inovaÇÃo, formaÇÃo e melhoria escola (vol i) [um - 1998]

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  • 8/12/2019 INOVAO, FORMAO e MELHORIA ESCOLA (VOL I) [UM - 1998]

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    MARA LUISA GARCA ALONSO

    INOVAO CURRICULAR, FORMAO DE

    PROFESSORES E MELHORIA DA ESCOLA

    UMA ABORDAGEM REFLEXIVA E RECONSTRUTIVA SOBRE

    A PRTICA DA INOVAO/FORMAO

    (VOL. I)

    Dissertao de Doutoramento em Estudos da

    Criana, na rea de conhecimento de Currculo

    e Metodologia, apresentada Universidade do

    Minho.

    INSTITUTO DE ESTUDOS DA CRIANAUNIVERSIDADE DO MINHO

    BRAGA/1998

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    RESUMO

    Neste trabalho desenvolve-se um estudo qualitativo, luz de uma abordagemepistemolgica interpretativo/crtica, sobre os processos de inovao curricular na escola

    primria portuguesa, entendendo estes de forma interligada com os processos de formao de

    professores e de melhoria da escola como organizao.

    Esta concepo holstica da inovao sustenta-se num quadro terico que cruza

    conhecimentos provenientes de diferentes domnios das Cincias da Educao,

    nomeadamente, da Teoria da Formao de Professores, da Teoria do Currculo, da

    Organizao Escolar e da Didctica. Para isso elaborou-se um modelo compreensivo que

    interrelaciona o desenvolvimento profissional com o desenvolvimento curricular, odesenvolvimento organizacional e o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos,

    contribuindo, assim, para a promoo da mudana educativa.

    O questionamento acerca das condies e dos processos atravs dos quais a inovao e

    a formao se traduzem em mudanas educativas nos contextos ecolgicos, culturais e

    polticos das escolas, fez com que se escolhesse como objecto de estudo emprico um projecto

    de inovao curricular o Projecto PROCUR que se vem desenvolvendo numa rede de

    escolas do 1 Ciclo do Ensino Bsico, com uma perspectiva metodolgica de investigao-

    aco colaborativa. O estudo de caso deste projecto, enquanto "exemplo em aco", realizado

    com uma abordagem etnogrfica, permitiu, na procura de uma melhor compreenso

    interpretativa dofenmeno da mudana nas escolas, realar a sua natureza complexa,

    dinmica, multidimensional e ecolgica, em que se cruzam uma multiplicidade de factores de

    ordem poltica e social, institucional e cultural, curricular, pedaggica, profissional e pessoal.

    Este estudo veio, assim, questionar as relaes problemticas e complexas entre

    reforma e inovao, tornando claro que a mudana possvel sempre que se construam

    determinadas condies nas escolas, que permitam uma prtica mais reflexiva, colaborativa e

    investigativa, numa escola mais autnoma, aberta e participada, capaz de promover a

    aprendizagem e o desenvolvimentode todos os actores, nomeadamente alunos e professores.

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    ABSTRACT

    In this work we carried out a qualitative study according to a critical/interpretativeepistemological approach on the processes of curriculum innovation in the Portuguese

    primary school context, being these processes interrelated with teacher development and with

    the improvement of school as organisation.

    This holisticconception of innovation is supported by a theoretical framework which

    connects knowledge from different domains of Educational Sciences, such as Teacher

    Training theory, Curriculum theory, School Organisation and Educational Methodology. For

    that purpose a comprehensive innovation model was designed. This model establishes a

    relationship between professional development, curriculum development, organisationaldevelopmentandpupils' learning, in order to promote an educational change.

    When we questioned about conditions and processes through which innovation and

    development can result into educational change in the ecological, cultural and political school

    contexts, we decided to choose as object of this empirical study an experience on curriculum

    innovationthe PROCUR Project. This project has been developed in a network of primary

    schools, under a methodological perspective of collaborative action-research. The case study

    of this project, as an "example in action" following an ethnographic approach, allowed us, in

    search of a better interpretativeunderstanding of the phenomenon of change in schools, to

    emphasize its complex, dynamic, multidimensional and ecological nature, in which a

    multiplicity of factors interchange. This factors are political and social, institutional and

    cultural, curricular, pedagogical, professional and personal.

    This study questions, therefore, the problematic and complex relationship between

    reform and innovation, making clear that the change is always possible whenever there are

    schools with certain conditions. These conditions will make possible a more reflexive,

    collaborativeand investigativepractice, in a more autonomous, committed and open school,

    which will able to promote the learningand the developmentof all participants, namely pupils

    and teachers.

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    "No conheo melhor declarao sobre a natureza da prudncia

    prtica que a orao de S. Francisco quando pede a Deus pacincia para

    aceitar as coisas que no pode mudar, o valor para modificar o que est

    em condies de ser mudado e a sabedoria para conhecer a diferena"

    J. Elliott (1993:71)

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    DEDICATRIA

    Ao meu pai, que no teve a oportunidade de me acompanhar e ver

    terminado este trabalho, mas cuja memria me alentou nos momentos difceis de

    fragilidade e desnimo.

    Ao Paulo, que de to perto seguiu e viveu o prazer e a dor da construo

    deste trabalho, suportando minhas ausncias, solidarizando-se com os meus

    desesperos, questionando as minhas desistncias e celebrando o aparecimento de

    cada nova pgina.

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    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho resultado da experincia reflectida de longos anos dedicados

    formao de professores e ao estudo da educao escolar. Por isso, tributrio de muitasinfluncias e contribuies que fui recebendo atravs da interaco e do dilogo com uma

    multiplicidade de formandos e colegas da universidade. De uma forma particular, quero

    sobrelevar o meu agradecimento a algumas pessoas que, com a sua disponibilidade, abertura e

    sabedoria, se colocaram como interlocutores privilegiados, incentivando-me na construo

    deste trabalho.

    Agradeo em primeiro lugar aos meus orientadores e amigos, Albano Estrela, pela sua

    confiana, apoio e validao, e Lurdes Montero Mesa, com quem mantive um dilogo

    profcuo e estimulante, que muito ajudou no crescimento e no pr o ponto final nesta longadissertao.

    Um reconhecimento muito especial s equipas de professoras e professores do

    PROCUR, com quem partilhei durante estes anos saberes, poderes, anseios e vontades, que

    permitiram que um sonho acalentado durante longo tempo se tornasse realidade. Bem hajam

    pela sua persistncia, procura e sentido de profissionalidade, que nos ajudou a percorrer as

    encruzilhadas e veredas da mudana. No poderia deixar de lembrar as crianas, alunos e

    alunas das escolas do projecto, sem os quais este trabalho careceria de sentido.

    Aos meus colegas da equipa de coordenao, investigao e acompanhamento do

    PROCUR: Luisa M Cruz, Olvia Santos Silva, Graa Loureno, Isabel Portela, M Flr Dias,

    M Jos Magalhes, Constana Figueiredo e lvaro Carneiro, a minha particular gratido.

    Raramente se tem o privilgio de juntar uma equipa de provenincias to diversas, em que a

    discusso intelectual e a amizade se conjuguem to harmoniosamente. Pelo seu saber, o seu

    questionamento, o seu estmulo e a sua disponibilidade, o meu obrigado. Em especial,

    Olvia e Graa que, com as suas correces e teis sugestes, me ajudaram a percorrer os

    caminhos rduos da lngua portuguesa.

    Agradeo ainda aos meus familiares, colegas do Instituto de Estudos da Criana,

    amigos e amigas que com a sua solicitude e apoio moral me incentivaram para, finalmente,

    levar a termo este trabalho.

    Uma lembrana inusitada para o meu computador, fiel companheiro e registador

    fidedigno, sempre pontual e verdadeiro, por vezes irritante com os seus cdigos hermticos,

    mas sempre paciente e compreensivo perante a relao amor-dio que com ele mantive ao

    longo deste trabalho.

    Finalmente, o meu reconhecimento Ana Paula Barros que, com a inteligncia e

    profissionalismo que a caracterizam, soube dar forma final a este trabalho.

    Braga, Vero de 1998

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    NDICE - Vol. I

    Siglas utilizadas ............................................................................................. 14

    ABERTURA ................................................................................................ 15CAPTULO IPROFISSIONALIZAO DOCENTE, CULTURA OCUPACIONAL E FORMAODE PROFESSORES .......................................................................................... 30

    1. Apresentao do problema ........................................................................ 31

    2. O ensino como actividade profissional ..................................................... 322.1. Critrios de profissionalizao e profisso docente ............................... 332.2. Determinaes sociais e contextuais da prtica docente ........................ 402.3. Perspectiva histrica da profisso .......................................................... 412.4. Caractersticas actuais da profisso ........................................................ 442.4.1. Burocratizao do trabalho, autonomia limitada e desqualificao

    profissional ......................................................................................... 442.4.2. Proletarizao e intensificao ............................................................ 482.4.3. Isolamento e individualismo ............................................................... 502.4.4. Feminizao ........................................................................................ 542.4.5. Uma profisso com riscos psicolgicos .............................................. 562.4.6. Heterogeneidade docente .................................................................... 58

    3. Cultura ocupacional, socializao pofissional e construo da identidade 60

    3.1. Cultura docente ...................................................................................... 603.1.1. Cultura colaborativa ............................................................................ 653.1.1. Colegialidade forada ......................................................................... 673.2. Socializao profissional ....................................................................... 70

    4. Deontologia profissional. Valores e normas da profisso ......................... 74

    5. Reflexo final ............................................................................................ 76

    Referncias Bibliogrficas 81

    CAPTULO IIRELAES TEORIA-PRTICA NA EDUCAO E CONSTRUO DOCONHECIMENTO PROFISSIONAL .................................................................... 89

    1. Apresentao do problema 90

    2. Natureza da actividade educativa no mbito das actividades humanas esociais 94

    2.1. A educao enquanto actividade "prtica" 952.2. A educao enquanto actividade "terica" 99

    3. Perspectivas epistemolgicas acerca do conhecimento profissional ........ 105

    4. Papel das disciplinas e do conhecimento base 111

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    5. O papel da investigao educativa 115

    6. Aprendizagem do ensino e construo do conhecimento profissional ..... 120

    6.1. Linhas iniciais de investigao sobre "aprender a ensinar" .................. 1216.1.1. Aquisio de competncias 1216.1.2. Processo-produto 1226.1.3. Desenvolvimento de ideologia e atitudes 1226.1.4. Desenvolvimento de perspectivas profissionais ................................. 1266.2. Linhas recentes de investigao sobre a construo do conhecimento

    profissional 1296.2.1. Processamento da informao e tomada de decises ......................... 1296.2.2. Conhecimento prtico 1326.2.3. Conhecimento pedaggico do contedo 1356.3. Tipologia e formas do conhecimento do professor 138

    7. Reflexo Final 143

    Referncias Bibliogrficas ............................................................................ 147

    CAPTULO IIIFORMAO AO LONGO DA VIDA E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL 159

    1. Apresentao do problema ........................................................................ 160

    2. A escola e os professores numa sociedade ps-moderna .......................... 1612.1. Obstculos para o desenvolvimento profissional permanente ............... 1662.1.1. Obstculos epistemolgicos ................................................................ 1662.1.2. Obstculos estruturais ......................................................................... 168

    3. Formao ao longo da vida e desenvolvimento profissional .................... 170

    4. Perspectivas sobre o desenvolvimento profissional .................................. 1734.1. Desenvolvimento profissional baseado na aquisio de

    conhecimentos, competncias eskills ................................................... 1744.2. Desenvolvimento profissional como autoconhecimento e

    desenvolvimento pessoal ...................................................................... 1794.2.1. A aprendizagem adulta ........................................................................ 1804.2.2. Etapas do desenvolvimento psicolgico ............................................. 1834.2.3. Os ciclos de vida e etapas da carreira ................................................. 1864.2.4. Implicaes para a formao ............................................................... 1914.3. Desenvolvimento profissional centrado no contexto ecolgico ............ 1944.3.1. Desenvolvimento profissional, inovao educativa e mudanaescolar

    195

    4.3.2. Aprendizagem organizacional ............................................................. 198a) Condies contextuais para o desenvolvimento profissional ......... 200

    b) A cultura escolar como foco para o desenvolvimento: acolaborao .................................................................................... 200

    4.3.3. Princpios orientadores da mudana centrada no contexto escolar ..... 2034.4. Perspectiva integradora de desenvolvimento profissional ..................... 205

    5. Currculo de formao para o desenvolvimento profissional ................... 208

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    5.1. Princpios orientadores dum currculo de formao .............................. 2095.2. Factores determinantes da formao ...................................................... 2105.3. Modelos organizacionais e modalidades de formao ........................... 2115.4. Metodologias e estratgias de desenvolvimento profissional ................ 213

    5.4.1. Estratgias reflexivas .......................................................................... 214 Os dirios ........................................................................................... 214 A anlise de autobiografias ............................................................... 216 A redaco e estudo de casos e histrias ........................................... 217 A superviso como estratgia para o desenvolvimento profissional . 219 O apoio profissional mtuo no desenvolvimento profissional .......... 227

    6. Avaliao de professores e desenvolvimento profissional ....................... 231

    7. A planificao, desenvolvimento e avaliao dos processos dedesenvolvimento profissional em Portugal .............................................. 234

    7.1. Abordagem histrica da formao contnua de professores emPortugal na perspectiva deLife-long learning ...................................... 2357.2. A Reforma educativa e as novas concepes de formao contnua ..... 237

    8. Reflexo Final ........................................................................................... 243

    Referncias Bibliogrficas ................................................................... 246

    CAPTULO IVINOVAO CURRICULAR, DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL EMELHORIA DA ESCOLA: ABORDAGENS E PROCESSOS 258

    1. Apresentao do problema ........................................................................ 259

    2. A inovao como contexto para a mudana educativa ............................. 2642.1. Conceito de inovao ............................................................................. 2642.2. Caractersticas e dimenses da inovao ............................................... 2652.3. Princpios dos processos de mudana .................................................... 270

    3. Perspectivas tericas sobre a inovao ..................................................... 2713.1. Abordagem cientfico-tcnica ................................................................ 2733.2. Abordagem cultural ................................................................................ 2763.2.1. A inovao centrada na implementao .............................................. 2773.2.2. A perspectiva institucional .................................................................. 2783.2.3. A perspectiva pessoal ......................................................................... 2793.3. Abordagem socio-poltica ...................................................................... 281

    4. A escola como unidade bsica de mudana .............................................. 2844.1. A autonomia da escola como cenrio para o desenvolvimento

    organizacional e profissional ................................................................ 2844.2. A aprendizagem organizacional ............................................................. 2864.2.1. Pressupostos ....................................................................................... 2884.2.2. Caractersticas dos planos de desenvolvimento da escola .................. 2894.2.3. A Reviso Baseada na Escola ou autoavaliao institucional ............ 2904.2.4. Projecto Educativo e melhoria da escola ............................................ 2924.3. Fases e metodologias nos processos de desenvolvimento da escola ..... 2934.4. As relaes com a comunidade: a escola em parceria ........................... 296

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    4.5. Factores e condies que influenciam a melhoria da escola e odesenvolvimento profissional ............................................................... 304

    5. Nveis e modalidades de inovao ............................................................ 312

    6. O ciclo dos processos de inovao: fases e condicionantes ...................... 313

    7. Os obstculos a inovao .......................................................................... 320

    8. O professor enquanto agente de inovao ................................................. 322

    9. O assessoramento nos processos de mudana ........................................... 3269.1. Os coordenadores internos ..................................................................... 3269.2. Os assessores externos ........................................................................... 328

    10. A avaliao da inovao ......................................................................... 33310.1. Conceito e perspectivas ........................................................................ 33510.2. Para que avaliar .................................................................................... 33610.3. O que avaliar ........................................................................................ 33810.4. Como avaliar ........................................................................................ 340

    11. Reflexo Final. Para um modelo integrado da inovao educativa ........ 344

    Referncias Bibliogrficas ............................................................................ 347

    CAPTULO VO PROJECTO CURRICULAR INTEGRADO COMO INSTRUMENTO PARA A

    INOVAO EDUCATIVA E PARA O DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL 358

    1. O problema ................................................................................................ 359

    2. O currculo como construo histrica e social ........................................ 3632.1. Currculo, conhecimento e escolarizao ............................................... 3642.2. Contextos de configurao do currculo ................................................ 3722.3. O currculo como processo e como praxis ............................................. 376

    3. procura de um novo paradigma curricular ............................................ 389

    4. O currculo como projecto cultural e formativo integrado ....................... 3984.1. O currculo como projecto aberto e flexvel .......................................... 3994.1.1. O designcurricular .............................................................................. 3994.1.2. Nveis de contruo do projecto curricular ......................................... 4014.2. O currculo como projecto integrado ..................................................... 4054.2.1. Limitaes do currculo disciplinar ..................................................... 4064.2.2. Justificao do currculo integrado ..................................................... 4094.2.3. Globalizao e interdisciplinaridade ................................................... 4154.2.4. Dimenses da integrao curricular .................................................... 416

    a) Articulao horizontal .................................................................... 417b) Articulao vertical ........................................................................ 419

    c) Equilbrio ........................................................................................ 421d) Articulao lateral .......................................................................... 423e) Integrao da diversidade ............................................................... 425

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    4.2.5. Para um modelo de integrao curricular ........................................... 427

    5. A abordagem de Projecto Curricular Integrado como uma proposta deinovao das prticas na escola bsica ..................................................... 429

    5.1. Pressupostos tericos ............................................................................. 4295.2. Caractersticas do Projecto Curricular Integrado ................................... 4335.3. Modelo para a construo do Projecto Curricular Integrado:

    componentes e relaes ......................................................................... 4345.4. As "actividades integradoras" como concretizao didctica do

    Projecto Curricular ................................................................................ 4375.5. A metodologia de investigao de problemas no Projecto Curricular ... 4405.5.1. Potencialidades da metodologia investigativa e reflexiva .................. 4405.5.2. O processo de construo do conhecimento na investigao de

    problemas ........................................................................................... 4445.5.3. Fases da metodologia de investigao de problemas .......................... 444

    5.6. O registo das Actividades Integradoras ................................................. 448

    6. Reflexo Final ......................................................................................... 450

    Referncias Bibliogrficas ............................................................................ 452

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    NDICE DE QUADROS E FIGURAS

    ABERTURA

    Figura 1 Modelo de Inovao/Desenvolvimento Educativo ........................ 17

    CAPTULO I

    Quadro 1 Exemplos de ideias, valores e normas na cultura predominante de

    ensino (Grimmet & Crehan, 1992) ......................................... 63

    Quadro 2 Exemplos de ideias, valores e normas numa cultura de

    "interdependncia colegial" (Grimmet & Crehan, 1992) ................. 66

    Quadro 3 Exemplos de uma cultura tpica de "colegialidade forada"

    (Grimmet & Crehan, 1992) ............................................................. 68Quadro 4 Caractersticas da cultura colaborativa em confronto com a

    colegialidade forada (Hargreaves, 1992) ................................. 68

    Figura 1 Sistema de prticas educativas aninhadas (Gimeno, 1991) .............. 40

    CAPTULO II

    Quadro 1 Diferena entre actividades tericas e prticas (Langford, 1973) ....... 94

    Quadro 2 Tradies epistemolgicas (Adap. de Escudero, 1993) .................. 110

    Quadro 3 Diferena entre "investigao educativa" e "investigao sobreeducao" (Elliott, 1990) .................................................... 118

    Figura 1 Modelo de raciocnio e de aco pedaggicos (Shulman, 1987) ........ 137

    Figura 2 Fontes do conhecimento profissional (Porln et al, 1996) ............... 139

    Figura 3 Organizao do conhecimento dos professores (Grossman, 1987) .... 140

    CAPTULO III

    Quadro 1 Desenvolvimento da competncia na prtica educativa (Leithwood,

    1992) ........................................................................... 178Quadro 2 Domnios e estdios de desenvolvimento psicolgico (Adap. de

    Sprintall & Thies-Sprintall, 1983) .......................................... 184

    Quadro 3 Etapas no desenvolvimento da carreira ..................................... 187

    Quadro 4 Modalidades de desenvolvimento profissional em funo das

    necessidades dos professores (Loucks-Horsley et al, 1987) ............ 213

    Quadro 5 Principais diferenas entre o apoio profissional tcnico, de colegas e

    de investigao (Garmston, 1987) .......................................... 229

    Figura 1 Etapas na carreira (Huberman, 1992) ...................................... 188

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    Figura 2 Dimenses interrelacionadas do desenvolvimento do professor

    (Leithwood, 1992) ........................................................... 207

    CAPTULO IV

    Quadro 1 Trs perspectivas de inovao (House, 1988) ............................ 273

    Quadro 2 Nveis de uso da inovao (Hall & Hord, 1987) ......................... 317

    Quadro 3 Critrios para a avaliao de projectos (Castro-Almeida et al, 1992)

    ..

    337

    Quadro 4 Caractersticas da avaliao formativa e sumativa (Worthen &

    Sanders, 1988) ................................................................ 341

    Figura 1 Auto-avaliao interna da escola (Holly & Southworth, 1989) ......... 290Figura 2 Passos e questes no plano de desenvolvimento da escola (Holly &

    Southworth, 1989) ........................................................... 293

    Figura 3 Factores associados com a iniciao da inovao (Fullan, 1982) ....... 315

    Figura 4 Modelo de mudana do professor (Guskey, 1996) ....................... 316

    Figura 5 Nveis de avaliao da inovao (Marcelo, 1996) ........................ 339

    Figura 6 Vectores da inovao curricular (Alonso, 1996) .......................... 344

    CAPTULO V

    Quadro 1 Tipos de desenvolvimento do currculo (Tanner & Tanner, 1980) ..... 384Quadro 2 Desenho e sequencializao do Projecto Curricular ...................... 439

    Quadro 3 Planificao das actividades integradoras .................................. 439

    Quadro 4 Registo de planificao de uma actividade integradora ................... 449

    Quadro 5 Registo de reflexo de uma actividade integradora ....................... 449

    Figura 1 Contextos de surgimento do currculo (Lundgren, 1992) ............... 364

    Figura 2 Funes da educao escolar (Alonso, 1996) ............................. 368

    Figura 3 Contextos de reproduo social no currculo ............................. 372Figura 4 O currculo como processo (Gimeno, 1993) .............................. 376

    Figura 5 A avaliao no centro de um octgono de foras (Perrenaud, 1992)

    ...

    386

    Figura 6 Paradigma integrador de currculo (Alonso, 1995) ....................... 392

    Figura 7 Questes ou componentes do currculo (Alonso, 1996) ................. 394

    Figura 8 Nveis de designcurricular (Alonso, 1994) ......................... 403

    Figura 9 Dimenses da integrao curricular (Alonso, 1997c)..................... 428

    Figura 10 Eixos do Projecto Curricular ................................................ 432

    Figura 11 Modelo para a construo do Projecto Curricular (Alonso,1994) 435

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    Figura 12 A metodologia investigativa nas actividades integradoras (Alonso,

    1997) ........................................................................... 445

    Figura da capa: Reproduo da imagem "School of Stuart Davis". In Art School.Paintins byGeorge Deem. London. Thames and Hudson, 1993.

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    SIGLAS E ABREVIATURAS

    ATL - Actividades de Tempos Livres

    CAFOPS's - Centros de Apoio Formao de ProfessoresCAP's - Centros de Apoio Pedaggico

    CBAM - Concern Based Adoption Model

    CBTD - Classroom Based Teacher Development

    CCPFC - Conselho Cientfico Pedaggico da Formao Contnua

    CE - Comunidade Europeia

    CESE - Curso de Estudos Superiores Especializados

    CFAE's - Centros de Formao de Associao de Escolas

    CRAP's - Centros Regionais de Apoio PedaggicoDCBE - Desenvolvimento Curricular Baseado na Escola

    DFP - Documentos de Fundamentao do Projecto

    EAI - Entrevista de Avaliao Intermdia

    EAP's - Equipas de Apoio Pedaggico

    EB 2, 3 - Escola Bsica dos 2 e 3 Ciclos

    ECO - Escola Comunidade

    EEC - Entrevista Equipa de Coordenao

    EEE - Entrevista s Equipas Escolares

    FCE - Formao Centrada na Escola

    FOCO - Formao Contnua

    GEP - Gabinete de Estudos e Planeamento

    HCC - Humanities Core Curriculum

    HCP - Humanities Curriculum Project

    ICE - Instituto das Comunidades Educativas

    IDD - InvestigaoDesenvolvimentoDisseminao

    IEE - Instituto de Inovao Educacional

    LBSE - Lei de Bases do Sistema Educativo

    MACOS - Man: a Curse de Study

    NC - Notas de Campo

    NEE - Necessidades Educativas Especiais

    OCDE - Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico

    OD - Organizational Development

    P.3. - Edifcio de rea Aberta

    PC - Professor Contratado

    PEPT - Programa Educao Para TodosPROCUR - Projecto Curricular e Construo Social

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    PRODEP - Programa de Desenvolvimento Educativo em Portugal

    QAF - Questionrio de Avaliao Final

    QCCE - Questionrio sobre Condies do Contexto Escolar

    QD - Questionrio DiagnsticoQDV - Quadro Distrital de Vinculao

    QG - Quadro Geral

    QME - Questionrio de Motivos e Expectativas

    QPC - Questionrio de Perspectivas Curriculares

    QRE - Questionrio aos Resonsveis de Equipa

    RAD - Reviso, Avaliao e Desenvolvimento

    RAE - Relatrio Anual de Equipa

    RAP - Relatrio Anual do ProjectoRBE - Reviso Baseada na Escola

    RD&D - Research, Development and Diffusion

    RRA - Registo de Reunies de Acompanhamento

    RRE - Relatrio de Reflexo sobre os Encontros

    RREC - Registo de Reunies da Equipa de Coordenao

    SPCE - Sociedade Portuguesa de Cincias da Educao

    UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization

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    ABERTURA

    "Podero os investigadores educacionais, com segurana, ignorar a filosofia

    que subjaz s suas investigaes? Porque no caso de isso acontecer, no

    poderemos ser considerados educadores, mas antes meros tcnicos de

    laboratrio... Se nos limitamos a ser tcnicos, no nos poderemos permitir

    criticar os presupostos e implicaes do nosso trabalho. Isto significa

    simplesmente que ns no sabemos o que estamos a fazer".Morris (1972)

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    1. O objecto e a perspectiva de investigao

    Encontrar um problema ou famlia de problemas, ver a sua beleza e apaixonar-se por

    eles, como afirmava Karl Popper, o ponto de partida e caminho da cincia e da filosofia. Aolongo do nosso percurso profissional, como investigadora das Cincias da Educao, o

    problema da mudana educativa, intrnseco ao conceito de educao, enquanto actividade

    eminentemente prtica orientada por uma teoria capaz de lhe outorgar um sentido tico,

    levou-nos permanentemente a questionar o problema das relaes teoria-prtica, quer no

    campo da educao dos alunos, quer no da formao de professores; no sentido de elaborar

    um conhecimento capaz de dar significado nossa prtica como formadora de professores e

    como investigadora no campo do currculo.

    Neste trabalho, pretendemos realizar um estudo qualitativo, luz de uma abordagemepistemolgica interpretativo/crtica1, sobre os processos de inovao curricular na escola

    primria2 portuguesa, entendendo estes de forma interrelacionada com os processos de

    formao de professores e de melhoria da escola como organizao, na procura de uma maior

    e melhor qualidade educativa.

    Se aparentemente, num primeiro olhar, este empreendimento pode revestir-se de uma

    grande complexidade, pela diversidade da famlia de problemas que se entrecruzam no tema

    da inovao, e que se desenvolvem ampla e supomos que, tambm, profundamente, ao longo

    destas pginas, contudo esta aposta imps-se-nos como inevitvel, tendo em conta a nossa

    viso complexa, compreensiva e relacional dos fenmenos educativos e sociais. De um modo

    especial, ao enveredar pelo problema da inovao e da mudana, entendidas numa perspectiva

    cultural e scio-poltica, nas quais se releva a sua natureza multidimensional, complexa,

    dinmica e moral, em que as dimenses pessoais, culturais, organizativas e polticas requerem

    uma ateno simultnea, vimo-nos impulsionados a mostrar explicitamente estas relaes sob

    um "paradigma da complexidade" ainda que correndo o risco de tornar esta dissertao

    excessivamente densa e dilatada.

    Preocupando-nos, especialmente, pela inovao curricular que pretende melhorar a

    integrao e a relevncia da cultura e da formao oferecida pela escola, as abordagens

    curriculares provenientes do construtivismo, e dos modelos ecolgicos e scio-crticos que

    defendemos, vieram tambm reforar esta viso interactiva e no linear dos processos de

    mudana.Por outro lado, desempenhando os professores um papel central na inovao

    educativa, a problemtica do seu desenvolvimento profissional e pessoal no poderia ficar

    margem da nossa pesquisa, sobretudo porque so eles que se constituem como os nossos

    1 Tendo em conta que, ao longo do desenvolvimento deste trabalho, teremos oportunidade de explicar os

    diferentes conceitos tericos e as respectivas correntes de pensamento que sustentam esta dissertao,nesta introduo, para evitar repeties desnecessrias, limitarmo-nos-emos a apresent-los sem recorrer utilizao de referncias ou citaes.

    2 Utilizaremos indistintamente esta designao e a de Escola do 1 Ciclo do Ensino Bsico.

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    interlocutores fundamentais, no estudo dos processos de inovao. Por isso, podemos afirmar

    que este tambm, e talvez fundamentalmente, um estudo sobre a formao de professores.

    As diferentes abordagens tericas acerca do desenvolvimento profissional, especialmente

    aquelas que colocam a tnica na formao ao longo da vida e na investigao-aco,contribuem tambm para acentuar a concepo problemtica, construtiva, interactiva e

    situacional do processo de construo do conhecimento profissional que a mudana requer.

    Por tudo isto, neste trabalho, adoptamos uma posio interpretativa, crtica e holstica

    perante o fenmeno da inovao educativa, em que nos guiaremos por um modelo (Figura 1)

    que evidencia o entrelaamento entre quatro ncleos temticos que se cruzam e enriquecem na

    prtica, sem perder, por isso, a sua natureza terica prpria, enquanto campos de estudo. So

    eles: o "desenvolvimento profissional" pertencente ao mbito da Teoria da Formao de

    Professores; o "desenvolvimento curricular" que se enquadra na Teoria do Currculo; o"desenvolvimento organizacional" proveniente do campo da Organizao Escolar; e o

    "desenvolvimento do ensino-aprendizagem" enquadrado no mbito da Didctica.

    Figura 1. Modelo de inovao/desenvolvimento educativo

    Encontrando-nos nestes ltimos anos fortemente envolvidos na coordenao de um

    projecto de inovao curricular o Projecto PROCUR - Projecto Curricular e Construo

    Social , que se desenvolve atravs duma metodologia de investigao-aco colaborativa,

    INOVAOE

    MUDANAEDUCATIVAS

    DESENVOLVIMENTOPROFISSIONAL

    INVESTIGAO-ACO COLABORATIVA

    Investigao

    Reflexividade

    Colaborao Autonomia

    DESENVOLVIMENTOCURRICULAR

    PROJECTO CURRICULAR INTEGR ADO

    Abertura e

    flexibilidade Integrao curricular

    Adequao

    diversidade

    DESENVOLVIMENTOENSINO-APRENDIZAGEM

    APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA

    Construo do

    conhecimento Investigao de

    problemas Colaborao

    Reflexo

    DESENVOLVIMENTOORGANIZACIONAL

    ESCOLA COMO ORGANIZAOQUE APRENDE Colegialidade

    Participao

    Autonomia

    Liderana

    Parcerias

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    assumimos este como contexto investigativo privilegiado, pelo desafio intelectual e afectivo

    que um projecto desta natureza nos colocou em termos de objecto e processo de investigao.

    2. A origem histrica e contextual da investigao

    Iniciar este trabalho com uma reflexo sobre as suas razes histricas e contextuais

    afigura-se-nos uma obrigao intelectual e tica, de forma a clarificar perante o leitor e

    perante ns prprios, as razes e motivaes pessoais, polticas, intelectuais e morais que nos

    levaram escolha deste tema como objecto de reflexo, problematizao e indagao.

    Ao longo da nossa j significativa experincia como formadora de professores em

    diferentes nveis e contextos de formao, manteve-se desde o incio, como uma preocupao

    constante e central, o problema das relaes teoria-prtica, no sentido de encontrar, tanto no

    plano epistemolgico como metodolgico, os modelos e processos mais adequados para uma

    formao que permitisse aos professores assumirem uma atitude de profissionais reflexivos

    capazes de transformar (inovar) as prticas educativas nas escolas. A constatao da separao

    radical entre o discurso e as prticas de formao, predominantes nas instituies formadoras

    e o discurso e as prticas educativas imperantes nas escolas e na profisso, prpria da

    racionalidade tcnica, que tantos entraves coloca s possibilidades da mudana educativa

    desejvel, foi-nos propondo desafios, tanto a nvel da orientao da investigao educacional,

    como da organizao dos processos de formao de professores, de forma a ultrapassar essaseparao.

    Assim, a questo de qual o conhecimento mais adequado a um profissional da

    educao, como se constri e re/estrutura para dar significado s suas aces, e como se

    mobiliza para orientar as decises e antecipar consequncias da prtica, um problema central

    que orientou e questionou o nosso posicionamento como formadora de professores e que

    inevitavelmente estar subjacente ao longo deste estudo. A procura de uma teoria de

    formao de professores que consiga integrar conhecimentos e contributos provenientes de

    diferentes campos , apontando princpios, metodologias e contextos organizativosadequados ao seu objecto de estudo, isto , o desenvolvimento pessoal e profissional dos

    professores, torna-se assim um dos objectivos deste trabalho.

    Por outro lado, enquanto estudiosos do campo do currculo, a nossa preocupao com o

    fracasso dos modelos tecnolgicos, em termos de mudana educacional, levou-nos a procurar

    alternativas assentes num paradigma emergente, que permita entender o currculo como um

    processo de construo social complexa em que, juntamente a outros factores de ordem

    poltica, social e organizacional, os professores desempenhem um papel fundamental de

    construtores e mediadores crticos de currculo de forma a oferecer uma educao maisintegrada e relevante s necessidades dos alunos e da comunidade.

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    A constatao do insucesso da actual reforma curricular baseada numa perspectiva

    tecnolgica da inovao (reforma-decreto) , que descurou, entre outros, o carcter

    ecolgico e cultural do contexto das escolas, a dimenso moral e poltica da mudana, a

    natureza processual e evolutiva da inovao e a idiossincrasia do conhecimento prtico dosprofessores, tentando tornar simples o que complexo e linear o que problemtico, levou-

    nos, inevitavelmente, a procurar construir uma abordagem da inovao que colocasse a tnica

    nos processos de desenvolvimento curricular,enquadrados nos contextos organizacionais e

    culturais especficos das escolas (reforma-mudana), outorgando aos professores o controlo

    sobre estes processos, que tradicionalmente lhes tinha sido retirado. Isto pressupe contemplar

    junta e interrelacionadamente os processos de desenvolvimento profissionalcom os processos

    de desenvolvimento curricularnum contexto de melhoria da escola como organizao, o que

    permitir criar as condies para uma educao de qualidade.A questo de como se pode desenvolver esta perspectiva relacional da mudana

    educativa, ligando a formao de professores com a melhoria das prticas curriculares, nos

    contextos sociais das escolas, o grande desafio que nos propusemos neste trabalho.

    Formaoe inovaoafiguram-se-nos, pois, dois conceitos e processos indissociveis, que se

    entrelaam e enriquecem mutuamente ao incidir, de forma sinergtica, no desenvolvimento

    profissional e pessoal dos professores e na melhoria qualitativa dos processos educativos dos

    alunos, ultrapassando, assim, a ruptura, prpria do positivismo, entre a teoria e a prtica, entre

    o pensamento e a aco. A escola entendida como organizao ecolgica que aprende em

    interaco com o meio, o contexto ou cenrio em que estes processos acontecem.

    Esta concepo praxeolgica e cultural da formao e da mudana pressupe uma

    alterao radical dos papis tradicionalmente atribudos a formadores e formandos, a

    investigadores e prticos, para a qual fomos encontrar na investigao-aco colaborativaum

    contributo indispensvel, j que nos oferece um quadro epistemolgico e metodolgico

    adequado para a criao de comunidades crticas de formadores e professores que,

    conjuntamente, definem problemas, investigam e reflectem a fim de tornar a interveno

    educativa mais informada, deliberada e eticamente sustentada (praxis). A separao entre a

    investigao e o ensino, entre o conhecimento e a aco, questionada e reconsiderada, ao

    assumirem os professores um papel activo na construo do conhecimento profissional e na

    clarificao das teorias implcitas nas suas prticas quotidianas. O conceito de colaborao

    entre diferentes parceiros: professores, alunos, pais, formadores, investigadores acadmicos,

    torna-se um constructo central para a mudana, que estar presente ao longo deste trabalho,

    juntamente com outros conceitos, tais como: reflexo, autonomia, investigao, participao,

    integrao curricular, etc.

    A procura e discusso das condies, dispositivos e metodologias mais adequados para

    a emergncia de processos de investigao-aco colaborativa nas escolas, ser, ento, outrodos temas recorrentes neste estudo.

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    A reflexo que, ao longo destes anos, fomos realizando com equipas de professores e de

    especialistas acerca destas interrogaes, em diferentes contextos de formao e de

    investigao, reforou a nossa convico da necessidade de apostar e investir nos processos de

    desenvolvimento curricular, entendidos simultaneamente como processos de formao,possibilitando a mediao e aproximao do currculo a cada realidade educativa com uma

    atitude investigativa, reflexiva e criativa.

    Assim, iniciamos uma experincia centrada no conceito de "Projecto Curricular

    Integrado" que, desenvolvida inicialmente em contextos acadmicos de formao inicial e

    contnua de professores, foi ganhando corpo de "metaparadigma", partilhado por um grupo

    alargado de pessoas que, inevitavelmente, derivou, em 1994, para a constituio de uma rede

    de escolas em que este "modelo" pudesse ser experimentado, desenvolvido e apropriado, de

    forma criativa, na cultura das escolas e da profisso. assim que o Projecto adquiriu umnome Projecto PROCUR , princpios e objectivos, um contedo, uma metodologia, uma

    estrutura organizativa, um contexto de desenvolvimento e recursos financeiros que lhe dessem

    suporte.

    No intuito de esbater as fronteiras entre a investigao e a aco, de forma a melhorar as

    relaes entre a teoria e a prtica, este Projecto sustenta-se numa metodologia de

    investigao-aco, assente na colaborao entre uma equipa de coordenao, investigao e

    acompanhamento, sediada no Instituto de Estudos da Criana da Universidade do Minho e as

    equipas de professores/investigadores das escolas. Desde o seu incio, o Projecto vem sendo

    apoiado e financiado pelo Programa Educao para Todos.

    2.1. O Projecto PROCUR como contexto de investigao

    Constituindo o currculo o ncleo do processo institucionalizado de educao e,

    portanto, o espao central da interveno educativa e da profissionalidade docente, a

    clarificao e compreenso, pelos professores, do projecto que o consubstancia torna-se uma

    tarefa fundamental. O entendimento do currculo como um projecto a ser construdo por

    todos os agentes educativos paraceu-nos um desafio fundamental para a mudana,possibilitando oferecer aos alunos uma educao mais integrada, significativa e adequada s

    suas necessidades.

    No entanto, a mudana do currculo no pode ser entendida como desligada, por um

    lado, das concepes inerentes ao pensamento prtico dos professores e, por outro, dos

    contextos escolares com as suas tradies e cultura prprias, pelo que a induo de qualquer

    tipo de inovao curricular deve incidir, simultaneamente, no desenvolvimento profissional

    dos professores e nas dimenses organizativas das escola. Dificilmente se conseguir um

    currculo integrado e adequado aos contextos, se no se reestruturarem as condies departicipao, articulao e autonomia, promovendo a emergncia de culturas colaborativas

    nas escolas que propiciem a criao de comunidades democrticas de vida e de aprendizagem.

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    Por outro lado, a inovao, vista luz de um prisma cultural e poltico, adverte-nos de

    que a mudana um processo prolongado e evolutivo, que precisa ser apropriada e construda

    pelas pessoas na complexidade dos contextos, no linear, coexiste com a incerteza e o

    conflito, pelo que deve ser antes organizacionalmente induzida do que forada ou imposta apartir de fora, exigindo um tipo de planificao aberta e evolutiva.

    Foram estas algumas das convices que, provenientes de abordagens construtivistas,

    ecolgicas e scio-crticas do Currculo, da Inovao e da Formao de Professores, nos

    levaram, no mbito do Projecto PROCUR, a dinamizar e apoiar nas escolas Equipas de

    Desenvolvimento Curricular, capazes de elaborar, desenvolver e avaliar "Projectos

    Curriculares Integrados" adequados s necessidades dos diferentes contextos educativos.

    Outros objectivospretendidos com este projecto consubstanciam-se nas seguintes linhas

    de inteno:- Desenvolver, nos participantes, atitudes de investigao, reflexo

    crtica e troca de experinciassobre as suas prticas educativas, de forma a melhorar

    a conscincia, a autonomia e a satisfao profissional e pessoal.

    - Possibilitar a melhoria da qualidade do Ensino Bsico (sucessoeducativo para todos)atravs da adequao e recriao do currculo e da interveno

    educativa diversidade de necessidades e capacidades dos alunos.

    - Contribuir para melhorar as condies organizativas das escolas de

    forma a possibilitar um trabalho mais participado e articulado.

    - Promover, nas escolas, uma atitude deauto-avaliao do seu nvel de

    qualidade, atravs da utilizao de metodologias e processos apropriados.

    - Trocar experincias entre as diferentes escolas da rede e outras, atravs

    da organizao de encontros, debates, exposies, etc.., de forma a promover a ideia

    de uma comunidade educativa alargada.

    - Criar um Centro de Investigao e Desenvolvimento Curricular com afuno fundamental de produzir e divulgar conhecimento e materiais curriculares

    alternativos, que possam ser consultados e utilizados pelos professores.

    luz destes princpios e objectivos que orientam o PROCUR foram desenvolvidos uma

    srie de dispositivos facilitadoresdo acontecer da inovao.

    Assim, optamos por uma organizao em redede escolas de contextos diversificados

    (grandes, pequenas, rurais, de cidade, do interior, da periferia), que permitisse a criao de um

    sentido de comunidade alargada, para alm das fronteiras de cada escola; utilizamos, para

    isso, algumas estratgias tais como: a realizao de encontros interescolas para formao,

    partilha de experincias e avaliao contnua do projecto, a edio de um boletim para troca

    de informao e divulgao dos projectos, e a criao de um centro de recursos que servetodas as escolas da rede.

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    No que respeita metodologia de inovao/formao,a abordagem utilizada tem sido a

    "investigao-aco colaborativa" em que, entendida como unidade bsica de mudana, cada

    escola foi organizada em equipas educativas,trabalhando em ciclos continuadosde anlise de

    necessidades, planificao, interveno, avaliao/reflexo, volta do desenvolvimento deProjectos Curriculares. As estratgias investigativas transformam-se simultaneamente em

    estratgias formativas, com o recurso permanente reflexo, teorizao e registo da prtica e

    das suas consequncias. Estas equipas, na escola do 1 Ciclo, so organizadas de modo a

    abranger professores e alunos de diferentes anos de escolaridade.

    Reconsideramos, tambm, o papel e tipo de apoio que os investigadores e outros

    agentes externospodem oferecer s escolas, atravs de dispositivos facilitadores, como a

    criao de uma equipa de coordenao e investigao que, para alm de investigadores, inclui

    acompanhantes que, de modo sistemtico, apoiam e incentivam as equipas educativas naelaborao dos Projectos Curriculares e na reflexo e registo das actividades, numa

    perspectiva de negociao democrtica. Este factor tem-se revelado fundamental para o

    sucesso e continuidade do projecto.

    Para alm do desenvolvimento profissional inerente ao trabalho quotidiano que a

    participao no PROCUR pressupe, disponibilizado um Programa de formao

    sistemtica que acompanha o desenrolar do projecto, tendente a formar os professores na

    teoria do Projecto Curricular Integrado, nas tcnicas da investigao-aco, nas metodologias

    investigativas, na diferenciao e tratamento da diversidade e nas metodologias especficas

    das reas curriculares, entre outras. Assim, no processo de formao dos professores podemos

    encontrar quatro nveis que vo de uma formao mais informal quela mais formal:

    autoformao, formao em equipa, formao com os acompanhantes e formao interescolas

    em encontros, seminrios e cursos.

    Existe tambm um sistema de coordenao do projectorealizado por uma equipa com

    carcter interdisciplinar, sediada no Instituto de Estudos da Criana, da qual fazem parte

    investigadores da universidade e professores do ensino bsico, e por um sistema de

    coordenao interna dentro de cada escola e equipa, conforme as caractersticas diferenciadas

    de cada uma. Os acompanhantes funcionam como elo de ligao entre a equipa coordenadora

    central e a coordenao das escolas.

    Os aspectos organizativos, relacionados com o tempo e espaos para reunir, a

    continuidade do corpo docente, a coordenao e a disponibilizao de recursos, o apoio da

    direco das escolas, receberam uma grande ateno desde o incio do projecto.

    Sendo o PROCUR um projecto de inovao aberto e progressivo, a atitude investigativa

    e avaliativatem acompanhado o desenrolar do mesmo, ainda que com olhares diferenciados

    por parte dos diferentes intervenientes. Existe uma equipa de investigao-participante que,

    gozando de uma relativa distncia do terreno, tem ido permanentemente recolhendo dados(entrevistas, questionrios, notas de campo, dirios, relatrios, gravaes...), analisando-os e

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    devolvendo-os s escolas, no sentido de oferecer um feedbacksistemtico sobre o desenrolar

    do projecto. Por outro lado, as equipas de professores realizam um tipo de investigao

    directamente relacionada com o levantamento das necessidades e problemas, com a

    planificao e a prtica curricular e com o registo reflexivo da mesma, o que se tem traduzidonuma diversidade de registos do conhecimento produzido pelos professores, tais como:

    dossiers de Projecto Curricular, registos em audio, fotografia e vdeo, dirios, actas de reunio

    de equipa, relatrios finais do projecto, comunicaes a encontros e seminrios, jornais, etc.

    A existncia desta riqueza e diversidade de registos da prtica, realizados ao longo da

    histria de vida do projecto, com uma intencionalidade reflexiva, caractersticos do processo

    de investigao-aco que orienta e informa a mudana, permitiu-nos dispor de um manancial

    de dados que serviram de base para o estudo de caso do Projecto PROCUR que, com uma

    abordagem qualitativo-etnogrfica, integrar a segunda parte deste trabalho. No relatriodesse estudo daremos conta dos percursos da mudana que se verificaram ao longo dos trs

    primeiros anos do seu desenvolvimento, numa rede de sete escolas do 1 Ciclo do Ensino

    Bsico, o que nos permitir encontrar algumas respostas a questes que inicialmente tnhamos

    colocado: como passar do nvel da reforma para o nvel da produo de inovaes nas

    escolas? Como mudam os professores e as escolas e quais os contextos, condies e

    dispositivos mais favorveis para que isso acontea? como podem as escolas, e os professores

    e alunos em relao com outros parceiros sociais, participar e influenciar na direco das

    mudanas educativas?

    3. Os problemas/questes de investigao

    Esta clarificao do quadro histrico, terico e contextual que ir determinar e

    condicionar esta dissertao, permite-nos levantar uma srie de questes ou problemas, que

    delimitaro e orientaro o nosso percurso investigativo e para as quais, ao longo do trabalho,

    procuraremos obter as respostas possveis. Estas questes gerais sero posteriormente

    especificadas e concretizadas de forma mais pormenorizada, no captulo que dedicaremos aoestudo de caso do Projecto PROCUR.

    Que quadros epistemolgicos so os mais adequados para

    conceptualizar a formao de professores, num contexto de inovao da escola na

    sociedade ps-moderna, caracterizada pela complexidade, mudana permanente e

    formao ao longo da vida?

    Como entender as relaes teoria-prtica nos processos de formao e

    desenvolvimento profissional dos professores e de melhoria da escola?

    Como se interligam os processos de desenvolvimento curricular,desenvolvimento profissional e desenvolvimento organizacional, na produo de

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    inovaes educativas nas escolas, e quais os contextos e metodologias mais

    adequados para esta ligao?

    Quais as possibilidades e constrangimentos para a produo da

    inovao curricular e do desenvolvimento profissional, no contexto organizacional ecurricular da escola primria portuguesa?

    Como, em que medida, e em que condies, os professores participantes

    no Projecto PROCUR se apropriaram, ao longo do seu desenvolvimento, da

    inovao/formao no contexto escolar?

    Quais as mudanas mais significativas produzidas nas pessoas e nos

    contextos de desenvolvimento do projecto PROCUR?

    4. A aproximao metodolgica

    A natureza problemtica e complexa destas questes prope necessariamente uma

    abordagem qualitativa de investigao, com um tipo de posicionamento interpretativo-

    crtico3, que nos permita dar conta da riqueza, singularidade, dinamicidade e abrangncia do

    nosso foco de estudo: os processos de inovao/formao em contextos escolares, entendidos

    como processos de criao e produo de significados sobre a aco, num cenrio

    intersubjectivo de mltiplas interaces entre os indivduos e o contexto social e cultural que

    os rodeia, e que coloca constrangimentos e possibilidades natureza da sua interveno.Num enfoque progressivo e aberto, intrnseco ao prprio processo de inovao,

    interessou-nos fundamentalmente descrever, compreender, iluminar, gerar hipteses acerca

    das razes, intenes, significados e afectos que os participantes iam elaborando, para dar um

    sentido mudana. Para isso, foi preciso colocarmo-nos numa posio de "ouvintes activos",

    atravs da utilizao de uma multiplicidade de vias de acesso ao pensamento dos diversos

    actores, de forma a dar-lhes "voz", numa interaco dialgica com a nossa prpria voz,

    enquanto investigadora-participante, que permitisse ir gerando teoria "substantiva", a partir da

    interpretao dos dados, num jogo cclico entre a induo e a deduo.Pretendemos ento neste trabalho, luz destes pressupostos epistemo-metodolgicos,

    realizar um estudo de caso do Projecto PROCUR, considerado como unidade holstica de

    anlise, contemplando o seu desenvolvimento num espao temporal de trs anos. Sendo este

    um projecto de investigao-aco colaborativa, no qual estivemos imersos activamente como

    facilitadores da investigao e da aco reflexiva, adoptamos, para a realizao deste estudo,

    3 No captulo II, discutiremos amplamente o papel da investigao educativa e os diferentes paradigmasque a sustentam, com uma especial relevncia para a investigao qualitativa e o movimento da

    investigao-aco de que este trabalho se diz tributrio. No captulo VI, desenvolveremos de formapormenorizada o processo de investigao seguido no estudo de caso do Projecto PROCUR. Por essarazo, limitamo-nos aqui apresentao sucinta das linhas gerais que presidiram s opes e caminhos dainvestigao.

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    uma orientao naturalista-etnogrfica,a fim de apreender a vida e os sentidos do projecto,

    tal qual ele se foi quotidianamente desenvolvendo, nos seus diferentes contextos de aco.

    Este desvelamento interpretativo, feito atravs da anlise dos dados que o prprio

    processo de investigao-aco foi gerando, permitiu, a diferentes nveis, um enriquecimentoe reconstruo do conhecimento sobre o campo da formao e da mudana, no sentido de

    informar a tomada de decises. Relembramos que, na investigao-aco, a produo de

    conhecimento adquire sentido, na medida em que possibilita melhorar a racionalidade e a

    justia das prticas atravs da sua compreenso e desocultao.

    Esta opo por uma orientao etnogrfica, em que assumimos uma postura de

    observao-participante, que nos permitisse ter acesso aos dados e acontecimentos

    significativos do projecto, enquanto coordenadora do mesmo e portanto com poder de deciso

    sobre o seu desenvolvimento, tornou-se relativamente fcil, colocando-nos, antes, anecessidade de adoptar uma constante atitude de proximidade e de distanciao que nos

    permitisse manter, simultaneamente, uma conscincia crtica e reflexiva acerca do mesmo.

    Utilizamos, ento, um processo de "reflexo constante", num jogo entre a "reflexo na aco",

    realizada na recolha dos dados gerados na prpria prtica, e a "reflexo sobre a aco",

    incidindo sobre esses mesmos dados.

    Os dados, prioritariamente qualitativos, foram recolhidos atravs de um processo de

    investigao-aco, com uma aproximao multimtodos, multipessoas, multisituaes e

    multivariveis, servindo-nos, para isso, de uma variedade de tcnicas e procedimentos de

    investigao: questionrios, entrevistas, relatrios, gravaes, dirios, depoimentos, jornais,

    registos de observao, notas de campo. A contrastao e "comparao constante" entre os

    dados da realidade e a teoria foi um mtodo que utilizmos, pondo prova as hipteses que

    iam surgindo, com a observao da realidade.

    Por outro lado, o clima de colaborao e participao democrtica no processo de

    investigao-aco que este projecto propiciou, atravs da negociao de perpectivas e

    significados entre os participantes, foi um factor decisivo para conseguir levar a termo este

    estudo.

    Na apresentao do relatrio de investigao em que pretendemos recriar de forma

    vivida, os fenmenos estudados, utilizaremos um estilo que nos permita conjugar

    criativamente a narrao dos acontecimentos com a conceptualizao terica dos mesmos,

    recorrendo permanentemente exemplificao, atravs do discurso directo dos actores.

    Pretendemos assim, apresentar uma experincia substitutiva, que permita mostrar a

    perspectiva dos participantes no projecto PROCUR; contemplar o conjunto dos dados, de

    forma a dar uma viso ampla e abrangente da realidade a ser apresentada; e considerar a nossa

    perspectiva terica e pessoala partir da qual se realizou o trabalho, bem como a congruncia

    do seu desenvolvimento, a partir da dita perspectiva.

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    5. Os objectivos do estudo

    luz do contexto terico e metodolgico que orienta este trabalho, os objectivos quepretendemos conseguir atravs da reflexo e da pesquisa que realizaremos, so os seguintes:

    Elaborar um modelo terico para o estudo da inovao educativa,

    interrelacionando o desenvolvimento profissional com o desenvolvimento curricular

    e a melhoria da escola como organizao;

    analisar os pressupostos e desenvolvimento de um projecto de inovao

    curricular, desenvolvido com uma perspectiva de investigao-aco colaborativa, a

    fim de compreender as condies, os processos e constrangimentos mediante os quais

    se produz a mudana educativa nas escolas; compreender as potencialidades e limitaes da abordagem de Projecto

    Curricular Integrado, para a melhoria da qualidade da educao;

    retirar implicaes para a organizao dos processos de formao de

    professores, ligados aos processos de melhoria da escola;

    reflectir sobre os modelos e processos de formao e desenvolvimento

    profissional dos professores, em confronto com as prticas predominantes, com vista

    a apresentar alternativas para a sua reconstruo.

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    6. Organizao do trabalho

    Como j afirmmos acima, este trabalho pretende constituir um contributo para o estudo

    dos processos de inovao curricular e educativa na escola primria, vistos numa perspectivade interrelao intrnseca com os processos de formao e desenvolvimento profissional dos

    professores. Desempenhando estes profissionais um papel central na mudana da escola, o

    estudo da inovao curricular no dispensa o estudo da formao de professores e esta, por

    sua vez, no poder deixar de decorrer em paralelo com o estudo das dimenses culturais e

    institucionais da formao, provenientes do campo da escola como organizao. no

    cruzamento de todas estas variveis que se pode pensar numa escola mais autnoma,

    democrtica e aberta, que oferea condies para uma formao integrada, significativa e

    crtica dos alunos, enquanto pessoas e cidados.

    Assim, o trabalho agora apresentado est organizado em seis captulos sendo cada um

    deles sequencial do anterior, numa espcie de crescendoque desemboca no ltimo, em que se

    retomam de novo todos os temas anteriormente tratados, integrando-os no estudo de caso do

    Projecto PROCUR.

    Cada um dos primeiros cinco captulos, em que se pretende discutir o quadro terico

    que sustentou e emergiu do processo investigativo, apresenta uma estrutura semelhante,

    iniciando-se com o levantamento de problemas ou questes pertinentes que do origem

    discusso que se segue, recorrendo teoria que consideramos relevante, e finalizando-se com

    uma reflexo em que tentamos apresentar os nossos pontos de vista, interrogaes,perspectivas e orientaes acerca do(s) problema(s) levantado(s). Assim, com esta

    aproximao reflexiva e crtica, pretendemos ser coerentes entre a perspectiva epistemolgica

    interpretativo/crtica que defendemos e a abordagem metodolgica utilizada, atravs da

    contrastao permanente entre a teoria e a prtica.

    As notas de p de pgina, os quadros e as figuras foram numerados de forma autnoma

    em cada captulo. Do mesmo modo, por razes metodolgicas, optamos por colocar a

    bibliografia no final de cada um dos captulos. Pretende-se, com isto, facilitar a sua consulta,

    permitindo uma leitura relativamente independente de cada um deles que, alis, foramconstrudos de forma a constiturem unidades de sentido que, se por um lado, permitem uma

    leitura autnoma, por outro, se interligam entre eles, permitindo uma viso global e unitria

    da dissertao.

    Os anexos so apresentados no final do volume II, incluindo-se neles documentos que

    consideramos relevantes para a compreenso da metodologia utilizada no estudo de caso do

    Projecto PROCUR.

    Nos trs primeiros captulos tratamos a problemtica das relaes teoria-prtica em

    educao e a sua incidncia na formao de professores e na mudana educativa. A maneirapraxeolgica de entender estas relaes afecta essencialmente a forma como concebemos a

    profissionalidade docente, numa perspectiva de (re)construo reflexiva ao longo da vida, o

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    que ter implicaes transcendentais para o modo de pensar e organizar os processos de

    formao de professores e de mudana da escola.

    O Captulo I aborda o tema da profisso docente e das determinaes sociais,

    contextuais e polticas que condicionam e possibilitam a construo da profissionalidade,detendo-nos especialmente no tema da cultura escolar, enquanto contexto de socializao e de

    definio da identidade profissional. A necessidade de repensar as tradies e as condies

    que permitam que os professores assumam todo o seu potencial como intelectuais e como

    profissionais autnomos e reflexivos, uma das questes a levantadas.

    No Captulo II, comea-se por abordar a natureza terico-prtica da actividade

    educativa e as suas relaes praxeolgicas, para passar a analisar a natureza e processos de

    construo do conhecimento profissional. Em resultado desta anlise, prope-se como uma

    finalidade fundamental da formao de professores a emergncia de um conhecimentoprofissional, orientador de uma actuao reflexiva, norteada por uma procura tica.

    "Formao ao longo da vida e desenvolvimento profissional" o ttulo do CaptuloIII

    onde se apresentam as diferentes perspectivas actuais sobre o desenvolvimento profissional,

    defendendo uma perspectiva integradora, em que os professores so vistos como construtores

    e desenhadores activos do seu processo de formao permanente, que contemple, tanto as

    dimenses pessoais, como as dimenses contextuais e culturais especficas das escolas.

    Nos dois captulos seguintes aborda-se fundamentalmente o tema da inovao curricular

    num contexto de mudana/formao centrada na escola, entendendo a formao de

    professores como um processo que deve estar intimamente ligado ao desenvolvimento

    curricular e ao desenvolvimento organizacional.

    Assim, o Captulo IV desenvolve o tema da inovao e mudana educativas, as

    diferentes abordagens e modalidades, o ciclo dos processos de inovao, o assessoramento

    nos processos de mudana e a sua avaliao. Este tema tratado conjuntamente com o da

    escola como unidade bsica de mudana, em que conceitos como desenvolvimento

    organizacional, aprendizagem organizacional ou melhoria da escola, so necessrios para o

    entendimento da inovao e do desenvolvimento profissional. Retira-se deste captulo a

    necessidade de trabalhar com uma viso relacional e compreensiva da inovao, que nos

    permita contemplar a diversidade de dimenses de tipo pessoal, institucional, cultural, poltica

    e profissional que a configuram, assim como a diversidade de factores que influenciam e

    determinam o acontecer da mudana nas escolas.

    No Captulo V, aborda-se, de uma forma mais precisa, o tema da inovao curricular em

    que, a partir da apresentao de um paradigma integrador de currculo, se prope um modelo

    denominado "Projecto Curricular Integrado", que serve como instrumento articulador e

    impulsionador da mudana das prticas de ensino-aprendizagem exigindo de professores e

    alunos atitudes de pesquisa, de reflexo e colaborao em torno de uma metodologia deinvestigao de problemas, numa perspectiva de currculo negociado e construdo. De novo, o

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    desenvolvimento curricular entrelaa-se com o desenvolvimento profissional, possibilitando

    aos alunos a construo do conhecimento escolar, em conjugao com a construo do

    conhecimento profissional.

    A discusso e reflexo sobre estas problemticas exemplificada no ltimo captulo Captulo VI , atravs da anlise interpretativa, com uma aproximao

    qualitativo/etnogrfica, de um Projecto de Inovao Curricular o Projecto PROCUR,

    considerado em si mesmo como um caso. A compreenso dos processos atravs dos quais os

    participantes no projecto se foram apropriando da mudana, o objectivo fundamental deste

    estudo. O relatrio etnogrfico e reflexivo deste Projecto de investigao-aco,

    correspondente a trs anos da sua histria de vida, configura, assim, um "exemplo em aco",

    integrador da perspectiva terico/prtica que pretendemos transmitir ao longo deste trabalho,

    numa espcie de sinfonia final em que cada instrumento se conjuga harmoniosamente com osoutros, para oferecer uma melodia nica e singular.

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    CAPTULO I

    PROFISSIONALIZAO DOCENTE, CULTURA OCUPACIONAL E

    FORMAO DE PROFESSORES

    "O que vale a Escola, vale a Nao.Para sepoder preciso querer

    e para se querer necessriosaber.

    Sem o indispensvel saber, nada queremos, nada podemos"

    Adolfo Lima, (1914:102)

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    1. Apresentao do problema

    A vinculao entre a formao de professores e a profissionalizao, ainda que

    aparentemente possa parecer-nos bvia, no deixa de ser uma relao complexa e

    problemtica. A profissionalizao no depende em exclusivo da formao de professores,

    ainda que esta seja uma condio necessria sendo, por isso, preciso, na sua

    conceptualizao, recorrer a outros factores interrelacionados, de tipo poltico, social,

    contextual, laboral e at pessoal. A profissionalizao aparece sempre como um referente

    indiscutvel nos discursos sobre formao de professores inicial ou contnua,

    entendendo por formao "o conjunto de medidas diversas que tm como meta o contnuo

    desenvolvimento pessoal e profissional de todos os professores e que se organiza em etapasdiferenciadas e interrelacionadas" (Montero, 1996:67). Se, seguindo a mesma autora,

    definimos a profissionalizao como a aco e o processo de converter algum em

    profissional, uma aco e um processo que no se reduz ao marco estrito de um perodo

    formativo determinado, ento sobressai o sentido dinmico da profissionalizao como um

    processo permanenteao longo da vidade desenvolvimento profissional.

    Mas tendo em conta que a considerao do ensino como profisso e dos professores

    como profissionais tem sido e continua a ser objecto de controvrsia, isto introduz um

    factor de confuso no entendimento da profissionalizao e portanto da formao a elaconducente. A isto preciso juntar a dificuldade de definir outros termos afins no campo

    semntico da profisso, como profissionalismo e profissionalidade, os quais revestem

    significados diferenciados em funo dos utilizadores e dos interesses e objectivos que os

    orientam. Como afirma Montero (1996:68):

    "Abordar a problemtica da profissionalizao e das suas relaes com a formao aponta a

    necessidade de integrar os significados idiossincrticos, fragmentados, insuficientemente

    explicitados e que funcionam como pressupostos bsicos nas aces de formao; significados muito

    diferentes porque diferentes so os interesses dos distintos colectivos que nela participam

    (professores, administrao, universidade, formadores, sindicatos...)".

    Por outro lado, o dinamismo do conceito de profisso, a sua relatividade histrica,

    as suas conotaes ideolgicas, assim como a constatao da diversidade do grupo

    ocupacional dos professores, das suas culturas e subculturas, com a impossibilidade de

    encararmos a profisso numa perspectiva unificadora e homogeneizante, introduzem novos

    factores de complexidade.

    Tendo em conta estas premissas, neste captulo pretendemos apresentar uma

    discusso sobre o problema da profissionalizao docente, que nos permita procurar um

    quadro terico de anlise da funo docentecapaz de servir como referente para a reflexo

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    e a investigao sobre este tema. Enquanto tal, servir-nos-, tambm, para enquadrar a

    organizao de projectos de formao de professores como profissionais da educao.

    2. O ensino como actividade profissional

    A profissionalizao dos professores, na sua dupla dimenso de desenvolvimento

    do estatuto social (profissionalismo) e de desenvolvimento do saber e da competncia

    enquadrados em valores educativos (profissionalidade), uma aspirao prioritria dos

    sistemas educativos, na procura da qualidade dos processos e dos resultados da educao1.

    Dentre os temas surgidos no mbito da Reforma Portuguesa, iniciada em 1986, talvez seja

    o discurso sobre a profissionalizao dos professores (juntamente com o discurso sobre aautonomia da escola) aquele que mais tem sobressado no debate educacional 2, sendo

    apropriado de forma diferenciada pelas mltiplas instncias que participam na educao:

    polticos, administradores, sindicatos, investigadores, formadores, professores, associaes

    de pais, etc.

    Paradoxalmente, este discurso e controvrsia terica coexistem com um quadro

    dramtico da situao profissional na prtica, caracterizado por ideias e atitudes que

    invadiram actualmente a cultura profissional: a crise da profisso, a desprofissionalizao,

    o mal-estar docente, a insatisfao profissional, o desinvestimento, a desculpabilizao eausncia de uma reflexo crtica sobre a profisso, etc.

    "Mais do que uma profisso desprestigiada aos 'olhos dos outros', a profisso docente tornou-se

    difcil de viverdo interior; a ausncia de um projecto colectivo, mobilizador do conjunto da classe

    docente, dificultou a afirmao social dos professores, dando azo a uma atitude defensiva mais

    prpria de 'funcionrios' do que de 'profissionais autnomos'" (Nvoa, 1990:4).

    Com efeito, e segundo Estrela (1994:186) "a profisso docente encontra-se hoje

    numa situao to complexa como paradoxal que no pode deixar de se repercutir naidentidade e na auto-estima profissionais". bem certo que a expanso escolar com o

    aparecimento da escola de massas, a consequente expanso do corpo docente, abrindo as

    portas a pessoal no qualificado, as mudanas aceleradas da sociedade ps-moderna, a falta

    1 Dois Relatrios considerados fundamentais na dcada dos oitentanos Estados Unidos da Amrica, soum exemplo exmio desta aspirao:O Carneguie Report (1986) e o Tomorrow's Teacher doHolmesGroup (1986). Preconizam, entre outras, medidas como: a criao de um conselho nacional de normas

    profissionais docentes, a reduo da regulamentao administrativa para aumentar a autonomia eresponsabilidade, aumentar o perodo de formao, modificar a progresso na carreira e incrementar ointeresse pelo conhecimento cientfico e prtico.

    2 Ver a enorme quantidade de trabalhos (livros, artigos, comunicaes, teses) produzidos sobre estetema, desde finais dos anos oitenta, assim como a sua presena constante em colquios, congressos oureunies cientficas ou profissionais, para no falar da sua visibilidade nos orgos de difuso dosSindicatos e Associaes profissionais.

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    da confiana ilimitada no papel da escola nas transformaes sociais, entre outras causas,

    levaram os professores perda das suas referncias identitrias, resultando a necessidade

    urgente de (re)construir um novo sentido para a profisso.A este respeito, Esteve (1991) ao analisar os factores de mudana social que

    exercem presso sobre a funo docente, encontra doze indicadores bsicos, que resumem

    as mudanas recentes na rea da educao, as quais influenciam fortemente o papel

    profissional dos professores. Entre estas relevamos: o aumento das exigncias em relao

    ao professor, a inibio educativa de outros agentes de socializao, o desenvolvimento de

    fontes de informao alternativas escola, a ruptura do consenso social sobre a educao, o

    aumento das contradies no exerccio da docncia, a mudana de expectativas em relao

    ao sistema educativo, uma menor valorizao social do professor, a mudana dos

    contedos curriculares, a escassez de recursos materiais e deficientes condies de

    trabalho, as mudanas nas relaes professor-aluno e a fragmentao do trabalho do

    professor.

    Neste contexto, levantam-se algumas questes acerca do entendimento actual da

    profisso: o que significa hoje ser um profissional da docncia? Quais os critrios

    especficos para entender a sua profissionalizao? Qual o saber especfico da profisso e

    como se constri? Em suma, como se questiona Ferry (1991), que tipo de actividade o

    ensino e qual o seu discurso prprio e especfico?

    2.1. Critrios de profissionalizao e profisso docente

    O termo profisso denota diferenas qualitativas a respeito de outros termos afins

    como ofcio, ocupao ou emprego. A razo disto baseia-se no entendimento dum

    profissional como algum "com uma elevada preparao, competncia e especializao

    que presta um servio social importante" (Montero, 1996:69). Assim, Blat & Marin

    (citados por Marcelo, 1995:134) assinalam:

    "Professor quem se dedica profissionalmente a educar outros, quem ajuda os outros na sua

    promoo humana, quem contribui para que o aluno desenvolva ao mximo as suas possibilidades,

    participe activa e responsavelmente na vida social e se integre no desenvolvimento da cultura"

    Com Gimeno (1991:64) entendemos por profissionalidade "a expresso do que

    especfico da actividade docente, isto , o conjunto de comportamentos, conhecimentos,

    destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor". Hoyle

    (1980) estabeleceu a j familiar distino entre profissionalidade restrita e

    profissionalidade alargada. A primeira caracteriza-se por estar baseada na intuio,

    centrada na sala de aula e orientada na experincia, mais do que no conhecimento. A

    segunda centra o seu trabalho no contexto mais amplo da escola e das suas relaes com a

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    sociedade, na comunicao com os outros profissionais e na autoavaliao, interessando-se

    pelas relaes teoria-prtica.

    O desenvolvimento profissional refere-se ao processo mediante o qual umprofissional adquire e aperfeioa o conhecimento e as tcnicas requeridas numa prtica

    profissional de qualidade, ou seja, melhora a sua profissionalidade, sendo o termo

    profissionalismo entendido como um compromisso com a melhoria de estatuto socialda

    profisso (Sockett, 1985), constituindo-se uma dimenso fundamental do processo de

    profissionalizao.

    Segundo Hoyle (1985), o termo profissionalizao faz referncia ao processo

    mediante o qual uma ocupao, cumpre, progressivamente, os critrios atribudos a uma

    profisso, melhorando o seu estatutoe as suasprticas. Mas, a questo que se nos coloca

    : quais so esses critrios de referncia?

    No mbito da sociologia das profisses (Dubar, 1991)3 e segundo Sockett (1985:

    27) uma profisso entendida como uma ocupao com uma funo social importante,

    requerendo um alto grau de qualificao e baseada num corpo sistemtico de

    conhecimento. A iniciao na profisso requer um processo deformao e socializaoem

    valores, ideias, normas e destrezas de nvel superior, sendo a prpria profisso a controlar

    o acesso mesma. Os seus membros tm um alto grau de autonomia na tomada de

    decises e sentem-se unidos por um ideal de servio na consecuo de metas elevadas. Os

    profissionais tm um cdigo particular de tica centrada no servio ao cliente. Taiscaractersticas traduzem-se emprestgio profissionale em nveis elevados de remunerao.

    Hoyle (1980), num trabalho pioneiro sobre esta problemtica, aduz dez critrios de

    profissionalismo, coincidentes com os aqui enunciados, e com eles se identificam

    aproximadamente a maior parte das propostas sobre este tema4

    Por exemplo, entre ns, Nvoa (1991:17-18), dentre estas qualidades, ressalta trs

    como as mais relevantes para caracterizar a profisso docente como tal:

    " Um eixo estruturante: Estatuto social e econmico.

    Duas dimenses: 1) Possuir um conjunto de conhecimentos e de tcnicas necessrios ao exerccio

    qualificado da actividade docente e 2) Aderir a valores ticos e a normas deontolgicas, que regem

    no apenas o quotidiano educativo, mas tambm as relaes no interior e no exterior do corpo docente,

    o que se traduziria numa adeso ao projecto histrico da escolarizao".

    3 O trabalho de Claude Dubar "La socialisation. Construction des identits sociales e profissionnelles"representa uma obra fundamental sobre a construo histrica das profisses e as suas formas actuais

    de representao e identidade social.4 Ver por exemplo os trabalhos de Chapoulie, 1973; Carr & Kemmis, 1988; Corrigan & Haberman,

    1990; Fernandez Enguita, 1990; Bourdoncle, 1991; Nvoa, 1991; Santos Guerra, 1995; Marcelo,1995.

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    Durante algum tempo e como resultado da influncia duma abordagem

    funcionalista, pretendeu-se comparar a profisso docente por referncia a este modelo

    ideal, constatando-se que possui algumas das qualidades assinaladas, carece de outras ealgumas esto debilmente representadas. Isto tem levado a considerar a profisso docente,

    no seguimento da posio de Etzioni (1969), como uma semi-profisso entre as quais

    estariam aquelas que representam uma realizao imperfeita do modelo (Bourdoncle,

    1991). Ironicamente, este autor fala das "verdadeiras profisses e as outras", criticando

    esta abordagem no estudo da profisso docente5

    Apesar disso, pode ser interessante fazer este exerccio como um passo

    metodolgico para encontrar outros enfoques mais ricos e compreensivos. Neste sentido,

    Marcelo (1995), Alonso (1987) e Silva (1991) fazem um resumo de alguns pontos crticos

    postos em evidncia nesta abordagem dos "traos" ou qualidades ideais.

    Ainda no se dispe de uma estrutura de conhecimentoque fundamente e oriente

    a prtica profissional. A maioria dos professores considera a teoria e a investigao

    educacionais como uma actividade esotrica, que pouco tem a ver com as suas

    preocupaes prticas. Esta falta de consistncia sobre a natureza do conhecimento

    profissional tem levado a uma falta de entendimento sobre como se constri esse saber e,

    portanto, sobre a forma de organizar os processos de formao. Como veremos no Cap. II,

    "a relao entre o conhecimento terico e a prtica profissional tem sido o tema dominantena discusso sobre a formao de professores durante dcadas" (Hoyle, 1985:52),

    levantando-se a questo central sobre que tipo de conhecimento requer a prtica da

    profisso?

    Apesar do caminho percorrido na elevao do nvel (qualitativo e quantitativo) de

    formao profissional dos professores, a situao ainda muito insatisfatria, se a

    compararmos com o que se passa em outras profisses.

    "Este desapreo institucional pela preparao dos profissionais que educam seres humanos, que

    ajudam a construir pessoas, ao que parece tarefa insignificante e intranscendente se comparada com

    a tarefa de construir casas arquitectura, cuidar ces ou gatos veterinria, ou desenhar

    automveisengenharia..." (Fernandez Prez, 1988:20).

    5 Segundo T. Leggalt, citado por Silva (1991),o carcter semiprofissional da actividade docente resultade um conjunto de traos, caracterizados por:Quanto ao nmero de membros - um grande nmero de elementos; uma elevada proporo demulheres; uma baixa provenincia social; mobilidade social; forma de organizao dbil.Quanto clientela e a sua relao com ela - ateno a grupos grandes; recrutamento forado daclientela (escolaridade compulsiva); grupos de clientes heterogneos.Quanto ao processo de trabalho - saber pouco epecializado; saber no criado mas transmitido;ausncia de linguagem tcnica; isolamento no trabalho.

  • 8/12/2019 INOVAO, FORMAO e MELHORIA ESCOLA (VOL I) [UM - 1998]

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    Profissionalizao docente, cultura ocupacional e formao de professores 36

    Em Portugal, embora nestes ltimos anos se tenha feito um grande esforo na

    profissionalizao dos docentes, ainda se encontram no sistema um grande nmero de

    professores que no possui habilitaes profissionais especficas. O processo de discussoem curso sobre "habilitaes para a docncia" pode ser um passo significativo para

    conseguir uma formao mais profissionalizante. Do relatrio Braga da Cr