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INICIATIVA EDUCAÇÃO, POBREZA E DESIGUALDADE SOCIAL
USO DOS SABERES COMUNITARIOS DO ENSINO DA QUÍMICA
Cinthia Muniz dos Santos
Universidade Federal Fluminense (UFF), [email protected]
Eixo Temático: PRÁTICAS EDUCACIONAIS E REPRODUÇÃO SOCIAL
Resumo
O presente trabalho trata-se de práticas educacionais que evitem a reprodução social, em que foi
realizado uma aula sobre o temas substâncias e misturas aproveitando os saberes locais. A prática
realizada no Colégio Estadual Melchiades Picanço permitiu articular os saberes da Química do
Cotidiano ao conhecimento científico encontrado nos saberes sobre as Química oriundos do senso
comum encontrado pelos alunos.
Palavras-chave: EDUCAÇÃO, ESCOLA, SABERES, ALUNOS.
Introdução
Enquanto professora da Rede Estadual de Educação do Rio de janeiro, venho lecionando nas
escolas na periferia de São Gonçalo e observo as preocupações dos alunos com os conteúdos em
ensino de ciências físicas e biológicas e com a progressão de série. Existem ainda as percepções sobre
o futuro, empregabilidade e aprendizado de fórmulas em ensino de física e química na segunda etapa
ensino médio da Educação de Jovens e Adultos, sabendo que há falta de professores que ensinariam
cálculo e resolução de problemas matemáticos e química, como afirmou Leão Rego em;
“Convém, por isso, lembrarmos que a existência da cidadania como situação histórica supõe, necessariamente, um
complexo de condições políticas, sociais, econômicas e culturais. Por exemplo, se uma sociedade não garante que todas as
pessoas tenham as mesmas oportunidades de acesso ao bem-estar, à cultura e à educação em sentido amplo, tal sociedade
apresenta déficits enormes de democratização de sua estrutura social e política.” (LEÃO REGO & PIZZANI, sd.p.09)
Brandão ( 2018) afirma que “Ninguém escapa da educação”, referindo-se que a educação não
acontece apenas na escola ela ocorre nos espaços de vivências da cultura, no campo, na família e na
luta pela existência dos diferentes coletivos. Atribuir a educação a uma única instituição como a escola
é aumentar as diferenças sociais, o conhecimento formal e informal podem coexistirem dentro da
escola, afirmando em:
“ Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos todos nós envolvemos
pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar.” (Brandão,sd; p.03)
Os saberes de um grupo são adquiridos durante a existência, estes são individuais oriundos das
experiências profissionais e da vida das pessoas de determinada localidade. Há espaços de troca de
saberes em todo lugar, não sendo necessário institucionalizar o ensino em espaços de luta coletiva e
resistência da cultura, como Aldeia Indígenas e Quilombos. Como dizia Brandão em:
A educação existe onde não há a escola e por toda parte podem haver redes e estruturas sociais de transferência
de saber de uma geração a outra, onde ainda não foi sequer criada a sombra de algum modelo de ensino formal e
centralizado. Porque a educação aprende com o homem a continuar o trabalho da vida. (Brandão, sd; p.06)
Os alunos dos cursos noturnos são trabalhadores e carregam muitas experiências estas
adquiridas em suas trajetórias profissionais, familiares, no transporte público, em viagens, em suas
vivências extrínsecas ao ambiente escolar. Os conhecimentos prévios destes alunos formam
importantes saberes que devem ser articulados aos conteúdos oriundos da Base Nacional Comum, para
que criem possibilidades para construir o conhecimento que será indispensável nas tarefas do
cotidiano, como disse Freire (1996) em:
O ato de cozinhar, por exemplo, supõe alguns saberes concernentes ao uso do fogão, como acendê-lo, como
equilibra para mais, para menos, a chama, como lidar com certos riscos mesmo remotos de incêndio, como
harmonizar os diferentes temperos numa síntese gostosa e atraente. A prática de cozinhar vai preparando o
novato, ratificando alguns daqueles saberes, retificando outros, e vai possibilitando que ele vire cozinheiro.
( Freire, 1996; p.11)
No estado consolidado como Estado-Nação, a cultura dominante era tratada como alta cultura
e os saberes do grupos rebelados como indígenas, quilombolas , pobres, negros eram marginalizados,
não reconhecidos como parte deste novo estado. Para manter a hegemonia a escola reproduzia a
exclusão deste grupos, afastando os cidadãos, como assistimos atualmente em salas de aula, vemos
casos de abandono, reprovação e desistência dos nossos alunos. Assim como diz Leite (2018) em ;
“Essa cultura escolar, que tem sua origem em um determinado momento histórico, acaba por se naturalizar, transformando-se
em um modelo histórico, configurando-se um mundo à parte, como espaço asséptico, imune a conflitos e debates. Nele, a
cultura dominante é propagada e reproduzida como “alta cultura”, a cultura a ser aprendida por todos os cidadãos. E as
consequências desse modelo de escola acabam sendo a exclusão e a discriminação dos grupos sociais que não se encaixam
nesse perfil de cidadão: os negros, os povos indígenas, os camponeses, os pobres, os marginalizados de nossa
sociedade”.(Leite, sd, p.16 )
A prática educativa em escolas localizadas na periferia poderia valorizar os saberes, pois a
pobreza que precariza os corpos dos alunos trabalhadores moradores da favela não interfere em suas
capacidades cognitivas, superando os paradigmas reducionistas e meritocrático da classse dominante.
Neste processo excludente a pedagogia para as classses populares impregna-se de conceitos
reducionistas , levando os alunos ao abandono dos estudos, por não acreditar na importância dos seus
conhecimentos prévios para sua certificação no ensino médio. Como afirmava Arroyo (2018) em:
A postura mais comum é ver a pobreza como carência e, consequentemente, os pobres como carentes.
Porém, de que forma esse desprovimento é, muitas vezes, entendido? Percebemos que, na pedagogia,
frequentemente ele tem sido compreendido como escassez de espírito, de valores e, inclusive, incapacidade para
o estudo e a aprendizagem. Contudo, sabemos que, ao invés disso, deve-se atentar para as privações materiais
que impossibilitam uma vida digna e justa a esses sujeitos. ( Arroyo, sd p.8 )
A escola pertencem ao território, neste contexto permite aos alunos incluir suas vivências no
espaço-tempo da escola, cabendo aos professores permitir que as interferências aconteçam em
diálogos, conversas, trabalhos em grupos, visitas e exposições que irão proporcionar reconstrução das
formas tradicionais de prática de ensino, promovendo assimilação dos conceitos sem desconsiderar as
subjetividades dos alunos.
A ideia de uma formação inventiva é efeito de uma prática de instaurar territórios regulares de estudos e
análises nos lugares dogmáticos do trabalho com os modos de viver, de conhecer e de formar. Ou seja, colocar
questão naquilo que enquadra a vida na escola básica e na universidade.( Dias, 2014 p.200)
O objetivo do presente artigo é apresentar relato de experiência de uma aula de Química no
qual foi proposta uma articulação entre o conhecimento empírico dos alunos de uma escola pública
no município de São Gonçalo e o conhecimento científico no ensino dos conceitos em química, como
substãncias, moléculas, misturas e reação química. Cabe ressaltar a relevância do tema, considerando
os saberes dos alunos trabalhadores, que visa promover a valorização do conhecimentos prévios em
articulação aos conteúdos curriculares.
Aos poucos, crianças e jovens de camadas populares começam a se identificar com essas histórias e a construir
uma identidade que não passa apenas pela “falta” ou pela “deficiência”, mas também pela resistência, pela luta
e pela riqueza cultural. A escola, dessa forma, garante o direito dessas crianças e desses(as) jovens de
conhecerem suas próprias histórias, de se sentirem orgulhosos(as) por fazerem parte de um coletivo que, mesmo
sendo explorado e oprimido, nunca deixou de lutar para conquistar sua cidadania. (Leite, sd, p.27 )
Aos cinco dias do mês de julho foi apresentado pela turma NEJA II no Colégio Estadual
Melchiades Picanço, sendo previamente discutido com a turma a organização do trabalho para
realizarmos a atividade mediante a possibilidade de articular as habilidades e competências exigidas
pela( Anexo II) Secretaria Estadual de Educação no Estado do Rio de Janeiro. Divididos em duplas os
alunos elaboram uma Mostra de Saberes em Química, em que cada dupla de alunos elaborou um
receita culinária ou produto de utilidade no cotidiano. A sala de aula estava enfeitada para a Feira da
Cultura (Anexo III) o que proporcionou ambiente agradável aos alunos, foram apresentados as
receitas acrescidas de fotos ou vídeos da elaboração do trabalho das seguintes (Anexo III) receitas
culinárias:
✓ Arroz Doce Português
✓ Beijinho de Coco
✓ Bolo de Coco
✓ Bolo de Milho
✓ Empadão de Frango
✓ Pudim de Chocolate
✓ Torta de Limão
Dentre os alunos presentes três duplas de alunos não elaboram receitas culinárias, preferiram
realizar uma experiência lúdica sobre (Anexo II) moléculas da água, uma aluna criou um hidratante
caseiro, um aluno elaborou uma proposta de produção e venda do limpador multiuso para piso,
observamos então a elaboração de três atividades (Anexo IV) descritas abaixo:
✓ Dedo Mágico
✓ Creme Hidratante Caseiro
✓ Limpador Multiuso para Pisos
Os alunos ficaram estimulados durante toda aula, incentivaram os colegas a apresentarem os
trabalhos saudando a todos com palmas e palavras inspiradoras. Foi observada mudança das
percepções sobre os conteúdos curriculares (Anexo I) durante os discursos na apresentação dos
trabalhos, houve citações de misturas, substâncias químicas, temperatura, pressão da água,
temperatura de cozimento, ponto de ebulição e fusão, fermentação, separação de misturas, mudanças
de estado físico e tensão superficial da água.
Durante a realização da atividade (Anexo VI) a sensação dos alunos era de autores da própria
história escolar, fazendo parte do processo de ensino, inserindo seus saberes na proposta do ensino de
química. Portanto na ocasião os saberes culinários (Anexo IV) foram descobertos, técnicas de vendas
foram estimuladas e ainda fabricação de produtos. Podemos considerar que a escola é formada de
cidadãos, sendo aluno sujeito da aprendizagem, seus saberes jamais devem ser excluídos de nossas
propostas curriculares.
Acrescento ainda, as colaborações da memória gustativa dos alunos, que ao produzir receitas
culinárias contribuíram (Anexo V) com seus saberes e sabores, considerando a degustação realizada
ao término das apresentações orais, que coincidentemente no dia que antecedeu o recesso escolar.
Como disse, Dias (2015), “Uma formação inventiva, então, se liga aos territórios escolares
para provocar um exercício de colocar a atenção no presente e desforrar, mais do que formar”.
Observamos que ao elaborarmos propostas de intervenção inventiva, descobrimos talentos, damos luz
a ideias, valorizamos o sujeito de direitos que é o nosso aluno, mostramos suas reais capacidades
cognitivas, afirmando que os saberes da educação básica transcendem os muros da escola. Criamos
laços afetivos que motivam e estabelecem vínculos de amizades e políticos, pois educação reconstrói
olhares, percepções e contextos, amarrando saberes e promovendo auto-estima para na luta diária não
desistir dos sonhos que se entrelaçam na esperança de uma sociedade igualitária.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação?. Febac. Acesso em 09/06/2018.
2. Currículo Mínimo do Estado do Rio de Janeiro, 2013.
3. DIAS, Rosimeri. Revista Polis e Psique. Pesquisa-Intervenção e formação inventiva de
professores. Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
4. FREIRE, Paulo.(1997). Pedagogia da Autonomia. Saberes Necessários a prática Educativa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra.
5. LEÃO REGO, Walquiria & PINZZANI, Alessandro. Ministério da Educação e Cultura. 2018.
6. LEITE, Lúcia Helena Alvarez, Escola: espaços e tempos de reprodução e resistências da
pobreza. Ministério da Educação e Cultura. 2018.
ANEXO I
PLANO DE ENSINO
COLEGIO ESTADUAL MELCHIADES PICANÇO
PROFESSORA: CINTHIA MUNIZ
DISCIPLINA: QUÍMICA
SÉRIE: NEJA II
Plano de ensino - 6 aulas
METODOLOGIA
Aula expositiva sobre Química no Cotidiano com elaboração de receitas culinárias e produtos.
Escolha dos grupos em dialogo com alunos. Exposição no dia 5/7.
OBJETIVOS GERAIS
• Compreender os processos químicos articulando ao conhecimento comum
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
• Distinguir fenômenos químico de físicos
• Reconhecer as etapas do método científico.
• Identificar misturas e substâncias na elaboração de receitas
• Analisar os fenômenos de mudança de estado físico
• Reconhecer a importância do conhecimento comum ou saberes do povo.
PROBLEMATIZAÇÃO
,
• Identifique misturas e substâncias
• Qual a importância da temperatura nas mudanças de estado físico das substâncias e misturas?
• Quais as características das reações químicas? Defina uma reação química?
• Quais processos de separação de misturas foram usados durante a elaboração das receitas?
RECURSOS
Mesa, cadeira, e ilustrações Lousa e pilot
Talheres e copos.
ANEXO II
ANEXO III
ANEXO IV
ANEXO V
ANEXO VI