infraestruturas urbanas

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO INFRAESTRUTURAS URBANAS UMA CONTRIBUIÇÃO AO ESTUDO DA DRENAGEM EM SÃO PAULO Laércio Monteiro Júnior Orientadora: Profa. Dra. Klara Kaiser Mori São Paulo 2011

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  • UNIVERSIDADE DE SO PAULO FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

    INFRAESTRUTURAS URBANAS UMA CONTRIBUIO AO ESTUDO DA DRENAGEM EM SO PAULO

    Larcio Monteiro Jnior

    Orientadora: Profa. Dra. Klara Kaiser Mori

    So Paulo 2011

  • Larcio Monteiro Jnior

    INFRAESTRUTURAS URBANAS UMA CONTRIBUIO AO ESTUDO DA DRENAGEM EM SO PAULO

    Dissertao apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

    rea de concentrao: Planejamento Urbano e Regional

    Orientadora: Prof. Dr. Klara Kaiser Mori

    EXEMPLAR REVISADO E ALTERADO EM RELAO VERSO ORIGINAL, SOB RESPONSABILIDADE DO AUTOR E ANUNCIA DO ORIENTADOR. O original se encontra disponvel na sede do programa.

    So Paulo, 26 de maio de 2012

    So Paulo 2011

  • AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

    E-MAIL: [email protected]

    Monteiro Jnior, Larcio

    M775 Infraestruturas urbanas : uma contribuio ao estudo da

    drenagem em So Paulo / Larcio Monteiro Jnior. So

    Paulo, 2011.

    278 p. : il.

    Dissertao (Mestrado - rea de Concentrao: Planejamento

    Urbano e Regional - FAUUSP.

    Orientador: Klara Kaiser Mori

    Exemplar revisado e alterado em relao verso original

    1. Drenagem urbana So Paulo (SP) 2. Enchentes urbanas

    So Paulo (SP) 3. Infraestrutura urbana So Paulo (SP) 4. reas

    metropolitanas 5. Macrodrenagem (Plano diretor) I.Ttulo

    CDU 627.532(816.11)

  • Monteiro Jr., Larcio.

    Infraestruturas Urbanas: uma contribuio ao estudo da drenagem em so paulo

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

    Aprovado em:

    Banca Examinadora

    Prof. Dr.: Instituio:

    Julgamento: Assinatura:

    Prof. Dr.: Instituio:

    Julgamento: Assinatura:

    Prof. Dr.: Instituio:

    Julgamento: Assinatura:

  • Agradecimentos

    A Klara Kaiser Mori, pela confiana e orientao, fundamental para a ampliao e

    amadurecimento das ideias, sempre estimulando minhas reflexes. E pelo papel que

    desempenhou na minha formao profissional de uma forma geral.

    A Ricardo Toledo Silva e Vladimir Bartalini pela contribuio na qualificao.

    A Ana Regina Ferraz pela traduo do resumo.

    A Bia, pelo apoio durante os trs anos de lapidao desta dissertao e a estimada ajuda na

    formatao final do trabalho.

    A meus pais, Larcio e Cida, por tudo.

  • Resumo

    Este um trabalho sobre as enchentes e as infraestruturas de drenagem na Regio

    Metropolitana de So Paulo. Ele apresenta sua evoluo histrica, na forma determinada

    pela submisso das diretrizes de drenagem aos interesses especficos no aproveitamento

    do potencial hidreltrico das guas, na explorao capitalista do espao de suas margens e

    na destinao de recursos de saneamento para a abertura de avenidas de fundo de vale.

    O trabalho observa que atravs deste processo a capacidade de escoamento das cheias na

    rede foi mantida em patamares abaixo do necessrio, especialmente para atender vazes

    decorrentes do padro de expanso da aglomerao, que resultaram em uma alta taxa de

    impermeabilizao do solo e na paulatina ocupao das vrzeas.

    O trabalho analisa a atuao do Estado e o desenvolvimento de diferentes programas de

    combate s inundaes e planos de obra, focando a elaborao do Plano Diretor de

    Macrodrenagem, a partir de 1998. Ento, verificada a forma como os planos urbansticos

    do municpio de So Paulo e das subprefeituras responderam s solues propostas no

    plano de drenagem e os resultados obtidos at o momento com as obras de

    macrodrenagem.

    Conclui que a descontinuidade das solues, a fragmentao das estncias de

    planejamento e a ausncia de uma unidade metropolitana de fato impedem que se

    estabeleam solues mais eficazes e, especialmente, que garantam a qualificao do

    espao construdo, levando em conta no apenas a demanda metropolitana pelo servio

    prestado, mas tambm os aspectos sociais, econmicos e ambientais.

  • Abstract

    This paper focuses on floods and the drainage infrastructure in So Paulo Metropolitan Area.

    Firstly, it presents its evolution pointing out how economical interests in generating

    hydroeletric energy as well as in releasing new urban land prevailed over the initial drainage

    guidelines.

    It was also observed that confining streams within roads constrained its capacity to a low

    level to cope with growing peakflows demanded by the expansion of urban area which has

    led to increasing impervious surface rate. This was compounded by a gradual, but

    continuous, occupation of floodplains.

    State actions to deal with the above issues were analysed. Several flood control programs

    were developed leading to the 1998 Alto Tiet Watershed Macrodrainage Plan proposals.

    Then, these are studied in the light of how So Paulos urban plans approached this subject,

    comparing their proposals with works built so far and the consequent outcomes.

    It is concluded that three main factors prevented that effective solution could come true:

    discontinuity of approaches, fragmentation of urban planning boards and lack of an actual

    metropolitan authority. Indeed, concerning drainage system, before these are overcome,

    many people still will long for urban improvement regarding social, economical and

    environmental aspects.

  • Lista de Tabelas

    Tabela 01 Capacidade dos crregos canalizados em 1985 39 Tabela 02 Vazes mximas registradas em 02/02/83 57 Tabela 03 Precipitaes de Projeto 57 Tabela 04 Vazes de projeto no Rio Tiet calculadas pelo mtodo regional 58 Tabela 05 Chuvas Mximas Mdias (em mm) para diferentes tempos de retorno 58

    Tabela 06 Vazes no Rio Tiet entre as barragens da Penha e Edgard de Souza Chuva TR = 100 anos 58

    Tabela 07 Compartimentos da Bacia do Alto Tiet 60-62

    Tabela 08 Vazes referentes a chuva de 6 horas, para a Calha do Tiet a jusante de cada afluente 66

    Tabela 09 Vazes referentes a chuva de 6 horas, simultneas nas bacias do Tamanduate, Aricanduva e Cabuu de Cima 66

    Tabela 10 Capacidade da Calha em 1998 67 Tabela 11 N.A. em 1998 para T= 2 e 5 anos sem diques de proteo (regime permanente) 67-68 Tabela 12 N.A. calculados com diques de proteo. 68-69 Tabela 13 Vazes em T=100 anos, definidas pelo PDMAT 70 Tabela 14 Parques Lineares implantados e previstos pelo Pragrama 100 Parques 99 Tabela 15 Parques lineares previstos no plano diretor estratgico 105 Tabela 16 Balano Hdrico. 240 Tabela 17 Tempos de rtorno para obras de microdrenagem 270 Tabela 18 Evoluo das vazes de projeto no Tiet 271

  • Lista de imagens Figura 01 Foto area da Regio Metropolitana de So Paulo. 13 Figura 02 Mapa da aglomerao urbana de So Paulo. 14 Figura 03 Imagem do Plano de Avenidas 15 Figura 04 Inundaes em So Paulo, Vrzea do Carmo, 1918(4) 16 Figura 05 Inundaes em So Paulo, Vrzea do Glicrio, 1915 (5 e 6) 16 Figura 06 Inundaes em So Paulo, Vrzea do Glicrio, 1915 (5 e 6) 16 Figura 07 Mapa de So Paulo 1810, Rufino Jos Felizardo da Costa 17 Figura 08 Carta de So Paulo. Jos Jacques da Costa, 1842 18 Figura 09 Vrzea do Carmo em 1862 18 Figura 10 Enchente na Vrzea do Carmo, 1887 18 Figura 11 Planta da Cidade de So Paulo, 1881, Henry B. Joyner 20 Figura 12 Detalhe: ligao sobre Vrzea do Carmo 21 Figura 13 Planta geral da capital de So Paulo, Gomes Cardim, 1897 22 Figura 14 Detalhes: retificao do Canal do Anast 22 Figura 15 Detalhes: Ribeiro Itoror 22 Figura 16 Detalhes: Ribeiro Aclimao 22 Figura 17 Projeto de retificao do Tiet, 1925 25 Figura 18 Projeto de retificao do Tiet, 1925 25 Figura 19 Projeto de retificao do Tiet, 1925 25 Figura 20 Projeto Serra, 1925 27 Figura 21, 22, 23

    Fotos inundao em 1929 28

    Figura 24 Crregos a serem canalizados - convnio PMSP/BNH de 1974 34 Figura 25 Crregos a serem canalizados pelo Programa Municipal de Drenagem de 1978 37 Figura 26 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1881 43 Figura 27 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1905 43 Figura 28 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1914 44 Figura 29 Montagem: implantao da proposta da Comisso de Melhoramentos sobre a mancha

    urbana em 1924-5 44

    Figura 30 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1930 45 Figura 31 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1952 45 Figura 32 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1962 46 Figura 33 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1983 46 Figura 34 Aglomerao urbana e rede hdrica em 1995 47 Figura 35 Aglomerao urbana e rede hdrica em 2001 47 Figura 36 Esquemtico: operao da reverso Pinheiros-Billings 55 Figura 37 Compartimentao das 99 sub-bacias 59 Figura 38 Sub-bacias de drenagem, agrupadas por apresentarem comportamento hidrulico e

    estrutura urbana semelhante: Cabeceiras, Billings-Tamanduate, Penha-Pinheiros, Cotia-Guarapiranga, Juqueri-Cantareira e Pinheiros Pirapora

    63

    Figura 39 Reagrupamento em sub-unidades de gerenciamento hdrico integrado, formando os subcomits da Bacia Hidrogrfica do Alto Tiet

    63

    Figura 40 Intervenes na calha do Tiet: fases 1 e 2. 71

  • Figura 41 Mapa com as demais aes estruturais definidas pelo plano de macrodrenagem: canalizao do Cabuu de Cima, e implantao das barragens de Biritiba e de Paraitinga

    72

    Figura 42 Mapa com as sub-bacias prioritrias definidas pelo plano de macrodrenagem 73 Figura 43 Mapa com os reservatrios e demais obras da Bacia do Tamanduate Inferior e Superior

    e do Meninos Inferior e Superior 76

    Figura 44 Mapa com intervenes na sub-bacia do Rio Aricanduva 83 Figura 45 Mapa com intervenes na sub-bacia do Rio Pirajuara 86 Figura 46 Justaposio de imagens da vrzea do Tiet. 95 Figura 47 Mapa Programa 100 Parques 100 Figura 48 Projeto Parque Vrzeas do Tiet 2009 101 Figura 49 rea de preservao ambiental e sua ocupao em 2002 102 Figura 50 Parques Lineares propostos no Plano Diretor 106 Figura 51 Estrutura urbana e conexes da zona norte 109 Figura 52 Estrutura urbana e conexes da zona oeste 110 Figura 53 Estrutura urbana e conexes da zona leste 111 Figura 54 Ribeiro Trs Pontes, a partir da rua Rua Jabutitinga a cerca de 1,5km ao sul da linha F

    da CPTM 116

    Figura 55 Ribeiro Trs Pontes, a partir da Avenida das Pontes, dentro da rea de interveno do Parque Vrzeas do Tiet

    116

    Figura 56 Crrego Itaim, a partir da Rua Loureno de Mato 116 Figura 57 Crrego Lageado, a partir da Rua Igarau 117 Figura 58 gua Vermelha, a partir do cruzamento da Rua Joo de Mesquita com a Rua Osrio 117 Figura 59 Rio Itaquera, a partir da Avenida Nordestina. 117 Figura 60 Canal da Av. Jacu Pssego, a partir da Av. Jacu-Pssego, altura da Rua Francisco

    Rodrigues Seckler 118

    Figura 61 Verde, a partir da Avenida Doutor Francisco Munhoz Filho 118 Figura 62 Parque Mongagu. 118 Figura 63 Recorte do Mapa 01 do plano regional, da estrutura hdrica, da subprefeitura de

    Guaianazes os crculos azuis correspondem ao raio de 300m das nascentes 119

    Figura 64 reas do plano de manejo de nascentes da subprefeitura de Guaianazes inseridas numa foto area. Foto area: Google Earth

    120

    Figura 65 Reservatrios do Plano Diretor de Drenagem de Guarulhos. 121 Figura 66 Canal de circunvalao existente 122 Figura 67 Reservatrios propostos pelo plano de drenagem de Guarulhos 122 Figura 68 Parque Linear do Tiquatira, a partir da Avenida Governador Carvalho Pinto 123 Figura 69 Continuao da canalizao do Crrego Franquinho, a partir da Avenida Calim Eid, sem

    o mesmo padro de implantao do parque linear tpica avenida fundo de vale 123

    Figura 70 Ponte rasa, no canalizado, a partir da Avenida Santo Antnio do Riacho 124 Figura 71 Ponte rasa, a partir da Rua Doutor Pirajibe elevao de paredes no canal ao longo do

    virio lindeiro crrego no canalizado 124

    Figura 72 Recorte do Mapa Estrutura Hdrica PRE Aricanduva - parques lineares propostos 126 Figuras 73 Recorte do Mapa Estrutura Hdrica PRE So Mateus - parques lineares propostos 127 Figuras 74 Crrego Caguau, a partir da Travessa Abre-alas 127 Figura 75 Crrego Limoeiro, a partir da Rua Solange da Pureza Santos Lemos 128 Figura 76 Soleiras e degraus na canalizao do Aricanduva, para diminuir velocidade de

    escoamento 128

    Figuras77, 78, 79 e 80

    Reservatrios Rinco, Aricanduva, Inhumas e Aricanduva III 129

  • Figura 81 Parque linear na Av. Aricanduva 129 Figura 82 Piscino Aricanduva, a partir da Rua Costeira 129 Figura 83 leste e elevados: trecho final da Av. Aricanduva a partir da Rua Benedito Jacob 130 Figura 84 Trecho final da canalizao, entre Av. Celso Garcia e Marginal Tiet, a partir da Rua

    Hely Lopes 130

    Figura 85 Proposta de parques na vrzea do Tiet ligados por corredor verde, PRE Mooca 131 Figura 86 Canal do Tamanduate, no encontro entre a Avenida Cruzeiro do Sul e a Avenida do

    Estado 132

    Figura 87 Viaduto Sobre Rio Tamanduate, vista sentido Parque D. Pedro 133 Figura 88 Desemboque do Rio Ipiranga, a partir da Avenida do Estado, vista do Fura-fila 133 Figura 89 Intervenes PRE S, incluindo dois piscines no previsto no PDMAT retangulos em

    roxo 134

    Figura 90 Crrego Ourives a cu aberto, a partir da Rua Aratimb (Municpio de So Paulo), na margem oposta, loteamento em construo (Municpio de So Bernardo do Campo), murando e escondendo o crrego.

    135

    Figura 91 Ribeiro dos Meninos canalizado na lateral da Av. Guido Alberti, em Diadema - rua marginal, ao longo da favela Helipolis, crrego sem tratamento e atrs da ETE ABC.

    135

    Figura 92 Mapa PRE Mooca parque linear ao longo da linha D da CPTM 137 Figura 93 Ribeiro Oratrio a partir da Rua Adlia Chohfi 139 Figura 94 Ribeiro Oratrio a partir da Rua Adelino Cesrio de Souza. 139 Figura 95 Figura 87. Ribeiro Oratrio a partir da Rua Batista Fergusio incio de trecho canalizado,

    piscino a esquerda na foto area 139

    Figura 96 Crrego Esmaga Sapo, a partir da Rua Jordo Camargo de Oliveira. 141 Figura 97 Crrego Cantareira, a partir da Rua Agostinho Soares. 141 Figura 97 Crrego Pacincia, a partir da Avenida Jardim Japo incio do trecho no canalizado 142 Figura 99 Crrego Pacincia, a partir da Rua Aperib prximo foz, Rod. Ferno Dias. 142 Figura 100 Crrego Maria Paula, a partir da Rua Ataliba Vieira 142 Figura 101 Parque Novo Mundo, a partir da Avenida Tenente Amaro Felicssimo da Silveira. 143 Figura 102 Crrego da Divisa, a partir da Avenida Nadir Dias Figueiredo. 143 Figura 103 Montagem: eixo hdrico estrutural proposto no PRE Santana-Tucuruvi e Jaana-

    Trememb 145

    Figura 104 Crrego Carandiru entre o Parque da Juventude e Moyses Roysen, a partir da Rua Antnio dos Santos Neto

    146

    Figura 105 Vila Mazzei, a partir da Travessa dos Guatambus. 146 Figura 106 Crrego Mandaqui, a partir da Avenida Engenheiro Caetano lvares 147 Figura 107 Crrego Mandaqui, a partir da Avenida Engenheiro Caetano lvares 147 Figura 108 Crrego Cabuu de Baixo, a partir da Avenida Inajar de Souza. 148 Figura 109 Crrego Guarau, a partir da Rua So Loureno do Sul. 148 Figura 110 Crrego Jardim Peri, a partir da Rua Afonso Lopes Vieira 149 Figura 111 Parques lineares na borda da Cantareira, programa 100 Parques 149 Figura 112 Mapa PRE Freguesia do -Brasilndia 150 Figura 113 Mapa PRE Casa Verde-Cachoeirinha 150 Figura 114 Emboque do Crrego do Bispo na Galeria do Cabuu de Baixo, a partir da Av. Inajar de

    Souza 151

    Figura 115 Crrego do Canivete canalizado e edifcios habitacionais recentes, a partir da Avenida Hugo talo Merigo

    152

    Figura 116 Crrego do Bananal, a partir da Rua Matimperer 152 Figura 117 Emboque do cabuu no canal da Av. Inajar de Souza, a partir da Avenida Arqo. Roberto

    Aflalo 152

    Figura 118 Ribeiro Perus, a partir da Rua Bernardo Jos de Lorena, ao lado do CEU Perus 153

  • Figura 119 Ribeiro Perus, a partir da Rua Joo Batista Fanton, margeado pelo muro da linha frrea 153 Figura 120 Crrego Santa F, a partir da Rua Pedro Jos de Lima, ao lado da Rod. Anhanguera 154 Figura 121 Vista do Estdio e da Praa Charles Miller, sobre piscino e galeria do Crrego

    Pacaemb 155

    Figura 122 Avenida Sumar, sobre Crrego Sumar 155 Figura 123 Viaduto Engenheiro Orlando Murgel e vista da ocupao da via frrea, onde o PRE

    prev parque linear 156

    Figura 124 Crrego Itarar, a partir da Avenida Getsmani, atrs do cemitrio Getsemani 158 Figura 125 Crrego dos Pires, a partir da Rua Doutor Luiz Migliano, prximo Av. Francisco Morato 158 Figura 126 Rua Abegoria, onde o plano de Pinheiros prev a adequao das galerias, a criao de

    caminho verde ao longo do Crrego Verde e a implantao de um piscino 159

    Figura 127 Parque das Bicicletas, onde o Plano da Vila Mariana prev um piscino 159 Figura 128 Av. Santo Amaro x Av. Vicente Rao, incio do parque linear proposto no PRE Santo

    Amaro 159

    Figura 129 Crrego do Cordeiro, a partir da Rua Doutor Luiz Migliano 160 Figura 130 Crrego do Cordeiro, a partir da Rua Arqo. Felipe Joaquim Jnior, trecho canalizado,

    paralelo Av. Cupec 160

    Figura 131 Avenida Carlos Caldeira Filho, canalizao do Crrego Capo Redondo 161 Figura 132 Crrego Capo Redondo, a partir da Rua Professora Eunice Bechara de Oliveira 161 Figura 133 Crrego Moenda Velha, a partir da Avenida da Moenda Velha 162 Figura 134 Crrego Pedreiras a partir da Rua Eliseu Borges 162 Figura 135 Crrego Zavuvus, a partir da Rua Desembargador Olavo Ferreira Prado 163 Figura 136 Mapa com os parques de borda das represas, PRE Cidade Ademar 164 Figura 137 Mapas com parques na borda das represas, PRE Capela do Socorro 165 Figura 138 rea da plancie aluvial do Ribeiro Caulim, a partir da Rua Balnerio So Jos, onde se

    prope a implantao de parque, em parceria com a Sabesp, para o tratamento das guas da Guarapiranga, divisa das subprefeituras de Parelheiros e Capela do Socorro

    166

    Figura 139 Figura 139. Localizao das fotografias anteriores sobre a foto area da aglomerao urbana de So Paulo

    166

    Figura 140 As enchentes da vrzea do Carmo, quadro de Benedito Calixto pintado em 1892. 233 Figura 141 Valores mdios de absoro e radiao solar e de liberao de calor pela atmosfera

    anuais por latitude do globo 235

    Figura 142 Clulas de movimentao atmosfrica. O primeiro quadro representa as caractersticas tpicas dos meses de dezembro a fevereiro, o segundo, de junho a agosto

    236

    Figura 143 Clulas da circulao global de ar 237 Figura 144 Representao simplificada do comportamento padro dos ventos em cada latitude 238 Figura 145 Isoietas dos valores mdios de chuva na Bacia do Alto Tiet 241 Figura 146 ndice de Gravelius 244 Figura 147 ndice de compacidade: bacia redonda, bacia esbelta e larga 245 Figura 148 ndice de conformao 245 Figura 149 Tempo de concentrao de uma bacia 245 Figura 150 Tempo de percurso da precipitao em cada ponto da bacia 246 Figura 151 Zona de saturao e lmina de gua 247 Figura 152 Movimentos subsuperficial e subterrneo 247 Figura 153 Movimento dos fluxos de gua subterrneo 248 Figura 154 Elevao da zona saturada durante um evento chuvoso 248 Figura 155 Ilustrao esquemtica da destinao de cada parcela da precipitao 249 Figura 156 Esquema de escoamento por fluxo de superfcie saturada 250 Figura 157 Esquema de hierarquia dos canais numa bacia hidrogrfica 251

  • Figura 158 Hidrograma unitrio tpico 252 Figura 159 Princpio da proporcionalidade aplicado ao hidrograma unitrio 252 Figura 160 Princpio de superposio de hid 253 Figura 161 Elementos do hidrograma unitrio 254 Figura 162 Grfico hidrograma unitrio sinttic 255 Figura 163 Hidrograma observado com os fluxos de base 256 Figura 164 Ilhas de calor em So Paulo 262 Figuras 165 e 166

    .Mudanas de precipitao anual (em %), perodo 2070-2100 263

    Figuras 167 e 168

    Mudanas de temperatura anual (em graus Celsius), perodo 2070-2100 264

    Figura 169 Hidrogramas tpicos pr e ps urbanizao de uma mesma bacia 267 Figura 170 Hidrograma tpico de abatimento da cheia com reservatrio de conteno lateral 273 Figura 171 Hidrograma tpico de abatimento de cheia com reservatrio em linha 273

  • Sumrio

    Apresentao

    1

    Introduo

    5

    Captulo 1 A cidade e suas guas

    1.1 A drenagem na histria de So Paulo

    9 13

    Captulo 2 Plano Diretor de Macrodrenagem

    2.1 Anlise da calha do Tiet

    2.1.1 Metodologia e anlise da Calha do Tiet 2.2 Bacias secundrias no estudo da Calha do Tiet

    2.2.1 Bacia do Tamanduate

    2.2.1.1 Bacia do Ribeiro Menino e dos Couros 2.2.1.2 Bacia do Tamanduate Superior 2.2.1.3 Bacia do Tamanduate Inferior

    2.2.2 Bacia do Aricanduva 2.2.3 Bacia do Pirajuara 2.2.4 Bacia do Mdio Juqueri

    49 53 56 72 73 74 77 79 80 83 86

    Captulo 3 Os eixos estruturais hdricos no planejamento urbano

    3.1 Bacias a montante da Barragem da Penha 3.2 Margem esquerda do Tiet entre Penha e Tamanduate

    3.2.1 Tiquatira 3.2.2 Aricanduva 3.2.3 Tatuap e Catumbi

    3.3 Bacia do Tamanduate 3.3.1 Tamanduate Inferior

    3.4 Margem direita do Tiet da Penha ao Pinheiros 3.5 Margem esquerda do Tiet entre Tamanduate e Pinheiros 3.6 Bacia do Pinheiros

    89 113 122 122 125 130 131 132 140 154 157

  • Concluso 167

    Bibliografia 169

    Apndice

    171

    Anexo 1

    313

    Anexo 2

    259

  • 1

    Apresentao

    A proximidade entre os espaos de assentamento humano e fontes de gua perene so

    uma constante na histria, uma garantia reposio das condies de preservao e de

    reproduo de uma sociedade. Ela foi determinada pela evoluo do conhecimento

    cientfico sobre o comportamento natural dos rios e pelo desenvolvimento tcnico que

    permitiu, em primeiro lugar, determinar com maior profundidade os fenmenos naturais, e,

    em segundo, a produo de dispositivos de controle das vazes dos rios e de manejo dos

    excedentes das chuvas, atravs dos quais foi garantido o domnio tcnico sobre o territrio,

    de forma a adequ-lo s necessidades da formao social.

    A rede de infraestruturas de drenagem compreende os elementos tcnicos necessrios para

    garantir o escoamento da gua da chuva incidente sobre a superfcie urbana e o transporte

    destes volumes pelos corpos dgua principais de uma bacia hidrogrfica de forma segura.

    um sistema fundamentalmente pblico e coletivo, no cabendo nele as condies de

    explorao privada direta do servio da drenagem nem a figura do usurio individual.

    Tampouco corresponde a uma demanda localizada no espao, at porque no se controla a

    intensidade, o tempo e o deslocamento das nuvens durante uma tempestade. Assim, se

    trata de uma rede ampla, que deveria atender a todos os pontos do espao urbano. Ao

    mesmo tempo, consiste numa infraestrutura estreitamente ligada topografia e s

    caractersticas naturais do territrio. Rios, lagos e canais a cu aberto tambm determinam

    a paisagem das cidades, de forma que o sistema de drenagem urbana acaba por exercer

    tambm um valor simblico e uma funo esttica.

    Os problemas relacionados s chuvas parecem se multiplicar ano aps ano. Estudo recente

    da companhia de seguros Swiss Re indica que 15% da populao brasileira est sujeita a

    risco de enchentes1. Segundo o mesmo estudo, entre os anos de 2000 e 2011, inundaes,

    enchentes urbanas e escorregamentos de terra devido s chuvas causaram 120 mortes por

    ano e prejuzos em torno de US$250 milhes anuais. Esta ampliao dos efeitos negativos

    das chuvas nos ltimos anos, no Brasil, deve-se forma precria de expanso urbana em

    nossas cidades, atravs da ocupao de topos de morros, encostas ngremes, vrzeas

    inundveis, beira de rios, crregos e mar. So ocupaes irregulares, sobre as quais versam

    leis federais, estaduais e municipais que no impedem a continuidade do processo

    predatrio de expanso urbana. Qualquer soluo plausvel para esta questo envolveria

    uma profunda reviso na poltica habitacional no pas e uma redistribuio equitativa da

    infraestrutura instalada nas diferentes localizaes, bases necessrias para uma

    transformao maior na sociedade brasileira.

    1 SWISS RE, Risco de inundaes no Brasil. Zurique, 2011. (folheto)

  • Uma questo que nos orientou, de incio, na elaborao da dissertao, se referia origem

    do discurso de naturalizao das enchentes e seus contornos ideolgicos. Como se sabe, a

    idia de se tomar um produto do trabalho social como natural apresentar determinados

    postulados de uma fase do desenvolvimento social como algo autntico e definitivo, mostrar

    um processo como irreversvel. Assim, a abordagem naturalista das enchentes se torna

    efetiva para defender a precariedade do espao brasileiro, em especial, o reduzido grau de

    atendimento das infraestruturas e dos servios pblico s demandas crescentes da

    sociedade.

    A naturalizao se tornaria, assim, mais um elemento a garantir a manuteno das

    contradies internas da sociedade brasileira, da forma como teorizado por Csba Dek, a

    saber, seu desenvolvimento econmico lastreado na expatriao dos excedentes produtivos

    a dialtica da acumulao entravada e uma estrutura social arcaica, organizada poltica

    e ideologicamente como uma sociedade de elite2.

    No entanto, ao proceder com nossa investigao, ficou claro que esta naturalizao da

    produo do espao no encontrava total correspondncia nos diferentes planos e projetos

    urbansticos elaborados ao longo dos anos, muitos dos quais tentavam desvelar a base das

    relaes sociais, relacionando as condies de urbanizao com a necessidade de

    ampliao dos patamares de reproduo social no Brasil.

    Este trabalho busca apresentar uma viso ampla sobre a drenagem urbana na aglomerao

    paulista, apontando alguns dos limites ao planejamento das intervenes, mostrando a

    forma como espao das guas foi tratado na evoluo histrica da aglomerao e

    ressaltando a necessidade de um entendimento mais amplo sobre a importncia da

    drenagem para os estudos de urbanizao.

    No primeiro captulo da dissertao analisamos como a estruturao da rede de drenagem

    em So Paulo foi determinada pela urbanizao do territrio, atravs da leitura de alguns

    momentos-chave no processo de expanso urbana.

    No segundo captulo tratamos do Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tiet.

    Verificamos o desenvolvimento dos estudos especficos, o horizonte de planejamento do

    mesmo e apontamos as solues previstas.

    No terceiro captulo verificamos como as solues propostas no plano de macrodrenagem

    so apreendidas pelo planejamento urbanstico da cidade de So Paulo, alm de apresentar

    uma anlise crtica da sobreposio de escalas de planejamento e discutir a viabilidade das 2 Dek, Csaba. Em busca das categorias da produo do espao. So Paulo, FAUUSP, LD, 2001.

  • 3

    propostas de estruturao urbana a partir dos eixos urbanos compostos pelos cursos dgua

    e vrzeas fluviais, como determinado no Plano Diretor. No apndice do trabalho, juntamos

    as propostas das subprefeituras do municpio de So Paulo para estruturao urbana a

    partir das linhas de drenagem internas aos seus distritos, previstas em cada plano regional.

    Apresentamos ento dois anexos ao trabalho, os quais constituem trabalhos programados

    desenvolvidos ao longo do curso de ps-graduao, em que tentamos sistematizar uma

    extensa bibliografia a respeito do processo de drenagem, o primeiro, analisando questes

    mais abrangentes referentes ao clima, ao solo e as demais caractersticas ambientais do

    territrio e, no segundo, abordando as mudanas no processo de escoamento pluvial devido

    urbanizao.

  • 5

    Introduo

    H uma correspondncia entre a rea de contribuio da Bacia Hidrogrfica do Alto Tiet e

    a rea da Regio Metropolitana de So Paulo, especialmente o ncleo urbanizado da

    aglomerao, compreendido praticamente todo nos limites da bacia. Esta sobreposio de

    limites, um fsico-geogrfico, outro politico-administrativo, poderia ser um aspecto bastante

    positivo, no sentido de facilitar a aplicao de diretrizes relativas s bacias de drenagem nos

    planos urbansticos, como a definio das intervenes prioritrias em canais e galerias,

    medidas de conteno das vazes e de amortecimento das cheias e, ao mesmo tempo, o

    planejamento da drenagem poderia estar alinhado aos interesses objetivos de controle de

    uso e ocupao do solo, de implantao das obras de infraestrutura viria, de equipamentos

    urbanos e de reas verdes, combinando diferentes necessidades e orientando a aplicao

    dos investimentos da produo do espao, com objetivos comuns em relao ao

    desenvolvimento urbano.

    Por outro lado, delegar aos municpios a resoluo dos conflitos urbansticos consiste em

    uma fragmentao do campo de atuao estatal. A poltica urbana, decorrendo diretamente

    do processo social-econmico que se determina em escala nacional e entre os Estados

    nacionais, no pode depender de objetivaes de cunho municipal, mas sim da mediao,

    pelo Estado, entre os interesses divergentes na reproduo do processo e da

    instrumentalizao das diretrizes de desenvolvimento interno atravs das quais se busca

    regular a produo de capitais e as relaes sociais de produo, e atravs desse

    processo que se produz espao. Vincular o debate sobre o espao urbano escala restrita

    do municpio no apenas enfraquece a poltica urbana, mas, como no caso das regies

    metropolitanas, torna incua a prpria implantao desta unidade administrativa regional,

    qual no corresponde um escalo governamental prprio, ou uma estrutura administrativa.

    De fato, embora a regio metropolitana tenha sido instituda h mais de quarenta anos3 ela

    serviu para muito pouco, a organizao e o controle urbanstico se do nos municpios,

    quando se do4. Em So Paulo h descompassos claros entre o plano diretor e os planos

    regionais de cada subprefeitura e, com certeza, nenhuma relao de continuidade ou

    convergncia entre as diretrizes gerais do municpio e as dos demais municpios

    fronteirios. Porm, a anlise do plano diretor (ou a ausncia de um plano metropolitano de

    3 As regies metropolitanas foram institudas pela Constituio Federal de 1967. Em 1973, Decreto-lei definiu as nove primeiras regies metropolitanas, So Paulo inclusive. Hoje h 35 regies metropolitanas no Brasil, cujas normas para instituio e a forma como se relacionam com o restante da estrutura administrativa dos estados e municpios definido internamente em cada estado da unio. As regies metropolitanas no possuem personalidade jurdica nem cargos elegveis. 4 O Estatuto da Cidade determina que todos os municpios que fazem parte de uma regio metropolitana desenvolvam um plano diretor, no entanto no define de que forma as diretrizes de cada municpio devem se articular com as dos demais municpios da aglomerao.

  • fato) no cabe aos objetivos deste trabalho. A principal crtica a qual nos limitaremos

    corresponde prtica dos rgos pblicos de planejamento urbano, nos aspectos que

    seguem. Se os planos setoriais de drenagem, de saneamento, de transportes, de

    habitao, etc. definem diretrizes especficas das respectivas reas de interesse, caberia,

    em nosso entendimento, ao plano urbanstico a abordagem conjunta das referidas diretrizes,

    pensadas cada qual em sua espacialidade prpria, mas ajustadas entre si e adequadas, em

    conjunto, ao padro de urbanizao demandado, como elementos estruturadores do tecido

    urbano e fatores de qualificao do mesmo.

    Como veremos, no caso da drenagem, as diretrizes tcnicas do Plano de Macrodrenagem

    foram alm dessa condio e, mais que exprimir as especificidades tcnicas a serem

    atendidas, passaram a ser formuladoras da espacialidades. Apesar dessa crtica, patente

    que os planos setoriais que envolvem os recursos hdricos so bem estruturados em torno

    do conceito de gerenciamento integrado do recurso5, faltando aqui, uma melhor ordenao

    entre o papel do planejamento da drenagem urbana ou dos recursos hdricos e o papel do

    planejamento do espao urbano. O Plano de Macrodrenagem teria cumprido melhor seu

    papel se houvesse indicado, por exemplo, que em certo ponto da rede hdrica metropolitana

    havia a necessidade de um reservatrio de deteno com certa capacidade, abrindo ao

    plano urbanstico a possibilidade de estudar e apresentar solues para este novo elemento

    da paisagem, incorporando-o, por exemplo, a um parque linear, com equipamentos urbanos,

    ou dando-lhe outro tratamento conforme as demandas da rea.

    Mas o processo foi inverso, j que o Plano tratou de indicar terrenos livres na aglomerao

    urbana, escolhendo aqueles melhor situados para sanar a questo da drenagem em cada

    trecho, e de acordo com a dimenso dessas reas selecionadas, e as decorrentes

    limitaes de capacidade dos reservatrios, readequadas as sees de canalizao em

    cada trecho. De modo similar, possibilidades de alargamento de canais foram preteridas em

    favor de obras de menor impacto limitadas remoo de construes lindeiras a crregos, e

    mantendo sees mais restritas junto s ruas e avenidas, mesmo quando fosse de interesse

    da drenagem que se aumentasse a seo no trecho.

    5 O gerenciamento integrado, na viso de Silva e Porto, se fundamenta no uso sustentado dos recursos, a abordagem multisetorial e o emprego de medidas no estruturais tem como seus principais atributos, a considerao sobre as perspectivas de longo prazo no aproveitamento dos recursos e o equilbrio entre alternativas de expanso de capacidade e gesto da demanda (SILVA, R. C. PORTO, M. F. A. Gesto da gua e gesto urbana: caminhos da integrao. Estudos Avanados, 2003, Vol 17, n 17, 129-145.)

  • 7

    Mas, ao se fazer essas observaes, apontando para as potencialidades de um trabalho

    concatenado com os demais aspectos do planejamento urbano (mantido o exemplo anterior,

    elaborando-se, numa situao fictcia, uma soluo envolvendo a converso de uma faixa

    de circulao da via e a remodelao da estrutura de transporte, ou uma desapropriao

    maior de reas ocupadas para viabilizar a ampliao do canal, deve ficar evidente que tal

    crtica no cabe ao Plano, por diversos motivos). Primeiro, porque devemos reconhecer o

    esforo do plano em tratar tecnicamente, numa escala ampla e dentro das condies

    econmicas apresentadas uma questo que no possui soluo simples e para a qual no

    havia qualquer suporte de um planejamento urbano integrado com as questes de

    drenagem. Segundo, porque se as principais intervenes na drenagem (ou outros aspectos

    quaisquer da infraestrutura urbana) deveriam ser orientadas para a estruturao do espao

    urbano, tal entendimento nunca ganhou uma legitimidade duradoura ou consistente no

    mbito devido, com que a estruturao e a qualificao da metrpole ou corre em linhas

    paralelas, cada setor buscando solver seus problemas especficos, ou se reduz a um

    planejamento de prancheta, sem conseguir levar a cabo a grande parte das consideraes

    feitas nos planos. Este processo em que os especialistas em drenagem (ou em rede viria,

    abastecimento de gua e demais setores) passam a orientar isoladamente a organizao do

    espao e a estruturao urbana denota que a ao de planejamento do Estado no

    eficiente.

  • 9

    Captulo 1 A cidade e suas guas

    Analisa a forma com que o processo de expanso urbana determinou as condies de drenagem em So Paulo

    A histria no uma caprichosa e azarada acumulao de acontecimentos, mas a histria de um

    modo de produo, condicionada pelas contradies e necessidades geradas pela acumulao de

    capital; a lgica que preside seu movimento a contradio

    Atlio Born

    Desde logo foi possvel compreender que se pode elaborar dois pontos de vista sobre as vrzeas.

    Um, construdo no mbito das cincias naturais e segundo o qual as vrzeas so compreendidas

    como uma particularidade dos rios. O seu estudo como fenmeno, o desvendamento de suas leis de

    reproduo, constituem assim condio necessria, essencial para que seja possvel qualquer

    interveno, como de resto essencial o conhecimento da natureza natural de modo para nele

    intervir

    Outro ponto de vista sobre as vrzeas o de sua significao histrica e social, pois, a vrzea e os

    rios como fenmeno objetivo ganham existncia na prtica real da vida de parte dos habitantes da

    cidade (...). A drenagem das vrzeas com as canalizaes comea tambm a concretizar uma

    dimenso social do espao dos rios e das vrzeas

    Odette Seabra

  • 11

    1 A cidade e suas guas

    Em nossa anlise, buscaremos apresentar a urbanizao da Regio Metropolitana So

    Paulo de forma atenta aos aspectos territoriais, geogrficos, dos momentos significativos de

    sua formao. A rea da regio metropolitana corresponde em grande parte prpria rea

    de drenagem da Bacia do Alto Tiet. O processo de expanso urbana e a concomitante

    ocupao das vrzeas decorrem da evoluo histrica da aglomerao, resultado das

    condies de produo e de reproduo social no espao. O ritmo da urbanizao

    acompanhou por vezes alguns norteadores principais9, por outras, deu-se de forma mais

    desorganizada. A apreenso deste movimento permite observar a correlao especfica, em

    cada momento histrico, entre as formas de apropriao do territrio e a totalidade dos

    processos sociais e econmicos. A ocupao das vrzeas explicita o trao mais constante

    desse processo, sua predao.

    As caractersticas do relevo e da bacia de drenagem intervm na estruturao do espao

    urbano de So Paulo de diversas formas. Como natureza imediata, est presente desde a

    fundao, do ncleo no espao interfluvial que se chamaria tringulo histrico

    garantindo-lhe a acessibilidade em um primeiro momento da ocupao, e pautando as

    etapas posteriores da expanso formal da cidade,

    Mas h tambm um movimento informal de apropriao do territrio em que as estruturas de

    drenagem tm papel relevante, sempre convivendo com o precedente devido ao contnuo

    descompasso entre a ao estatal e as demandas de ampliao, estruturao e qualificao

    do espao. Para esse movimento, as vrzeas dos rios que ainda ostentam algumas

    caractersticas naturais do stio urbano de So Paulo constituem um fator de atrao. No

    pela valorizao de eventuais qualidades intrnsecas a esses ambientes (presena da flora,

    beleza da paisagem, microclima mais ameno, ou outro), mas por seu oposto. O que torna os

    fundos de vale atraentes para ocupao, sobretudo para abrigar habitaes da populao

    de baixa renda, que, na falta das infraestruturas que assegurem condies de moradia, os

    fatores de valorizao imobiliria envolvidos nestas reas so mais tnues. essa condio

    natural que induz, junto com as vrzeas dos rios e crregos e reas inundveis,

    ocupao extensiva dos topos e sops de colinas, das reas de alta declividade. Ainda que

    prenunciando e provocando verdadeiros desastres, a proviso habitacional apoiada na

    9 O gegrafo Juergen Langenbuch identifica alguns destes elementos histricos: os caminhos das tropas de burros, as ferrovias, o virio de automveis. J a gegrafa Odette Seabra observa nos processos de retificao dos rios Tiet e Pinheiros e, seguidamente, sua paulatina ocupao, reflexo dum emaranhado de interesses na valorizao do espao das vrzeas, que passam pelas companhias Light, City e incorporadores imobilirios individuais.

  • informalidade se tornou uma das modalidades de rebaixamento do nvel de reproduo

    social no pas.

    As caractersticas do relevo e da bacia de drenagem constituem elementos estruturadores

    do espao urbano mesmo quando no diretamente relacionados com o servio de

    drenagem. Por exemplo, a existncia das largas extenses relativamente planas ao longo

    dos principais canais de drenagem urbana determinou a implantao da rede ferroviria em

    So Paulo e das grandes plantas industriais. No caso das plancies aluvionais, estas

    tornaram-se lcus das zonas industriais e dos bairros operrios devido a suas dimenses,

    ao baixo preo da terra e proximidade com a linha frrea. J os interstcios dos pequenos

    crregos e canais de drenagem internos foram sendo ocupados por loteamentos irregulares

    e favelas, pois, devido ao entorno urbanizado consistiam tambm em pores privilegiadas

    do territrio, contando com maior proximidade dos plos de emprego, de escolas, de

    servios de transporte. Notadamente, estes trechos acabariam sendo, com o tempo, objeto

    de intervenes estatais, quando a histrica precariedade das infraestruturas urbanas imps

    sua utilizao para a abertura e extenso das vias de circulao, fazendo dos fundos de

    vale a menina dos olhos da administrao pblica.

    A histria das principais canalizaes e da urbanizao de suas margens especialmente

    as do Tiet, do Pinheiros e do Tamanduate foi objeto de diversos estudos. Desde os

    relatos de viajantes do sculo XIX como Saint-Hilaire, Mawe e Taunay passando por

    trabalhos que podemos considerar clssicos consagrados de histria da ocupao e da

    descrio geogrfica do stio de So Paulo, como os de Caio Prado Jnior, Aroldo de

    Azevedo, Aziz AbSaber, Juergen Langenbuch e Nestor Goulart Reis, entre outros, at as

    anlises contemporneas que trataram de determinados aspectos da urbanizao

    relacionando-os com a evoluo social e econmica do pas, como Odette Seabra, Jodete

    Rios Socrates, Marta Dora Grostein, Marta Soban Tanaka, Jaime Hajime Oseki, Wilson

    Edson Jorge, Denise Abruzzi de SantAnna, Janes Jorge, Sade Kathouni e Valrio

    Victorino. Nos apoiando nesses trabalhos, procuramos sistematizar as condies de

    drenagem do territrio, intimamente vinculadas com o processo urbano.

    Buscaremos apresentar um apanhado das condies de drenagem do territrio da

    aglomerao, no qual apresentaremos quais so os principais fluxos e canais de drenagem

    neste espao, ao mesmo tempo em que apontamos como essa estrutura foi sendo

    modificada historicamente ao longo do processo de expanso da aglomerao. Estas

    modificaes no se restringem s aes diretas sobre os cursos dgua, mas abrangem

    toda transformao do espao natural em espao social. O territrio em que se assenta uma

    formao social por ela modificado continuamente, no prprio movimento de sua

  • 13

    reproduo. Ao tratarmos do espao de uma aglomerao estamos sempre tratando de um

    espao histrico, no qual as determinaes naturais, como o escoamento de guas pluviais,

    deixam de ser uma caracterstica mecnica da natureza, uma relao de causa e efeito, e

    passam a refletir a ao social de transformao do territrio por meio de processos

    teleolgicos determinados pela sociedade. O espao de uma sociedade resulta das prprias

    determinaes internas de seu modo de produo, que imprimem ao territrio as qualidades

    necessrias para a reproduo social, de acordo com seu patamar tcnico de

    desenvolvimento, com as relaes sociais engendradas e com as bases materiais

    disponveis para a produo de seu espao.

    1.1 A drenagem na histria de So Paulo

    Em seu atual estgio de crescimento, a aglomerao urbana de So Paulo ocupa toda a

    parte central da Bacia do Alto Tiet. Segundo levantamento do plano de macrodrenagem da

    bacia, esta mancha urbana correspondia, em 2002, a 27,79% do territrio da regio

    metropolitana (SO PAULO (ESTADO), FUSP, CBHAT: 2009). Verificamos uma intensa

    conurbao entre os 39 municpios da Regio Metropolitana com alguns esparsos trechos

    urbanizados ainda no aglutinados.

    Figura 1. Foto area da Regio Metropolitana de So Paulo. Fonte: Banco de dados espaciais da Bacia do Alto Tiet.

  • Figura 2. Mapa da aglomerao urbana de So Paulo. Fonte: Cesad - Mapas da evoluo urbana de So Paulo; Emplasa - Sistemas virios, curvas de nvel, hidrografia e limites; Banco de dados espaciais da Bacia do Alto Tiet.

    O trecho central da aglomerao, entre os rios Tiet, Pinheiros e Tamanduate, possui

    praticamente todos os crregos canalizados em galeria, de forma que no mais possvel

    distingui-los pela foto area. Notadamente, a prtica das canalizaes fechadas so usuais

    para pequenos corpos dgua de pequena extenso, como eram a maioria desses dos rios

    e crregos da rea central da aglomerao. Por outro lado, alguns autores apontam o

    carter higienista destas intervenes (Mattes, 2001; Travassos, 2004), o que significa que

    na poca de sua realizao guas paradas eram vistas como focos de doenas e por isso

    se idealizara a soluo de canalizaes fechadas. Apontam, assim, que o tipo de

    canalizao correspondente s primeiras intervenes na regio central, que consistia na

    tamponao dos canais e o dessecamento das vrzeas, buscava atender interesses de

    sade pblica antes de se pensar o problema das enchentes propriamente. Mas se o

    tamponamento era uma necessidade aos projetos de melhoramentos at as primeiras

    dcadas do sculo XX, como por exemplo, na urbanizao do Vale do Anhangaba, o

    melhoramento em si no pode ser explicado por um suposto pavor generalizado dos

    paulistanos de vetores de doenas, nem pela disposio do Estado de garantir de forma

    extensiva as condies de sade ou comodidade da populao ou por um suposto pavor

    generalizado dos paulistanos em relao s doenas de veiculao hdrica,. Como afirma

    Hugo Segawa, as obras de melhoramentos careciam de sentido social claro e eram

  • 15

    voltadas a interesses concretos na valorizao das terras gerada pela urbanizao das

    vrzeas (Segawa, 2000). Dessa forma, a interveno higienista referida por Mattes e

    Travassos ganha uma razo mais objetiva, j que a existncia dos crregos desvalorizava

    os terrenos por onde passavam.

    Esse processo se repetiria nas solues para as avenidas de fundo de vale no centro. O

    Plano de Avenidas, proposto pelos engenheiros Prestes Maia e Ulha Cintra, aproveitavam

    os terrenos vazios nos vales entre as colinas centrais para implantao de uma malha

    rodoviria de maior capacidade estruturando eixos de crescimento da aglomerao, alm de

    rtulas de ligao que incluam avenidas marginais paralelas aos cursos dos rios Tiet,

    Pinheiros e Tamanduate.

    Figura 3. Imagem do Plano de Avenidas.

    As primeiras avenidas de fundo de vale abertas pelo Estado, como a Nove de Julho e a 23

    de Maio, sobre os crregos Saracura e Itoror, assim como as avenidas abertas pelos

    loteamentos da Companhia City, como a Sumar e a Pacaembu, seriam implantadas com

    essa tipologia, mantendo o padro das canalizaes por galeria; mesmo quando cabia um

    canteiro central na avenida, este foi implantado coberto com grama e arborizao, deixando

    a canalizao enterrada. O dimensionamento destas galerias se tornaria um problema

    futuro, assim como as galerias de microdrenagem implantadas nas demais ruas, j que seu

    dimensionamento no comportaria as vazes resultantes da expanso da urbanizao,

    gerando alagamentos constantes devido ao afogamento das galerias.

  • Figuras 4, 5 e 6. Inundaes em So Paulo, Vrzea do Carmo, 1918(4) e Vrzea do Glicrio, 1915 (5 e 6). Fonte: DPH

    J ao analisarmos a situao histrica dos principais canais de escoamento da regio

    central o Tamanduate e o Tiet a situao um pouco diversa, ainda que, de modo

    algum, dissociada de interesses concretos na acumulao de capital.

    De acordo com estudos histricos (Sant'Anna, 2007) desde o sculo XVIII, pelo menos,

    existem registros de solicitaes da populao para que o ento governo da provncia

    contornasse a questo das cheias no Tamanduate. A regio da Vrzea do Carmo, porto

    principal da cidade colonial, sofria com as cheias sazonais. H registros de chuvas

    excepcionais na cidade que ocorreram em 1560, 1792, 1813, 1841, 1850, 1856, 1875,

    1877, 1878, 1879, 1889, 1902, 1906, 1923, 1929 e 1930 (OSTROWSKY, Maria de Sampaio

    Bonaf. O desenvolvimento urbano da Regio Metropolitana de So Paulo e a utilizao e

    conservao dos recursos hdricos regionais. EPUSP. Dissertao (mestrado): 1991 Apud

    CUSTDIO:2001). Em 1810 registrada a primeira obra de drenagem em So Paulo, a

    abertura de uma vala no centro da Vrzea do Carmo para diminuir os efeitos das

    inundaes (ver figura 7). Em 1827 proposta na Cmara da ento Provncia a retificao

    do Tamanduate e, em 1830, a drenagem de suas vrzeas (TRAVASSOS, 2004). A primeira

    obra executada foi, em 1848, a retificao do Tamanduate no local ento conhecido como

    Sete Voltas, entre o Beco do Colgio e a Ladeira Porto Geral (ver figura 8), a partir de

    projeto de Carlos Abraho Bresser (TRAVASSOS, 2004), a partir de ento, o canal deixou

    de ser navegvel, devido s dimenses da seo retificada (LANGENBUCH, 1971, pg 26).

    As enchentes do Tamanduate eram frequentes, e so relatadas pelos viajantes que

    passavam na provncia (Mawe, Saint-Hilaire, Taunay entre outros, citados por ABSABER,

    2007). Entre 1893 e 1914 seria canalizada toda a extenso do Tamanduate entre o Crrego

    Anhangaba e a Chcara da Glria, obra realizada em conjunto com o aterramento da

    Vrzea do Carmo e a criao do jardim pblico (CUSTDIO, 2001; MATTES, 2001;

    TRAVASSOS, 2004). Na mesma poca foram retificados o crrego Anhangaba e seus

    afluentes o Saracura Grande e o Pequeno, os quais tinham suas margens parcialmente

    ocupadas na poca (Travassos, op cit, pg. 112-3, Custdio, op. cit., pg108). A

    estruturao da vrzea do Tamanduate, desde o incio do sculo XIX, no corresponde a

    um impulso sua ocupao imediata, visto no ser necessrio, at pelas limitadas

  • 17

    dimenses que o ncleo urbano ainda apresentava. Notadamente, tratava-se de estruturar

    sua travessia e de garantir as condies de uso de um espao que, apesar de ainda no

    ocupado por ruas e edificaes, era local de atividades necessrias populao. Como

    afirma Fernando Mello Franco, o vazio [urbano] das vrzeas era de fundamental

    importncia como elemento de organizao do espao e de articulao das funes

    dispostas em seu entorno (FRANCO, 2005, pg. 52). o mesmo sentido da argumentao

    de Odette Seabra, que afirma que a incorporao das vrzeas significava que naquele

    tempo esses terrenos j haviam se tornados internos prpria cidade; era preciso torn-los

    orgnicos (sic) a ela. Ou seja, que pudessem assumir uma forma funcional adequada na

    estrutura urbana de So Paulo (SEABRA, 1987, 30).

    Figura 7. Mapa de So Paulo 1810, Rufino Jos Felizardo da Costa. Fonte DPH.

  • Figura 8. Carta de So Paulo. Jos Jacques da Costa, 1842. Fonte DPH.

    Figura 9. Vrzea do Carmo em 1862. Figura 10. Enchente na Vrzea do Carmo, 1887. Fonte: DPH.

    O Tiet, por manter maior distncia do ncleo central, no foi objeto to cedo de

    preocupaes, mas, por volta da passagem do sculo XIX para o XX, o impulso expansivo

    da expanso da aglomerao fez a cidade alcanar suas vrzeas, desde a Barra Funda at

    o Belenzinho, processo analisado por Juergen Langenbuch. Segundo Delmar Mattes, os

    primeiros estudos para retificao do Tiet so feitos em 1883 pelo Baro de Guaraj. Em

    1887, Bianchi Bertoldi prope um projeto de retificao conjunta do Tiet e do Tamanduate.

    Em seu curto perodo de existncia de 1982 a 1898 a Comisso de Saneamento do

    Estado executou as primeiras obras de canalizao do Tiet, retificando trs trechos: junto

    Ilha de Inhumas, que suprimida (1.200m), o Canal de Osasco (1.260m) e o Canal do

    Anastcio (620m) (MATTES, 2001, pg. 117-8. CUSTDIO, 2001, pg. 107-8).

  • 19

    Antes dessas obras, a travessia dos vales se tornava impossvel na poca das chuvas,

    como descreveram Saint-Hilaire, Mawe e Taunay, no sculo XIX, citados por Langenbuch e

    AbSaber. Como meio de transporte, os rios eram uma opo secundria (Langenbuch,

    1970, p. 26), ainda que tivessem sido utilizados, originalmente, como os acessos ao interior

    do estado. Todavia a ocupao permanente de suas vrzeas foi definida no ltimo quartel

    do sculo XIX pela estruturao das linhas frreas. Como afirma Franco, a implantao das

    ferrovias foi um impulso para a consolidao de uma rede de cidades articuladas pelo fluxo

    constante de passageiros e de mercadorias do interior ao Porto de Santos. O traado das

    vias frreas acompanhou as caractersticas geogrficas do territrio, repetindo os antigos

    caminhos de penetrao fluvial e terrestre. Chegando na cidade de So Paulo, da mesma

    forma, se aproveitou dos extensos terrenos relativamente planos ao longo dos rios Tiet e

    Tamanduate, para ali instalarem os trilhos e os demais elementos da infraestrutura de

    transporte: estaes, ptios de manobra e outros edifcios (FRANCO:2005, 105-7). Essa

    rede de infraestruturas constituda pelas estradas de ferro Santos-Jundia (So Paulo

    Raiway) em 1867, pela Sorocabana em 1875 e pela Central do Brasil em 1877 orientou a

    ocupao dos terrenos lindeiros aos eixos do sistema ferrovirio por fbricas, armazns e

    bairros operrios. Aos poucos, as caractersticas das localizaes junto s vrzeas deixaram

    de ser consideradas inaptas urbanizao para configurarem-se vantagens locacionais.

    A valorizao do caf no mercado internacional, a expanso da produo e a acumulao

    de capital interno constituem diferentes facetas do mesmo processo, que vinha sendo

    gestado desde 1850, pelo menos, datas da instituio da Lei Eusbio de Queirz, que

    proibiu o trfico de escravos; do Cdigo Comercial, que definiu as condies para o

    estabelecimento de empresas privadas e de sociedades annimas; e da Lei de Terras, que

    instituiu a propriedade privada sobre a terra. Assentadas as bases de funcionamento do

    modo de produo capitalista, So Paulo acabaria se tornando o centro do mercado

    nacional unificado, pela sua localizao estratgica no cruzamento das rotas da

    infraestrutura ferroviria organizada, entre o Oeste do estado principal rea produtora e

    o Porto de Santos. Os cafeicultores foram os principais agentes, num primeiro momento, da

    implantao da malha ferroviria. Alm disso, passariam a responder pela criao de

    importadoras, financeiras, bancos de crdito, empresas de seguro dentre outros ramos

    comerciais relacionados com o negcio de produo e exportao de caf e, em pouco

    tempo, a diversificao dos negcios levaria a uma intensificao de inverso de capitais da

    produo agrcola para a produo industrial. Ao mesmo tempo, So Paulo passou a drenar

    mo de obra de outras regies do pas e tambm a receber levas cada vez maiores de

    trabalhadores estrangeiros, de forma que a populao do municpio iria multiplicar nas trs

    ltimas dcadas do sculo XIX, passando de 31 mil habitantes em 1872 para 65 mil em

  • 1890 e 240 mil em 1900 um crescimento de 14% ao ano em uma dcada. A partir de

    1900, o crescimento se estabilizaria em torno de uma mdia de 5% ao ano at a dcada de

    1970, decaindo na dcada seguinte at se estabilizar em torno de 1,5% nos ltimos trinta

    anos10.

    No mapa da cidade de So Paulo levantado em 1881 pela Companhia Cantareira de

    Esgotos vemos que a cidade j se expandia alm da colina histrica, no Centro Velho,

    atravs do Vale do Anhangaba e alcanando a Estao Julio Prestes e o Jardim da Luz, na

    direo noroeste, enquanto que o Brs iniciava a sua conformao, conectado ao centro

    pela Rua do Brs, que cruzava a Vrzea do Carmo em direo Estao Roosevelt e at a

    Praa da Concrdia.

    Figura 11. Planta da Cidade de So Paulo, 1881, Henry B. Joyner. Fonte DPH.

    10 Fonte IBGE, Censos demogrficos.

  • 21

    Figura 12. Detalhe: ligao sobre Vrzea do Carmo.

    J o mapa da cidade de So Paulo elaborado em 1897 por Gomes Cardim nos permite

    verificar que a expanso da aglomerao j tornou homogneo o espao entre Centro

    Velho, Centro Novo, Bom Retiro, Campos Elseos, Consolao, Liberdade, Brs e Pari e

    que novos ncleos j se aglutinam ao principal, mas que estes ncleos se estruturam em

    torno das estaes ferrovirias. Podemos ver, dentre os nomes, os bairros de gua Branca,

    Vila Gomes Cardim, Vila Bernardino de Campos, Penha de Frana e Vila Prudente, e j se

    nota os arruamentos mais avanados e organizados nos bairros do Ipiranga e Belenzinho,

    onde se localizavam as estaes de trem. Ainda, percebe-se que os vazios urbanos

    correspondem, em geral ao vales e cursos dgua, l esto o Crrego Pacaembu, o

    Saracura, o Itoror, o Aclimao e o Rio Ipiranga. Tambm j se verifica um dos primeiros

    trechos canalizados do Tiet, o Canal do Anastcio. Finalmente, constata-se a existncia

    das linhas de bonde, cuja presena tambm ordena os eixos de crescimento e a

    estruturao da malha urbana. Ao norte, o Tramway da Cantareira, passando pelo ncleo de

    Santana; ao sul, o Tramway de Santo Amaro passando pelos ncleos de Vila Mariana e Vila

    Clementino. Como afirma Franco,

    cada estao [de trem ou tramway] determinou uma singularidade aos espaos por ela organizados. Em reas mais distantes, a abertura de novos pontos de parada adquiriram o carter de pequenos aglomerados urbanos, (...) diretamente organizados ao redor das estaes (FRANCO:2005, pg. 111)

  • Figura 13. Planta geral da capital de So Paulo, Gomes Cardim, 1897. Fonte DPH

    Figura 14, 15 e 16. Detalhes: retificao do Canal do Anastcio, Ribeiro Itoror, Ribeiro Aclimao.

    A relao entre a localizao das estaes e a dinamizao urbana de seu entorno

    analisada por Odette Seabra, que ressalta a estreita concordncia entre o parcelamento dos

    terrenos lindeiros rede ferroviria e a valorizao do preo da terra decorrente da

    implantao das infraestruturas e que este processo que ir demandar a ascenso do

    prprio mercado de terras no incio do sculo XX. Seabra demonstra que tal ascenso se

    relaciona tambm com o prprio aumento da acumulao de capitais internos, com a poltica

    de valorizao do preo de exportao do caf e com o grande aumento populacional na

    mesma poca, garantindo os elementos necessrios para a especulao. Com isso,

    estruturam-se dois processos: por um lado, aumentava-se a densidade populacional nas

  • 23

    reas centrais da cidade e no entorno prximo das estaes chamados de povoados-

    estaes por Juergen Langenbuch o que ocorria, basicamente, atravs da instalao de

    cortios; de outro, montou-se um forte controle privado sobre a terra que condicionava a

    transformao de uso das reas rurais que circundavam a cidade (SEABRA:1987, pg. 41-

    7). Montava-se assim a estrutura que iria determinar o padro de perifrico de expanso da

    aglomerao urbana de So Paulo.

    Com relao ao aproveitamento hdrico das vrzeas e dos cursos dguas, sabe-se que a

    ltima metade do sculo XIX marcada pela hegemonia das ideias higienistas, ou, tambm

    chamadas, sanitaristas. Ao mesmo tempo, as intervenes nos corpos dgua tambm eram

    necessrias para garantir o abastecimento de gua e era uma das formas possveis de se

    produzir energia. Em 1875 formada a Companhia Cantareira de guas e Esgotos cuja

    principal interveno foi a construo do Reservatrio Cantareira. As guas da Cantareira

    passam a abastecer a populao atravs de chafarizes pblicos e alguns prdios com gua

    encanada. Porm, ao longo da dcada, a prpria empresa propositalmente destruiria seus

    chafarizes pblicos como forma de forar a populao a instalar a rede de gua encanada,

    servio pelo qual se era cobrado. No obstante, o crescimento populacional na dcada

    seguinte tornaria a capacidade da represa insuficiente para a demanda, alm de que

    prolongadas estiagens no permitiam a manuteno da vazo da represa. Devido

    incapacidade de ampliao do investimento a Companhia foi estatizada em 1892 e foi criada

    a Repartio de Servios Tcnicos de guas e Esgotos (VITORINO, 2002) .

    A partir de um projeto solicitado pelo Estado aos engenheiros Antonio Francisco de Paula

    Souza e Teodoro Sampaio para solucionar a questo das enchentes, foi criada em 1892 a

    Comisso de Saneamento, do estado, que assim como a repartio de guas e esgotos

    tinha o objetivo de sanear os cursos dgua, o que significava, entre outras aes, dessecar

    as vrzeas e retificar os meandros dos rios, a fim de aumentar a velocidade de escoamento.

    (CAMPOS, 2008, pg 19). No mbito dessa poltica que foram canalizados os primeiros

    trechos do Rio Tiet, como apontado anteriormente neste trabalho. Todavia, havia um

    enorme rol de possibilidades de utilizao dessas guas, para atender as diversas

    demandas existentes, das quais se destacavam a produo de gua para abastecimento

    pblico e o aproveitamento hidreltrico das mesmas. Uma delas era o aproveitamento do

    Tiet para abastecimento pblico, para o qual em 1898 se construiu uma galeria lateral

    paralela ao curso do rio na altura do Belenzinho, utilizando um sistema de filtragem e

    reservando gua na altura do bairro de Belenzinho (CAMPOS, 2008, pg 31). Em 1903 este

    projeto seria ampliado, passando a retirar 6.000 litros por dia do Tiet (VITORINO, 2002,

    pg. 52) para abastecimento da populao.

  • Atravs da RAE, inicia-se um processo contnuo de busca por novas fontes de gua para

    uma populao que dobrava a cada dcada, sendo construdas paulatinamente novas

    represas, adutoras e reservatrios, sem que com isso, se conseguisse atender a demanda

    por gua. A idia de aproveitamento do Tiet para o consumo da populao no era

    novidade, mas sempre pesou o fato de que suas guas eram destino dos dejetos e esgotos

    lanados em outros cursos dgua, alm de que j haviam fbricas implantadas ao longo de

    suas margens que lanavam poluentes de forma descontrolada. A questo da poluio

    tornava-se mais grave nos longos perodos de estiagem, quando diminua o volume de gua

    do Tiet. Porm, pesava negativamente o fato que durante as mesmas estiagens, o volume

    ofertado pelas demais fontes de gua diminusse consideravelmente, no bastando para

    atender de gua a populao (VITORINO, 2002, pg 54-9).

    Em 1886 foi formada a Empresa Paulista de Eletricidade. Assim, como a Empresa

    Cantareira, a Paulista no possua capacidade de investimentos necessrios, sendo

    absorvida pela estatal Companhia gua e Luz de So Paulo. Porm, diferente do servio de

    abastecimento de gua e coleta de esgotos, em 1899 o sistema de gerao e distribuio de

    energia eltrica foi repassado iniciativa privada, no caso, So Paulo Tramway, Light and

    Power Company, mais conhecida como Light. Inicialmente, a Light operaria as linhas de

    bonde em So Paulo (primeiro os de trao animal, depois os eltricos), mas passaria em

    seguida a abastecer a cidade de energia eltrica e logo monopolizou os servios de gs e

    telefone (SANTOS, 2006). Em 1899 a Light inicia a construo da primeira usina hidreltrica

    do Brasil em Santana do Parnaba, inaugurada em 1901. Para garantir o fluxo constante na

    usina, em 1906 a empresa inicia a construo da Represa Guarapiranga, pronta em 1908.

    Esta obra foi possvel atravs da desapropriao de grande quantidade de stios, chcaras e

    residncias na regio de Santo Amaro, marcando j a intensa relao que a Light teria com

    o Estado, tanto na aquisio de reas para atividades futuras quanto impedindo a

    construo de empreendimentos concorrentes no municpio (SANTOS, 2006, pg 11).

    Inicia-se um relacionamento escuso, no qual se emaranham os interesses do Estado e da

    Light na produo de energia eltrica e na ocupao da vrzea dos rios11.

    11 Sobre os interesses da Light, afirma Seabra: os processos instaurados no Pinheiros foram apenas parte de seus negcios que se internacionalizavam atravs da execuo de projetos semelhantes, na Espanha, no Mxico e no Norte da frica. As suas estratgias concretizavam o front avanado da racionalidade burguesa, pelos moldes de como se difundiam capitais imperialistas em todo o mundo desde o sculo [XIX]. Em So Paulo, (...) eliminou produtores individuais, pequenas empresas, definiu novas condies tcnicas tanto para transportes quanto para gerao e transmisso [de energia]. (...) Os negcios com terra no Pinheiros no mostram mais que uma pequena ponta no gigantesco iceberg. Indicam que sua lgica concretizava, em todas as direes, um processo que no era o de reproduzir-se como uma empresa capitalista, (...) mas promover a sua prpria expanso de capital, atravs de mecanismos de expropriao (SEABRA:1987, 258). Segundo a mesma autora, o lobby da empresa canadense no interior do Congresso fez atrasar em nove anos o trmite do

  • 25

    Devido persistncia do problema das inundaes, a prefeitura institui em 1922 a Comisso

    de Melhoramentos do Rio Tiet, sob responsabilidade do engenheiro Francisco Rodrigues

    Saturnino de Britto. Entre 1923 e 1926 os trabalhos desta comisso se voltam anlise do

    projeto da Comisso de Saneamento, elaborado trs dcadas antes. Britto prope

    aproveitar os trechos j retificados no Inhama e no Anastcio e as estruturas j

    implantadas pela Light os reservatrios em Parnaba e Guarapiranga para regular o nvel

    dgua do canal. Havia a um impasse, visto que a recomendao do relatrio de Britto era

    para que a operao das barragens fosse ao sentido de manter os reservatrio vazios na

    maior parte do ano, para serem aproveitados na poca das chuvas. Porm, para a

    companhia de energia eltrica, interessava o contrrio, de forma a garantir o fluxo de gua

    constante necessrio para gerao de energia. O projeto da Comisso de Melhoramentos

    previa a escavao de dois grandes tanques de conteno na altura da Ponte Grande, que

    forneceriam a terra para execuo dos aterros e serviria de espao de lazer urbano. O

    controle da vazo no Tiet seria feito a partir de uma barragem na regio da Penha, naquela

    poca, o limite da rea urbanizada. As margens do rio canalizado e dos lagos escavados

    seriam ocupados por um extenso parque, guardando uma distncia at a via de circulao

    de automveis em suas marginais.

    Figura 17: Projeto de retificao do Tiet, 1925, Comisso de Saneamento (coord. Saturnino de Britto).

    projeto de lei do Cdigo das guas, aprovado em 1934. Quando aprovado, alguns artigos da lei correspondiam diretamente aos interesses da Light definidos nos contratos da empresa ento firmados com a prefeitura de So Paulo (SEABRA:1987, 159-160).

  • Figura 18: Projeto de retificao do Tiet, 1925, Comisso de Saneamento (coord. Saturnino de Britto).

    Figura 19. Projeto de retificao do Tiet, 1925, Comisso de Saneamento (coord. Saturnino de Britto)

    Em 1925, a Light apresenta o Projeto Serra, desenvolvido por Asa Billings, que objetivava o

    aproveitamento da queda dgua natural de 700m entre So Paulo e Cubato para se gerar

    energia a custo baixo ao nvel do mar. A proposta do Projeto Serra era composta por 14

    reservatrios espalhados pela regio prxima da Capital, em diferentes altitudes,

  • 27

    conectados por 12 tneis e dois canais, formando um sistema nico que encaminharia as

    guas para o reservatrio do Rio Grande (atual Billings); em seguida, as guas seriam

    desviadas para o reservatrio do Rio das Pedras, desaguando em tubulaes que

    alimentariam a Usina de Cubato (Henry Borden), situada no nvel do mar.

    Figura 20. Projeto Serra, 1925, Light (coord. Asa Billings).

    Em 1927, a empresa italiana Brasital iniciou um projeto para construo de uma usina

    hidreltrica em Itu (VITORINO, 2003). Para garantir seu monoplio na produo e gerao

    de energia, a Light modificou o projeto Serra, que passou a prever agora, maior reverso do

    curso do Rio Grande em direo ao Rio das Pedras; a ampliao do Reservatrio Rio

    Grande, cujo volume passou de 330 milhes de m para 1,2 bilhes de m; props a

    retificao e reverso do Rio Pinheiros; a execuo da barragem da Penha para controlar a

    vazo tambm no Tiet, permitindo o aproveitamento de toda vazo proveniente do Tiet. A

    Lei 2.249 de 1927 foi aprovada aps a Light ter comprado as terras necessrias para a

    implantao do Reservatrio Rio Grande, sendo que a lei ainda declarava a zona inundvel

    como de necessidade pblica o que permitiria, na prtica, que a Light desapropriasse

    estes terrenos e, ao mesmo tempo, o decreto determinava que os terrenos desapropriados

    deveriam ser vendidos pela companhia (SEABRA, 1987, 164-5). Com esta ltima jogada, a

    Light pde colaborar com os efeitos da maior cheia do ano de 1929: para demarcar a rea

    de necessidade pblica a qual lhe cabia por decreto, a companhia abriu as comportas da

    Represa de Guarapiranga no dia seguinte a uma intensa chuva, gerando uma onda que

  • inundou toda a vrzea do Pinheiros, depois, como efeito de remanso, atingiu as margens do

    Tiet e at do Tamanduate.

    Figura 21, 22 e 23. Fotos grande inundao em 1929. Fonte DPH

    A Comisso de Melhoramentos foi abolida em 1926, momento em que so definidos os

    parmetros da interveno no sistema fluvial principal da bacia, a partir das diretrizes

    relativas produo de energia eltrica em Henry Borden. A Comisso seria restabelecida

    em 1937, mas desta vez, dirigida por Joo Florence de Ulha Cintra. Entre 1924 e 1926,

    Cintra havia escrito um conjunto de artigos em parceria com Francisco Prestes Maia para o

    Boletim do Instituto de Engenharia, nos quais os engenheiros propunham a implantao de

    um permetro de irradiao e de vias marginais. Depois, em 1930, Prestes Maia

    apresentou o conhecido Plano de Avenidas, no qual proposto um modelo de avenidas

    radial-perimetral, e que seria parcialmente implantado a partir da segunda gesto de Prestes

    Maia na prefeitura, nos anos 1961/196512. Em 1937, Prestes Maia foi nomeado prefeito da

    cidade, indicado pelo governo federal; Maia continuaria no cargo at 1945 e, nesse perodo,

    Cintra passaria a ser o responsvel pelas obras de canalizao do Rio Tiet, ao mesmo

    tempo em que eram tocadas, pela Light, as obras de retificao do Pinheiros iniciaram em

    1934 e terminaram em 1947. A retificao do trecho entre a Ponte Velha de Osasco e a

    Ponte da Vila Maria comeou em 1940 e acabou apenas em 1967.

    Baseando-se na anlise de dados da cheia de 1929, Ulha Cintra revisou o projeto antes

    proposto por Britto, reduzindo a faixa reservada para o canal. No projeto original, a rea

    inundvel pelo Rio Tiet correspondia a 32.997.000m, dentre os quais se computava uma

    faixa de regularizao de 8.035.500m ao longo do canal, que inclua 1.675.500m ocupados

    pelos lagos centras na Praa da Bandeira (BRITTO apud SEABRA:1987, pg. 122). Muitos

    aspectos do projeto foram alterados por Cintra, suprimindo os lagos e reduzindo as faixas de

    acomodao de cheias. A rea destinada ao sistema virio, originalmente de 24.961.500m

    passou para 30.761.500m.

    12 Sobre o Plano de Avenidas, sobram crticas atualmente. Ver por exemplo, as de Fernando Mello Franco, presente em nossa bibliografia, e as de Cndido Malta Campos, Os rumos da cidade: urbanismo e modernizao em So Pulo (2002), analisadas por Franco (op. cit, pgs 149-157).

  • 29

    A implantao parcial do canal, entre a Ponte Velha de Osasco e a Ponte da Vila Maria logo

    se fez sentir no trecho a jusante, em Osasco, onde a vazo era barrada pelo Reservatrio

    de Parnaba, sem dar vazo s ondas contnuas de cheias que passavam a alcanar o local

    mais rapidamente. No obstante, no perodo de quase trs dcadas entre o incio e o

    trmino da execuo da obra, a expanso perifrica da aglomerao seguiu em ritmo

    elevado e uma das consequncias foi o aumento da sedimentao no fundo do canal que

    ainda no estava terminado13. Nos trechos do canal ento executados em 1940 eram

    depositados 10.000 m de sedimentos ao ms. Em 1963, antes de da concluso do canal, o

    volume anual de sedimentao alcanou 1,5 milho de metros cbicos. Tratava-se da

    necessidade de manuteno do canal antes mesmo de sua execuo ter terminado.

    Segundo Langenbuch, esse perodo entre as dcadas de 1940 e de 1960 marca a mudana

    no padro de expanso da aglomerao. At ento, o crescimento da cidade esteve limitado

    pelas condies geogrficas originais, deixando vrzeas, encostas e fundos de vale

    desocupados. Os ltimas linhas da rede ferroviria foram construdas em 1932 a variante

    Po da E. F. Central do Brasil e a em 1935 a linha Mayrink-Santos. Em 40, j ganhavam

    corpo os subrbios residenciais e industriais conectados pela ferrovia, em So Miguel, So

    Caetano, Santo Andr, Utinga e Osasco. A infraestrutura instalada havia sido capaz de

    garantir certa ordenao do processo de expanso, em geral, em torno das estaes de

    trem e ao longo dos tramways, principalmente. Entre os anos 40 e 60 as condies de

    urbanizao na cidade vo se tornando mais precrias. Paulatinamente, a Light foi deixando

    de investir nas linhas de bonde, de um lado movida por empecilhos expanso das linhas,

    de outro devido proibio imposta pelo Estado aos reajustes no preo da passagem, at a

    desativao completa do sistema em 1968. A expanso das linhas e das companhias de

    nibus, que em 1947 foram reunidas e estatizadas em torno da Companhia Municipal de

    Transportes Coletivos-CMTC, foram ocupando o lugar do bonde como sistema de transporte

    de mdia capacidade. Os nibus viriam a se adaptar melhor ao padro perifrico de

    expanso, atendendo as localizaes mais distantes ou de topografia mais acidentada, num

    processo em que a penetrao do sistema de transporte permitia valorizao fundiria das

    localizaes em sua passagem. Esse um processo gradativo, mas que vai se estruturando

    ao longo de dcadas e garantindo a acumulao de capitais pelos agentes da

    transformao.

    13 A expanso descontrolada da urbanizao responsvel por esse processo, pois ela responde pela remoo da cobertura vegetal da superfcie e pelos movimentos de corte e de aterro de terra, os quais, quando no corretamente tratados, geram grande quantidade de sedimentos lavados pelas chuvas e carregados pelo sistema de drenagem. Nas reas de urbanizao consolidada verifica-se uma diminuio do carregamento de sedimento pelos corpos hdricos.

  • Ao mesmo tempo, o avano da produo industrial na regio metropolitana sem uma poltica

    de controle do lanamento dos efluentes gerou um grave problema de poluio dos corpos

    dgua. Alm disso, os ndices de abastecimento de gua e de esgotamento sanitrio nos

    anos 60 passam a corresponder quase metade dos ndices de atendimento nos anos 40.

    E tambm a infraestrutura de gerao e de transmisso de energia eltrica tornava-se

    insuficiente e o Estado se viu obrigado a buscar fontes mais distantes para produo de

    energia, como as hidreltricas no interior do estado, e posteriormente, os grandes projetos

    nacionais, como o de Itaipu e tambm fontes alternativas como na Usina de Furnas. Como

    aponta Szmrecsnyi:

    Ruas mal traadas, com declividade inadequada, sem curvas de nvel. S depois de anos, quando j bem povoadas, algumas passaram a receber da municipalidade sarjetas, canalizao de guas pluviais ou asfalto. Faltavam-lhes, de incio, gua encanada, esgoto, iluminao pblica, postos de sade, escolas ou at mesmo, eletricidade. S no se dispensou o transporte garantidor da chegada ao trabalho, reivindicado a polticos e Prefeitura pelos primeiros compradores e atendido sempre por nibus, cuja linha teria de passar por reas vazias em reserva, para ser assim valorizada (SZMRECSNYI, Maria Irene. A macrometrpole paulista: 1950-2004. In: SZMRECSNYI, Tomas (org.). Histria econmica de So Paulo. So Paulo, Globo: 2004. 117-143. Pg. 127)

    Do exposto acima, v-se que os investimentos em infraestrutura no acompanharam o

    desenvolvimento econmico. O crescimento da rea urbana, sem o suporte necessrio das

    infraestruturas e servios pblicos, se baseou na proviso precria de habitao pela

    iniciativa privada, atravs de loteamentos e parcelamentos sem qualquer controle do

    Estado. Apenas em 1965 foi aprovada lei regulando o uso do solo na rea ento

    considerada rural, num momento em que a rea urbanizada da aglomerao alcanava

    cerca de 745km. A legalizao do processo informal de produo do espao ocorreu,

    ento, atravs das anistias generalizadas s reas urbanizadas.

    Finalizada a canalizao do Tiet e do Pinheiros, foram abertas perspectivas para enorme

    valorizao das terras em seus arredores. Ao mesmo tempo, elas permitiram o avano da

    expanso da aglomerao urbana, uma expanso tipo mancha de leo, se espalhando e

    ocupando todos os espaos. Seu objetivo principal, o atendimento da demanda por energia

    eltrica foi atendido durante algum tempo, mas ao trmino da canalizao a energia

    produzida em Henry Borden j no era capaz de atender a demanda do parque industrial

    paulista. Do ponto de vista da drenagem, as canalizaes foram um arremedo de projeto, o

    qual, desde o incio se direcionou contrariamente s diretrizes de combate s inundaes.

    Na dcada de 1960 proliferaram inundaes ao longo das calhas do Tiet, do Pinheiros e do

    Tamanduate. Em 1963 foi instalada na Cmara dos Vereadores uma comisso para discutir

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    as causas da inundao. Na poca, Prestes Maia, que cumpria seu segundo mandato como

    prefeito, fez um pronunciamento no qual argumentava sobre as causas das inundaes:

    A urbanizao crescente de toda zona de montante do Tiet e do ABC, com agravamento da situao maior velocidade de escoamento, no reteno dos excessos, e o assoreamento consequente, por que toda vez que se estende a urbanizao que so feitos arruamentos, terraplanagens, cortes de matas, aterros de vrzeas e, por conseqncia desaparecem aqueles bolses que retinham as guas e guardavam em parte sedimentos da eroso. As terras atiradas nas margens e at as ruas recentes e no consolidadas nem caladas surgem e se multiplicam no Tiet superior e na Zona do ABC, devido ao desenvolvimento industrial e tudo isso cria condies trgicas para a capital, porque esta cidade no tem controle sobre essas reas, cujo desenvolvimento econmico e urbanstico as leis e o prprio esforo municipal dificilmente podem conter (Depoimento do Prefeito, Francisco P. Maia, 133 sesso Especial da Assemblia 1963 apud, SEABRA:1987, 135-6).

    bem delineado, pelo prprio Prestes Maia, o conjunto de problemas relacionados s

    enchentes. Especialmente, o modo com que o processo de expanso urbana potencializa o

    problema das inundaes, como aponta corretamente Maia. Alm disso, j dizia o

    engenheiro-prefeito, a soluo para a questo no cabia separadamente ao municpio, mas

    deveria ser objeto de esforo dos diferentes municpios atingidos pelo problema, de forma

    que se afirmava a necessidade de reviso dos limites internos de atuao do Estado. Esta

    comisso de inundaes chegou a algumas concluses; primeiro, que a soluo tcnica

    passaria pela continuao da canalizao do Tiet (o que ocorreu, entre 1968 e 1977 no

    trecho de Osasco Barragem Edgard de Souza e depois, de 1978 a 1983, entre a Ponte da

    Vila Maria a Penha, com a implantao do Parque Ecolgico); a segunda, que a Unio

    (governo federal) deveria ter participao nos projetos a serem executados e que a

    Prefeitura de So Paulo no poderia e nem deveria mais gerir as obras. A soluo proposta

    foi criar uma empresa autrquica ou para-estatal para a qual fossem canalizados os

    recursos federais, estaduais e municipais para o trmino da retificao do rio, j nos anos

    60, uma empreitada que ultrapassava os limites territoriais do municpio. Assim, o

    Departamento de guas e Energia Eltrica-DAEE ficou encarregado de todas as questes

    relativas aos rios e s obras da bacia do Alto Tiet. Em 1968, foi criado o convnio Hibrace,

    entre o Daee, a Secretaria de Negcios, Servios e Obras Pblicas do Estado e um

    consrcio envolvendo diversas empresas de engenharia civil para a elaborao de um

    grande estudo envolvendo as bacias do Alto Tiet e da Baixada Santista. O relatrio desse

    convnio (Desenvolvimento global dos recursos hdricos das bacias do Tiet e Cubato),

    que resultou em 37 volumes de estudos, relacionados a todos os possveis aproveitamentos

    dos rios e vrzeas, apontou para a premente necessidade de se executar os reservatrios

    de regularizao das cheias nas cabeceiras da bacia e de finalizar a canalizao do Tiet.

  • Esse plano passou a orientar os trabalhos de macrodrenagem em toda a regio

    metropolitana a partir dos anos 70. Os reservatrios de cabeceira, previstos desde 1926 por

    Saturnino de Britto, eram finalmente definidos, nas localizaes Ponte Nova, Taiaupeba,

    Paraitinga I e II, Biritiba e Jundia.

    Se por um lado a recorrncia das inundaes gerou um processo de reestruturao do

    aparelho administrativo e de planejamento urbano, praticamente nada mudou na orientao

    dos projetos de drenagem, com relao s questes de reservao e controle da

    sedimentao, como Prestes Maia havia colocado em seu discurso. De fato, ser a partir da

    dcada de 60, e de forma intensificada nos anos 70 e 80, que sero implantadas grande

    parte das avenidas de fundo de vale na regio metropolitana. Das avenidas previstas

    originalmente na rede de vias perimetrais e radiais do plano de Prestes Maia, haviam sido

    implantadas, at o final da dcada de 1960, as marginais no Tiet e no Pinheiros; a Avenida

    do Estado, ao longo do Tamanduate de sua foz at o desemboque do Rio Ipiranga; o

    sistema Y formado pelas avenidas Tiradentes, Nove de Julho e Vinte e Trs de Maio; a

    Avenida Pacaembu, a Sumar e a Eusbio Matoso. Devemos lembrar tambm que o

    aproveitamento dos vales fluviais para implantao dos eixos de circulao era idia j

    ventilada tambm nos planos Moses14, em 1950 e Sagmacs15, em 1957. O Plano

    Urbanstico Bsico-PUB, de 1968, tambm havia previsto uma extensa malha de circulao

    viria, mas essa, por sua vez, descolada dos aspectos geogrficos do territrio. No perodo

    entre as dcadas de 40 e 70, como exposto anteriormente, o processo de expanso

    perifrica havia resultado uma urbanizao precria que mostrava um de seus pontos mais

    problemticos em relao circulao viria. O espao dos vales fluviais havia sido

    produzido atravs da justaposio de malhas e retculas desconectadas, resultantes de

    parcelamentos de lotes sem infraestrutura urbana adequada. Nos anos 60 e 70 as vrzeas

    passaram ser densamente ocupadas, deixando de ser a situao limite, na qual, devido s

    condies geogrficas e suscetibilidade s inundaes, era mantida livre de construes e

    14 O Plano Moses previa a canalizao dos rios Tiet, Pinheiros, Tamanduate, Anhangaba, Itoror, Saracura, Ipiranga, Juntas provisrias, Traio, Tatuap e Sapateiro (respectivamente, avenidas marginais do Tiet e do Pinheiros, e avenidas do Estado, Tiradentes, 23 de Maio, Nove de Julho, Ricardo Jafet, Juntas Provisrias, Bandeirantes, Salim Farah Maluf e Juscelino Kubitschek).

    15 O Plano Sagmacs refora ainda mais esta ocupao propondo, alm das canalizaes j previstas no Plano Moses, a canalizao dos crregos Cordeiro, guas Espraiadas, Capo do Embira, Jacu-Pssego, Pacaembu e Rio Aricanduva (respectivamente, avenidas Vicente Rao/Cupec, guas Espraiadas, Vereador Abel Ferreira, Jacu-Pssego, Pacaembu e Aricanduva). Excluia a avenida sobre o Crrego Sapateiro (Juscelino Kubitschek).

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    parcelamento do solo16. Os processos de anistia tinham garantido aos proprietrios a

    legalizao da propriedade, mas no havia qualquer outro melhoramento nessas

    localizaes, faltando desde transporte adequado at o saneamento dos rios e crregos. O

    governo municipal passou a planejar obras nessas vrzeas, para a retificao e

    desassoreamento dos canais, desobstruo de pontes ou vias com dimenso inadequada,

    implantao de coletores tronco de esgoto e implantao do sistema virio com as ligaes

    do sistema de microdrenagem.

    Essas intervenes se relacionam com uma mudana significativa no papel do Estado, que

    passa a oferecer linhas de crdito especficas para financiamento de obras de saneamento

    e drenagem nas aglomeraes urbanas. As canalizaes deixam de depender do

    oramento anual da prefeitura e passam a ser identificadas em planos de obras, os quais

    so submetidos ao financiamento federal e aos interesses especficos das construtoras17.

    Em 1973, a prefeitura negociou um emprstimo no valor de US$135 milhes para obras de

    drenagem em 470km de crregos municipais junto ao Fundo de Drenagem FIDREN18. No

    ano seguinte, ao assinar o contrato deste emprstimo com o Banco Nacional de Habitao,

    que gerenciava todos os fundos do Fidren, o valor havia sido corrigido para US$113

    milhes, e a previso de obras havia sido modificada para investimentos em 38 crregos,

    somando 60km de canalizao e 55km de avenidas de fundo de vale. As intervenes

    comearam em 1974 nos crregos Cordeiro, Tatuap, das Pedras, Verde, Pirajuara Mirim,

    Pirajuara, Cabuu de Baixo, Uberaba, gua Preta, Parque Edu Chaves, Rua C, Bellini,

    gua Funda, Cacarecos, Ana Couto, Casa Verde Baixa, Corujas, da Rua Gaspar Barreto,

    da Rua Itlia Severina, da Avenida Billings, Morro so S, Pacincia, Aricanduva, gua

    Vermelha, da Moca e Sapateiro, e, em 1975 nos crregos Jaguar, Zavuvus, Rinco,

    Paraguai, Trememb, da rua Quirino dos Santos, Cintra, Moinho Velho, Mandaqui e Maria

    Paula.

    16 As longas distncias entre as reas perifricas e o centro da metrpole, onde se concentravam as zonas de emprego, e a precariedade geral das infraestruturas e das condies de acesso passavam a se tornar elementos mais significativos que a prpria segurana e a salubridade na escolha da localizao dos assentamentos. 17 Como aponta Wilson Edson Jorge, (JORGE: Wilson Edson. Saneamento no Brasil p-64. So Paulo, Fauusp, Tese: 1987), a poltica nacional de grandes obras de infraestrutura