injúria abiótica em folhas de trigo ou bacterioseºria abiótica... · diagnose de doenças...

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12 - Revista Plantio Direto & Tecnologia Agrícola - Edição 155 1. Introdução Quem tem experiência em acompanhamento de safras de trigo, tem observado que sempre, em todas elas, surgem problemas novos que necessitam ter sua causa diagnosti- cada. Porém, esses desafios, em geral são complexos. Tem sido observado em algu- mas safras de trigo, nos últimos 30 anos, a ocorrência esporádica de uma injúria nas folhas superiores do trigo e apontada como sendo uma bacte- riose. Sendo disseminado o fato de que esse distúrbio é causado por uma bactéria tem sido recomendado pela assistência técnica, e aplicado em la- vouras de alguns produtores, subs- tâncias químicas bactericidas para seu controle à base de cobre ou cloro. Lembra-se que em trigo são relatadas duas bacterioses, a estria bacteriana causada por patovares de Xanthomonas axonopodis, de maior ocorrência e importância, e a glu- ma negra, causada por patovares de Pseudomonas syringae, de menor ocorrência. O objetivo desse texto é contri- buir para a diagnose correta do pro- blema ocorrente nas últimas safras de trigo de 2010 e de 2016. 2. Conceitos básicos Para embasar a presente discus- são, serão revisados alguns princípios básicos de fitopatologia Classificação das doenças se- gunda a natureza do agente causal. Está em discussão se a necrose na cur- vatura da folha bandeira do trigo tem causa biótica ou abiótica. Doenças parasitárias ou bió- ticas. Assim são classificadas as mo- léstias causadas por microrganismos patogênicos como fungos, bactérias e vírus. Prova de patogenicidade. Na diagnose de doenças parasitárias é exigida a prova de patogenicidade. O método científico de diagnose de doenças parasitárias prevê que para se comprovar que um determinado microrganismo é o agente causal da doença devem ser seguidos ou obser- vados os postulados de Koch: (i) isolar Injúria abióca em folhas de trigo ou bacteriose Erlei Melo Reis; Andrea Camargo Reis e Mateus Zanatta Agroservice – Pesquisa e Consultoria Agrícolas Passo Fundo, RS. [email protected] Doenças

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12 - Revista Plantio Direto & Tecnologia Agrícola - Edição 155

1. Introdução

Quem tem experiência em acompanhamento de safras de trigo, tem observado que sempre, em todas elas, surgem problemas novos que necessitam ter sua causa diagnosti-cada. Porém, esses desafios, em geral são complexos.

Tem sido observado em algu-mas safras de trigo, nos últimos 30 anos, a ocorrência esporádica de uma injúria nas folhas superiores do trigo e apontada como sendo uma bacte-riose.

Sendo disseminado o fato de que esse distúrbio é causado por uma bactéria tem sido recomendado pela assistência técnica, e aplicado em la-vouras de alguns produtores, subs-

tâncias químicas bactericidas para seu controle à base de cobre ou cloro.

Lembra-se que em trigo são relatadas duas bacterioses, a estria bacteriana causada por patovares de Xanthomonas axonopodis, de maior ocorrência e importância, e a glu-ma negra, causada por patovares de Pseudomonas syringae, de menor ocorrência.

O objetivo desse texto é contri-buir para a diagnose correta do pro-blema ocorrente nas últimas safras de trigo de 2010 e de 2016.

2. Conceitos básicos

Para embasar a presente discus-são, serão revisados alguns princípios básicos de fitopatologia

Classificação das doenças se-gunda a natureza do agente causal. Está em discussão se a necrose na cur-vatura da folha bandeira do trigo tem causa biótica ou abiótica.

Doenças parasitárias ou bió-ticas. Assim são classificadas as mo-léstias causadas por microrganismos patogênicos como fungos, bactérias e vírus.

Prova de patogenicidade. Na diagnose de doenças parasitárias é exigida a prova de patogenicidade. O método científico de diagnose de doenças parasitárias prevê que para se comprovar que um determinado microrganismo é o agente causal da doença devem ser seguidos ou obser-vados os postulados de Koch: (i) isolar

Injúria abiótica emfolhas de trigo ou bacterioseErlei Melo Reis; Andrea Camargo Reis e Mateus Zanatta

Agroservice – Pesquisa e Consultoria AgrícolasPasso Fundo, RS. [email protected]

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o microrganismo em cultura pura, (ii) inocular no hospedeiro sadio, repro-duzindo sintomas semelhantes aos observados no campo; (iii) re-isolar o microrganismo inoculado. (iv) Os sin-tomas observados no campo e os re-sultantes da inoculação devem ser se-melhantes e o organismo isolado do campo de da planta inoculada deve ser idêntico (Agrios, 2005).

Doenças não parasitárias, ou abióticas. Recebem essa denomina-ção as alterações na fisiologia e mor-fologia da planta causada por agente outro que não seja um ser vivo. Defi-ciência ou excesso de elementos nu-tritivos minerais ou fitotoxicidade de substâncias químicas, injúrias físicas pelo frio (geada), calor e radiação so-lar. Esse grupo de distúrbios não apre-sentam ciclos secundários, pois em geral, a sua ocorrência depende da apenas um evento que não é repetido no tempo como nos ciclos secundá-rios de doenças parasitárias.

Ciclo das relaçõespatógeno hospedeiro

Fontes de inóculo dos agentes parasitários de manchas foliares in-cluindo fungos e bactéria. As duas principais fontes de inóculo para o conjunto de doenças causadas por necrotróficos que parasitam órgãos verdes são as sementes e os restos culturais.

Agentes de disseminação do inóculo. Nesse grupo de doenças são descritos dois tipos de propágulos dos agentes causais quanto a neces-sidade de um agente de remoção e de dispersão do inóculo. Os esporos de fungos que causam manchas fo-liares em trigo gêneros Drechslera e Bipolaris apresentam esporos secos, sendo removidos do local de esporu-lação e transportados pelo vento. Por outro lado, no caso de Stagonospora (= Septoria) e de Microdochium, os es-poros são removidos dos picnídios e dos esporodóquios (formados nos te-cidos infectado) e dispersos por gotas

de chuva atomizadas pelo vento. As bactérias dos gêneros Xanthomonas e Pseudomonas apresentam propágulos (células, talos) molhados, sendo, por-tanto, removidas dos tecidos infecta-dos e transportados (disseminados) veiculados por respingos de chuva.

Sítios de infecção. É o tecido suscetível, que no caso de manchas são os tecidos verdes, ou fotossinte-tizantes (folhas, bainhas, colmo e es-pigas).

Deposição, penetração. O inóculo tanto seco como molhado é depositado nos sítios de infecção por impacto (vento) ou por sedimentação (queda livre no ar).

Requerimentos ambientais para a infecção. O inóculo deposita-do na superfície da planta requer uma duração do período diário de molha-mento foliar contínuo e temperatura favorável durante esse período resul-tando no estabelecimento parasitário.

Ciclo primário. Refere-se a pri-meira geração do patógeno na planta infectada pelo inóculo primário (se-mente e restos cultural infectados).

Ciclos secundários. É a segun-da e demais gerações do patógeno na lavoura de trigo. Como resultado a doença cresce em intensidade ini-ciando nas folhas basais e atingindo as superiores até a espiga e a semente (caso dos necrotróficos).

Colonização. É o processo de invasão dos tecidos verdes do trigo e a extração de nutrientes pelos parasi-tas. Da colonização resultam a mani-festação de sintomas como manchas foliares onde os fungos terminam por esporular produzindo inóculo secun-dário para os ciclos secundários.

Epidemiologia. É uma divisão da fitopatologia que considera os fa-tores que determinam o crescimento de uma doença no tempo e no espa-ço numa lavoura.

Doenças monocíclicas. São as doenças que apresentam apenas o ci-clo primário, ou seja, um ciclo de vida do agente causal, coincide com um ciclo da planta. Sevem de exemplo os carvões e podridões radicais como o mal-do-pé.

Doenças policíclicas. São aque-las que apresentam ciclos secundários como as manchas foliares e a estria bacteriana. A própria planta doente produz inóculo para os ciclos seguin-tes de infecção.

3. Doenças parasitáriasconhecidas em trigo

Para melhor contribuição ao co-nhecimento da injúria ocorrente em trigo e alvo desse estudo, ilustra-se as principais manchas foliares descritas em trigo,

3.1. Manchas foliares

Podem ser causadas por fungos necrotróficos como Bipolaris soroki-niana, Drechslera tritici-repentis, D. siccans, Stagonospora nodorum e Mi-crodochium nivale.

O reconhecimento da mancha amarela, da helmintosporiose e da septoriose é de conhecimento geral. Porém, a sintomatologia da mancha aquosa poderia ser confundida com a da necrose da curvatura da folha ban-deira (Figura 1). Porém, nesse caso, o fungo Microdochium nivale é isolado das lesões apresentando resultado positivo na prova de patogenicidade.

3.2 Melanismo ou melanose– falsa gluma negra

É uma doença abiótica que ocor-re em trigo (Figura 2) apresentando sintomatologia distinta nos colmos e espigas, porém, dependendo de sua intensidade em glumas pode levar a diagnose errada da gluma negra. A melanose surge com maior intensida-de com ambiente quente e úmido em cultivares de trigo que contenham

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Estria bacteriana. Recebe esse nome comum devido ao sintoma ser na forma de estria, ou linha longa estreita sobre os limbos foliares. Em algumas citações na língua inglesa, a estria bacteriana descrita no Brasil (Luzzardi et al., 1983) tem como no-mes comuns estria bacteriana, ou lis-tra bacteriana e gluma negra.

A estria têm como agente causal Xanthomonas translucens pv. translu-cens (ex Jones et al.) Vauterin et al. Sinônimos Xanthomonas campestris pv. translucens (Jones et al.) Dye, Xan-thomonas translucens (Jones, Johnson e Reddy) Dowson. No presente traba-lho o agente causal será denominado de patovares de X. translucens (Du-veiller et al., 1997).

Glumas negras ou podridão negra da base das glumas. Recebe esse nome comum pelos sintomas de necrose escura nas glumas. Essa bacteriose é causada, principalmente, por Pseudomonas syringae pv. atrofas-ciens. No entanto outros patovares tem sido também descritos como P. syringae pv. syringae; P. syringae pv. japonica. Por isso, nesse texto o agen-te causal será denominado patovares de Pseudomonas syringae.

Sintomatologia das bacterio-ses. O quadro sintomatológico das bacterioses do trigo tem sido bem descrito e documentado cientifica-mente e úteis à diagnose. Essas bacte-rioses têm como nomes comuns ne-

Figura 1. Sintomas foliares e em bainhas da mancha aquosa, causada por Microdochium nivale.

Figura 2. Sintomas da melanose em colmos e espiga (glumas) de trigo.

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em seu genoma o gene Sr2 que con-fere resistência à ferrugem do colmo (Duveiller, et al., 1997)

3.3. Doenças bacterianas

Na literatura internacional tem sido relatado, pelo menos, duas bac-terioses em trigo. Para melhor enten-dimento apresentam-se os nomes comuns dessas duas doenças na lite-ratura em inglês - bacterial leaf streak, bacterial stripe, Xanthomonas streak, black chaff. Podem ser traduzidos por – estria bacteriana, listra bacteriana, listra de Xanthomonas e gluma negra. A palavra inglesa chaff refere-se a pa-lha da espiga sem os grãos (Duveiller et al., 1997).

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crose foliar, crestamento bacteriano, estria ou listra e podridão negra da base das glumas.

Sintomas foliares. Manifestam-se principalmente como lesões alon-gadas estreitas seguindo o sentido das nervuras. Por isso, recebem o nomes comuns de estrias ou listras como ilustrado na Figura 3.

Sintomas em bainhas e pe-

dúnculos. Como o agente bacteriano preferencialmente coloniza tecidos verdes, fotossintéticamente ativos, além de folhas os sintomas estão presentes também em bainhas e pe-dúnculos (Figura 4). São lesões que circundam o pedúnculo, no início mais claras do que o verde normal, tornando-se pardas mais tarde. Em geral, não primeiras horas da manhã, ao secar o orvalho restam gotas de pus com a consistência pastosa.

Sintomas em espigas (glumas). No final do desenvolvimento do ciclo das bacterioses o patógeno coloniza as partes da espiga, principalmente glumas, retornando à semente, fon-te de inóculo primário. As glumas tornam-se escurecidas, daí o nome comum de glumas negras (Figura 5).

Portanto, a sintomatologia de gluma negra não é suficiente para

diferenciar as duas bacterioses cita-das em trigo, isso por ser comum a ambas.

A doença pode atingir a ráquis e lesões podem se desenvolver nas cariopses.

Sob ambiente úmido uma exsu-dação bacteriana branca-cinza pode estar presente. A infecção dos colmos (pedúnculos) resulta em sua descolo-ração escura. Lesões foliares peque-nas e irregulares encharcadas podem

Figura 3. Sintomas de estrias em folhas de trigo característica das bacterioses. Imagem da direita evidenciando a exsudação de pús bacteriano do agente causal.

Figura 4. Sintomas em pedúnculos de trigo. Imagem do centro com a presença de pus bacteria-no e da esquerda lesão mais velha, sem exsudação. (Imagens da internet e de Reis).

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estar presentes. Os sintomas em col-mos e glumas podem ser confundi-dos com o melanismo ou falsa palha negra (Figura 2).

4. Sintomatologia da injúriaabiótica na folha bandeira.

Essa injúria se manifesta em fo-lhas, principalmente na curvatura da folha bandeira (Figura 6).

Órgãos da planta com os sin-tomas. Em todas as safras, regiões e lavouras, com este quadro sintoma-tológico, houve a predominância, ou concentração dos sintomas em folhas-bandeiras (Figura 6). Mas ocor-reu em folhas inferiores também com menor frequência.

Deve ser enfatizado que, por outro lado, bainhas, colmos, pedún-culos, espigas glumas, em todas as safras e situações, apresentavam-se sadios (Figura 7). Lembra-se que a li-teratura oferece farta descrição e ilus-trações desses sintomas das bacterio-ses em tais órgãos.

Os sintomas dessa injúria são observados apenas em folhas, prin-cipalmente nas bandeiras, não sen-do observados em bainhas, colmos, pedúnculo da espiga e espigas (glu-mas). Essa é uma característica im-portante e diferenciadora da causa da injúria da curvatura da folha bandei-raria das duas bacterioses descrias em trigo. As duas bacterioses apresentam

sintomas em folha, bainhas, colmos, espigas (glumas) e grãos.

Doenças bacterianas apresen-tam propágulos molhados, formando sobre as lesões exsudação de pus bac-teriano, acentuado na presença de or-valho e chuva leve que só molha as folhas. Portanto, nas doenças bacte-rianas como na estria bacteriana que ocorre no norte do Paraná e Sul de São Paulo e etc., a exsudação de pus bacteriano está presente de modo que caminhando dentro da lavoura se sai com a roupa melada. Esse “mela”

não tem sido observada em lavouras com a presença da injúria da curvatu-ra da folha bandeira.

Evolução do quadro sintoma-tológico. Na sequência de imagens da Figura 8 se observa que surgem pequenas áreas despigmentadas, brancas, sem forma definida, alonga-das, principalmente na curvatura da folha bandeira. Essa necrose vai se ex-pandindo seguida da morte de uma maior área do limbo foliar. As vezes essa necrose boqueia a passagem de

Figura 5. Sintomas de glumas negras, fase final do ciclo das bacterioses. Imagem da esquerda com lesões nos pedúnculos.

Figura 6. Quadro sintomatológico da injúria da curvatura da folha bandeira em trigo.

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nutrientes da base para a ponta da fo-lha resultando na morte apical. Os te-cidos mortos apresentam descolora-ção branca evoluindo para coloração escura, quase negra, pela colonização do tecido morto por fungos saprofí-ticos como Alternaria, Cladosporium e Epicoccum. Tais tecidos terminam invariavelmente sendo dilacerados. Essa dilaceração é semelhante a que ocorre na injúria química de paraqua-te em trigo. Esse quadro sintomatoló-gico, escurecimento seguido de dila-ceração/desintegração, não tem sido descrito para as bacterioses do trigo.

Nome comum de doenças. As doenças apresentam nomes comuns e o agente causal de doenças bióti-cas ou parasitárias, nome científico. O nome comum deve contribuir para facilitar a diagnose da referida do-ença. A injúria cuja etiologia é aqui discutida poderia ser propriamente chamada de “injúria da curvatura da folha-bandeira” (Figura 9).

O ambiente e a ocorrência da injúria. Fato comum é que ao longo das safras em que essa injúria é ob-servada há uma coincidência das con-

dições de ambiente que determinam a ocorrência da injúria. Precedendo ao evento tem ocorrido um período seco de 15-20 dias, coincidindo com o emborrachamento das plantas (fo-lhas bandeiras desenvolvidas). Após o período de estresse hídrico seguem-se 4-5 dias de chuva frequente e com dias nublados. Após o período chuvo-so, seguiram-se dias ensolarados, céu limpo com alta radiação solar. Lem-bra-se que plantações vizinhas, ou mesmo em parcelas experimentais, porém em estádio fenológico anterior ao emborrachamento, e expostas as mesmas condições ambientais, não evidenciaram sintomas, permanecen-do sadias até o final do ciclo. Fica as-sim evidente que o estádio fenológico predisponente é após o emborracha-mento.

Considerando-se a ocorrência de 15-20 dias de estiagem, baixa tem-peratura como ocorreu na safra 2016 e que as bactérias apresentam propá-gulos molhados, não poderia ocorrer sintomas nas folhas bandeiras sob es-sas condições. Os sintomas manifes-taram-se somente após a ocorrência 4-5 dias de chuva seguidos de alta ra-diação solar. Como uma bactéria teria

Figura 7. Aspecto sadio de espigas de trigo tomadas de lavoura com sintoma da injúria da cur-vatura da folha bandeira.

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se multiplicado, sob baixa tempera-tura e tempo seco tão rapidamente? Não haviam sintomas semelhantes em folhas basais até então. Lembra-se que o desenvolvimento de doen-ças bacterianas tendo como fonte de inóculo primário sementes e ou restos culturais infectados devido aos ciclos secundários, a doença desenvolve-se das folhas inferiores para as superiores (Duveiller et al., 1997).

Fontes de inóculo de bacté-rias. A transmissão da semente às plântulas tem sido bem descrita e ilustrada para as bacterioses do trigo (Duveiller et al., 1997). A evolução de doença parasitária com ciclos se-cundários é clara: semente infectada, coleóptilo, plúmula, folhas basais, fo-lhas superiores, pedúndulo, atingindo finalmente a espiga (glumas e grãos). A semente é novamente a fonte de inóculo primário garantindo também a sobrevivência do agente causal en-tressafras. Por que, essa bacteriose (?) ocorrente no Brasil, não segue esse padrão descrito em outros países evo-luindo das folhas basais para as supe-riores e terminando por colonizar as espigas (glumas negras)?

Relação da ocorrência da in-júria com estádio fenológico do trigo. Tem sido observado que a in-juria ocorre uniforme dento da área da parcela ou da lavoura. Porém, as lavouras próximas, em estádio fenoló-gico anterior à emissão da folha ban-deira, não manifestam os sintomas.

Em parcelas da Embrapa/Trigo, conduzidas na Universidade de Pas-so Fundo (safra 2010), os sintomas foram observados somente em duas cultivares, mais precoces, com folhas bandeiras presentes no momento de ocorrência do evento.

No Winter Show de 2015, na Cooperativa Agrária, em Guarapua-va, em parcelas demonstrativas do cultivar de trigo de duplo propósito (Tarumã), semeadas em duas épocas de semeadura, os sintomas ocorre-ram apenas na parcela semeada mais cedo, e que, no momento do evento,

Figura 8. Evolução do quadro sintomatológico da injúria da curvatura da folha bandeira (as lesões escurecem seguidas da dilaceração do tecido necrosado).

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as folhas bandeiras estavam em seu pleno desenvolvimento.

A injúria tem ocorrido em lavou-ras e parcelas experimentais, princi-palmente, após o emborrachamento. Parece que a folha mais predisposta é a bandeira. Plantas em estádios ante-riores (Fb-1; Fb-2 Fb-3), no momento do evento, apresentavam se sadias. E as mais jovens continuaram sadias até a maturação.

Como a doença não cresceu de intensidade no tempo, nota-se que houve um evento marcante após o emborrachamento de modo que as mais atacadas foram as folhas-bandei-ra. A ocorrência da injúria está relacio-nada à presença da folha bandeira no momento da ocorrência do evento. A Figura 10 ilustra a ocorrência da in-júria em parcelas gêmeas da mesma cultivar semeadas em duas datas.

Esses fatos são fortes argumen-tos de que a injúria da curvatura da folha bandeira não tem causa parasi-tária (bacteriose).

Epidemiologia. A injúria da cur-vatura da curvatura da folha bandei-ra comportou-se como uma doença monocíclica. As doenças bacterianas são policíclicas. Não se observou o crescimento da intensidade da injúria com o passar do tempo como ocor-re em doenças parasitárias. Em geral a doença parasitária como as bacte-rianas evolui das folhas basais para as superiores atingindo pedúnculos, espigas, glumas e grãos. Por isso, se pode deduzir que, em relação a injú-ria, ocorreu apenas um evento deter-minante da injúria. Após 4 - 5 dias de

chuva contínua, a injúria continuou restrita as folhas superiores. Caso fos-se de origem parasitária e, com ciclos secundários, atingiria pedúnculos e espigas. Tal fato não ocorreu. Não se encontrou na literatura citação de bacteriose de órgãos fotossintéticos sendo monocíclica! Mesmo que se tentasse traçar o progresso da injúria não seria possível. Em todas as sa-fras que ocorreu o fenômeno, não se identificou a repetição dos fatores de-terminantes. Ainda não foram regis-tradas injúrias ou lesões em bainhas, colmos, pedúnculos e espigas (gluma negra).

Figura 9. Sintomas de injúria da necrose da curvatura da folha bandeira do trigo (fotos tomadas em 18/10/10).

Figura 10. Parcelas gêmeas da mesma cultivar, semeadas em duas épocas. Apenas a da direita, com folhas bandeiras presente, mostraram sintomas da injúria, e a da esquerda, em estádio fenológico anterior, apresentaram-se sadias.

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Outro fato relevante que distin-gue a injúria de doença bacteriana, é que as plantas não apresentavam exsudação de pus de modo que se caminhando na lavoura as plantas es-tavam secas e não meladas.

Efeito de fungicida na redução da intensidade da injúria. Poderia uma bacteriose ter sua intensidade reduzida (controlada) por fungici-das? Em experimento de campo na Semente Com Vigor, Vacaria, cultivar Marfim, safra 2016, a área que foi tra-tada com mistura de triazol + estrobi-lurina apresentou uma severidade em folhas bandeiras de 8,0% enquanto que a tratada com a mesma mistura adicionada de mancozebe 2,0 kg/ha, teve a severidade reduzida para 2,9%. Essa redução pode ser atribu-ída ao efeito anti-estresse do man-cozebe, com mecanismo ainda sem explicação. Contudo não seria o con-trole da bacteriose por um fungicida não bactericida.

Reação de cultivares de trigo. Deve ser enfatizado que se observou diferenças na presença da injúria en-tre cultivares, no entanto, cuidado deve ser tomado relacionado com a coincidência da presença da fo-lha bandeira com o fator ambiente (déficit hídrico-chuva-sol). Esse fato pode resultar numa observação falsa de que a presença/ocorrência da in-júria possa ser atribuída a resistência

da cultivar. Na realidade trata-se de um escape – não houve coincidência do estádio fenológico (presença de folha-bandeira) predisponente com a ocorrência do evento ambiental.

Injúria química? A causa da in-júria da curvatura da folha bandeira ainda não tem sido devidamente elu-cidado. Uma possibilidade poderia ter sido a ocorrência de chuva ácida. Numa publicação da Embrapa trigo encontrou-se registro de chuva ácida em Passo Fundo, com pH 3,5, média mensal do mês de janeiro de 1999 (Cunha et al., 2009).

Injúria física? A maioria das le-sões é na curvatura da folha, posição mais horizontal onde pode ocorrer acúmulo de água. Poderia ter havido lixivia de nutrientes foliares pelo ex-

Figura 11. O sintoma da necrose da curvatura da folha bandeira, poderia ser devida um efeito de lente: gota d’água agindo como lente sob forte radiação solar?

Figura 13. Métodos de injeção e de palito na inoculação entre a bainha e o colmo.

cesso de chuva durante 4 – 5 dias? O período longo de chuvas poderia ter removido a serosidade da folha favo-recendo a presença de gotas d’água que como uma “lente” resultou em injúria pela radiação solar?

Convém se fazer uma compa-ração da evolução da injúria química do herbicida paraquate em folhas de trigo, com a evolução da necrose da curva da folha bandeira. Observa-se que as duas injúrias seguem o mesmo modelo (Figura 11). Dessa semelhan-ça se pode concluir que possivelmen-te tenham como causa uma substân-cia química.

Testes de patogenicidade: Fo-ram feitos isolamentos a partir das injúrias, observada a “corrida” bacte-

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Figura 12. Evolução da injúria (fitotoxicidade) química do paraquate (imagem da esquerda) comparada com a da injúria da curvatura da folha bandeira (imagem da direita). Observe o escurecimento das lesões e dilacerações nas duas injúrias.

riana ao microscópio e exsudação em tubo de ensaio. Estes dois últimos es-tes foram negativos. Nos isolamentos feitos em laboratório foram obtidas populações de bactérias saprofíticas colonizando os tecidos necrosados. As inoculações foram feitas em plân-tulas de trigo, cultivadas em vaso utilizando-se três métodos: aspersão, injeção e palito (Figura 12), porém negativos.

Conclusões

A injúria ou lesão da curvatu-ra da folha bandeira pode ter como causa evento relacionado com fator ambiental e com o estádio fenológico do trigo.

A injúria da curvatura da folha bandeira apresenta quadro sintoma-tológico diferente do das bacterioses descritas em trigo: Ausência de estria foliar, de lesões no pedúnculo, de glumas negras e de exsudação de pus bacteriano nas lesões; ao contrário, não ocorrem sintomas em bainhas, pedúnculos e espigas (gluma negra); as folhas injuriadas apresentavam le-sões secas; a doença não evoluiu de folhas inferiores para as superiores como ocorre com as parasitárias poli-cíclicas com ciclos secundários; a evo-lução dos sintomas foi semelhante a injúria do herbicida paraquate termi-nando por escurecimento e dilacera-ção das lesões; a severidade da injúria

foi reduzida por fungicida protetor; a safra de 2016 apresentou inverno frio (junho, julho e agosto) com período longo de seca desfavorável a doen-ça bacteriana; comportou-se como doença monocíclica, dependente de estádio fenológico (presença da folha bandeira). E, finalmente, a prova de patogenicidade com bactérias foi ne-gativa.

Referências

Agrios, G. N. Plant pathology. 5th ed. Elsevier Academic Press. 922 p. 2005.

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