias como de automação, prototipagem rápida ou impressão 3D e utiliza-

ção de serviços em nuvem, características essenciais para sustentação da ma-

nufatura avançada. Foi reportado pelas empresas que a adoção dessas tecno-

logias possui como barreira o alto custo, reduzindo a possibilidade de atuação

na manufatura avançada pela maior parte das empresas pesquisadas.

O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e o Mi-

nistério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), com apoio

da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(UNESCO), têm realizado estudo sobre manufatura avançada. Nele, realizou-

se workshops em várias cidades a fim de levantar a opinião de diversos atores

da sociedade brasileira, visando a identificar prioridades para apoiar a formu-

lação de uma iniciativa na área de manufatura avançada no país.

Do ponto de vista mais técnico e aplicado, existem os esforços do Sis-

tema Nacional de Aprendizado Industrial (SENAI), para começar a adaptar al-

gumas de suas estruturas de formação para a criação de competências em ma-

nufatura avançada. Como exemplo, o SENAI-CIMATEC, que se concentra na

formação de profissionais para trabalhar com processos automatizados, im-

plantou uma fábrica integrada de demonstração, testes e ensino, em moldes

alinhados com o conceito de testbeds.

A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (EMBRAPII)

mantém vínculos com institutos específicos voltados para manufatura avan-

çada, como é o caso, por exemplo, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica

(ITA), especializado em Manufatura Aeronáutica, e do próprio SENAI-CIMA-

TEC (Campus Integrado de Manufatura e Tecnologia), com foco em Manufa-

tura Integrada.

Observa-se também a preocupação com a manufatura avançada na Mo-

bilização Empresarial para Inovação (MEI), por meio da promoção dos “Diálo-

gos” e da formação de grupo de trabalho focado em formação de pessoal.

Considerando os esforços recentes e o atual estágio de discussão do

tema no país, que já apresenta algum acúmulo, e considerando também o

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

664

atraso em relação aos demais países quem atuam na área, percebe-se que é

preciso agir com celeridade. Assim, o Brasil deve criar uma mobilização em

torno do tema, aproveitando os esforços acumulados para lançar uma inicia-

tiva nacional de difusão de tecnologias de manufatura avançada que vise a

ganhos de produtividade e de inovação, que deverão servir para a retomada da

competitividade da indústria nacional.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

665

Segunda parte: diretrizes para o Brasil

Visão geral das diretrizes e recomendações

As diretrizes aqui apresentadas deverão servir de apoio para a estrutu-

ração de um Programa para a Indústria do Futuro. Esse programa fará amplo

uso dos instrumentos disponíveis (crédito subsidiado, subvenção econômica,

recursos não-reembolsáveis para ICTs e investimento em participação) e das

instituições instaladas no país (como BNDES, Finep, EMBRAPII, CNPq, Capes,

além das FAPs e secretarias de C&T).

Nesse âmbito, a diversificação do sistema nacional de inovação exigirá

a alocação de recursos suficientes para, em parceria com a indústria, abrir um

período de transição para um patamar mais elevado da manufatura brasileira.

Do mesmo modo, a utilização de instrumentos como o poder de compra do Es-

tado e a utilização das encomendas tecnológicas, regulamentadas em lei, será

essencial para abreviar as fases de absorção e desenvolvimento de novas tec-

nologias.

As recomendações apresentadas neste capítulo se concentram em torno

de quatro áreas principais para o desenvolvimento da manufatura avançada

no país, a saber:

1. Governança – indicação de pontos centrais para a elaboração de um

programa público de manufatura avançada no Brasil;

2. Integração internacional – identificação de oportunidades, áreas e

modelos de acordos de cooperação internacional, com o objetivo de

acelerar a disseminação da manufatura avançada;

3. Laboratórios – proposições para implantação e operação de labora-

tórios de manufatura avançada (multi-institucionais, multiusuá-

rios e multidisciplinares), de forma articulada com empresas e ins-

tituições voltadas para a inovação;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

666

4. Rede testbeds – apresentação de diretrizes para a constituição de

uma rede de demonstradores de manufatura avançada no país e de

instrumentos para fomentar a sua utilização, especialmente por

PMEs.

Há uma quinta área essencial, que se refere à formação de mão de obra.

Por sua abrangência, complexidade e equacionamento multi-institucional,

exigiria um trabalho específico e será abordada apenas pontualmente nesse

relatório.

Os quatro grupos de diretrizes são detalhados a seguir.

1. Governança

Os programas de manufatura avançada na Alemanha, EUA e China, en-

volvem a coordenação de diversos atores, oriundos de empresas, academia e

governo. Essa intensidade de cooperação se faz necessária devido às caracte-

rísticas inerentes aos processos que envolvem a manufatura avançada: diver-

sas tecnologias, diferentes áreas do conhecimento, articulação entre grandes,

médias e pequenas empresas, diferentes agências, níveis e instâncias do Es-

tado, entre outros. Para que as iniciativas de manufatura avançada tenham

efetividade, sua governança deve ter características especiais.

Em primeiro lugar, se faz necessária uma governança nacional, respon-

sável pelas diretrizes gerais, definição de prioridades, suporte financeiro e

equacionamento da infraestrutura. Pela importância do tema para o futuro do

país, essa instância de articulação institucional deve ser criada diretamente

ligada à Presidência da República. Iniciativas desse porte serão apenas simbó-

licas se não forem dotadas de representatividade e legitimidade e marcadas

pela transparência. É assim na Alemanha, em que a Plataforma Industrie 4.0 é

presidida por dois ministros. Nos EUA, a definição do programa de manufa-

tura avançada, surgiu da Presidência e de sua assessoria direta (do Office of

Science and Technology Policy – OSTP), que participou de todas as etapas de

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

667

sua formulação. A implantação e execução das iniciativas é descentralizada,

mas o esforço central do núcleo de poder – o enforcement – é imprescindível.

Em termos operacionais, nos programas da Alemanha e dos EUA, a go-

vernança é descentralizada e não conta com uma instituição central que se

impõe a cada instituto e aos diversos agentes. O trabalho de campo realizado

mostrou que a presença do Estado é forte para o desenho inicial das iniciati-

vas, imprescindível para a mobilização e articulação dos atores e fundamental

para a definição dos temas básicos para serem desenvolvidos. As áreas e temas

que marcam cada iniciativa não são programas de atendimento de balcão, mas

são formulados para cobrir lacunas na economia e na estrutura produtiva na-

cional. Exatamente por isso, contam com a participação ativa das mais altas

instâncias do Estado.

A dinâmica da relação público-privado na Alemanha e nos EUA, consi-

derada normal e necessária, implica que as ações do Estado para programas

dessa natureza sejam discutidas de forma aberta com o setor privado antes do

lançamento formal de propostas legislativas e de editais. É esse envolvimento

que dá representatividade e legitimidade às iniciativas, sem as quais dificil-

mente haverá disseminação ampla e atração dos integrantes do sistema pro-

dutivo, que atuam em seus vários níveis e especialidades.

O Estado participa com mais peso na articulação institucional, na infra-

estrutura, financiamento e no equilíbrio de atores e na acomodação de confli-

tos. Ou seja, a participação do Estado procura assegurar as diretrizes estraté-

gicas, sem intervir diretamente na execução das iniciativas. Ainda que haja

uma coordenação central, essa se baseia na intermediação entre os atores pri-

vados e públicos, tornando-se um espaço de discussão e decisão. No entanto, é

importante salientar que as instâncias que controlam a governança dos pro-

gramas, tanto do alemão quanto do norte-americano, respondem também

pelo “enforcement”, isto é, pelo poder de manter as iniciativas orientadas para

seus objetivos, de modo a alcançar resultados decididos coletivamente. A go-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

668

vernança nesse esquema se caracteriza por privilegiar o diálogo entre as par-

tes que de fato produzem e estão implicadas na ação, facilitando a troca de

informações entre governo, empresas e a infraestrutura de pesquisa.

O sistema norte-americano para governança do NNMI se baseia em

larga medida nas instituições e relações já constituídas e que são normal-

mente apoiadas e financiadas pelo Departamento de Defesa (DoD), pelo Depar-

tamento de Energia (DoE) e pelo Departamento de Comércio (DoC), os três

grandes ministérios envolvidos diretamente com essa iniciativa. Tanto as em-

presas quanto as universidades conhecem a forma de atuação dos Departa-

mentos, suas linhas de financiamento e de apoio à pesquisa, o que reduz in-

certezas sobre as formas de trabalho a serem usadas. Os EUA definiram uma

estrutura institucional engenhosa, com a criação de uma Secretaria de Manu-

fatura Avançada em cada um dos Departamentos envolvidos (DoD, DoE e DoC)

e uma coordenação de manufatura avançada na Casa Branca, na assessoria

direta do Presidente da República, de modo a viabilizar a coordenação intra-

governo. Ainda que haja uma coordenação central da rede NNMI, realizada por

um grupo denominado Advanced Manufacturing National Program Office

(AMNPO), localizado no National Institute of Standards and Technology (NIST),

envolvendo as Secretarias específicas de cada Departamento e o OSTP, sua

função é a de representar os interesses da Casa Branca a cada momento, sem

interferir nas atividades cotidianas internas de cada Instituto que compõe a

rede. Do ponto de vista do governo americano, a atuação de maior influência

nas ações concretas é realizada pelo Departamento (ministério) financiador,

que é, de fato, o responsável pelo programa.

Durante a gestão do ex-presidente Barack Obama, a Casa Branca atuava

prioritariamente na dimensão política, sustentando o programa, construindo

consensos, arbitrando disputas e delimitando as iniciativas de modo a dimi-

nuir a sobreposição institucional. A Presidência não se incumbia do conteúdo

das pesquisas e do desenvolvimento tecnológico, que são acompanhados e

controlados pelos esquemas de governança próprios, coordenados pelo Co-

mitê Gestor de cada Instituto. Em resumo, a atuação do Governo de Barack

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

669

Obama se concentrou na construção do consenso em torno da manufatura

avançada como o caminho para a reestruturação da indústria, no convenci-

mento da academia e na mobilização das instituições de Estado.

Isso significa que a governança efetiva da NNMI é de competência de

cada uma de suas unidades, a partir das diretrizes do Departamento (ministé-

rio) financiador que atua em conjunto com o Consórcio gestor de cada Insti-

tuto. Em virtude da forma como o financiamento dos institutos foi estabele-

cido, com investimento federal de até U$ 70 milhões (não-reembolsáveis, dis-

tribuídos em cinco anos) e com necessidade de pelo menos o aporte de mon-

tante semelhante pela iniciativa privada, há a necessidade de os institutos

buscarem sustentação para além dos recursos federais. Portanto, governança

e modelo de funcionamento e articulação institucional da iniciativa estão em

plena sintonia com as estratégias industriais do país.

Na Alemanha, a plataforma Industrie 4.0 surgiu a partir de iniciativa do

setor privado, especificamente da ação de três entidades de classe, que conta-

ram com apoio da academia, a partir da necessidade de preservação do lugar

de vanguarda ocupado pela indústria alemã, impactada pelo avanço tecnoló-

gico e pela rápida ascensão de concorrentes. Esse esforço inicial resultou no

lançamento da chamada primeira versão da plataforma Industrie 4.0, em

2013, como forma de alinhar ações empresariais e da academia para o desen-

volvimento da manufatura avançada no país. Posteriormente, em 2015, o go-

verno alemão entrou para transformar a iniciativa em política industrial de

governo.

A característica principal da iniciativa alemã é a conjunção de esforços

para avançar no modo de produção, com base na estrutura industrial e de pes-

quisa já existente, com participação especial do sistema de Institutos Fraunho-

fer e de laboratórios instalados em universidades.

Essa concentração de energia impulsionou uma governança da plata-

forma Industrie 4.0 específica, que se dá por meio da articulação de institui-

ções já existentes. A gestão de mais alto nível (Chair) é realizada de forma com-

partilhada pelo Ministério de Economia e Energia (BMWi) e o Ministério da

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

670

Educação e Pesquisa (BMBF). Fazem parte da estrutura o Strategy group, que

conta com ampla representação da sociedade civil e que tem função de inte-

gração e de direcionamento de alto nível; o Steering body, majoritariamente

composto por representantes de empresas, que atuam no direcionamento téc-

nico, coordenação e supervisão da implementação das ações da plataforma; os

Working groups, responsáveis pela produção de novos conteúdos e pela gera-

ção de resultados; e o Scientific Advisory Committee, responsável pelo direcio-

namento científico e tecnológico. A coordenação das ações, das agendas e da

operação da plataforma ficou a cargo de uma secretaria geral (Secretariat),

que atua como um escritório de gestão de projetos, mas que também responde

pela divulgação e relacionamento com parceiros do exterior.

Tanto nos EUA quanto na Alemanha, o processo de transição da atual

estrutura produtiva e de pesquisa para a manufatura avançada conta com o

Estado para coordenar e articular politicamente os atores econômicos e soci-

ais, e para fazer valer seu poder de enforcement, de modo a viabilizar e garantir

o andamento do Programa. Aos atores privados e das diversas unidades de pes-

quisa, cabe buscar as soluções tecnológicas, de gestão e os novos modelos de

negócio que a manufatura avançada possibilita.

Na China, como é peculiar àquele país, a governança é centralizada no

governo, que define metas e aloca investimentos a partir das prioridades tec-

nológicas e científicas definidas pelo plano Made in China 2025. Diferente-

mente dos EUA e Alemanha, trata-se de uma política top-down, com o governo

interferindo diretamente nas estruturas produtivas e de pesquisa para garan-

tir o cumprimento das metas nacionais.

É preciso salientar que as iniciativas em manufatura avançada nos três

países pesquisados possuem uma coordenação geral diretamente ligada aos

centros de poder de cada país e têm como foco as empresas e a elevação do

padrão de P&D empresarial. Uma vez que esses países possuem uma infraes-

trutura de pesquisa consolidada e, principalmente, contam com grandes em-

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

671

presas capazes de viabilizar saltos tecnológicos, a preocupação central dos me-

canismos de governança está voltada para a redução de incertezas, a diminui-

ção do tempo de desenvolvimento de tecnologias e de sua comercialização.

Para isso, os programas precisam criar canais de comunicação eficientes entre

empresas, e entre essas e as unidades de pesquisa, para otimizar a cooperação

e sinergia interinstitucional. Em grande medida, o papel do governo, como es-

pinha dorsal da governança, reside na observação da efetividade dessas par-

cerias, garantindo seu estabelecimento e manutenção.

Sem isso, dificilmente o Brasil conseguirá concatenar suas ações em um

grande Programa para a Indústria do Futuro.

Proposta de governança para o Brasil

O foco da governança deve ser a coordenação de diversos atores para a

resolução de problemas tecnológicos empresariais. O governo deve ter como

meta garantir a estabilidade do programa, seja via uma articulação que efeti-

vamente represente os agentes econômicos e de pesquisa necessários para a

transformação da indústria, seja pela sustentação do financiamento e do

equacionamento de obstáculos existentes no atual ambiente regulatório.

Uma característica que permeia as pesquisas que envolvem a manufa-

tura avançada é a incerteza do desenvolvimento e da utilidade das novas tec-

nologias, pois representam ideias ainda em experimentação. Nesse sentido, a

simples reprodução dos mecanismos de governança tradicionais no Brasil,

compostos basicamente por planejadores públicos, tenderá a não funcionar,

uma vez que a expertise necessária para um salto de qualidade exige a partici-

pação significativa de representantes das empresas que, no seu âmbito, vão

liderar eventuais processos de mudança. Isso significa que grande parte desse

esforço somente mostrará resultados a médio e longo prazos, o que evidencia

a importância da construção de uma coordenação sólida e representativa, que

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

672

tenha legitimidade e transparência para atrair as empresas e os grandes cen-

tros de pesquisa.

Tendo em vista os exemplos dos EUA e da Alemanha, a governança pro-

posta conta com estrutura apresentada na Figura 3.

Figura 3: Governança do Programa Indústria do Futuro

Fonte: Elaboração própria.

Ao Comitê de Liderança, dirigido pelo Presidente da República, caberá a

condução política do Programa. Sua função principal é definir diretrizes, as

principais iniciativas e assegurar a manutenção do programa. Para isso, deve

ter participação majoritária de representantes da indústria, juntamente com

o governo e academia. Essa composição busca garantir legitimidade ao Co-

mitê, que deve se pautar pela transparência diante da sociedade e do universo

industrial.

Programas que pretendem viabilizar a transição da indústria atual para

a manufatura avançada não terão sucesso se forem restritos a uma atuação de

curta duração. Iniciativas dessa natureza exigem persistência e continuidade,

pois envolvem erros, acertos, ajustes e correções, em um processo de aprendi-

zado tanto tecnológico quanto organizacional.

Comitê de Liderança, dirigido pelo Presidente da República. Representação majoritária da indústria + governo + academia

Secretaria Executiva

GT1 -Robótica e Automação

GT2 -Sensores e Inteligência

Artificial

GT3 -Infraestrutura

GT4-Regulação

GT5 -Recursos Humanos

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

673

A Secretaria Executiva é instância operacional, voltada para garantir a

execução das iniciativas definidas pelo Comitê de Liderança. É importante que

na Secretaria Executiva estejam representadas com destaque as lideranças

empresariais que vão comandar a implementação do Programa e das propos-

tas aprovadas no Comitê de Liderança, que devem ser subsidiadas e apoiadas

pelos Grupos de Trabalho (GTs).

Os Grupos de Trabalho devem se ocupar da parte técnica do programa.

Nessa estrutura, cabe a escolha de pessoas com capacidade técnica reconhe-

cida, de modo a desenvolver ações e estudos prospectivos sobre novas áreas

tecnológicas.

No programa alemão, os Working groups são preenchidos por membros

das empresas, o que leva o programa a refletir de forma mais direta os desafios

que devem ser enfrentados pela indústria. No programa norte-americano, não

há uma estrutura permanente como os Working groups, mas a formulação da

proposta do NMMI contou com um grupo de especialistas do setor produtivo e

das universidades, em torno do Office of Science and Technology Policy (OSTP)

na Presidência da República.

No Brasil, os representantes das empresas precisam trabalhar em con-

junto com membros da academia e de institutos de pesquisa nos Grupos de

Trabalho, para que a iniciativa ganhe força e massa crítica, o que é especial-

mente relevante no primeiro período de funcionamento. É importante salien-

tar que as propostas que saírem desses grupos possuam legitimidade dada sua

diversidade, o que pode melhorar a qualidade das proposições e facilitar apoio

político e financeiro. Diferentemente do sistema norte-americano, o exemplo

alemão mostra-se mais adequado à realidade brasileira, na medida em que se-

rão necessários estudos prospectivos e a identificação das oportunidades e po-

tencialidades da indústria brasileira. Mais ainda, será necessária a instalação

de ambientes de demonstração de

tecnologias e desenvolvimento de prototipagem que pedem a participação,

em um mesmo local, de empresas e universidades em busca de aprendizado

mútuo.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

674

Sendo assim, a partir da inspiração oferecida por EUA e Alemanha, re-

comenda-se o roteiro a seguir:

- Elaborar um Programa para a Indústria do Futuro, que tenha pre-

visão e recursos para perdurar por 10 anos;

- Instalar uma estrutura de governança composta por um Comitê

de Liderança, dirigido pelo Presidente da República e composto

majoritariamente por representantes da Indústria, além de Mi-

nistros e lideranças acadêmicas;

- Esse Comitê de Liderança, que definirá as diretrizes e as iniciati-

vas a serem implementas, terá o suporte direto de uma Secretaria

Executiva, que responderá pela gestão e acompanhamento do

Programa;

- A Secretaria Executiva, que terá composição também majoritária

do setor empresarial, terá o suporte de Grupos de Trabalho, for-

mados em torno de áreas e/ou temas essenciais para o desenvol-

vimento da indústria do futuro;

- Os Grupos de Trabalho iniciais poderão se dedicar a: (1) Robótica

e Automação; (2) Sensores e Inteligência Artificial; (3) Infraestru-

tura; (4) Regulação; (5) Recursos Humanos;

- Os GTs atuam na parte técnica do programa, buscando a elabora-

ção de propostas que levem em consideração a capacidade empre-

sarial e de pesquisa do país. É importante que as propostas aqui

desenvolvidas sejam realistas, que busquem soluções para proble-

mas econômicos e sociais, tendo como princípio o desenvolvi-

mento tecnológico.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

675

2. Integração internacional

Uma vez discutida a governança, passa-se para as recomendações mais

específicas que visam a dar corpo para a iniciativa de manufatura avançada

do Brasil.

Uma área de atuação extremamente relevante, que pode contribuir para

acelerar a trajetória do país na adoção da manufatura avançada – e no au-

mento da produtividade industrial e da competitividade da economia –, é a ce-

lebração de acordos internacionais. O Brasil se encontra atrasado em compa-

ração com os demais países analisados neste capítulo e não se deve esperar

que a recuperação ocorra sem apoio de parcerias em estágio mais adiantado,

que podem ser alavancadas por meio de acordos de cooperação.

Nas pesquisas de campo realizadas na Alemanha e nos EUA, identificou-

se disposição de várias instituições para a celebração de acordos de cooperação

com o Brasil. É importante mencionar que em ambos os países existe expecta-

tiva de envolvimento direto de empresas nas parcerias, para que a cooperação

não seja efetuada somente no nível governamental e entre institutos de pes-

quisa, visando, com isso, direcionar os desenvolvimentos conforme demandas

reais do setor produtivo.

A celebração de acordos internacionais de manufatura avançada pode

ocorrer em várias esferas. Por exemplo, já existem grupos de pesquisa brasi-

leiros atuando com parceiros internacionais em projetos de pesquisa em ma-

nufatura avançada. São várias as empresas e centros de pesquisa que já con-

trataram centros especializados do exterior, por exemplo, os institutos Frau-

nhofer. Não se trata aqui de limitar as iniciativas descentralizadas, pelo con-

trário; mas é certo que a estruturação de um Programa de Internacionalização

(no sentido amplo) de empresas industriais possa contribuir para aumentar a

escala e potencializar resultados.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

676

Nessa mesma direção, há o exemplo recente de acordo bilateral assinado

pela Alemanha, entre a plataforma Industrie 4.0 e o programa francês Alliance

Industrie du Futur, que resultou em um plano de trabalho conjunto para o de-

senvolvimento de cenários, de testbeds e de formação de pessoal.

Há possibilidade também de participação de representantes de empre-

sas brasileiras diretamente em Working groups da Industrie 4.0. Nesse caso, a

exigência é que sejam empresas com operação manufatureira na Alemanha.

Na Alemanha, diversas instituições visitadas implantaram e operam testbeds,

como a TU Darmstadt, a RWTH Aachen e Institutos Fraunhofer. Em contatos

preliminares, todas se colocaram à disposição para assinar contratos de apoio

a projetos de implantação de testbeds no Brasil.

Mais ainda, considerando que a Alemanha é um dos principais parceiros

comerciais brasileiros e que há significativo volume de investimento alemão

em ativos produtivos no Brasil, recomenda-se a definição de uma agenda de

trabalho específica para manufatura avançada como preparação para o en-

contro do G20 em 2017, que ocorrerá na Alemanha. Pode-se também alinhar

ações com os mais diversos órgãos de apoio da Alemanha instalados no Brasil,

bem como engajar empresas alemãs aqui instaladas (já existe articulação de

empresas alemãs para estruturar ações relativas à Indústria 4.0, que contam

com apoio da VDI-Brasil – Associação de Engenheiros Brasil-Alemanha).

De forma semelhante, em relação aos EUA, pode-se explorar a partici-

pação em consórcios, projetos e subprojetos de institutos específicos da rede

NNMI. Há possibilidade também de se estimular a transferência de tecnologia

por meio das empresas que participam do programa norte-americano e que

possuem atuação aqui no Brasil.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

677

Nesse sentido, resumidamente, recomenda-se:

i) Celebração de novos acordos internacionais, de maior escopo e im-

pacto, que estejam alinhados às necessidades de um conjunto

maior de instituições do país;

ii) Abertura de linhas de financiamento especiais de apoio à celebra-

ção de acordos entre empresas, setores e indústrias, com institui-

ções especializadas do exterior, via o BNDES e a Finep;

iii) Desenvolvimento de um Programa de Internacionalização da in-

dústria, que ofereça às empresas brasileiras o apoio à participação

acionária (com presença direta ou não do BNDES-PAR) e à aquisição

(parcial ou completa) de empresas de tecnologia no exterior;

iv) Apoio às pequenas empresas, em seus vários estágios, por meio de

um programa específico voltado para ajudar no seu nascimento,

crescimento e consolidação; essa iniciativa tem a ver diretamente

com o amadurecimento do mercado de Venture Capital (VC) no

Brasil (em todas as suas modalidades), assim como com a atração

de fundos de investimento estrangeiros. O amadurecimento do VC

no Brasil é chave para a transformação da indústria;

v) Alavancagem de laboratórios e equipamentos de infraestrutura de

organizações que já atuam em cooperação aqui no Brasil, como as

iniciativas apoiadas pela Associação de Engenheiros Brasil-Alema-

nha (VDI-Brasil);

vi) Elaboração de uma agenda de assinatura de convênios de coopera-

ção internacional especificamente voltada para a indústria do fu-

turo (por exemplo, a preparação do G20, a ser realizado na Alema-

nha, em 2017);

vii) Ampliação a disseminação de resultados para o maior número pos-

sível de empresas e instituições locais que ainda permanecem à

margem dessas discussões.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

678

As possibilidades de parceria identificadas no levantamento de campo

para Alemanha e EUA são resumidas no Quadro 2.

Quadro 2 – Resumo das possibilidades de parcerias internacionais em manufatura avan-çada identificadas no levantamento de campo

Alemanha – Industrie 4.0 EUA – National Network of

Manufacturing Innovation (NNMI)

- Assinatura de acordo de cooperação

de alto nível.

- Participação de empresa brasileira

(com fábrica na Alemanha) em wor-

king groups.

- Contratação de apoio técnico da Ale-

manha para detalhar plano de cria-

ção de rede de testbeds.

- Colaboração com institutos Frau-

nhofer.

- Definição de agenda de trabalho

para o encontro do G20 em 2017.

- Engajamento de empresas alemãs

com operação no Brasil na iniciativa

brasileira via VDI Brasil.

- Participação em consórcios, projetos

e subprojetos de institutos específi-

cos da rede NNMI.

- Filiação ao IIC e atuação como mem-

bro para o engajamento no desen-

volvimento de manufatura avan-

çada.

- No NNMI, apesar de não haver estru-

turas formais de parcerias, os insti-

tutos são livres para negociar seus

produtos e consultorias técnicas.

- Possibilidade de transferência de

tecnologia por meio das grandes

empresas que participam do pro-

grama e atuam no Brasil.

Fonte: Elaboração própria.

3. Laboratórios

O Brasil possui laboratórios de manufatura avançada em operação que

devem ser considerados na elaboração do Programa Indústria do Futuro. A re-

lação apresentada a seguir, com os laboratórios organizados por tipo e institu-

cionalização, não pretende ser exaustiva e serve para o registro da variedade

presente no país, além de situar alguns exemplos como referência:

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

679

- Unidades EMBRAPII, como o SENAI-CIMATEC, voltado para Manu-

fatura Integrada, e o ITA, com foco em Manufatura Aeronáutica;

- Institutos SENAI de Inovação e algumas Unidades do SENAI;

- Unidades de pesquisa nacionais, a exemplo do CNPEM, do INPE,

do Centro de Tecnologia da Informação Renato Archer, do LNCC,

dentre outros;

- Laboratórios de fundações e de institutos privados;

- Núcleos de universidades, como o Núcleo de Manufatura Avan-

çada (NUMA) da USP-São Carlos; nessa categoria, pode-se enqua-

drar também INCTs, como o de sistemas inteligentes, de conver-

gência digital, de nanoestruturados, de medicina molecular, de

neurociência translacional.

- Laboratórios de universidades, como o Laboratório de Sistemas

Computacionais para Projeto e Manufatura (SCPM) da UNIMEP,

com atuação em projetos da rede BRAGECRIM (Iniciativa Brasil-

Alemanha para Pesquisa Colaborativa em Tecnologia de Manufa-

tura) em cooperação com universidades da Alemanha.

Entre os centros de referência, as experiências mais recentes são das

Unidades EMBRAPII e dos Institutos Senai de Inovação. De fato, a atuação hoje

no Brasil se dá tipicamente de forma descentralizada, com baixa sinergia en-

tre laboratórios e por meio de projetos de menor monta, o que limita seus re-

sultados potenciais. Uma iniciativa de integração de parte desses laboratórios

em manufatura avançada ocorreu nos anos 2000, com a constituição do Ins-

tituto Fábrica do Milênio (IFM) que visava unir esforços em uma rede articu-

lada.

Como ilustração, nos EUA, os institutos do NNMI atuam com o parea-

mento do financiamento público e privado, o estabelecimento de metas de re-

solução dos problemas e a formação de mão obra especializada. Pode-se ver

que a criação dos institutos marca uma nova etapa da formação de qualifica-

ções e competências: em vez do contato direto entre centros de formação de

Page 681: INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA ......INOVAÇÃO, MANUFATURA AVANÇADA E O FUTURO DA INDÚSTRIA UMA CONTRIBUIÇÃO AO DEBATE SOBRE AS POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO PRODUTIVO

Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

680

mão de obra qualificada e empresas, busca-se uma estrutura intermediária,

que possa ao mesmo tempo prospectar novos negócios e usar diversas experi-

ências com empresas como forma de oportunidade de qualificação.

Na Alemanha, parte significativa da pesquisa aplicada da Plataforma

Industrie 4.0 vem sendo realizada em institutos Fraunhofer, que também

atuam conforme demandas empresariais. Diferentemente dos institutos do

NNMI, os alemães possuem corpo técnico dedicado. Entretanto, em muitos

institutos Fraunhofer da área de Produção, grande parte da mão de obra é

composta por doutorandos, que têm contrato de trabalho com prazo delimi-

tado com o instituto, sendo que a atuação cumpre também papel de formação

de mão de obra qualificada. Na Alemanha, destaca-se também nos trabalhos

da Plataforma Industrie 4.0 a atuação de laboratórios de universidades, que

são tipicamente bem maiores do que os congêneres nacionais, contando com

apoio decisivo de doutorandos assistentes de pesquisa em grande número e

com maior participação de projetos com empresas no seu financiamento.

Nesse sentido, as recomendações apontam três caminhos (complemen-

tares) a serem seguidos pelas políticas públicas:

i) Destinação de recursos e de apoio para a implantação e operação

de laboratórios de manufatura avançada de forma articulada com

empresas e instituições voltadas para a inovação e que sejam de

maior porte. Considerando as estruturas existentes no Brasil, essa

diretriz se aproxima hoje mais claramente das unidades EMBRA-

PII, dos Institutos SENAI de Inovação e de alguns laboratórios na-

cionais;

ii) Fortalecimento de laboratórios universitários selecionados por

meio de editais de acordo com sua capacidade de articulação e

produção;

iii) Constituição de uma rede de laboratórios para aumentar a siner-

gia e o impacto dos trabalhos.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

681

4. Testbeds

Como foi observado no trabalho de campo, as iniciativas para manufa-

tura avançada na Alemanha e nos EUA possuem em comum a criação de am-

bientes compartilhados, multi-institucionais e multiusuários, de pesquisa e

aplicação, nos quais empresas e ICTs buscam solução para problemas tecnoló-

gicos. Nesse sentido, este relatório destacou a experiência dos testbeds, que são

tipicamente espaços com equipamento e infraestrutura de uso comparti-

lhado, na maioria das vezes localizados em ICTs; eventualmente podem ser

instalados em empresas de maior porte. De maneira geral, os testbeds possibi-

litam que empresas e grupos de pesquisa avaliem a aplicação de tecnologias

em ambientes que simulam condições próximas de sistemas reais de produ-

ção.

Porém, os objetivos dos testbeds são múltiplos e vão muito além do su-

porte aos testes de tecnologias. Esses ambientes também são utilizados para

demonstrações entre parceiros, disseminação e qualificação profissional. Em

resumo, os testbeds possuem infraestrutura básica para a simulação de siste-

mas de produção, recebem por período de tempo determinado tecnologias adi-

cionais de empresas e ICTs interessadas na realização de testes e podem, nesse

caminho, ser utilizados para fins de demonstração para eventuais interessa-

dos.

O uso de testbeds também favorece o incremento das relações entre as

empresas e as ICTs e podem se tornar instrumentos de aglutinação, delimi-

tando espaços físicos para a materialização de soluções de manufatura avan-

çada, para interações e troca de experiências. Existem testbeds mais sofistica-

dos e complexos, resultantes de maior investimento, que simulam uma fá-

brica completa, mas existem também os de formato mais simples, que simu-

lam aspectos limitados e específicos da produção, como o abastecimento de

materiais ou um processo de fabricação.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

682

Dado o estágio inicial da indústria brasileira, a construção de testbeds

ganha importância, uma vez que se definem por serem ambientes comparti-

lhados por empresas, universidades e institutos de pesquisa, que trabalham

na fase pré-comercial e pré-competitiva de tecnologias e ajudam a formar

mão de obra especializada. Precisamente o espaço de sinergia, absorção e ge-

ração de tecnologias que a indústria brasileira precisa.

O problema da criação de competências e qualificações é essencial para

a capacidade competitiva de um país. A relação entre, de forma bem ampla,

formação e economia possui debate extenso e há consenso em afirmar que

uma coordenação entre necessidades econômicas e resposta de centros de for-

mação pode ser um dos fatores da competitividade dos países desenvolvidos.

É importante salientar que quando falamos de competências e qualificações

estamos nos referindo a um amplo sistema de capacitações que incorpora di-

versos conhecimentos. Portanto, cada vez mais vem se tornando essencial a

necessidade de estruturas intermediárias que aliem os interesses dos centros

de formação e pesquisa, e das empresas, ocupando um papel de mediação das

capacidades e necessidades de cada um, bem como um ambiente de maior ex-

perimentação e fluidez, que funcione a partir da resolução dos problemas de

empresas diversas. Desta forma, busca-se nessas instituições intermediárias,

a exemplo dos testbeds, a junção das expectativas, sendo espaços onde compe-

tências e qualificações são criadas conjuntamente.

A recomendação que se faz aqui é para a constituição de uma rede de

testbeds no país, a exemplo da Alemanha que já mapeou 33 infraestruturas

desse tipo. A seleção pode ser por meio de edital (com as ICTs como público-

alvo) ou por escolha por singularidade de competência. Dada a novidade do

tema, será necessário apoiar as ICTs na aprovação da operação dessas estrutu-

ras em suas respectivas organizações. Isso exigirá contratos e convênios pa-

dronizados para receber doações e comodato de equipamentos e para viabili-

zar a utilização dos espaços físicos das ICTs, tipicamente públicas, por empre-

sas em demonstrações, por exemplo, por meio de contratos de cessão onerosa

do espaço público por um período definido de tempo (de horas a dias). Sem o

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

683

apoio de um programa nacional, as ICTs ou as empresas podem se defrontar

com problemas regulatórios de difícil superação.

Assim, o conjunto de recomendações não pode ser restrito somente à

formação da rede e à implantação de testbeds. Nesse sentido, as recomenda-

ções relativas aos testbeds são resumidas a seguir:

- Instalação e/ou seleção e formação de uma rede de testbeds por

meio de editais em que ICTs e/ou empresas possam se apresentar

como candidatas;

- Elaboração de diretrizes e padrões de funcionamento de testbeds

como guia para reorganizar seu espaço físico e funcionamento,

visando viabilizar a operação compartilhada;

- Lançamento de edital específico para a constituição de um pe-

queno número de testbeds mais sofisticados; essas fábricas com-

pletas de demonstração, construídas com apoio de instituições in-

ternacionais serão essenciais para o desenvolvimento das fases

mais avançadas do Programa Indústria do Futuro;

- Elaboração de modelos de contratos e de convênios para apoiar as

ICTs na aprovação e viabilização da operação dos testbeds, con-

forme a sua natureza jurídica e relações institucionais (pú-

blico/privado, federal/estadual etc.);

o Contrato / convênio para receber doações de equipamen-

tos;

o Contrato / convênio para receber comodato de equipamen-

tos;

o Contrato / convênio para viabilizar a utilização dos espaços

físicos (por exemplo, cessão onerosa por um período defi-

nido de tempo – de horas a dias);

o Contrato / convênio para oferta de cursos de extensão de

curta duração;

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

684

o Contrato / convênio para parcerias de desenvolvimento

tecnológico com empresas;

- Avaliação da possibilidade de lançamento de edital para suporte

às empresas que irão utilizar os testbeds em projetos – conside-

rando especialmente o apoio para pequenas e médias empresas.

A realidade nacional mostra que, em grande medida, nossos centros de

formação e de pesquisa são públicos, o que coloca limites à capacidade comer-

cial do que ali é produzido. No entanto, as alterações na Lei 13.243 / 2016 con-

ferem a ICTs e aos Núcleos de Inovação Tecnológica (NITs) atribuições mais

amplas no que diz respeito à forma de lidar com o conhecimento e sua disse-

minação, além das possibilidades de se trabalhar com o setor privado. Em com-

plemento ao exposto aqui, no Anexo 1 é apresentada uma diretriz preliminar

para chamadas públicas como forma de fomentar os testbeds.

As recomendações acerca de testbeds e de laboratórios visam dar mate-

rialidade ao Programa Indústria do Futuro, criando espaços específicos de con-

vergência de ações, com foco em aplicações empresariais. As recomendações

sobre testbeds e laboratórios, ao lado das proposições relacionadas à gover-

nança e integração internacional, compõem as diretrizes propostas para a cri-

ação do Programa Indústria do Futuro. Com esse conjunto de diretrizes e reco-

mendações espera-se contribuir para a formulação de um programa nacional

que alavanque o desenvolvimento industrial do país.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

685

Anexo 1 – Diretrizes preliminares para chamadas públicas de fomento a testbeds

O sucesso de uma política pública que busque congregar atores capaci-

tados para superação de determinados desafios tecnológicos reside na boa de-

limitação dos problemas a serem atacados. Sendo assim, se pensarmos em um

programa que vise promover a manufatura avançada, um primeiro passo é

entender o que buscamos com esse termo e quais áreas do conhecimento de-

vem ser mobilizadas para que a política encontre seu público-alvo.

Nas iniciativas de manufatura avançada dos países discutidos, há uma

série de áreas do conhecimento, ou tecnologias, já definidas como que essen-

ciais à transição da indústria para manufatura avançada. Portanto, as políti-

cas em curso nos países aqui abordados já desenvolveram uma lista de tecno-

logias necessárias para um adequado sistema de manufatura avançada. O de-

safio que se impõe é criar formas de agregar atores capazes de trabalhar essas

tecnologias e, principalmente, transferi-las para as empresas.

Nesse sentido, há aqui a necessidade de se identificar tanto capacitações

de pesquisa, quanto empresariais. Nos países que tomamos como parâmetro,

há a decisiva presença de grandes empresas nas políticas de manufatura

avançada, o que contribui de forma seminal com pessoal qualificado, desen-

volvimento de projetos e financiamento. Tomando o exemplo do NNMI, trata-

se de uma política que visa a mobilizar grandes empresas e universidades de

ponta em um primeiro momento, e, posteriormente, buscar formas de congre-

gar pequenas e médias empresas, como também centros universitários de ex-

pressão mais regional. Além da capacidade de financiamento, há a ideia de

que a presença de grandes empresas irá facilitar a transferência tecnológica.

Assim, é inequívoca a visão de que o foco do programa reside na capacitação

de empresas, e são desenvolvidas formas para que os institutos sejam ambien-

tes nos quais funcionários de diferentes empresas compartilhem problemas.

Ainda que ambientes compartilhados de pesquisa e desenvolvimento,

ou institutos de pesquisa que lidam diretamente com problemas empresarias,

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

686

sejam escassos no Brasil, há no país formas de congregar empresas e infraes-

trutura de pesquisa para trabalhar em problemas comuns. No entanto, cabe

salientar, como mostra a experiência internacional, esses ambientes de de-

monstração e prototipagem são importantes para acelerar o processo de

transferência de uma tecnologia para o mercado, bem como se trata de um

local de aprendizado mútuo.

Sendo assim, se pensarmos em uma política de manufatura avançada,

a melhor forma de agir seria por uma chamada pública, especificando bem os

objetivos e tecnologias desejadas. Para julgar os projetos a serem financiados,

os Grupos de Trabalho devem contar com uma comissão de alto nível técnico,

que seja responsável por elaborar as áreas temáticas e os desafios tecnológicos

a serem abordados. Aqui é importante avaliar a qualificação dos proponentes

dos projetos, bem como vínculos institucionais. A seleção de projetos cumpre

papel crucial para o sucesso do programa. Na estrutura que aqui se propõe,

cabe aos Grupos de Trabalho a definição clara dos objetivos das chamadas pú-

blicas, com especificação das tecnologias e problemas que buscará tratar. Por-

tanto, a qualificação da equipe que irá desenvolver a chamada deve ser incon-

testável, bem como a chamada deve ter como intuito a aglomeração de atores

de empresas e universidades, criando redes de pesquisa e desenvolvimento em

manufatura avançada. Sendo assim, a chamada deve ter clareza dos objetivos

do programa e das possibilidades de ação dentro do que definimos como ma-

nufatura avançada.

Esse é um ponto central, pois diz respeito também ao modo como serão

avaliados os projetos. No limite, a comercialização de uma tecnologia é um in-

dicativo de sucesso do programa. No entanto, esse é um ponto que não pode-

mos colocar como o foco do programa, pois muito do que será desenvolvido se

encontra em diferentes fases de maturação. Não há como avaliar diferentes

tecnologias e diferentes grupos de trabalho sob pena de interromper proces-

sos ou adiantar os estágios de desenvolvimento tecnológico de um produto. No

entanto, a avaliação se faz importante para manter a coesão dos grupos, cor-

rigindo rotas e até mesmo reformulando os objetivos iniciais.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

687

Diante disso, o desafio da avaliação do trabalho dos projetos concebidos

a partir das chamadas públicas deve estipular ao menos um prazo mínimo de

financiamento, assim como uma definição realista do que será entregue como

produto. Esse trabalho de acompanhamento será facilitado na medida em que

a chamada pública contenha detalhamento das especificações de seus objeti-

vos, fruto de estudos prospectivos dos Grupos de Trabalho. Portanto, o acom-

panhamento dos projetos se dá em função da qualidade da proposta e na sua

capacidade de reunir atores realmente competentes para cumprir com suas

atribuições. O fluxo macro de seleção é apresentado na Figura 4.

Nos países visitados, observamos que ainda não há preocupação exces-

siva em criar métricas de avaliação dos programas de manufatura avançada.

Isso se dá por causa das novidades dos arranjos institucionais e pelas incerte-

zas que envolvem as tecnologias ali desenvolvidas, no que diz respeito à utili-

dade e potencial comercialização. Em um primeiro momento, podemos dizer

que Alemanha e EUA ainda estão testando as melhores formas de trabalhar as

políticas de manufatura avançada. No entanto, as iniciativas alemã e norte-

americana possuem um claro objetivo de transferência de tecnologias para as

empresas, sendo que o acompanhamento pode cumprir o papel de observar a

velocidade de maturação do que for produzido, bem como de adoção pelas em-

presas. Portanto, as iniciativas de manufatura avançada não devem ser so-

mente projetos de pesquisa, sendo crucial a transferência tecnológica, de-

vendo o acompanhamento de o programa ter este objetivo sempre em conta.

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Inovação, Manufatura Avançada e o futuro da indústria

688

Figura 4. Diretrizes preliminares para o fluxo macro de seleção de projetos

Fonte: Elaboração própria.

Acompanhamento

Definição dos prazos para entrega de resultados Monitoramento e Avaliação por parte dos Grupos de Trabalho

Chamadas Públicas para testbeds

Promover a articulação de atores diversos em torno de problemas comuns

Fomentar propostas que tenham como caracterísitica principal a articulação entre empresas e universidades

Composição dos Working Groups

Presença de pesquisadores e especialistas de universidades e empresas

Objetivo de definir áreas temáticas e problemas tecnológicos a serem solucionados

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FONTES Bitter e Fira Sans

Brasília, junho de 2017.

Agência Brasileira de

Desenvolvimento Industrial