inmaculada revista española

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1 CONCEPES E PRTICAS DE ORGANIZAO E GESTO DA ESCOLA: CONSIDERAES INTRODUTRIAS PARA UM EXAME CRTICO DA DISCUSSO ATUAL NO BRASIL ( ) Jos Carlos Libneo ( ) ResumoAs escolas tm como tarefas a educao, o ensino e a aprendizagem dos alunos em relao a conhecimentos, procedimentos, valores, tarefas que se cumprem pelas atividades pedaggicas, curriculares e docentes. Os meios e condies de consecuo desse propsito so assegurados pelas formas de organizao escolar e de gesto, elas prprias tambm portadoras de influxos educativos. Objetivos e funes da escola e formas de organizao e de gesto so, pois, interdependentes. Entretanto, do ponto de vista terico, so dois mbitos da atividade escolar que resultam em campos de investigao com distintos objetos de estudo. Em geral, as diferentes concepes pedaggicas tm como suposto que as escolas so instituies sociais que, para cumprirem seus objetivos, necessitam condies e meios de funcionamento. Divergem, no entanto, em relao escolha e operacionalizao desses meios. Neste artigo, so apresentados elementos para um exame crtico das concepes de organizao e gesto de escolas no Brasil, numa perspectiva ao mesmo tempo histrica e terica. Buscase compreender a trajetria das disciplinas Administrao Escolar ou Organizao e Gesto e as modalidades de exerccio profissional conexas, a relao entre as mudanas polticas e o desenvolvimento das concepes de Organizao e Gesto, a relao entre funes e objetivos da escola e a adoo de prticas de organizao e gesto. O artigo termina com a apresentao de concluses parciais e a discusso de alguns dilemas scio-pedaggicos implicados nos estudos da escola hoje.

Introduo As escolas existem para promover o desenvolvimento das potencialidades fsicas, cognitivas e afetivas dos alunos por meio da aprendizagem de saberes e modos de ao, para que se transformem em cidados participativos na sociedade em que vivem. Seu objetivo primordial, portanto, o ensino e a aprendizagem, que se cumpre pelas atividades pedaggicas, curriculares e docentes, estas, por sua

( ) Artigo publicado na Revista Espaola de Educacin Comparada, Madrid, Espanha. Ao 2007, Numero 13. Edicin monogrfica: Administracin y gestin de los centros escolares: panormica internacional. ( ) Professor Titular da Universidade Catlica de Gois, Goinia, Brasil. O autor agradece as contribuies de Mirza Seabra Toschi e Raquel A. M. Madeira Freitas para o aprimoramento do texto. Agradece, tambm, a Inmaculada Egido, da UAM, por propiciar este espao de discusso no campo da Educao Comparada e pela reviso do texto em espanhol.

2 vez, viabilizadas pelas formas de organizao escolar e de gesto. Constituem-se, assim, dois campos de investigao, de prticas e de exerccio profissional, articulados entre si pela correlao, numa instituio, entre fins e meios. O exame das variadas concepes pedaggicas e, nelas, a viso de escola, permite deduzir que nenhuma delas nega o fato de que as escolas so instituies sociais que, para cumprirem seus objetivos, precisam ser, de alguma forma, administradas ou geridas. No entanto, apresentam posies diferentes e, frequentemente, conflitantes em relao ao objetivo social das escolas e s formas organizacionais. O que est sendo proposto neste artigo um balano crtico dessas posies no contexto educacional brasileiro, especialmente, buscando entender que papel tais concepes reservam s formas de organizao e gesto na efetivao da qualidade de ensino e da aprendizagem. A organizao e gesto estariam tendo um papel reconhecido, por parte dos governos e dos intelectuais da educao, no provimento de condies para se atingir objetivos da escola? Admitida a necessidade da gesto, como estariam sendo formados diretores de escola, gestores escolares, coordenadores pedaggicos? Em que grau diferenas na viso do objetivo das escolas estariam se projetando em diferentes vises do lugar das prticas de gesto no funcionamento das escolas? A linha norteadora da discusso visa mostrar que o papel das formas de organizao e gesto da escola para a qualidade de ensino depende da identificao de diferenas na concepo de sociedade e nos objetivos propostos para a escola em funo dessa concepo. Com efeito, admitida a necessidade social de que as escolas disponham de meios organizacionais (de alguma natureza) para alcanar seus objetivos, algumas questes antecedem essa afirmao. Para qual modelo de sociedade os alunos so educados e ensinados? Que significa aprender em relao a essa viso de sociedade? Em que consistem, precisamente, as aprendizagens escolares? O que a comunidade, as famlias e os prprios alunos esperam de uma escola? Que caractersticas de uma escola fazem diferena no que diz respeito ao nvel da qualidade de ensino e de reputao na comunidade? Mas, por outro lado, o que se entende por qualidade de ensino? Poder-se-ia, por exemplo, afirmar que uma escola bem organizada e gerida aquela que cria e assegura condies organizacionais, operacionais e pedaggico-didticas para o bom desempenho de professores e alunos em sala de aula, de modo a se obter sucesso na aprendizagem. H, de fato, estudos que comprovam a efetividade das caractersticas organizacionais no sucesso escolar dos alunos (Nvoa, 1995; Barroso, 1996; Luck, 1998). Entretanto, h concepes de escola que, embora estejam interessadas em resultados escolares positivos, desdenham da importncia dessas caractersticas por entenderem que representam formas de controle do trabalho tpicas da administrao empresarial capitalista. Outras concebem as escolas muito mais como lugares de convivncia e socializao do que de aprendizagem de contedos ou

3 de promotoras do desenvolvimento mental, dispensando formas mais estruturadas de organizao do trabalho escolar. H ainda propostas que, assentadas no principio da autonomia, imaginam poder operar as escolas sem vnculos institucionais com outras instncias da sociedade e do sistema escolar. Em cada um desses casos, surgem concepes peculiares acerca do papel das prticas de organizao e gesto em relao a objetivos desejados. precisamente em torno destas questes que se move este texto, tendo por base a observao da realidade das escolas e o suporte da produo bibliogrfica disponvel. Embora o tema permita ligaes com as polticas e diretrizes educacionais, a organizao do sistema de ensino, as formas especficas de organizao do currculo como os ciclos de escolarizao1 e modalidades de avaliao, as relaes entre o pblico e o privado, os critrios de qualidade de ensino, etc., o que se abordar aqui refere-se mais diretamente s concepes e prticas de organizao e gesto da escola, tomadas no sentido estrito. necessrio esclarecer que, no Brasil, a expresso organizao e gesto da escola no tem emprego unnime entre os estudiosos brasileiros do assunto, embora ocorra o mesmo com outras denominaes. Na tradio dos estudos sobre a escola, j nas primeiras dcadas do sculo XX, as questes relacionadas com o planejamento, organizao, gesto e controle de atividades educacionais estiveram vinculadas ao termo Administrao Escolar. Em 1963 um prestigiado autor publicou um livro com o ttulo Organizao e Administrao Escolar, dando mais abrangncia ao termo organizao2. Nos anos 1950, um dos primeiros sistematizadores da administrao escolar no pas, Jos Querino Ribeiro (1952), embora mantendo a denominao Administrao Escolar, considerava o termo gesto mais abrangente por incorporar aspectos filosficos e polticos implicados na administrao. Recentemente, esse termo voltou ao uso corrente. Por volta dos anos 1980, em decorrncia do recrudescimento da viso ideolgica e poltica da escola, adotou-se nos meios intelectuais de esquerda a expresso Organizao do trabalho escolar, em que predominava como contedo a anlise da escola com base na crtica s formas de organizao do trabalho capitalista, desprezando-se o contedo especfico. Em 1986 surgiu um livro que se tornou clssico no mbito da Administrao Escolar, na viso marxista, em que o autor argumenta que a administrao pode ser vista, tanto na teoria como na prtica, como dois amplos campos que se interpenetram: a racionalizao do trabalho e a coordenao do esforo humano1

Ciclos de escolarizao referem-se a uma organizao flexvel na seqncia de graus escolares, respeitando-se os diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos. Conforme as orientaes curriculares oficiais, os oito anos de ensino fundamental esto organizados em quatro ciclos. 2 Loureno Filho escreveu nesse livro: Organizar (...) bem dispor elementos (coisas e pessoas), dentro de condies operativas (modos de fazer), que conduzem a fins determinados. Administrar regular tudo isso, demarcando esferas de responsabilidade e nveis de autoridade nas pessoas congregadas, a fim de que no se perca a coeso do trabalho e sua eficincia geral. (Loureno Filho, 1976, p. 41)

4 coletivo. (Paro, 1986). Paro empenha-se em compreender a administrao em geral, comum a todo tipo de estrutura social, e a administrao geral, forma concreta da administrao historicamente determinada pelas relaes econmicas, polticas, sociais, que se verificam sob o modo de produo capitalista. Da destaca seu carter instrumental e, como tal, aplicvel a uma viso de administrao escolar voltada para a transformao social. Em face dessa variedade de entendimentos, adotamos, para este balano crtico, a expresso organizao e gesto, em que organizao compreendida como unidade social que rene pessoas que interagem entre si e que opera por meio de estruturas e processos organizativos prprios, para se alcanar os objetivos da instituio e gesto, o processo de tomada de decises e a direo e controle dessas decises3. Incorporamos nesta expresso os mesmos fenmenos identificados pelos autores mencionados, em seu sentido mais simples e comum: conjunto das condies, meios e recursos intelectuais, fsicos, materiais e financeiros e das formas de administrao, coordenao e gesto do trabalho das pessoas, de modo a se atingir os objetivos prprios das escolas4. Para organizar a discusso sobre o papel que tem sido dado organizao e gesto das escolas para a consecuo de objetivos educacionais, o texto mostra, no primeiro tpico, o desenvolvimento terico dos estudos de Administrao Escolar no Brasil e sua aplicao profissional. No segundo tpico, so apresentados elementos histricos para situar a relao entre as mudanas polticas ocorridas no pas nos ltimos 50 anos e o desenvolvimento das concepes de Organizao e Gesto. O terceiro apresenta consideraes para o exame crtico das concepes de prticas de organizao e gesto. Finalmente, no quarto tpico, so discutidos alguns dilemas scio-pedaggicos em relao ao estudo da escola e perspectivas de sua superao. 1- Administrao Escolar ou Organizao e Gesto da Escola? A trajetria do campo disciplinar (pesquisa e ensino) e das modalidades de exerccio profissional. Nos anos 1930, em razo da ampliao da demanda escolar, aumento do nmero de escolas e de professores, vo se delineando no Brasil aes mais incisivas do poder pblico na efetivao do sistema pblico de ensino, entre elas, a preparao de profissionais da educao. Convencionou-se que o planejamento das polticasNa prtica, os termos organizao e administrao podem ser utilizados combinadamente, desde que se explicite o contedo de cada um. Por exemplo, os mbitos de estudo da administrao definidos por Paro, a racionalizao e a coordenao do trabalho, cobrem, tambm, o contedo da organizao.3

O autor deste artigo no desconhece o entendimento mais avanado das formas de organizao da escola como espao de aprendizagem, no sentido de comunidade de aprendizagem definido por Prez Gmez como lugar em que se vivenciam e se compartilham prticas e valores (1998, p.97). Nesse sentido, as prticas de organizao e gesto so prticas educativas, elas influenciam nos processos de aprendizagem dos alunos e nas atividades profissionais dos professores, constituindo-se, dessa forma, em espao de formao continuada.4

5 educacionais, da gesto do sistema de ensino e das escolas seriam tarefas de pedagogos, da a necessidade de se regulamentar o curso de Pedagogia. A primeira legislao especfica desse curso deu-se em 1939, havendo em seguida mais trs regulamentaes: em 1962, em 1969 e, a mais recente, em 2006. A de 1939 definia a formao do pedagogo como tcnico de educao5, com durao de trs anos, recebendo o titulo de bacharel em Pedagogia. Com mais um ano de estudos, formava-se o professor para ensinar nas escolas normais, recebendo o ttulo de licenciado em Pedagogia6. Incluam entre as disciplinas do currculo do bacharel, a Administrao Escolar e a Educao Comparada7. A Administrao Escolar tambm aparecia, tambm, no currculo de formao do licenciado. Essa legislao foi modificada pela Resoluo n. 251/1962, para atender Lei de Diretrizes e Bases aprovada pelo Congresso Nacional no ano anterior. Essa Resoluo estabelecia para o curso de Pedagogia a funo de formar especialistas em educao e os professores para os cursos normais. Foram mantidas no currculo as disciplinas Administrao Escolar e Educao Comparada. So fixadas tambm, atravs de Parecer n0 292/1962, as matrias pedaggicas dos cursos de licenciatura para a formao de professores para o antigo ginsio8 e o ensino mdio, em cujo currculo consta a disciplina Elementos de Administrao Escolar, cujo objetivo era levar o licenciando a conhecer a escola em que iria atuar, seus objetivos, sua estrutura e os principais aspectos do seu funcionamento, alm de propiciar uma viso unitria da relao escola-sociedade. Desse modo, a denominao Administrao Escolar compreendia o estudo das questes relacionadas com o planejamento, organizao, gesto e controle de atividades educacionais, dentro dos parmetros da Administrao Clssica. EmEssa legislao, publicada na forma de Decreto-Lei, regulamentava o curso para o exerccio dos cargos tcnicos de educao, portanto, para formar o tcnico de educao, designao genrica para profissionais que iriam ocupar no Ministrio da Educao funes de planejamento, superviso e inspeo de escolas. Nos documentos legais seguintes, o profissional formado no curso de Pedagogia passou a ser designado especialista em educao, para desempenhar tarefas no-docentes na escola tais como diretor de escola, supervisor pedaggico, inspetor escolar.5

No Brasil, diferentemente do que ocorre na Espanha, bacharel o ttulo (grau universitrio) conferido a um estudante que conclui o curso universitrio num campo profissional (p.ex., bacharel em Qumica, bacharel em Geografia, bacharel em Direito, etc.). Licenciado o ttulo (grau universitrio) conferido a um estudante que conclui um curso de formao de professores, isto , a um individuo que cursa uma licenciatura, um curso que prepara algum para exercer a docncia. Escola normal ou Curso Normal o curso de grau mdio para preparao de professores para a Educao Infantil e sries iniciais do ensino fundamental (estas, correspondentes na Espanha a Educao Primria). A Lei de Diretrizes e Bases da Educao em vigor prev a extino da escola normal em curto prazo, de modo que todos os professores venham a ter formao em nvel superior.6

Essa disciplina foi mantida na regulamentao de 1962 mas, infelizmente, desapareceu completamente nas regulamentaes posteriores. Nos atuais cursos de Pedagogia no consta essa disciplina.7

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O termo ginsio a antiga denominao atribuda aos estudos referentes s idades de 11 a 14 anos, correspondentes, hoje, na Espanha, Educao Secundria Obrigatria. Por muitos anos, a seqncia de sries no Brasil foi como hoje na Espanha: Ensino Primrio (7 a 10 anos)e Ensino Secundrio (11 a 14 anos). Ver sobre a organizao do ensino hoje no Brasil, nota de rodap n. 10.

6 1963 foi publicado o livro Organizao e Administrao Escolar, de M. B. Loureno Filho, que atribuia uma maior extenso do termo organizao, mas com poucas modificaes no contedo. Em 1969, j na vigncia do regime militar, define-se como finalidade do curso de Pedagogia a formao de profissionais no-docentes, denominados especialistas, para exercerem atividades de inspeo escolar, superviso escolar, orientao educacionao, direo de escolas. No currculo de formao para a habilitao Administrao Escolar, foram introduzidas as seguintes disciplinas: Estrutura e Funcionamento do Ensino, Princpios e Mtodos de Administrao Escolar, Administrao da Escola, Estatstica Aplicada Educao. Nos cursos de formao de professores, a nica disciplina destinada a contemplar contedos relacionados com o sistema de ensino e gesto das escolas foi Estrutura e Funcionamento do Ensino. Seis anos aps a segunda legislao, visando adequar os currculos de Pedagogia e das licenciaturas Lei no 5.540, de 1968 (conhecida como Lei da Reforma do Ensino Superior, do regime militar instaurado em 1964), foram homologados, respectivamente, os pareceres no 252/1969 e no 672/19699. A principal inovao dessa legislao foi a definio do curso de Pedagogia como formao de profissionais no docentes, criando-se as habilitaes profissionais para preparar especialistas em planejamento, superviso, administrao, inspeo e orientao educacional para atuarem no sistema escolar e nas escolas. Foram definidas na lei quatro habilitaes: Magistrio de disciplinas dos cursos normais, Orientao Educacional, Administrao Escolar, Superviso Escolar, Inspeo Escolar. No currculo bsico dessas habilitaes, a disciplina Administrao Escolar foi substituda pela disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1 e 2o Grau10. Argumentava-se que, com a denominao Administrao Escolar, o aspecto administrativo acabava prevalecendo, sem que se considerassem aspectos especficos referentes estrutura e funcionamento do ensino. Entretanto, para cada habilitao, foi includa a disciplina Princpios e Mtodos de... (Administrao, Orientao Educacional, Superviso, etc.). importante assinalar que, ao longo dos anos 1970, vai se firmando a idia da formao em curso superior de professores das sries iniciais da escolarizao11, e vai se consolidando a idia deEssa legislao, a despeito de pequenas mudanas e de autorizaes legais eventuais para experincias localizadas para modalidades de formao profissional, manteve-se praticamente inalterada at o ano de 2006.9

A organizao do sistema de ensino brasileiro tambm passou por vrias mudanas. Em 1971, a legislao previa um bloco nico de escolarizao bsica obrigatria correspondente a oito anos (dos 7 aos 14 anos) e mais trs anos de grau mdio (15 aos 17 anos), denominamos, respectivamente, ensino de 1 grau e ensino de 2 grau. Atualmente, o sistema educacional compe-se da Educao Bsica (formada pela Educao Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Mdio) e educao superior. O ensino fundamental a denominao correspondente, na Espanha, Educao Primaria e Educao Secundria Obrigatria, mas com oito anos de durao, enquanto que o Ensino Mdio corresponde, na Espanha, ao Bachillerato, mas com durao de trs anos.10

A concretizao dessa iniciativa dar-se- apenas na primeira metade dos anos 1980, de forma nooficial mas com apoio oficial velado, em iniciativas esparsas, mas que vai se tornando uma corrente cada11

7 formao dos especialistas em cursos de ps-graduao lato sensu (estudos posteriores graduao), a partir do mote formar o especialista no professor. Nos cursos de formao de professores, a nica disciplina relacionada com o sistema de ensino e a gesto das escolas foi Estrutura e Funcionamento do Ensino. Dentro da viso legalista e tecnicista da legislao, essa disciplina concebia as escolas como algo pronto e acabado no interior de um sistema educacional racionalmente organizado e de uma sociedade organicamente constituda e funcional. Como analisa Saviani (1987), tomou-se emprestado o modelo biolgico para definir o papel da disciplina, em que estrutura indicava a anatomia do ensino (os rgos que os constituem, suas caractersticas bsicas) e funcionamento, a fisiologia do ensino (o modo como funcionam os diversos rgos que constituem o ensino). O cerne da disciplina estava, assim, na descrio dos rgos e seu funcionamento e na anlise de seus componentes administrativos e curriculares, por meio de textos legislativos (leis, decretos, resolues, pareceres, indicaes e outros), ou seja, do que estava institudo e consolidado em lei. A partir de 1980, em meio a uma intensa retomada das discusses sobre as polticas educacionais, a escola pblica e a legislao educacional, possibilitada pelo arrefecimento da ditadura militar vigente desde 1964, toda a legislao anterior passou a ser questionada devido quele carter tecnicista e positivista mencionado. A disciplina Estrutura passou a ser trabalhada numa abordagem poltico-ideolgica, utilizando-se textos crticos em detrimento dos documentos legais. A despeito do esforo positivo de se efetuar uma anlise crtica da legislao e da realidade do ensino, essa abordagem tornou-se parcial e freqentemente partidarizada. Em muitos casos, a reduo do estudo anlise poltico-ideolgica do sistema de ensino e da legislao levou a se perder a especificidade do contedo da Administrao Escolar. Em alguns cursos de formao de professores, as disciplinas Administrao Escolar e Estrutura e Funcionamento do Ensino, foram substitudas por outras denominaes como Educao Brasileira, Polticas Educacionais, Organizao do Trabalho Pedaggico (ou Escolar), Gesto Escolar, com predomnio da anlise poltica do que das questes propriamente administrativas. Nesse mesmo perodo, professores se organizam em associaes destinadas a mudanas na legislao e, especificamente, ao controle do processo de reforma dos cursos de formao de educadores, contra as decises centralizadas do Ministrio da Educao (Cf. Silva, 1988). Em 1980 foi criado o Comit PrReformulao dos Cursos de Formao dos Profissionais devez mais forte. A incongruncia, no entanto, foi chamar o curso de formao para as sries iniciais da escolarizao, em nvel superior, de Pedagogia, descaracterizao a concepo at ento corrente de compreender o curso de Pedagogia como aprofundamento de estudos tericos, investigao educacional e desempenho de atividades no-docentes.

8 Educadores, transformado em 1990 em Associao Nacional pela Formao dos Profissionais da Educao (ANFOPE). Por volta dos anos 1983-84, o mote desse movimento era a crtica fragmentao do trabalho pedaggico produzida pela diviso tcnica do trabalho na escola. Em razo disso, algumas Faculdades de Educao suprimiram do currculo de Pedagogia as habilitaes profissionais de Administrao Escolar, Superviso Escolar, Inspeo Escolar, passando a ter apenas duas a de professor das sries iniciais do 1 o grau e de professor de cursos de habilitao ao magistrio em nvel mdio. Foram, entretanto, mantidas no currculo disciplinas como Organizao do Trabalho Escolar e Estrutura e Funcionamento do Ensino, acreditando-se que com elas se formaria tambm o gestor escolar. Com isso, definiu-se como perfil profissional do pedagogo:Profissional habilitado a atuar no ensino, na organizao e gesto de sistemas, unidades e projetos educacionais e na produo e difuso do conhecimento, em diversas reas da educao, tendo a docncia como base obrigatria de sua formao e identidade profissionais. (Brasil, Ministrio da Educao, 1999)

Fora das faculdades, em decorrncia dessas mudanas curriculares, as Secretarias de Educao retiraram das escolas ou deixaram de contratar profissionais pedagogos, prejudicando o atendimento pedaggico-didtico s escolas e descaracterizando o papel dos pedagogos-especialistas como profissionais. Em paralelo, as associaes de pedagogos (por exemplo, Associao Nacional de Orientadores Educacionais, Associao Nacional de Supervisores Educacionais) se auto-eliminaram, resultando na perda do espao de discusso terico-prtica da Pedagogia e do exerccio profissional do pedagogo ento existente nessas associaes. Com isso, acentuou-se o desprestgio dos temas ligados administrao e organizao da escola. Com o processo de redemocratizao que culmina com a promulgao da nova Constituio em 1988, e j num contexto de normalidade democrtica, buscou-se recuperar a especificidade do estudo das questes de estrutura e organizao das escolas, ainda que mantendo a perspectiva crtica. Assim, a perspectiva legalista, formal e descontextualizada foi sendo modificada no sentido de privilegiar a discusso de alternativas para a reconstruo da escola e do sistema educacional brasileiro, tendo como mtodo a reflexo dialtica entre decises centrais e decises locais, entre o macro das abordagens mais gerais de cunho sociolgico, poltico, econmico e o micro dos processos internos da escola. Em 1996 foi publicada a Lei Federal n. 9.394/96 que fixou as Diretrizes e Bases da Educao Nacional, em que se redefine a sistemtica de cursos de formao profissional de educadores, mas sem enfrentar e resolver os dilemas de quase 30 anos (at a promulgao dessa lei, a legislao que regia tais cursos era a que datava de 1969). Essa Lei Federal define o seguinte sobre os profissionais da educao:

9Art. 62. A formao de docentes para atuar na educao bsica far-se- em nvel superior, em curso de licenciatura, de graduao plena, em universidades e institutos superiores de educao, admitida, como formao mnima para o exerccio do magistrio na educao infantil e nas quatro primeiras sries do ensino fundamental, a oferecida em nvel mdio, na modalidade Normal. Art. 63. Os institutos superiores de educao mantero: I - cursos formadores de profissionais para a educao bsica, inclusive o curso normal superior, destinado formao de docentes para a educao infantil c para as primeiras sries do ensino fundamental; II - programas de formao pedaggica para portadores de diplomas de educao superior que queiram se dedicar educao bsica; III - programa de educao continuada para os profissionais de educao dos diversos nveis. Art. 64. A formao de profissionais de educao para administrao, planejamento, inspeo, superviso e orientao educacional para a educao bsica, ser feita em cursos de graduao em Pedagogia ou em nvel de ps-graduao, a critrio da instituio de ensino, garantida, nesta formao, a base comum nacional.

Esses dispositivos foram regulamentados pela Resoluo n. 1/2006, do Conselho Nacional de Educao, que veio a constituir-se na quarta regulamentao 37 anos aps a ltima de 1969. Ela estabelece normas para a formao de profissionais para a educao infantil e para as sries iniciais do ensino fundamental, em curso que denomina de Pedagogia. Quanto aos Institutos Superiores de Educao, tal como consta no art. 63, eles se efetivaram em pouqussimas instituies, em parte, devido reao de movimentos organizados de educadores, primeiro, por serem realizados fora das universidades, segundo, por consider-los modalidade aligeirada de formao do professor-executor dentro de orientaes neoliberais. O art. 64, no foi regulamentado conforme o estabelecido, conforme veremos adiante, dando ganho de causa posio mais hegemnica entre os movimentos organizados de educadores de suprimir da legislao a formao especfica de pedagogos-especialistas para atuao nas escolas em funes no docentes. O curso de Pedagogia est definido na Resoluo nestes termos:Art 4o O curso de Licenciatura em Pedagogia destina-se a formao de professores para exercer funes de magistrio na Educao Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Mdio, na modalidade Normal, de Educao Profissional na rea de servios e apoio escolar e em outras reas nas quais sejam previstos conhecimentos pedaggicos. Pargrafo nico. As atividades docentes tambm compreendem participao na organizao e gesto de sistemas e instituies de ensino, englobando: I planejamento, execuo, coordenao, acompanhamento e avaliao de tarefas prprias do setor da Educao; II - planejamento, execuo, coordenao, acompanhamento e avaliao de projetos e experincias educacionais no-escolares; III - produo e difuso do conhecimento cientfico-tecnolgico do campo educacional, em contextos escolares e no-escolares. Art. 5o O egresso do curso de Pedagogia dever estar apto a: (...) XII participar da gesto das instituies contribuindo para elaborao, implementao, coordenao, acompanhamento e avaliao do projeto pedaggico;

10XIII participar da gesto das instituies planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e no-escolares. Art. 14 A Licenciatura em Pedagogia, nos termos dos Pareceres CNE n. 5/2005 e 3/2006 e desta Resoluo, assegura a formao de profissionais da educao prevista no art. 64, em conformidade com o inciso VIII do art. 3 da Lei 9.394/96.

Verifica-se, nestes dispositivos, que o curso de Pedagogia adquire uma excessiva ampliao de funes, pois forma em um s curso e por igual, o professor, o gestor e o pesquisador. E no apenas para as escolas, mas para instituies no-escolares. Como se v, a histria da formao de profissionais para a educao tem uma forte marca de separar, por um lado, o curso de Pedagogia como lugar de formao dos especialistas (profissionais no-docentes) e, mais tarde, de formao de professores para as sries iniciais do ensino fundamental12, e por outro, a formao de professores para as disciplinas especficas (Histria, Geografia, Fsica, Matemtica, etc.) aps as sries iniciais, denominada Licenciatura. Esta situao pe no foco das discusses duas questes cruciais: a) a identidade epistemolgica do curso de Pedagogia (a Pedagogia tem um contedo prprio e uma peculiaridade investigativa? O pedagogo necessrio na escola? O que faz um pedagogo? O pedagogo no seria um especialista em generalidades?). b) a formao pedaggica dos professores que ministram disciplinas especficas nas sries finais do ensino fundamental e no ensino mdio. A questo da identidade do curso de Pedagogia discutida por Silva (2003). A autora opina que a legislao de 1939 que instituiu o curso de Pedagogia para formar o tcnico de educao no explicitou o papel de pedagogo, nem as escolas tinham ocupaes para esses formados. A regulamentao de 1969, conforme vimos, define a natureza do curso de Pedagogia explicitamente como formao de professores para o curso normal e de especialistas para as atividades de administrao escolar, orientao educacional, superviso escolar e inspeo escolar, para as escolas e sistemas escolares. Com esta regulamentao, define-se o campo de trabalho do pedagogo, consolida-se nas escolas a presena de profissionais no docentes e a exigncia de formao especfica para os ocupantes desses cargos. Embora tenha havido problemas na colocao profissional do pedagogo nas escolas (cf. Silva, p. 56), o fato que foi se generalizando sua presena nas escolas, a ponto de se criarem associaes profissionais ligadas a cada uma das habilitaes. Entretanto, este fato acabou passando por crticas por parte de setores da comunidade cientfica, principalmente pelo excesso de profissionais que iriam operar nas escolas (o administrador escolar, o supervisor escolar, o orientador educacional). Essa foi a base da crtica acirrada fragmentao do trabalho pedaggico, pois as escolas teriam que absorver pelo menos trs profissionais com nvelO equivalente, na Espanha, Educao Primria e Educao Secundria Obrigatria (Cf. nota 8).

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11 superior cada um se ocupando de uma parcela do trabalho no interior da escola, conforme Silva. Atualmente, mesmo aps a recente homologao da Resoluo do Conselho Nacional de Educao, em 2006, persistem duas posies antagnicas sobre o trabalho do pedagogo-especialista para atividades no-docentes. A primeira defende que essas funes devem ser desempenhadas por profissionais que j so professores, portanto, contrria formao especfica para cargos relacionados com a Administrao Escolar13, posio essa consolidada na mencionada Resoluo. A segunda posio defende que as escolas necessitam profissionais com formao especfica para a direo e coordenao pedaggica das escolas. Nesse caso, o curso de Pedagogia seria desdobrado em bacharelado em Pedagogia e em cursos de licenciatura. O curso de bacharelado seria destinado formao de profissionais de educao no-docentes voltados para os estudos tericos da Pedagogia, investigao pedaggica e exerccio profissional no sistema de ensino, nas escolas e em outras instituies educacionais, inclusive no-escolares, conforme habilitaes a definir. Os cursos de licenciatura seriam destinados formao de professores Educao Bsica (da Educao Infantil ao Ensino Mdio).

2. Contextualizao histrica: a relao entre as mudanas polticas ocorridas no Brasil e o desenvolvimento das concepes de organizao e gesto. 2.1. Dos primrdios da administrao escolar at o regime militar (1930-1980) Em 1961, um dos mais expressivos intelectuais da educao brasileira, Ansio Teixeira, afirmava que as disciplinas Administrao Escolar e Educao Comparada existiam no Brasil h mais de vinte anos, mas com um desenvolvimento terico ainda incipiente. E afirmava que o interesse recente pela disciplina Administrao Escolar se devia poltica que naquela ocasio se fazia presente no Brasil de generalizar o sistema educacional sem que se tivesse, entretanto, recursos humanos preparados para isso. Ou seja, a demanda pela universalizao do ensino, a ampliao do acesso, o aumento do nmero de escolas e aumento de turmas nas escolas, estariam requerendo a existncia do administrador na escola. Baseando-se nas tarefas de um professor completo, de administrar sua classe, de ensinar e de orientar o aluno, Teixeira previa um administrador escolar com trs grandes especialidades: o administrador da escola, o supervisor do ensino e o orientador dos alunos, precisamente para ajudar os professores. O novoEste tipo de posicionamento admite a formao de especialistas em nvel de especializao, cursos de ps-graduao denominados no Brasil de ps-graduao lato sensu, que se distinguem da psgraduao stricto sensu, correspondente aos cursos de mestrado e doutorado.13

12 administrador ter, pois, de substituir algumas funes daquele antigo professor, ou melhor, fazer o necessrio para que o novo professor tanto quanto possvel tenha a mesma eficincia daquele antigo professor. (Teixeira, 1961, p. 47) Os contedos de Administrao Escolar at, pelo menos, os anos 1960, seguiram pari passu os estudos da Administrao Geral, mesmo considerando-se as peculiaridades de funcionamento de uma instituio escolar. Entre os anos 1930-80, so identificadas duas orientaes, a clssico-cientfica e a funcional-eficientista (Ribeiro e Machado, 2003), a primeira representada por Teixeira (1997) e Ribeiro (1952), a segunda por Loureno Filho (1963). A orientao clssico-cientfica, na tradio da Escola Clssica da Administrao, concebe a administrao como atividade racional e cientfica de organizao do trabalho, com objetivos e procedimentos bem delimitados, tais como o planejamento, a organizao, a gerncia, a avaliao. A funcional-eficientista contm elementos da Escola Clssica, mas destaca que a consecuo de objetivos da instituio escolar requer uma estrutura e uma gesto de servios com razovel nvel de eficincia. Segundo Loureno Filho, trata-se de imprimir s atividades humanas, que neles se representem (nos servios escolares), sentido funcional, por maior conhecimento e gradao de fins, e articulao mais produtiva dos elementos e recursos com que esses fins possam ser propostos e satisfatoriamente alcanados, ou a racionalizao dos meios empregados. (1963, p. 30) Este modelo de administrao escolar formal, praticamente centrado nos modelos da administrao clssica, preocupada com a racionalizao e mtodos de trabalho, sustentado por relaes hierrquicas e normas, submetido crtica marxista ao longo dos anos 1980, resultando em vrias alternativas de gesto, genericamente orientadas por uma perspectiva democrtica. 2.2. A fase de contestao ps-regime militar Em 1964, os militares assumem o poder e governam durante 21 anos, num regime autoritrio com restries polticas, censura aos meios de comunicao, prises e torturas de adversrios do regime 14. A retomada do movimento sindical em 1978, indcios de esgotamento do poder militar e rearticulao das foras de oposio do impulso abertura poltica e ao movimento de redemocratizao do pas. O governo do general Joo Baptista Figueiredo (1979-1985) promoveu a anistia poltica e restabeleceu o pluripartidarismo. Em 1983 forma-se um movimento suprapartidrio liderado por partidos liberais, masO golpe militar de 1964 no foi a primeira manifestao de ditadura no Brasil. Aps a separao de Portugal, com o fim do perodo colonial (1500-1822), o Brasil se torna uma monarquia constitucional (1822-1889). , mantendo a base de sua economia na agricultura com mo-de-obra escrava. Aps 67 anos de monarquia, foi proclamada a Repblica em 1889, quando o pas passou a ser governado por um presidente. Em 1937, por meio de golpe de Estado, Getlio Vargas assume o poder iniciando a ditadura do Estado Novo, com fechamento do Congresso Nacional, extino dos partidos polticos, nomeao de interventores para os Estados, censura aos meios de comunicao, perseguio aos comunistas, etc. O Estado Novo vigorou at 1945. Aps esse ano, manteve-se a normalidade democrtica, at o golpe militar de 1964.14

13 com participao popular, em favor da eleio direta para presidente da Repblica, quando a campanha das Diretas J se espalha por todo pas com comcios, passeatas e manifestaes. Em 1985 um Colgio Eleitoral elege para presidente da Repblica Tancredo Neves, em substituio ao general Figueiredo. Entretanto, acometido por grave doena no chega a tomar posse e morre em abril de 1985. Seu vice, Jos Sarney, assume a presidncia. Inicia-se a transio democrtica15, que somente se completar em 1988 com a promulgao da nova Constituio. As dcadas de 1980-90, em meio ao clima de transio entre a fase de cerceamento da atividade intelectual e investigativa e a abertura poltica, representam no campo da educao um perodo de duras crticas estrutura sciopoltica do pas e s polticas educacionais, fortemente influenciadas pelo marxismo. Nesse perodo, convivem teorias recebidas do exterior tais como as teorias reprodutivistas, especialmente a teoria de ensino enquanto violncia simblica desenvolvida por P. Bourdieu e J.C. Passeron (1975), a teoria da escola enquanto aparelho ideolgico do Estado de L. Althousser (1975), as teorias crtico-emancipatrias produzidas pela Escola de Frankfurt, ao lado de outras, internas, como a Pedagogia libertadora de Paulo Freire, a Pedagogia histrico-crtica e crtico social dos contedos, estas de orientao marxista, alm de estudos esparsos de Pedagogia Libertria. Essas tendncias, de alguma forma, passaram a exercer forte impacto nos meios educacionais, gerando debates e polmicas quase sempre acirradas. No mbito da Organizao e Gesto de escolas, importa registrar que, em meio ao movimento de repensar o sistema de formao de educadores, foi se tornando majoritrio o modelo de anlise marxista para estudos sobre a escola e a formao de profissionais da educao. O argumento para se analisar a organizao do trabalho nas escolas, incluindo o trabalho dos professores e dos administradores, foi buscado na crtica diviso do trabalho capitalista reproduzido na escola. De acordo com esta viso, a organizao do processo de trabalho na escola implicaria uma degradao do trabalho profissional do professor, medida que estaria se reproduzindo nela as formas de organizao do trabalho sob o capitalismo. Com efeito, em razo da diviso social e tcnica do trabalho h uma ciso entre o trabalhador e os meios ou instrumentos de trabalho, em que esses meios so providos pelos gestores do processo de produo. H uma classe que pensa, desenvolve os meios de trabalho, controla o trabalho; e outra classe que faz servio prtico, cumpre determinaes do gestor, fundando a desigualdade social. Dessa forma, as relaes sociais capitalistas de produo se reproduzem em todas as instncias da sociedade,A transio democrtica deve ser entendida no s como movimento da sociedade civil, mas como arranjo das elites polticas para passagem organizada do militarismo j debilitado para a democracia. Escreve Cunha: O primeiro governo civil depois de 21 anos de governos militares resultou de um acordo da frente oposicionista com setores dissidentes do partido de apoio ao regime militar, e foi formado conforme a legislao elaborada sob a gide desse regime. (2001, p.476)15

14 inclusive nas escolas, onde haveria dois segmentos de trabalhadores opostos entre si, os especialistas (diretor, coordenador pedaggico, etc.) e os professores, instaurando a desigualdade e promovendo a desqualificao do trabalho dos professores. O curso de Pedagogia tambm estaria contribuindo para a fragmentao do trabalho pedaggico ao formar, de um lado, os pedagogos que planejam e pensam, e de outro, os professores que apenas executam, dentro da lgica da diviso tcnica do trabalho. fundamental levar-se em conta que a diviso do trabalho, caracterstica da sociedade capitalista, tambm atinge a escola. Muito embora com feies prprias, o aprofundamento do trabalho na escola, sob a inspirao tecnicista, aumentou o controle exercido sobre professores e alunos, ampliao a ao de um conjunto de especialistas (nos gabinetes e na prpria escola). (...) A introduo do gerenciamento cientfico na escola, nos moldes j utilizados com sucesso na indstria, baseou-se nas mesmas premissas: separao do processo de trabalho do trabalhador, separao entre a concepo de trabalho e sua realizao e uso do monoplio do conhecimento no processo de trabalho, para controle do trabalhador. Neste sentido, a profisso de professor, como todas as outras, teve seu grau de desqualificao amplificado, ao mesmo tempo em que o professor era submetido, como todo assalariado, a um processo de empobrecimento acelerado. (Freitas, 1989).

O que se estava criticando era a diviso das tarefas de escolarizao entre os profissionais da educao (administrador escolar, supervisor escolar, orientador educacional e inspetor escolar), deixando aos professores as tarefas de execuo do ensino. Com isso, se expropriava o saber e as competncias dos professores, retirava sua compreenso do seu processo de trabalho como um todo, bem como de sua conduo. A soluo seria eliminar a presena desses profissionais j que sua presena na escola fragmenta o processo de escolarizao, expropria o saber e a competncia dos professores, separa o que pensa, decide e planeja daquele que executa. Assim, face crtica da diviso social e tcnica do trabalho existente na escola, trs medidas, ao menos, deveriam ser tomadas. A primeira, a eliminao na escola da diviso de tarefas que est na base da fragmentao do trabalho pedaggico (separao entre professores e gestores) e a transformao de todos os profissionais da escola em professores. A segunda, a adoo na organizao curricular da formao de pedagogos do seguinte princpio: todas as licenciaturas (Pedagogia e demais licenciaturas) devero ter uma base comum: so todos professores; a docncia constitui a base da identidade profissional de todo educador 16. Com isso, o curso deNo seu incio, os movimentos pela reformulao dos cursos de Pedagogia, por iniciativa do Ministrio da Educao ou de associaes independentes de educadores, por volta de 1980, atribuem a esse curso a funo terica de transmisso, crtica e construo de conhecimento sobre a cincia da educao, e a funo de prover formao pedaggica aos cursos de licenciatura (Cf. nota 10). Entretanto, esse cunho pedaggico-cientfico foi se perdendo a partir dos anos 1990, quando predominou a discusso poltica em torno de temas como a defesa da autonomia universitria, a gratuidade do ensino, a democratizao dos rgos decisrios do MEC, a democratizao das formas de gesto, a ampliao de recursos financeiros para a educao.16

15 Pedagogia passa a ter como funo essencial unicamente a formao de professores. A terceira, modificao das relaes de trabalho dentro da escola por meio da criao de formas democrticas de gesto escolar, permitindo a ampliao da participao da comunidade interna e externa na conduo da escola. Este modo de compreender o trabalho escolar perpassou os modelos de anlise social, a pesquisa, as prticas de ensino, a concepo do sistema de formao de professores, formando quase que o denominador comum de diferentes posies esquerda. Passado o perodo mais tenso dos debates, envolvendo diferentes entendimentos de objetivos da educao pblica e de estratgias de realiz-la no sistema de ensino como um todo e nas escolas, foi se firmando no meio intelectual e profissional dos educadores um leque de tendncias sociocrticas, entre elas a gesto libertria, a gesto pelo dilogo (Paulo Freire), a crtico-social, a gesto pelo trabalho coletivo (marxista). 2.3. A consolidao (Constituio de 1988) do princpio da gesto democrtica

O processo de redemocratizao do pas se concretiza com a Constituio de 1988, cujo texto final o resultado de uma mescla de emendas populares e emendas originadas de uma aliana de partidos de centro (Cunha, 1991, p.14), em especial na educao. O governo Sarney permanece at 1990. Segue-se o Governo Collor, primeiro presidente eleito por voto direto desde o incio do regime militar (1964), valendo-se do apoio de foras conservadoras. Elegeu-se com base no discurso de moralizao da poltica, de derrubada da inflao e de modernizao econmica conforme o modelo neoliberal, mas, paradoxalmente, acabou sendo afastado em 1992 pelo Congresso Nacional por corrupo. Seu vice, Itamar Franco, assume a Presidncia e governa at 1994. Nesse mesmo ano, eleito Fernando Henrique Cardoso, depois reeleito, que cumpre dois mandatos (19951998 e 1999-2002). Em janeiro de 2003, assume Luis Incio Lula da Silva, que aps quatro anos de governo disputa, em 2006, seu segundo mandato. A nova Constituio consolida, na educao, um conjunto de aspiraes de vrios agrupamentos polticos, alimentadas desde o inicio da dcada. Na educao, a nova Constituio introduz em seu art. 206 vrios princpios democrticos do sistema de ensino, entre eles, o da gesto democrtica da escola e dos sistemas.Art. 206. O ensino ser ministrado com base nos seguintes princpios: I - igualdade de condies para o acesso e permanncia na escola; (...) IV - gratuidade do ensino pblico em estabelecimentos oficiais; (...) VI gesto democrtica do ensino pblico, na forma da lei.

A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 reproduz o principio a gesto democrtica definido na Constituio, definindo-a em seu artigo 14:

16Art. 14 Os sistemas de ensino definiro as normas de gesto democrtica do ensino pblico na educao bsica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princpios: I - participao dos profissionais da educao na elaborao do projeto pedaggico da escola; II - participao da comunidade escolar local em conselhos escolares ou equivalentes.

Na verdade, o princpio da gesto democrtica, expresso em aes como descentralizao, autonomia das escolas, racionalizao dos recursos financeiros, participao dos integrantes da escola na gesto, participao dos pais, acabou sendo assumido, com diferentes significados e motivaes, tanto por setores da esquerda quanto os neoliberais. Para setores expressivos da esquerda, essas aes, a par de significarem um efetivo esforo da sociedade civil em retomar a democracia, significou uma reao extremada s formas de gesto autoritria do regime militar. Em razo dessa marca antiautoritria, difundiu-se como caracterstica absoluta da gesto das escolas o lema da participao. Do lado das iniciativas governamentais, a descentralizao e a autonomia acabaram se constituindo uma medida muito mais de reduo dos gastos pblicos e desobrigao do Estado do que medida propriamente democrtica. Como se v, a gesto democrtica aparece como constrio legal e, ao mesmo tempo, resume-se como participao, entendida mais como forma de representao da comunidade, gesto de recursos financeiros, e menos como dispositivos gerenciais e tcnicos de funcionamento da escola, reduzindo a especificidade dos processos efetivos de gesto, ou seja, o conjunto dos meios e condies de carter intelectual, material, gerencial, financeiro de assegurar o processo de ensino e aprendizagem. Na verdade, os efeitos mais imediatos desse dispositivo legal foram: a instituio do projeto pedaggico e a participao de professores e pais na gesto da escola, esta representada, na prtica, pela constituio burocrtica de conselhos escolares.

2.4. A gesto eficiente: o impacto das reformas educacionais neoliberais nos modelos de gesto As reformas educacionais tiveram incio nos anos 1980 na Inglaterra e Estados Unidos, expandindo-se a outros pases europeus e latino-americanos, com nvel varivel de intensidade e abrangncia conforme as peculiaridades locais (por exemplo, Espanha e Portugal, 1986; Frana, 1989; Mxico, 1992; Argentina, 1993). A reforma educacional brasileira foi efetivada a partir de 1995, na primeira gesto do Governo Fernando Henrique Cardoso. Elas decorrem de um novo perfil da realidade internacional em que os avanos cientficos e tecnolgicos, a reestruturao do sistema de produo e os novos paradigmas de desenvolvimento econmico afetam a organizao do trabalho, a qualificao profissional, o exerccio da cidadania, as

17 formas de trabalho docente e, por conseqncia, a organizao dos sistemas de ensino e a formao de professores. A reforma educacional brasileira ensaiou seus primeiros passos ainda nos governos de Fernando Collor e Itamar Franco, com a formulao e divulgao do Plano Decenal de Educao para Todos (1993-94). Medidas mais concretas foram adotadas a partir da proposta de governo de Fernando Henrique Cardoso para a educao bsica17: Reforma Institucional (redefinio das responsabilidades do MEC, reviso de padres de financiamento e repasse de recursos aos municpios e estados); Estabelecimento de novos padres de gesto (descentralizao, autonomia das escolas, participao da comunidade); Educao bsica (ampliao do acesso, contedos curriculares bsicos e padres de aprendizagem em nvel nacional, formao de professores, ensino a distncia, sistema nacional de avaliao do desempenho das escolas e dos sistemas educacionais, padres de qualidade para o livro didtico, descentralizao da merenda). Esses pontos, cujas aes foram consolidadas no perodo 1997-98, no constituam um plano abrangente como ocorreu em vrios pases, mas certo que acompanhavam as tendncias internacionais a partir das orientaes econmicas e tcnicas dos organismos financeiros internacionais, principalmente o Banco Mundial. As reformas educacionais acopladas s reformas econmicas tm um carter notoriamente economicista, em que prevalecem a lgica financeira e a lgica do mercado, desconsiderando-se as implicaes sociais e humanas no desenvolvimento econmico. H anlises bastante slidas mostrando a insero do Brasil nas polticas de ajuste aos interesses da mundializao do capitalismo expressos no processo de globalizao da economia e da poltica e os efeitos sociais decorrentes (De Tommasi & Outros, 1996). Segundo Torres:O financiamento no o nico nem o mais importante papel do Banco Mundial em educao; o Banco Mundial transformouse na principal agncia de assistncia tcnica em matria de educao para os pases em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, a fim de sustentar tal funo tcnica, em fonte e referencial importante de pesquisa educacional no mbito mundial. (1996)

O interesse pela educao tem a ver com a associao entre conhecimento e a informao que passaram a constituir fora produtiva direta, afetando o desenvolvimento econmico. Com isso, os pases industrializados precisaram sair na frente para rever o lugar das instituies encarregadas de produzir conhecimento e informao. Para os paises emergentes, a centralidade da educao valorizada em funo da reorganizao dos processos produtivos e da competitividade econmica. Especialmente em pases perifricos, como o Brasil e outros pases latino-americanos, as reformasCf. Programa do Governo Fernando H. Cardoso, Mos obra, 1994, que trazia as cinco metas prioritrias de governo: agricultura, educao, emprego, sade e segurana. O programa especfico de educao chamava-se: Acorda Brasil. Est na hora da Escola.17

18 educacionais defrontam-se com um paradoxo. Por um lado preciso a articulao de um sistema educativo eficaz e compatvel com as exigncias do mercado e da mundializao da economia; por outro, a quantidade de investimentos deve ser compatvel com a reorganizao do Estado, dentro dos parmetros do neoliberalismo (reduo do papel do Estado, reduo das despesas e do dficit pblico, congelamento de salrios, aligeiramento do ensino etc.). H que se considerar, tambm, que num quadro de crise financeira, os governos tendem a destinar os recursos pblicos da educao a aes de retorno imediato (por exemplo, educao a distncia, sistema nacional de avaliao, critrios de qualidade do livro didtico etc.), restando pouco para aes mais efetivas como a melhoria da qualidade cognitiva dos processos de aprendizagem nas escolas, ponto realmente fulcral a mdio e longo prazo da qualidade de um sistema de ensino. As estratgias de reforma dos sistemas educacionais vem sendo condensadas em cinco linhas: a gesto educacional, o currculo nacional, a avaliao institucional, a profissionalizao dos professores e o financiamento da educao. Estes cinco pontos esto imbricados: a poltica educacional recebe sua unidade pelo currculo, o qual, para ser viabilizado precisa de professores, dentro de uma estrutura adequadamente gerida, com recursos financeiros, e com o suporte da avaliao institucional. Dispensamo-nos, entretanto, de analisar todos esses pontos, mesmo porque essa anlise j foi feita em outro texto (Libneo, 2006). Nos restringiremos ao comentrio sobre o tema da gesto educacional. A gesto educacional ganha evidncia nos documentos das reformas educacionais como requisito para o planejamento, a organizao e a mobilizao das pessoas para participarem de forma competente nas aes de melhoria da qualidade de ensino. O termo gesto ganha mais abrangncia que administrao e organizao porque proposto dentro de uma viso sistmica, que concebe o sistema de ensino como um todo: polticas e diretrizes educacionais s escolas, gesto de sistemas de ensino e escolas, autonomia, processos participativos. A gesto educacional tornou-se um conceito de mltiplos usos mas, nas polticas oficiais de alguma forma alinhada ao modelo neoliberal, ela se viabiliza por vrias estratgias articuladas entre si: a descentralizao dos servios educacionais, a autonomia pedaggica e, frequentemente, financeira, a participao dos pais, extenso do poder do Estado aos diretores de escolas e comunidade etc. No falta a crtica de que a descentralizao seria uma forma de desdobramento do poder central, repartindo esse poder com as escolas e comunidades, no sentido de diminuir o papel do Estado. Ou seja, as responsabilidades do governo e da sociedade civil se equivaleriam. No modo de operar a dinmica das escolas, as orientaes oficiais do Governo FHC recomendavam prticas de gesto baseadas

19 nas formas de organizao empresarial e em critrios de eficincia, com o entendimento de que se a escola tivesse objetivos pontuais, boa organizao, boa racionalidade nos contedos e mtodos, definio explicita de papis dos integrantes da equipe escolar, boas condies de funcionamento como recursos materiais, rea fsica, equipamentos, informatizao, etc., estariam criadas as condies para melhorar a aprendizagem dos alunos. Em muitas escolas brasileiras foi implantado o Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE), com recursos do Banco Mundial. A importncia da gesto educacional de sistemas de ensino e escolas tem sido ressaltada h anos na pesquisa educacional, tendo sido, inclusive, antecipada nas propostas pedaggicas de esquerda. notrio que a autonomia fortalece as escolas, acentua o esprito de equipe, envolvendo os professores e demais educadores na responsabilidade em assumir um papel na configurao da organizao do trabalho escolar no apenas na sala de aula, mas na escola como um todo. Trata-se de um processo que se identifica bem com a reivindicao de participao conjunta de pais, professores, alunos, nos processos de tomada de deciso e co-responsabilizao pelas aes de ensino e aprendizagem. 3. Objetivos escolares e meios organizacionais: consideraes para um exame crtico das concepes e prticas de organizao e gesto da escola 3.1. Posicionamentos correntes sobre objetivos sociais das escolas e as formas de organizao e gesto. As consideraes que acabamos de fazer mostram que o grau de importncia atribudo s formas de organizao e gesto depende de objetivos sociais e pedaggicos que se propem escola os quais, por sua vez, subordinam-se a concepes sobre as relaes educao-sociedade. Presume-se que opes sobre o projeto poltico e de gesto da sociedade se projetam nas formas de gerir as instituies, justificando-se a necessidade de buscar a relao entre objetivos sociais e pedaggicos para as escolas e o papel das formas de organizao e gesto. inevitvel que, como pontos de partida da anlise que intentamos fazer, se pontuem duas posies antagnicas, a concepo tcnico-cientfica (hoje tambm identificada como neoliberal) e a sciocrtica. Na abordagem tcnico-cientfica, a escola deve atender a um projeto social e poltico de preparao de recursos humanos para o sistema produtivo, para o que formula contedos, habilidades, valores considerados teis e desejados pelo mundo do trabalho. Uma derivao dessa abordagem o currculo por competncias, em que a organizao curricular resulta de objetivos assentados em habilidades e destrezas a serem dominados pelos alunos no percurso de formao. Na perspectiva neoliberal, a escola colocada como centro das polticas pblicas, mas deslocando s comunidades e s escolas a

20 iniciativa de planejar, organizar e avaliar os servios educacionais, de modo a liberar o Estado de boa parte das suas responsabilidades. Na concepo tcnico-cientfica, a organizao escolar tomada como uma realidade objetiva, neutra, tcnica, que funciona racionalmente e, por isso, pode ser planejada, organizada e controlada, de modo a alcanar maiores ndices de eficcia e eficincia. Prevalece uma viso tecnicista, mas ainda forte o peso da viso burocrtica em que se reala a diviso de cargos e funes, normas e regulamentos, planos de ao previamente elaborados para serem cumpridos. Nas escolas brasileiras, este o modelo mais comum de organizao escolar, em que se verifica uma mistura das formas da administrao clssica com ingredientes da concepo tcnico-cientfica. No marco das reformas educacionais que acompanham as polticas neoliberais, as aes pedaggico-didticas nas escolas se sustentam na centralidade da educao no novo paradigma produtivo, concretizada em aes que resultem em melhores resultados da aprendizagem escolar. Esta orientao se viabiliza por vrias medidas, desde modificaes nas formas de gesto (descentralizao, autonomia, capacidade gerencial, reorganizao dos nveis de escolarizao, parceria com a comunidade) at as questes pedaggicas diretas (atuao do professor, eficincia dos processos de ensino e aprendizagem, utilizao de tcnicas e recursos de ensino, prticas de avaliao). H uma evidente tendncia em buscar solues no mbito da gesto supondo-se que medidas organizacionais tero impacto na melhoria da qualidade do ensino. Sistemas de ensino estaduais e municipais aplicam essa orientao de vrios modos, ora jogando o peso das intervenes na esfera organizacional (prticas de gesto da escola), ora em medidas pedaggicas nem sempre bem sucedidas como a reorganizao dos ciclos de escolarizao, a flexibilizao da avaliao da aprendizagem, a integrao de alunos portadores de necessidades especiais em classes comuns. Para a abordagem sociocrtica, o objetivo da escola promover para todos o acesso aos bens culturais e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas necessrios ao atendimento de necessidades individuais e sociais dos alunos, tendo em vista a insero crtica no mundo do trabalho, a constituio da cidadania (inclusive como poder de participao), a construo de uma sociedade mais justa, igualitria, solidria. Presume-se a vinculao entre trabalho escolar e lutas sociais pela democratizao da sociedade. Essa abordagem se desdobra em quatro vertentes, as quais tm alguns pontos em comum, mas h, seguramente, pontos divergentes, com conseqncias prticas bastante expressivas. As vertentes analisadas so: escola como instncia de reproduo social, escola como espao de vivncias scio-culturais, escola como vivncia das relaes democrticas, escola como lugar de formao cultural e cientfica.

21 Essas derivaes da abordagem sociocrtica convergem no papel da educao escolar como compreenso da realidade para transform-la, visando a construo de novas relaes sociais, de modo a eliminar mazelas sociais existentes como a pobreza, a violncia, o desemprego, a destruio do meio ambiente, enfim, as desigualdades sociais e econmicas. Em razo disso, considera especialmente os efeitos do currculo oculto e do contexto da ao educacional nos processos de ensino e aprendizagem, inclusive para submeter os contedos a uma anlise ideolgica e poltica. Metodologicamente, adere idia da aprendizagem como construo do sujeito, da compreenso do conhecimento como ligado prtica e soluo de problemas. Junto com os requisitos de se ajudar o aluno a adquirir autonomia de pensamento, destaca-se a importncia da responsabilidade social e da busca do interesse coletivo. Geralmente, concordam em que a organizao escolar no algo objetivo, um espao neutro a ser observado, mas algo construdo pela comunidade educacional, envolvendo os professores, os alunos, os pais, por meio de formas democrticas de gesto e de tomada de decises. Uma viso sciocrtica prope que essa construo no um processo livre e voluntrio, mas mediatizado pela realidade scio-cultural e poltica mais ampla, incluindo a influncia de foras externas e internas marcadas por interesses de grupos sociais, sempre contraditrios e, s vezes, conflitivos. Postas algumas convergncias em relao a objetivos, elas logo se diferenciam em relao ao formato curricular e s formas de organizao e gesto, o papel da participao, etc. Analisemos cada uma das quatro vertentes. Escola como instncia de reproduo social Esta concepo no de natureza propriamente pedaggica, isto , no se refere a uma proposta de escola, entretanto tem reflexos na escola, medida que influencia o comportamento profissional de professores. Ela divulgada especificamente nos cursos de formao em disciplinas ligadas a Sociologia da Educao, Polticas da Educao ou Filosofia da Educao, denominadas disciplinas de fundamentos. O posicionamento no mbito das anlises sociolgicas se caracteriza por anlises externas escola, isto , anlises crticas globalizantes, s vezes genricas, a respeito da escola, denunciando seu atrelamento ao modelo neoliberal, ao mercado, etc. Critica-se o carter ideolgico da educao apelando-se para uma vaga idia de uma educao crtica voltada para a qualidade social ou qualidade democrtica. Outra orientao formulada fora do mbito da teoria pedaggica a denominada ps-estruturalista ou ps-crtica. Em relao escola e ao conhecimento, assume um posicionamento radicalmente crtico ao afirmar a obsolescncia dos paradigmas clssicos do conhecimento, questiona a validade de se fundar o conhecimento na razo, denuncia a cumplicidade do saber sistematizado com as relaes de poder e o no reconhecimento das

22 diferenas culturais. So recusadas as formas de institucionalizao do pedaggico. Todas as teorias pedaggicas modernas passam pelo seu crivo crtico ao questionar seu cunho iluminista e totalizante e, por outro lado, acentuar as subjetividades, o emocional, o imaginrio, a diferena, a alteridade, o sentido das falas, as peculiaridades culturais, as relaes de gnero, sexo, raa, etnia. Estes posicionamentos ocupam papel relevante na formao de professores que podem adquirir uma viso crtica das polticas e diretrizes educacionais, das formas de controle exercidas pelo sistema educacional, mas, pela falta de vnculo concreto com a realidade escolar, acabam tendo um tom mais retrico do que de caminhos efetivos de qualidade de ensino. No apenas se aproveita pouco deles quando se trata de considerar a escola por dentro, como tambm produzem algumas conseqncias desmobilizadoras: a) acentuar um reducionismo crtico, achando que basta tomar conscincia dos males das polticas neoliberais e das divises sociais, dos impactos perversos do economicismo, da tecnologia etc., sem valorizar a necessidade da atuao pedaggica eficaz nas escolas; b) difundir uma forada identificao entre a ideologia das polticas educacionais oficiais e as aes pedaggico-didticas de melhoria do funcionamento das escolas mesmo que coincidam em algum ponto com aquelas polticas; c) No propiciar pistas aos professores para elaborarem subjetivamente a viso crtica e desenvolverem formas pedaggicas para inseri-la no seu trabalho com os alunos. Escola como espao de vivncias scio-culturais A idia bsica desta concepo de que a escola seja um espao de vivncias de novas relaes sociais, visando a formao de valores e atitudes sociais e solidrias. A formao escolar estaria centrada no nos conhecimentos formais, mas no processo de sua aquisio e nas relaes sociais solidrias a envolvidas, ou seja, as formas como se organizam e ocorrem as relaes sociais da escola aparecem como caminho pedaggico para a formao dos alunos. Ela acentua os fatores sociais e culturais no processo de conhecimento, contrapondo-se nfase nos contedos formais, ao enfoque psicolgico da aprendizagem e aos fatores cognitivos internos da aquisio do conhecimento. Na prtica, introduz-se na escola uma espcie de Pedagogia cooperativa, ressaltando prticas de convivncia entre professores e alunos, especialmente entre os prprios alunos e a ateno a problemas sociais que ocorrem fora da escola como as prticas sociais, as desigualdades sociais, os conflitos, os problemas ambientais e tecnolgicos, etc. A proposta lembra Dewey, que propunha s escolas criar situaes pedaggicas interativas para facilitar os processos democrticos. Trata-se, obviamente, de uma concepo de escola com forte vis sociolgico. Essas posies se expressam, pedagogicamente, num currculo baseado nas experincias cotidianas, no provimento de experincias de compartilhamento de prticas e valores entre as pessoas, nas narrativas mais do que nos saberes sistematizados, ou seja, no

23 entendimento de currculo como processo. Em outros casos, far-se-ia a opo por um currculo integrado, introduzindo-se atividades baseadas em temas geradores, projetos ou centros de interesse. Quanto s formas de gesto, evidente que, concebendo-se a escola como eminentemente um espao de socializao e de vivncias scio-culturais, aposta-se no valor altamente educativo das formas democrticas e participativas. Nesta mesma orientao, pela vertente da Sociologia Crtica da Educao (inglesa e norte-americana), desenvolve-se a teoria curricular crtica, tambm acentuando os fatores sociais e culturais na construo do conhecimento, mas agregando temas como cultura, ideologia, currculo oculto, linguagem, poder, multiculturalismo, diversidade cultural e diferenas (Moreira & Silva, 1994). A teoria curricular crtica questiona como so construdos os saberes escolares, prope analisar o saber particular de cada agrupamento de alunos, j que esse saber expressa certas maneiras de agir, de sentir, falar e ver o mundo. Tambm aqui o currculo tem pouco a ver com a sistematizao de conhecimentos, mas a um terreno de luta e contestao onde se enfrentam diferentes concepes de vida social. Essa perspectiva tem mritos que precisam ser reconhecidos. Ao mesmo tempo que denuncia o papel da escola como reproduo da estrutura social, sustenta a importncia da ao dos sujeitos e as possibilidades de um currculo crtico centrado na cultura em que se ressaltam os temas da diversidade cultural e da diferena. Entretanto, o vis sociolgico faz desvincular o trabalho docente de preocupaes mais pontuais com questes de aprendizagem e do desenvolvimento de processos cognitivos propiciado pelo conhecimento terico-cientfico. Alm disso, no fica suficientemente esclarecido nessa proposta a forma pela qual os professores transformam as anlises dos fundamentos sociais e culturais do currculo em prticas de sala de aula. Escola como vivncia das relaes democrticas A origem deste posicionamento em relao s funes da escola est no entendimento do papel da sociedade de classes na concepo de escola. Como o problema da sociedade est no conflito social, a escola tem que organizar de modo a se contrapor ao modelo de relaes sociais vigente na sociedade capitalista. O formato curricular, aqui, acentua a dimenso social no sentido de que a prtica educacional escolar se realiza precisamente por determinadas formas de organizao tais como a participao, a autonomia, o processo coletivo de tomada de decises, eleies para os cargos de gesto. Mas essas aes tm como requisito uma atitude prvia de compromisso poltico com os objetivos educativos, o que ir se projetar na melhoria do ensino. Entretanto, este posicionamento inverte as prioridades da escola, o que deve ser fim torna-se meio e o que meio torna-se fim, ao entender que democracia na educao consiste meramente em modificar as formas das relaes

24 interpessoais na escola, valorizando pouco as questes pedaggicodidticas. Escola como lugar de formao cultural e cientifica Esta vertente destaca o papel da cultura acumulada historicamente no desenvolvimento mental. A escola existe para que os alunos aprendam conceitos, teorias; desenvolvam capacidades e habilidades de pensamento; formem atitudes e valores e se realizem como pessoas e profissionais-cidados. desse modo que ela se constitui como uma das instncias de democratizao da sociedade e promotora de incluso social. Com isso, a qualidade de ensino se define como qualidade cognitiva e operativa das aprendizagens escolares em contextos concretos. No h incongruncia entre a exigncia de domnio dos contedos escolares e a considerao das caractersticas individuais e socioculturais dos alunos. Nas prticas de gesto, busca-se a participao e as relaes, mas so valorizados os elementos internos do processo organizacional o planejamento, a organizao, a gesto, a direo, a avaliao, as responsabilidades individuais dos membros da equipe e a ao organizacional coordenada e supervisionada, j que precisa atender a objetivos sociais e polticos muito claros, em relao escolarizao da populao. Alm disso, a escola vista como um espao educativo, uma comunidade de aprendizagem construda pelos seus componentes, um lugar em que os profissionais podem decidir sobre seu trabalho e aprender mais sobre sua profisso. A organizao e a gesto da escola adquirem um significado bem mais amplo, para alm de referir-se apenas a questes administrativas e burocrticas. Elas so entendidas como prticas educacionais, pois passam valores, atitudes, modos de agir, influenciando as aprendizagens de professores e alunos. Nesse sentido, todas as pessoas que trabalham na escola participam de tarefas educacionais, embora no de forma igual. 3.2. Aspectos defensveis e questionveis dessas concepes A abordagem tcnico-cientfica reproduz, na prtica, a viso burocrtica, funcionalista, aproximando a organizao escolar s caractersticas da organizao empresarial. Na perspectiva neoliberal expressa na reforma educacional, o modelo gerencial de gesto acentua a dimenso da eficincia e produtividade. Para isso, investese nos processos de gesto do sistema e das escolas por meio de novos padres de gerenciamento (novas prticas administrativas, uso da informtica, aferio de resultados da aprendizagem, compatibilidade entre o processo de trabalho na escola e os novos padres de produo e consumo (mercado), autonomia das unidades escolares etc.). Entretanto, na busca da qualidade democrtica, o paradigma economicista/empresarial resolve pouco. A escola no uma empresa, o aluno no um cliente e nem meramente um consumidor. A qualidade um conceito implcito aos processos

25 formativos e ao ensino, implica educao geral omnilateral, voltada para a cidadania, para a formao de valores, para a valorizao da vida humana em toda as suas dimenses. Isso no leva a educao escolar a eximir-se do seu contexto poltico e econmico, nem sequer de suas responsabilidades de preparao para o trabalho, mas isso no pode significar subordinao aos interesses mercadolgicos. Outro dos temas mais caros s reformas educacionais neoliberais a descentralizao, que tem sua operacionalizao na autonomia de escola. Ela aparece como contraponto centralizao da gesto do sistema escolar, que retira das escolas, dos professores, pais, especialistas o poder de iniciativa e deciso. A autonomia implicaria uma organizao escolar distinta da verticalizao do sistema de ensino, de modo que as escolas possam traar seu prprio caminho. Essa a idia de suporte do projeto pedaggico, nesta viso. A autonomia, sem dvida, uma conquista a ser preservada, mas h que se considerar que ela no depende s da vida interna da escola. Depende de condies externas como salrios, condies de trabalho, assistncia especializada ao trabalho dos professores, investimentos na capacidade de gesto do sistema como a requalificao do pessoal tcnico e administrativo, dos diretores, coordenadores pedaggicos, dos professores, e de prticas de avaliao externa e interna negociadas e transparentes. preciso, portanto, denunciar um discurso que em nome da descentralizao, abandona as escolas sua prpria sorte, com o Estado eximindo-se de suas responsabilidades, e mantendo uma autonomia regulada. As vertentes da abordagem sciocrtica, sem dvida, oferecem uma viso transformadora das escolas. Entretanto, com exceo da concepo baseada na formao cultural e cientfica, tendem a deslocar os legtimos objetivos da escola, ligados ao conhecimento, para as prticas de gesto, de modo que o objetivo da escola seria estabelecer relaes democrticas e participativas. Carregam, assim, a iluso de que situar os objetivos escolares nos processos de gesto democrtica ou nas vivncias culturais cotidianas dos alunos, no haveria necessidade de preocupao com as questes mais pontuais do ensino e aprendizagem que incidem na sala de aula, elas resolveriam o problema educativo por si mesmas. Concorda-se que a participao o principal meio de se assegurar a gesto democrtica da escola, possibilitando o envolvimento de profissionais e usurios no processo de tomada de decises e no funcionamento da organizao escolar. Alm disso, proporciona um melhor conhecimento dos objetivos e metas, da estrutura organizacional e de sua dinmica, das relaes da escola com a comunidade, e favorece uma aproximao maior entre professores, alunos, pais. H nisso, efetivamente, um forte sentido de prtica da democracia, de experimentar formas no-autoritrias de exerccio do poder, de intervir nas decises da organizao e definir coletivamente o rumo dos trabalhos. Entretanto, uma insuficiente

26 ligao entre a dimenso poltica e tcnica do funcionamento da escola, pode levar dissoluo da preocupao com o trabalho real dos professores na sala de aula, com os processos internos do aprender dos alunos, como reduz sensivelmente a importncia dos contedos escolares e da promoo do desenvolvimento mental. A confuso que se cria transformar meios em fins. Entretanto, o eixo das escolas no as formas de gesto mas, sim, a qualidade dos processos de ensino e aprendizagem que, mediante procedimentos pedaggico-didticos, propiciam melhores resultados de aprendizagem. Ou seja, o reordenamento das formas de gesto no pode ser o objetivo primoridial da escola. Isso no significa negar a dimenso educativa das prticas de gesto, apenas se quer afirmar que elas deveriam ser consideradas meio para se assegurar o cumprimento do objetivo pleno das escolas, no fim. 3.3. - Esboo de um quadro atual das concepes. Com base nas consideraes apresentadas nos tpicos anteriores, da observao de experincias levadas a efeito nos ltimos anos, e de alguns estudos sobre organizao e gesto escolar (por exemplo, Paro, 1988; Escudero y Gonzles, 1994; Luck, 1998) pode-se apresentar um esboo das concepes de organizao e gesto. So cinco concepes: a tcnico-cientfica, a autogestionria, a gesto colegiada, a interpretativa e a democrtica-participativa. A concepo tcnico-cientfica (burocrtica), em sua verso mais conservadora, baseia-se na hierarquia de cargos, prescrio detalhada de funes e tarefas por meio de normas e procedimentos administrativos, visando a racionalizao do trabalho e a eficincia dos servios escolares. A verso mais recente conhecida como modelo de gesto da qualidade total, com utilizao mais forte de mtodos e prticas de gesto da administrao empresarial. A concepo autogestionria se caracteriza pela ausncia de direo centralizada e pela acentuao da participao direta e por igual de todos os membros de instituio. Tende a recusar o exerccio de autoridade e as formas mais sistematizadas de organizao e gesto, atribuindo-se as responsabilidades ao coletivo. O exerccio do poder coletivo na escola se presta a preparar os alunos para formas de autogesto no plano poltico na sociedade. Em contraposio aos elementos institudos da organizao escolar - normas, regulamentos, procedimentos j definidos e tidos como autoritrios - valoriza especialmente os elementos instituintes da organizao escolar: capacidade do grupo de criar, instituir, suas prprias normas e procedimentos. Vem da a nfase na auto-organizao do grupo por meio de decises coletivas nas reunies, eleies e alternncia no exerccio de cargos. A concepo da gesto colegiada baseia-se no principio da colegialidade, ou seja, compartilhamento de objetivos e significados comuns das pessoas, por meio do dilogo e da deliberao coletiva. Est centrada, principalmente, na participao da comunidade

27 escolar nos processos de administrao e gesto da escola, dentro de Conselhos de Escola (ou Conselho Escolar, Colegiado escolar). Obviamente aposta na legitimidade da adoo de processos consensuais de tomada de deciso, por meio de formas de gesto participativa e democrtica. A exigncia de co-responsabilidade em graus e modos diversos, desde a concepo at a execuo das atividades escolares, implica a aprendizagem colaborativa e o trabalho em equipe dos professores (cultura colaborativa em oposio ao trabalho individual). A concepo interpretativa considera como elemento prioritrio na anlise dos processos de organizao e gesto os significados subjetivos, as intenes e a interao das pessoas. Opondo-se fortemente concepo cientfico-racional pela sua rigidez normativa e por considerar as organizaes como realidades objetivas, o enfoque interpretativo v as prticas organizativas como uma construo social com base nas experincias subjetivas e nas interaes sociais. No extremo, essa concepo tambm recusa a possibilidade de um conhecimento mais preciso dos modos de funcionamento de uma organizao e, em conseqncia, de haver certas normas, estratgias e procedimentos organizativos (Escudero e Gonzles, 1994). Privilegia menos o ato de organizar e mais a "ao organizadora" em que se vivenciam valores e prticas compartilhados. Esta concepo tem trazido importantes contribuies s demais concepes sciocriticas, especialmente pela considerao da organizao escolar como cultura - a cultura da escola ou cultura organizacional - em que a escola vista no apenas como vinculada ao contexto cultural em que est inserida mas, tambm, como um lugar em que seus prprios integrantes podem instituir uma cultura, conforme seus interesses e objetivos. A concepo democrtica-participativa defende a explicitao de objetivos sciopolticos e pedaggicos da escola, pela equipe escolar. Baseia-se na relao orgnica entre a direo e a participao dos membros da equipe, garantindo-se a gesto participativa mas, tambm, a gesto da participao. Busca objetividade no trato das questes da organizao e gesto, mediante coleta de informaes reais, sem prejuzo da considerao dos significados subjetivos e culturais. Entretanto, uma vez tomadas as decises coletivamente, advoga que cada membro da equipe assuma sua parte no trabalho, admitindo-se uma efetiva coordenao do trabalho e o acompanhamento e avaliao sistemticas da operacionalizao das decises tomadas. Essa posio, em razo de seu compromisso com a formao cientfica e desenvolvimento mental dos alunos por meio do processo de ensino e aprendizagem, requer do pessoal da escola alto nvel de qualificao e de competncia profissional. Cumpre esclarecer, finalmente, que essas concepes representam estilos de gesto em seus traos gerais. Elas possibilitam fazer anlises da estrutura e da dinmica organizativas

28 de uma escola, mas raramente se apresentam de forma pura em situaes concretas. Caractersticas de uma concepo podem ser encontradas em outra, embora sempre seja possvel identificar, nas escolas, um estilo mais dominante. Pode ocorrer, tambm, que a direo ou a equipe escolar optem por determinada concepo e, na prtica, acabem reproduzindo formas de organizao e gesto mais convencionais, geralmente de tipo tcnico-cientfico (burocrtico). 3.4. Algumas concluses preliminares a) notrio o descuido de gestores do sistema de ensino e dos intelectuais da educao em buscar apreender a relao entre as formas da gesto escolar e as atividades de ensino e aprendizagem na sala de aula As prticas de organizao e gesto, consideradas em seu sentido estrito, de racionalizao de recursos intelectuais, fsicos, materiais, e coordenao do trabalho coletivo na escola em funo de prover as condies necessrias para o ensino e a aprendizagem, na maioria das propostas pedaggicas mais em evidncia, tm sido desvestidas de sua especificidade. No sistema oficial de ensino, a gesto democrtica baseada na autonomia parte das estratgias neoliberais de deslocamento de responsabilidades do Estado em relao aos servios de ensino para os agentes diretos (famlia e professores)18; ela se caracteriza pela adoo na escola de modelos empresariais de gerenciamento, regulao dos processos de tomada deciso por meio dos conselhos ou colegiados escolares e da participao de pais e professores, e pela utilizao de mecanismos de avaliao da produtividade da escola. Nos meios intelectuais da educao e agentes mais politizados que atuam nas escolas, tem-se uma viso de gesto democrtica focada na participao da comunidade escolar nos processos de deciso, com caractersticas acentuadamente polticas, s vezes voluntaristas, pelo apelo ao papel do sujeito histrico, na perspectiva marxista, ou mstica comunitria e relao dialogal, na perspectiva freireana. Para esse grupo, democratizao da escola se d pela mudana de sentido das relaes sociais entre os integrantes da escola, instituindo-se formas de trabalho coletivo para superar desigualdades e diferenas sociais decorrentes do modo de organizao do trabalho capitalista (diviso tcnica do trabalho, explorao, controles, formas de avaliao etc.). Em ambos os casos ficam em segundo plano as formas de organizao gesto em seus dois sentidos: 1) como o conjunto de condies e meios, de natureza pedaggica, curricular e organizativa, de garantir a consecuo do objetivo institucional das escolas, o ensino e aprendizagem; 2) como espao educativo, de aprendizagem, ou seja, uma comunidade de aprendizagem em que as pessoas se educam e aprendem conceitos, prticas, modos de agir.18

Est claro para muitos analistas que essas iniciativas de gesto democrtica, para alm dos discursos em torno da autonomia e da descentralizao, em que o Estado se pe como instrumento de solidariedade organizada, tm por trs a inteno de reduo de custos, encargos e investimentos pblicos, dividindo-os com a iniciativa privada e com a comunidade. (Cf., por ex., De Rossi, 2001, p. 96)

29 No se trata de pedagogismo. A nosso ver, inteiramente legtimo o raciocnio dos crticos do sistema educacional segundo o qual a gesto escolar no pode ser tomada apenas como a racionalizao do trabalho escolar visando a realizao eficiente dos objetivos institucionais da escola, mas como uma rede complexa envolvendo interesses ideolgicos, polticos, estratgicos e dispositivos de controle por parte do Estado e da sociedade civil. O que se questiona aqui o pouco interesse dos intelectuais do campo educacional pela investigao daquelas questes da gesto escolar voltadas para a eficcia e a qualidade das aprendizagens dos alunos, ou seja, competncias pedaggicas e administrativas dos dirigentes escolares, domnio de procedimentos adequados de gesto da atividade de professores e alunos, a assistncia ao trabalho dos professores, o provimento das condies fsicas, materiais e tecnolgicas necessrias ao ensino e aprendizagem, a gesto efetiva das relaes e prticas sociais, a integrao de pais e alunos nos processos decisrios, etc. Entendemos que escola democrtica no pode ter seu sentido centrado, em primeira instncia, nem na idia de que tendo autonomia se preserva a liberdade das pessoas para tomarem decises (viso liberal), nem na idia de que democratizar a escola democratizar as relaes entre as pessoas (trabalho coletivo, relaes solidrias, eliminao das hierarquias, eleies para os cargos, direo colegiada etc.). Escola democrtica um lugar de interaes sociais que possibilitam a todos os alunos chances iguais de escolarizao formal, aprendizagem real e desenvolvimento cognitivo. Esta a melhor contribuio social do sistema de ensino para a reduo de desigualdades sociais, para o que a democratizao das relaes um meio. Esse entendimento supe, sim, que a escola instaure modos de convivncia emancipadores, participativos, solidrios, isto , um outro modo de convivncia humana, mas isto no a exime de seus objetivos socioculturais e institucionais, de prover formas de estruturao e de organizao que assegurem xito consecuo desses objetivos (o ensino e a aprendizagem). b) Gestores vinculados ao sistema de ensino e intelectuais da educao encontram reais dificuldades em obter algum consenso em torno dos objetivos da escola. Nestes anos ps-transio democrtica, no Brasil, com o enfraquecimento dos ideais e prticas postuladas pela esquerda, objetivos e estratgias de ao em favor da escola democrtica, tanto no mbito oficial quanto no mbito das instituies escolares, tm sido pouco diferenciveis entre si, especialmente no que se refere a modos operacionais de fazer funcionar a gesto democrtica. Posies de esquerda como autonomia das escolas, gesto participativa, eleio direta de diretores, criao de conselhos escolares, educao inclusiva, trabalho coletivo, etc. foram assimiladas pelas instituies governamentais, ainda que com

30 distintos objetivos. Por outro lado, prticas de gesto que estariam mais voltadas a atender objetivos institucionais da escola e que trouxessem mais eficcia s aes levadas a efeito na parte pedaggica estariam sendo vistas como neoliberais, portanto, inaceitveis. Tais fatos mostram como os educadores, tanto os vinculados aos rgos oficiais, quanto os intelectuais e profissionais engajados na escola, tm tido reais dificuldades de obter consensos mnimos sobre objetivos sociais e pedaggicos para as escolas e estratgias de ao a implementar em relao a prticas escolares. Com efeito, os discursos correntes em torno da gesto democrtica, direita e esquerda, omitem-se frente a questes propriamente pedaggico-didticas, especialmente no que diz respeito definio de objetivos sociais e culturais para a escola, capacidades e competncias e habilidades cognitivas dos alunos, qualificao profissional necessria ao professor, formatos curriculares, metodologias de ensino, prticas de gesto democrticas, nveis esperados de desempenho escolar dos alunos. H muito mais espao nas investigaes e nos estudos tericos enfatizando a anlise externa das questes escolares e pouco para as anlises internas, embora se saiba que so as prticas pedaggicas, dentro da escola, as que conferem ou no qualidade ao ensino e s aprendizagens. Com isso, certos setores do campo intelectual da educao no conseguem compreender que boa parte das desigualdades de aprendizagem entre alunos nas salas de aula e at de insucessos na vida social e profissional ps-escolarizao so produzidas dentro da prpria escola e salas de aula. O que se deduz do tpico anterior que a maioria das vrias abordagens analisadas incide em reducionismos de tipo sociolgico, poltico e mesmo organizacional, medida que se distanciam de uma considerao terica sobre a natureza da atividade escolar. O que falta, assim, compreender e explicitar que as prticas de organizao e gesto devem estar dirigidas para alcanar a qualidade cognitiva das aprendizagens escolares. A autonomia escolar, a participao, as eleies para direo de escolas, etc. perdem sua fora e sua relevncia se os alunos no aprendem solidamente os contedos, se continuam tendo nveis insatisfatrios de rendimento escolar. A questo relevante saber em que grau esses processos democrticos de organizao e gesto ajudam na viabilizao de propostas mais ricas e socialmente mais promissoras e eficazes do que as propostas neoliberais baseadas na lgica do mercado. c) A busca da democracia na escola no deve ser orientada pela escolha entre o lado poltico ou tcnico da gesto, mas pela definio de modalidades de ao pedaggica na escola voltada para interesses da maioria da populao e conquista da dignidade e realizao humanas. fora de dvida que, em um momento crucial das lutas sociais contra o regime militar nos anos 1980, a viso de intelectuais envolvidos nos movimentos de crtica ao sistema educacional estava

31 orientada pelo critrio democrtico de construo da escola pblica, gratuita, laica e de qualidade (Cunha, 1991, p. 15). Entretanto, o peso da anlise poltica e ideolgica ps em segundo plano o lado tcnico, colocando como ingredientes da explorao do trabalho o planejamento, a diviso do trabalho, as metodologias, os procedimentos, os recursos tecnolgicos e at mesmo a didtica. Com a perda da especificidade da administrao escolar, debilita-se o papel das formas de gesto na realizao do ensino, suprime-se a formao especfica para as tarefas de organizao e gesto, eliminase ou reduz-se o trabalho do pedagogo que passa suas tarefas aos professores de disciplinas especficas, sem formao pedaggica e sem estudos especficos sobre a gesto da escola, o ensino e a aprendizagem. Essa descaracterizao da especificidade da administrao escolar pode ter sido um dos fatores significativos dos insucessos da escola brasileira na aprendizagem escolar, como tm mostrado as estatsticas oficiais. verdade que as formas de administrao esto, ainda, carregadas de prticas autoritrias, centralizadoras. Entretant