inovação e propriedade intelectual na industria

151
C OLEÇÃ O VOLUME IV INOVAÇÃO E PROPRIEDADE INTELECTUAL NA INDÚSTRIA

Upload: leonardo-pereira

Post on 24-Nov-2015

48 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • VOLUME II

    COLEO

    VOLUME IV

    InoVao e ProPrIedade

    Intelectual na IndstrIa

  • FIEP Federao das Indstrias do Estado do Paran Rodrigo Costa da Rocha Loures Presidente

    Ovaldir Nardin Superintendente Corporativo Diretor Financeiro

    Sandro Nelson Vieira Superintendente Corporativo Adjunto e Diretor de Desenvolvimento e Negcios Antonio Bento Rodrigues Pontes Diretor de Administrao de Controle

    Pedro Carlos Carmona Gallego Diretor de Tecnologia de Gesto de Informao

    Ronald Dauscha Diretor do Centro de Inovao

    Daviane Rosa Chemin Diretora de Recursos Humanos

    Luiz Henrique Weber Diretor de Comunicao e Promoo

    SENAI Departamento Regional do Paran Joo Barreto Lopes Diretor Regional Marco Antnio Areias Secco Diretor de Operaes Sonia Regina Hierro Parolin Gerente de Inovao

    SESI Departamento Regional do Paran Jos Antnio Fares Superintendente Regional

    IEL Instituto Euvaldo Lodi do Paran Rodrigo Fabiano L. Weber

    Superintendente Regional

    Comisso Editorial volume IV

    Sonia Regina Hierro Parolin Coordenao Daniele Farfus

    Maria Cristhina de Souza Rocha

    Avenida Cndido de Abreu, n. 200, 2. andar, Centro Cvico, Curitiba, Paran, 80530-902

  • Realizao

    Patrocnio

    Apoio

    Co-realizao

  • COLEO

    Curitiba PR

    2010

    Sonia Regina Hierro ParolinHeloisa Cortiani de Oliveira

    Organizadoras

    Carlos BazanellaClaudia RomaniEdvanio Duarte

    Eliza CoralElizabeth Ferreira da Silva

    Jorge vilaLisiane Geisler

    Maria Elizabeth LunardiRonald Martin Dauscha

    Roberto NicolskySilviane Aparecida Tibola

    InoVao e ProPrIedade

    Intelectual na IndstrIa

  • 2010, FIEP Federao das Indstrias do Estado do ParanQualquer parte desta obra poder ser reproduzida, desde que citada a fonte.

    Os volumes da Coleo Inova esto disponveis para download no site: www.fiepr.org.br/colecaoinova

    Gerncia de Inovao SENAI PRAv. Cndido de Abreu, 200Centro Cvico Curitiba PRTel (41) 3271- 9353 / 3271- 9354Home page: www.pr.senai.br/inovae-mail: [email protected]

    Conselho Editorial do Volume IV

    Sonia Regina Hierro Parolin - CoordenaoDaniele FarfusMaria Cristhina de Souza Rocha

    Inovao e Propriedade Intelectual na Indstria. / Sonia Regina Hierro Parolin (org.), Heloisa Cortiani de Oliveira (org.) . Curitiba : SENAI/SESI, 2010.

    151 p. : il. ; 21 cm. (Coleo Inova; v. 4).

    1. Inovao tecnolgica. 2. Propriedade intelectual. 3. Propriedade industrial.

    I. Parolin, Sonia Regina Hierro (org.). II. Oliveira, Heloisa Cortiani de (org.). III. Ttulo.

    CDU 330.341.1

    ISBN : 978-85-88980-30-3

  • COLEO

    sobre a coleo Inova

    Um mundo sustentvel depende, incondicionalmente, da capacidade humana de inovar na sociedade, nos governos, na academia e na indstria.

    Essas necessrias inovaes, portanto, devem ser concebidas com base nos princpios que favoream a sustentabilidade pretendida, demandando novo paradigma, nova linguagem e novo entendimento das coisas.

    Assim, inovao configura-se a manifestao prtica da sustentabilidade, que consiste na outra face do desenvolvimento.

    Peter Drucker j dizia que todos os problemas do planeta devem ser vistos como oportunidades de negcio. Agora, mais do que nunca, essa constatao do autor transparece na premncia de se desenvolver a habilidade de gerar inovaes para criar valor de forma sustentvel, tornando possvel lucrar fazendo bem ao planeta.

    O Brasil tem muito a fazer nessa rea. Segundo dados da Organizao para a Cooperao e o Desenvolvimento Econmico e do Ministrio da Cincia e Tecnologia, o Brasil investe, anualmente, aproximadamente 1% do Produto Nacional Bruto em inovao, sendo uma metade oriunda do setor pblico e a outra metade do setor privado.

    imperativo aumentar esses valores. O Movimento Empresarial pela Inovao lanou no 3. Congresso Brasileiro de Inovao na Indstria, ocorrido neste ano de 2009 na cidade de So Paulo, o desafio de duplicar o nmero de empresas brasileiras

  • COLEO

    inovadoras nos prximos quatro anos. Para isso, ser necessrio adequar currculos, para formar estudantes em conformidade com o que a indstria necessita e fortalecer a pesquisa aplicada, rea em que o SENAI, como um dos rgos mais vocacionados do pas, pode contribuir com muita propriedade.

    Do mesmo modo como se defende o investimento em inovao para garantir mais competitividade s empresas brasileiras, defende-se igualmente o registro adequado da tecnologia, do produto e da marca, por constituir importante meio de gerar vrios benefcios empresa, ao pas e, por consequncia, a toda a sociedade.

    O Sistema Federao das Indstrias do Estado do Paran tambm atua nessa rea, ao oferecer o Servio de Proteo Industrial pelo Senai Empresas como mais um dos seus servios tcnicos e tecnolgicos.

    Somente por meio do intenso e contnuo investimento em inovao e do registro da propriedade intelectual que a indstria brasileira ter condies de aumentar sua participao no mercado externo e de posicionar-se como liderana econmica.

    As condies para isso so evidentes: potencial em energias renovveis, em petrleo e gs e na produo de alimentos. Alm disso, em muitas manufaturas de mdio e alto valor agregado, a competitividade e o mercado mostram-se relevantes. Isso vale para automveis, tratores, mquinas agrcolas; para alguns segmentos de bens de capital; para o setor aeronutico e para o de software. A demanda domstica para sustentar uma indstria qumica e farmacutica mostra-se bastante proeminente.

    No entanto, o futuro de tudo isso se decide agora. No adianta apenas cuidar da macroeconomia de curto prazo, vital para assegurar o emprego e a renda. Faz-se necessrio orientar toda energia em ser mais competitivo, mais inovador, pois nisso reside o diferencial positivo.

  • 9COLEO

    A Coleo Inova, editada pelo Sistema Federao das Indstrias do Estado do Paran, oferece forte contribuio nesse sentido, uma vez que, em cada volume, um tema diferente apresentado aos empresrios, comunidade acadmica e cientfica e ao pblico em geral, ampliando a compreenso do papel de cada um no esforo direcionado inovao.

    Esta Coleo debate assuntos relacionados criatividade, inovao, ao empreendedorismo e propriedade intelectual, de forma a contribuir para o aprimoramento da educao profissional e para a competitividade sustentvel da indstria.Atende tambm ao objetivo estratgico do Sistema FIEP de promover o empreendedorismo e a inovao na indstria.

    Rodrigo da Rocha Loures

    Presidente do Sistema Federao

    das Indstrias do Estado do Paran

  • 10

  • 11

    COLEO

    aPresentando o VoluMe IV

    O conjunto das reflexes, dados e informaes, aliado demonstrao efetiva de boas prticas na indstria, faz com que este trabalho seja contemplado por magnitude especial.

    O esforo dos autores, debruados sobre tema estratgico e emergente para a competitividade da indstria, trouxe um resultado digno de apreciao mais detida. Os participantes desta obra so executores de obstinado projeto de desenvolvimento institucional e do seu habitat coadjuvado pelo de crescimento pessoal.

    A primeira parte apresenta trs artigos que discutem de forma abrangente temas relacionados Propriedade Intelectual e Inovao. O primeiro, de autoria de Ronald Dauscha, trata da inovao no Brasil especialmente no mbito das instituies de ensino e pesquisa e do apoio governamental. O segundo, de Roberto Nicolsky, discute as diferenas nas polticas de P&D das inovaes dos pases desenvolvidos e dos pases emergentes. Finalmente, o terceiro, de Jorge vila, enfoca a dinmica do sistema de propriedade intelectual na Amrica do Sul.

    A segunda parte abrange casos de empresas brasileiras que trabalham com inovao e propriedade intelectual. Os casos trazem empresas de pequeno porte (El Shadai - alimentos, sediada no Sudoeste do Paran, e Red Apple empresa de cosmtico da Regio Metropolitana de Curitiba), alm de

  • 12

    empresa de grande porte. (Buettner empresa txtil sediada em Santa Catarina), que, nos seus ramos de atividade, se destacam pelo manejo de produtos e processos inovadores e pela proteo dos seus ativos intangveis de propriedade intelectual.

    Este trabalho reveste-se de muita informao essencial ao desdobramento de aes que do perenidade s organizaes e, por consequncia, prpria vida da humanidade em respeito sustentabilidade.

    Para finalizar, neste volume IV, em funo da abordagem sobre o tema, pode-se contar com o apoio financeiro do SENAI - Departamento Nacional e Fundao Araucria, a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado do Paran. A essas instituies, apresentam-se os melhores agradecimentos.

    Joo Barreto Lopes

    Diretor Regional SENAI/ PR

  • COLEO

    sumrio

    APRESENTANDO O VOLUME IV .............................................................................................................11Joo Barreto Lopes

    PARTE I

    1. DEFINIO DE INOVAO EM NEGCIOS PARA O BRASIL ...............................................................17Ronald Martin Dauscha

    1. O que se pretende? ............................................................................................................................172. O que inovao para as empresas? .................................................................................................183. O que so empresas inovadoras e P&D? ............................................................................................26Referncias ........................................................................................................................................... .28

    2. MODELO DINMICO PARA INOVAES TECNOLGICAS ..................................................................29Roberto Nicolsky

    1. Introduo ..........................................................................................................................................292. Realidade Brasileira ............................................................................................................................31

    2.1 Modelo Linear de Cincia e Tecnologia (C&T) ..............................................................................323. Modelo Dinmico de Inovao ...........................................................................................................364. Concluses ........................................................................................................................................38Referncias ............................................................................................................................................42

    3. COOPERAO SUL-AMERICANA EM PROPRIEDADE INDUSTRIAL .....................................................43Jorge vila

    1. Introduo ..........................................................................................................................................432. Propriedade Industrial na Amrica do Sul ...........................................................................................473. Autoridades de Propriedade Industrial ou Intelectual na Amrica do Sul ............................................494. Aquecimento do Comrcio Regional e Demanda pela Proteo Regional das Marcas e das Indicaes

    Geogrficas ........................................................................................................................................515. Harmonizao Legislativa em Matria de Propriedade Industrial ........................................................526. Projeto de Cooperao Regional em Matria de Propriedade Industrial ..............................................567. Comentrios Finais .............................................................................................................................60Referncias ............................................................................................................................................61

  • COLEO

    PARTE II

    1. DESENVOLVIMENTO DE INOVAES EM SETORES TRADICIONAIS:O CASO DA MASSA DE BOLO ULTRACONGELADA DA EL SHADAI ........................................................63

    Maria Elizabeth Lunardi, Silviane Aparecida Tibola e Carlos Roberto Bazanella

    1. Introduo ..........................................................................................................................................632. Breve Caracterizao da Indstria de Alimentos no Brasil ..................................................................643. Criao da El Shadai: da pura necessidade genuna oportunidade...................................................664. Desenvolvendo o Produto: colocando a mo na massa ......................................................................70

    4.1 Ingredientes e modo de preparo .................................................................................................714.2 Principais caractersticas do produto ..........................................................................................734.3 Adequao s normas da ANVISA..............................................................................................734.4 Embalagem e marca ...................................................................................................................734.5 Solicitao de patentes no INPI: protegendo a receita ...............................................................744.6 Tipos, grau de novidade e difuso de inovaes .........................................................................754.7 Divulgao do produto: de boca em boca ...................................................................................78

    5. Vantagens e Perspectivas do Negcio: o bolo est crescendo ...........................................................796. Estratgia de Comercializao: fatias de mercado .............................................................................817. Consideraes Finais: para buscar novas receitas..............................................................................82Referncias ............................................................................................................................................85

    2. ATIVOS INTANGVEIS ESTRATGICOS NO SETOR DE COSMTICOS DO ESTADO DO PARAN ...........87Heloisa Cortiani de Oliveira e Elizabeth Ferreira da Silva

    1. Introduo ..........................................................................................................................................872. Caracterizao do Setor de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosmticos (HPPC) ..................................89

    2.1 Setor brasileiro de cosmticos ...................................................................................................932.2 Setor paranaense de cosmticos ...............................................................................................95

    3. Estudo de Caso Empresa RED APPLE ..............................................................................................983.1 Caracterizao da empresa ........................................................................................................983.2 Fatores crticos de sucesso ......................................................................................................101

    3.2.1 Canais de distribuio, logstica nacional e canais de comercializao .............................1013.2.2 Dinmica inovativa e desenvolvimento de novos produtos ...............................................1053.2.3 Uso dos ativos de propriedade intelectual praticados pela empresa: Patentes, Desenhos Industriais e Marcas ....................................................................................................................108

    4. Consideraes Finais ........................................................................................................................115Referncias ..........................................................................................................................................117

    3. GESTO DA INOVAO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTO EM EMPRESA DO SETOR TXTIL: CASO DA BUETTNER S.A/ .......................................................................................................................................119

    Claudia Romani, Eliza Coral, Lisiane Geisler e Edvanio Duarte

    Resumo................................................................................................................................................1191. Introduo ........................................................................................................................................1202. Inovao no Setor Txtil ...................................................................................................................1223. Importncia da Parceria para Fomentar a Inovao ..........................................................................1274. Gesto Integrada da Inovao ..........................................................................................................128

  • COLEO

    5. Pesquisa Aplicada e o Desenvolvimento de Novos Produtos ............................................................1365.1 Empresa Buettner .....................................................................................................................1365.2 Produto desenvolvido ................................................................................................................1375.3 Importncia da propriedade intelectual no desenvolvimento de novos produtos .......................141

    6. Resultados Obtidos ..........................................................................................................................143Referncias ..........................................................................................................................................144

    MINI CURRCULO DOS AUTORES .........................................................................................................146

  • COLEO

  • 17

    COLEO

    Parte I

    captulo I

    deFInIo de InoVao eM neGcIos Para o BrasIl

    Ronald Martin Dauscha

    1. o que se Pretende?

    Este captulo dirigido preponderantemente ao pblico industrial com pouca familiaridade ou vivncia em inovao, colocando o desafio de desenvolver em linguagem clara os necessrios conceitos e permitir uma construo contnua com base em entendimentos bsicos anteriores.

    O objetivo que seja absorvido pelo leitor, com a leitura deste livro, melhor entendimento do que inovao e de sua importncia, dos motivos que podem fomentar e at impedir essa prtica nas empresas, sensibilizando-o a pesquisar mais o assunto e levando-o a aplicar em sua empresa esses conceitos, seja por intermdio de equipes prprias ou de parcerias e consultorias.

  • 18

    Ronald Martin Dauscha

    2. o que InoVao Para as eMPresas?

    Inicia-se com um passo importante, ou seja, definindo inovao nas empresas; esclarecimento sem o qual no possvel avaliar, medir e comparar os diferentes graus de maturidade inovativa das empresas, nem definir planos de ao para as diferentes atividades pertinentes a um possvel processo de melhoria contnua em inovao.

    O modelo adotado o descrito no Manual de Oslo1), desenvolvido conjuntamente pela Comisso Europeia com a OCDE (Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico). A OCDE (ou OECD, em ingls), segundo descrito na Wikipedia (enciclopdia eletrnica livre e colaborativa), foi criada em 30 de setembro de 1961 como organizao internacional dos pases comprometidos com os princpios da democracia representativa e da economia de livre mercado. A sede da organizao fica em Paris, na Frana, sendo tambm chamada de Grupo dos Ricos, uma vez que os 30 (trinta) pases participantes produzem mais da metade de toda a riqueza do mundo. A OCDE influencia a poltica econmica e social de seus membros, tendo dentre seus objetivos o de ajudar o desenvolvimento econmico e social no mundo inteiro, estimulando investimentos nos pases em desenvolvimento. Esse manual no sua nica referncia, mas uma descrio lgica, experimentada em pases desenvolvidos e utilizada por vrias entidades para medir o grau de inovao nas empresas e nos pases.

    O manual define quatro tipos de inovaes que abrangem amplo conjunto de atividades das empresas, quais sejam: inovaes de produto, inovaes de processo, inovaes organizacionais e inovaes de marketing.

    As inovaes organizacionais e em marketing so mais recentes, ainda pouco reconhecidas em pases que no os desenvolvidos, carecendo ainda de mais pesquisa. No entanto, justamente essa Inovao em Negcios deve ser

  • 19

    COLEO

    adotada como a inovao mais ampla possvel, permitindo seja considerada inovadora a empresa que realiza mudanas simples ou radicais em vrios aspectos de sua gesto ou de seus produtos ou servios.

    Algumas conceituaes mais detalhadas do termo inovao e exemplos correlacionados do Manual de Oslo esto transcritos a seguir.

    Inovao: a realizao de um produto (bem ou servio) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, que tenha sido efetivamente introduzido no mercado (produto ou servio) ou na empresa (processo, marketing ou organizao), sendo esse o requisito mnimo (no precisando ser necessariamente indito para o mercado).

    Nota do autor: obviamente, com a crescente necessidade para uma conscincia e atitudes mais direcionadas para a sustentabilidade ambiental e social, as inovaes, a que faz referncia essa definio, no devem acarretar nenhum dano ao meio ambiente ao contrrio, preferencialmente, diminuir o passivo ambiental e procurar solues alternativas para vrios recursos escassos e considerar o aspecto da melhoria social da sociedade.

    Atividades de Inovao: so etapas cientficas e tecnolgicas que conduzem, ou visam conduzir, introduo de inovaes. As atividades de inovao tecnolgica tambm inserem a pesquisa e o desenvolvimento (doravante abreviada por P&D), que no esto diretamente relacionados ao incremento de uma inovao especfica, mas servem de substrato para a inovao tecnolgica.

    Nota do autor: nestas etapas de inovao tambm podem ser consideradas, como colocado nos pargrafos anteriores, etapas criativas que levem a outras inovaes em negcio, como processos, marketing, distribuio, organizao, entre outros.

    A inovao tecnolgica abrange as inovaes em produtos e processos.

  • 20

    Ronald Martin Dauscha

    Inovao de Produto: a introduo de um bem ou servio novo ou significativamente melhorado, no que se refere a suas caractersticas ou a seus usos previstos. Isso inclui melhoramentos expressivos nas especificaes tcnicas, componentes e materiais, softwares incorporados, facilidade de uso ou outras caractersticas funcionais. Importante: as inovaes de produtos excluem mudanas ou melhoramentos menores; atualizaes de rotina; mudanas sazonais regulares (como nas linhas de vesturio); personalizao para apenas um cliente que no inclua atributos fundamentalmente diferentes, se comparados a produtos feitos para outros clientes; mudanas no desenho que no alteram a funo, o uso previsto ou as caractersticas tcnicas do bem ou servio; a simples revenda de novos bens e servios adquiridos de outras empresas, mesmo que inovadores.

    Nota do autor: por outro lado, as inovaes consideradas de produto podem estar relacionadas a inovaes incrementais, consideradas significativamente melhoradas, na definio colocada, mas que significam uma novidade para dentro das portas da empresa; ou seja, so inovaes que acarretam produtos at j existentes no mercado, mas que, para aquela empresa em especfico, constitui uma novidade. Para se dar um exemplo, uma indstria que fabrica lpis h dezenas de anos, passa, por necessidade de aumentar seu faturamento e rentabilidade, a produzir canetas. Embora estas j sejam de largo conhecimento e uso pelo mercado, para aquela organizao trata-se de uma inovao em produtos e continua dentro de sua linha de instrumentos de escrita. Outra questo importante deixar claro, tese defendida por muitas pessoas, que a inovao s acontece quando ocorrem inovaes radicais ou quando se gera uma patente com base em uma inveno (tema de outro item mais frente). Embora se respeite essa posio, a inovao no se restringe magnitude, intensidade observado o alerta da definio do Manual de Oslo sobre melhoramentos ou locus novo para o mercado ou novo para a empresa da inovao. O Brasil tem uma srie de microempresas, pequenas e mdias, que necessitam de inovao muito bsica e incremental em

  • 21

    COLEO

    processos, at para que muitos desses empreendimentos possam evoluir com suas atividades para inovaes mais radicais.

    Exemplos de inovaes de produto

    a. Bens: a substituio de insumos por materiais com caractersticas melhoradas (tecidos respirveis, ligas leves, mas resistentes, plsticos no agressivos ao meio ambiente, etc.); sistemas de posicionamento global (GPS) em equipamentos de transporte; cmeras em telefones celulares, sistemas de fecho em vesturio; aparelhos domsticos que incorporam softwares que melhoram a facilidade ou a convenincia de uso, como torradeiras que desligam automaticamente quando o po est torrado; softwares antifraudes que perfilam e rastreiam as transaes financeiras individuais; redes sem fio embutidas em laptops; produtos alimentcios com novas caractersticas funcionais (margarinas que reduzem os nveis de colesterol no sangue, iogurtes produzidos com novos tipos de culturas, etc.); produtos com consumo de energia significativamente reduzido (refrigeradores com o uso eficiente de energia, etc.); mudanas significativas em produtos para atender a padres ambientais; aquecedores programveis e termostatos; telefones IP (protocolo de internet); novos medicamentos com efeitos significativamente melhorados.

    Nota do autor: a gesto do design (desenho) e o prprio design tm se tornado cada vez mais um processo estratgico para muitas empresas e uma vantagem de posicionamento de produto no mercado para vrias outras, fazendo parte integrante e fundamental do processo de inovao contnua para aumento da competitividade. Para se ter uma primeira ideia da importncia do design recomenda-se a leitura do livro A Cabea de Steve Jobs, as lies do lder da empresa mais revolucionria do mundo3.

    b. Servios: novos meios que melhoram muito o acesso dos consumidores a bens ou servios, como o de entrega em casa de automveis para aluguel e posterior recebimento tambm

  • 22

    Ronald Martin Dauscha

    domiciliar; servio de assinatura de DVD em que, por uma taxa mensal, os consumidores podem pedir um nmero predefinido de DVDs via internet com entrega postal em casa e retorno via envelope pr-endereado; vdeo via internet banda larga; servios de internet como bancos ou sistemas de pagamentos de contas; novas formas de garantia, como a estendida para bens novos ou usados, ou garantias em pacotes com outros servios, como cartes de crdito, contas bancrias ou cartes de fidelidade para os consumidores; novos tipos de emprstimos, por exemplo, emprstimos a taxas variveis com um teto fixo para o valor da taxa; criao de sites na internet, com oferta de novos servios como apresentao gratuita de informaes sobre produtos e vrias funes de suporte ao cliente; introduo de cartes inteligentes e de cartes plsticos de vrias funes; novo escritrio bancrio de autoatendimento; oferta aos clientes de um novo sistema de controle de fornecimento que lhes possibilite checar se as entregas dos contratantes atendem s especificaes exigidas.

    Inovao de Processo: consiste na execuo de novos mtodos de produo ou distribuio de outros significativamente melhorados. Isso inclui mudanas significativas nas tcnicas, equipamentos e/ou softwares. Importante: as inovaes de processos excluem mudanas ou melhoramentos menores, um aumento nas capacitaes dos produtos ou servios por meio da adio de sistemas de fabricao ou de logstica muito similares queles j em uso.

    Exemplos de inovaes de processos

    a. Produo: instalao de uma tecnologia de fabricao nova ou melhorada, como os equipamentos de automao ou sensores em tempo real capazes de ajustar processos; novos equipamentos exigidos para produtos novos ou melhorados; instrumentos de corte a laser; embalagem automatizada; desenvolvimento de produto auxiliado por computador; digitalizao de processos de impresso; equipamentos computadorizados para o controle da qualidade da produo;

  • 23

    COLEO

    equipamentos de testes melhorados para o monitoramento da produo.

    b. Entrega e operaes: scanners/computadores portteis para registrar bens e estoques; introduo de cdigos de barras ou de chips de identificao por frequncia de rdio passiva (RFID) para rastrear materiais ao longo da cadeia de fornecimento; sistemas de rastreamento GPS para equipamentos de transporte; introduo de softwares para identificar rotas de distribuio ideais; rotinas ou softwares novos ou melhorados para sistemas de compra, contabilidade ou manuteno; introduo de sistemas eletrnicos de liquidao, de um sistema automatizado de resposta por voz, de um sistema eletrnico de fornecimento de tickets; novas ferramentas de softwares desenhadas para melhorar os fluxos de oferta; redes de computadores novas ou significativamente melhoradas.

    Inovao de Marketing: a execuo de novo mtodo de marketing abrangendo mudanas significativas na concepo ou na embalagem do produto, no posicionamento do produto, na promoo do produto ou na formao de preos. Importante: as inovaes de marketing excluem mudanas na concepo ou na embalagem do produto, no seu posicionamento, na sua promoo ou na formao de preos baseada em mtodos de mercado previamente utilizados pela empresa; mudanas sazonais, regulares ou de rotina nos instrumentos e marketing; o uso de mtodos de marketing j aplicados, para atingir um novo mercado geogrfico ou um novo segmento de mercado (por exemplo, grupos de clientes sociodemogrficos).

    Exemplos de inovaes de marketing

    As inovaes de marketing podem referir-se a qualquer mtodo de marketing (concepo do produto/embalagem, posicionamento, formao de preos, promoo) desde que ele tenha sido usado pela primeira vez pela empresa.

    a. Concepo e embalagem

  • 24

    Ronald Martin Dauscha

    Realizao de significativa mudana na concepo de uma linha de mveis para dar-lhes nova aparncia e ampliar seu apelo, de concepo fundamentalmente nova para frascos de loo para o corpo visando dar ao produto aparncia exclusiva.

    Nota do autor: Vale aqui a mesma observao feita para produtos em relao ao tema design.

    b. Posicionamento (canais de vendas)

    Introduo inicial de licenciamento de produtos, de vendas diretas ou de varejo exclusivo; de novo conceito para a apresentao de produtos como os sales de vendas para mveis desenhados de acordo com temas, permitindo aos consumidores visualizar os produtos em salas totalmente decoradas; de um sistema de informao personalizado, obtido, por exemplo, de cartes de fidelidade para adequar a apresentao de produtos s necessidades especficas dos consumidores individuais.

    c. Formao de preos

    Introduo de novo mtodo que possibilite aos consumidores escolher as especificaes do produto desejado no site da empresa e ento ver o preo para o produto especificado; utilizao, pela primeira vez, de um mtodo para variar o preo de um bem ou servio segundo sua demanda ou de ofertas especiais reservadas, acessveis apenas aos possuidores de carto de crdito da loja ou carto de recompensas.

    d. Promoo

    A utilizao, pela primeira vez, de marcas registradas; de posicionamento de produto em filmes ou em programas de televiso; de um smbolo de marca fundamentalmente novo visando posicionar o produto da empresa em um novo mercado; do lanamento de um produto por meio de lderes

  • 25

    COLEO

    de opinio, celebridades ou grupos particulares que estejam na moda ou que estabeleam tendncias de produtos.

    Inovao Organizacional: consiste na execuo de novo mtodo organizacional nas prticas de negcios da empresa, na organizao do local de trabalho ou nas relaes externas. Importante: as inovaes organizacionais excluem mudanas nas prticas de negcios, na organizao do local de trabalho ou nas relaes externas baseadas em mtodos organizacionais j em uso na empresa; mudanas na estratgia de gerenciamento da empresa, a menos que estejam acompanhadas pela introduo de um novo mtodo organizacional; fuses e aquisies de outras empresas.

    Exemplos de inovaes organizacionais

    Elas podem referir-se a qualquer mtodo organizacional nas prticas de negcios da empresa, na organizao do local de trabalho ou nas relaes externas desde que tenham sido usadas pela primeira vez na empresa.

    a. Prticas de negcios

    Estabelecimento de nova base de dados das melhores prticas, lies e outros conhecimentos mais facilmente acessveis a outros; introduo pela primeira vez de um sistema de monitoramento integrado para as atividades da empresa (produo, financiamento, estratgia, marketing); de sistemas de gerenciamento para a produo geral ou para operaes de fornecimento, como gerenciamento da cadeia de fornecimento, reengenharia de negcios, produo enxuta, sistema de gerenciamento de qualidade; de programas de treinamento para criar equipes eficientes e funcionais que integram funcionrios de diferentes setores ou reas de responsabilidade.

    b. Organizao do local de trabalho

    Pela primeira vez, execuo da responsabilidade de trabalho descentralizada para os trabalhadores da empresa, como

  • 26

    Ronald Martin Dauscha

    conceder muito mais controle e responsabilidade sobre os processos de trabalho para o pessoal de produo, distribuio e vendas; estabelecimento de equipes de trabalho formais e informais para melhorar a acessibilidade e o compartilhamento de conhecimento de diferentes departamentos, como marketing, pesquisa e produo; execuo de sistema annimo de relato de incidentes para encorajar a comunicao de erros ou riscos visando identificar suas causas e reduzir sua frequncia.

    c. Relaes externas

    Pela primeira vez, introduo de padres de controle de qualidade para fornecedores e subcontratados; utilizao do fornecimento externo (outsourcing) de pesquisa e de produo; ingresso na colaborao de pesquisas com universidades ou outras organizaes de pesquisa.

    3. o que so eMPresas InoVadoras e P&d?

    A condio para que uma empresa seja considerada inovadora a de que apresente continuamente uma das vrias formas de inovao definidas anteriormente. Uma empresa inovadora de produto ou de processo definida como empresa que realiza inovaes de produto ou de processo (inovaes tecnolgicas).

    Com isto, pode-se passar para o prximo tpico, que a definio das atividades caracterizadoras da pesquisa e do desenvolvimento experimental (P&D), base para a diferenciao de empresas mais inovadoras em pases desenvolvidos e mesmo no Brasil.

    A P&D compreende o trabalho criativo realizado de forma sistemtica com o objetivo de aumentar o cabedal de conhecimentos, incluindo os advenientes do homem, da

  • 27

    COLEO

    cultura e da sociedade, e a utilizao desse cabedal para antever novas aplicaes (como define o Manual Frascati, referncia que antecedeu ao Manual de Oslo, dedicando-se mais inovao tecnolgica). Todas as atividades de P&D financiadas ou desenvolvidas pelas empresas so consideradas atividades de inovao. Elas incluem a P&D intramuros (ou seja, dentro da organizao) e extramuros (em cooperao ou relacionamentos com outras empresas ou parceiros externos), conforme tambm define o Manual Frascati.

    O desenvolvimento de softwares classificado como P&D e inclui a realizao de avanos cientficos e tecnolgicos e/ou a resoluo de incertezas cientficas e tecnolgicas em uma base sistemtica. O desenvolvimento de servios classificado como P&D se resultar em novo conhecimento ou se compreender o uso de novos conhecimentos para antever novas aplicaes.

    Classificam-se como P&D a construo e o teste de um prottipo quando seu objetivo principal a realizao de melhoramentos. Essa geralmente a fase mais importante do desenvolvimento experimental de uma inovao. Um prottipo um modelo original (ou uma situao de teste) que inclui todas as caractersticas tcnicas e as funes do novo produto ou processo. A aceitao de um prottipo significa frequentemente o trmino da fase de desenvolvimento experimental e o incio de uma nova fase de inovao.

    A P&D intramuros tem por objetivo contribuir para o desenvolvimento e para a inovao de produtos, de processos, de marketing ou organizacionais assim como a pesquisa bsica, que no est diretamente relacionada com o desenvolvimento de uma inovao especfica. A P&D intramuros tambm inclui a aquisio de bens de capital diretamente relacionados com a P&D.

    A P&D extramuros compreende a aquisio de servios pertinentes a essa rea, incluindo-se a aquisio de servios de P&D oriundos de unidades de EMs localizadas no exterior.

  • 28

    Ronald Martin Dauscha

    O grau mdio de atividade de P&D em empresas, instncia mais avanada das atividades de inovao, tem correlao direta com o nvel de desenvolvimento econmico dos pases.

    O desafio para os empresrios entender e incorporar que maiores investimentos em inovao, em geral, levam, alm de obviamente a maior competitividade local, nacional ou internacional de seu negcio, a um aumento do poder aquisitivo da populao e consequentemente do mercado como um todo, inclusive, no mbito de sua atuao. Para o governo, uma populao com maior renda leva a todos os desdobramentos desejveis, como maior grau de instruo, melhores indicadores sociais, menos violncia, mais impostos, menos dependncia do mercado interno (uma vez que a pauta de exportao se torna de mais valor agregado e menos dependente de commodities, etc.).

    reFerncIas

    KAHNEY, Leander. A cabea de Steve Jobs. As lies do lder da empresa mais revolucionria do mundo. AGIR, 2008.

    MANUAL DE OSLO, Diretrizes para Coleta e Interpretao de Dados sobre Inovao, 3a ed., 2005. Disponvel em www.finep.gov.br.

  • 29

    COLEO

    captulo II

    Modelo dInMIco Para InoVaes tecnolGIcas

    Roberto Nicolsky

    1. Introduo

    No Brasil, as polticas pblicas de fomento ao desenvolvimento tecnolgico esto tradicionalmente inseridas no contexto de uma cultura que, h mais de meio sculo, erigiu a expresso Cincia e Tecnologia (C&T) como seu indissocivel e inquestionvel binmio bsico. Contudo, como essa prtica no levou desejada independncia tecnolgica, essa questo tornou-se da maior oportunidade e relevncia. Nem mesmo quando, na ltima dcada, novas polticas pblicas foram consubstanciadas por leis especficas [1], embora com os mesmos conceitos, o pas alcanou qualquer indicador real que viesse confirmar mensurvel melhora no seu desempenho tecnolgico.

  • 30

    Roberto Nicolsky

    Ao contrrio, todos os indicadores disponveis, relacionados com uma avaliao da sua produo tecnolgica, so convergentes em mostrar um quadro deficiente de gerao e incorporao de inovaes tecnolgicas ao construir tecnologias competitivas dominadas pelo tecido produtivo nacional. Revelam, sim, uma crescente e preocupante dependncia tecnolgica do pas.

    Como exemplo, poder-se-iam tomar as patentes outorgadas pelo USPTO (sigla em ingls do escritrio americano de patentes) a brasileiros, estacionrias ou com flutuaes decrescentes, enquanto se eleva rapidamente a conta dos servios de licenciamento de royalties de patentes e tecnologias externas [2]. Por outro lado, o dficit no comrcio exterior de produtos de alto grau de contedo tecnolgico vem mostrando elevada elasticidade com a taxa de expanso do PIB (Produto Interno Bruto), levando-o a alcanar nveis alarmantes [3].

    Uma questo crucial e oportuna para um pas emergente como o Brasil, que busca caminhos para alcanar um nvel de produo, emprego e renda distribuda compatvel com as necessidades da sociedade, a relao entre o montante e o padro dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e o crescimento acelerado e sustentado do PIB do pas, notadamente, no presente cenrio de um mundo globalizado.

    uma afirmao corrente, um trusmo, dizer-se que, sem expressivo dispndio do seu PIB no binmio C&T, um pas no pode crescer nos dias atuais. Essa assero proferida de modo genrico, como se o crescimento da economia fosse uma decorrncia natural, simples e direta dessa despesa, como se tudo fosse uma questo apenas do porte dos recursos.

    O propsito deste artigo, portanto, reunir dados inter-relacionados de economia e do binmio P&D, para que se possa discutir a veracidade dessa afirmativa e os limites da sua validade, principalmente no contexto da economia brasileira, alm de exemplos externos de pases emergentes bem sucedidos.

  • 31

    COLEO

    Como se pode ver, o dispndio em P&D (DPD) no tem via nica de execuo. Em verdade, ele pode ser, e assim o , exercido nos diversos pases segundo diferentes polticas de pesquisa. O propsito reunir dados para uma viso crtica do desempenho brasileiro e, assim, definir um caminho para que o respectivo DPD venha a ser, efetivamente, um fator de trao para o desenvolvimento sustentado, promovendo, assim, o aumento de emprego e renda e sua melhor distribuio no pas.

    O presente trabalho no tem a pretenso de esgotar uma exaustiva anlise e sua interpretao, legando a principal parte dessa rdua tarefa para futura oportunidade ou para analistas mais atilados. A finalidade deste estudo to-somente a discusso das relaes do crescimento do PIB com o padro de DPD e seus componentes.

    2. realIdade BrasIleIra

    No se dispe de um bom recenseamento quanto ao nmero de pesquisadores que, segundo o MCT [4], em 2000, eram 48.781 atuando em 11.760 grupos de pesquisa, mas, possivelmente, seja algo maior. Esse contingente, com cerca de 11% atuando no setor produtivo em pesquisas de inovao, cresce a cada ano muito menos do que os mais de 10.000 doutores formados anualmente, dos quais menos de 10% so da rea de engenharias. Quanto aos laboratrios de P&D em indstrias brasileiras ainda mais obscuro. Admite-se que atinjam entre trs a quatro centenas.

    Isso significa que o esforo nacional com foco na ps-graduao acadmica vem dando os seus frutos, inegavelmente, mas, em parte expressiva, vm sendo desperdiados por no se contar com uma poltica pblica consistente para ampliar, tanto quanto o necessrio para a formao de uma tecnologia verdadeiramente nacional, a oferta de postos de P&D nas empresas. Alguns desses doutores, que so sempre os

  • 32

    Roberto Nicolsky

    melhores, inclusive, emigram atrs de oportunidades ou dedicam-se a atividades rotineiras a um elevado custo social, pois a sua formao, em geral, foi financiada em grande parte com recursos pblicos.

    2.1 Modelo linear de C&TNo Brasil, o padro dominante de dispndio em P&D, por razes histricas e principalmente culturais, vinha seguindo um modelo reducionista de expanso e desenvolvimento da fronteira tecnolgica. O modelo em questo est presente em todas as leis dos diversos fundos setoriais e na Lei 10.332 do Fundo de Integrao Universidade-Empresa, chamado de Fundo Verde-Amarelo.

    Esse modelo, muito conhecido pelo nome de modelo linear, pressupe que as inovaes tecnolgicas so criadas no ambiente acadmico em um contexto de pesquisas bsicas e que se transformam, quando possvel, em pesquisas aplicadas, muito frequentemente denominadas equivocadamente desenvolvimentos tecnolgicos que, ento, seriam transferidos para o setor produtivo. Entende-se, portanto, que no possvel inovar sem antes descobrir um filo inovador, ou seja, para criar inovaes tecnolgicas indispensvel comear por gerar conhecimentos.

    Esse modelo pressupe que a pesquisa realizada nos laboratrios de universidades e o seu desenvolvimento em possveis aplicaes sejam do interesse direto de empresas produtivas. Ora, a pesquisa acadmica, onde quer que seja exercida, significa formao de recursos humanos qualificados e gerao de novos conhecimentos que, quando de aplicao vivel, correspondem, em geral, a novos produtos ou processos, ampliando a fronteira tecnolgica.

    As possibilidades de transferncia desses conceitos de novos produtos para o setor produtivo vo, dessa forma, depender da existncia de competncias tecnolgicas e econmicas para tal no tecido produtivo. Ou seja, competncias amplas capazes de realizar os projetos de desenvolvimentos tecnolgicos e

  • 33

    COLEO

    dos fatores de produo necessrios aos ensaios, prottipos, testes e prpria fabricao e comercializao desses novos produtos. Consequentemente, trata-se da capacitao plena para ampliar as fronteiras da tecnologia.

    No apenas isso, pois o lanamento bem sucedido de novos produtos ou processos no mercado globalizado implica longos tempos, raramente inferiores a dez ou mais anos, e elevado montante de recursos, em muitos casos acima da barreira do bilho de dlares, representando altssimo risco empresarial. Portanto, esse procedimento caracterstico de economias altamente desenvolvidas, geradoras de tecnologias dominantes e, at nesses pases, explicando apenas uma pequena parcela das invenes, aquelas radicais e disruptivas, ou seja, 1% do total, segundo a Figura 01 a seguir, baseada em trabalho de Altshuller [5]:

    Figura 01: Relao entre natureza da inovao e quantidade de conhecimento inserido no processo inventivo.

    Nenhuma das economias emergentes rene essas condies no atacado, conseguindo, no mximo, acompanhar a fronteira em alguns casos muito pontuais, em subsetores especficos

  • 34

    Roberto Nicolsky

    que passaram por longo aprendizado cumulativo. No por acaso que no se conhecem novos produtos lanados por tais pases, mas apenas produtos competitivos em nichos muito peculiares de vocao local. No pas brasileiro, para citar pouqussimos exemplos, encontram-se: o segmento do petrleo e gs, a aviao comercial de mdio porte e a celulose de fibra curta de eucalipto, todos realizando e acumulando um contnuo aprendizado h quatro dcadas.

    Assim, a poltica de fomento, ou seja, os recursos do DPD so aplicados quase exclusivamente nas instituies acadmicas, universidades e institutos de pesquisa associados, na expectativa de que, com a acumulao de conhecimentos, ocorra um processo espontneo de nucleao de tecnologia via mecanismo falacioso que a poltica brasileira de C&T insiste em tentar criar, a chamada integrao universidade-empresa. A contribuio efetiva da universidade para a tecnologia a formao de recursos humanos bem qualificados.

    O resultado prtico desse processo gerar essencialmente artigos cientficos, chamados de papers, publicados em revistas internacionais abertas e acessveis a todos os assinantes, hoje at eletronicamente, alm de dissertaes e teses. Ou seja, produtos ou tecnologia de biblioteca [6,7]. Pode se ver, na figura 02, o esquema do modelo linear, que supe uma continuidade do fluxo da inovao, como se fora em uma indstria. H at quem o chame processo de cadeia produtiva da inovao.

    Figura 02: modelo linear utilizado pelos pases que no fazem inovaes e, nos pases que inovam, apenas para as descobertas cientficas geradoras de invenes radicais

    que ampliam a fronteira tecnolgica.

  • 35

    COLEO

    O modelo linear generalizadamente utilizado nos pases que no tm gerao significativa de inovaes tecnolgicas, tais como todos os latino-americanos, africanos e asiticos de cultura muulmana e tambm na ndia e nos pases da Europa Oriental, notadamente na Rssia. Esses pases, porm, mostram indcios de que esto abandonando esse modelo, e alguns, como a ndia, esto se tornando rapidamente geradores de inovaes tecnolgicas em algumas reas especficas, tais como o software, farmaqumicos, siderurgia, automveis, qumica e demais.

    O modelo linear aplicvel apenas aos processos representativos de descobertas de conhecimentos cientficos aplicveis, ou de novas aplicaes de princpios cientficos conhecidos. Essas, porm, so relativamente raras e levam em mdia de 10 a 30 anos para amadurecer (por vezes, at mais). Representam pequena frao da ordem de 1% das patentes americanas nos EUA [5] e algo desprezvel das patentes dos pases emergentes dinmicos nos EUA, como os orientais e at o Brasil.

    Alm disso, as descobertas no se transformam em tecnologias competitivas ou novos produtos e processos, se a economia no dispuser, previamente, de ampla estrutura de P&D no setor produtivo com capacidade de investimento a longo prazo. Sem isso, as descobertas de uns acabam sendo desenvolvidas e colocadas no mercado por outros mais competentes para realizar as inovaes industriais necessrias para robustec-las e torn-las competitivas.

    O fracasso do modelo linear na criao de inovaes correntes necessrias competitividade das empresas decorre, como j visto, do reducionismo, do no reconhecimento das diferenas intrnsecas dos dois processos de pesquisa, o cientfico e o tecnolgico. A esse fato, deve-se agregar o carter insacivel da cincia na busca de conhecimentos, acarretando total esgotamento do fomento repassado universidade qualquer que seja o seu montante. Isso da prpria natureza do fato criador, gerando mais e mais indagaes a cada descoberta.

  • 36

    Roberto Nicolsky

    A ruptura efetiva com a cadeia est indicada na figura 02 pela linha tracejada, pois, de fato, tal ligao inexistente nos pases em desenvolvimento. Sendo, justamente por se configurar instvel e no natural, to propugnada nas polticas pblicas de fomento com o nome de integrao universidade-empresa. Essa dita integrao no acontece, simplesmente porque universidade e empresa tm objetivos disjuntos, atores diferentes, falam lnguas distintas e usam mtodos diversos.

    3. Modelo dInMIco de InoVao

    Para superar esse impasse, necessrio tirar a concluso bvia das diferenas entre as variedades de pesquisa: a pesquisa tecnolgica no est localmente acoplada pesquisa cientfica, mas demanda real dos usurios, consumidores e mercado, enfim, quela que deve ser atendida para que tenha valor econmico. Essa diferena entre o P&D de economias desenvolvidas e o de pases emergentes est muito clara na afirmao de Linsu Kim, que, por muitos anos, atuou na gesto da poltica de P&D e foi um relevante idelogo do desenvolvimento tecnolgico da Coreia [8]:

    Em pases desenvolvidos, aprender pesquisando por empresas, universidades e institutos tem um papel dominante na expanso da fronteira tecnolgica. Em pases em desenvolvimento, ao contrrio, aprender fazendo e engenharia reversa por empresas com limitada assistncia de universidades e institutos, o padro dominante de acumulao de competncia tecnolgica.

    A pesquisa tecnolgica que atende demanda real no se alimenta da pesquisa cientfica local diretamente, mas do acervo de conhecimentos existentes, tanto cientficos quanto tecnolgicos e, at, de conhecimentos culturais gerais. Enfim, de tudo o que for necessrio mobilizar para proporcionar satisfao ao consumidor, usurio ou cliente. Ora, esse acervo est disponibilizado na literatura tcnica e nos registros de patentes e pode ser acessado desde que

  • 37

    COLEO

    se disponha de recursos humanos qualificados. Portanto, o valor econmico e, consequentemente, o poder no provm do domnio do conhecimento em si, mas da competncia no seu uso para os fins objetivos da inovao.

    Com esses elementos bsicos, pode-se, ento, formular a dinmica da gerao de inovaes, que, efetivamente, se realiza em 99% dos processos de desenvolvimento tecnolgico nos pases formadores de tecnologia no mundo. Em particular, essa dinmica ainda mais visvel em pases emergentes como Coreia, Taiwan e China, que comearam a inovar e a crescer no cenrio das patentes e da propriedade industrial bem antes de terem alguma significao na criao do conhecimento cientfico. Na Figura 03, apresentada a dinmica da inovao, notando-se que a ligao da cincia para a gerao de tecnologia ocorre de forma indireta, via acervo de publicaes, significando que o carter inovador de um pas no depende diretamente dos seus cientistas.

    figura 03: modelo da dinmica da gerao de inovao tecnolgica exercida nos pases inovadores.

    Assim, um pas pode inovar e at liderar mundialmente a inovao tecnolgica em uma rea na qual no tenha domnio cientfico reconhecido em nvel internacional. Tal fato ocorre com os pases citados em diversas linhas de produtos e at

  • 38

    Roberto Nicolsky

    com o Brasil, que lder de inovaes em nvel mundial em aviao a jato regional e no tem expresso significativa em cincias aeronuticas e dinmica dos fluidos. Isso extraordinariamente mais simples e mais rpido do que no modelo anterior, pois pode-se atuar diretamente, fomentando o processo inovativo, sem necessariamente ter a massa crtica de pesquisadores acadmicos indispensveis gerao do conhecimento da rea.

    Portanto, a principal ligao entre a rea acadmica universitria e a pesquisa tecnolgica da inovao a formao de recursos humanos qualificados. A ndia est dando um exemplo de como a formao macia de recursos humanos dentro de um modelo dinmico da inovao pode transformar rapidamente o quadro econmico setorial. No curto espao de tempo de doze anos, as exportaes de software da ndia elevaram-se mais de 30 vezes.

    4. concluses

    Como o DPD (dispndio em P&D) brasileiro dirigido essencialmente para a rea acadmica, o paradigma desta pesquisa, naturalmente, a publicao de artigos (papers), constituindo-se numa transferncia gratuita de conhecimentos para pases aptos a utiliz-los para, paradoxalmente, ainda melhor competirem com a economia brasileira. Como foi visto, para se gerar as inovaes tecnolgicas de que a indstria nacional precisa para ser internacionalmente competitiva, necessrio redirecionar o esforo da sociedade em DPD para apoiar a gerao de inovaes no prprio setor produtivo. Eventualmente, uma estrutura de novos institutos de pesquisa sob gesto empresarial poderia ser a forma de se realizar essa ponte, como o foi na Coreia.

    Portanto, imperioso ousar a ruptura com a cultura quase exclusivamente acadmica do passado e assumir

  • 39

    COLEO

    a atitude dos que querem se desenvolver, elegendo novo paradigma para a pesquisa e desenvolvimento: a inovao tecnolgica industrial. Cabe lembrar, porm, que essa busca de inovaes tecnolgicas nas empresas contm riscos intrnsecos, pois s para os bem sucedidos tornam-se efetivas inovaes. Alm disso, o maior beneficirio da inovao sempre a sociedade e tambm o estado, pela apropriao da carga tributria, 35,8% em 2008, muito acima de qualquer taxa de lucro sequer imaginvel pela empresa inovadora. Essas so as razes bsicas de no se ter polticas pblicas para essa forma de desenvolvimento: o necessrio compartilhamento do risco tecnolgico-empresarial entre o estado e a empresa. A pergunta que se impe : por que isso no feito?

    A questo que essa cultura acadmica em pesquisa ocorre quase exclusivamente em universidades e centros de pesquisa pblicos que produzem cincia. Ora, a inovao tecnolgica se faz, como se v, no setor produtivo empresarial, pois deve atender demanda real da sociedade e do mercado por contnuas melhorias em produtos e processos. A rea acadmica no sequer um substituto, pois a sua vocao a formao de recursos humanos e a gerao de conhecimentos (cincia) e no produtos finais, sua fabricao e comercializao.

    Um dos entraves histricos formao de uma tecnologia inovadora nacional a circunstncia de que a industrializao se deu com forte participao de empresas transnacionais, cujos centros inovadores situam-se em suas matrizes. Assim, as suas produes locais eram protegidas por elevadas barreiras alfandegrias. Nesse ambiente, as empresas de brasileiros no tinham qualquer estmulo para gerar inovaes prprias, limitando-se a adquirir licenciamentos de tecnologias importadas. Essa foi a principal diferena do processo brasileiro para com os da Coreia e Taiwan. Esses pases industrializaram-se exclusivamente com empresas propriamente nacionais, ainda que no incio tenham usado tecnologias licenciadas.

  • 40

    Roberto Nicolsky

    Para tornar a inovao tecnolgica uma agregao continuada de melhorias a produtos e processos na alavanca estratgica do desenvolvimento tecnolgico, faz-se necessrio que o estado, representando a sociedade, assuma o compartilhamento do risco desse processo de modo universal, levando os recursos por meio de subvenes diretas s empresas inovadoras. Esse foi o procedimento bsico de todos os pases que, mais recentemente do Japo ndia, conseguiram iniciar uma trajetria de desenvolvimento industrial.

    Em verdade, tempo de se redefinir o conceito de empresa nacional. Ao invs de se preocupar com a questo da propriedade, hoje tornada to fluida com o movimento internacional de capitais velocidade da luz, dever-se-ia atentar para a efetiva contribuio da empresa para o futuro da nao. Desse ponto de vista, tanto a empresa transnacional quanto a empresa de propriedade de brasileiros podem ser igualmente construtivas.

    Tudo vai depender de como a empresa se posiciona ante o processo de inovao. Se a empresa se empenha em gerar as inovaes de que necessita para ser internacionalmente competitiva com os produtos fabricados no Brasil, essa empresa nacional, qualquer que seja a sua estrutura de proprietrios, pois est efetivamente contribuindo para o desenvolvimento sustentado do pas. claro que, certamente, a maioria dessas empresas ter proprietrios brasileiros. Mas h muitas empresas de brasileiros que so simplesmente agentes da difuso local de inovaes externas, competindo assim de maneira oportunista com outros produtores nacionais. Somente as que inovam deveriam ter o tratamento de empresa nacional e obter os benefcios dos eventuais incentivos fiscais, taxas diferenciadas de financiamento, margem de preo nas compras e aquisies governamentais, recursos para pesquisa e parcerias estratgicas.

    A ideia de que a universidade venha a suprir a fraca atuao das empresas resulta em completa distoro da sua misso e vai certamente fracassar pelo mecanismo

  • 41

    COLEO

    dos fundos setoriais, como j ocorreu na dcada dos anos 1970, com a tentativa de faz-lo pelo FNDCT. Em termos concretos, a concepo da integrao universidade-empresa s pode atrasar e retardar o desenvolvimento tecnolgico nacional.

    Portanto, a poltica de fomento pesquisa deve ter por objetivo a mobilizao das indstrias para a inovao, o qual, no entanto, tambm deve ser norteador de polticas pblicas consistentes com a inovao gerada no pas, priorizando a educao bsica e as tcnicas para a formao dos recursos humanos demandados pelas indstrias, como realiza o SENAI, preferenciando-as nos procedimentos de compras e suprimentos nas reas de sade, transporte, energia, telecomunicaes, etc., na preferncia e nas taxas dos financiamentos e, principalmente, por meio de uma poltica fiscal.

    Ou seja, faz-se urgente estabelecer um novo paradigma para o desenvolvimento brasileiro, para que este gere um crescimento sustentado a longo prazo e dependa essencialmente das prprias decises. Esse paradigma o esforo de criar essa nova cultura, meta para a qual todas as instituies de pesquisa tm um papel fundamental e indeclinvel. Espera-se, dessa forma, que assumam essa liderana e no deixem escapar essa oportunidade histrica de mostrar as suas funes sociais.

    A opo pela inovao tecnolgica uma deciso estratgica mais ampla, que deveria ser um eixo de atuao, um norteamento e um fator de trao para uma poltica industrial de crescimento sustentado do pas, com o objetivo de fazer a economia expandir-se, elevar o nvel de emprego e de renda per capita, e, principalmente, de distribu-la de forma mais justa. Portanto, deve estar inserida em um conjunto de polticas pblicas.

  • 42

    Roberto Nicolsky

    reFerncIas

    1. KIM, Linsu. Industry and Innovation. vol. 4, n.o 2, pg. 168, 1997.

    2. MATOS, Marcelo de. Comunicao pessoal: grfico elaborado sobre os resultados estatsticos de cerca de 250.000 patentes por Genrich S. Altshuller.

    3. MINISTRIO DA CINCIA E TECNOLOGIA. www.mct.org.br, no ano 2000.

    4. NICOLSKY, Roberto. Seguimos para um apago tecnolgico. Revista poca, pg. 70, 22.06.2009.

    5.______. Inovao tecnolgica industrial e desenvolvimento sustentado. Revista Parcerias Estratgicas, n.o 13, pg. 80, 2001.

    6.______. Crise, patentes e inovao. Folha de So Paulo, pg. 3, 05.05.2009.

    7.______. Tecnologia real ou de biblioteca. Jornal do Brasil, pgina 9, 12.10.2000.

    8.______. Tecnologia verde-amarela. Jornal do Brasil, pg. 9, 18.01.2001.

    9. WEISZ, Joel. Mecanismos de apoio inovao tecnolgica. Senai-Protec, 2006.

  • 43

    COLEO

    captulo III

    cooPerao sul-aMerIcana eM ProPrIedade IndustrIal

    Jorge vila

    1. Introduo

    Os regimes de apropriao do conhecimento, por meio de distintas modalidades de propriedade intelectual, vm se internacionalizando desde finais do Sculo XIX. Um marco desse comeo foi a Conveno da Unio de Paris de 1883, que tratou do reconhecimento da propriedade intelectual de estrangeiros entre os Estados participantes. Apesar de ter sido assinada originalmente por apenas 11(onze) pases, a adeso de outros 162 ao longo do sculo XX (WIPO, 2009) tornou os regimes nacionais, ou regionais, de apropriao cada vez mais comunicveis entre si. Alm de expandir-se horizontalmente pela adeso desses novos pases, a integrao dos sistemas de propriedade intelectual aprofundou-se por meio de amplo conjunto de tratados

  • 44

    Jorge vila

    especficos para as distintas modalidades de propriedade intelectual. Uma agncia especializada do Sistema das Naes Unidas foi criada em 1967 com o propsito de administrar a Conveno da Unio de Paris e de promover a mais ampla cooperao entre os pases, no que tange proteo da propriedade intelectual e ao alinhamento dessa proteo ao imperativo do desenvolvimento econmico, social e cultural. Denominada Organizao Mundial da Propriedade Intelectual OMPI, essa agncia foi criada em 1967, cabendo-lhe administrar a Conveno de Paris e outros mecanismos de coordenao global e intercomunicao dos sistemas nacionais de propriedade intelectual (WIPO, 2009 2).

    Alm dos tratados de alcance global, outras formas de cooperao atuam em nvel inter-regional, regional ou bilateral. A importncia econmica dos ativos e produtos intangveis tornou necessrio estabelecer regimes de circulao internacional para essa natureza de bens, resultando disso a presena de clusulas especficas em todos os tratados de comrcio internacionais. Marco maior dessa tendncia, ao final do Sculo XX, foi a adeso de imenso contingente de pases ao Acordo sobre Aspectos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comrcio (ADPIC, ou TRIPS, na mais conhecida sigla em ingls), acordo este que se constituiu num dos pilares da Organizao Mundial do Comrcio OMC, criada em 1995 (WTO, 2009). A partir de ento, atingiu-se um nvel de integrao que permite falar, sem exageros, de um sistema global de propriedade intelectual.

    Deve-se notar que, por sua prpria natureza, ttulos de propriedade intelectual tm seu valor inteiramente determinado pela extenso econmica sobre a qual se aplicam os direitos exclusivos por eles assegurados. Esse enunciado, que em geral verdadeiro, se torna ainda mais evidente em regimes mais abertos de comrcio. A necessidade de proteger o conhecimento nas diferentes jurisdies avana, portanto, na mesma medida em que avana o processo de globalizao do comrcio.

  • 45

    COLEO

    evidente tambm a correlao entre a maior circulao de ativos intangveis e a emergncia da chamada Economia do Conhecimento. Esta, do ponto de vista dos fatores de produo, pode ser caracterizada pela organizao dinmica dos ativos de conhecimento, geradores de inovaes, em sistemas cooperativos que se caracterizam pela busca por sinergias e complementaridades. Esses sistemas acolhem atores econmicos de distintas naturezas e procedncias, que interagem constrangidos, de maneira positiva ou negativa, pelos regimes de regulao das transaes pertinentes a conhecimento. Os regimes, a que cada ator est submetido, possui dimenses locais, nacionais, regionais e globais, apresentando aspectos diferenciadores de natureza setorial. Sobressai, portanto, que, quanto mais as regras a que cada ator se encontra submetido forem comunicveis com os sistemas de regras a que esto submetidos os demais, mais simples, segura e menos custosa se torna a cooperao, tornando esse particular ator econmico e seu sistema de relaes mais propenso a inovar. H, assim, razes de eficincia econmica associadas progressiva internacionalizao do sistema de propriedade intelectual.

    Aliadas a essas razes mais gerais, h outras, de natureza operacional, que conduzem para a comunicabilidade entre sistemas de apropriao e para a cooperao internacional em matria de propriedade intelectual. O exame de patentes, particularmente, custoso e complexo, ao ponto de ser invivel uma anlise cuidadosa por grande parte das autoridades de propriedade industrial de muitas naes em desenvolvimento e mesmo de naes desenvolvidas. Decorrente disso, firmou-se, em 1970, o Tratado de Cooperao em Matria de Patentes, conhecido como PCT (na sigla em ingls), que tem como um de seus propsitos o apoio ao trabalho tcnico de exame empreendido pelos pases ou escritrios regionais dos pases membros (WIPO 2009 3). Tambm no foi por outra razo que, j na dcada de 1970, pases europeus se associaram e criaram o Escritrio Europeu de Patentes, ou EPO, na sigla em ingls (EPO 2009). O PCT confere condies de cooperao,

  • 46

    Jorge vila

    enquanto o sistema europeu chega a oferecer ttulos de propriedade validveis de modo simples, sem reexame, pelos pases membros, constituindo assim um modelo de maior expressividade.

    Acordos de cooperao regional, de caractersticas semelhantes s do PCT ou do EPO, tm sido desenvolvidos em todas as regies do globo. H duas importantes associaes na frica, uma em moldes PCT e outra ainda mais profunda que o EPO. A primeira organiza e realiza as atividades de exame, oferecendo esses resultados para a deciso nacional, tomada de acordo com a legislao de cada pas, em moldes semelhantes ao PCT. A segunda toma por base a total harmonizao das legislaes de propriedade intelectual entre seus pases membros, conferindo ttulos de validade transnacional que, diferentemente dos ttulos emitidos pelo EPO, tm validade automtica em todos os pases membros. H tambm na sia um conjunto relevante de iniciativas de cooperao regional em propriedade industrial ou intelectual. Dentre estas, a Organizao Eurasitica de Patentes, congregando dez ex-repblicas soviticas, merece ateno por se tratar de iniciativa que, do ponto de vista operacional, se organiza de modo inteiramente distinto das experincias de cooperao anteriores.

    A Organizao Eurasitica no substitui os escritrios nacionais pr-existentes ou em processo de criao ou consolidao. Esse Escritrio tem capacidade de exame em algumas reas, mas, de fato, sua atividade principal receber de modo centralizado os pedidos de patentes dos cidados e empresas dos pases membros interessados em ttulos de abrangncia regional, bem como coordenar o esforo de exame feito de maneira no redundante pelos escritrios nacionais cooperados com capacidade para faz-lo, especialmente pelo Escritrio de Patentes da Confederao Russa (EAPO, 2009).

    A Amrica do Sul deu poucos passos no processo de integrao em matria de propriedade intelectual e no

  • 47

    COLEO

    processo de cooperao entre oficinas de marcas e patentes. Propostas recentes de harmonizao tm tido sucesso limitado, mas surgem, agora, entre parte dos pases do continente, propostas que podem contornar as dificuldades de harmonizao e enfrentar o desafio da cooperao sem ferir usos e tradies jurdicas dos pases participantes. Esse movimento poder se revelar fundamental para assegurar a insero mais ativa do continente no processo global de inovao. Explorar as oportunidades com que se defrontam os pases sul-americanos, os modelos possveis para essa integrao e as dificuldades que se interpem sua implementao constituem o objeto deste breve ensaio.

    2. ProPrIedade IndustrIal na aMrIca do sul

    Do ponto de vista institucional, os pases sul-americanos apresentam longa tradio na rea de marcas e patentes, originada de demandas externas por proteo referente das empresas estrangeiras que investem nessa regio desde os tempos coloniais. O sistema desenvolvido, h mais de cem anos, encontrou forte adeso pelas empresas locais, quanto proteo de marcas nas economias nacionais, especialmente entre as empresas industriais de porte mdio e grande para os padres locais. Contudo, no tiveram a mesma penetrao outras modalidades de proteo da propriedade intelectual. Particularmente, h notvel subutilizao do sistema de patentes que, apenas em parte, pode ser atribuda falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento pelas empresas locais. Mais acurado seria atribuir tal subutilizao falta de formalidade e pouca organizao das atividades de pesquisa, desenvolvimento e engenharia, que faz com que as melhoras tecnolgicas incrementais evidentemente frequentes sejam incorporadas de modo automtico nas linhas de produo sem o aproveitamento das oportunidades de gerao de propriedade que delas decorreriam.

  • 48

    Jorge vila

    Soma-se a isso a pouca familiaridade das universidades e instituies de pesquisa com o sistema de patentes. Os sistemas de incentivo produo acadmica no privilegiam de modo adequado a transferncia de tecnologia para o setor produtivo e muitos integrantes da esfera pblica de pesquisa ainda no percebem o papel que as patentes desempenham nesse processo. No as entendem, portanto, como participantes do sistema de publicaes que norteia a vida acadmica.

    No se desenvolveu, tampouco, uma tradio de busca por proteo das marcas sul-americanas em terceiros mercados que no o do pas de origem e, menos ainda, da proteo transnacional de outras modalidades de propriedade intelectual. Esse fato pode ser atribudo ao continuado isolamento das economias em referncia, cuja abertura se deu h menos de vinte anos e apenas recentemente comearam a ocorrer investimentos internacionais relevantes por parte das respectivas empresas. Mesmo iniciativas de integrao mais profundas entre economias nacionais vizinhas so muito recentes, o que explica o pouco volume de marcas oriundas de um pas sul-americano protegidas nos demais pases e mesmo a pouca preocupao com a construo de sistemas intercomunicveis de marcas e patentes nesses pases latinos.

    Poucos pases da Amrica do Sul participam do PCT e outros poucos do Tratado de Lisboa, no que se refere comunicabilidade da proteo das indicaes geogrficas. Nenhum desses participa at hoje do Protocolo de Madrid, que intercomunica sistemas nacionais e regionais de marcas. exceo do Pacto Andino, que logrou construir uma legislao comum de propriedade industrial, no h iniciativas de harmonizao intrarregional. O MERCOSUL avana muito lentamente nesse campo, enquanto entre esses dois blocos e os demais pases sul-americanos avana-se ainda mais lentamente.

    Mudana recente de perspectiva deveu-se ao advento dos Tratados de Livre Comrcio, bilaterais, travados entre

  • 49

    COLEO

    muitos desses com pases ou demais blocos econmicos desenvolvidos, particularmente, com os Estados Unidos. Esses tratados incluem clusulas que conduzem maior participao nos tratados internacionais de Propriedade Intelectual e, por gerarem maior harmonizao com os sistemas norte-americanos, acabam por gerar tambm, ainda que de modo indireto e, portanto, imperfeito, maior harmonizao intracontinental. preocupante, contudo, que essa trajetria no seja guiada por um verdadeiro moto de integrao intracontinental. Uma iniciativa verdadeiramente integradora nesse plano aumentaria o poder de barganha nos acordos bilaterais com pases desenvolvidos, o que permitiria maior comunicabilidade entre as iniciativas decorrentes da adoo das clusulas de propriedade intelectual aceitas por pas nesses acordos.

    3. autorIdades de ProPrIedade IndustrIal ou

    Intelectual da aMrIca do sul

    Um dos grandes desafios do sistema de propriedade intelectual sempre foi o desenvolvimento de capacidade tcnica para proceder aos exames necessrios para reconhecer como legtima e legal a propriedade intelectual sobre solues tecnolgicas (patentes) e sobre sinais distintivos de negcios, produtos e servios (marcas). No que se refere capacidade operacional de cada escritrio nacional da Amrica do Sul, cabem observaes gerais e particulares.

    Aps dcadas de absoluta ineficincia no exame e na concesso de marcas nos pases de que se trata, ocorreu, nos ltimos 10 (dez) anos, expressivo aumento da capacidade de exame dessa natureza de propriedade. H, tambm, nas esferas de governo ligadas ao tema, um avano significativo no entendimento das relaes entre propriedade intelectual e desenvolvimento industrial, alm de maior compreenso

  • 50

    Jorge vila

    do sistema de patentes suscitada em grande medida pelo crescente interesse e preocupao das empresas locais com o tema da inovao. No h, contudo, capacidade suficiente de exame em matria de patentes, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto do ponto de vista qualitativo. Muitos escritrios recorrem a especialistas externos, mas esse regime no suficiente para garantir capacidade e qualidade de exame. Como resultado, acumulam-se atrasos e persistem zonas de incapacidade, especialmente, nos campos da tcnica mais relacionados aos avanos contemporneos da cincia.

    Os escritrios encarregados do exame de patentes na Amrica do Sul vm sofrendo reformas e ampliaes, mas ainda esto distantes da realidade alcanada pela chamada Trilateral (escritrios de propriedade intelectual dos Estados Unidos, do Japo e o Escritrio Europeu de Patentes) e pelos escritrios da Coreia e da China. Deve-se, neste ponto, salientar que mesmo esses grandes escritrios deparam com problemas de atrasos e acmulos na rea de patentes.

    A experincia internacional parece demonstrar que necessrio manterem-se autoridades marcrias autnomas no nvel nacional. Nas grandes economias, pode at mesmo fazer sentido ter marcas de amplitude menor que a totalidade das jurisdies nacionais. Afinal, uma marca deve estar protegida nos mercados que atinge ou que pretende atingir num futuro prximo, no havendo prejuzo em se franquear nomes e outros sinais distintivos em outros mercados. Isso no significa, contudo, que no deva existir um sistema simples para a proteo de marcas transnacionais sempre que isso fizer sentido.

    No campo das patentes, a realidade distinta. No mundo da cincia globalizada, uma patente s pode e s deve ser concedida quando representar de fato contribuio ao estado da tcnica em nvel global. O exame, forosamente, requer a cooperao entre autoridades dos distintos pases, ao menos no intercmbio de informaes sobre as patentes j concedidas, pois apenas o conjunto total dos bancos de

  • 51

    COLEO

    patentes representa fonte de informao capaz de oferecer algum nvel de segurana na aferio da novidade de algo sobre o qual se requer uma patente. A busca em bancos de patentes difcil e onerosa e, quando replicada, pode representar redundncia desnecessria, embora nem sempre. Os bancos de patentes contm informao nos idiomas dos pases que os gerenciam, sendo virtualmente impossvel que uma autoridade nacional seja capaz de produzir buscas eficazes em todos os idiomas relevantes.

    Isso no impediu, contudo, que a redundncia se tornasse ainda mais evidente quando TRIPS estabeleceu critrios universais para a concesso de uma patente. Especialmente, ao constatar que significativo nmero de pases no dispe de capacidade tcnica em seus escritrios sequer para realizar buscas e exames sobre as patentes escritas em seu prprio idioma.

    4. aquecIMento do coMrcIo reGIonal e deManda Pela Proteo reGIonal das

    Marcas e das IndIcaes GeoGrFIcas

    No restam dvidas de que a integrao econmica entre os pases da Amrica do Sul avana e continuar a avanar. O comrcio entre esses pases, uma vez caracterizado por forte concentrao nas chamadas commodities agrcolas, j hoje bastante mais diversificado, verificando-se que, at mesmo concernente a produtos alimentcios e bebidas, j relevante a participao de produtos destinados ao consumidor final e diferenciados por marcas e outros sinais distintivos, como so as indicaes geogrficas.

    A inexistncia de um canal simples para o registro de marcas de empresas e de cidados de um pas nos demais pases da regio cria situaes indesejveis de competio desleal, alm de custos com litigncias administrativas e judiciais

  • 52

    Jorge vila

    que, no mais das vezes, so enfrentados apenas por empresas de maior porte. As menores veem-se, assim, prejudicadas por um ambiente de pouca possibilidade de proteo dos ativos que as tornam distintas de seus concorrentes quando competem fora do seu pas de origem.

    Dentre os segmentos mais afetados por essa situao, cabe citar o segmento de moda, vesturio e calados, o de mveis e utenslios para o lar, ao lado de todos os objetos de consumo no durveis e dos produtos alimentcios e de bebidas comercializados com marca. Juntos, esses segmentos respondem por percentual significativo e crescente do comrcio inter-regional. Esse crescimento ocorre na medida em que se processa a substituio do comrcio de produtos a granel sem marca por produtos embalados nos mercados de origem em decorrncia da prpria abertura comercial intrarregional. Quando se toma em conta apenas o universo das microempresas, das pequenas e das mdias, a participao relativa dos produtos com marca expressiva nesses mercados presumivelmente muito maior, uma vez que pequenas empresas dificilmente conseguem competir nos mercados dependentes de grandes escalas como so os mercados de commodities.

    O restante do comrcio inter-regional com marca se concentra nos bens de consumo durveis, controlados por grandes grupos multinacionais, enquanto no segmento dos produtos comercializados sem marca esto essencialmente as commodities agropecurias, exportadas por grandes empresas.

    5. HarMonIzao leGIslatIVa eM MatrIa de ProPrIedade IndustrIal

    Diversos pases sul-americanos constituram seus sistemas de propriedade industrial segundo trajetrias nacionais

  • 53

    COLEO

    prprias, em geral, mimetizando instituies de maior maturidade estabelecidas em pases de desenvolvimento industrial mais avanado, com o apoio da Organizao Mundial da Propriedade Intelectual OMPI e do Escritrio Europeu de Patentes - EPO. Esses processos foram realizados em etapas estabelecidas tambm segundo lgicas nacionais com pouca ou nenhuma ateno, tendo sido conferida a eventual futura necessidade de integrao dos sistemas dos respectivos pases.

    Os procedimentos de exame e mesmo a forma e a natureza de alguns documentos requeridos para a avaliao de pedidos e oposies, assim como os ritos administrativos organizados para avaliao de recursos, nulidades e caducidades, so bastante diferentes entre os pases. A exceo nesse contexto de heterogeneidade, que constitui o mais elaborado esforo de harmonizao do continente, deu-se em nvel sub-regional, abarcando os pases da Comunidade Andina, que lograram estabelecer uma diretiva comum de propriedade industrial com valor de lei supranacional (Comunidade Andina, 2009). Embora com o passar dos anos tenha havido problemas de manuteno da ordem instituda, fato que se agravou com o advento do Tratado de Livre Comrcio negociado entre esses pases e os Estados Unidos, nvel de harmonizao semelhante jamais foi construdo entre outros pases do continente.

    O MERCOSUL apenas recentemente conseguiu aprovar diretrizes para futura harmonizao no campo das marcas, mas pouco avanou nos demais campos. Mesmo a implementao dessa diretriz, por meio de alteraes nas legislaes nacionais, deve ainda ser objeto de discusses e entraves.

    No h barreiras intransponveis de entendimento entre os pases no que tange propriedade industrial, pois h grande nvel de harmonia quanto natureza substantiva e aos requisitos tcnicos que devem ser observados para a concesso ou manuteno de marcas, patentes e outros ttulos de propriedade industrial. H, contudo, grandes diferenas quanto aos aspectos formais. Essas diferenas

  • 54

    Jorge vila

    foram estabelecidas pela lei, pela jurisprudncia e pela prtica administrativa de cada pas, mas a elas no se pode atribuir com simplicidade um valor de escolha poltica. Na maior parte das vezes, tais diferenas se estabeleceram como simples corolrios da falta de integrao, devendo-se a uma sequncia de decises entre alternativas que poderiam ser consideradas neutras quando observadas individualmente e que se tornaram problemas e adquiriram valor de escolha apenas quando contrastadas s prticas dos demais pases com os quais se pretende cooperar.

    Assim, por exemplo, em alguns pases, aceitam-se oposies a marcas depositadas apenas aps a concesso, enquanto outros trabalham com oposies prvias concesso e ainda outros as aceitam tanto antes quanto depois, como o caso do Brasil. No se pode afirmar que uma prtica seja superior outra. Pode-se apenas constatar que, devido ao fato de os rituais serem diferentes, instituiu-se uma variedade de procedimentos e requisitos que, por sua falta de coordenao, impem barreiras e retiram valor das empresas que dependem da proteo de suas marcas em diferentes pases do continente.

    Em alguns pases, realizam-se exames de todas as patentes depositadas, enquanto em outros os exames so realizados apenas quando h oposio. H vantagens econmicas no exame generalizado, mas os custos adicionais podem no ser compensadores, quando o nmero de patentes relativamente baixo, o que ocorre em muitos pases. Contudo, quando se aprecia o conjunto de patentes depositadas na regio de interesse e sua importncia econmica agregada, no restam dvidas da convenincia de se examinar a totalidade fato que aponta para a convenincia de alguma forma de cooperao nos exames de patentes.

    Do ponto de vista substantivo, as diferenas so menores, mas ocorrem. H grande convergncia no mundo quanto aos critrios que devem ser observados para se ter a posse de ativos de propriedade industrial. Para tanto, as leis, jurisprudncias e prticas adotadas na Amrica do Sul foram

  • 55

    COLEO

    estabelecidas sob o marco dessa convergncia conceitual. Mas, tambm aqui, se observam algumas diferenas. A proximidade de um sinal novo a outro pr-existente, que se entende suficiente para torn-los passveis de produzir confuso, variou com o desenrolar das jurisprudncias e prticas de exame em cada pas. O mesmo se deu, ainda que em menor intensidade e apenas em campos especficos, com o nvel de atividade inventiva requerido para a concesso de uma patente.

    Ainda que pequenas, e ainda que muito pouco relevantes do ponto de vista de seu impacto econmico, essas escolhas diferenciadas se mostram, no mundo inteiro e em todos os campos da regulao e da poltica pblica, difceis de superar. Essa dificuldade explica o caminhar vagaroso do MERCOSUL na construo de uma legislao comum de propriedade industrial e tambm a dificuldade do Pacto Andino para a sua manuteno. Torna-se muito pouco crvel, portanto, a possibilidade de uma reverso de tendncia e de uma rpida reviso legal nesse campo por todo o conjunto de naes sul-americanas.

    A esse fato se pode atribuir diversas explicaes dentre as quais figuram as relaes entre essas discusses e os interesses atingidos nas negociaes transnacionais de comrcio, as diferentes tradies administrativas e at o fato de ser a propriedade industrial relativamente pouco usada, conhecida e compreendida pela maior parte das populaes e mesmo pelos segmentos empresarial e governamental dos pases sul-americanos.

    Superar essa situao talvez seja possvel e at mesmo necessrio, mas no se pode esperar que isso ocorra no prazo de poucos anos. Faz sentido, portanto, e frente a tudo que antes se falou da necessidade de um ambiente mais simples para registrar a propriedade industrial na regio, que se avaliem alternativas ao esforo de harmonizao legislativa.

    Em oposio a um modelo que estabelece a harmonizao como ponto de partida, que preconiza que, de cima para

  • 56

    Jorge vila

    baixo, se revejam jurisprudncias visando a harmonizar procedimentos e, finalmente, a propiciar interface de servios para os usurios, pode-se pensar num modelo que parta da oferta integrada de servios e construa uma visibilidade interinstitucional que permita o intercmbio de melhores prticas culminando na traduo seletiva dessas prticas em avanos jurisprudenciais e finalmente legislativos.

    Esse modelo de integrao se contrape ao outro no apenas por inverter o sentido da interveno, mas tambm pelo fato de alicerar-se na cooperao operacional, ao passo que a via oposta, que parte da harmonizao, se alicera na competio entre variedades formais. Um processo de cooperao de caractersticas semelhantes s descritas hoje organizado entre oito escritrios nacionais da Amrica do Sul, cujas etapas e respectivos modos de se organizar o trabalho esto descritos a seguir.

    6. Projeto de cooPerao reGIonal eM MatrIa de ProPrIedade IndustrIal

    Do contraste entre a necessidade de maior integrao e as dificuldades de harmonizao entre os sistemas de propriedade industrial da Amrica do Sul, foi a busca de alternativas que, respeitando as trajetrias institucionais de cada pas, propiciou ambiente mais compreensvel e seguro, em que fosse simples e pouco custoso obter o registro e a proteo de qualidade da propriedade industrial em cada pas da regio.

    A construo de um ambiente de cooperao entre os escritrios de propriedade industrial nesses pases representa uma resposta a essa busca. Esses escritrios, diferentemente de outros segmentos institucionais, percebem como convergentes as prticas estabelecidas entre os pases e acreditam poder construir um ambiente

  • 57

    COLEO

    amigvel com ganhos de praticidade e informao para os usurios, alm de ganhos de produtividade e qualidade para os prprios escritrios.

    A coordenao entre a oferta integrada de servios e prefalados escritrios permite avanos que no requerem qualquer tipo de harmonizao suplementar j existente, podendo, pelo contrrio, alicerar-se nas prticas implantadas e nos recursos hoje disponveis.

    Tal esforo pode ser sistematizado em trs grandes eixos de cooperao e integrao.

    Oferta integrada de informao tecnolgica e marcria

    O acesso informao sobre e marcas e patentes j concedidas ou em processo de exame constitui elemento fundamental de informao para os usurios do sistema. Numa economia progressivamente mais integrada, novas marcas devem ser passveis de registro em todas as sub-regies nas quais uma empresa possa vir a interessar-se por fazer negcios. Assim, fundamental conhecer as marcas que j esto registradas em cada pas da regio, fazendo-se mister uma plataforma de informao sobre marcas que provenham tal informao de modo simples e pouco custoso. Uma patente, para ser concedida, deve representar novidade global, tornando fundamental que a informao sobre as patentes anteriores seja fcil de ser obtida em toda a regio. Num continente de industrializao relativamente tardia, tambm conveniente conhecer-se o que est e o que no est protegido em seus limites territoriais e econmicos e em cada parte dessa extenso. Supondo-se eventual falha informacional, a unio de toda a informao patentria disponvel nos locais desejados representa ganho de qualidade nos exames e maior segurana para todos os usurios. O projeto de cooperao e integrao entre os escritrios contempla, portanto, a unio das bases de dados de marcas e patentes dos diferentes escritrios.

  • 58

    Jorge vila

    Interface comum de acesso aos sistemas nacionais de proteo de marcas e patentes

    Proceder-se ao depsito de marcas e patentes no constitui tarefa de grande complexidade, mas quando isso se processa em vrios pases sob regimes administrativos e formais distintos com suas exigncias idiossincrticas, a dificuldade exponenciada. Isso se agrava, ou talvez se torne mesmo incontestvel, quando se tem no meio de comunicao entre usurio e sistema uma dessas idiossincrasias. Os sistemas de interface so hoje nacionais, modelados de modo a captarem do usurio as informaes requeridas por legislao nacional no tempo e forma legalmente estabelecidos. Sem nada se alterar em termos dessas legislaes, possvel desenvolver-se interface nica, que requeira apenas uma vez cada pedao de informao, seja ele destinado a compor as exigncias de apenas um pas, de alguns pases, ou de todos os pases consorciados na iniciativa. possvel fazer dele, tambm, a nica pea informacional necessria, suprindo-a com todas as exigncias e informaes formuladas pelas oficinas nacionais. Tal interface comum, obtida por unio de requisitos (e no por interseo, como seria