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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GRADUAÇÃO 2013.2 AUTORA: SILVANA BATINI COLABORAÇÃO: NATHALIA LAVOURAS

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INFRAÇÕES CONTRA AADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

GRADUAÇÃO 2013.2

AUTORA: SILVANA BATINI

COLABORAÇÃO: NATHALIA LAVOURAS

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SumárioINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICAINFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

APRESENTAÇÃO DO CURSO .................................................................................................................................... 3

BLOCO I — CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................... 6Aula 01: Dos crimes cometidos por funcionário público contra a administração pública —

conceitos fundamentais .......................................................................................... 6Aula 02: Peculato ......................................................................................................................... 11Aula 03: Concussão ..................................................................................................................... 22Aula 04: Corrupção passiva .......................................................................................................... 28Aula 05: Dos crimes praticados por particular contra Administração Pública ............................... 38Aula 06 e 07: Dos crimes nas licitações ........................................................................................ 49Aula 08 e 09: Refl exões sobre a dogmática dos crimes contra a administração pública após o

julgamento da Ação Penal 470 — Mensalão ......................................................... 67

BLOCO II — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA .......................................................................................................... 80Aulas 10 e 11: Aspectos fundamentais e a aplicabilidade da lei 8.429/1992 .................................. 80

BLOCO III — FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E PROCEDIMENTO .......................................................................... 97Aula 12: O foro por prerrogativa de função no processo penal ..................................................... 97AULA 13: Foro privilegiado nas ações de improbidade .............................................................. 107AULA 14: Procedimento nas ações penais originárias dos tribunais — A Lei 8038 .................... 117

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 3

APRESENTAÇÃO DO CURSO

INTRODUÇÃO

Esta disciplina tem por objetivo abordar condutas lesivas à Administra-ção Pública, aí incluídos os crimes e os atos de improbidade administrativa, buscando fornecer ao aluno uma visão abrangente do tema, ainda que não exaustiva.

No cotidiano do brasileiro são comuns e lamentavelmente frequentes, nos dias de hoje, reportagens noticiando o envolvimento de agentes da adminis-tração pública em esquemas de apropriação indevida de dinheiro público, desvios de recursos, superfaturamento de obras e serviços do governo, frau-des a licitações e outras condutas que se traduzem, na verdade, em ataques à administração pública. Condutas que interferem na atividade constitucional-mente destinada ao Estado de gerir a coisa pública de forma proba e efi ciente, para torná-la fonte de dinheiro fácil para uma minoria de transgressores. A apreensão leiga e profana da questão da “corrupção” não é satisfatória ao téc-nico e estudioso do Direito. Para estes, será sempre indispensável uma com-preensão jurídica do fenômeno e de suas consequências, daí a importância de estudarmos os tipos penais que tão frequentemente vêm sendo manchetes de jornais, de molde a proporcionar ao aluno a possibilidade de reconhe-cer as condutas, saber classifi cá-las dentro do espectro do direito brasileiro, conhecer-lhes as consequências e sobretudo saber contextualizá-las no escopo político-criminal de nosso Estado.

O Brasil é constitucionalmente defi nido como um Estado Democrático de Direito. Disto decorre a necessidade do enfrentamento e punição das con-dutas que representam real ameaça às relações recíprocas entre governantes e governados. É senso comum e facilmente aferível o grau de desconforto e descrédito gerado pelas notícias de ataques à administração pública, seja por servidores (aí compreendidos os detentores de cargos eletivos), seja por não servidores, gerando um sensível desequilíbrio entre a  liberdade do cidadão e a autoridade do seu representante, restando prejudicada a relação dual de observância pelos governantes dos direitos dos governados e dos governados a consciência dos seus direitos e deveres perante o Estado e a sociedade. A percepção de que o Direito não é respeitado sequer na esfera restrita das rela-ções de poder contamina a sociedade e promove a descrença nos mecanismos institucionais da sociedade. A repressão aos desvios com a coisa púbica, por-tanto, tem a dupla função de proteger a Administração Pública diretamente, em sua imagem, sua destinação de efi ciência e seriedade, e em última análise de proteção da própria ordem jurídica.

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FGV DIREITO RIO 4

DELIMITAÇÃO DO CONTEÚDO DA DISCIPLINA

O curso será dividido em três blocos.No Bloco 1 vamos estudar algumas fi guras típicas dentre os c rimes funcio-

nais, propriamente ditos, e alguns praticados por particulares contra a adminis-tração pública. Diante da enorme quantidade de condutas desta espécie tipifi -cadas, tivemos que fazer algumas escolhas. Optamos por eleger os crimes mais graves e os mais rotineiros que, por esta mesma razão, acabam por aparecer com mais frequência nos jornais e televisões, o que nos levará também ao estudo de alguns crimes que estão fora do Código Penal, tratados em leis extravagantes. Buscaremos proporcionar ao aluno uma base de compreensão crítica sobre estes crimes, não apenas com a descrição do conceito fundamental de cada tipo pe-nal, como também pela sua aplicação e persecução nos dias atuais, apontando o estado atual da visão doutrinária e principalmente jurisprudencial do tema.

No Bloco 2 a abordagem abandonará o Direito Penal para avançar na Lei de Improbidade Administrativa. Trataremos das condutas defi nidas na Lei n.º 8429/1992 e das ações de improbidade administrativa respectivas, dando foco especial para aquelas que guardam interseção com os crimes anterior-mente estudados. A ideia é permitir uma visão analítica sobre a natureza civil, embora essencialmente sancionatória da lei de improbidade, e suas consequ-ências no plano da política de repressão de tais condutas.

Na parte fi nal do curso, o terceiro bloco, trataremos de algumas disposi-ções processuais, de caráter geral, aplicáveis ao particular e/ou funcionário público que comete um crime contra Administração Pública ou um ato de improbidade administrativa. Especifi camente, trataremos da questão atinen-te ao foro por prerrogativa de função, ou foro privilegiado, muito frequente nos crimes contra a administração pública, e sua controvertida aplicação nas ações de improbidade administrativa.

METODOLOGIA DAS AULAS

Cada aula terá como ponto de partida um caso real, retirado de alguma notícia de jornal e/ou vídeo, que será alvo de discussão entre os alunos e professor. O aluno deverá realizar uma leitura prévia da apostila referente à aula do dia para que esteja apto a participar dos debates provocados pelo professor, tornando a aula mais produtiva e interessante para todos da turma. Esta metodologia tem como fi nalidade trabalhar a capacidade do aluno em relacionar o conhecimento teórico proveniente da leitura ao caso concreto, construindo uma análise e refl exão profunda da realidade da aplicação e efi -cácia do direito nos dias atuais, aprimorando sua capacidade de raciocínio lógico-jurídico.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 5

AVALIAÇÃO

A avaliação divide-se em atividades obrigatórias e facultativas. As primei-ras compreendem duas provas dissertativas individuais sobre o conteúdo discutido em sala de aula e sob re a bibliografi a obrigatória. As atividades facultativas, sujeitas exclusivamente à avaliação positiva, são a execução das atividades complementares específi cas de cada aula, a apresentação oral de casos ou de bibliografi a complementar.

BIBLIOGRAFIA

Recomendamos ao aluno a leitura de um manual de doutrina que o au-xiliará na sedimentação dos conceitos, especialmente no bloco 1 do curso. Sugerimos as obras de Cezar Roberto Bitencourt (Tratado de Direito Penal, Vol. 5, Saraiva) ou de Rogério Greco (Curso de Direito Penal, Vol. 4, Ed. Im-petus). O acompanhamento dos capítulos pertinentes destes autores é leitura obrigatória, salvo quando expressamente indicada outra fonte. Paralelamente poderemos sugerir leitura complementar.

No bloco 2 e 3 a leitura obrigatória virá na forma de textos avulsos que serão disponibilizados aos alunos.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 6

BLOCO I — CRIMES CONTRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

AULA 01: DOS CRIMES COMETIDOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA — CONCEITOS FUNDAMENTAIS

1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O Código Penal Brasileiro dedica-se, a partir do Título XI, a tratar dos Crimes contra a Administração Pública, com o fi to de protegê-la das condu-tas lesivas de seus servidores, bem assim, de particulares que se relacionam com a Administração. Dentro do amplo conceito que confere ao tema da Administração Pública, especifi ca ainda condutas lesivas à administração es-trangeira, à administração da justiça e às fi nanças públicas. De maneira geral, os tipos têm como objetividade jurídica o interesse da normalidade funcio-nal, probidade, prestígio, incolumidade e decoro da Administração Pública. Posto isto, nosso legislador seguiu o modelo tradicional na hora de classifi -car os crimes praticados contra a Administração Pública, separando-os entre aqueles cometidos por funcionários ou por particulares, de forma comissiva ou omissiva, causando ou expondo a perigo de dano a função pública. A par deste rol codifi cado, lei s extravagantes ainda trazem condutas da mesma es-pécie. No presente curso, vamos estudar especifi camente alguns destes crimes tratados na Lei 8666, Lei das Licitações.

O Código Penal Brasileiro prevê, do Art. 312 até o Art.326, os crimes cometidos por funcionários públicos contra Administração Pública. Estes crimes tem a característica essencial de serem delicta in offi cio, isto é, são crimes essencialmente funcionais em que a situação de funcionário público é elementar para caracterização do tipo penal em questão. Trata-se de crimes próprios, isto é, exigem que no pólo ativo esteja um funcionário público, na condição de autor, coautor ou partícipe.

Por esta razão diante de uma conduta que objetivamente se subsuma à descrição típi ca, mas ausente a condição de funcionário público do agente que a pratica, o fato se torna atípico ou, eventualmente, sofre uma desclassi-fi cação para um crime comum.

É o que acontece, por exemplo, nos crimes de prevaricação, previsto no art. 319 do CP, em que se pune o funcionário que retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou que o pratique contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Co mprovando-se que o age nte não exercia cargo, emprego ou função pública, trata-se de absoluta ati-picidade da conduta. Já na hipótese do peculato-furto, por exemplo, disposto no art. 312, §1, do CP, se aquele que subtrair um bem móvel pertencente

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 7

1 Revista da EMERJ, v. 13, nº 52, 2010.

p.39.

à Administração Pública não ostentar o status de funcionário público estará enquadrado no crime de furto comum, previsto no art. 155, igualmente do CP. A ausência da condição de funcionário público provoca a desclassifi cação do crime para outra espécie. Neste caso, a doutrina classifi ca o crime funcio-nal como um crime funcional impróprio (porque ele guarda uma relação de especi alidade em relação a um tipo mais genérico).

2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Vamos partir de uma defi nição básica de Administração Pública, latu sensu, que nos ajudará a delimita r, posteriormente, o conteúdo de nossa disciplina.

Primeiramente é importante frisar que quando o direito penal ou qual-quer outra ordem normativa sancionatória se volta à tutela da administração pública não pretende proteger diretamente o Estado, mas sim o funciona-mento de seus órgãos, num conceito mais amplo, compreendendo toda a administração estatal dos três Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário).

Álvaro Mayrink da Costa, desembargador aposentado do TJ/RJ, ao tratar do assunto na palestra proferida na 204ª reunião do Fórum Permanente de Execução Penal — EMERJ, realizada 04.11.2010, citou Sanderlli para escla-recer tal conceito. Segundo ele:

“Sanderlli ressalta, numa visão contemporânea, que as funções funda-mentais do Estado objetivam estabelecer novas regras, gerais e abstratas (legislativa), cuidar dos interesses públicos que lhe são próprios (admi-nistrativa), valorar o comportamento humano com patamar normativo (judiciária) e determinar a orientação política (governo). A expressão ad-ministração pública não está empregada no sentido técnico do direito ad-ministrativo ou constitucional dada a maior amplitude, compreensivo da atividade total do Estado e de outros entes públicos. Anoto que o objeto jurídico da tutela penal é a normalidade funcional, a probidade, o prestí-gio e o decoro da administração pública. Por outro lado, observo que o con-ceito de administração pública, quando empregado pelo legislador penal, não tem que obrigatoriamente coincidir com a noção administrativista, entendido em sentido funcional, como o conjunto, historicamente variá-vel, das funções próprias do Estado, objetivando o bom funcionamento da vida comunitária. Portanto, repetindo Chiarotti, a Administração Pública abarca toda a atividade estatal como conjunto de entes que desempenham funções públicas e toda e qualquer atividade desenvolvida para a satisfação do bem comum.”1

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 8

2 Art. 327, Código Penal Brasileiro:

Considera-se funcionário público, para

os efeitos penais, quem, embora transi-

toriamente ou sem remuneração, exer-

ce cargo, emprego ou função pública.

§ 1.º — Equipara-se a funcionário

público quem exerce cargo, emprego

ou função em entidade paraestatal, e

quem trabalha para empresa prestado-

ra de serviço contratada ou conveniada

para a execução de atividade típica da

Administração Pública.

§ 2.º — A pena será aumentada

da terça parte quando os autores dos

crimes previstos neste Capítulo forem

ocupantes de cargos em comissão ou

de função de direção ou assessoramen-

to de órgão da administração direta,

sociedade de economia mista, empresa

pública ou fundação instituída pelo

poder público.

3 Article 2: Use of terms for the purpo-

ses of this Convention: a) Public offi cial

shall mean: i) Any person holding a

legislative, executive, administrative

or judicial offi ce of a State Party, whe-

ther appointed or elected, whether

permanent or temporary, whether paid

or unpaid, irrespective of that person’s

seniority; ii) Any other person who

performs a public function, including

for a public agency or public enterprise,

or provides a public service, as defi ned

in the domestic law of the State Party

and as applied in the pertinent area of

law of that State Party; iii) Any other

person defi ned as a «public offi cial» in

the domestic law of a State Party. Ho-

wever, for the purpose of some specifi c

measures contained in chapter II of this

Convention, «public offi cial» may mean

any person who performs a public

function or provides a public service as

defi ned in the domestic law of the Sta-

te Party and as applied in the pertinent

area of law of that State Party;

3. FUNCIONÁRIO PÚBLICO

Importante também delimitar o conceito de funcionário público adotado no Direito Penal Brasileiro. Inicialmente a persistência da expressão funcioná-rio público, quando a Constituição emprega servidor público. São expressões que, na essência, basicamente se equivalem, mas diferentemente do Direito Administrativo, o funcionário público, para fi ns penais, caracteriza-se pelo exercício da função pública, prevalecendo, no conceito, a natureza da função exercida. A defi nição vem expressa na norma de caráter explicativo constante do art. 327 do CP2, valendo-se de um critério objetivo pelo qual funcioná-rio público é todo aquele no exercício de cargo público (regime estatutário, abrangendo cargos efetivos ou em comissão), emprego público (regime cele-tista, subordinado as normas da CLT) ou função pública (exercício de ativi-dades para fi ns públicos), ainda que transitoriamente ou sem remuneração.

Abrange, ainda, os funcionários públicos por equiparação, que seriam aqueles com cargo, emprego ou função em entid ade paraestatal, isto é, em empresas públicas, sociedade de economia mista e fundações. Com a edição da Lei nº. 9.983/2000, houve alteração do §1 do Art. 327, CP, aumentando esse rol para incluir o funcionário que trabalha para empresas prestadoras de serviços contratadas ou conveniadas para execução de atividade típica da Ad-ministração Pública. Contudo, a alteração referida, numa leitura contrária, retira a qualidade de funcionário público daquele que, mesmo trabalhando em empresa contratada ou conveniada ao órgão público, não exerce função típica da Administração.

Para se enquadrar na condição de funcionário público para fi ns penais, é preciso que o funcionário esteja no exercício real e efetivo do cargo, função ou emprego público. Os crimes de corrupção, concussão e exercício funcio-nal ilegalmente antecipado, entretanto, podem ser exercidos antes mesmo do inicio do exercício do cargo, fi cando o funcionário responsável a partir da designação ou posse, entendimento este que está de acordo com o art.2º, alínea a, da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção 3 (CNUCC), assinada pelo Brasil em 09 de dezembro de 2003, tendo sido aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº. 348, de 18 de maio de 2005 e, pelo Decreto 5687, de 31 de janeiro de 2006, passou a vigorar no nosso ordenamento, com força de lei. Isso acontece, porquanto o funcionário público, mesmo ainda antes do exercício da função, coloca-se em situação de praticar condutas que desde então podem lesar ou ameaçar de lesão os bens jurídicos tutelados.

No mais, via de regra, a condição de funcionário público fi nda com a aposentação ou exoneração do cargo. Por exceção, em alguns delitos, como advocacia administrativa e a violação de segredo, o confl ito de interesses pode subsistir após o desligamento formal do serviço público, o que indica como

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 9

4 Article 12: Private Sector. 2. Measures

to achieve these ends may include,

inter alia: e) Preventing confl icts of

interest by imposing restrictions, as

appropriate and for a reasonable period

of time, on the professional activities

of former public offi cials or on the

employment of public offi cials by the

private sector after their resignation

or retirement, where such activities or

employment relate directly to the func-

tions held or supervised by those public

offi cials during their tenure;

5 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes

Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga-

do. p.141

imprescindível a manutenção desta qualidade, mesmo sendo por tempo de-terminado. Neste sentido, o Art.12, 2, e, da CNUCC4 obriga os Estados--Partes a prevenir os confl itos de interesses, impondo restrições apropriadas, durante um período razoável, às atividade s profi ssionais de ex-funcionários públicos e/ou sua contratação pelo setor privado, quando tais estiverem rela-cionadas com a função pública anteriormente desempenhada.

Neste amplo conceito de funcionário público, portanto, enquadram-se todos aqueles que, de qualquer forma atuem na atividade administrativa pú-blica. Desde os mais singelos postos até os mais graduados. Estão, portanto, sujeitos a cometer corrupção, peculato e outros, os concursados, comissio-nados, os que exercem cargos eletivos no Executivo e no Legislativo, e os agentes políticos com vitaliciedade, como juízes e membros do ministério Público. O critério será sempre, portanto, a natureza da atividade e não a natureza do vínculo com o Estado.

Por último, é preciso saber que um particular pode vir a responder por um crime funcional, mesmo sem ostentar a condição de funcionário público. Isto é possível nas situações de concurso de pessoas, quando atuar como co-autor ou partícipe. A qualidade de funcionário público comunica-se ao não funcionário, desde que tal circunstância tenha chegado ao seu conhecimento.

5 Aplica-se, pois, a regra do art.30 do CP, a contrario sensu, uma vez que, por ser a qualidade de funcionário público elementar do tipo, comunica-se aos demais autores e coautores.

4. CASOS PARA DEBATE

Advogado dativo: servidor público ou não?

O Ministério Público ofereceu a denúncia contra um advogado que havia sido designado como defensor dativo em determinado processo criminal. A denúncia narrava que ele teria cobrado honorários advocatícios no valor de R$150 para seu descolamento até a cidade de Erechim, onde estavam encar-cerados os réus do processo em que ele estava atuando. Em primeira instân-cia, o advogado foi condenado pelo crime de concussão e obrigado a prestar serviço comunitário por dois anos.

Em seu apelo, o acusado sustentou que a condição de defensor dativo não se enquadra nessa defi nição, visto que ele exerce apenas um “encargo públi-co”. Assim, o fato descrito na denúncia seria atípico, pois o suspeito não pode ser considerado funcionário público, sendo impositiva a absolvição.

Você daria provimento ao apelo? Por que?

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 10

Diretor de hospital particular credenciado pelo SUS é funcionário público?

O diretor de um hospital particular que atendia a pacientes do SUS foi condenado pelo crime de concussão (art. 316 do CP) por ter cobrado R$ 100 de um paciente pela consulta vinculada ao Sistema Único de Saúde. A pena de dois anos e um mês de restritiva de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos.

A defesa do médico recor reu ao Tribunal, afi rmando que ele não era fun-cionário público e, por isso, não poderia ter sido condenado por concussão. Baseou-se no artigo 327 da Código Penal, que considera funcionário públi-co, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remunera-ção, exerce cargo, emprego ou função pública.

Com base na jurisprudência dos tribunais superiores, vamos decidir esta questão.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 11

AULA 02: PECULATO

1. PECULATO — TIPO PENAL

Art. 312 — Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena — reclusão, de dois a doze anos, e multa. § 1º — Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora

não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato culposo§ 2º — Se o funcionário concorre culposamente para o crime de

outrem:Pena — detenção, de três meses a um ano.§ 3º — No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se pre-

cede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

Pec ulato mediante erro de outremArt. 313 — Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que,

no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:Pena — reclusão, de um a quatro anos, e multa.Inserção de dados falsos em sistema de informaçõesArt. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a in-

serção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados cor-retos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Adminis-tração Pública com o fi m de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Modifi cação ou alteração não autorizada de sistema de informa-ções

Art. 313-B. Modifi car ou alterar, o funcionário, sistema de in-formações ou programa de informática sem autorização ou solici-tação de autoridade competente:

Pena — detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multaParágrafo único. As penas s ão aumentadas de um terço até a me-

tade se da modifi cação ou alteração resulta dano para a Administra-ção Pública ou para o administrado.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 12

2. PECULATO NA IMPRENSA:

Gurgel confi rma denúncia de peculato e falsifi cação contra Renan Calheiros

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, confi rmou que o sena-dor Renan Calheiros (PMDB-AL) é acusado dos crimes de peculato, falsida-de ideológica e utilização de documentos falsos, na denúncia apresentada na semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Gurgel explicou que o peculato diz respeito ao desvio da verba de repre-sentação a que os senadores têm direito, cujo uso tem que ser comprovado, e que Renan teria usado para fi ns pessoais. “Ele [Renan] comprovou isso com notas frias, o serviço na verdade não foi prestado, por isso caracteriza pecu-lato a apropriação desses recursos públicos, já que não foram utilizados na fi nalidade indicada nas notas”, disse Gurgel. O teor da denúncia foi revelado esta semana pela revista “Época”.

Questionado sobre o fato de a denúncia ter sido apresentada uma semana antes da eleição para a presidência do Senad o, que deve ser ocupada por Re-nan, Gurgel declarou: “O Ministério Público não tem como fi car subordina-do às conveniências do calendário político, realmente não tem.”

De acordo com ele, havia duas alternativas: oferecer a denúncia antes da eleição para a presidência do Senado, como foi feito, ou aguardar para ofere-cer depois. Se a estratégia tivesse sido outra, falou Gurgel, “certamente se afi r-maria que a PGR não teria oferecido a denúncia antes para evitar qualquer embaraço à eleição do senador Renan”.

O procurador concluiu: “Então eu preferi apresentar antes.” Gurgel tam-bém culpou o mensalão pela demora na tramitação do caso — o inquérito contra Renan chegou ao STF em 2007. “Se não tivesse o mensalão, provavel-mente essa denúncia teria sido oferecida antes.”

O procurador afi rmou que não chegou a conversar sobre a denúncia com o ministro Ricardo Lewandowski, relator do caso no STF. De acordo com ele, o caso corre em segredo de justiça porque envolve quebra de sigilo fi scal e bancário.

Fonte: Economia/Uolhttp://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2013/02/01/gurgel-

-confi rma-denuncia-de-peculato-e-falsifi cacao-contra-renan.htm

3. ESPÉCIES DE PECULATO DO ART. 312

O Código Penal Brasileiro subdividiu o peculato em diversas modalida-des. Nada obstante, todas elas são espécie de crime próprio em relação ao

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 13

6 STJ. RHC 12506/MG, Rel. Min. Gilson

Dipp, 5ªT., LEXSTJ 162, p.259.

7 Exceção no Decreto Lei 201/67 que

defi ne crimes praticados por Prefeitos

e que prevê expressamente a modali-

dade de peculato de uso no art. 1º, II:

Art. 1º São crimes de responsabilidade

dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao

julgamento do Poder Judiciário, inde-

pendentemente do pronunciamento da

Câmara dos Vereadores: I — apropriar-

-se de bens ou rendas públicas, ou des-

viá-los em proveito próprio ou alheio;

Il — utilizar-se, indevidamente, em

proveito próprio ou alheio, de bens,

rendas ou serviços públicos; (...).

8 STJ. HC 94168/MG, Minª. Jane Silva

[Drsª. Convocada do TJ/MG], 6ª T., DJ

22/04/2008, p.1.

sujeito ativo, exigindo a condição de funcionário público como característica especial do agente — condição que é de caráter pessoal e elementar do crime.

6 Admite-se, no entanto, a comunicação ao particular que tenha concorrido para o ato criminoso, devendo este apenas conhecer a condição de funcioná-rio público do concorrente. Segundo se extrai da redação do Art. 312, caput, o objeto material poderá ser dinheiro (moeda metálica ou papel em curso legal no Brasil ou no estrangeiro), valores (qualquer título, papel de crédito ou documento negociável conversível em dinheiro ou mercadoria, apólices, letras de câmbio, títulos da dívida pública, notas promissórias, cartões de garantia ou crédito), ou outro qualquer bem móvel (toda coisa passível de remoção e dotada de utilidade).

Peculato-apropriação

É a mais tradicional espécie, prevista na primeir a parte do caput e carac-teriza-se pela apropriação, realizada pelo funcionário público, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio. E expressão apropriação denota o dolo especial de tornar-se dono da coisa, de inverter o título dominial sobre a coisa, daí estarem excluídas as hipóteses em que o funcionário toma o bem apenas para fazer uso temporário dele (peculato de uso). Neste caso, o fato é atípico7. A mera utilização da coisa, por curto espaço de tempo, seguida da sua devolução, não confi gura ilícito penal, tão somente administrativo, além de ato de improbidade administrativa. 8

A consumação, assim, ocorre no momento em que o agente retira a coisa da esfera de disponibilidade da vitima ou a emprega em fi ns diversos daqueles próprios ou regulares, ainda que não haja dano efetivo a Administração Pú-blica e nem que resulte em proveito próprio ou para terceiros.

É importante acrescentar que se utiliza o termo “posse” no sentido amplo, abrangendo também a disponibilidade jurídica da coisa, sem necessidade de apreensão material.

Visto tratar-se de crime funcional impróprio, caso ausente a elementar do tipo ligada à condição de funcionário público, desclassifi ca-se a conduta para apropriação indébita (art. 168) e não mais de peculato-apropriação.

Peculato-desvio

Crime instantâneo que se confi gura com a ação de desviar, isto é, mudar de direção, alterar o destino ou a aplicação, o bem móvel de que tem o agente a posse, empregando-o em fi m diverso ao que se destinava, não se exigindo

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 14

9 Exceção no Decreto Lei 201/67 que

defi ne crimes praticados por Prefeitos

e que prevê expressamente a modali-

dade de peculato de uso no art. 1º, II:

Art. 1º São crimes de responsabilidade

dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao

julgamento do Poder Judiciário, inde-

pendentemente do pronunciamento da

Câmara dos Vereadores: I — apropriar-

-se de bens ou rendas públicas, ou des-

viá-los em proveito próprio ou alheio;

Il — utilizar-se, indevidamente, em

proveito próprio ou alheio, de bens,

rendas ou serviços públicos; (...).

10 STJ. HC 94168/MG, Minª. Jane Silva

[Drsª. Convocada do TJ/MG], 6ª T., DJ

22/04/2008, p.1.

para sua confi guração o fi m específi co de apropriação inerente da modalidade peculato-apropriação.

Em relação ao momento da consumação há duas posições: a primeira sus-tenta ocorrido o crime, independentemente de proveito efetivo por parte do agente ou prejuízo para a vítima. Entretanto, a segunda corrente e a adota-da pelo STJ (AgRg. No Ag. 905635/SC, Rel. Min. Nilson Naves, 6ª T., j. 16/09/2008) sustenta que o peculato na modalidade desvio, por tratar-se de crime material, exige o prejuízo efetivo para administração pública para sua consumação.

Peculato-furto

Cuida-se de crime de peculato em sua forma imprópria em que o agen-te, valendo-se da facilidade que a qualidade de funcionário público lhe proporciona, subtrai ou concorre para subtração de bem pertencente à Administração Pública. Para confi guração do delito peculato-furto, nestes termos, o agente não pode ter a posse do bem, exigindo-se, todavia, que a sua qualidade de funcionário facilite a prática da subtração, tanto por ele, quanto por terceiro.

A distinção entre esta modalidade e a prevista no Código Penal no Art. 155 é a qualidade de funcionário público, elemento especializante. O desvalor da conduta é maior no furto cometido ou facilitado por funcionário público em detrimento da Administração Pública por não levar em conta apenas o aspecto patrimonial como também a moralidade administrativa, por meio da quebra ou abuso de confi ança pública. Exige-se dolo na conduta do agente, dirigido à vontade de ter a coisa como sua. Se inexistente, a conduta será atí-pica, podendo, eventualmente, tratar-se de hipótese de peculato de uso (vide nota anterior), que não é crime à luz do CP9. A mera utilização da coisa, por curto espaço de tempo, seguida da sua devolução, não confi gura ilícito penal, tão somente administrativo, além de ato de improbidade administrativa. 10

Peculato-culposo

Ocorre sempre que o agente público, que tenha o dever de guarda sobre o bem de propriedade da administração, aja de forma descuidada, oportuni-zando a subtração ou apropriação do bem por terceiro, funcionário público ou não. Um exemplo seria no caso do funcionário que, por negligência, es-quece de trancar porta de um estabelecimento em que são guardados bens públicos e, consequentemente, estes são furtados.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 15

11 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao

código penal, v. IX, p.354.

É a única modalidade em que a reparação do dano antes do trânsito em julgado resulta na extinção de punibilidade. No entanto, para esse efeito, a reparação deverá ser completa, ainda que levada a efeito por terceiro, caso em que, igualmente, se extingue a punibilidade.

4. AÇÃO PENAL

A ação penal sempre será pública e incondicionada, não precisando, para ser proposta, aguardar eventual julgamento da ação civil de improbidade ad-ministrativa proposta em virtude da mesma situação fática.

A competência sempre será da Justiça Federal nos casos em que atinja os bens, interesses e serviços da União, bem como suas autarquias e empresas públicas. Não sendo este o caso, a competência entrará na esfera da Justiça Estadual.

No que tange à modalidade culposa, compete, inicialmente, ao Juizado Especial Criminal o processo e o posterior julgamento. Ademais, será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo.

5. ART. 313 — PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM

Modalidade mais rara e, neste caso, o dolo do funcionário é supervenien-te à conduta de terceiro que, por erro, entrega àquele o bem. O dever do servidor neste caso é sanar o erro, comunicando a quem de direito. Se não o faz, incide no crime. Assim sendo, para caracterização do tipo penal em comento é necessário que o agente saiba que se apropria indevidamente de coisa que lhe foi entregue por erro. Não há previsão para modalidade culposa. Igualmente, o erro mencionado no texto do dispositivo deve ser considerado como qualquer entendimento equi vocado da realidade por parte da vitima. Assim, nas palavras de Nelson Hungria:

“É indiferente a causa do erro: ignorância, falso conhecimento, de-satenção, confusão, etc. Pode ele versar: a) sobre a competência do fun-cionário para receber; b) sobre a obrigação de entregar ou prestar; c) so-bre o quantum da coisa a entregar (a entrega é excessiva, apropriando-se o agente do excesso). O tradens pode ser um extraneus ou mesmo outro funcionário (também no exercício de seu cargo). Pode acontecer que o funcionário accipiens venha a dar pelo erro do tradens só posteriormen-te ao recebimento, seguindo-se, só então, a indébita apropriação (dolus superveniens)”. 11

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FGV DIREITO RIO 16

12 STJ. HC 1000062/SP, Relª. Minª. Lauri-

ta Vaz, 5ª T., j. 29/04/2009.

6. ARTS. 313-A E 313-B— PECULATO ELETRÔNICO

Os delitos incluídos pela Lei n.º 9.983, de 14 de julho de 2000, trouxe-ram consigo uma inovação em relação ao seu modus operandi, já que se refe-rem a quem se utiliza de sistemas informatizados ou bancos de dados. Essa nova forma de incriminação tem por objetividade jurídica a Administração Pública, particularmente a segurança do seu conjunto de informações e ban-co de dados, inclusive no meio informatizado que, para a segurança de toda a coletividade, devem ser modifi cadas somente nos limites legais.

(A) Inserção de dados falsos em sistema de informações

Art. 313-A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fi m de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

São duas as condutas descritas no caput do artigo: a primeira, quando o funcionário autorizado insere (introduzir, colocar, acrescentar) ou facilita a terceiro o acesso, físico ou virtual, ao sistema, de modo que consiga inserir dados falsos. A segunda espécie, quando há alteração (modifi car, mudar) ou exclusão (retirar, suprimir, apagar) indevida de dados verdad eiros.

Exige-se um especial fi m de agir: a comprovação da vontade livre e cons-ciente do funcionário na inserção de dados falsos em banco de dados com intuito de defraudá-lo para obter a vantagem indevida, seja para si ou para outrem, ou para causar prejuízo à terceiro.

O crime é próprio e exige que o sujeito ativo seja um funcionário público detentor de uma peculiaridade: que tenha acesso a uma área restrita, median-te senha ou qualquer outro comando, que não seja autorizada para outros funcionários. Entretanto, nada impede que aja em concurso com outro fun-cionário não autorizados ou com particular, devendo todos responder pelo mesmo crime. Se o funcionário publico não autorizado praticar alguma das condutas descritas no caput do Art. 313-A, por si só, responderá pelo crime previsto no Art. 297 ou 299 do Código Penal. 12

É crime formal, não precisando, portanto, do dano efetivo para sua con-sumação.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 17

13 -RHC 116197 / DF — DISTRITO FEDE-

RAL / RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS

CORPUS / Relator(a):  Min. LUIZ FUX /

Julgamento:  11/06/2013                Órgão

Julgador:  Primeira Turma

(B) Modificação ou alteração não autorizada de sistema de informação

Art. 313-B. Modifi car ou alterar, o funcionário, sistema de infor-mações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:

Pena — detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modifi cação ou alteração resulta dano para a Administração Pú-blica ou para o administrado.

Nesta fi gura o sujeito ativo poderá ser qualquer funcionário e não apenas o autorizado, como determina o Art. 313-A, CP. Além disso, neste caso o dolo é simplesmente o de modifi cação do sistema, ausente o especial fi m de agir.

Cuida-se, portanto, de crime de perigo, que busca proteger apenas a inte-gridade dos sistemas e programas de informática da Administração Pública. Em tese, até mesmo a alteração ou modifi cação que for feita para o aperfei-çoamento do sistema, sem a prévia autorização, poderá confi gurar o crime em questão. O fato de causar dano é apenas causa de aumento de pena, nos moldes do parágrafo único.

7. QUESTÕES CONTROVERTIDAS PARA O DEBATE:

Princípio da Insignificância e Peculato

Sobre o tema da insignifi cância, o STF acabou sedimentando balizas para sua aplicação, exigindo, cumulativamente, as seguintes condições objetivas: (a) mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento, e (d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.13 Considerando-se estas premis-sas e a natureza do crime em estudo, você considera aplicável o princípio em questão ao crime de peculato?

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃOPÚBLICA. PECULATO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBI-LIDADE. PRECEDENTES. 1. O entendimento fi rmado nas Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que não se aplica o princípio da insignifi cância aos crimes contra a Admi-

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 18

nistração Pública, ainda que o valor da lesão possa ser considerado ínfi mo, uma vez que a norma visa resguardar não apenas o aspecto patrimonial, mas, principalmente, a moral administrativa. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ. HC 1275835 SC 2011/0212116-0, Relator: Ministro ADILSON VIEIRA MACABU (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RJ), Data de Julgamento: 11/10/2011, T5 — QUINTA TURMA, Data de Pu-blicação: DJe 01/02/2012)

EMENTA 2: EMENTA: RECURSO ESPECIAL. PENAL. ARTS. 71 E 155, § 4º, CP. FURTO Q UALIFICADO. CONTINUIDADE DELITIVA. BOLSA FAMÍLIA. SAQUES FRAUDULENTOS. PRINCÍPIO DA IN-SIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. CONDUTA TÍPICA PERPE-TRADA CONTRA PROGRAMA ESTATAL QUE BUSCA RESGATAR DA MISERABILIDADE PARCELA SIGNIFICATIVA DA POPULAÇÃO. MAIOR REPROVAÇÃO. CONTINUIDADE DELITIVA. NÚMERO DE INFRAÇÕES IMPLICA MAIOR EXASPERAÇÃO DE PENA. AUSÊN-CIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211/STJ. 1. Estagiário de órgão público que, valendo-se das prerrogativas de sua função, apropria-se de valores subtraídos do programa bolsa-família subsume-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 312, § 1º, do Cód igo Penal — peculato-furto —, porquanto estagiário de empresa pública ou de entidades congêneres se equipara, para fi ns penais, a servidor ou funcionário público, lato sensu, em decorrência do disposto no art. 327, § 1º, do Código Penal. 2. No caso, a ora recorrente foi denunciada e condenada por furto qualifi cado, descrito no art. 155, § 4º, II, e 71 do Código Penal, portanto, a meu ver, as instâncias de ori-gem contraditaram a melhor hermenêutica jurídica. 3. Indevida a incidência do princípio da insignifi cância em decorrência de duplo fundamento: pri-meiro, o quantum subtraído, qual seja, R$ 2.130,00 (dois mil, cento e trinta reais), não pode ser considerado irrisório; e, segundo, além de atentar contra a Administração Pública, o delito foi praticado em desfavor de programa de transferência de renda direta — Programa Bolsa Família — que busca resgatar da miserabilidade parcela signifi cativa da população do País, a tornar mais de-sabonadora a conduta típica. 4. Na continuidade delitiva, leva-se em conside-ração o número de infrações praticadas pelo agente ativo para a exasperação da pena (art. 71 do CP). 5. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. 6. Recurso especial improvido.(STJ/ Sexta Turma/ Rel. Sebastião Reis Júnior/ RESP 201200210342DJE DATA:06/08/2012..DTPB)

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FGV DIREITO RIO 19

EMENTA 3: CRIMINAL. HC. PECULATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. ATIPICIDADE. INOCORRÊNCIA. DELITO FORMAL. MOMENTO CONSUMATIVO. DESTINAÇÃO DIVERSA AO BEM PÚBLICO. MAQUINÁRIO NÃO DEVOLVIDO. INEXISTÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE ÂNIMO DE RESTITUIÇÃO DO BEM. POS-SIBILIDADE DE CORREÇÃO DA CAPITULAÇÃO LEGAL. ORDEM DENEGADA. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhe-cida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indí-cios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. O peculato consuma-se no momento em que o funcionário público, em razão do cargo que ocupa, dá destino diverso ao dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, empregando-os com fi ns que não os próprios ou regulares, sendo irrelevante que o agente ou terceiro obtenha vantagem com a prática do de-lito. Precedentes. Evidenciado que a máquina retro-escavadeira não chegou a ser devolvida ao órgão público, tendo sido apreendida em razão de mandado judicial, no momento da realização do preparo do terreno particular, não resta demonstrado o ânimo dos acusados em restituir o bem. A brusca inter-rupção do feito, conforme pleiteado, não se faz possível em sede de habeas corpus, pois o enquadramento da conduta do acusado ao tipo descrito na denúncia pode ser modifi cado durante a instrução processual, sob o pálio do contraditório e da ampla defesa. V. Ordem denegada.

(STJ. HC 37202 RJ 2004/0106274-6, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 02/03/2005, T5 — QUINTA TURMA, Data de Pu-blicação: DJ 28.03.2005 p. 298)

EMENTA 4: RECURSO ESPECIAL. PECULATO. DESCLASSIFI-CAÇÃO PARA APROPRIAÇÃOINDÉBITA. CARACTERIZAÇÃO DA EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE DE O TRIBUNAL DAR NOVA CLASSIFICAÇÃO AOS FATOS JURÍDICOS NARRADOS NA DENÚNCIA.1. Sobrevindo o aditamento à denúncia, o julgador fi ca adstrito aos seus limites, ou seja, aos fatos tal como narrados no aditamento, então à capitulação jurídica indicada pelo Ministério Público. 2. A desclassifi cação do crime de peculato para o crime de apropriação indébita caracteriza emendatio libelli, passível de ser feita pelo Tribunal de Justiça, desde que não implique reformatio in pejus. 3. Denunciado o agente pelo crime do art. 312 do Código Penal, não há vedação à desclassifi cação da conduta e à condenação pelo crime do art. 168, § 1º, inciso III, do Código Penal, na hipótese de não estar confi gu-rada a elementar do tipo “funcionário público”, até porque a resposta penal do delito de apropriação indébita é menor que a do crime de peculato.312Código Penal168§ 1ºIIICódigo Penal4. Recurso especial provido.

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FGV DIREITO RIO 20

(STF. Resp 1221433 MG 2010/0190551-5, Relator: Ministro MARCO AU RÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 23/04/2013, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2013)

EMENTA 5: PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 5º, XLVI E 9 3, IX, DACONSTITUIÇÃO REPUBLICANA. IN-COMPETÊNCIA DESTA CORTE SUPERIOR. DELITO DE PECU-LATO DESVIO. ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. AUSÊNCIA. EXAME DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS. SÚMULA N.º 7/STJ. PENALIZAÇÃO DA AGENTE NASEARA ADMINISTRATIVA. INDE-PENDÊNCIA DAS INSTÂNCIAS. PENA PRIVATIVADE LIBERDADE REDUZIDA AO MÍNIMO LEGAL. IMPOSIÇÃO DE UMA ÚNICA SANÇÃORESTRITIVA. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 44, § 2º, DO CÓDIGOPENAL. REPRIMENDAS ALTERNATIVAS NÃO IMPUGNADAS. SÚMULA N.º 284/STF.AGRAVO REGIMEN-TAL DESPROVIDO.72841. Consoante fi rme orientação jurisprudencial, não se afi gura possível apreciar, em sede de recurso especial, suposta ofensa a artigos da Constituição Federal. O prequestionamento de matéria essen-cialmente constitucional pelo STJ implicaria usurpação da competência do STF. Constituição Federal2. No delito de peculato desvio previsto no art. 312, 2ªparte, do Código Penal, o elemento subjetivo do tipo consiste em desviar, em prov eito próprio ou alheio, o bem móvel de que de que tem o agente a posse, empregando-o em fi m diverso ao que se destinava, não se exigindo para sua confi guração o fi m específi co de apropriação inerente ao peculato apropriação previsto no art. 312,caput, 1ª parte, do Diploma Penalista.312Código Penal3121ª3. Tendo as instâncias ordinárias, após de-tida análise dos autos, constatado que a agravante desviava verbas de outras contas correntes para as contas correntes dos outros dois co-acusados, o que confi gura o crime de peculato desvio, entendimento em sentido contrário a fi m de se afi rmar que a sentenciada não teria agido com dolo, demandaria revolvimento do material fático/probatório dos autos, vedado na presente seara recursal a teor do disposto na Súmula n.º 7/STJ.4. A penalização do empregado na via administrativa com consequente demissão por justa cau-sa, não obsta sua condenação no âmbito penal, dada à independência das instâncias.5. A redução da pena privativa de liberdade importou em conse-quente diminuição das sanções restritivas substitutas, já que serão cumpridas por menor tempo de forma proporcional à sanção corporal imposta.6. Na condenação igual ou inferior a 1 (um) ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a 1 (um) ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.7. In casu, tendo sido a pena imposta à agravante em 2 (dois) anos de reclusão, inviável a fi xação de

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FGV DIREITO RIO 21

tão somente uma pena restritiva de direitos, ante o disposto no art. 44, § 2º, CP. Precedentes.44§ 2ºCP8. Não tendo a defesa impugnado especifi camente as sanções restritivas impostas à sentenciada, incide, na espécie, o óbice con-tido no Enunciado Sumular n.º 284/STF.9. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STJ. AgRg nos EDcl no REsp 11273768 PR 2011/0202897-0, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 13/03/2012, T5 — QUIN-TA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/03/2012)

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FGV DIREITO RIO 22

AULA 03: CONCUSSÃO

1. TIPO PENAL

Art. 316 — Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:

Pena — reclusão, de dois a oito anos, e multa.

2. A CONCUSSÃO NA IMPRENSA — CASOS PARA ESTUDO

Preso em fl agrante auditor fi scal do TCE/MT por crime de concussão

O Ministério Público Estadual, por meio do Grupo de Atuaçã o Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco), prendeu em fl agrante na tarde de hoje (18.09) o auditor público externo do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE/MT), xxxx. Pesa contra ele a acusação do crime de concussão (extorsão praticada por servidor público).De acordo com os promotores do Gaeco, o servidor público estaria exigindo a quantia de R$40 mil do presidente da Câmara Municipal de Ja-ciara, zzz, para emitir relatório favorável da auditoria referente às contas do exercício 2012, de modo a não apresentar irregularidades durante seu julgamento em 2013.

Ao perceber que estava sendo vítima de concussão, o presidente da Câma-ra entrou em contato com o Gaeco há cerca de duas semanas pedindo pro-vidências. Foi orientado a ceder a pressão caso fosse procurado novamente. No dia de ontem (18.09), houve um novo contato por parte do auditor que estabeleceu que o pagamento deveria ser feito em duas parcelas de R$ 20 mil, sendo a primeira na data de hoje(18.09) e a segunda parcela em 30 dias.

O parlamentar foi instruído pelo auditor a colocar o dinheiro dentro de uma caixa, constando o seu nome como destinatário, e enviá-la de ônibus de Jaciara para Cuiabá. A prisão aconteceu no momento em que o servidor público retirou o volume na rodoviária de Cuiabá, em cujo interior estaria a quantia exigida como propina.

O funcionário foi encaminhado para a delegacia de Polícia Fazendária de Cuiabá para confecção do auto de prisão em fl agrante e fi cará a disposição da Justiça. Caso condenado, ao servidor poderá ser imposta a pena de 2 a 8 anos de reclusão, além de perda da função pública.

Fonte: JusBrasilhttp://mp-mt.jusbrasil.com.br/noticias/100064856/preso-em-fl agrante-

-auditor-fi scal-do-tce-mt-por-crime-de-concussao

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FGV DIREITO RIO 23

SALINÓPOLIS: MP denuncia vereadora por crime de concussão

O Ministério Público do Estado, por meio do promotor de justiça, de-nunciou a vereadora de Salinópolis, Fulana de Tal, e mais duas pessoas, pelo crime de concussão, que ocorre quando o agente público exige, para si ou para outra pessoa, vantagem indevida. A pena prevista é de reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Fulana de Tal é vinculada ao mesmo partido pelo qual o atual prefeito de Salinópolis, foi eleito. Porém, após o prefeito mudar de partido, a vereadora assumiu papel de oposição e passou a cobrar da administração pública trans-parência total de tudo que estivesse relacionado à esfera pública. Com isso, Fulana passou a presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instau-rada para averiguar os supostos atos ilícitos do prefeito.

Como a vereadora denunciada possuía muitas dívidas, passou a tirar pro-veito do fato de o prefeito estar sendo investigado pela Câmara Municipal e se ofereceu para votar conforme os interesses dele. A intenção de Fulana, nessa situação, era arrecadar dinheiro para quitar suas dividas com o partido, pedir concessão de um carro e dinheiro para investir na próxima campanha eleitoral. Com isso, a parlamentar solicitou ao prefeito, por intermédio do também acusado Sicrano, uma quantia de cem mil reais para não votar pelo afastamento do prefeito na votação da Câmara, mas o prefeito entregou ape-nas vinte e cinco mil reais para a vereadora. Apesar do valor inferior, com a quantia em mãos, Fulana disse em seu discurso na Câmara que gostaria apenas dos esclarecimentos dos fatos. Posteriormente, a vereadora entrou em contato novamente com o prefeito cobrando os setenta e cinco mil reais res-tante, porém, dessa vez, quem intermediou a ação foi a assessora da vereado-ra, Beltrana.

O prefeito denunciou o caso à policia, que determinou que o Núcleo de Inteligência Policial (NIP) tomasse conta do caso. Com a autorização da justiça os telefones das acusadas e das vítimas foram grampeados e assim, a partir de uma conversa entre ambas as partes, foi comprovado a participação dos acusados no crime.

Fulana e Beltrana foram presas em fl agrante delito quando recebiam o res-tante da quantia solicitada. Em defesa, os acusados falaram que estavam ten-tando comprovar as falcatruas do prefeito, porém, fi cou claro para a polícia que se o intuito dos acusados fosse realmente denunciar o prefeito, isso teria sido feito no momento em que os vinte e cinco mil reais foram entregues.

Fonte: JusBrasilhttp://mp-pa.jusbrasil.com.br/noticias/3143846/salinopolis-mp-denun-

cia-vereadora-por-crime-de-concussao

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 24

14 STJ. RHC 10853 RS 2000/0142597-8,

Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data

de Julgamento: 17/05/2001, T5 —

QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ

01/04/2002 p. 187.

3. SOBRE O CRIME

A concussão é uma espécie de extorsão praticada pelo funcionário públi-co. A conduta típica é a do funcionário que, valendo-se do temor genérico da autoridade que ostenta, exige (ordenar; reclamar imperiosamente; impor como obrigação) vantagem indevida para si ou para outrem. O verbo n úcleo do tipo — exigir — pressupõe um vítima que possa a vir, eventualmente a ceder por temer represálias por parte do funcionário em decorrência de sua condição de autoridade, embora a capitulação da vítima não seja elementar do tipo. O núcleo do tipo penal, deste modo, é a exigência de vantagem inde-vida em ra zão do emprego, cargo ou função pública que o funcionário exerce.

Trata-se de crime funcional impróprio já que, ausente a condição de fun-cionário público no polo ativo, a fi gura pode se deslocar para o tipo previsto no artigo 158 do CP. Admite a participação ou coautoria de particular nos casos, por exemplo, em que a ocorrência da exigência acontece por intermé-dio do particular, em conluio com funcionário público.

O sujeito passivo, sempre será o Estado e, secundariamente, o particular intimidado. Isso porque a conduta descrita ofende principalmente o interesse estatal no que diz respeito ao normal desenvolvimento de sua atividade.

A espécie visa a proteger o normal desenvolvimento dos encargos funcio-nais, por parte da Administração Pública e na conservação e tutela do decoro desta. De forma secundária, protege a liberdade do particular e, eventual-mente seu patrimônio, a depender da natureza da exigência efetuada. 14

3.1 Exigência

O ato de exigir denota imposição, ordem, determinação. Poderá ser expli-cito, isto é, se feito de maneira clara, ou implícito, realizado de forma velada. Nas palavras de Nelson Hungria:

“Essa exigência pode ser formulada diretamente, a viso aperto ou facie ad faciem, sob ameaça explicita, ou implícitas represálias (imedia-tas ou futuras), ou indiretamente, servindo-se o agente de interposta pessoa, ou de velada pressão, ou fazendo supor, com maliciosa ou falsas interpretações, ou capciosas sugestões, a legitimidade da exigência. Não se faz mister a promessa de infl igir um mal determinado: basta o temor genérico que a autoridade inspira.”

De todo o modo, direta ou indiretamente, o indispensável é que a exi-gência se formule em razão da função do agente. Poderá, ainda, não estar no

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 25

15 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de

direito Penal, v.3, p.315.

16 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes

Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga-

do. p.162

exercício de sua função, mas o simples status de funcionário público já basta para o comportamento se confi gurar típico.

3.2 Vantagem indevida

A forma mais comum de concussão é com recebimento de vantagem eco-nômica indevida, entretanto, poderá ocorrer nos casos em que a vantagem tenha natureza distinta, como, por exemplo, casos de se exigirem favores sexuais, remoção ou promoção, entrega de bens em espécie, etc. Isto porque o crime de concussão, seguindo o entendimento de Júlio Fabbrini Mirabe-te15, não está no Títul o do Código Penal correspondente aos crimes contra o patrimônio, o que nos permite ampliar o raciocínio, a fi m de entender como vantagem indevida, mesmo aquelas sem natureza patrimonial (sentimental, moral, sexual, etc.).

Em suma, tratando-se de elemento normativo do tipo, a vantagem inde-vida deverá ser analisada no caso concreto.

3.3 Consumação e tentativa

Tratando-se de crime formal, a mera exigência da vantagem indevida é su-fi ciente para consumação do crime em questão. Não é necessário, portanto, que a vítima ceda diante da exigência e entregue a vantagem. Neste sentido, fi cou consignado no Resp. 215459/MG: “o crime capitulado no art. 316, caput, do Código Penal é formal, e consuma-se com a mera imposição do paga-mento indevido, não se exigin do consentimento da pessoa que a sofre e, sequer, a consecução do fi m visado pelo agente. O núcleo do tipo é o verbo exigir, sendo formal e de consumação antecipada”.

O caráter formal do crime levou parte da doutrina e da jurisprudência a rechaçar a possibilidade de confi guração da tentativa. A questão não é pací-fi ca, visto que alguns doutrinadores reconhecem a possibilidade da tentativa, desde que, no caso concreto, seja possível o fracionamento iter criminis. Des-ta maneira, segundo orientação de José Paulo Baltazar Junior, “a tentativa é de difícil ocorrência, mas o dado decisivo para admiti-la ou não depende de ser o crime unissubsistente ou plurissubsistente, ou seja, se a conduta pode ou não ser fracionada e não de se tratar de crime formal ou não. Assim, no caso de proposta de concussão — ou de corrupção — feita por carta, bilhete, correio eletrônico ou por interposta pessoa, a tentativa seria possível.” 16

A natureza formal do crime gera algumas consequências na confi guração do fl agrante. Como já visto a mera exigência torna o tipo consumado e, sen-do assim, o recebimento da vantagem é apenas parte da progressão criminosa,

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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17 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes

Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga-

do. p.163

18 Art. 109 da CF.

respondendo o agente por crime único. Desta maneira, nas ocasiões em que a vítima avisa a policia que está sofrendo o achaque, é comum preparar-se uma situação de fl agrante, quando do recebimento da vantagem. Debate-se sobre se trataria ou não de hipótese de prisão em fl agrante, já que, com a anterior exigência da vantagem, o crime estaria consumado. Em termos processuais, há três soluções:

“(a) Nulidade da prisão em fl agrante, por tratar-se mero exaurimento, uma vez que o crime já havia se consumado por ocasião da exigência ou solicitação (STF, HC 80.033-5, Pertence, 1ª T., u., DJ 19.5.00); (b) Regularidade da prisão em fl agrante, entendendo-se que há progressão criminosa, e que o agente responde pelo crime na modalidade receber, na qual foi fl agrado (STJ, HC 2467/RJ, Assis Toledo, u. 5ª T., DJ 24.4.94); (c) regularidade da prisão em fl agrante, na modalidade fi cta.”17

Em suma, independente da posição que se adote, a prisão, em todo caso, só subsistirá se estiverem presentes os pressupostos da prisão preventiva, elen-cados no art. 310, §ú, CP.

No mesmo sentido, também não há possibilidade de falar-se em crime im-possível nas situações de fl agrante esperado, pois, mesmo não tendo recebido a vantagem indevida, o crime confi gurou-se com a exigência (STF, RECR 82.074/PR, Bilac Pinto, 1ª T., DJ 17.10.77).

4. AÇÃO PENAL

A ação penal será sempre púbica e incondicionada. Compete à Justiça Fe-deral processar e julgar os delitos quando praticados por funcionário público federal, no exercício de suas funções e com estas relacionadas18. Isto posto, a competência será da Justiça Federal sempre que os envolvidos forem servi-dores federais e não será afetada mesmo se a vitima secundária for particular.

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO DISCIPLINAR. OBSER-VÂNCIA DO DEVIDO PROCES SO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. ESFERA ADMINISTRATIVA E PENAL. INDEPEN-DÊNCIA. 1. Hipótese em que os recorrentes foram excluídos da Polícia Militar do Estado do Ceará em razão de Processo Administrativo Discipli-nar que apurou conduta tipifi cada como crime (concussão). 2. O processo administrativo disciplinar transcorreu em estrita obediência aos preceitos

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 27

constitucionais e legais, com o exercício regular do contrad itório e da ampla defesa. 3. Não cabe ao Judiciário imiscuir-se no mérito do ato administrati-vo, circunscrevendo-se seu exame apenas aos aspectos da legalidade do ato. Precedentes do STJ. 4. As esferas penal e administrativa são independentes e autônomas e a única vinculação admitida entre elas ocorre se o acusado for inocentado na Ação Penal em face da negativa da existência do fato ou quando não reconhecida a autoria do crime, o que não é o caso dos autos. Nessa linha: RMS 37.964/CE, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Tur-ma, DJe 30.10.2012; RMS 32.641/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ acórdão Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 11.11.2011. 5. Recurso ordinário não provido.(STJ, Segunda Turma, Rel. Herman Benjamin, DJE DATA:07/03/2013..DTPB)

EMENTA 2: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO (ARTIGO 316 DO CÓDIGO PENAL). DEFENSOR DA-TIVO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESEMPENHO DE FUNÇÃO PÚBLICA. ENQUADRAMENTO NO ARTIGO 327 DO CÓDIGO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. De acordo com o artigo 134 da Constituição Federal, a defesa em juízo das pessoas necessitadas é incumbên-cia da Defensoria Pública, considerada instituição essencial à função jurisdi-cional do Estado. Trata-se, portanto, de função eminentemente pública, pois destinada à garantir a ampla defesa constitucionalmente prevista em favor de todos os acusados em processo penal, independentemente da capacidade fi -nanceira de contratação de um profi ssional habilitado. 2. Embora não sejam servidores públicos propriamente ditos, pois não são membros da Defensoria Pública, os advogados dativos, nomeados para exercer a defesa de acusado ne-cessitado nos locais onde o referido órgão não se encontra instituído, são con-siderados funcionários públicos para fi ns penais, nos termos do artigo 327 do Código Penal Doutrina. 3. Tendo o recorrente, na qualidade de advogado dativo, exigido para si vantagem indevida da vítima, impossível considerar a sua conduta atípica como pretendido no reclamo. 4. A simples ausência de juntada aos autos da nota promissória que comprovaria a exigência indevi-da feita pelo recorrente não conduz à falta de justa causa para a persecução criminal, uma vez que o referido documento pode ser anexado ao processo até a conclusão da instrução criminal, sem prejuízo de que a materialidade delitiva seja comprovada por outros meios de prova admitidos. 5. Recurso improvido. (STJ, Quinta Turma, Rel Jorge Mussi, RHC 201201180621, DJE DATA:05/06/2013..DTPB)

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FGV DIREITO RIO 28

AULA 04: CORRUPÇÃO PASSIVA

1. TIPO PENAL

Art. 317 — Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

§ 1º — A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qual-quer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

§2º — Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou infl uên-cia de outrem:

Pena — detenção, de três meses a um ano, ou multa.

2. A CORRUPÇÃO PASSIVA NA IMPRENSA

TJ-ES condena juiz por corrupção passivaPor Victor Vieira

Acusado de ser mandante do assassinato de um colega, o juiz aposen-tado Fulano de Tal foi condenado nessa quarta-feira (24/4) a cinco anos e seis meses de prisão, por corrupção passiva. No entendimento da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, fi cou provado que o réu participava de um esquema de venda de sentenças e benefícios a detentos com a ajuda de um parente. Em outro processo, Fulano é alvo de suspeitas de planejar a execução do juiz Alexandre Martins em março de 2003.

O desembargador Adalto Dias Tristão, que relatou o caso, refor mou a de-cisão da 9ª Vara Criminal da Comarca de Vitória, que havia absolvido o juiz. Segundo o TJ-ES, o réu facilitava a progressão de regime e alvarás de soltura para presos em troca de dinheiro. “Ao que nos sugere, o Ministério Público, a cooptação do juiz da ª Vara Criminal Fulano de Tal visava criar uma rede de assistência jurídica e proteção aos membros das organizações criminosas que porventura fossem levadas aos tribunais”, afi rma o desembargador.

As denúncias do Ministério Público capixaba revelam que um interno da Casa de Detenção de Vila Velha chegou a comprar a liberdade por R$ 20 mil. Após delatar o esquema ilegal, segundo os autos, outro preso foi perse-guido pelos colegas de cela. Para o relator, houve prática de corrupção passiva

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 29

19 STJ — RHC: 7717 SP 1998/0040571-

2, Relator: Ministro GILSON DIPP, Data

de Julgamento: 17/09/1998, T5 —

QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ

19/10/1998 p. 115.

— crime praticado por servidor contra a administração pública, previsto no artigo 317 do Código Penal. Embora não seja funcionário público, o parente do juiz, Sicrano de Tal, também foi condenado por corrupção passiva porque tinha conhecimento da qualidade funcional do outro réu.

De acordo com as denúncias, há indícios de que a dupla tenha benefi ciado detentos entre março de 1998 e junho de 2011. Pela pluralidade de condutas, o desembargador reconheceu o concurso material, que corresponde à aplica-ção cumulativa de penas de reclusão e de detenção. Além dos cinco anos e meio de prisão, o juiz também foi condenado a pagar multa de dois salários mínimos. Seu cúmplice recebeu pena idêntica e a defesa ainda poderá entrar com recurso.

Fonte: Consultor Juridico — ConJur http://www.conjur.com.br/2013--abr-25/juiz-acusado-matar-colega-condenado-corrupcao-passiva

3. SOBRE O CRIME

O crime de corr upção passiva funciona como uma espécie de “acordo” entre o funcionário público e um terceiro, por meio do qual aquele vende ou negocia um ato de ofício. Trata-se de um tipo penal muito parecido com o crime de concussão, já anteriormente estudado, mas ainda assim as diferenças são relevantes.

É que na concussão, o funcionário exige a vantagem, impondo temor e intimidação, e na corrupção, ele apenas solicita ou aceita. Não há temor im-posto, há pedido simples ou acordo de vontades.

O tipo é misto alternativo, e as condutas podem ser: solicitar (pedir, pro-curar, buscar, manifestar o desejo de receber), ou receber (tomar, obter, entrar na posse), ou aceitar promessa (concordar, estar de acordo) de vantagem in-devida. Nas duas ultimas hipóteses há necessariamente uma atuação bilateral, isto é, sempre existirá a fi gura do corruptor e do corrompido, podendo a iniciativa partir do particular, seguindo-se da concordância do funcionário. Já o elemento subjetivo, nas três hipóteses descritas no núcleo do tipo, é o dolo, precisando provar a vontade do agente em receber, solicitar ou aceitar vantagem indevida para si ou para outrem.

É crime próprio quanto ao sujeito ativo, podendo ser cometido apenas por servidor em razão de sua função pública, mesmo que a vantagem só seja recebida após o agente ter deixado a função pública.

É possível a participação de particular no delito de corrupção passiva, face à comunicabilidade das condições de caráter pessoal elementares do crime.19 Caso a iniciativa de oferecer ou promover vantagem indevida ao funcionário público decorra do particular, ele responderá por corrupção ativa, tratando-

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 30

20 HUNGRIA, Nelson, Comentários ao

Código Penal, v. IX, p. 368-369.

21 GRECO, Rogério: Código Penal Co-

mentado, 7ª edição, p. 975.

-se de exceção à teoria monista que rege a matéria de concurso de agentes. A bilateralidade não é, pois, essencial, já que poderá ocorrer hipótese em que o funcionário solicite a vantagem, sem que isso seja aceito pelo particular, ou então, ao contrário, que a oferta seja recusada pelo funcionário, como veremos mais adiante. Ressaltando que o delito de corrupção é, em regra, unilateral, tanto que legalmente existem duas formas autônomas, conforme a qualidade do agente. A existência do crime de corrupção passiva não pres-supõe, necessariamente, o de corrupção ativa. (STJ, CE, Apn. 224/SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 26/02/2004, p. 138)

Não se aplica o principio da insignifi cância ao delito do Art. 327, posição consolidada na jurisprudência, vide RHC 8357 GO 1999/0009250-3, STJ, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 14/04/1999, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.10.1999, tendo em vista tratar-se de crime contra a administração pública e o elevado grau de reprovabilidade acerca da ofensa ao bem juridicamente tutelado.

O ato de ofício objeto da corrupção precisa ser identifi cado, mas é irrele-vante que o ato funcional (comissivo ou omissivo) sobre que versa a venalidade seja ilícito ou licito, isto é, contrário, ou não aos deveres do cargo ou função, como bem ponderou Hungria20.

Nos casos em que o ato praticado pelo funcionário público for ilícito, isto é, ato em contrariedade ao ser dever de ofi cio, ele será mera causa de aumento, confi gurando-se a chamada corrupção própria, prevista no Art. 317, §1, CP.

3.1 Corrupção Privilegiada

É a modalidade mais branda do crime de corrupção passiva, caracterizan-do-se nas situações que o agente deixa de praticar ou retarda ato d e ofi cio, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou infl uência de outrem.

É o famoso “quebra galho”.

4. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA

No que tange a consumação, a corrupção passiva poderá consumar-se em três momentos distintos, dependendo da maneira de como o crime será rea-lizado. Nas palavras de Rogério Grecco21:

“Na primeira modalidade, o delito se consuma quando o agente, efetivamente, solicita, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 31

22 Código Penal, “Art. 316. Exigir, para

si ou para outrem, direta ou indireta-

mente, ainda que fora da função ou

antes de assumi-la, mas em razão dela,

vantagem indevida: Pena — reclusão,

de dois a oito anos, e multa.”; “Art.

317. Solicitar ou receber, para si ou

para outrem, direta ou indiretamente,

ainda que fora da função ou antes de

assumi-la, mas em razão dela, vanta-

gem indevida, ou aceitar promessa de

tal vantagem: Pena — reclusão, de 2

(dois) a 12 (doze) anos, e multa.”

23 Neste sentido Nelson Hungria, Ma-

galhães Noronha, Damásio de Jesus,

entre outros.

vantagem indevida, que, se vier a ser entregue, deverá ser considerada mero exaurimento do crime.

Por meio da segunda modalidade prevista no tipo, ocorrerá a con-sumação quando o agente, sem que tenha feito qualquer solicitação, receber vantagem indevida.

O ultimo comportamento típico diz respeito ao fato de o agente tão-somente aceitar promessa de tal vantagem.”

5. AÇÃO PENAL

A ação penal sempre será pública e incondicionada, não precisando, para ser proposta, aguardar eventual julgamento da ação civil de improbidade ad-ministrativa proposta em virtude da mesm a situação fática.

A competência sempre será da Justiça Federal nos casos em que atinja os bens, interesses e serviços da União, bem como suas autarquias e empresas públicas. Não sendo este o caso, a competência entrará na esfera da Justiça Estadual. Vale ressaltar que nos casos dos militares, a competência será da Justiça Comum, uma vez que o crime de corrupção não está previsto no Código Penal Militar.

No que tange à modalidade privilegiada, compete, inicialmente, ao Jui-zado Especial Criminal o processo e o posterior julgamento. Ademais, será possível a confecção de proposta de suspensão condicional do processo.

6. QUESTÃO RELEVANTE NA COMPARAÇÃO COM A CONCUSSÃO:

Em 2003, a pena dos crimes de corrupção passiva e ativa (artigos 317 e 333 do Código Penal, respectivamente) passou de 1 a 8 anos de reclusão, para 2 a 12 anos de reclusão, por força da alter ação implementada pela Lei 10.763/03. A nova escala penal equiparou o crime de corrupção ao crime de prevaricação, até então o mais grave dos delitos contra a administração públi-ca. A lei alteradora, que partiu do Projeto 116/2002 do Senado tramitou de forma veloz e, como não poderia deixar de ser, criou um impasse lógico no sistema dos crimes ditos funcionais. É que o crime de concussão, previsto no artigo 316 do mesmo Código permaneceu com uma pena inferior de dois a oito anos de reclusão. O impasse decorre do fato de que o crime de concussão descreve a conduta do funcionário público constranger alguém, com a fi nali-dade de obter vantagem indevida, enquanto o crime de corrupção descreve as condutas de solicitar ou receber (ou ainda aceitar promessa) de vantagem22.

Na comparação entre os dois tipos, segundo a doutrina mais tradicional23, temos que o verbo constranger remete ao emprego da força física ou moral

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 32

como meio de obtenção da vantagem buscada, onde o administrado fi gurará sempre como vítima de intimidação. Estes elementos estão ausentes do crime de corrupção. Essencialmente falando, pois, o delito de concussão é muito mais grave que o de corrupção que remete, antes, a um acordo ou tentativa de acordo entre servidor e administrado. A alteração pontual do artigo 317 tornou o crime de corrupção mais grave que aquele cometido com emprego da vis, o que não se justifi ca sob nenhum aspecto.

A leitura dos projetos de lei que geraram a nova norma nos autoriza dizer que o que ocorreu foi puramente descuido e falta de visão de conjunto, já que em nenhum momento houve qualquer projeto de alteração da pena da concus-são. Aqui se verifi ca o défi cit legal de racionalidade no plano jurídico-formal.

O engano talvez decorra da simplifi cação com que o tema foi tratado no Congresso. Enquanto do ponto de vista jurídico-legal, o crime de corrupção passiva é exclusivamente aquele descrito no tipo do artigo 317 do Códi-go Penal (corrupção estrito senso), a linguagem leiga e popular trata todo e qualquer crime contra a administração pública genericamente de corrupção (corrupção em sentido lato).

A mensagem simbólica de agravar a penalidade dos ataques à coisa pública atropelou, mais uma vez, a boa técnica, fazendo com que o legislador empre-gasse de forma leiga o termo corrupção, alterando a pena somente do tipo que assim se denomina, e deixando de fora outros tipos até mais graves. Veja--se que também houve a quebra da racionalidade legal no plano lingüístico.

No momento em que escrevemos este texto, por pressão de manifestantes que saíram às ruas em junho de 2013 reclamando, entre tantas outras coisas, o combate à corrupção, o Senado passou a discutir um novo projeto de lei tornando os crimes de corrupção passiva, concussão e peculato, crimes he-diondos. No mesmo projeto se pretende alterar a pena de concussão, para que passe a ser de 4 a 8 anos. Ainda assim, como se vê, sem nenhuma lógica em relação ao crime de corrupção passiva.

7. CASO CONCRETO PARA DEBATE:

Prefeito de determinada cidade do interior foi denunciado pelo MP, pe-rante o Tribunal de Justiça do Estado, porque foi demonstrado que o alcaide recebera de presente um carro modelo Honda Civic, 0 km, presente este que fora dado por um empreiteiro que tinha diversos contratos com a Prefeitura local. A denúncia não narra nenh um ato específi co do Prefeito praticado em contrapartida pelo presente. A defesa alega que sem a demonstração do ato de ofício o crime de corrupção não se perfaz. Analise a questão à luz da juris-prudência dos tribunais superiores e da doutrina.

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JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. ALÍNEAS “A” E “C”, ART. 105, CF. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. COR-RUPÇÃO ATIVA E CORRUPÇÃO PASSIVA, NAS MODALIDADES DE “DAR” E “RECEBER”. CONCURSO NECESSÁRIO. CONTINÊN-CIA. REUNIÃO DOS PROCESSOS. FORO COMPETENTE. TRIBU-NAL DE JUSTIÇA. DETERMINAÇÃO EM RAZÃO DA PRERROGA-TIVA DE FORO PELA FUNÇÃO DE UM DOS CO -RÉUS. MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE VIGÊNCIA A LEI FEDERAL (ART. 76, III, CPP). INOCORRÊNCIA. ABSOLVI-ÇÃO DO CO-DENUNCIADO DETENTOR DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 81, DO CPP. PEDIDO INCIDENTAL DE DECRETAÇÃO DA EXTINÇÃO DA PU-NIBILIDADE DE UM DOS RECORRENTES. IMPROCEDÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 317 E 333, CP. ATIPICIDADE DA CONDUTA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS DOS SISTEMA PROBATÓRIO. CONTRARIEDADE E DIVERGÊNCIA. CONHECIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DA AÇÃO PENAL. INOCORRÊNCIA. DE-SIGUALDADE DE TRATAMENTO. INOCORRÊNCIA. QUEBRA DA UNIDADE DE JULGAMENTO. INOCORRÊNCIA. ILICITUDE DA PROVA OBTIDA CONTRA O SIGILO DE “DADOS” OU REGISTROS DE CHAMADAS TELEFÔNICAS. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA PENA DE MULTA: VIOLAÇÃO AO ARTIGO 59, CP. NÃO CONHECIMENTO. SÚMU-LA 7/STJ. REGIME DE PENA E CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DO § 2º, DO ARTIGO 327, CP. NÃO CONHECIMENTO. DESCUM-PRIMENTO DE PRESSUPOSTO PARA A ADMISSÃO DO RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. Nas formas de “dar” e “receber” — como também de “prometer” e “aceitar promessa” —, os tipos penais da corrupção ativa e passiva são interdependentes, ainda que os legislador tenha defi nido cada conduta em fi gura autônoma. Trata-se de hipótese de concurso necessário — diz-se necessário porque integra a própria defi nição típica, diferentemente do concurso eventual do artigo 29, do CP. 2. Verifi cado o concurso necessário impõe-se a reunião dos processos, pela continência. 3. Se um dos co-denunciados, na hipótese de haver continên-cia entre as ações atribuídas, é detentor de foro especial por prerrogativa de função, o processo e o julgamento de todos serão perante o Tribunal com-petente (precedente Ação Penal 307-3/DF, Supremo Tribunal Federal). 4. A

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publicação do acórdão condenatório, nas ações de competência originária dos Tribunais, interrompe o curso do prazo prescricional. 5. Imprescindível para a confi guração do delito tipifi cado no artigo 317, do CP, não é a ‘reali-zação ou a omissão’ de ato de ofício, bastando a solicitação, recebimento ou aceitação da promessa de vantagem indevida, ainda que não efetivamente praticado, omitido ou retardado ato da esfera de atribuição do funcionário. A efetiva realização do ato é exigência típica constante do parágrafo primeiro do mesmo artigo e não do caput. 6. O acórdão recorrido que não dispensa a relação de causa e efeito entre o recebimento de vantagem e o status funcional do corrompido, ou seja; a situação em que este se encontra de poder praticar, omitir ou retardar algum ato, no âmbito de sua atribuição funcional, confor-me o interesse do corruptor, sabendo que a isso, evidentemente, se destina a vantagem aceita. 7. O “ato de ofício” presente expressamente no tipo penal do artigo 333 e integrante também da defi nição do artigo 317, é um ato da competência do intraneus, ato que guarda relação com a função, e que assim deverá ser identifi cado. Essa é a identifi cação que requer o tipo: ato que guar-da relação com o ofício, a função (“ainda que fora dela ou antes de assumi-la o funcionário público”). Não é preciso identifi car o específi co ato de ofício de interesse do corruptor, para o efeito do disposto no caput do art. 317, CP. 8. O que importa para a fi gura típica do art. 317, CP, é a mercancia da função, demonstrada de maneira satisfatória, prescindindo-se da necessidade de apontar e demonstrar um ato específi co da função, dentro do âmbito dos atos possíveis de realização pelo funcionário. A oferta da vantagem indevida, como corretamente entendeu o Tribunal recorrido, não teria aqui outra causa senão a de “predispor o funcionário a atuar de modo favorável aos interesses do corruptor nas situações concretas que se venham a confi gurar”. Impro-cedente, assim, a alegação de inépcia da denúncia. 9. Se através da análise profunda e criteriosa do conjunto probatório — documentos e outros meios de prova disponíveis — chegou o julgador, de acordo com o exame de fatos sufi cientes para o preenchimento da hipótese típica, à convicção, através do cotejo de fortes indícios contra os Recorrentes, sufi ciente para a exarar o de-creto condenatório, não se pode falar em ofensa ao princípio da presunção de inocência ou condenação com base na presunção de culpa. 10. A proteção do sigilo de “dados” ou registros de chamadas telefônicas não tem caráter ab-soluto. 11. O prequestionamento é requisito indispensável ao conhecimento do Recurso Especial. 12. O exame de matéria fática exorbita os limites do Recurso Especial (Súmula 7/STJ). 13. Recursos conhecidos em parte e, nessa extensão, improvidos.

(STJ. REsp 440106 RJ 2002/0069457-3, Relator: Ministro PAULO ME-DINA, Data de Julgamento: 24/02/2005, T6 — SEXTA TURMA)

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EMENTA 2: AÇÃO CRIMINAL. CÓDIGO PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317, CAPUT), CORRUPÇÃO ATIVA DE TESTEMU-NHA (ART. 343), COAÇÃO NO CURSO DO PROCESSO (ART. 344), SUPRESSAO DE DOCUMENTO (ART. 305) E FALSIDADE IDEOLO-GICA (ART. 299). PRELIMINARES: INADMISSIBILIDADE DE PRO-VAS CONSIDERADAS OBTIDAS POR MEIO ILICITO E INCOMPE-TENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA OS CRIMES DO ART. 299, A AUSÊNCIA DE CONEXAO COM O DE CORRUP-ÇÃO PASSIVA, QUE DETERMINOU A INSTAURAÇÃO DO PRO-CESSO PERANTE ESSA CORTE, POSTO QUE ATRIBUIDO, ENTRE OUTROS, A PRESIDENTE DA REPUBLICA. 1. Crimes de corrupção passiva (art. 317, caput) atribuídos, em concurso de pessoas, ao primeiro, ao segundo e ao terceiro acusados, e que, segundo a denuncia, estariam confi gu-rados em três episódios distintos: solicitação, de parte do primeiro acusado, por intermédio do segundo, de ajuda, em dinheiro, para a campanha eleitoral de candidato a Deputado Federal; gestões desenvolvidas pelo primeiro acu-sado, por intermédio do secretário-geral da Presidência da Republica, junto a direção de empresas estatais, com vistas a aprovação de proposta de fi nan-ciamento de interesse de terceiros; e nomeação do Secretario Nacional dos Transportes em troca de vultosa quantia que teria sido paga por empreiteira de cuja diretoria participava o nomeado, ao segundo acusado, parte da qual teria sido repassada ao primeiro. 1.1. Inadmissibilidade, como prova, de lau-dos de degravação de conversa telefônica e de registros contidos na memória de micro computador, obtidos por meios ilícitos (art. 5., LVI, da Constitui-ção Federal); no primeiro caso, por se tratar de gravação realizada por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, havendo a degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação a privacidade alheia (art. 5., X, da CF); e, no segundo caso, por estar-se diante de micro computador que, além de ter sido apreendido com violação de do-micilio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5., X e XI, da CF). 1. 2. Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episodio, em virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indiretamente, pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofi cio confi gura-dor de transação ou comercio com o cargo então por ele exercido. No que concerne ao segundo, pelo duplo motivo de não haver qualquer referencia, na degravação sido feita com inobservância do princípio do contraditório, e utilizada com violação a privacidade alheia (art. 5., X, da CF); e, no segundo caso, por estar-se diante de micro computador que, além de ter sido apreen-dido com violação de domicilio, teve a memória nele contida sido degravada ao arrepio da garantia da inviolabilidade da intimidade das pessoas (art. 5.,

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X e XI, da CF). 1.2. Improcedência da acusação. Relativamente ao primeiro episodio, em virtude não apenas da inexistência de prova de que a alegada ajuda eleitoral decorreu de solicitação que tenha sido feita direta ou indireta-mente, pelo primeiro acusado, mas também por não haver sido apontado ato de ofi cio confi gurador de transação ou comercio como segundo, ao terceiro e ao quarto acusados. 2.1. Improcedência da denuncia referentemente ao cri-me do art. 343, posto não haver resultado demonstrado haverem os acusados dado, oferecido ou prometido, qualquer vantagem as testemunhas aponta-das, nem, tampouco, que lhes houvessem eles sequer induzido a prestação de falso testemunho; ao do art. 344, face a ausência de prova de uso de violência ou de grave ameaça contra as ditas testemunhas, por qualquer dos acusados; e, no que tange ao do art. 305, não apenas por falta de prova da destruição de documentos (recibos de pagamento de aluguel de veículo), mas também da própria existência destes, aliada a circunstancia de não serem eles indisponí-veis. 3. Crimes de falsifi cação ideológica (art. 299) de faturas e notas fi scais, atribuídos ao segundo acusado. 3.1. Improcedência da denuncia, nesse pon-to, ante a ausência de prova, seja da materialidade, seja da autoria dos delitos. 4. Crimes de falsifi cação ideológica (art. 299) consistentes na abertura de contas correntes bancarias e movimentação de cheques em nomes fi ctícios, nas praças de Brasília e de São Paulo, atribuídos, em concurso de pessoas, ao segundo, a sexta, a sétima, ao oitavo e ao nono acusados. 4.1. Inconsis-tência da tese de haver-se esfumado, com a rejeição da denuncia pelo crime de quadrilha, a razão pela qual os ditos crimes, por efeito de conexão, foram incluídos na denuncia e, em consequência, atraídos para a competência do STF. Liame que, ao revés, esta revelado por diversas circunstancias, avultando a de haverem as mencionadas contas sido utilizadas como meio de viabilizar a transferência, para o primeiro acusado, das vantagens consideradas indevi-das, com ocultação de sua origem. 4.2. Autoria comprovada, inclusive por confi ssão, do segundo acusado, como mentor, e da sétima acusada, como executora, relativamente a falsifi cação, ocorrida em Brasília e em São Paulo, das contas bancarias e dos cheques enumerados na denuncia; comprovação, por meio de perícia técnica, realizada em juízo, de que o oitavo acusado foi o autor do crime, relativamente a emissão de dois cheques (n.s 773.710 e 773.704) e ao endosso de mais quatro (n.s 072.170, 072.171, 072.172 e 072.173), do Banco Rural, todos apontados na denuncia; e de que o quinto acusado também o foi, relativamente a abertura das contas correntes nos 01.6173-0 e 01.6187, no Banco Rural. 4.3. Descabimento da pretendida descaracterização dos ilícitos, ao fundamento de ausência de prejuízo, ante a evidencia de haverem sido praticados com o manifesto propósito de escamo-tear a verdade sobre fatos juridicamente relevantes (a existência, a origem e a destinação do dinheiro depositado nas contas abertas em nomes fi ctícios). 4.4. Desarrazoada, por igual, a alegação de que a sétima acusada agiu a falta

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de conhecimento potencial quanto a ilicitude dos atos praticados e sob sujei-ção de poder hierárquico. Primeiramente, por haver, ela própria, revelado o conhecimento da ilicitude de sua conduta, com o que afastou a ocorrência de erro de proibição, que se caracteriza pela absoluta inconsciência do injusto. E, em segundo lugar, diante da falta de comprovação de que as instruções recebidas de seu empregador, relativamente as contas fi ctícias que abriu e movimentou, vieram acompanhadas de ameaça de qualquer natureza; do ca-ráter manifesta e reconhecidamente ilegal dessas instruções; e do fato de não se estar diante de relação hierárquica de direito administrativo, circunstancias que afastam a segunda excludente. 4.5. Denuncia declarada improcedente, relativamente: a) ao nono acusado, por insufi ciência da prova de haver falsifi -cado os cheques n.s 419.567 e 696.811, do Banco Rural; b) a sexta acusada, a ausência de prova de haver sido ela autora da falsifi cação do cheque n. 443.414, do Banco Rural e da abertura da conta de deposito n. 01.6101-2, e por insufi ciência de prova de ter falsifi cado os cheques n.s 412.672, 412.674 e 412.679, do Banco Rural; e c) ao quinto acusado, por insufi ciência de prova, no que tange a imputação de haver aberto a conta 01.6101-2, do Banco Rural e contra ela movimentado cheques. 4.6. Reconhecimento da continuidade delitiva tão-somente no concernente as falsifi cações verifi cadas na mesma praça. Orientação assentada no STF. 4.7. Reconhecimento da pri-mariedade e dos bons antecedentes, relativamente a todos os acusados.

(STF — AP: 307 DF, Relator: ILMAR GALVÃO, Data de Julgamento: 12/12/1994, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 13-10-1995 PP-34247 EMENT VOL-01804-11 PP-02104 RTJ VOL-00162-01 PP-00003)

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AULA 05: DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

I. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA

I.1 Tipo Penal

Art. 332 — Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de infl uir em ato prati-cado por funcionário público no exercício da função:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único — A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.

I.2 — O Trá fico de Influência na imprensa

Investigação detalha como agiam indiciados por tráfi co de infl uênciaSeis pessoas foram presas durante operação da PF em SP e Brasília. Entre os 18

indiciados, está chefe de gabinete da Presidência em SP.

Investigações da Polícia Federal detalham como agiam os indiciados e pre-sos durante a Operação Porto Seguro. Eles são suspeitos de tráfi co de infl u-ência e corrupção. Ao todo, 18 pessoas foram indiciadas e seis presas na ação defl agrada nesta sexta-feira (23). Entre os indiciados, está a chefe de gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha. O Jornal Hoje teve acesso a um relatório sobre a investigação.

Um advogado-geral da União e diretores de agências reguladoras de go-verno também estão entre os responsabilizados pelo esquema ilegal. Foram cumpridos 26 mandados de busca e apreensão em São Paulo e 17 na capital federal.

As investigações da Polícia Federal começaram em março do ano passado. Um servidor que fazia parte do esquema de corrupção decidiu denunciar as fraudes. “O servidor chegou a receber R$ 100 mil, posteriormente elaborou o parecer e posteriormente se arrependeu, restituiu o valor ao corruptor e procurou a Polícia Federal para denunciar esses fatos”, afi rmou o superinten-dente da PF em São Paulo, Roberto Troncon Filho.

A quadrilha era formada por servidores, advogados e empresários. E agia em diversos órgãos públicos. O grupo pagava funcionários para emitir pa-

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receres técnicos que favorecessem grupos empresariais. Entre os seis presos, estão diretores de agências reguladoras, empresários e advogados.

A Polícia Federal indiciou 18 pessoas, entre elas, a chefe de gabinete da presidente Dilma Rousseff em São Paulo. Rosemary Nóvoa de Noronha foi nomeada para o cargo em 2003 pelo ex-presidente Lula. Ela cuidava da agen-da de Lula quando o ex-presidente estava em São Paulo. Foi mantida no cargo pela presidente Dilma.

Segundo a PF, entre 2009 e 2012, Rosemary recebeu dinheiro, viagens de navio, pagamento de cirurgias, empregou parentes e intermediou contratos para empresas da família dela. Em troca, agendou reuniões do chefe da qua-drilha com autoridades.

Segundo as investigações, quem comandava o esquema era Paulo Rodri-gues Vieira, diretor da Agência Nacional de Águas (ANA). Era ele quem fazia os contatos entre empresários e funcionários públicos que pudessem ser corrompidos. A PF informou, por exemplo, que Paulo ofereceu R$ 300 mil a um auditor federal, em nome de uma empresa que administra um terminal de containers, para produzir um parecer que ajudasse a anular um contrato de arrendamento.

De acordo com a investigação, dois irmãos de Paulo faziam parte do grupo. Rubens Carlos Vieira, diretor da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), era conselheiro e dava orientações jurídicas para a quadrilha. O outro irmão, Marcelo Rodrigues Vieira, tinha função operacional: levava e trazia docu-mentos, efetuava pagamentos e comprava bens da quadrilha, em nome dele.

A PF também indiciou por corrupção José Weber Holanda Alves, que é advogado-geral adjunto da União. Ele tinha livre acesso ao gabinete do titular da AGU, Luis Inácio Adams. Segundo a PF, Weber solicitou passagens de navio num cruzeiro, para ele e para a esposa. Em troca, se comprometeu a facilitar a concessão de um terreno da Marinha em uma ilha do litoral pau-lista para a implantação de um empreendimento imobiliário. A investigação aponta que um dos favorecidos é o ex-senador Gilberto Miranda.

A polícia afi rma que os suspeitos atuaram sem o consentimento de seus superiores ou da cúpula dos órgãos federais.

Fonte: G1http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2012/11/investigacao-detalha-co-

mo-agiam-indiciados-por-trafi co-de-infl uencia.html

I.3 — Sobre o crime

O crime de tráfi co de infl uência está inserido no Código Penal visando proteger, em geral, o p restigio e higidez da Administração Pública, e em es-pecial, a imparcialidade de sua atuação. Para tanto, criminaliza a atuação do

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24 GRECO, Rogério: Código Penal Co-

mentado, 7ª edição, p. 1018.

25 NORONHA, Edgard Magalhães. Direi-

to Penal, v. 4, p. 325.

26 BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes

Federais. 8ª ed. Ed. Livraria do Advoga-

do. p.204

agente que solicitar (pedir), exigir (impor), cobrar (pedir dinheiro em troca) ou obtiver (tomar posse), para si ou para terceiro, a pretexto de infl uir em ato praticado por funcionário público no exercício da função, vantagem ou promessa de vantagem, que poderá ou não ser de caráter econômico, haja vista não existir nenhuma limitação interpretativa quanto aos efeitos do seu reconhecimento.

A expressão “a pretexto de infl uir”, como bem defi ne Rogério Grecco 24, demonstra que, na verdade, o agente age como verdadeiro estelionatário, procurando, por meio do seu ardil, enganar a vitima. Nesse sentido, esclarece Noronha 25:

“O crime realmente é um estelionato, pois o agente ilude e frauda o pretendente ao ato ou providência governamental, alegando um pres-tigio que não possui e assegurando-lhe um êxito que não está ao seu alcance. Todavia, o legislador preferiu, muito justifi cadamente, atender aos interesses da administração, lembrando-se, com certeza, de que, frequentes vezes, pela pretensão ilícita que alimenta, o mistifi cado equi-vale ao mistifi cador, estreitados numa torpeza bilateral.”

Cuida-se de crime comum no que diz respeito ao sujeito ativo, podendo ser praticado por qualquer pessoa. Já na fi gura do sujeito passivo será o ente público o qual trabalha o funcionário público ao qual é prometido infl uên-cia, bem como o próprio funcionário e aquele em relação ao qual se promete a infl uência, que é considerado sujeito passivo secundário ou vitima indireta e não coautor do crime. 26

Exige-se dolo para caracterização do crime evidenciado na vontade livre e consciente do agente em solicitar, exigir ou receber a vantagem, a pretexto de infl uir sobre o ato do funcionário.

I.4 Consumação e Tentativa

Trata-se de crime formal, de consumação antecipada, sendo a entrega da vantagem mero exaurimento do crime. Por esta razão, é difícil ocorrência da mo dalidade tentada. Na maior parte dos casos, o delito é praticado de for-ma concentrada, impossibilitando o fracionamento do iter criminis e, conse-quentemente, inviabilizando-se a tentativa.

I.5 Ação Penal

A ação Penal será sempre pública e incondicionada.

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FGV DIREITO RIO 41

27 STF — HC: 80877 PA , Relator: MAU-

RÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento:

24/09/2001, Segunda Turma, Data de

Publicação: DJ 16-11-2001 PP-00007

EMENT VOL-02052-02 PP-00243.

28 Código Penal, “Advocacia adminis-

trativa — Art. 321. Patrocinar, direta

ou indiretamente, interesse privado

perante a administração pública, va-

lendo-se da qualidade de funcionário:

Pena — detenção, de um a três meses,

ou multa. Parágrafo único: Se o interes-

se é ilegítimo: Pena — detenção, de

três meses a um ano, além da multa.”

29 Código Penal, “Tráfi co de Infl uência

— art. 332. Solicitar, exigir, cobrar

ou obter, para si ou para outrem, van-

tagem ou promessa de vantagem, a

pretexto de infl uir em ato praticado por

funcionário público no exercício da fun-

ção: Pena — reclusão, de 2 (dois) a 5

(cinco) anos, e multa. Parágrafo único:

A pena é aumentada da metade, se o

agente alega ou insinua que a vanta-

gem é também destinada ao funcio-

nário.” Conforme modifi cação operada

pela Lei 9.127/95.

O bem jurídico tutelado pelo artigo 332 do Código Penal é o prestígio da Administração Pública, sendo a Justiça Federal o juízo natural para o proces-samento e julgamento do feito. 27 Assim sendo, quando o delito for praticado a pretexto de infl uir em ato a ser praticado por órgão federal ou servidor público federal, a competência será da Justiça Federal.

Nos demais casos, a competência será da Justiça Estadual.

I.6 Questão importante sobre a história recente deste crime:

Em 1995, o Brasil assistiu à divulgação de um escândalo nacional em que o um servidor púbico de primeiro escalão aparecia patrocinando interesses privados perante a administração pública, valendo-se de seu cargo, conduta esta que em tese, se amolda ao tipo de advocacia administrativa, previsto no artigo 321 do Código Penal, com pena prevista de 01(um) a 03 (três) meses de detenção, quando o interesse fosse legítimo28. Na ocasião, a imprensa, inadvertidamente, denominou a prática de tráfi co de infl uência. O estrépito foi agravado ante a constatação de que nossa legislação não previa o crime de tráfi co de infl uência.

A imprensa, na verdade, criticava o lobby praticado pelos servidores pú-bicos que se valem da função para advogar interesses privados. Cobrava providências e punição. Em regime de urgência foi votada e aprovada a Lei 9.127/95 que alterou o artigo 332 do Código Penal, o qual tratava de explo-ração de prestígio, crime praticado por particulares contra a administração pública. O tipo mudou de nome, passando a ser “tráfi co de infl uência”, e teve a pena majorada de 1 (um) a 5 (cinco) anos para 2 (dois) a (cinco) 5 anos de reclusão29.

O estranho é que o tipo alterado não descrevia, e continua não descre-vendo, a conduta que gerou o escândalo e a reação apressada do legislador. Antes, o crime de advocacia administrativa, este sim, praticado por servidor público, detentor, em tese da infl uência malversada, permanece inalterado com a singela pena de 01 a 03 meses de detenção.

II — CORRUPÇÃO ATIVA

II.1 Tipo Penal

Art. 333 — Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:

Pena — reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

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Parágraf o único — A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofí-cio, ou o pratica infringindo dever funcional.

II.2 — A Corrupção Ativa na imprensa

MP denuncia Demóstenes, Cachoeira e Cláudio Abreu por corrupção passiva e ativa

O Ministério Público de Goiás (MP-GO) denunciou, ontem, o procura-dor de Justiça e ex-senador Demóstenes Torres pela prática de oito crimes de corrupção pas siva em concurso material, bem como do crime de advocacia administrativa. Também foram denunciados Carlos Augusto de Almeida Ra-mos (Carlinhos Cachoeira) e Cláudio Dias de Abreu pela prática do crime de corrupção ativa.

De acordo com o procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado Nogueira, esta denúncia é fruto da investigação e da análise das provas dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) pelo Supremo Tri-bunal Federal, trabalho executado por uma equipe de oito promotores de Justiça por ele designados.

Entre outros fatos, apurou-se que no período de junho de 2009 a fevereiro de 2012 Demóstenes Torres recebeu por diversas vezes, em razão da função de senador, que ocupava à época, vantagens indevidas que consistiram de viagens em aeronaves particulares, quantias em dinheiro (R$ 5,1 milhões em uma oportunidade, R$ 20 mil e R$ 3 mil em outras), garrafas de bebidas de alto valor e eletrodomésticos de luxo.

Há ainda prova nos autos de que, em 9 de julho de 2011, o ex-senador patrocinou diretamente interesses de Carlinhos Cachoeira e Cláudio Abreu perante o prefeito de Anápolis, a quem os dois últimos ofereceram quantia em dinheiro para que determinasse o pagamento de um crédito de R$ 20 milhões da Construtora Queiroz Galvão S/A e que a Delta Construtora ten-cionava comprar. Não há indício do pagamento nem de que o prefeito tenha aceitado o valor oferecido.

A pena prevista para o crime de corrupção passiva imputado a Demóste-nes varia de 2 a 12 anos de reclusão e multa (o pedido do MP-GO é que as penas para cada crime sejam somadas, o que daria no mínimo 16 anos). Já a pena prevista para o crime de advocacia administrativa varia de 1 a 3 meses de detenção ou multa. Para o crime de corrupção ativa, imputado a Carlinhos Cachoeira e Cláudio Abreu, a pena varia de 2 a 12 anos de reclusão e multa.

Durante as investigações no Procedimento Investigatório Criminal (PIC), foi obtido o compartilhamento das provas constantes na ação penal atinente

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à Operação Monte Carlo, após o deferimento de pedido feito pelo MP-GO à 11ª Vara da Circunscrição Judiciária da Justiça Federal de Goiás. Também foi protocolado junto ao TJGO o pedido de quebra de sigilo fi scal de Demóste-nes Torres, ainda não analisado.

Juntamente com a denúncia, foi reiterada pelo Ministério Público a sus-pensão cautelar da função pública do procurador de Justiça Demóstenes Tor-res. O fundamento, em síntese, é de que fi cou demonstrada a prática, pelo procurador de Justiça, de inúmeras condutas típicas de extrema gravidade. Atualmente, ele está afastado temporariamente de suas funções ministeriais pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em processo admi-nistrativo disciplinar. Apesar do CNMP vir prorrogando o prazo da suspen-são administrativa, a referida medida pode, a qualquer momento, deixar de ser renovada, daí a necessidade do pedido feito pelo MP-GO. De acordo com Lauro Nogueira, a investigação continua em relação a outros fatos que ainda necessitam de diligências probatórias

Fonte: DM. com.br/Politica e Justiçahttp://arquivo.dm.com.br/texto/gz/123923

II.3 Sobre o crime

O Brasil se obrigou em tratados internacionais ao combate à corrupção, como se vê na Convenção de Palermo, que trata do Crime Organizado Transnacional:

Artigo 8Criminalização da corrupção

1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas e outras que sejam necessárias para caracterizar como infrações penais os se-guintes atos, quando intencionalme nte cometidos:

a) Prometer, oferecer ou conceder a um agente público, direta ou indiretamente, um benefício indevido, em seu proveito próprio ou de outra pessoa ou entidade, a fi m de praticar ou se abster de praticar um ato no desempenho das suas funções ofi ciais;

O tipo descreve o ato do particular que oferece ou promete vantagem in-devida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. O núcleo do tipo se vale do verbo determinar, signifi cando que o corruptor não propriamente exige que o funcionário pratique qualquer dos comportamentos mencionados no tipo, podendo sua conduta se dar com conotação de convencimento.

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30 STJ. REsp. 440106/RJ. Rel. Min. Paulo

Medina, 6ª T., DJ 9/10/206, p. 367

31 Revista da EMERJ, v. 13, nº 52, 2010,

p.59.

Outrossim, é fundamental que a fi nalidade do corruptor seja dirigida a um ato de ofi cio do funcionário (lícito ou ilícito), isto é, aquele atribuído às funções exercidas pelo funcionário perante a Administração Pública. Caso o funcionário tenha retardado ou omitido o ato de ofi cio em razão da vanta-gem ou da promessa desta, ou o faça infringindo dever funcional, a pena é aumentada em um terço.

Como visto anteriormente ao estudarmos corrupção passiva, nas formas de “dar” e “receber” — como também de “prometer” e “aceitar promessa” — os tipos penais da corrupção ativa e passiva são interdependentes, ainda que o legis-lador tenha defi nido cada conduta em fi gura autônoma. Trata-se de hipótese de concurso necessário — diz-se necessário porque integra a própria defi nição típica, diferentemente do concurso eventual do art. 29 do CP. Verifi cado o concurso ne-cessário, impõe-se a reunião dos processos, pela continência. 30

O dolo é o elemento subjetivo exigido, não havendo previsão para moda-lidade culposa.

Por ultimo, vale pontuar as seguintes distinções da moldura típica em comento: a) se a vantagem é exigida pelo funcionário público, o injusto será do tipo de concussão; b) se a vantagem oferecida ou prometida à testemunha, peri-to, tradutor ou intérprete, configurará o injusto descrito no art. 343 do Código Penal; c) se configurado como crime militar (“Dar, oferecer ou permitir dinheiro ou vantagem indevida para a prática, omissão ou retardamento de ato funcio-nal”); d) se o oferecimento ou a promessa destina-se a obtenção de voto ou para conseguir ou promover a abstenção, configura o injusto descrito no art. 299 do Código Eleitoral; e) se ocorrer em transação internacional, aplica-se o art. 337-B do Código Penal. 31

II. 4 Consumação e Tentativa

A consumação ocorre no momento do oferecimento ou promessa da van-tagem indevida, não se exigindo, para fi ns de seu reconhecimento, que o funcionário público aceite, ou que efetivamente pratique, omita ou retarde o ato de ofi cio. Cuida-se, pois, de crime.

Ainda que o funcionário recuse a vantagem indevida oferecida ou pro-metida, o crime estará caracterizado. Caso venha aceitar, ele responderá por corrupção passiva, havendo, neste caso e, como já explicado na aula anterior, exceçã o dualista à teoria monista, prevista no art. 29 do CP, devendo corrup-tor e corrompido responder por crimes diferentes — art. 333 e 317 do CP, respectivamente — pela mesma situação fática.

A modalidade tentada é de difícil ocorrência, devendo ser analisada caso a caso e se, dadas às circunstancias, foi possível o fracionamento do inter cri-minis. O STJ, neste sentido, reconheceu à tentativa, no julgamento do HC

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33535/SC, Min. Rel. Carvalhido, 6ªT., admitindo no caso do particular que tenha prometido ou oferecido vantagem indevida ao assessor do funcionário, que não transmite a proposta a este.

II. 5 Ação Penal

A ação penal é pública e incondicionada. Compete à Justiça Comum Es-tadual o processo por corrupção ativa cometida por civil. No caso de ofereci-mento ou entrega de vantagem a funcionário público federal, a competência será da Justiça Federal. A competência territorial será determinada pelo local onde foi oferecida a vantagem ou a promessa desta.

III — DIREITO PENAL SIMBÓLICO

Corrupção e tráfi co de infl uência serão punidos com mais tempo de cadeia

Nove dos 10 projetos de lei que alteram o Código Penal estão prontos para ir à votação no plenário da Câmara dos Deputados. Entre as mudanças previs-tas, está o aumento das penas para crimes de homicídio, tráfi co de infl uência e corrupção. As matérias foram aprovadas ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Só fi cou de fora o anteprojeto que estabelece critérios objetivos para diferenciar usuários de trafi cantes de drogas. A proposição gerou polêmica e foi separada do restante das propostas para que seja debatida em audiência pública. Mas, com o fi m das sessões deliberativas na próxima semana, nem os projetos que já estão prontos para ir a plenário devem ser votados ainda este ano. Antes de virar lei, as matérias também precisam tramitar no Senado.

As propostas de reforma do Código Penal não só aumentam de seis para oito anos a pena mínima de prisão para o crime de homicídio como criam novas qualifi cações que podem ampliar a punição em até um terço da pena estabeleci-da. Também tornam mais rígidas as penas àqueles que cometem crimes contra a administração pública. A corrupção, por exemplo, deixaria de ser dividida em passiva e ativa, facilitando o enquadramento dos indiciados e aumentando a pena para aqueles que oferecem ou recebem vantagens indevidas. A mudança na punição para o crime de tráfi co de infl uência é uma das mais signifi cativas. Hoje, a pena máxima é um ano de cadeia. Pela proposta que está em tramita-ção, a pena mínima passaria para dois anos e a máxima, cinco.

Fonte: JusBrasilhttp://direito-do-estado.jusbrasil.com/noticias/100242588/corrupcao-e-

-trafi co-de-infl uencia-serao-punidos-com-mais-tempo-de-cadeia

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Para o debate: Você sabe o que é Direito Penal Simbólico e como ele se insere na matéria acima transcrita? Como você se posiciona diante das propostas de lei que pretendem tornar os crimes de corrupção ativa/passiva crimes hediondos?

Leitura sugerida: STRECK, Lenio Luiz. “Entre Hobbes e Rousseau — a dupla face do princípio da proporcionalidade e o cabimento de mandado de segurança em matéria criminal”. In Direito Penal em Tempos de Crise, org. STRECK, Lenio, Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: HABEAS-CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. CRIME FORMAL. LE-SÃO A INTERESSES DO ESTADO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O bem jurídico tutelado pelo artigo 332 do Código Penal é o prestígio da Administração Pública, sendo a Justiça Federal o juízo natural para o processamento e julgamento do feito. 2. Não procede a alegação de ausência de prejuízo para o Estado a justifi car a incompetência da Justiça Fe-deral, posto que o citado delito se consuma com a simples exigência da quan-tia pactuada em troca da infl uência a ser exercida. Habeas-corpus indeferido.

(STF — HC: 80877 PA, Relator: MAURÍCIO CO RRÊA, Data de Jul-gamento: 24/09/2001, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 16-11-2001 PP-00007 EMENT VOL-02052-02 PP-00243)

EMENTA 2: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE INFLUÊNCIA. PE-DIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO. ALEGAÇÃO DE ATIPICI-DADE DA CONDUTA E DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. IMPROCE-DÊNCIA. 1. Segundo a iterativa jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação penal, pela via do habeas corpus é medida excepcional, só admissível quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade. 2. A peça vestibular preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo, com todas as suas circunstâncias, a existência de crime em tese, bem como a respectiva autoria, com indícios su-fi cientes para a defl agração da persecução penal. 3. A exordial acusatória nar-ra que o paciente assumira o compromisso, com terceira pessoa, em troca de proveito econômico, de tomar providências, junto à Prefeitura do Município de Santo André, para que fosse efetuado o pagamento do crédito de determi-

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nada empresa. 4. Perde relevância o momento da obtenção da vantagem eco-nômica indevida, já que o delito previsto no art. 332 (tráfi co de infl uência) é de ação múltipla ou conteúdo variado, contentando-se, nas modalidades formais, com a simples solicitação, exigência ou cobrança do proveito, em troca da suposta infl uência em ato funcional. 5. Ordem denegada.

(STJ — HC: 146038 SP 2009/0169598-8, Relator: Ministro OG FER-NANDES, Data de Julgamento: 13/04/2010, T6 — SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 10/05/2010)

EMENTA 3: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TRÁ-FICO DE INFLUÊNCIA. MOMENTO CONSUMATIVO. 1. Consuma--se o crime de tráfi co de infl uência (art. 332 do Código Penal) com a soli-citação, exigência, cobrança ou obtenção de vantagem, a pretexto de infl uir em ato praticado por funcionário público no exercício da função. 2. No caso, matéria jornalista noticiou que a obtenção de suposta vantagem, a pretexto de infl uenciar ato do Presidente da República, elementar do tipo penal, teria ocorrido na cidade de São Paulo. 3. Confl ito conhecido para declarar compe-tente o Juízo Federal da 10ª Vara Criminal da Seção Judiciária de São Paulo, o suscitante.

(STJ — CC: 108664 SP 2009/0209091-1, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 09/02/2011, S3 — TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 16/02/2011)

EMENTA 4: HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO PASSIVA. DELE-GADO DE POLÍCIA QUE EXIGE VANTAGEM FINANCEIRA PARA LIBERAR VEÍCULO ILEGALMENTE APREENDIDO. PROVA IN-DICIÁRIA OBTIDA EM CONVERSA INFORMAL COM CO-RÉU ACUSADO DE CORRUPÇÃO ATIVA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ATIPICIDADE DA CONDUTA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTI-VADO. 1. Não existe na ação penal movida em desfavor do Paciente confi s-são extrajudicial obtida por meio de depoimento informal, prova sabidamen-te ilícita. No caso, ocorre testemunho indireto, ou por ouvir dizer, o que não é vedado, em princípio, pelo sistema processual penal brasileiro. 2. O legisla-dor brasileiro adotou o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o juiz, extraindo a sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de acordo com o seu livre convencimento, devendo, no entanto, fundamentar a decisão exarada. 3. Não confi gura o tipo penal de corrupção ativa sujeitar-se a pagar propina exigida por Autoridade Poli-cial, sobretudo na espécie, onde não houve obtenção de vantagem indevida com o pagamento da quantia. 4. “Caso a oferta ou promessa seja efetuada

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por imposição ou ameaça do funcionário, o fato é atípico para o extraneus, confi gurando-se o delito de concussão do funcionário.” (MIRABETE, Ju-lio Fabbrini. Código Penal Interpretado, 3ª ed., São Paulo, Atlas, 2003, p. 2.177.) 5. Habeas corpus denegado. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal em relação, apenas, à Fábio Ribeiro Santana e José Hormindo da Silva, diante da evidente atipicidade da conduta que lhes foi imputada.

(STJ — HC: 62908 SE 2006/0155046-2, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 06/11/2007, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 03/12/2007 p. 339RT vol. 870 p. 571)

EMENTA 5: HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA. INCARACTERIZAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. O delito de corrupção ativa pode ser praticado por interposta pessoa, não requisitando, necessariamente, para o seu aperfeiçoamento, em hipóteses tais, que a pessoa, por intermédio da qual o agente oferece ou promete a vantagem indevida a funcionário público, adira à sua vontade no crime já em execução, convertendo-se em autor. 2. O agente que, valendo-se das atri-buições de assessor do funcionário, promete ou oferece vantagem indevida, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício, comete crime de corrupção ativa, tipifi cado no artigo 333 do Código Penal. 3. Não trans-mitida a proposta ao funcionário pelo assessor, caracterizada fi ca a tentativa do delito. 4. Ordem denegada.

(STJ — HC: 33535 SC 2004/0014900-6, Relator: Ministro HAMIL-TON CARVALHIDO, Data de Julgamento: 05/08/2004, T6 — SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25/10/2004 p. 394 RSTJ vol. 195 p. 569)

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AULA 06 E 07: DOS CRIMES NAS LICITAÇÕES

Nessas duas aulas, trataremos dos mais importantes crimes da Lei 8.666/1993, que suscitam as discussões mais polêmicas. D esta forma e, as-sim como feito nas aulas anteriores com os crimes previstos no Código Penal Brasileiro, tentaremos proporcionar ao aluno noções básicas sobre cada tipo penal, defi nindo os preceitos elementares de cada crime, além de trazer para aula notícias recentes e pontos confl itantes, buscando provocar refl exão e debate entre os alunos.

1 — OS CRIMES EM QUESTÃO NA IMPRENSA

Empresas em Itaúna, MG, são fechadas por fraudar licitaçõesProprietário falsifi cava cartuchos de impre ssoras para participar. Mais de 80

licitações de todo o país foram fraudadas, informou a PF.

A Polícia Federal fechou nesta sexta-feira (21) três empresas em Itaúna, no Centro-Oeste do estado, suspeitas de envolvimento em um esquema para fraudar licitações com cartuchos falsifi cados de impressora. A quadrilha foi descoberta depois de tentar fraudar uma licitação do Conselho Regional dos Corretores de Imóveis de Belo Horizonte.

Mais de 500 cartuchos falsifi cados de impressora, além de documentos, foram apreendidos em um dos estabelecimentos. Os policiais chegaram ao local após investigarem outras duas empresas, que fazem parte do mesmo grupo. O dono é suspeito de fraudar licitações em órgãos públicos de todo o país, entre eles, o Supremo Tribunal Federal. “Eles participaram das licitações e para concorrer de forma desleal eles apresentavam cartuchos falsifi cados e contrabandeados da China. Assim ganhavam de maneira mais fácil”, disse delegado Felipe Baeta.

Ainda de acordo com a PF, a suspeita é de que a quadrilha praticava o crime há cinco anos. Neste período, eles podem ter fraudado mais de 80 licitações. Baeta afi rma que o esquema já havia sido descoberto anteriormente. “Quando uma empresa era descoberta e entrava no cadastro restritivo do Governo, ele abria novas empresas no nome de outras pessoas e participava novamente”.

O dono da empresa fugiu do local. Ele deve responder o processo em liberdade, pelos crimes de fraude em licitação, contrabando e violação de direito autoral. Além dele, outras pessoas serão investigadas.

Fonte: G1http://g1.globo.com/minas-gerais/triangulo-mineiro/noticia/2013/06/

empresas-de-divinopolis-mg-sao-fechadas-por-fraudar-licitacoes.html

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32 Art.37. A administração pública di-

reta e indireta de qualquer dos Pode-

res da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá

aos princípios de legalidade, impes-

soalidade, moralidade, publicidade

e efi ciência e, também, ao seguinte:

XXI — ressalvados os casos especifi -

cados na legislação, as obras, serviços,

compras e alienações serão contratados

mediante processo de licitação pública

que assegure igualdade de condições

a todos os concorrentes, com cláusulas

que estabeleçam obrigações de paga-

mento, mantidas as condições efetivas

da proposta, nos termos da lei, o qual

somente permitirá as exigências de

qualifi cação técnica e econômica indis-

pensáveis à garantia do cumprimento

das obrigações.

2 — ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

2.1 Lei das Licitações — Lei n.º 8666/1993

A Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993, é a lei nacional das licitações, editada com o propósito de regulamentar o art. 37, inciso XXI, da Consti-tuição Federal 32, instituindo normas para licitações e contratos da Adminis-tração Pública.

O propósito da lei expresso em seu art. 1º, é estabelecer normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, in-clusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O art. 2º de-termina que as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contra-tadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Assim sendo, a licitação, como bem defi ne seu art. 3º, se destinaria a garan-tir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da pro-posta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao ins-trumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Isto posto, buscando zelar pelos princípios norteadores e fi nalísticos da Lei, especialmente no que diz respeito à preservação da moralidade adminis-trativa correlacionada aos princípios da competitividade e da isonomia, a Lei 8.666/1993 trouxe no bojo de sua redação disposições penais contra aqueles que praticarem atos almejando corromper/burlar o ato licitatório e/ou o con-trato administrativo.

Por ultimo, é importante colocar que, da mesma forma que o Código Penal Brasileiro, a expressão Administração Pública subordinada aos rigores da lei licitatória, engloba todos os poderes, legislativo, executivo e judiciário, nas três esferas de governo.

2.2 Dos crimes nas licitações

Os artigos 89 a 98 da Lei n.º 8666/1993 tipifi cam condutas crimino-sas objetivando proteger o processo licitatório e os contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e loca ções no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e das respectivas autarquias, empresas públicas, sociedades

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FGV DIREITO RIO 51

33 Art.85 da Lei 8666/93: As infrações

previstas nesta Lei pertinem às licita-

ções e aos contratos celebrados pela

União, Estados, Distrito Federal e Muni-

cípios, e respectivas autarquias, empre-

sas públicas, sociedades de economia

mistas, fundações públicas, e quaisquer

outras entidades sob seu controle direi-

to ou indireto

34 Art. 335, CP — Impedir, perturbar

ou fraudar concorrência pública ou

venda em hasta pública, promovida

pela administração federal, estadual ou

municipal, ou por entidade paraestatal;

afastar ou procurar afastar concorrente

ou licitante, por meio de violência, gra-

ve ameaça, fraude ou oferecimento de

vantagem: Pena — detenção, de seis

meses a dois anos, ou multa, além da

pena correspondente à violência. Pará-

grafo único — Incorre na mesma pena

quem se abstém de concorrer ou licitar,

em razão da vantagem oferecida.

35 Art. 2º, Lei 4657/1942 — Não se

destinando à vigência temporária, a lei

terá vigor até que outra a modifi que ou

revogue. § 1º — A lei posterior revoga

a anterior quando expressamente o

declare, quando seja com ela incom-

patível ou quando regule inteiramente

a matéria de que tratava a lei anterior.

de economia mistas, fundações públicas, e quaisquer outras entidades sob seu controle direito ou indireto33.

Para tanto, através de normas penais incriminadoras, prevê penas que sempre são de detenção e de multa, ao agente que atue, com vontade livre e consciente, violando regras e princípios básicos previstos na lei supracitada, vitimando o Estado, de maneira geral, especialmente o ente público no âm-bito do qual se dá o procedimento licitatório, e, secundariamente, o servidor público e os outros participantes do certame.

Observa-se que a redação da lei no que tange aos crimes dos arts. 90, 93, 95 e 96, foi exaustiva ao regulamentar toda matéria constante do art. 335 do Código Penal Brasileiro34, tendo revogado tacitamente tal dispositivo pe-nal, segundo entendimento da doutrina majoritária, com fulcro no art. 2º, §1º,da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro35.

Os crimes são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Minis-tério Público promovê-la, mas podendo qualquer outra pessoa provocar a iniciativa do MP, fornecendo-lhe os dados necessários para tanto. Em regra geral, todos os crimes da lei exigirão o dolo pela parte do autor, inexistindo a forma culposa e sempre, ainda que tentados, sujeitarão o agente, quando servidor público, à perda do cargo, emprego ou mandado eletivo.

Antes de começar a análise individual dos principais tipos penais da lei em comento, é importante destacar que a lei trouxe um importante avanço na defi nição de servidor público para fi ns penais, e que acabou sendo incorpora-da no art. 327 do CP. Ela está no art. 84 da Lei n.º 8666/1993:

Art. 84. Considera-se servidor público, para os fi ns desta Lei, aquele que exerce, mesmo que transitoriamente ou sem remuneração, cargo, função ou emprego público.

§ 1o Equipara-se a servidor público, para os fi ns desta Lei, quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, assim con-sideradas, além das fundações, empresas públicas e sociedades de eco-nomia mista, as demais entidades sob controle, direto ou indireto, do Poder Público.

§ 2o A pena imposta será acrescida da terça parte, quando os autores dos crimes previstos nesta Lei forem ocupantes de cargo em comissão ou de função de confi ança em órgão da Administração direta, autar-quia, empresa pública, sociedade de economia mista, fundação públi-ca, ou outra entidade controlada direta ou indiretamente pelo Poder Público.

Ao contrário do que anteriormente vimos ao estudarmos o art. 327 do Código Penal Brasileiro, o art. 84 utiliza-se da expressão servidor público ao invés de funcionário publico, entretanto, mesmo com a distinção da termino-

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logia, a lei atribuiu-lhe, basicamente, o mesmo signifi cado que o CP atribuiu ao conceito de funcionário público.

Em contrapartida, quanto à equiparação com a condição de servidor pú-blico, a Lei n.º 8666/1993 apresenta divergência com o que foi adotado pelo CP, ampliando ainda mais o conceito, prevendo também todas as entidades controladas, direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

2.3 Decreto-Lei n.º 201/67

O Decreto-Lei n.º 201, de 27 de fevereiro de 1967, dispõe sobre os crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, inclusive no que tange a crimes licitatórios, criando um cenário de grande divergência doutrinária e jurispru-dencial sobre qual seria o diploma legal aplicável nos casos de um Prefeito praticar um crime contra o processo de licitação, v isto que o Decreto-Lei n.º 201 e a Lei n.º 8.666 regulam o mesmo tema, criando um confl ito aparente de normas.

Grande parte da doutrina defende a aplicação do Decreto-Lei n.º201/67 por tratar-se de diploma legal especifi co, disciplinando apenas sobre a res-ponsabilidade de prefeitos e vereadores. A Lei n.º 8666/1993 teria caráter subsidiário com normas de caráter geral.

Em contrapartida, outra parte da doutrina entende que as normas do De-creto-Lei 201/67 perdem seu caráter especial se comparada com os crimes licitatórios previstos exaustivamente na Lei n.º 8666/1993, cujos elementos especializantes devem prevalecer em relação aos tipos do Decreto-Lei 201 que funcionaria como norma geral.

Em suma, a questão ainda não é pacifi ca nos tribunais superiores, havendo decisões para ambos os posicionamentos.

3 — TIPOS PENAIS

3.1 Dispensa ou Inexigibilidade Indevida

3.1.a Tipo penal

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena — detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 53

36 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito

Penal das Licitações. Editora Saraiva,

2012, p.171.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo compro-vadamente co ncorrido para a consumação da ilegalidade, benefi ciou--se da dispensa ou inex igibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

3.1.b Sobre o Crime

O tipo criminaliza a conduta do agente que não adotar o procedimento licitatório, quando deveria fazê-lo, ou simplesmente deixa de observar as for-malidades necessárias à dispensa ou inexigibilidade de licitação. O objetivo é proteger a regularidade e a lisura do procedimento licitatório, em especial quanto aos princípios da isonomia e da competitividade.

Cuida-se de crime de ação múltipla, contendo três modalidades de con-duta — dispensar ou inexigir licitação ou deixar de observar as formalidades a ela pertinentes. Todavia, acaso praticadas mais de uma, haverá somente um crime.

O crime do art. 89 é norma penal em branco, ensejando complemento por outra norma jurídica para que possa viabilizar a aplicação de seu preceito primário. Nas palavras de Bitencourt36:

“O art. 89 da Lei n.º 8666/1993 constitui exemplo típico dessa denominada norma penal em branco, pois a incompletude de sua des-crição conta com a integração de outras normas, no caso, com defi ni-ções contidas em outros dispositivos da própria lei. Essa necessidade constata-se claramente nas locuções “fora das hipóteses previstas em lei”, “formalidades permanentes”, cujos complementos residem espe-cialmente nas previsões das hipóteses de dispensa (art. 24), inexigibili-dade (art. 25) de licitações e inobservância de formalidades a elas perti-nentes (art. 26), além do disposto no art. 17, que excepciona a dispensa de avaliação previa e licitação na modalidade de concorrência. Na ver-dade, essas expressões indicam a necessidade de norma complementar para integrar adequadamente a descrição típica que ora examinamos. As normas integradoras ou complementares, por sua vez, encontram-se nos dispositivos que acabamos de citar.”

Os arts. 24 e 25 da Lei n.º 8666/93 trazem um rol taxativo das hipóteses em que se autoriza a dispensa ou a inexigibilidade da licitação, respectiva-mente. Já o art. 26 da lei em questão previu o procedimento mínimo exigi-do para a realização do ato de dispensa, inexigibilidade ou retardamento da licitação.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 54

37 NUNES, Sandro Luiz. Artigo: Aspec-

tos destacados do artigo 89 da Lei nº

8.666/93, elaborado em 02.2009, p. 14.

Retirado do site: http://mpto.mp.br/

cint/cesaf/arqs/140409024104.pdf

38 NUNES, Sandro Luiz. Artigo: Aspec-

tos destacados do artigo 89 da Lei nº

8.666/93, elaborado em 02.2009, p.

16 Retirado do site: http://mpto.mp.br/

cint/cesaf/arqs/140409024104.pdf

Quanto ao sujeito ativo do crime do art. 89 da Lei 8666/1993, poderá ser servidor público ou particular, este na condição de coautor, participe ou benefi ciário.

Parte da doutrina entende necessário um elemento subjetivo especial con-sistente na consciência e vontade de causar dano ao erário ou de benefi ciar particular contratado. A questão não é pacífi ca, havendo autores que exigem apenas o dolo simples.

Na modalidade “dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei” consuma-se com a prática do ato administrativo de dispensa ou ine-xigibilidade de licitação, não precisando, para tanto, que haja a contratação.

Em outras palavras:

“O ato de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei ocorre no momento em que o agente público formaliza o ato em procedimento próprio, fazendo declarar que a hipótese que lhe é apresentada se enquadra em alguma das hipóteses descritas nos art. 17, 24 ou 25 da Lei nº. 8.666/93, quando em verdade não o é. Note-se que a consumação não se dá com o ato da publicação do extrato do contrato, exigido pelo parágrafo único do art. 61 da Lei de Licitações, pois este não o é obrigatório para todas as hipóteses de contratações. Assim, tem-se que o ato de adjudicação formalmente elaborado pelo administrador é sufi ciente para caracterizar a consumação do ilícito” 37

Na modalidade “deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade” a consumação se dá com o decurso do prazo de publica-ção do ato de dispensa. Nas palavras de Sandro Luiz Nunes38:

“Apenas dispensar ou inexigir a licitação sem obedecer às formalida-des não se apresenta sufi ciente para caracterização de crime. No âmbito interno, para fi ns de apuração de responsabilidade funcional, já seria sufi ciente. Mas, para fi ns penais, não. O tipo penal exige algo a mais. A prática do ato homologatório por si só está, ainda sujeito a prazo para a sua elaboração ou prazo recursal para a correção do ato adminis-trativo irregular, previsto no art. 109 da Lei n. 8.666/93, logo, o pro-cedimento ainda não estaria concluído, ou ainda, mesmo esgotado o prazo recursal, estaria sujeito a alteração no âmbito administrativo em face da autotutela administrativa. Se não houver ato homologatório, a consumação ocorrerá se houver a contratação direta sem a conclusão de todos os procedimentos internos necessários para o reconhecimento da dispensa ou da inexigibilidade. O caso prático é que irá bem delinear o momento consumativo.”

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 55

39 JUTEN FILHO, Marçal. Comentários à

Lei de Licitações e Contratos Adminis-

trativos. São Paulo: Dialética, 2009, p.

865-866.

Por fi m, a consumação da terceira e ultima hipótese, prevista no parágrafo único, dar-se-á por ocasião da celebração do contrato do particular com o Poder Público.

No que tange à necessidade de dano, existe uma divisão na doutrina, ha-vendo duas posições. A primeira defende a tese de que se trata de crime formal, restando o delito consumado, independente de prejuízo à adminis-tração, apenas com o mero ato de dispensa ou inexigibilidade do processo licitatório. No mesmo sentido, no julgamento do REsp 991.880/RS, Rel. Min. Felix Fischer, em 28/02/2008, DJe 28/04/2008[5], a Quinta Turma do STJ assim consignou:

“A simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº. 8.666/93 não pos-sibilita qualquer conclusão no sentido de que para a confi guração do tipo penal ali previsto exige-se qualquer elemento de caráter subjetivo diverso do dolo. Ou seja, dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um ânimo, uma ten-dência, uma fi nalidade dotada de especifi cidade própria, e isso, é im-portante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei nº. 8.666/93, ao contrário do que se passa, apenas à título exemplifi cativo, com a do art. 90 da Lei nº. 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como “com o fi m de”, “com o intuito de”, “a fi m de”, etc. Aqui, o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a fi nalidade, a razão que moveu o agente ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária. Ainda, o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afi rmação de que a licitação é inexigí-vel, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância. Isto é, não se exige qualquer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário, por exemplo).”

Em sentido contrário, há uma parte da doutrina que associa-se ao enten-dimento que o crime só se consumará na ocorrência de resultado danoso ao erário. Corroborando essa posição, Marçal Justen Filho39 pontua:

“Não se aperfeiçoa o crime do art. 89 sem dano aos cofres públicos. Ou seja, o crime consiste não apenas na indevida contratação indireta, mas na produção de um resultado fi nal danoso. Se a contratação direta, ainda que indevidamente adotada, gerou um contrato vantajoso para a Administração, não existirá crime. Não se pune a mera conduta, ainda que reprovável, de deixar de adotar a licitação. O que se pune é a ins-trumentalização da contratação direta para gerar lesão patrimonial à Administração. (…) É necessário um elemento subjetivo consistente de produzir o resultado danoso ao erário. É necessário um elemento subje-

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FGV DIREITO RIO 56

tivo consistente em produzir um prejuízo aos cofres públicos por meio do afastamento indevido da licitação. Portanto, não basta a mera inten-ção de não realizar licitação em um caso em que tal seria necessário.”

Adotando tal entendimento, a Corte Especial do STJ, na APn 480/MG, Rel. originária Min. Maria Th ereza de Assis Moura, Rel. para acórdão Min. Cesar Asfor Rocha, julgado em 29/03/2012, DJe 15/06/2012, veio a consi-derar que o crime previsto no art. 89 da Lei n. 8.666/1993 exige dolo espe-cífi co e efetivo dano ao erário.

3.1.c —Caso Concreto para análise

MPF/TO denuncia ex-secretária estadual de Educação por superfaturamento na compra de livros para EJA

O Ministério Público Federal no Tocantins denunciou à Justiça Federal a ex-secretária estadual de Educação, Fulana de Tal, o ex-subsecretário Sicrano de Tal, pela aquisição irregular através de inexigibilidade de licitação de livro didático destinado à educação de jovens e adultos.

Entre os anos de 2002 a 2004, a União, por meio do programa para Edu-cação de Jovens e Adultos (EJA) do Ministério da Educação (MEC), dispo-nibilizou à Secretaria de Educação do Estado do Tocantins (Seduc) verbas públicas específi cas para a aquisição de material didático voltado à educação de jovens e adultos que foram excluídos precocemente da escola.

Para orientar na seleção das obras didáticas a serem adquiridas, o MEC publicou em 2002 Proposta Curricular em que são listadas as recomendações de livros para uso nas salas de aula do EJA. A Seduc analisava as obras reco-mendadas pelo MEC e elaborava parecer técnico-pedagógico para defi nir a bibliografi a e realizava a compra mediante licitação ou sua inexigibilidade, em caso de exclusividade regional de editoras e distribuidores.

Já em 2002, embora a seleção técnica da bibliografi a do EJA tenha manti-do coerência em um dos processos para aquisição dos livros, a condução das demais etapas revelava irregularidades indicativas de malversação dos recursos federais. Auditoria realizada pela Controladoria-Geral da União (CGU) em 2005 apontou ilegalidades na gestão dos recursos da EJA, como ausência de programação de aquisição e distribuição de livros; celebração automática de aditivos contratuais; utilização indevida de inexigibilidade de licitação; preca-riedade do controle de estoque do Almoxarifado Central; exigência de apre-sentação de amostra não prevista em edital; e ocorrência de compras de livros pela administração estadual com preços acima dos praticados no mercado.

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FGV DIREITO RIO 57

O caso mais grave, por implicar crime e violação a todas as etapas de aqui-sição de material didático, inclusive seleção técnica, ocorreu na compra por inexigibilidade de licitação de 875 exemplares do livro ‘Manual de Anatomia Humana, ao custo superfaturado de R$ 279,00 cada exemplar, totalizando em valor da época R$ 244.125,00. A decisão da Comissão de Escolha do Livro Didático da Seduc não esclarece nada a respeito da qualidade técnica da obra ou o motivo para sua escolha em detrimento de obras similares com reputação consolidada no mercado. O livro não fi gurava entre as recomenda-ções do MEC para o EJA.

Os gestores e empresários teriam então ajustado entre si o preço super-faturado para compra do livro, com vistas a desviar os recursos públicos em favor da empresa Educar Livros. Mesmo cientes da exigência prevista na Lei 8.666/93 (Lei de Licitações), os gestores dolosamente deixaram de apresentar justifi cativa do preço para aquisição, por inexigibilidade de licitação, do livro. Não foi realizada nenhuma pesquisa de preço de mercado, até que os empre-sários apresentaram proposta de preços superfaturados que previa a compra de 700 exemplares do livro ao custo unitário de R$ 279,00 totalizando em valor da época R$ 195.300,00. Com base em dados falsos passados pelos gestores denunciados, a Procuradoria Geral do Estado do Tocantins ofereceu parecer jurídico favorável à inexigibilidade de licitação. A então secretária de Educação teria afi rmado falsamente que a empresa Educar Livros detinha exclusividade na comercialização do material em todo o Território Nacional, e na autorização de pagamento asseverou que fez minuciosa verifi cação dos aspectos legais, formais e éticos do processo.

Mesmo com a reserva técnica já incluída no cálculo inicial de 700 exem-plares, já que havia na época 635 turmas, foi autorizado o pagamento e o adi-tamento de 25% ao contrato alusivos à compra de mais 175 exemplares do livro ao custo unitário superfaturado de R$ 279,00 somando o total histórico de R$ 48.825,00. Nove meses após a compra por aditamento ajustada pe-los denunciados, a CGU obteve proposta formal de livraria em Palmas para venda de 700 exemplares do mesmo livro por R$ 91, 20. Perícia da Polícia Federal atestou o sobre preço praticado pelos denunciados e apontou que o prejuízo ao erário chegou a R$ 111.125,00.

A CGU constatou que todo o material adquirido encontrava-se estocado no almoxarifado, além de detectar que todos os processos de compra envol-vendo a empresa Educar Livros apresentaram preços de venda acima dos praticados nas livrarias de Palmas. Considerando que as especifi cações dos seis produtos são as mesmas e que a diferença dos valores comparados é alta-mente signifi cativa, a CGU concluiu que os procedimentos de aquisição dos livros sobreditos provocaram prejuízo ao erário R$ 1.028.207,20. Tanto os gestores como os denunciados já foram condenados pelo Tribunal de Contas

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 58

da União pela prática de sobre preço nos contratos de aquisição de livros no ano de 2004.

Maria Auxiliadora Seabra Rezende, Daniel Rodrigues, Fernando Gouveia Gondim e Adélio de Araújo Borges Júnior estão sujeitos às penas previstas no artigo 89, caput, com a causa de aumento do artigo 84, § 2º, ambos da Lei nº. 8.666/93; e art. 312, com a causa de aumento do artigo. 327, § 2º, ambos do Código Penal. Maria do Socorro Leite e José Alventino Lima Filho Coutinho estão incursos nas penas do artigo 89, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93; e artigo 312 combinado com o artigo 29, ambos do CP.

FONTE: JusBrasilhttp://pr-to.jusbrasil.com/noticias/2521231/mpf-to-denuncia-ex-secreta-

ria-estadual-de-educacao-por-superfaturamento-na-compra-de-livros-para-eja

3.2 Frustração ou fraude do caráter competitivo

3.2.a Tipo Penal

Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qual-quer outro expediente, o caráter competitivo do proced imento licita-tório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decor-rente da adjudicação do objeto da licitação:

Pena — detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

3.2.b — Sobre o crime

O crime de frustração ou fraude ao caráter competitivo da licitação visa pu-nir o agente que, agindo dolosamente — vontade livre e consciente —, com fi nalidade especifi ca de obter, para si ou para terceiro, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, frustra (faz malograr) ou frauda (engana; ludibria) o caráter competitivo do procedimento licitatório, mediante ajuste — que para fi ns da aplicação da lei funciona como sinônimo de combinação —, combinação e qualquer outro expediente. O bem jurídico protegido, as-sim sendo, é primordialmente o caráter competitivo da licitação, tutelando--se implicitamente os princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade administrativa, dentre outros que norteiam toda a atividade administrativa.

Trata-se de crime comum no que diz respeito ao sujeito ativo, podendo ser cometido por qualquer licitante que utilize meio idôneo para frustrar ou fraudar o certame licitatório, podendo o servidor público responder como coautor e partícipe.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 59

O servidor poderá responder também por corrupção ou eventualmente por concussão Há, até mesmo, quem defenda que nas hipóteses em que a fraude/frustração ocorrer mediante ajuste ou combinação, seria caso de con-curso necessário. A jurisprudência, no entanto, não tem uma posição conso-lidada, já tendo decisões a favor do concurso necessário e outras negando sua qualifi cação.

Na fi gura do sujeito passivo sempre estará o ente licitante, englobando os órgãos que compõe a administração direta e indireta, conforme o agente esteja vinculado funcionalmente, como também poderá ser o concorrente prejudicado.

Por se tratar de crime formal, consuma-se somente com a descrição do fi m especifi co do núcleo do tipo, bastando apenas o mero ajuste, combinação ou qualquer outro expediente para fraudar/frustrar o caráter competitivo da li-citação, independente de lograr com êxito, isto é, obter vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, para si ou para outrem.

Entretanto, há quem entenda que a consumação deverá aguardar a con-clusão do certame, ou seja, terá a consumação diferida, sendo de natureza material. Para esta corrente, será necessária a ocorrência de prejuízo concreto ao caráter competitivo da licitação, o que somente poderá ser observado após a conclusão do procedimento licitatório.

3.3 Impedimento, pertubação ou fraude a ato licitatório

3.3.a Tipo Penal

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena — detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

3.3.b — Sobre o crime

O crime se perfaz quando o autor impede (não deixar que ocorra), per-turba (criar difi culdades) ou fraude (fa zer surgir em erro) determinado pro-cedimento licitatório. Nota-se que a conduta diz respeito a qualquer ato de procedimento licitatório promovido pela Administração Pública federal, es-tadual ou municip al, e repete a conduta descrita no art. 335 do CP, da se-guinte redação:

Art. 335. Impedir, perturbar ou fraudar venda em hasta pública, pro-movida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por enti-

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40 Retirado do site: http://jus.com.

br/revista/tex to/5635/aspec tos-

-criminais-da-lei-de-licitacoes, Artigo:

Aspectos Criminais da Lei de Licitações.

dade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem.

Assim, tal dispositivo, somado com o art. 95 da mesma lei, acabaram por derrogar o artigo supracitado do Código Penal, vigorando exclusivamente em relação à venda em hasta pública.

Consuma-se no instante em que o ato da licitação ou a venda em hasta pú-blica não se realiza, sofre a perturbação ou é fraudado. A tentativa é possível em qualquer das modalidades típicas.

4 — LEITURA OBRIGATÓRIA:

BALTAZAR JR, João Paulo, Crimes Federais, Ed. Livraria do Advogado, pág. 502/509

5 — LEITURA COMPLEMENTAR:

DOS OUTROS CRIMES PREVISTOS NA LEI 8.666/1993 40

Art. 93. O tipo penal é deveras genérico: “impedir, perturbar ou fraudar a re-alização de qualquer ato de procedimento licitatório”. Esse dispos itivo veio substi-tuir o crime do art. 335 do CP que tinha redação parecida, mas se referia apenas à concorrência pública ou venda em hasta pública. Para VICENTE GRECO FILHO, “o dispositivo contém, implícito, o elemento normativo sem justa causa ou indevidamente quanto ao impedir e o perturbar, porque há situações em que o impedimento ou perturbação são não só legítimos mas necessários, como a utiliza-ção do mandado de segurança para suspender ou anular o procedimento viciado” (ob. cit., p. p.35). A pena é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 94. O tipo prevê: “devassar o sigilo de proposta apresentada em procedi-mento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo”. Esse disposi-tivo acabou revogando o art. 326 do CP que tinha redação idêntica, mas referia--se apenas à concorrência pública. O objetivo é garantir a lisura da licitação, punindo o agente que se conhece do conteúdo da proposta apresentada, pouco importando se abre o envelope, coloca-o contra a luz, consulta um funcionário, enfi m, em qualquer dessas hipóteses, o sigilo será violado. Trata-se de uma espécie de violação de segredo funcional, conforme PAULO JOSÉ DA COSTA JR. A pena é de detenção, de dois a três anos, e multa.

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Art. 95. O crime é de afastar ou procurar afastar licitante, por meio de vio-lência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo. O dispositivo revogou a parte fi nal do art. 335 do CP que tinha redação semelhan-te, entretanto, a pena foi consideravelmente aumentada. O licitante afastado em razão do recebimento de vantagem irá responder pelo crime nos termos do previsto no parágrafo único. Interessante notar que o tipo penal não admite a tentativa. Assim, basta procurar afastar para a realização do crime. A pena é de detenção, de dois a quatro anos, e multa.

Art. 96. O crime desse artigo é de fraudar licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias mediante as seguintes condutas: elevar arbi-trariamente os preços; vender, como verdadeira ou perfeita, mercadoria ou fal-sifi cada ou deteriorada; entregar uma mercadoria por outra; alterar substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; e tornar, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato. Esses compor-tamentos são taxativos e não admitem ampliação. Em todas essas modalidades, é importante afi rmar que se ausente prejuízo para a Fazenda Pública não há que se cogitar de delito algum, por expressão disposição do caput do artigo. Conse-quentemente, o crime consuma-se com a efetivação do prejuízo, que se apresenta no pagamento da fatura. Portanto, admite-se a tentativa. A pena é de detenção, de três a seis anos, e multa.

Art. 97. A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Ad-ministração Pública é uma das sanções administrativas previstas no art. 87 da Lei de Licitações. Ela perdurará até que seja promovida a reabilitação perante a autoridade que aplicou a penalidade ou decorrido o prazo de dois anos. Dito isso, o tipo penal do art. 97 prevê como crime a conduta de “admitir à licitação ou celebrar contrato com empresa ou profi ssional declarado inidôneo”. O parágrafo único prevê que o declarado inidôneo que venha a solicitar ou contratar nessa condição também responda pelo crime. Ocorre que se o licitante ou contratado obter a revogação de inidoneidade por via judicial, deixa de subsistir o ilícito penal por falta de elemento normativo do tipo. Não tendo sido previsto a mo-dalidade culposa do crime, não responde pelo delito o funcionário público que, atabalhoadamente, admitir à licitação empresa ou profi ssional sem verifi car sua idoneidade. A pena cominada para esse delito é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Art. 98. O art. 34 dessa lei prevê que os órgãos da Administração Pública que realizem licitações manterão registros cadastrais para efeito de habilitação. Esse registro deverá ser amplamente divulgado e permanecer aberto aos interessados. As regras se estendem do art. 34 até o art. 37 e visam garantir a regularidade e efi ciência da Administração na hora de contratar. Por isso é que o tipo penal do art. 98 pune quem “obstar, impedir ou difi cultar, injustamente, a inscrição de

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qualquer interessado nos registros cadastrais ou promover indevidamente a altera-ção, suspensão ou cancelamento de registro do inscrito”. Conforme observa PAU-LO JOSÉ DA COSTA JR., “a norma contém um elemento normativo expresso, o advérbio injustamente. Se o obstaculizar ou o difi cultar for justo, legítimo, merecido, não há crime a punir. Seria o caso, por exemplo, de impedir a inscrição de concorrente declarado inidôneo” (ob. cit., p. 68). O mesmo ocorre quanto ao termo indevidamente presente na segunda parte da norma. A pena cominada é a de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE RESPON-SABILIDADE (ART. 1º, XI, DO DL 201/67). DISPENSA OU INEXI-GÊNCIA DE LICITAÇÃO (ART. 89, DA LEI 8.666/67). PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. Não se vislumbra o alegado maltrato ao dispositivo de Lei Federal, visto que o v. acórdão alvejado não deixou de aplicar lei de caráter excepcional ou temporária, matéria tratada no art. 3º, do Código Penal, dito violado pelo recorrente. O Prefeito Municipal, como ordenador de despesas, não pode deixar de ser responsabilizado criminalmente, nos termos do art. 89, da Lei nº 8.666/93, quando burla a exigência de licitação, através de ex-pedientes fraudulentos, como o fracionamento de despesa ou, ainda, quando frauda o próprio certame, com propostas contendo data anterior à do convite, condutas estas, ademais, diversas da descrita no art. 1º, XI, do Decreto-Lei nº 201/67, pelo que não há falar em bis in idem.” Recurso não conhecido.

(STJ — REsp: 504785 PB 2002/0174356-9, Relator: Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, Data de Julgamento: 02/10/2003, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 28/10/2003 p. 338, undefi ned)

EMENTA 2: PENAL. DENÚNCIA. JUSTA CAUSA. 1 — Denúncia que descreve, minuciosamente, fatos que, caso comprovados, durante a instrução, confi guram violação do art. 89 da Lei nº 8.666, de 1993. 2 — Efeito danoso da contratação sem licitação pública que será averiguado com base nas provas apuradas no curso da relação jurídica processual. 3 — Existe justa causa em de-núncia que preenche, com base em procedimento administrativo, os requisitos para o seu recebimento, por descrever fatos que, em tese, aconteceram e são considerados ilícitos. 4 — Conselheira do Tribunal de Contas que está sendo apontada como tendo violado o art. 89 da Lei das Licitações, por ter fatiado contrato, sem autorização legal, quando Prefeita de município, tudo para fugir da exigência do direito do certame licitatório. 5 — Denúncia recebida

(STJ — Apn: 480 MG 2006/0259090-0, Relator: Ministro JOSÉ DEL-GADO, Data de Julgamento: 05/06/2007, CE — CORTE ESPECIAL, Data de Publicação: DJ 29.06.2007 p. 461, undefi ned)

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EMENTA 3: PROCESSO PENAL. INQUÉRITO. ENVOLVIMENTO DE PARLAMENTAR FEDERAL. CRIME DE DISPENSA IRREGULAR DE LICITAÇÃO (ART. 89 DA LEI Nº 8.666/93). AUDIÇÃO PRÉVIA DO ADMINISTRADOR À PROCURADORIA JURÍDICA, QUE AS-SENTOU A INEXIGIBILIDADE DA LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DOLO. ART. 395, INCISO III, DO CPP. INEXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. REJEI-ÇÃO DA DENÚNCIA. 1. A denúncia ostenta como premissa para seu re-cebimento a conjugação dos artigos 41 e 395 do CPP, porquanto deve conter os requisitos do artigo 41 do CPP e não incidir em nenhuma das hipóteses do art. 395 do mesmo diploma legal. Precedentes: INQ 1990/RO, rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJ de 21/2/2011; Inq 3016/SP, rel. Min. Ellen Gra-cie, Pleno, DJ de 16/2/2011; Inq 2677/BA, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 21/10/2010; Inq 2646/RN, rel. Min. Ayres Britto, Pleno, DJ de 6/5/010. 2. O dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar o ilícito penal, não se faz presente quando o acusado da prática do crime do art. 89 da Lei nº 8.666/93 (“Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses pre-vistas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade”) atua com fulcro em parecer da Procuradoria Jurídica no sentido da inexigibilidade da licitação. 3. In casu, narra a denúncia que o investigado, na qualidade de Diretor da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, teria solicitado, mediante ofício ao Departamento de Controle e Lici-tações, a contratação de bandas musicais ante a necessidade de apresentação de grande quantidade de bandas e grupos de shows musicais na época carna-valesca, sendo certo que no Diário Ofi cial foi publicada a ratifi cação das con-clusões da Procuradoria Jurídica, assentando a inexigibilidade de licitação, o que evidencia a ausência do elemento subjetivo do tipo no caso sub judice, tanto mais porque, na área musical, as obrigações são sempre contraídas in-tuitu personae, em razão das qualidades pessoais do artista, que é exatamente o que fundamenta os casos de inexigibilidade na Lei de Licitações — Lei nº 8.666/93. 4. Denúncia rejeitada por falta de justa causa — art. 395, III, do Código de Processo Penal.

(STF — Inq: 2482 MG, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Jul-gamento: 15/09/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-035 DIVULG 16-02-2012 PUBLIC 17-02-2012, un-defi ned)

EMENTA 4: Vistos.Aberto prazo para a acusação e a defesa requererem as diligências que julgassem necessárias ao julgamento do feito, nos ter-mos do art. 10 da Lei nº 8.038/90 e do art. 240 do RISTF, as partes se manifestaram.O Ministério Público Federal requereu as seguintes diligências:

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FGV DIREITO RIO 64

‘a) expedição de ofício ao Município de Pato Branco/PR para que encaminhe cópia integral dos procedimentos relativos à Concorrência nº 005/98 e ao Termo de Concessão de Serviços Públicos nº 001/98, bem como do proce-dimento em que se reconheceu a irregularidade da aceitação dos títulos pela Prefeitura (fl s. 89/92);b) expedição de ofi cio à Câmara Municipal de Pato Branco/PR para que forneça cópia integral do procedimento legislativo que culminou na aprovação da Lei nº 1.776/98 daquele Município;c) expedi-ção de ofício ao TRE/PR para que forneça cópia da prestação de contas da campanha de ALCENI GUERRA à Prefeitura de Pato Branco em 1996’ (fl . 544). De outro lado, a defesa do acusado Alceni Guerra, após fazer algu-mas considerações, requereu o que se segue: ‘a) seja requisitado à vara única da comarca de Pato Branco/P cópia integral dos autos da ação popular nº 336/99, pois ali estão todos os documentos citados ao norte;b) seja requisita-do à prefeitura municipal de Pato Branco informações a respeito do Decreto, de meados de 1999, sobre o cancelamento da concorrência pública para a exploração do terminal rodoviário local.Outrossim, roga-se a V. Exa., seja reconsiderada a decisão que indeferiu o requerimento de oitiva de testemu-nhas (fl s. 459/463), eis que a verdade real será revelada com tais depoimen-tos, pois gozam de fi dúcia a comprovar não ter havido qualquer interesse do então prefeito em benefi ciar quem quer que seja.Assim, nos moldes do parágrafo único do art. 502 do Código Processual, concessa venia, que seja novamente interrogado o denunciado e ouvidas as testemunhas já arroladas’ (fl s. 546 a 549). Já a defesa do acusado Fernando Lúcio Giacobo requereu, ‘tal como solicitado pelo Ministério Público Federal às fl s. 1544, item `c’, a `expedição de ofício ao TRE/PR para que forneça cópia da prestação de contas da campanha de ALCENI GUERRA à Prefeitura de Pato Branco em 1996’’ (fl . 552).Decido.Verifi co que as diligências requeridas pelas partes têm como objetivo a comprovação da materialidade do crime ora investigado, bem como elucidar a existência, ou não, do dolo necessário à confi guração do crime previsto na Lei nº 8.666/93, o que revela a pertinência dos pedidos para o julgamento da presente ação penal.Defi ro os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal (itens ‘a’, ‘b’ e ‘c’) e pelas defesas dos réus Alceni Guerra (itens ‘a’ e ‘b’) e Fernando Lúcio Giacobo.Ressalto que o requeri-mento da Procuradoria-Geral da República, no item ‘c’, abrange o quanto requerido pela defesa do réu Fernando Lúcio Giacobo.Indefi ro, contudo, o pedido de reconsideração da decisão de fl s. 538 a 541, formulado pela defe-sa do réu Alceni Guerra, pelos seus próprios fundamentos.Ante o exposto, determino, à Secretaria, o cumprimento das seguintes diligências: a) expe-dição de ofício ao Município de Pato Branco/PR para que encaminhe cópia integral dos procedimentos relativos à Concorrência nº 005/98 e ao Termo de Concessão de Serviços Públicos nº 001/98, bem como do procedimento em que se reconheceu a irregularidade da aceitação dos títulos pela Prefeitura

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FGV DIREITO RIO 65

(fl s. 89/92); b) expedição de ofi cio à Câmara Municipal de Pato Branco/PR para que forneça cópia integral do procedimento legislativo que culminou na aprovação da Lei nº 1.776/98 daquele Município; c) expedição de ofício ao TRE/PR para que forneça cópia da prestação de contas da campanha de AL-CENI GUERRA à Prefeitura de Pato Branco em 1996; d) seja requisitada à Vara Única da Comarca de Pato Branco/PR cópia integral dos autos da Ação Popular nº 336/99; e) seja requisitada à Prefeitura Municipal de Pato Branco/PR informações à respeito do Decreto, de meados de 1999, sobre o cance-lamento da concorrência pública para a exploração do terminal rodoviário local. Publique-se.Brasília, 15 de dezembro de 2008. Ministro MENEZES DIREITO Relator1

(STF — AP: 433 PR, Relator: Min. MENEZES DIREITO, Data de Jul-gamento: 15/12/2008, Data de Publicação: DJe-022 DIVULG 02/02/2009 PUBLIC 03/02/2009, undefi ned)

EMENTA 5: PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPE-CIAL. ART. 89, CAPUT, DA LEI Nº 8.666/93. ELEMENTO SUBJETI-VO DO TIPO PENAL QUE SE ESGOTA NO DOLO. CRIME QUE SE PERFAZ INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DE QUAL-QUER RESULTADO NATURALÍSTICO. I — A simples leitura do caput do art. 89 da Lei nº 8.666/93 não possibilita qualquer conclusão no sentido de que para a confi guração do tipo penal alí previsto exige-se qualquer ele-mento de caráter subjetivo diverso do dolo. Ou seja, dito em outras palavras, não há qualquer motivo para se concluir que o tipo em foco exige um âni-mo, uma tendência, uma fi nalidade dotada de especifi cidade própria, e isso, é importante destacar, não decorre do simples fato de a redação do art. 89, caput, da Lei nº 8.666/93, ao contrário do que se passa, apenas à título exem-plifi cativo, com a do art. 90 da Lei nº 8.666/93, não contemplar qualquer expressão como “com o fi m de”, “com o intuito de”, “a fi m de”, etc. Aqui, o desvalor da ação se esgota no dolo, é dizer, a fi nalidade, a razão que moveu o agente ao dispensar ou inexigir a licitação fora das hipóteses previstas em lei é de análise desnecessária. II — Ainda, o crime se perfaz, com a mera dispensa ou afi rmação de que a licitação é inexigível, fora das hipóteses previstas em lei, tendo o agente consciência dessa circunstância. Isto é, não se exige qual-quer resultado naturalístico para a sua consumação (efetivo prejuízo para o erário, por exemplo). Recurso desprovido

(STJ — REsp: 991880 RS 2007/0225409-7, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Julgamento: 27/02/2008, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 28.04.2008 p. 1, undefi ned)

EMENTA 6: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS PÚBLICAS. APLICAÇÃO DO

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FGV DIREITO RIO 66

PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O princípio da consunção pode ser aplicado quando um delito serve como fase preparatória ou de execução para um crime mais grave, restando absorvido por este. 2. Na hipótese vertente, não se observa que o crime previsto no art. 315 do Código Penal possa absorver crimes mais graves como os tipifi cados nos arts. 89 e 90 da Lei n.º 8.666/93, bem como os descritos nos arts. 288 e 299, parágrafo único, ambos do Código Penal, sendo, pois, inaplicável o princípio da con-sunção. 3. Recurso desprovido.

(STJ — RHC: 10870 SE 2000/0142741-5, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 17/02/2005, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 14/03/2005 p. 382, undefi ned)

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FGV DIREITO RIO 67

41 Roberto Monteiro Gurgel Santos é o

atual Procurador-geral da República do

Brasil desde 22 de julho de 2009.

AULA 08 E 09: REFLEXÕES SOBRE A DOGMÁTICA DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A PÓS O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470 — MENSALÃO

1. INTRODUÇÃO

O julgamento do esquema vulgarmente conhecido por “mensalão”, a par de suas imp licações políticas e sociológicas, traduziu-se em marco expressivo para o Direito Penal e Processual Penal brasileiros, na medida em que o STF foi chamado a fi xar parâmetros e critérios importantes na interpretação do direito, que servirão de rumos a todos os demais juízos criminais do país.

Iniciado em agosto e concluído apenas em dezembro de 2012, já vem sendo apontado como o mais importante e o mais longo julgamento da his-tória do Supremo Tribunal Federal (STF). Foram mais de 50 sessões para julgamento de 25 réus que acabaram condenados pelos crimes de corrupção, peculato, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta de instituição fi nanceira, evasão de divisas e formação de quadrilha. Entre os denunciados estavam políticos ligados ao governo, parlamentares, assessores, donos e funcionários de empresas da área fi nanceira, publicitária e de corretagem e um funcionário público.

No momento em que redigimos este texto, o STF se prepara para julgar os Embargos de Declaração dos réus, e ainda tem que decidir acerca do cabi-mento ou não dos Embargos Infringentes. Para nosso curso, importa analisar alguns aspectos do acórdão, atinentes ao objeto de nossas aulas.

2. O CASO

A história é conhecida de todos, mas vamos resumi-la. A denúncia des-creveu um esquema de compra de apoio parlamentar, ou na s palavras do Procurador Geral da República: Roberto Gurgel41:

“O mensalão representou um sistema de enorme movimentação fi -nanceira à margem da legalidade, com o objetivo espúrio de comprar os votos de parlamentares tidos como especialmente relevantes pelos líderes criminosos.”

Em maio de 2005, ainda na primeira metade do primeiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva, foi ao ar na TV GLOBO, um vídeo que mostrava o chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, Maurício Marinho Marinho, recebendo propina — três mil reais — para fraudar uma licitação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

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(ECT). O servidor era ligados ao PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), parti-do do qual Roberto Jeferson era presidente. A notícia teve grande repercus-são, ocasionando a instauração da CPI dos Correios.

Roberto Jeff erson, deputado federal à época, acuado e se negando a “afun-dar” sozinho, revelou minuciosamente, em uma entrevista ao jornal Folha de São Paulo, um amplo esquema, que chamou de mensalão. Segundo Jeff erson, deputados da base aliada do PT recebiam uma “mesada” de R$ 30 mil para votarem segundo as orientações do governo. Estes parlamentares, os “men-saleiros”, seriam do PL (Partido Liberal), PP (Partido Progressista), PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) e do próprio PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

O esquema Mensalão, conforme o depoimento de Roberto Jeff erson e, posteriormente, apurado no inquérito policial e descrito detalhadamente na denúncia do Ministério Público, estaria divido em três núcleos: político, ope-racional e fi nanceiro.

Após intensa investigação policial e complementada por diligências pro-movidas pelo Ministério Publico Federal, o Procurador Geral da República ofereceu denúncia contra 39 pessoas, perante o STF. Isto porque dentre os denunciados havia autoridades detentoras de foro privilegiado no STF, mais precisamente alguns deputados federais. A ação proposta foi distribuída à Relatoria do Ministro Joaquim Barbosa que conduziu toda a instrução.

Em 2012, fi nalmente, a ação foi julgada pelo pleno do STF, resultando na condenação da maior parte dos denunciados.

O acórdão do STF reconhece a existência dos três núcleos descritos na denúncia:

Núcleo PolíticoConforme entendimento do STF, o mensalão teria sido organizado por

um núcleo político, liderado por José Dirceu, ex-ministro da casa civil, e integrado por outros três dirigentes: Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, Síl-vio Pereira, ex-secretário geral do PT, e José Genoíno, ex-presidente do PT. O esquema tinha como fi nalidade pagar dívidas do PT, negociar apoio político, custear gastos de campanha e outras despesas do partido e de seus aliados.

Núcleo OperacionalEste núcleo tinha como líder Marcos Valério, dono de agências de publici-

dade que tinham contratos com o governo federal, e contava com o apoio de Ramon Hollerbach, Rogério Tolentino e Cristiano Paz, sócios de Marcos Va-lério, e com auxílio de Simone Vasconcelos, ex-diretora fi nanceira de Marcos Valério, e Geiza Dias, funcionária de Marcos Valério. O acórdão reconheceu que, em conjunto com os dirigentes do Banco Rural, Marcos Valério desen-volveu um esquema de utilização de suas empresas para transferência de re-

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FGV DIREITO RIO 69

cursos fi nanceiros a campanhas políticas, pagando para os políticos indicados pelos petistas. A origem das verbas era simulada como empréstimo do Banco Rural e as verbas não eram declaradas à Receita Federal.

Núcleo FinanceiroEste núcleo tem como integrantes a Presidente do Conselho de Admi-

nistração do Banco Rural, Kátia Rabello, José Roberto Salgado e Ayanna Tenório, ex-diretores do Banco Rural, e Vinícius Samarane, diretor do Banco Rural. Juntos, estabeleceram mecanismos de operacionalização dos vultosos pagamentos em espécie às pessoas indicadas pelo núcleo de Marcos Valério, dando suporte ao mensalão, alimentando o esquema com empréstimos frau-dulentos, permitindo que os políticos sacassem o dinheiro sem se identifi car, e transferindo parte dos recursos para o exterior.

Os demais acusados que integram a lista extensa de réus da Ação 470 são os denominados “mensaleiros”, isto é, políticos que recebiam dinheiro em troca de votos em favor do governo e empresários acusados de lavagem de dinheiro, assessores e o publicitário Duda Mendonça e sua sócia Zilmar Fer-nandes Silveira, ambos absolvidos pelo STF.

O julgamento da Ação 470 perdurou por quatro meses e meio, do dia 2 de agosto de 2012 até o dia 17 dezembro de 2012. Foi complexo, cheio de polêmicas, discussões, interesses políticos, viradas jurisprudenciais e posicio-namentos inesperados da Corte. Ao fi nal, o STF reconheceu a existência do esquema criminoso de desvio de dinheiro público objetivando a compra de votos no Congresso Nacional, acolhendo a tese da denúncia em sua maioria, condenando 25 dos 38 réus do processo, fi xando as punições de cada um, além de defi nir que os três deputados federais condenados terão que deixar seus mandatos. Outros 12 réus acabaram inocentados e um teve seu processo remetido para primeira instância.

3. IMPLICAÇÕES JURÍDICAS

O mensalão foi um julgamento incomum realizado pelo Supremo Tribu-nal Federal. Já é raro vermos a Corte Suprema julgando em primeira mão (competência originária) uma ação penal. Eram raros os registros de casos as-sim. A última vez que um julgamento semelhante ocor rera no STF foi quan-do o ex Presidente Collor foi julgado, em 199??, pelo crime de corrupção passiva, ocasião em que o STF livrou o réu por considerar inepta a denúncia por ausência de prova do ato de ofício.

Uma ação do porte da AP 470, envolvendo tantas autoridades juntas, era inédito. E, quebrando uma tradição histórica, o julgamento se deu após um

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FGV DIREITO RIO 70

42 Isto foi possível, em grande parte,

pelo uso intenso da fi gura da Carta de

Ordem, por meio da qual o Ministro Re-

lator delegava a juízes de primeiro grau

a oitiva de testemunhas.

43 BARROSO, Luis Roberto. Artigo:

“STF entre seus papéis contramajori-

tário e representativo”, publicado em

03 de janeiro de 2013, Consultor Juridico. (http://www.conjur.com.

br/2013-jan-03/retrospectiva-2012-

-stf-entre-papeis-contramajoritario-

-representativo). Luis Roberto Barroso

hoje é Ministro do STF e terá que julgar

os Embargos de Declaração na AP470.

período relativamente curto de instrução, se comparado com ações congêne-res que tramitam em instâncias inferiores42. Ao fi nal o resultado foi também surpreendente: a Corte, conhecida até então por uma tradição essencialmen-te liberal em matéria penal, mostrou-se rigorosa como nunca antes visto.

Há quem veja na decisão um caráter essencialmente político, infl uenciada pelo clamor público e, por este motivo, uma exceção nos julgamentos da Corte. Outros se animam com esse novo paradigma, acreditando ser mais legítimo e democrático que as decisões proferidas pelo judiciário estejam ali-nhadas com a opinião pública. Nas palavras do agora Ministro Luis Roberto Barroso43:

“Jamais houve um julgamento sob clamor público tão intenso, as-sim como sob mobilização tão implacável dos meios de comunicação. E é fora de dúvida que o STF aceitou e apreciou o papel de atender à demanda social pela condenação de certas práticas atávicas, que não devem ser aceitas como traço inerente ao sistema político brasileiro ou à identidade nacional. Desempenhou, assim, o papel representativo de agente da mudança. É inegável, todavia, que a superação de linhas ju-risprudenciais anteriores, a dureza das penas e o tom por vezes panfl etá-rio de alguns votos surpreenderam boa parte da comunidade jurídica.”

Alguns temas da dogmática penal e processual penal foram muito debati-dos durante o julgamento do mensalão. Nossa intenção foi selecionar alguns destes temas que, a meu ver, são mais relevantes para o nosso estudo. A se-leção a seguir enuncia os pontos, tanto no âmbito penal quanto processual, que se destacaram por seu alcance prático ou por sua relevância teórica e que estão diretamente relacionados com o objeto central da presente disciplina

3.1 A QUESTÃO COMENTADA NA IMPRENSA

Inovações e jurisprudências?

É fato que, para o bem ou para o mal, as anunciadas inovações do jul-gamento não encontram eco entre os ministros da corte, em especial entre os mais antigos da casa. Dos quatro decanos, apenas Marco Aurélio Mello ainda não se manifestou especifi camente sobre o assunto. “O Tribunal tem é que julgar, porque este é seu trabalho. E não fi car respondendo críticas. Mas respeito os ministros que pensam diferente de mim”, disse ele à Carta Maior, por telefone.

Celso de Mello, Ayres Britto e Gilmar Mendes, porém, tem sido enfáti-cos em ressaltar que o “mensalão” não tem criado jurisprudências, mudado

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FGV DIREITO RIO 71

conceitos ou inovado em procedimentos. Mello, inclusive, abriu a leitura do seu voto, na última terça, abordando o tema. “Quero registrar que o STF está julgando a presente causa da mesma forma que sempre julgou os demais processos que foram submetidos a sua apreciação”.

Na quarta passada, dia em que todas as atenções estiveram voltadas ao des-controle do ministro-relator, Joaquim Barbosa, Mello já havia manifestado esse entendimento. “O Supremo não tem procedido a alterações processuais, nem alterado sua própria jurisprudência, ao contrário. As diretrizes fi rmadas em diversos precedentes têm pautado, neste caso, a atuação do STF”, prosse-guiu. “É o que penso”, emendou o presidente da corte, Ayres Britto.

Naquela ocasião, Mello chegou, inclusive, a justifi car que o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi absolvido do crime de corrupção não pela falta de um ato de ofício que o comprovasse, como vem sendo alegado pelos críticos do julgamento em pauta, mas porque sua conduta não se encaixou devidamente na tipicidade do crime.

Nesta quinta (4), foi a vez de Gilmar Mendes sair em defesa do compor-tamento padrão da corte. Quando o ministro Luiz Fux, durante eu voto, deixou escapar que, com o entendimento deste julgamento, “caixa dois é corrupção”, o colega mais velho correu para corrigi-lo. “O que se criou foi um fundo alimentado com recursos públicos e privados para fi delizar esta base partidária”, pontuou.

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, faz a mesma leitu-ra. “O Supremo está julgando este caso, que foi submetido pela Procurado-ria Geral da República, e julgando a partir do contexto fático destes autos. Como disse o ministro Celso de Mello, sem abrir mão de nenhuma das posi-ções tradicionais do Supremo”, afi rmou ele à Carta Maior.

Os advogados, críticos das mudanças, ironizam o comportamento dos mi-nistros. “Eles estão na defensiva”, avalia o advogado Luiz Fernando Pacheco, que defende José Genoino. “É claro que há muitas mudanças em curso que irão infl uenciar todas as decisões de primeira e segunda instância”, acrescenta Antônio Malheiros, que defende Delúbio Soares no processo. Para ambos, o comportamento dos ministros é apenas uma resposta às diversas críticas de que este é um julgamento de exceção (ver Carta Aberta).

Das falas dos decanos pode-se depreender um outro efeito colateral, que signifi ca uma pá de cal na esperança dos mais otimistas. Afi nal, se não há mudança de jurisprudência, quem garante que transitada e julgada esta ação penal, o STF não retomará o tipo de entendimento que permitiu Collor de Mello sair ileso, Maluf transitar pelo país e Daniel Dantas escapar da cadeia?

Fonte: Carta Maiorhttp://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_

id=21026

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 72

44 ARGUELHES, Diego Werneck e ABRA-

MOVAY, Pedro Vieira. Artigo publicado

no Jornal O Estado de S. Paulo em 22 de

julho de 2012.

45 AP 552

46 ARGUELHES, Diego Werneck e ABRA-

MOVAY, Pedro Vieira. Artigo publicado

no Jornal O Estado de S. Paulo em 22 de

julho de 2012.

3.2 O FORO PRIVILEGIADO E O DESMEMBRAMENTO DO PROCESSO

O primeiro ponto a chamar a atenção no julgamento da Ação Penal 470 foi o reconhecimento da competência do STF para o julgamento de todos os denunciados, mesmo aqueles que, sozinhos, não teriam direito a este foro. Prevaleceu a força atrativa do foro privilegiado quando o crie é cometido em concurso de pessoas. Sobre esse ponto, Pedro Abramovay e Diego Verneck44 explicam:

“Mesmo com parlamentares envolvidos, o que move um pro cesso como Mensalão para o STF ou para primeira instancia não é uma re-gra clara, mas um tipo de interpretação, feito pelo STF, sobre os fatos narrados pelo MP. O MP estrutura sua narração de uma determinada maneira. Que estrutura foi essa? A denuncia descreve um esquema, composto por uma série de crimes interligados, praticados por pessoas diferentes e em momentos diferentes. É a narrativa do MP que liga o saque de recursos por um parlamentar em um determinado ban-co privado, por exemplo, a um contrato simulado entre uma agência de publicidade e uma instituição publica. Ela une, em uma visão sis-têmica, fatos que de outra forma poderiam ser encarados e avaliados isoladamente. Ao receber e aceitar julgar a denuncia do MP em sua integralidade, fazendo com que os réus parlamentares “puxem” para o tribunal os outros acusados, o relator aceitou, em principio, essa nar-rativa sistêmica”

Contudo, apesar desse entendimento ter prevalecido no julgamento do Mensalão, alguns ministros, como Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewando-wski, ainda questionam essa visão adotada pela Corte. Eles afi rmam que, em decisões que não dependam de análise colegiada, continuarão remetendo à primeira instância réus sem foro privilegiado, mesmo se eles estiverem ligados em uma quadrilha envolvendo réus com foro. E em outras ocasiões o STF de fato decidiu de forma diferente, como por exemplo na chamada Operação Furacão45, em que manteve naquela corte apenas os réus detentores do foro, e declinando da sua competência em favor da primeira instância com relação aos demais acusados.

Em suma, em relação às questões relativas ao foro por prerrogativa de função e, reportando-me novamente ao artigo feito por Pedro Abramovay e Diego Verneck 46: “Desde que seja garantida a ampla defesa dos acusados, em qualquer instância, é uma escolha de governança processual que cabe ao STF.”

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 73

47 Retirado do Artigo: Mensalão vai

infl uenciar outras ações de corrupção;

por FAUSTO MACEDO, Eduardo Kattah,

publicado no Estadao, em 02 de se-

tembro de 2012. (http://www.estadao.

com.br/noticias/impresso,mensalao-

-vai-influenciar-outras-acoes-de-

-corrupcao-,924737,0.htm)

3.3 A CORRUPÇÃO PASSIVA

Em uma inesperada mudança de entendimento, a Corte entendeu não ser mais necessário a comprovação do ato de ofício por parte do funcionário público para a caracterização do crime em questão. Tradicionalmente, a ju-risprudência sempre indicara a necessidade de se demonstrar qual o ato de ofício fora objeto da negociação espúria da corrupção. Em suma, era ônus da acusação apontar e demonstrar qual o ato funcional fora retardado, omitido ou realizado em desacordo com a lei. Este entendimento, inclusive, fora rei-terado no tam bém célebre julgamento do ex Presidente Collor.

A partir da AP 470, o entendimento é outro. O crime estará aperfeiçoa-do somente com a solicitação, aceitação ou recebimento da vantagem, sem necessidade de se comprovar a contrapartida do funcionário público. Nesta linha, o Min. Luiz Fux ponderou:

”Não se pratica um crime desses se não se tem autoridade. Esse potencial é que caracteriza o crime. Por isso a doutrina considera que o ato formal já caracteriza o ilícito. O ato de ofício é a prática possível e eventual que explica a solicitação da vantagem indevida ou seu ofe-recimento”

O procurador regional da República no Recife, Wellington Cabral Saraiva, que é coordenador do Grupo de Trabalho sobre Convenções Internacionais Contra a Corrupção do Ministério Público Federal, explicou: “O Supremo não está dando um cheque em branco para a polícia e para o Ministério Público, nem para o Judiciário; está apenas restabelecendo a força do Código Penal no capítulo da corrupção, conforme o artigo 317. Não há nesse artigo descrição de que o agente público tem que praticar ato, a corrupção já se caracteriza quando (o agente) solicita a vantagem em razão da função. Essa é a questão-chave, o STF está resgatando a interpretação tradicional.” 47

A mudança de posicionamento do Supremo abriu um precedente de ex-trema importância ao combate à corrupção, dando oportunidade ao Minis-tério Público passar a processar com base nessa nova interpretação.

3.4 A TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO FATO

Questão muito debatida e pouco compreendida durante o julgamento e que até hoje suscita discussões foi a adoção explícita, no julgado, da a teoria do domínio fi nal do fato.

Especialmente invocada na condenação de José Dirceu, foi esta teoria que permitiu que o ex Ministro fosse responsabilizado sem que houvesse provas documentais contra ele, porque se admitiu que as circunstâncias demons-

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 74

48 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado

de Direito Penal, Vol. 1, 16a. edição,

Saraiva, São Paulo, pag. 488

travam ser ele o mandante. Em outras palavras, o STF reconheceu que ele, embora não tivesse executado pessoalmente nenhuma das condutas típicas, atuara fi nalisticamente no controle das operações.

O emprego, pelo STF desta teo ria causou ainda mais polêmica porque, à ausência de prova documental de autoria direta, foram valorados os indícios e a prova testemunhal em desfavor do ex ministro.

A verdade é que, embora tenha causado espanto e assombro na comuni-dade jurídica, a teoria do domínio fi nal do fato não é recente e nunca foi des-conhecida da doutrina. Foi concebida por Welzel na década de 30 do século passado e depois melhor trabalhada por Roxin. Basicamente propõe uma forma de superar os critérios rígidos e convencionais de defi nição e autoria, permitindo reconhecer como autor também aquele que, embora não tenha desenvolvido diretamente qualquer das ações descritas no núcleo do tipo, detinha o controle da empreitada criminosa.

Cesar Bitencourt48 sintetiza:

Trata-se de uma elaboração superior às teorias até então conhecidas, que distingue com clareza autor e executor, admitindo com facilidade a fi gura do autor mediato, além de possibilitar melhor compreensão da coautoria. Essa teoria surgiu em 1939 com o fi nalismo de Welzel e sua tese de que nos crime dolosos é autor quem tem o controle fi nal do fato.

Nem uma teoria puramente objetiva nem outra puramente subje-tiva são adequadas para fundamentar a essência da autoria e fazer, ao mesmo tempo, a delimitação correta entre autoria e participação. A teoria do domínio do fato partindo do conceito restritivo de autor, tem a pretensão de sintetizar os aspectos objetivos e subjetivos, impondo--se como uma teoria objetivo-subjetiva. Embora o domínio do fato suponha um controle fi nal, “aspecto subjetivo”, não requer somente a fi nalidade, mas também uma posição objetiva que determine o efetivo domínio do fato. Autor, segundo essa teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. É não só o que executa a ação típica, como também aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da infra penal (autoria mediata). Como ensina Welzel, “a conformação do fato mediante a vontade de realização que dirige de forma planifi cada é o que transforma autor em senhor do fato”

Porém, como afi rma Jescheck, não só a vontade de realização resulta decisiva para a autoria, mas também a importância ma da parte que cada interveniente assume no fato.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 75

49 Art. 92 — São também efeitos da

condenação: I — a perda de cargo,

função pública ou mandato eletivo,

nos crimes praticados com abuso de

poder ou violação de dever para com a

Administração Pública quando a pena

aplicada for superior a quatro anos;

A teoria do domínio do fato tem as seguintes consequências: 1) a realização pessoal e plenamente responsável de todos os elementos do tipo fundamentam sempre a autoria; 2) é autor quem executa o fato utilizando a outrem como instrumento (autoria mediata); 3) é autor o coautor que realiza uma parte necessária do plano global (“domínio funcional do fato”), embora não seja um ato típico, desde que integre a resolução delitiva comum.

O âmbito de aplicação da teoria do domínio do fato, com seu con-ceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domínio fi nal do fato típico, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domínio. A doutrina ale-mã trabalha com dois conceitos distintos de autor: nos delitos dolosos utiliza ‘o conceito restritivo de autor fundado na teoria do domínio do fato, e nos delitos culposos utiliza um conceito unitário de autor, que não distingue autoria e participação. Segundo Welzel, autor de um delito culposo é todo aquele que mediante uma ação que lesiona o grau de cuidado requerido no âmbito de relação, produz de modo não doloso um resultado típico”. A doutrina espanhola, que admite a participação em crimes culposos, em suas formas de cumplicidade e instigação, critica severamente a posição alemã, nesse particular.

As palavras da Min. Rosa Weber de certa forma resumem toda a discussão. Ao votar sobre a relevância das chamadas provas indiciárias — que demons-tram apenas que há indícios de quem tenha sido cometido um crime — na Ação 470, pontuou: “Nos crimes de guerra punem-se os generais estrategistas e não os simples soldados que seguem as ordens.” Corroborando tal posição, na sessão do dia 9 de setembro, o Min. Celso de Melo acrescentou: “Não é necessário que cada um dos réus tenha praticado todos os atos fraudulentos. Cada coautor tem a sorte do fato total em suas mãos através do cumprimento de uma função específi ca na perpetuação de um projeto criminoso.”

3.5 CASSAÇÃO DOS MANDATOS

Outra grande polêmica envolvendo o julgamento da Ação 470 pelo Su-premo Tribunal Federal (STF) está ligada à ordem de cassação dos mandatos dos três deputados federais condenados.

A perda do mandato (ou de qualquer cargo público) é um efeito extrape-nal de algumas condenações criminais, previsto no artigo 92, I do Código Penal49. O dispositivo está em aparente confl ito com o disposto no artigo

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 76

50 Veja a íntegra do artigo 55 da CF: Art.

55. Perderá o mandato o Deputado ou

Senador: I — que infringir qualquer

das proibições estabelecidas no artigo

anterior; II — cujo procedimento for

declarado incompatível com o decoro

parlamentar; III — que deixar de

comparecer, em cada sessão legislativa,

à terça parte das sessões ordinárias da

Casa a que pertencer, salvo licença ou

missão por esta autorizada; IV — que

perder ou tiver suspensos os direitos

políticos; V — quando o decretar a Jus-

tiça Eleitoral, nos casos previstos nesta

Constituição; VI — que sofrer conde-

nação criminal em sentença transitada

em julgado. § 1º — É incompatível

com o decoro parlamentar, além dos

casos defi nidos no regimento interno,

o abuso das prerrogativas asseguradas

a membro do Congresso Nacional ou a

percepção de vantagens indevidas. §

2º — Nos casos dos incisos I, II e VI, a

perda do mandato será decidida pela

Câmara dos Deputados ou pelo Sena-

do Federal, por voto secreto e maioria

absoluta, mediante provocação da

respectiva Mesa ou de partido político

representado no Congresso Nacional,

assegurada ampla defesa. § 3º — Nos

casos previstos nos incisos III a V, a per-

da será declarada pela Mesa da Casa

respectiva, de ofício ou mediante pro-

vocação de qualquer de seus membros,

ou de partido político representado no

Congresso Nacional, assegurada ampla

defesa. § 4º A renúncia de parlamentar

submetido a processo que vise ou possa

levar à perda do mandato, nos termos

deste artigo, terá seus efeitos suspen-

sos até as deliberações fi nais de que

tratam os §§ 2º e 3º

51 Art. 15. É vedada a cassação de direi-

tos políticos, cuja perda ou suspensão

só se dará nos casos de: (...) III- conde-

nação criminal transitada em julgado,

enquanto durarem seus efeitos;

52 http://www.d24am.com/noticias/

politica/com-prisao-decretada-depu-

tado-natan-donadon-e-notificado-

-sobre-processo-de-cassacao/90238

55,VI da Constituição Federal interpretado conjuntamente com o parágrafo segundo do mesmo artigo50.

Em maioria apertada (5 x 4), o STF decidiu que a perda dos mandatos independerá de decisão da casa legislativa, o que provocou uma crise institu-cional, já que a presidência da Câmara avisou que não cumprirá a decisão do STF, forte na convicção de que a Constituição garante que a prerrogativa de cassação de mandato não é do Judiciário, e sim do Poder Legislativo. Neste caso, a perda do mandato teria que ser decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante pro-vocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

A questão não é simples porque envolve confl ito entre normas constitu-cionais. A decisão do STF se baseou no § 3º do artigo 55, que prevê a perda automática no caso de suspensão dos direitos políticos e esta decorre da con-denação por força de outro dispositivo constitucional, o art. 15, III51. Neste caso, o ato de cassação da Câmara seria meramente declaratório.

A decisão do Supremo, no entanto, somente terá efeito prático após esgo-tadas todas as possibilidades de recursos por parte dos condenados.

Em junho de 2013 o STF rejeitou os terceiros embargos de declaração interpostos por outro deputado federal condenado antes do julgamento do mensalão, Natan Donadon, determinando sua imediata prisão. Ato contínuo a Câmara deu início a processo interno de cassação e seu mandato, indicando que este poderá ser o desfecho a ser dado também no caso do mensalão52, em uma tentativa de contornar politicamente uma questão, já que do ponto de vista puramente jurídico ela produz crise institucional.

4. CASO PARA DEBATE

Marco Maia: ‘Não vou cumprir decisão que cassa mandatos’

O gaúcho Marco Maia (PT), presidente da Câmara, afi rma que não cum-prirá uma provável decisão do Supremo Tribunal Federal pela cassaç ão dos mandatos dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar da Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT), condenados no mensalão.

Ele afi rma que perda de mandato é prerrogativa do Congresso e faz um diagnóstico preocupante sobre o impasse envolvendo Judiciário e Legislativo: diz que o país está “muito próximo” de uma crise institucional.

“Espero que o Supremo tome uma decisão olhando para a Constituição e para o equilíbrio entre os poderes”, diz.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 77

53 http://www.stf.jus.br//arquivo/

informativo/documento/informati-

vo693.htm

Em entrevista, Maia também afi rma que é provável que o Congresso der-rube o veto do Palácio do Planalto ao projeto dos royalties e anuncia a vota-ção da reforma política para esta semana.

— O STF decide esta semana se cassa os deputados condenados no mensalão. Qual é a sua expectativa?

Espero que o Supremo Tribunal Federal tome uma posição equilibrada, olhando para a Constituição e para a necessidade de não se estabelecer uma crise institucional. Não há motivo para avançar sobre a prerrogativa da Câ-mara ou de medida que cause uma disputa. A cassação seria um ataque fron-tal a Constituição, à autonomia do Legislativo e ao equilíbrio dos poderes.

— Mas dá para perceber uma tendência no Supremo pela cassação.A lei é clara: cassação de mandatos de parlamentar só pelo Congresso

Nacional. É a Câmara ou Senado quem decide. Os constituintes originários colocaram lá esse artigo para garantir a imunidade parlamentar e dar ao Le-gislativo a prerrogativa de cassar. Se a decisão do Supremo for pela cassação o tema será colocado em exame na Mesa. Mas a Câmara não vai cumprir e recorrerá ao próprio STF.

— E se o Supremo considerar que os mandatos se extinguem com a perda dos direitos políticos?

Isso só vale na área eleitoral. Decisão que implique em perda de mandato de deputado por condenação criminal é da Câmara em qualquer circunstân-cia. Prefi ro acreditar que a decisão do STF seja equilibrada e não unilateral, que desrespeite o outro poder.

— O país está à beira de uma crise institucional?Acho que estamos muito próximo disso. E se a Câmara não cumprir uma

decisão do Supremo mandando cassar imediatamente, qual é a conseqüên-cia? Não vou tomar decisão que abra mão da prerrogativa da Câmara. Acho que haverá um grande debate na Mesa e no plenário.

(...)Fonte: Colunista Ighttp://colunistas.ig.com.br/poderonline/2012/12/09/entrevista-marco-

-maia-nao-vou-cumprir-decisao-que-casse-mandatos/

Síntese da decisão do STF53:

O Plenário concluiu julgamento de ação penal movida, pelo Ministério Público Federal, contra diversos acusados pela suposta prática de esquema

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 78

a envolver crimes de peculato, lavagem de dinheiro, corrupção ativa, ges-tão fraudulenta e outras fraudes — v. Informativos 673 a 685 e 687 a 692. Inicialmente, decidiu-se que, uma vez transitado em julgado o processo: a) por unanimidade, fi cam suspensos os direitos políticos de todos os réus ora condenados, com base no art. 15, III, da CF (“Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:... III — condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efei-tos”) e; b) por maioria, fi ca decretada a perda de mandato eletivo dos atuais deputados federais acusados na presente ação penal, nos termos do art. 55, VI e § 3º, da CF (“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:... VI — que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.... § 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, asse-gurada ampla defesa”). Assinalou-se que as hipóteses de perda ou suspensão de direitos políticos seriam taxativas (CF, art. 15) e que o Poder Legislativo poderia decretar a perda de mandato de deputado federal ou senador, com fundamento em perda ou suspensão de direitos políticos, bem assim em con-denação criminal transitada em julgado (CF, art. 55, IV e VI). Ressaltou-se que esta previsão constitucional estaria vinculada aos casos em que a sen-tença condenatória não tivesse decretado perda de mandato, haja vista não estarem presentes os requisitos legais (CP, art. 92), ou por ter sido proferida anteriormente à expedição do diploma, com o trânsito em julgado ocorrente em momento posterior. Afastou-se, na espécie, a incidência de juízo político, nos moldes do procedimento previsto no art. 55 da CF, uma vez que a perda de mandato eletivo seria efeito irreversível da sentença condenatória. Con-signou-se, ademais, a possibilidade de suspensão do processo, com o advento da EC 35/2001, para evitar que o parlamentar fosse submetido à perseguição política. Entretanto, não ocorrida a suspensão, o feito seguiria trâmite regu-lar. Frisou-se que esses réus teriam cometido crimes contra a Administração Pública quando no exercício do cargo, a revelar conduta incompatível com o exercício de mandato eletivo. O Min. Celso de Mello acresceu que a reserva constitucional do Parlamento, fundada no art. 55, § 2º, da CF, aplicar-se-ia a condenações criminais que não envolvessem delitos apenados com sanções superiores a 4 anos ou que, embora inferiores a este patamar, não dissessem respeito a infrações cujo tipo penal contivesse como elementar ato de impro-bidade administrativa. Destacou competir à Casa a que pertencesse o con-gressista meramente declarar o fato extintivo já reconhecido e integrado ao próprio título condenatório. Asseverou que a deliberação da Suprema Corte, manifestada em decisão revestida de coisa julgada em sentido material, de-veria prevalecer em detrimento de reações corporativas ou suscetibilidades partidárias, estas no sentido de que não se devesse cumprir decisão do STF.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 79

Sublinhou que as partes poderiam valer-se dos meios processuais destinados a provocar eventual reexame da matéria, e que caberia ao Supremo — in-cumbido pela própria Assembleia Constituinte — o monopólio da última palavra em matéria de interpretação da Constituição. Aduziu que transgres-são à autoridade da coisa julgada afetaria o próprio signifi cado da ordem democrática, fundamento da República. Registrou que possível interpretação desfavorável de normas jurídicas pelos tribunais não poderia ser invocada pelo Executivo ou Legislativo como ato ofensivo ao princípio da separação de Poderes, sob pena de usurpação das atribuições cometidas ao Judiciário. Vencidos os Ministros Revisor, Rosa Weber, Dias Toff oli e Cármen Lúcia, que reconheciam ser da Câmara dos Deputados a competência para decretar a perda dos mandatos, consoante disposto no art. 55, § 2º, da CF. Entendiam caber ao STF apenas comunicar, à Casa Legislativa respectiva, o trânsito em julgado de sentença condenatória, para que o órgão procedesse conforme os ditames constitucionais. Houve unanimidade no sentido da decretação da perda de mandato eletivo do réu que atualmente exerce mandato de prefeito, ausente controvérsia acerca da incidência do art. 55, IV e § 2º, da CF.

5. SUGESTÃO DE LEITURA COMPLEMENTAR

MENSALÃO — Diário de um Julgamento — Supremo, Mídia e Opinião Pública. Organizador Joaquim Falcão, FGV, 2013

RT, Vol. 933, 2013

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 80

54 LXXIII — qualquer cidadão é parte

legítima para propor ação popular que

vise a anular ato lesivo ao patrimônio

público ou de entidade de que o Estado

participe, à moralidade administrativa,

ao meio ambiente e ao patrimônio his-

tórico e cultural, fi cando o autor, salvo

comprovada má-fé, isento de custas

judiciais e do ônus da sucumbência;

(grifamos)

55 Art. 37. A administração pública

direta e indireta de qualquer dos Po-

deres da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos

princípios de legalidade, impessoalida-

de, moralidade, publicidade e efi ciên-

cia e, também, ao seguinte:

56 § 4º — Os atos de improbidade ad-

ministrativa importarão a suspensão

dos direitos políticos, a perda da função

pública, a indisponibilidade dos bens e

o ressarcimento ao erário, na forma e

gradação previstas em lei, sem prejuízo

da ação penal cabível.

BLOCO II — IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

AULAS 10 E 11: ASPECTOS FUNDAMENTAIS E A APLICABILIDADE DA LEI 8.429/1992

1 — PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES

A moralidade administrativa foi alçada à categoria de norma positiva pela Constituição de 88, nos artigos 5º, LXXIII54 e 3755. Desde então, deu-se a construção e um apar ato normativo que viesse a tutelar este valor constitu-cional, e foi a própria Constitucional que previu uma destas ferramentas, ao criar a categoria de atos de improbidade administrativa no § 4º do mesmo artigo 3756.

A regulamentaç ão deste dispositivo veio com a Lei 8429/92, a chamada Lei de Improbidade Administ rativa (LIA).

A lei tipifi ca estes atos, prevê sanções e disciplina os aspectos processuais para a sua aplicação. O interessante é que esta lei tem caráter essencialmente sancionatório, mas é uma lei de natureza civil. Ela veio ocupar um espaço até então não explorado no ordenamento jurídico, que fi ca entre o direito penal e o direito administrativo. Até então, as violações praticadas por ser-vidores públicos contra a administração pública fi cavam restritas ao âmbito administrativo-disciplinar, e as mais graves receberam tipifi cação criminal (os crimes que já estudamos). A LIA criou um espaço de combate à improbi-dade, prevendo um rol de sanções que transcendem os aspectos puramente administrativos (há previsão e suspensão de direitos políticos, multa, proibi-ção de contratar com o Estado), mas não alcançam a radicalidade das penas corporais previstas no direito penal (não há pena de prisão), além de serem impostas por um juízo cível. Foi uma espécie de terceira via de proteção à probidade administrativa.

Isto não signifi ca que esta terceira via seja excludente das demais. Nada disso. No Brasil convivem de forma independente as vias sancionatórias ad-ministrativa, penal e de improbidade administrativa. Signifi ca dizer que um mesmo ato do servidor pode sujeitá-lo a um processo disciplinar, uma ação penal e uma ação por improbidade administrativa.

É este o universo de que trataremos neste bloco.

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 81

57 MELLO, Celso Antônio Bandeira de.

Curso de Direito Administrativo. 18. ed.

rev. atual. até a Emenda Constitucional

45 / 08-12-2004. São Paulo: Malheiros,

2005, p. 886.

2. LEI 8429/1992 — LEI DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Alguns conceitos devem ser relembrados, antes de adentrarmos no estudo da lei 8429/92.

O bom funcionamento da máquina estatal, como um todo, impõe que a atuação de seus funcionários esteja submetida ao princípio constitucional da legalidade, segundo o qual, diferentemente dos particulares, que têm li-berdade para fazer tudo aquilo que não lhes for proibido por lei, o servidor somente poderá fazer o que lhe for expressamente permitido por disposição legal, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade discipli-nar, civ il e criminal, conforme o caso.

O principio da legalidade, assim sendo, tem como fi nalidade precípua proteger o Estado de possíveis desvios da conduta do administrador que possam ocasionar prejuízo à Administração, limitando, assim, o âmbito do exercício de sua função. Portanto, em prol dos direitos fundamentais dos indivíduos, temos normas delimitadoras da organização estatal e da ação dos seus governantes e servidores em geral, de modo a coibir excessos e desvios praticados no exercício do poder.

Entretanto, vivemos em uma sociedade desenvolvida, formada por rela-ções sociais complexas e que cada vez torna-se mais difícil para o administra-dor aplicar os dispositivos legais em todas as situações possíveis que possam a vir existir no âmbito social. Pensando nisso, o legislador conferiu ao admi-nistrador certo grau de liberdade para decidir em determinadas hipóteses, caracterizando-se assim, a denominada discricionariedade administrativa.

A fi nalidade precípua dessa margem de liberdade concedida ao agente pú-blico, assim sendo, é conferir maior efetividade à atuação da Administração que, quando autorizado por lei, poderá, no caso concreto, escolher dentre as alternativas oferecidas a que melhor atenda ao interesse público em questão, segundo o critério de conveniência e oportunidade. Neste sentido, conceitua Celso Antonio Bandeira de Mello57:

“Deveras, a regra de Direito, como é óbvio, pretende sempre e sem-pre a medida capaz de atender excelentemente ao interesse público. Ora, dadas a multiplicidade e a variedade de situações fáticas passíveis de ocorrerem — as quais serão distintas entre si pelas circunstâncias que as envolvem e pela coloração que tenham —, é preciso que o agen-te possa, em consideração à fi sionomia própria de cada qual, proceder à eleição de medida idônea para atingir de modo perfeito o objetivo da regra aplicada.”

Esta discricionariedade, ainda assim, está subordinada ao principio de le-galidade, devendo ser exercida somente quando observados os termos, con-

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 82

58 MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva.

Probidade Administrativa. 4ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2009, p. 31-32.

dições e limites que a lei determina. Assim sendo, uma atuação que contra-rie os ditames estatuídos pelo regime jurídico-administrativo resulta numa discricionariedade administrativa inválida, a qual pode e deve ser corrigida judicialmente. Não só, dependendo do grau de abstração do administrado e o dano ocasionado por seu ato, tendo atuado de maneira imoral e desarrozo-ada, poderá vir a ser réu em uma ação de improbidade administrativa.

Nota-se, contudo, que para observar se o agente público agiu de maneira leal e honesta para com a instituição pública que representa, às vezes, a mera observância do principio da legalidade não é o sufi ciente para exercer esse controle, isto é, para conferir se seu ato foi legitimo. Neste sentido, o ato do administrador público não apenas deve conformar-se com a legalidade, como também atender aos princípios da moralidade e da fi nalidade administrativa para dar plena legitimidade à atuação. Administração legítima é aquela que se reveste de legalidade e probidade administrativa, consubstanciada na mora-lidade administrativa, atendendo tanto às exigências que a lei impõe quanto com os preceitos fundamentais da instituição pública.

O principio da moralidade administrativa, constitucionalmente consagra-do, pressupõe que sempre deverá existir uma correlação no atuar da Admi-nistração Pública e no fi m almejado pela lei, sendo imprescindível observar a lealdade e a boa-fé em qualquer dos seus atos. Sobre o tema, defi ne Wallace Paiva Martins Júnior58:

“(...) Exsurge a moralidade administrativa como precedente lógico de toda a conduta administrativa, vinculada ou discricionária derivan-do também às atividades legislativas e jurisdicionais, consistente no assentamento de que: o Estado defi ne o desempenho da função ad-ministrativa segundo uma ordem ética acordada com os valores sociais prevalentes e voltada à realização de seus fi ns, tendo como elementos a honestidade, a boa-fé, e a lealdade e visando a uma boa administra-ção. Assim, no atuar, o agente público deve medir atenção ao elemento moral de sua conduta e aos fi ns colimados, porque a moralidade afi na--se conceito de interesse público não por vontade da norma constitu-cional, mas por constituir pressuposto intrínseco de validade do ato administrativo.

No dia 02 de junho de 1992, foi editada a Lei nº 8429 que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos condenados por atos de improbidade administrativa

O conceito de improbidade administrativa, no entanto, não é unívoco na doutrina, por tratar-se de um conceito jurídico indeterminado. A lei 8429 limitou-se a agrupar os atos de improbidade administrativa em três catego-rias: aquelas que importam em enriquecimento ilícito (art. 9º), aquelas atos

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 83

59 Art. 1° Os atos de improbidade pra-

ticados por qualquer agente público,

servidor ou não, contra a administração

direta, indireta ou fundacional de qual-

quer dos Poderes da União, dos Estados,

do Distrito Federal, dos Municípios, de

Território, de empresa incorporada ao

patrimônio público ou de entidade

para cuja criação ou custeio o erário

haja concorrido ou concorra com mais

de cinquenta por cento do patrimônio

ou da receita anual, serão punidos na

forma desta lei. Parágrafo único. Estão

também sujeitos às penalidades desta

lei os atos de improbidade praticados

contra o patrimônio de entidade que

receba subvenção, benefício ou incenti-

vo, fi scal ou creditício, de órgão público

bem como daquelas para cuja criação

ou custeio o erário haja concorrido ou

concorra com menos de cinquenta por

cento do patrimônio ou da receita anu-

al, limitando-se, nestes casos, a sanção

patrimonial à repercussão do ilícito so-

bre a contribuição dos cofres públicos.

60 Art. 2°. Reputa-se agente público,

para os efeitos desta lei, todo aquele

que exerce, ainda que transitoriamen-

te ou sem remuneração, por eleição,

nomeação, designação, contratação ou

qualquer outra forma de investidura ou

vínculo, mandato, cargo, emprego ou

função nas entidades mencionadas no

artigo anterior.

que causam prejuízo ao Erário (art. 10) e as que atentam contra os princí-pios da Administração Pública (art. 11), mas não tipifi cou exaustivamente as condutas proibidas, como faz o direito penal. Cuidou apenas de exemplifi car atos em tipo abertos, mas não pretendeu exaurir as hipóteses possíveis.

2.1 Disposições Gerais

O art. 1º da Lei 8492/199259 estabelece o universo que pretende proteger, estabelecendo um conceito amplo de administração pública: a Administra-ção direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa in-corporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual. Da mesma forma, enquadra-se nesta con-dição entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fi scal ou cre-ditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

Já o art. 2º60 defi ne rol de sujeitos passíveis de enquadramento em atos de improbidade administrativa: basicamente o agente público e o terceiro que concorre ou auxilia o ato ímprobo, ou dele se benefi cia direta ou indiretamente.

2.2 Dos Atos de Improbidade Administrativa

Os atos de improbidade administrativa estão previstos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei 8492/1992, os quais representam os três grupos em que estes atos estão classifi cados:

Art. 9º — atos que importam enriquecimento ilícito ao agenteArt. 10 — atos que causam prejuízo ao erárioArt. 11 — atos que atentam contra os princípios da Administração Pública

A disciplina da lei, por estar em um meio termo entre o direito penal e o administrativo, e por ter natureza civil, acaba por absorver conceitos e méto-dos de cada uma destas áreas do direito.

Por exemplo, no tocante ao elemento subjetivo. A LIA trabalha com os con-ceitos de dolo e culpa do direito penal, embora se distancie deste ramo no pro-jeto de tipifi cação da s condutas que, como vimos, não tem descrição exaustiva.

As condutas dos artigos 9º e 11 serão sempre dolosas e aquelas do art. 10 poderão ser punidas a título de culpa, embora a previsão abstrata das sanções não faça diferença entre uma modalidade e outra, cabendo ao aplicador da

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norma fazer o juízo de proporcionalidade, tendo em conta a natureza do elemento subjetivo.

Neste sentido, o STJ decidiu o Resp 827447, relatoria do Ministro Luiz Fux, julgado no dia 02 de fevereiro de 2010:

“Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A impro-bidade é ilegalidade tipifi cada e qualifi cada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipifi cação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10.”

2.2.a — Atos de Improbidade Administrativa que importam em Enriquecimento Ilícito:

Art. 9°. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de car go, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notada-mente:

I — receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imó-vel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a títu-lo de comissão, percentagem, gratifi cação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;

II — perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contra-tação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III — perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facili-tar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV — utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V — receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de leno-

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FGV DIREITO RIO 85

cínio, de narcotráfi co, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI — receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII — adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo va-lor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII — aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consulto-ria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX — perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X — receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI — incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, ren-das, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII — usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Observações:1 — atente para o fato de que o caput defi ne como improbidade o enri-

quecimento sem causa de maneira geral e depois se utiliza de advérbio “no-tadamente” para passar a exemplifi car as condutas. Isto signifi ca que será possível imputar improbidade administrativa mesmo que ela não esteja pre-vista entre as doze hipóteses descritas, desde que sejam ações que resultem em enriquecimento ilícito.

2 — Enriquecimento ilícito é aquele que advém de causa ilícita, ou o que não tem uma justifi cativa adequada.

3 — A confi guração do enriquecimento ilícito necessita: (i) do ato do agente público; (ii) sinais exteriores de riqueza não condizentes com sua ren-da; e (iii) a obtenção da vantagem por parte do agente público em virtude da sua condição profi ssional.

4 —Não há necessidade de dano ao patrimônio público ou de quem quer que seja. O dispositivo visa proteger a moralidade administrativa. Cometerá

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o ilícito aquele agente que, por exemplo, receber propina de um particular para dar celeridade a um processo, sem que disto advenha prejuízo patrimo-nial à Administração.

5 — Via de regra, são atos que guardam também refl exos penais (concussão,corrupção passiva ou peculato.

6 — Atente para o fato de que o inciso VII não descreve uma conduta funcional, mas uma situação particular que evidencia o enriquecimento sem causa e cria uma espécie de inversão no ônus da prova.

2.2.b — Atos de improbidade que causam prejuízo ao erário:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa le-são ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapida-ção dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º des ta lei, e notadamente:

I — facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades men-cionadas no art. 1º desta lei;

II — permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimo-nial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

III — doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersona-lizado, ainda que de fi ns educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamen-tares aplicáveis à espécie;

IV — permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;

V — permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;

VI — realizar operação fi nanceira sem observância das normas le-gais e regulamentares ou aceitar garantia insufi ciente ou inidônea;

VII — conceder benefício administrativo ou fi scal sem a observân-cia das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;

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VIII — frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo in-devidamente;

IX — ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;

X — agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;

XI — liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou infl uir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII — permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

XIII — permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veí-culos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.

XIV — celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por ob-jeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei;

XV — celebrar contrato de rateio de consórcio público sem sufi -ciente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei.

Observações:1 — O objeto da norma é o patrimônio econômico da Administração Pú-

blica, e alcança o gestor público que não observar o princípio constitucional da efi ciência, mesmo que não tenha auferido qualquer benefício indevido ou tenha benefi ciado pessoa de forma irregular.

2 — Esta modalidade permite a punição pela culpa. Em suma, está sujei-to à norma, tanto o servidor que dolosamente promove o prejuízo, quanto aquele que, por negligência promove o dano, bastando, para isto, a demons-tração de nexo causal entre o exercício funcional e o prejuízo ao erário (nexo de ofi cialidade).

3 — A doutrina e a jurisprudência já assentaram que a punição pelo ato ímprobo culposo deve se render ao princípio da proporcionalidade. A culpa deverá ser interpretada como sendo uma culpa grave, em que não poderia esperar outra ação senão o dever de cuidado do agente. Veja o entendimento do STJ, no julgamento do Resp. 939118, Rel. Ministro LUIZ FUX, no dia 15 de fevereiro de 2011:

“A improbidade administrativa está associada à noção de desonesti-dade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição

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FGV DIREITO RIO 88

legal, é que se admite a sua confi guração por ato culposo (artigo 10, da Lei 8.429/92).

O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda, que a tipifi cação da lesão ao patri-mônio público (art. 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova de sua ocorrência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido.”

4 — Atente para o inciso VIII que presume a ocorrência de prejuízo ao erário na frustração da licitude de processo licitatório e em sua dispensa in-devida.

2.2.c — Atos de improbidade administrativa violadores de princípios constitu-cionais:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omis-são que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I — praticar ato visando fi m proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II — retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;III — revelar fato ou ci rcunstância de que tem ciência em razão das

atribuições e que deva permanecer em segredo;IV — negar publicidade aos atos ofi ciais;V — frustrar a licitude de concurso público;VI — deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;VII — revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro,

antes da respectiva divulgação ofi cial, teor de medida política ou eco-nômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

Observações:1 — A lei aqui se refere aos princípios, no conceito amplo que têm: man-

damentos de caráter abstrato, estruturais de natureza normogenética que ser-vem como fundamento para as regras. Trata-se de mandados de otimização, ideias fundantes ligadas à moralidade e que tem como função a mediação e concretização das regras.

2 — Todos os atos de improbidade administrativa atentam contra os prin-cípios da Administração Pública. A distinção aqui no artigo 11 é que ele tem

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FGV DIREITO RIO 89

caráter subsidiário: se a conduta não se enquadra no art. 9º e nem no art. 10, resta o art. 11.

3 — A redação do artigo tem um conteúdo extremamente aberto com conceitos abstratos. Violação de um principio administrativo é extremamen-te genérico, podendo abarcar inúmeras hipóteses, mesmo não sendo todas elas, de fato, caso de conduta ímproba do funcionário. Por esta razão a dou-trina vem determinando a necessidade de se avaliar no caso concreto se há in-dícios de má-fé ou dolo do agente, através de uma conduta intencionalmente desonesta e desvirtuada, onerando a ordem pública como um todo.

4 — Indispensável também aqui o nexo causal entre o exercício funcional do agente e o desrespeito intencional aos princípios da Administração Pública por ele ocasionado. Assim sendo, exige-se a comprovação de intenção espe-cífi ca de violar princípios administrativos, sendo sufi ciente o dolo genérico, conforme entendimento do STJ, no julgamento do AgRg no Ag: 1356691, Relatoria do Ministro Herman Benjamin, 2ªT., em 15 de fevereiro de 2011:

“A confi guração de improbidade administrativa com base no art. 11 da Lei 8.429/1992 dispensa a comprovação de intenção específi ca de violar princípios administrativos, sendo sufi ciente o dolo genérico.”

2.2.d — Sanções por Ato de Improbidade Administrativa

Como se viu a própria Constituição já prevê algumas destas sanções no artigo 37, § 4º:

Art. 37 [...]§ 4º — Os atos de improbidade administrativa importarão a sus-

pensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indispo-nibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A Lei 8.429/92, no art. 12 de seu texto legal, acrescentou mais algumas espécies de sanções. Vejamos:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administra-tivas previstas na legislação específi ca, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada o u cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

I — na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 90

houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou in-diretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;

II — na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concor-rer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indire-tamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;

III — na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fi scais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Parágrafo único. Na fi xação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimo-nial obtido pelo agente.

Sucintamente, a Lei da Improbidade Administrativa trouxe como novida-de as sanções de perda dos bens acrescidos ilicitamente ao patrimônio, multa e proibição de contratar com o Poder Público e de receber benefícios.

Registra-se também que as sanções previstas na lei serão aplicadas, observan-do o principio da proporcionalidade e razoabilidade, podendo ser de maneira isolada ou não, possibilitando sua aplicação cumulativa aos atos ímprobos de maior gravidade. Neste sentindo o entendimento do STJ no Resp. 658389, de relatoria da Min. Eliana Calmon, julgado no dia 26 de junho de 2007:

“Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação, de acordo com fatos e provas abstraídos dos autos, o que não pode ser feito em sede de recurso especial, diante do óbice da Súmula 7/STJ.”

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FGV DIREITO RIO 91

61 STJ — REsp: 917437 MG

2007/0008753-3, Relator: Ministro

FRANCISCO FALCÃO, Data de Julga-

mento: 16/09/2008, T1 — PRIMEIRA

TURMA, Data de Publicação: DJe

01/10/2008.

Também o STJ já decidiu que, não havendo enriquecimento ilícito nem prejuízo ao erário, mas apenas inabilidade do administrador, não são cabíveis as punições previstas na Lei de Improbidade, que, segundo a jurisprudência, alcança o administrador desonesto, não o inábil. 61

3 — ASPECTOS PROCESSUAIS DAS AÇÕES DE IMPROBIDADE ADMINIS-TRATIVA

Para defi nir a competência para o processamento e o julgamento da ação de improbidade administrativa, aplica-se, de modo subsidiário, a Lei 7.347/85 — Lei da Ação Civil Pública — que em seu art. 2º determina:

Art. 2º As ações previstas nesta Lei serão propostas no foro do local onde ocorrer o dano, cujo juízo terá competência funcional para pro-cessar e julgar a causa.

Trata-se de competência estabelecida a fi m de que o juízo, bem como o Ministério Público, tenham mais proximidade com as provas.

Por tratar de ilícito civil deve ser processada e julgada na justiça compe-tente para causas cíveis, no juízo de primeiro grau, a depender da origem do servidor que pratique o ato. Sendo um servidor federal, a competência do julgamento será da Justiça Federal, caso contrário, na Justiça Estadual. Será, ainda, da competência da Justiça Federal todas as vezes que ao ato de im-probidade administrativa lesionar bens, interesses ou serviços da União, suas autarquias e empresas públicas federais.

3.1 Processo Judicial

O processo da ação de improbidade na via judicial está disposto no art. 17 da Lei 8492/1992:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

§ 1º É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o caput.

§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações ne-cessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público.

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FGV DIREITO RIO 92

§ 3o No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público, aplica-se, no que couber, o disposto no § 3o do art. 6o da Lei no 4.717, de 29 de junho de 1965.

§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fi scal da lei, sob pena de nulidade.

§ 5o A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para to-das as ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o mesmo objeto.

§ 6o A ação será instruída com documentos ou justifi cação que contenham indícios sufi cientes da existência do ato de improbidade ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as dis-posições inscritas nos arts. 16 a 18 do Código de Processo Civil.

§ 7o Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará a notifi cação do requerido, para oferecer manifestação por es-crito, que poderá ser instruída com documentos e justifi cações, dentro do prazo de quinze dias.

§ 8o Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 2001)

§ 9o Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar contestação.

§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.

§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos pro-cessos regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1o, do Código de Processo Penal.

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FGV DIREITO RIO 93

4. LEITURA OBRIGATÓRIA:

GARCIA, Emerson e ALVES, Rogerio Pacheco. Improbidade Administrativa, Lumen Juris, Cap. V, ítens 23, 24, 25; Cap. VI, ítens 26, 27, 28, 29, 30, 31.

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1: ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE IMPROBIDADE. LEI 8.429/92. ELEMENTOSUBJETIVO DA CONDUTA. IMPRESCINDI-BILIDADE. 1. A ação de improbidade administr ativa, de matriz constitu-cional (art. 37, § 4º e disciplinada na Lei 8.429/92), tem natureza espe-cialíssima, qualifi cada pelo singularidade do seu objeto, que é o de aplicar penalidades a administradores ímprobos e a outras pessoas — físicas ou jurí-dicas — que com eles se acumpliciam para atuar contra a Administração ou que se benefi ciam com o ato de improbidade. Portanto, se trata de uma ação de caráter repressivo, semelhante à ação penal, diferente das outras ações com matriz constitucional, como a Ação Popular (CF, art. 5º, LXXIII, discipli-nada na Lei 4.717/65), cujo objeto típico é de natureza essencialmente des-constitutiva (anulação de atos administrativos ilegítimos) e a Ação Civil Pú-blica para a tutela do patrimônio público (CF, art. 129, III e Lei 7.347/85), cujo objeto típico é de natureza preventiva, desconstitutiva ou reparatória. 2. Não se pode confundir ilegalidade com improbidade. A improbidade é ilegalidade tipifi cada e qualifi cada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência dominante no STJ considera indis-pensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipifi cação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos culposa, nas do artigo 10 (v.g.: REsp 734.984/SP, 1 T., Min. LuizFux, DJe de 16.06.2008; AgRg no REsp 479.812/SP, 2ª T., Min.Humberto Martins, DJ de 14.08.2007; REsp 842.428/ES, 2ª T., Min.Eliana Calmon, DJ de 21.05.2007; REsp 841.421/MA, 1ª T., Min. Lui-zFux, DJ de 04.10.2007; REsp 658.415/RS, 2ª T., Min. Eliana Calmon,DJ de 03.08.2006; REsp 626.034/RS, 2ª T., Min.João Otávio deNoronha, DJ de 05.06.2006; REsp 604.151/RS, Min. Teori AlbinoZavascki, DJ de 08.06.2006). 3. É razoável presumir vício de conduta do agente público que pratica um ato contrário ao que foi recomendado pelos órgãos técnicos, por pareceres jurídicos ou pelo Tribunal de Contas. Mas não é razoável que se reconheça ou presuma esse vício justamente na conduta oposta: de ter agido segundo aquelas manifestações, ou de não ter promovido a revisão de atos praticados como nelas recomendado, ainda mais se não há dúvida quanto à lisura dos pareceres ou à idoneidade de quem os prolatou. Nesses casos, não tendo havido conduta movida por imprudência, imperícia ou negligência, não há culpa e muito menos improbidade. A ilegitimidade do ato, se houver,

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FGV DIREITO RIO 94

estará sujeita a sanção de outra natureza, estranha ao âmbito da ação de im-probidade. 4. Recurso especial do Ministério Público parcialmente provido. Demais recursos providos.

(STJ. Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 02/02/2010, T1 — PRIMEIRA TURMA)

EMENTA 2: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CI-VIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 10, CAPUT, DA LEI 8.429/92. LICITAÇÃO. PARTICIPAÇÃO INDIRETA DE SER-VIDOR VINCULADO À CONTRATANTE. ART. 9º, III E § 3º, DA LEI 8665/93. FALTA SUPRIDA ANTES DA FASE DE HABILITAÇÃO. SÚ-MULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO. MÁ-FÉ. ELEMEN-TO SUBJETIVO. ESSENCIAL À CARACTERIZAÇÃO DA IMPROBI-DADE ADMINISTRATIVA. 1. O caráter sancionador da Lei 8.429/92 é aplicável aos agentes públicos que, por ação ou omissão, violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, lealdade às instituições e notada-mente: (a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); (b) causem prejuízo ao erário público (art. 10); (c) atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11) compreendida nesse tópico a lesão à moralidade adminis-trativa. 2. A má-fé, consoante cediço, é premissa do ato ilegal e ímprobo e a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvado pela má-intenção do administrador. 3. A improbidade administrativa está associa-da à noção de desonestidade, de má-fé do agente público, do que decorre a conclusão de que somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua confi guração por ato culposo (artigo 10, da Lei 8.429/92). 4. O elemento subjetivo é essencial à caracterização da improbidade administrativa, sendo certo, ainda, que a tipifi cação da lesão ao patrimônio público (art. 10, caput, da Lei 8429/92) exige a prova de sua ocor-rência, mercê da impossibilidade de condenação ao ressarcimento ao erário de dano hipotético ou presumido. Precedentes do STJ: REsp 805.080/SP, PRI-MEIRA TURMA, DJe 06/08/2009; REsp 939142/RJ, PRIMEIRA TURMA, DJe 10/04/2008; REsp 678.115/RS, PRIMEIRA TURMA, DJ 29/11/2007; REsp 285.305/DF, PRIMEIRA TURMA; DJ 13/12/2007; e REsp 714.935/PR, SEGUNDA TURMA, DJ 08/05/2006. 5. In casu, a ausência de má-fé dos demandados (elemento subjetivo) coadjuvada pela inexistência de dano ao patrimônio público, assentado no voto condutor do acórdão recorrido, verbis: “consoante se infere da perícia levada a efeito, os serviços contratados foram efetiva e satisfatoriamente prestados, não tendo sido registrado qual-quer prejuízo ou perda fi nanceira e/ou contábil causado à Administração e, ao revés, reconhecida pelo Tribunal de Contas do Estado a regularidade da licitação (fl s. 857/861). Na verdade, não restou demonstrado no curso do

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FGV DIREITO RIO 95

processo a prática de ato ilícito dos réus que constituísse lesão ao erário públi-co e possibilitasse a indenização pelos prejuízos suportados”(fl . 1458), revela error in judicando a analise do ilícito apenas sob o ângulo objetivo. 6. Ade-mais, a exegese das regras insertas no art. 11 da Lei 8.429/92, considerada a gravidade das sanções e restrições impostas ao agente público, deve se reali-zada com ponderação, máxime porque uma interpretação ampliativa poderá acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa e, a fortiori, ir além do que o legislador pretendeu. 7. Outrossim, é cediço que não se enquadra nas espécies de improbidade o ad-ministrador inepto. Precedentes: Resp 1149427/SC, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 09/09/2010; e REsp 734984/SP, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 16/06/2008. 8. O Recurso Especial não é servil ao exame de questões que demandam o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, em face do óbice erigido pelo teor da Súmula 07/STJ. 9. In casu, o recurso especial não reúne condições de admissibilidade quanto à apontada violação ao art. 9º, III, § 3º, da Lei 8.666/93, mormente porque a questão relativa à participação, nas primeiras fases de procedimento licitatório, antecedentes à habilitação, de empresa que contava em seus qua-dros com a presença de servidor da autarquia contratante, e a posterior sa-nação desse vício em razão da demissão do servidor — foi solucionada pelo Tribunal a quo à luz do contexto fático-probatório engendrado nos autos, consoante se infere da fundamentação expendida voto condutor do acórdão recorrido, portanto insindicável pelo STJ, ante a ratio essendi da Súmula 07/STJ. 10. Ad argumentandum tantum, ainda que assim não fosse, é mister nessas hipóteses de impossibilidade alegada, que se comprove que o servidor atuou como insider information o que, in casu, não ocorreu. 11. Deveras, em sede de ação de improbidade administrativa da qual exsurgem severas san-ções o dolo não se presume. Precedentes do STJ: AgRg no Ag 1324212/MG, SEGUNDA TURMA, DJe 13/10/2010; e REsp 1140315/SP, SEGUNDA TURMA, DJe 19/08/2010. 12. Recurso Especial parcialmente conhecido, e, nesta parte, desprovido.

(STJ Resp 939118, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 15/02/2011, T1 — PRIMEIRA TURMA)

EMENTA 3: PROCESSUAL CIVIL — ADMINISTRATIVO — AÇÃO CIVIL PÚBLICA — INTEMPESTIVIDADE — ENTENDIMENTO DA CORTE ESPECIAL — SANÇÕES DO ART. 12 DA LEI DE IMPROBIDA-DE — CUMULAÇÃO DE PENAS. 1. A Corte Especial, no julgamento do REsp 776.265/SC, adotou o entendimento de que o recurso especial, interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos junto ao Tribunal de ori-gem, deve ser ratifi cado no momento oportuno, sob pena de ser considerado in-

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 96

tempestivo. 2. Consoante a jurisprudência desta Corte, as penas do art. 12 da Lei 8.429/92 não são aplicadas necessariamente de forma cumulativa, do que decorre a necessidade de se fundamentar o porquê da escolha das penas aplicadas, bem como da sua cumulação, de acordo com fatos e provas abstraídos dos autos, o que não pode ser feito em sede de recurso especial, diante do óbice da Súmula 7/STJ. 3. Recurso especial do réu não conhecido e improvido o do Ministério Público.

(STJ Resp. 658389, Relator: Ministra ELIANA CALMON, Data de Jul-gamento: 26/06/2007, T2 — SEGUNDA TURMA)

EMENTA 4: DIREITO ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE AD-MINISTRATIVA. APLICABILIDADE A VEREADORES. DOLO GE-NÉRICO. SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS. ABRANDA-MENTO. 1. Em virtude da perfeita compatibilidade existente entre o regime especial de responsabilização política e o regime de improbidade administra-tiva previsto na Lei n. 8.429/92, não há falar em inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa a vereadores. Precedentes. 2. A compra de bens sem o procedimento licitatório, o qual foi dispensado indevidamente, con-fi gura o ato ilegal, enquadrando-se no conceito de improbidade administra-tiva. Tal conduta viola os princípios norteadores da Administração Pública, em especial o da estrita legalidade. 3. O dolo que se exige para a confi guração de improbidade administrativa refl ete-se na simples vontade consciente de aderir à conduta descrita no tipo, produzindo os resultados vedados pela norma jurídica — ou, ainda, a simples anuência aos resultados contrários ao Direito quando o agente público ou privado deveria saber que a conduta praticada a eles levaria —, sendo desnecessário perquirir acerca de fi nalidades específi cas. Precedentes. 4. Tem-se claro, diante da análise do acórdão recor-rido, que houve bem descrita a conduta típica, cuja realização do tipo exige ex professo a culpabilidade. Dito de outro modo, violar princípios é agir ili-citamente. Como bem expresso pela Corte estadual, a culpabilidade é ínsita à própria conduta ímproba. 5. In casu, a má-fé do administrador público é patente, sobretudo quando se constata que, na condição de Presidente da Câmara Municipal, nem sequer formalizou os procedimentos de dispensa de licitação. 6. Ressalvou, o Tribunal a quo, entretanto, que deveriam ser im-postas “penalidades mínimas, de modo razoável ao contexto e proporcional à extensão da improbidade constatada”. Desse modo, mostra-se um contras-senso arredar a penalidade de perda de função pública, e, ao mesmo tempo, manter a suspensão de direitos políticos — também extremamente gravosa. 7. Deve-se, portanto, excluir a penalidade de suspensão de direitos políticos, mantendo-se as demais. Agravo regimental parcialmente provido.

(STJ — AgRg no REsp: 1214254 MG 2010/0175878-8, Relator: Minis-tro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 15/02/2011, T2 — SE-GUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/02/2011)

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FGV DIREITO RIO 97

BLOCO III — FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO E PROCEDIMENTO

AULA 12 — O FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO NO PROCESSO PENAL

1 — BASE NORMATIVA:

Constituição da República:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois tur-nos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os prin-cípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

X — julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas op iniões, palavras e votos.

§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expediç ão do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

Art. 27, § 1º — Será de quatro anos o mandato dos Deputados Es-taduais, aplicando— sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas.

Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

Art. 96. Compete privativamente:III — aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito

Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Jus-tiça Eleitoral.

Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I — processar e julgar, originariamente:(...)

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FGV DIREITO RIO 98

b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice--Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Minis-tros e o Procurador-Geral da República;

c) nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes d a Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ressalvado o disposto no art. 52, I, os membros dos Tribu-nais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;

d) o “habeas-corpus”, sendo paciente qualquer das pessoas referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e o “habeas-data” contra atos do Presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do Procurador--Geral da República e do próprio Supremo Tribunal Federal;

Art. 105. Compete ao S uperior Tribunal de Justiça:I — processar e julgar, originariamente:a) nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Fe-

deral, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tri-bunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tri-bunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que ofi ciem perante tribunais;

c) os  habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea “a”, ou quando o coator for tribunal sujei-to à sua jurisdição, Ministr o de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:I — processar e julgar, originariamente:a) os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça

Militar e da Justiça do Trabalho, nos crimes comuns e de responsabilida-de, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a compe-tência da Justiça Eleitoral;

(...)d) os “habeas-corpus”, quando a autoridade coatora for juiz federa l;

2 — SOBRE O INSTITUTO

A prerrogativa de função é critério defi nidor de competência ratione per-sonae e é fi xada em razão da relevância de determinados cargos ou funções

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 99

62 O STF tem competência residual para

crimes de responsabilidade, prevista no

art. 105, I a, mas a jurisdição permane-

ce política.

63 OLIVEIRA, Eugenio Pacelli, Curso de

Direito Processual Penal, Belo Horizonte,

Ed. Del Rey, 3a. edição, pag. 207 e 209

públicas. Está regulada na Constituição da República, razão pela qual estão revogados os artigos 86 e 87 do CPP. A Constituição, por sua vez, elegeu ór-gãos colegiad os do Poder Judiciário como foros privati vos para estas pessoas, no que se refere aos processos e julgamentos criminais.

3 — CRIMES COMUNS E CRIMES DE RESPONSABILIDADE

Crimes de responsabilidade não são, verdadeiramente, crimes. São infra-ções de natureza política e que t êm um tratamento completamente diferen-ciado dos crimes comuns, já que o processo e julgam ento, nestes casos, é reservado às casas políticas (Senado Federal, Câmara de Deputados, Assem-bleias Legislativas e Câmaras de Vereadores).62 Os crimes de responsabilidade têm como única sanção a perda do cargo ou função e sua vedação de exercício futuro. Estão previstos na Lei 1079/50, no art. 4º do Decreto Lei 201/67,e no art. 29-A § 2º e 85 da Constituição.

Crimes comuns, nesta perspectiva, serão todos os que não forem crimes de responsabilidade e é sobre eles que nos debruçaremos neste bloco.

4.— CRITÉRIOS: SIMETRIA E REGIONALIZAÇÃO — QUADROS SÍNTESE63:

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FGV DIREITO RIO 100

5. — SÚMULAS DO STF SOBRE O TEMA:

Súmula nº 702

A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a com-petência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

Súmula nº 703

A extinção do mandato do prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.

Súmula nº 704

Não viola as garantias do juiz natural, da ampla defesa e do devido proces-so legal a atração por continência ou conexão do processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados.

Súmula nº 7 21

A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de funç ão estabelecido exclusivamente pela constituição es-tadual.

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FGV DIREITO RIO 101

6— CASOS CONCRETOS PARA DEBATE:

6.1 — Autoridade detentora de foro privilegiado no Tribunal de Justiça é condenado neste órgão. Decide recorrer ao STJ, mas o recurso cabível é o Especial que impede a apreciação de matéria de fato. Há violação do princípio do duplo grau de jurisdição?

RHC 79785 / RJ — RIO DE JANEIRO Julgamento: 29/03/2000EMENTA: I. Duplo grau de jurisdição no Direito brasileiro, à luz da

Constituição e da Convenção Americana de Direitos Humanos. 1. Para cor-responder à efi cácia instrumental que lhe costuma ser atribuída, o duplo grau de jurisdição há de ser concebido, à moda clássica, com seus dois caracteres específi cos: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e que esse reexame seja confi ado à órgão diverso do que a proferiu e de hierarquia superior na ordem judiciária. 2. Com esse sentido próprio — sem concessões que o desnaturem — não é possível, sob as sucessivas Consti-tuições da República, erigir o duplo grau em princípio e garantia constitu-cional, tantas são as previsões, na própria Lei Fundamental, do julgamento de única instância ordinária, já na área cível, já, particularmente, na área penal. 3. A situação não se alterou, com a incorporação ao Direito brasi-leiro da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José), na qual, efetivamente, o art. 8º, 2, h, consagrou, como garantia, ao menos na esfera processual penal, o duplo grau de jurisdição, em sua acepção mais própria: o direito de “toda pessoa acusada de delito”, durante o processo, “de recorrer da sentença para juiz ou tribunal superior”. 4. Prevalência da Constituição, no Direito brasileiro, sobre quaisquer convenções internacio-nais, incluídas as de proteção aos direitos humanos, que impede, no caso, a pretendida aplicação da norma do Pacto de São José: motivação. II. A Cons-tituição do Brasil e as convenções internacionais de proteção aos direitos humanos: prevalência da Constituição que afasta a aplicabilidade das cláu-sulas convencionais antinômicas. 1. Quando a questão — no estágio ainda primitivo de centralização e efetividade da ordem jurídica internacional — é de ser resolvida sob a perspectiva do juiz nacional — que, órgão do Estado, deriva da Constituição sua própria autoridade jurisdicional — não pode ele buscar, senão nessa Constituição mesma, o critério da solução de eventuais antinomias entre normas internas e normas internacionais; o que é bastante a fi rmar a supremacia sobre as últimas da Constituição, ainda quando esta eventualmente atribua aos tratados a prevalência no confl ito: mesmo nessa hipótese, a primazia derivará da Constituição e não de uma apriorística força intrínseca da convenção internacional. 2. Assim como não o afi rma em re-lação às leis, a Constituição não precisou dizer-se sobreposta aos tratados: a hierarquia está ínsita em preceitos inequívocos seus, como os que submetem a aprovação e a promulgação das convenções ao processo legislativo ditado

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 102

pela Constituição e menos exigente que o das emendas a ela e aquele que, em conseqüência, explicitamente admite o controle da constitucionalidade dos tratados (CF, art. 102, III, b). 3. Alinhar-se ao consenso em torno da estatura infraconstitucional, na ordem positiva brasileira, dos tratados a ela incorporados, não implica assumir compromisso de logo com o entendimen-to — majoritário em recente decisão do STF (ADInMC 1.480) — que, mesmo em relação às convenções internacionais de proteção de direitos fun-damentais, preserva a jurisprudência que a todos equipara hierarquicamente às leis ordinárias. 4. Em relação ao ordenamento pátrio, de qualquer sorte, para dar a efi cácia pretendida à cláusula do Pacto de São José, de garantia do duplo grau de jurisdição, não bastaria sequer lhe conceder o poder de aditar a Constituição, acrescentando-lhe limitação oponível à lei como é a tendência do relator: mais que isso, seria necessário emprestar à norma convencional força ab-rogante da Constituição mesma, quando não dinamitadoras do seu sistema, o que não é de admitir. III. Competência originária dos Tribunais e duplo grau de jurisdição. 1. Toda vez que a Constituição prescreveu para determinada causa a competência originária de um Tribunal, de duas uma: ou também previu recurso ordinário de sua decisão (CF, arts. 102, II, a; 105, II, a e b; 121, § 4º, III, IV e V) ou, não o tendo estabelecido, é que o proibiu. 2. Em tais hipóteses, o recurso ordinário contra decisões de Tribunal, que ela mesma não criou, a Constituição não admite que o institua o direito infra-constitucional, seja lei ordinária seja convenção internacional: é que, afora os casos da Justiça do Trabalho — que não estão em causa — e da Justiça Militar — na qual o STM não se superpõe a outros Tribunais —, assim como as do Supremo Tribunal, com relação a todos os demais Tribunais e Juízos do País, também as competências recursais dos outros Tribunais Superiores — o STJ e o TSE — estão enumeradas taxativamente na Constituição, e só a emenda constitucional poderia ampliar. 3.À falta de órgãos jurisdicionais ad qua, no sistema constitucional, indispensáveis a viabilizar a aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição aos processos de competência originária dos Tribu-nais, segue-se a incompatibilidade com a Constituição da aplicação no caso da norma internacional de outorga da garantia invocada.

6.2 — Autoridade detentora de foro no STJ é denunciado juntamente com outros réus que não detêm o mesmo privilégio. O feito deve ser desmembrado ou a cone-xão intersubjetiva deve determinar a unidade de juízo e de processo? Há violação do princípio do juiz natural?

EMENTA Penal e Processual Penal. Inquérito. Parlamentar. Deputado fe-deral. Primeira preliminar relativa ao desmembramento do feito. Existência, no polo passivo da ação, de indiciados que não detêm foro por prerrogativa

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INFRAÇÕES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

FGV DIREITO RIO 103

de função. Rejeição. Inteligência dos arts. 76 a 78 do Código de Processo Penal. Incidência, na espécie, da Súmula nº 704/STF. Precedente. Segunda preliminar relativa à arguição de nulidade por vício na citação de um dos de-nunciados. Ocorrência. Acolhimento. No mérito, apura-se a eventual prática do crime de corrupção eleitoral. Art. 299 do Código Eleitoral. Ausência de correlação entre os fatos narrados e os elementos confi guradores do tipo em questão. Falta de justa causa para o exercício da ação penal. Rejeição da de-núncia em relação ao indiciado detentor do foro por prerrogativa de função. Art. 395, inciso III, do Código de Processo Penal. Envio imediato de cópia da íntegra dos autos ao Juízo de primeiro grau para o prosseguimento do feito em relação aos demais indiciados, em face do exaurimento da competência da Corte. 1. Ressalvado o entendimento pessoal do redator do acórdão quan-to ao ponto, a rejeição da preliminar relativa ao desmembramento do feito — concernente aos que não detêm foro por prerrogativa de função — está embasada na jurisprudência da Corte, segundo a qual, “não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do processo do co-réu ao foro por prer-rogativa de função de um dos denunciados, a qual é irrenunciável” (INQ nº 2.424/RJ, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de 26/3/10). Incidência, na espécie, da Súmula nº 704/STF.

AP 420 EMENTA: AGRAVOS REGIMENTAIS. AÇÃO PENAL. DES-MEMBRAMENTO INDEFERIDO. PREJUÍZO À EXATA COMPRE-ENSÃO DO FEITO. RECURSOS DESPROVIDOS. 1. Embora apenas um dos réus detenha prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal, o desmembramento da ação penal comprometeria a prestação jurisdicional, tornando inaplicáveis os precedentes da Corte no sentido do desmembra-mento. 2. O julgamento do réu com foro privilegiado depende da análise das condutas imputadas aos co-réus, tendo em vista a formação coletiva da vontade no sentido da prática, em tese, criminosa. 3. Agravos regimentais desprovidos.

6.3 — Autoridade detentora de foro no STJ é denunciada perante aquele Tribunal que recebe a denúncia e dá curso à instrução. Em meio a esta encerra-se o mandato do Governador e ele fica sem cargo algum. Haverá perpetuatio jurisdicionis?

Inq 687 Julgamento: 25/08/ EMENTA: — DIREITO CONSTITU-CIONAL E PROCESSUAL PENAL. PROCESSO CRIM INAL CONTRA EX-DEPUTADO FEDERAL. COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA. INEXIS-TÊNCIA DE FORO PRIVILEGIADO.COMPETÊNCIA DE JUÍZO DE 1º GRAU. NÃO MAIS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. CAN-

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FGV DIREITO RIO 104

CELAMENTO DA SÚMULA 394. 1. Interpretando ampliativamente nor-mas da Constituição Federal de 1946 e das Leis nºs 1.079/50 e 3.528/59, o Supremo Tribunal Federal fi rmou jurisprudência, consolidada na Súmula 394, segunda a qual, “cometido o crime durante o exercício funcional, preva-lece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após a cessação daquele exercício”. 2. A tese consubstanciada nessa Súmula não se refl etiu na Constituição de 1988, ao menos às expressas, pois, no art. 102, I, “b”, estabeleceu competência origi-nária do Supremo Tribunal Federal, para processar e julgar “os membros do Congresso Nacional”, nos crimes comuns. Continua a norma constitucional não contemplando os ex-membros do Congresso Nacional, assim como não contempla o ex-Presidente, o ex-Vice-Presidente, o ex-Procurador-Geral da República, nem os ex-Ministros de Estado (art. 102, I, “b” e “c”). Em outras palavras, a Constituição não é explícita em atribuir tal prerrogativa de foro às autoridades e mandatários, que, por qualquer razão, deixaram o exercício do cargo ou do mandato. Dir-se-á que a tese da Súmula 394 permanece válida, pois, com ela, ao menos de forma indireta, também se protege o exercício do cargo ou do mandato, se durante ele o delito foi praticado e o acusado não mais o exerce. Não se pode negar a relevância dessa argumentação, que, por tantos anos, foi aceita pelo Tribunal. Mas também não se pode, por outro lado, deixar de admitir que a prerrogativa de foro visa a garantir o exercício do cargo ou do mandato, e não a proteger quem o exerce. Menos ainda quem deixa de exercê-lo. Aliás, a prerrogativa de foro perante a Corte Suprema, como expressa na Constituição brasileira, mesmo para os que se encontram no exercício do cargo ou mandato, não é encontradiça no Direito Constitu-cional Comparado. Menos, ainda, para ex-exercentes de cargos ou manda-tos. Ademais, as prerrogativas de foro, pelo privilégio, que, de certa forma, conferem, não devem ser interpretadas ampliativamente, numa Constituição que pretende tratar igualmente os cidadãos comuns, como são, também, os ex-exercentes de tais cargos ou mandatos. 3. Questão de Ordem suscitada pelo Relator, propondo cancelamento da Súmula 394 e o reconhecimento, no caso, da competência do Juízo de 1º grau para o processo e julgamento de ação penal contra ex-Deputado Federal. Acolhimento de ambas as propostas, por decisão unânime do Plenário. 4. Ressalva, também unânime, de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, com base na Súmula 394, enquanto vigorou.

6.4 — Vereadores têm foro por prerrogativa de função? Onde?

ADI 2587 EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI-DADE. MEDIDA CAUTELAR. ARTIGO 46, III, ALÍNEA e, DA CONS-

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FGV DIREITO RIO 105

TITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIÁS: COMPETÊNCIA DO TRIBU-NAL DE JUSTIÇA PARA PROCESSAR E JULGAR DETERMINADOS SERVIDORES. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, I E LIII; 22, I; 25 E 125, DA CARTA FEDERAL. 1. Os Estados-membros têm competência para or-ganizar a sua Justiça, com observância do modelo federal (CF, artigo 125). 2. A Constituição Estadual não pode conferir competência originária ao Tri-bunal de Justiça para processar e julgar os Procuradores do Estado e da As-sembléia Legislativa, os Defensores Públicos e os Delegados de Polícia, por crimes comuns e de responsabilidade, visto que não gozam da mesma prer-rogativa os servidores públicos que desempenham funções similares na esfera federal. Medida cautelar deferida.

6.5 — Onde devem ser julgados os detentores de foro no TJ que praticam crimes contra a União?

RHC 81944 EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSU-AL PENAL. HABEAS CORPUS. “ESCÂNDALO DA PREVIDÊNCIA”. CRIMES DE QUADRILHA E PECULATO PRATICADOS CONTRA O INSS. CRIME IMPUTADO A JUIZ DE DIREITO. BENEFÍCIO DO RECURSO EM LIBERDADE: QUESTÃO NOVA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAR DEMAIS ACUSADOS. CF, ART. 96, III. CPP, ART. 78, III. I. — Por conter questão nova, não apreciada pelo Superior Tri-bunal de Justiça, o recurso não pode ser conhecido, sob pena de supressão de instância. II. — Competência do Tribunal de Justiça para julgar ação penal em que fi gure juiz de direito como um dos acusados. CF, art. 96, III. III. — Competência do Tribunal de Justiça para julgar os demais acusados, tendo em vista os princípios da conexão e da continência e em razão da jurisdição de maior graduação. CPP, art. 78, III. IV. — Recurso conhecido, em parte, e, nessa parte, improvido.

6.6 — Quem é competente para julgar um juiz de direito que comete crime contra a vida?

RHC 80477 EMENTA: Recurso Ordinário em Habeas Corpus. 2. Ho-micídio. Competência do Tribunal do Júri para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Art. 5º, XXXVIII, d), da Constituição Federal. 3. Não prevalece, na hipótese, a norma constitucional estadual que atribui foro especial por prerrogativa de função a vereador, para ser processado pelo Tribunal de Justiça. 4. Matéria não enquadrável no art. 125, § 1º, da Carta Magna. Cumpre observar, ainda, que a regra do art. 29, X, da Constituição

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FGV DIREITO RIO 106

Federal, não compreende o vereador. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

STJ — AÇÃO PENAL 517. DENÚNCIA POR HOMICÍDIO DU-PLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121,§ 2.º, INCISOS I E IV, DO CP). DESEMBARGADOR FEDERAL ACUSADO DE NCOMENDAR O CRIME. ABSOLVIÇÃO DO INTERMEDIÁRIO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. AUTONOMIA E SOBERANIA DO JÚRI POPULAR. INE-XISTÊNCIA DE CONDICIONAMENTO DO JULGAMENTO DO SUPOSTO MANDANTE POR ESTA CORTE SUPERIOR. EXISTÊN-CIA DE INDÍCIOS QUE SUSTENTAM A ACUSAÇÃO. JUSTA CAU-SA DEMONSTRADA. DENÚNCIA RECEBIDA. MANUTENÇÃO DO ACUSADO NO EXERCÍCIO DO CARGO. QUORUM QUALIFICA-DO DE 2/3 DOS VOTOS DA CORTE ESPECIAL NÃO ATINGIDO (9X4). ART. 29 DA LOMAN.

1 (...) 2. Malgrada a possibilidade de incongruência entre os julgamentos,em decorrência da absolvição do acusado de intermediar a contratação dos exe-cutores do homicídio, há de se observar a especial peculiaridade dos julga-mentos realizados pelo Tribunal do Júri, composto por juízes leigos, pessoas do povo, cujo veredicto é soberano e, por isso, não guarda relação de de-pendência com o julgamento dos co-autores ou partícipes. 3. A s soberania do veredicto do Júri Popular, como se sabe, está prevista na Constituição Federal, como garantia fundamental, no seu art. 5.º, inciso XXXVIII. E dela pode decorrer situações que, eventualmente, fujam da lógica ordinária, com a possibilidade de coexistência de decisões confl itantes, mas que o ordenamen-to jurídico admite, por se cuidar de decisão soberana e independente, tomada por juízes leigos, de quem não se exige as razões de decidir. 4. A prerrogativa de foro, tal como o julgamento pelo Tribunal do Júri, também decorre de norma constitucional, razão pela qual a competência de um não pode se sobrepor a do outro. E é por isso que, em caso de corréus, quando há prerro-gativa de foro para um deles, como na espécie, o processo, necessariamente, deverá ser cindido: o Tribunal julgará aquele que detém a prerrogativa de foro e os demais serão julgados pelo Júri Popular. Cada órgão julgador perfaz seu mister, em estrita obediência ao comando constitucional, sem vinculação entre os resultados, ainda que confl itantes, uma vez que,

de um lado, há a soberania do veredicto popular e, de outro, a jurisdição desta Corte Superior.

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FGV DIREITO RIO 107

AULA 13 — FORO PRIVILEGIADO NAS AÇÕES DE IMPROBIDADE

1 — NA IMPRENSA:

Ministros do STF querem foro privilegiado para crime de improbidade

Felipe Recondo, de O Estado de S. PauloBRASÍLIA — Ministros do Supremo Tribunal Federal articulam-se para

ampliar o alcance do foro privilegiado e tirar dos juízes de primeira instância as ações de improbidade contra agentes públicos suspeitos de enriquecimen-to ilícito. Os primeiros benefi ciados seriam o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e réus do mensalão mineiro, como o ex-governador Eduardo Aze-redo (PSDB-MG) e o publicitário Marcos Valério.

Os ministros querem rediscutir nesta terça-feira, 22, jurisprudência do próprio STF: ações de impro bidade são julgadas na primeira instância, o réu tendo ou não foro privilegiado. A tese foi confi rmada pelo STF em 2005. A decisão defi nirá onde as ações de improbidade devem ser julgadas.

Apesar da decisão de 2005, a dúvida sobre quem deve processar esses ca-sos levou o STF a suspender o inquérito que seria aberto contra o ministro Mantega por suspeita de improbidade. O Ministério Público Federal queria investigar se ele foi omisso em relação ao suposto esquema de corrupção na Casa da Moeda, o que levou à demissão do presidente do órgão, Luiz Felipe Denucci.

Improbidade. A decisão do STF valerá também para a ação civil pública por atos de improbidade aberta contra réus do mensalão mineiro, processo que corre em paralelo à ação penal contra Azeredo e Valério. O ministro Car-los Ayres Britto, relator do processo, entendeu que não cabia ao STF julgar o processo e o encaminhou para a Justiça Estadual de MG. Azeredo recorreu da decisão na tentativa de manter o caso no STF. É um debate apaixonado, que resultou em bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa, contra o foro privilegiado nesses casos, e Gilmar Mendes.

Impunidade. O efeito prático de tirar dos juízes de primeira instância e levar para os tribunais superiores ações de improbidade foi resumido pelo então ministro Carlos Velloso. “Trazer para os tribunais essa competência originária é consagrar a impunidade”, disse, no julgamento de 2005. Para ele, o STF demoraria para julgar ações como essas e punir responsáveis. Na sema-na passada, o assunto voltou a plenário. Mas os ministros defi niram apenas se a decisão de 2005, que julgou inconstitucional a lei aprovada no governo Fernando Henrique Cardoso que estabeleceu o foro privilegiado para esses processos, anularia as ações já abertas.

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FGV DIREITO RIO 108

Mas os ministros querem rediscutir o ponto principal: se as ações trami-tam em primeira instância ou no STF. Pelo menos três ministros já deram si-nais públicos que devem votar desta forma: Luiz Fux; Gilmar Mendes e Dias Toff oli. Mas o número de apoiadores é maior, segundo apurou o Estado.

http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,ministros-do-stf-querem--foro-privilegiado-para-crime-de-improbidade,875998,0.htm

2 — ENTENDENDO A QUESTÃO

Por Nathalia Lavouras — Monitora

“A defi nição da competência judicial para processar e julgar as ações de improbidade administrativa tem sido um dos mais acentuados problemas interpretativos Lei n. 8.429/92. O texto da lei não trata de competência, fi -cando a cargo do intérprete recorrer às normas gerais de competência jurisdi-cional para posicionar-se sobre a questão. Neste contexto, a grande polêmica que atualmente gira em torno das ações de improbidade administrativa diz respeito à aplicação do foro por prerrogativa de função para os agentes públi-cos que teriam esse benefi cio concedido em âmbito penal.

A Constituição Federal de 1988 conferiu, taxativamente e exaustivamen-te, a competência pelo foro por prerrogativa de função do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsa-bilidade, levando em consideração a relevância da função pública da pessoa a ser investigada ou processada.

Dentro dessas atribuições e sendo o foro por prerrogativa de função um direito que deve ser constitucionalmente consagrado, o texto constitucional não previu sua aplicação para as ações de improbidade administrativa, visto que a Lei n.º 8429, que dispõe sobre as ações de improbidade administrativa, foi editada somente em 1992, posteriormente à Constituição Federal, que é de 1988. Neste contexto, o legislador originário não poderia descrever de maneira expressa sobre quem seria competente para julgar as ações de impro-bidade administrativa, indiretamente criando, assim, um problema que até os dias de hoje provoca bastantes discussões e divergências calorosas tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

É inquestionável que a Ação de Improbidade Administrativa é dotada de grande importância e interesse geral visto que sua principal fi nalidade é a busca por uma Administração Pública proba, efi ciente, comprometida ex-clusivamente com o interesse público e desprovida da busca inescrupulosa

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FGV DIREITO RIO 109

de ganhos privados pela usurpação da função pública. Exatamente pelo seu valor para um funcionamento da maquina estatal honesto e efi ciente que possui peculiaridades relevantes, seja pelo seu forte conteúdo penal ou por ser dotada de fortes aspectos políticos em sua conjuntura.

Sendo assim, não há duvida que, para seu tratamento, deve ser conside-rado seu peso e contexto já que há possibilidade de ser ajuizada contra au-toridades com função pública de grande relevância e, a fi m de proporcionar um julgamento justo e sem parcialidades e/ou hierarquias, deveria ser julgada pelo órgão competente para julgar as mesmas autoridades em caso de ações penais. Além do aspecto político envolvendo tais ações, esta interpretação extensiva também se justifi ca pela identidade entre as penas nos crimes co-muns, ou aos crimes de responsabilidade em relação à prática de atos ím-probos. Por exemplo, a perda da função pública, uma das penas dos crimes comuns e de responsabilidade, pode ser imputada no julgamento dos atos de improbidade administrativa.

Neste contexto, parte da doutrina defende a fl exibilização da competência das ações de improbidade administrativa nos casos em que, na qualidade de sujeito ativo, fi gurarem funcionários públicos benefi ciários do foro por prerrogativa de função nos crimes comuns e nos crimes de responsabilidade.

Contudo, como já expresso anteriormente, tal posicionamento não é unís-sono na doutrina. Uma parte mais legalista alega que a ação de improbidade é, de fato, uma ação civil, nos termos do art. 37, §4º, da Constituição Federal Brasileira, da seguinte redação:

Art. 37 [...]§ 4º — Os atos de improbidade administrativa importarão a sus-

pensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indispo-nibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Assim sendo, o legislador originário determinou a natureza civil desta ação e, não apenas, que seu ajuizamento não causaria prejuízo para a ação penal cabível. Deste modo, por se tratar de ação de cunho cível, a ação de improbi-dade administrativa deve respeitar o procedimento que o ordenamento jurí-dico reservou para esses tipos de ações.

Ademais, inexiste dispositivo expresso na Constituição Federal de 1988 dando a prerrogativa de função para essas ações, restringindo apenas para as ações de caráter penal. Os artigos 102 e 105 da Constituição Federal — arti-gos referente à competência originária do STF e STJ — não fazem qualquer menção expressa no julgamento de ações por improbidade administrativa. Assim, fl exibilizar essa competência signifi caria uma verdadeira usurpação das atribuições do juiz de primeiro grau, com fulcro no art. 5º, LIII, da CF

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FGV DIREITO RIO 110

que determina que “ninguém será processado nem sentenciado, senão pela auto-ridade competente”.

No ano de 2002, houve a publicação da Lei nº 10.628, que, em seu art. 1º, alterou o art. 84 do Código de Processo Penal, determinando que:

Art. 1º. O art. 84 do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 — Código de Processo Penal, passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 84. A competência pela prerrogativa de função é do Su-premo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Fe-deral, relativamente às pessoas que devam responder perante eles por crimes comuns e de responsabilidade.

§ 1º A competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam iniciados após a cessação do exercício da função pública.

§ 2º A ação de improbidade, de que trata a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para pro-cessar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, obser-vado o disposto no § 1º.

Todavia, O Supremo Tribunal Federal posicionou-se pela inconstitucio-nalidade da lei no julgamento da ADI 2797/DF, declarando inconstitucio-nais os §§ 1º e 2º do art. 84, do CPP, alegando que a competência da Corte é exaustiva e taxativamente estabelecida pela Constituição Federal, não poden-do sofrer alargamento por meio de legislação infraconstitucional e, portanto, um legislador ordinário não poderia acrescentar competência originária no taxativo rol de competências de cada tribunal, o que somente poderia ser fei-to através de emenda constitucional. Não só, o STF, para corroborar com sua posição, citou o art. 37, § 4.º, da Constituição Federal, alegando ser de cla-reza inquestionável a intenção do legislador originário em conferir natureza civil para tais ações, não podendo ocorrer confusão entre a jurisdição civil e penal, para os atos de improbidade e para os ilícitos penais, respectivamente.

Destarte, as decisões tomadas pelo STF em controle abstrato são dota-das de efi cácia erga omnes e efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal, voltando a vigorar a regra anterior, continuando a prevalecer que, no tocan-te à competência, ainda, tirante as previsões constitucionais expressas, não haveria foro por prerrogativa de função. Assim sendo, a tentativa da Lei nº 10.628/2002 restou fracassada e a ação civil de improbidade continuou a

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FGV DIREITO RIO 111

seguir, com peculiaridades, o rito ordinário, similar àquele da ação popular, devendo ser intentada mediante o juiz de direito competente.

Entretanto, a decisão do STF não foi sufi ciente para colocar um fi m no problema, tendo sido alvo de criticas e divergências por grande parte da dou-trina e inclusive, até mesmo a própria Corte que, na questão de ordem sus-citada na Pet 3211/DF, mitigou seu entendimento, no caso que envolvia uma ação de improbidade administrativa ajuizada contra um atual ministro da casa. O entendimento antes consolidado implicaria em declinar a com-petência do STF e encaminhar o processo para a primeira instância para ser julgado. Alternado sua posição, o STF acabou por decidir a favor da própria competência.

Outro marco na posição do STF sobre este tema foi no julgamento da Re-clamação 2138/2007. Nele, a Corte defi niu que as penas de perda da função pública e suspensão de direitos políticos possuem forte conteúdo criminal e eminentemente político. Isto porque diante das relevantes penas comináveis aos agentes políticos nas ações de improbidade administrativa, se fossem jul-gados em primeira instância trariam às repartições políticas uma instabilida-de muito grande, visto que seriam impetrados anormais e numerosas ações contra os agentes políticos, que dentro dessa grande massa de processos em sede de primeira instância, causaria um risco maior de aplicar penas de cunho considerável criminal (suspensão de direitos políticos e perda da função) sem que de fato fossem necessárias ou justas. Assim, autorizaram à possibilida-de de estender o foro por prerrogativa de função às ações de improbidade, alegando que o mero fato de que o tipo das penas de improbidade possuem cunho criminal, já seria suscetível de usurpação de competência.

Logo após este julgado, abriu-se precedente para os demais tribunais, ten-do alguns deles — principalmente o STJ — admitido o foro por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa.

Neste sentido, em 2011, O Superior Tribunal de Justiça, a exemplo da Suprema Corte, admitiu competência extensiva na ação de improbidade. O caso era sobre a ação de improbidade ajuizada contra o Ex— Governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, à época em que estava no exercício do cargo. Ao ingressar com pedido de competência ao STJ, à luz do art. 105, I, ‘’a’’, como foro privilegiado para Governadores (na prática de crime comum), esta Reclamação foi recusada pelo STJ pelo fato de que fora interposta quan-do o ex Governador não estava mais no efetivo exercício do cargo político. Contudo, no momento que foi impetrado o Recurso no STJ, fora eleito De-putado Federal e, consequentemente, passara a ser benefi ciado pela garantia do foro por prerrogativa de função perante ao STF, nos termos do art. 102, iniciso I, alínea ‘’b’’.

O Relator Ministro Benedito Gonçalves deixou claro que vem sendo ju-risprudência pacífi ca tanto no STJ quanto no STF, que os detentores de foro

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FGV DIREITO RIO 112

por prerrogativa de função caso respondessem por ação de improbidade que causasse risco de perda de mandato ou cargo, deveria ser competente o órgão ao qual possui o foro privilegiado.

Justifi cou, ainda, que o caso em questão poderia implicar em perda do cargo de Deputado Federal razão pela qual, entendendo pela extensão do foro por prerrogativa de função para as ações de improbidade, decidiram por remeter o caso ao STF para processar e julgar o suposto ato de improbidade, visto que estava no exercício do cargo político de Deputado Federal.

De maneira geral, se pararmos pra analisar os julgamentos do STJ e do STF, principalmente os recentes, conclui-se que o posicionamento quase que pacífi co nas Cortes é por negar foro privilegiado nas ações de improbidade. Contudo, há decisões em sentido inverso, especialmente quando o réu estiver ocupando o cargo político, pois que a pena de perda do cargo ou função é tão grave, que deve estender a ela os benefícios do foro privilegiado.

O problema sobre a prerrogativa de foro continua sendo objeto de grande debate, seja pela existência de uma jurisprudência oscilante, com decisões cada vez mais confl itantes ou pelas acaloradas discussões doutrinárias, crian-do um cenário perigoso de insegurança jurídica. De um lado, defende-se que a competência dos tribunais superiores é estritamente a contida no texto constitucional, não podendo ser alterada e alargada por legislação ordinária, salvo por emenda constitucional. Por outro, alega-se que uma leitura siste-mática do texto Constitucional não pode gerar subversão na estrutura esca-lonada de competências, sendo incongruente um juiz de primeiro grau, por exemplo, julgar um desembargador ou ministro de tribunal superior em ação de improbidade, sendo assim, no tocante das ações de improbidade adminis-trativa deve ser aplicada a “ratio” da competência nas ações penais.”

(Nathalia Lavouras é aluna da FGV, Monitora da disciplina e faz seu traba-lho de conclusão de curso neste tema)

JURISPRUDÊNCIA

EMENTA 1 —RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPRE-

MO TRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRE-LIMINARES. QUESTÕES DE ORDEM. I.1. Questão de ordem quanto à manutenção da competência da Corte que justifi cou, no primeiro momento do julgamento, o conhecimento da reclamação, diante do fato novo da cessa-ção do exercício da função pública pelo interessado. Ministro de Estado que posteriormente assumiu cargo de Chefe de Missão Diplomática Permanente do Brasil perante a Organização das Nações Unidas. Manutenção da prer-

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FGV DIREITO RIO 113

rogativa de foro perante o STF, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. Questão de ordem rejeitada. I. 2. Questão de ordem quanto ao sobrestamen-to do julgamento até que seja possível realizá-lo em conjunto com outros processos sobre o mesmo tema, com participação de todos os Ministros que integram o Tribunal, tendo em vista a possibilidade de que o pronunciamento da Corte não refl ita o entendimento de seus atuais membros, dentre os quais quatro não têm direito a voto, pois seus antecessores já se pronunciaram. Jul-gamento que já se estende por cinco anos. Celeridade processual. Existência de outro processo com matéria idêntica na seqüência da pauta de julgamen-tos do dia. Inutilidade do sobrestamento. Questão de ordem rejeitada. II. MÉRITO. II.1.Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipifi cados como crime de respon-sabilidade na Lei nº 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2.Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admi-te a concorrência entre dois regimes de responsabilidade político-administra-tiva para os agentes políticos: o previsto no art. 37, § 4º (regulado pela Lei nº 8.429/1992) e o regime fi xado no art. 102, I, c, (disciplinado pela Lei nº 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, § 4º) pudesse abranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, c, da Constituição. II. 3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I, c; Lei nº 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previsto no regi-me comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992). II. 4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, c, da Constitui-ção. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime de responsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitos políticos. II. 5.Ação de improbidade admi-nistrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Vara da Justiça Federal — Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente político que pos-sui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conforme o art. 102, I, c, da Constituição. III. RECLA-MAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

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FGV DIREITO RIO 114

(STF — Rcl: 2138 DF, Relator: NELSON JOBIM, Data de Julgamento: 12/06/2007, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-070 DIVULG 17-04-2008 PUBLIC 18-04-2008 EMENT VOL-02315-01 PP-00094)

EMENTA 2ADI 2797 / DF —Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julga-

mento: 15/09/2005EMENTA: I. ADIn: legitimidade ativa: “entidade de classe de âmbito na-

cional” (art. 103, IX, CF): Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — CONAMP 1. Ao julgar, a ADIn 3153-AgR, 12.08.04, Pertence, Inf STF 356, o plenário do Supremo Tribunal abandonou o entendimento que excluía as entidades de classe de segundo grau — as chamadas “associa-ções de associações” — do rol dos legitimados à ação direta. 2. De qualquer sorte, no novo estatuto da CONAMP — agora Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — a qualidade de “associados efetivos” fi cou adstrita às pessoas físicas integrantes da categoria, — o que basta a satisfazer a jurisprudência restritiva-, ainda que o estatuto reserve às associações afi -liadas papel relevante na gestão da entidade nacional. II. ADIn: pertinência temática. Presença da relação de pertinência temática entre a fi nalidade insti-tucional das duas entidades requerentes e os dispositivos legais impugnados: as normas legais questionadas se refl etem na distribuição vertical de compe-tência funcional entre os órgãos do Poder Judiciário — e, em conseqüência, entre os do Ministério Público. III. Foro especial por prerrogativa de fun-ção: extensão, no tempo, ao momento posterior à cessação da investidura na função dele determinante. Súmula 394/STF (cancelamento pelo Supremo Tribunal Federal). Lei 10.628/2002, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao artigo 84 do C. Processo Penal: pretensão inadmissível de interpretação autêntica da Constituição por lei ordinária e usurpação da competência do Supremo Tribunal para interpretar a Constituição: inconstitucionalidade declarada. 1. O novo § 1º do art. 84 CPrPen constitui evidente reação legislativa ao can-celamento da Súmula 394 por decisão tomada pelo Supremo Tribunal no Inq 687-QO, 25.8.97, rel. o em. Ministro Sydney Sanches (RTJ 179/912), cujos fundamentos a lei nova contraria inequivocamente. 2. Tanto a Súmula 394, como a decisão do Supremo Tribunal, que a cancelou, derivaram de interpretação direta e exclusiva da Constituição Federal. 3. Não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda nor-ma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior. 4. Quando, ao vício de inconstitucionalidade formal, a lei interpretativa da Constituição acresça o de opor-se ao entendimento da jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal — guarda da Constitui-ção —, às razões dogmáticas acentuadas se impõem ao Tribunal razões de alta

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política institucional para repelir a usurpação pelo legislador de sua missão de intérprete fi nal da Lei Fundamental: admitir pudesse a lei ordinária inverter a leitura pelo Supremo Tribunal da Constituição seria dizer que a interpreta-ção constitucional da Corte estaria sujeita ao referendo do legislador, ou seja, que a Constituição — como entendida pelo órgão que ela própria erigiu em guarda da sua supremacia —, só constituiria o correto entendimento da Lei Suprema na medida da inteligência que lhe desse outro órgão constituído, o legislador ordinário, ao contrário, submetido aos seus ditames. 5. Inconsti-tucionalidade do § 1º do art. 84 C.Pr.Penal, acrescido pela lei questionada e, por arrastamento, da regra fi nal do § 2º do mesmo artigo, que manda esten-der a regra à ação de improbidade administrativa. IV. Ação de improbidade administrativa: extensão da competência especial por prerrogativa de função estabelecida para o processo penal condenatório contra o mesmo dignitário (§ 2º do art. 84 do C Pr Penal introduzido pela L. 10.628/2002): declaração, por lei, de competência originária não prevista na Constituição: inconstitu-cionalidade. 1. No plano federal, as hipóteses de competência cível ou crimi-nal dos tribunais da União são as previstas na Constituição da República ou dela implicitamente decorrentes, salvo quando esta mesma remeta à lei a sua fi xação. 2. Essa exclusividade constitucional da fonte das competências dos tribunais federais resulta, de logo, de ser a Justiça da União especial em rela-ção às dos Estados, detentores de toda a jurisdição residual. 3. Acresce que a competência originária dos Tribunais é, por defi nição, derrogação da compe-tência ordinária dos juízos de primeiro grau, do que decorre que, demarcada a última pela Constituição, só a própria Constituição a pode excetuar. 4. Como mera explicitação de competências originárias implícitas na Lei Fun-damental, à disposição legal em causa seriam oponíveis as razões já aventadas contra a pretensão de imposição por lei ordinária de uma dada interpretação constitucional. 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidade administrativa, de natureza civil (CF, art. 37, § 4º), à ação penal contra os mais altos dignitários da República, para o fi m de estabelecer competência originária do Supremo Tribunal, em relação à qual a jurispru-dência do Tribunal sempre estabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. 6. Quanto aos Tribunais locais, a Constituição Federal —salvo as hipóteses dos seus arts. 29, X e 96, III —, reservou explicitamente às Constituições dos Estados-membros a defi nição da competência dos seus tribunais, o que afasta a possibilidade de ser ela alterada por lei federal ordinária. V. Ação de improbidade administrativa e competência constitucional para o julgamento dos crimes de responsabilidade. 1. O eventual acolhimento da tese de que a competência constitucional para julgar os crimes de responsabilidade haveria de estender-se ao processo e julgamento da ação de improbidade, agitada na Rcl 2138, ora pendente de julgamento no Supremo Tribunal, não prejudica nem é prejudicada pela inconstitucionalidade do novo § 2º do art. 84 do

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C.Pr.Penal. 2. A competência originária dos tribunais para julgar crimes de responsabilidade é bem mais restrita que a de julgar autoridades por crimes comuns: afora o caso dos chefes do Poder Executivo — cujo impeachment é da competência dos órgãos políticos — a cogitada competência dos tribunais não alcançaria, sequer por integração analógica, os membros do Congresso Nacional e das outras casas legislativas, aos quais, segundo a Constituição, não se pode atribuir a prática de crimes de responsabilidade. 3. Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado.

EMENTA 3AGENTE POLÍTICO ELEITO PARA O CARGO DE DEPUTADO

FEDERAL. AÇÃO QUE PODE ENSEJAR A PERDA DO MANDATO. FORO PRIVILEGIADO. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL DA CORTE ESPECIAL DO STJ. AUSÊNCIA DE OMISSÃO OU EQUÍVO-COS.

1. Os embargos de declaração são cabíveis quando o provimento jurisdi-cional padece de omissão, contradição ou obscuridade, consoante dispõe o art. 535, I e II, do CPC, bem como para sanar a ocorrência de erro material. 2. No caso, não se verifi cam omissão ou equivoco a serem sanados, porquan-to o acórdão ora embargado, de forma fundamentada, clara e coerente, ex-ternou o entendimento de que o foro privilegiado também deve ser aplicado à ações civis públicas por ato de improbidade administrativa, quando houver a possibilidade de a autoridade investigada perder o cargo ou o mandato. 3. Conforme fundamentação externada, em voto vista, pelo Ministro Teori Albino Zavascki, “por imposição lógica de coerência interpretativa, a prer-rogativa de foro em ação penal perante o STF, assegurada aos parlamentares federais, se estende, por inafastável simetria com o que ocorre em relação aos crimes comuns (CF, art. 53, § 1º e art. 102, I, c), à ação de improbidade, da qual pode resultar, entre outras sanções, a suspensão de seus direitos políti-cos e a própria perda do cargo. Considerando que o fato superveniente, que determinou a modifi cação da competência, se deu após a interposição do recurso especial e do próprio agravo de instrumento ora em exame (protoco-lizado em 27/09/2010), é de se considerar, também por analogia com a ação penal, que são legítimos os atos processuais até então praticados, cabendo a remessa dos autos ao STF para apreciar os recursos interpostos”. 4. Embargos de declaração rejeitados.

EDcl no AgRg no Ag 1404254 / RJ ADMINISTRATIVO E PROCES-SUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO DE INS-TRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINIS-TRATIVA.

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AULA 14 — PROCEDIMENTO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DOS TRIBUNAIS — A LEI 8038

1 — CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A existência de foro por prerrogativa de funções determinou que o legislador disciplinasse o procedimento a ser observado nestas situações. A Lei 8.038 foi editada, em 28 de maio de 1990 veio atender a esta necessidade, instituindo nor-mas procedimentais para os processos penais que especifi ca, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. Além desta lei, integram o conjunto de normas procedimentais os regimentos internos destes dois tribunais.

As ações penais de competência originária do STF e STJ, nestes termos, submetem-se ao procedimento estabelecido em lei específi ca (arts. 1º a 12 da Lei nº 8.038/1.990), aplicando-se, em relação aos atos de instrução, o proce-dimento comum do CPP (Código de Processo Penal), no que couber, e o RI (Regimento Interno), conforme expressa previsão legal (arts. 2º, caput, e 9º, caput, da Lei nº 8.038/1.990).

Algumas questões polêmicas acabaram por surgir da aplicação mais fre-quente desta lei. Uma delas diz respeito momento da realização do interro-gatório do réu, e a outra, celebrizada pela AP 470 (mensalão) e ainda não re-solvida pelo STF diz com a possibilidade de oposição embargos infringentes.

2.— NA VIDA REAL:

Notícias STFSegunda-feira, 13 de maio de 2013AP 470: Relator considera incabíveis embarg os infringentesO presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Bar-

bosa, negou seguimento hoje (13) aos embargos infringentes apresentados pela defesa de Delúbio Soares e, na mesma decisão, indeferiu o pedido for-mulado pela defesa de Cristiano de Mello Paz, para que fosse concedido pra-zo em dobro aos réus condenados na Ação Penal (AP) 470 para interposição de tais embargos.

De acordo com o ministro, embora o artigo 333, inciso I e parágrafo úni-co do Regimento Interno do STF (RISTF) preveja a apresentação de recurso de embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário que julgar pro-cedente ação penal (desde que existam, no mínimo, quatro votos divergen-tes), tal norma não tem aplicabilidade, pois sua concepção data da época em que a Corte tinha competência normativa para dispor sobre processos de sua competência originária e recursal.

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Segundo esclareceu o ministro Joaquim Barbosa, com o advento da Cons-tituição de 1988, o Supremo perdeu essa atribuição normativa, passando a se submeter a leis votadas pelo Congresso Nacional para disciplinar processos e julgamentos de sua competência. “O fato de o Regimento Interno do STF ter sido recepcionado lá atrás com status de lei ordinária não signifi ca que esse documento tenha adquirido características de eternidade. Longe disso”, enfatizou.

Embora a Constituição de 1988 tenha recepcionado o RISTF como lei ordinária, ele vem sendo constantemente alterado pela Corte e já conta com mais de 47 emendas. “E essa revisão deve continuar, tendo em vista a existên-cia, ainda hoje, de inúmeros dispositivos regimentais manifestamente ultra-passados”, ressaltou o ministro, referindo-se ao pedido de avocação e ao pró-prio dispositivo que trata dos embargos infringentes, no qual é feita alusão a julgamento secreto, algo que não existe mais.

Em sua decisão, o presidente do STF salienta que, assim como todas as es-pécies normativas, o RISTF também pode ser alterado, total ou parcialmente, e mesmo tacitamente, por lei posterior que dispuser de forma diversa ou que regular matéria nele existente. Foi o que ocorreu, segundo o ministro, com a Lei 8.038/1990, que disciplinou as normas procedimentais para julgamentos pelo STF e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esta lei especifi ca quais são os recursos cabíveis no âmbito do STF e do STJ e não prevê o cabimento de embargos infringentes.

“Não há como se concluir, portanto, que esses embargos infringentes se prestem simplesmente a abrir espaço à mera repetição de julgamento rea-lizado pelo mesmo órgão plenário que já examinou exaustivamente uma determinada ação penal e já esgotou, por conseguinte, a análise do mérito dessa demanda”, assevera o ministro-presidente. “Noutras palavras, admitir o recurso de embargos infringentes seria o mesmo que aceitar a ideia de que o Supremo Tribunal Federal, num gesto gracioso, inventivo, ad hoc, magnâni-mo, mas absolutamente ilegal, pudesse criar ou ressuscitar vias recursais não previstas no ordenamento jurídico brasileiro”, acrescentou.

O ministro fi nalizou sua decisão afi rmando que a admissão de embargos infringentes será uma forma de “eternizar” o julgamento, conduzindo a Justi-ça brasileira ao descrédito. “É absurda a tese que postula admissão dos embar-gos infringentes no presente caso, seja porque esta Corte já se debruçou sobre todas as minúcias do feito ao longo de quase cinco meses; seja porque, ao menos em tese, existe, ainda, a possibilidade de, caso necessário, aperfeiçoar--se o julgamento através de embargos de declaração e de revisão criminal”, concluiu o ministro Joaquim Barbosa.

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64 Art. 7º — Recebida a denúncia ou a

queixa, o relator designará dia e hora

para o interrogatório, mandando citar o

acusado ou querelado e intimar o órgão

do Ministério Público, bem como o que-

relante ou o assistente, se for o caso.

65 CPP — Art. 400. Na audiência de

instrução e julgamento, a ser realiza-

da no prazo máximo de 60 (sessenta)

dias, proceder-se-á à tomada de de-

clarações do ofendido, à inquirição das

testemunhas arroladas pela acusação e

pela defesa, nesta ordem, ressalvado o

disposto no art. 222 deste Código, bem

como aos esclarecimentos dos peritos,

às acareações e ao reconhecimento de

pessoas e coisas, interrogando-se, em

seguida, o acusado.

3. O PROCEDIMENTO DA LEI 8038 EM BREVE ESQUEMA:

— Denúncia ofertada pelo órgão do Ministério Público com assento pe-rante a corte respectiva. No caso do STJ, são os Sub Procuradores Gerais da República, membros da última instância da carreira do Ministério Público Federal. No caso do STG, a denúncia será sempre ofertada pelo Procurador Geral da República. Se se tratar de ação penal privada, a queixa será oferecida por particular, mas subscrita por advogado.

— A denúncia/queixa é distribuída a um Ministro Relator será o juiz da instrução que notifi cará o denunciado para apresentar resposta preliminar em 15 dias.

— Se a resposta vier com documentos, abre-se vista à parte contrária— Sessão da Corte para que delibere sobre o recebimento, a rejeição da

denúncia ou da queixa, ou a improcedência da acusação, se a decisão não depender de outras provas (sustentação oral)

— Recebida a denúncia, Relator determina a citação do acusado, designa dia e hora para interrogatório, intima o MP

— Defesa Prévia (5 dias após o interrogatório)— Instrução: aplicação subsidiária do CPP. Art. 9º, § 1º — O relator

poderá delegar a realização do interrogatório ou de outro ato da instrução ao juiz ou membro de tribunal com competência territorial no local de cumpri-mento da carta de ordem.

— Intimação das partes para requerimento de diligências— Deliberação sobre as diligências— Apresentação de alegações fi nais escritas (15 dias)— Sessão de Julgamento: a acusação e a defesa terão, sucessivamente, nes-

sa ordem, prazo de uma hora para sustentação oral, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação; encerrados os debates, os membros do Tri-bunal proferem seus votos na ordem regimental (primeiro o Relator, depois o Revisor e os demais como o regimento estipular).

4 — A QUESTÃO DO INTERROGATÓRIO

A Lei n.º 8.038/90 dispôs em seu art. 7º64 que o interrogatório permanece como primeiro ato da instrução, exatamente como era no procedimento co-mum do CPP, antes da reforma de 2008. Ocorre que após a Lei 11719/2008, os procedimentos do CPP passaram a prever o interrogatório como ato fi nal da instrução processual65, por se vislumbrar nesta ordem uma garantia maior à ampla defesa. A Lei 8038 não sofreu alteração e permaneceu determinando o interrogatório antes de iniciada a instrução. O debate atual é no tocante à

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66 Lei 8038/90, Art. 9º — A instru-

ção obedecerá, no que couber, ao

procedimento comum do Código de

Processo Penal. CPP, Art. 394, § 5º-   §

5o  Aplicam-se subsidiariamente aos

procedimentos especial, sumário e

sumaríssimo as disposições do procedi-

mento ordinário.

67 Art. 609. Os recursos, apelações e em-

bargos serão julgados pelos Tribunais

de Justiça, câmaras ou turmas crimi-

nais, de acordo com a competência

estabelecida nas leis de organização

judiciária. Parágrafo único.    Quando

não for unânime a decisão de segun-

da instância, desfavorável ao réu,

admitem-se embargos infringentes e

de nulidade, que poderão ser opostos

dentro de 10 (dez) dias, a contar da

publicação de acórdão, na forma do

art. 613. Se o desacordo for parcial, os

embargos serão restritos à matéria ob-

jeto de divergência.

desarmonia destes dois procedimentos. Basicamente, se pergunta: deve pre-valecer o rito da Lei 8038 por ser especial, ou deve prevalecer o CPP porque, além de ser aplicado subsidiariamente66, garante maior amplitude à defesa?

A controvérsia ainda persiste, mas há uma certa tendência dos tribunais pela aplicação do CPP. Confi ra nesta ementa:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. INTERROGATÓRIO NAS AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS DO STF. ATO QUE DEVE PASSAR A SER REALIZADO AO FINAL DO PROCESSO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 400 DO CPP. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

I — O art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei 11.719⁄2008, fi xou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal. II — Sendo tal prática benéfi ca à defesa, deve prevalecer nas ações pe-nais originárias perante o Supremo Tribunal Federal, em detrimento do pre-visto no art. 7º da Lei 8.038⁄90 nesse aspecto. Exceção apenas quanto às ações nas quais o interrogatório já se ultimou. III — Interpretação sistemática e teleológica do direito. IV — Agravo regimental a que se nega provimento.

(AP 528 AgR/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, jul-gado em 24⁄03⁄2011, DJe 08/06/2011).

A posição acolhida pelo Supremo Tribunal Federal neste caso lastreou-se numa interpretação teleológica, conferindo primazia às garantias do contra-ditório e da ampla defesa (Constituição da República, art. 5º, LV).

5 — EMBARGOS INFRINGENTES EM AÇÕES PENAIS ORIGINÁRIAS

Embargos Infringentes, como sabemos são meios de impugnação exclusi-vos da defesa (no processo penal), previstos no parágrafo único do artigo 609 do CPP67, sempre que a decisão desfavorável ao réu não for unânime.

A polêmica aqui que gira em torno do fato de que a Lei 8.038/1990, ao dispor sobre o procedimento nas ações penais originárias de competência do STF e STJ, não previu a interposição de embargos infringentes. Ocorre que o Regimento Interno do STF, em seu art. 333 do Regimento Interno do STF que determina que:

Art. 333 — Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:

I — que julgar procedente a ação penal;II — que julgar improcedente a revisão criminal;

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III — que julgar a ação rescisória;IV — que julgar a representação de inconstitucionalidade;V — que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado.

A doutrina discute se houve revogação tácita deste dispositivo do Regi-mento pela Lei 8038.

A questão atualmente está devolvida ao STF que, como vimos, deverá enfrentar a questão no caso do mensalão. Muitos dos condenados já interpu-seram o recurso e, embora a decisão monocrática do Relator tenha sido pelo não cabimento, a questão deverá ser examinada pelo Pleno do Tribunal.

6.— PARA REFLEXÃO E DEBATE:

6.1 — Qual a natureza das normas regimentais? Podem dispor sobre processo em geral?

6.2 — A admissibilidade dos embargos infringentes pode atender ao princípio do duplo grau de jurisdição?

7 — LEITURA OBRIGATÓRIA:

OLIVEIRA, Eugenio Pacelli, Curso de Processo Penal, Ed. Del Rey, Cap. 8.2.1, Cap.14.6 e 16.5

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SILVANA BATINI CESAR GÓESDoutora e Mestre em Direito Público pela PUC/RJ. Professora da FGV na graduação e no Programa de Educação Continuada. Professora visitante da EMERJ. Procuradora Regional da República

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FICHA TÉCNICA

Fundação Getulio Vargas

Carlos Ivan Simonsen LealPRESIDENTE

FGV DIREITO RIO

Joaquim FalcãoDIRETOR

Sérgio GuerraVICE-DIRETOR DE ENSINO, PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

Rodrigo ViannaVICE-DIRETOR ADMINISTRATIVO

Thiago Bottino do AmaralCOORDENADOR DA GRADUAÇÃO

Andre Pacheco MendesCOORDENADOR DO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – CLÍNICAS

Cristina Nacif AlvesCOORDENADORA DE ENSINO

Marília AraújoCOORDENADORA EXECUTIVA DA GRADUAÇÃO

Paula SpielerCOORDENADORA DE ATIVIDADES COMPLEMENTARES E DE RELAÇÕES INSTITUCIONAIS