informatização e doenças psicossociais

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    3 VALCIONIR CORRA

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    Informatizaoe doenas

    psicossociaisorganizao do trabalho edoenas psicossociais dos

    programadores e analistas desistemas do CIASC

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    J69 i Johnson, Guillermo Alfredo

    Informatizao e doenas psicossociais: organizaodo trabalho e doenas psicossociais dos programadorese analistas de sistemas do CIASC / Guillermo AlfredoJohnson Florianpolis: UFSC, 2012.173p.; 14,8 x 21 cm.

    ISBN: 978-85-61682-75-0

    1. Informatizao. 2. Doenas psicossociais. 3. Trabalho.I Johnson, Guillermo Alfredo

    CDU 616-057

    Copyright 2012 Guillermo Alfredo Johnson

    Capa

    Tiago Roberto da Silva

    Editorao eletrnica

    Flvia Torrezan, Tiago Roberto da Silva

    Bibliotecria

    Luiza Helena Goulart da Silva

    Todos os direitos reservados a

    Editoria Em Debate

    Campus Universitrio da UFSC Trindade

    Centro de Filosofa e Cincias Humanas

    Bloco anexo, sala 301

    Telefone: (48) 3338-8357

    Florianpolis SC

    www.editoriaemdebate.ufsc.br

    www.lastro.ufsc.br

    2012

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    Florianpolis2012

    Guillermo Alfredo Johnson

    Informatizaoe doenas

    psicossociais

    organizao do trabalho edoenas psicossociais dos

    programadores e analistas desistemas do CIASC

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    SUMRIO

    PREFCIO ................................................................................................................................7

    INTRODUO. .....................................................................................................................9

    1 CONTEXTO POLTICO E TECNOLGICO

    DAS MUDANAS NO MUNDO DO TRABALHO ..........................................15

    1.1Novas Formas de Produo e a Globalizao.......................................................15

    1.2 O Trabalho no Contexto Neoliberal Atualidade e Caractersticas ................21

    1.3 Centralidade Social do Trabalho .............................................................................211.4 Principais Caractersticas Atuais do Trabalho ......................................................23

    1.5 Um aspecto poltico-ideolgico nos albores da globalizao ............................30

    1.6 Reorganizao e Resistncia dos Trabalhadores..................................................32

    2 OS TRABALHADORES INFORMTICOS DO CIASC NO CONTEXTO

    ATUAL DO TRABALHO - OPERRIOS TRANSMUTADOS EM

    OPERADORES DE MOS LIMPAS ..........................................................................35

    2.1 Trabalho Informtico .................................................................................................35

    2.2 A Empresa Defne seus Objetivos e Tambm asCondies de Trabalho .............................................................................................50

    2.3 Os Servios de Sade dos Trabalhadores do CIASC .........................................56

    2.4 Programadores e Analista de Sistemas .................................................................57

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    3 ORGANIZAO DO TRABALHO E

    ESTRATGIAS DEFENSIVAS .....................................................................................77

    3.1 Organizao do Trabalho e Sade .........................................................................83

    3.2 O Problema das Doenas Psicossociais Relacionadas ao Trabalho ................85

    3.3 Organizaes Coletivas Institucionalizadas dos Trabalhadores do

    CIASC...................................................................................................................... 110

    3.3.1 ACIASC - (Associao dos Funcionrios do CIASC) .......................... 112

    3.3.2 SINDPD - (Sindicato de Processamento

    de Dados de Santa Catarina)........................................................................ 1143.4 Formas individuais de enfrentar

    a organizao do trabalho...................................................................................... 120

    3.5 Neo-luddismo.......................................................................................................... 128

    3.6 No Plano da Fantasia ............................................................................................. 132

    3.7 Abordagem Representativa dos Entrevistados ................................................. 135

    3.8 Consideraes sobre a Sade e as Organizaes

    Coletivas de Trabalho ............................................................................................ 149

    REFERNCIAS ................................................................................................................... 156

    ANEXO I - ROTEIRO DE ENTREVISTAS............................................................... 166

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    PREFCIO

    O

    livro que aqui prefaciamos relata um estudo de caso. Mas sua

    fundamentao, ontolgica e descritiva, tem um alcance maior,

    a reexo sobre a condio humana quando os trabalhadores, triste e

    ironicamente, tm na tecnologia o recurso da inteligncia no para o

    conforto, mas para a doena.

    Na imaterialidade do trabalho, na sua forma no tangvel, prpria

    das atividades ligadas aos sistemas de informaes, no desaparece

    outra materialidade, a das relaes sociais como produo, como

    apropriao, competio exploradora, sofrimento, angstia e, muitas

    vezes, como mazelas irreversveis, fsicas e psicossociaisOrientado pela professora Dra. Bernadete W. Aued, o trabalho de

    pesquisa de Guillermo Johnson apresentado como dissertao de mes-

    trado (Programa de ps-graduao em Sociologia Poltica da UFSC),

    possibilita ao leitor, especializado ou no, adentrar-se numa temtica

    que tem sido objeto de muitas investigaes, mas nem todas com a

    objetividade e sensibilidade que Guillermo apresenta.

    A anlise das estratgias defensivas e a incidncia de doenas psi-

    cossociais relacionadas organizao do trabalho dos programadores

    e analistas de sistema do CIASC (Centro de Informtica e Automao

    de Santa Catarina) em Florianpolis, dividida em trs partes

    Na primeira parte os trabalhadores e o trabalho informtico, as

    condies, os servios de sade. Na Segunda parte, a organizao do

    trabalho e as estratgias defensivas, as doenas psicossociais, as for-

    mas individuais em questo e o universo da representao social dos

    entrevistados. Por m, na terceira parte, reexes onde o forte, almdos dados apresentados, a realidade concreta das pessoas.

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    Poucas vezes, diante de uma mercadoria qualquer, o consumidor,

    na categoria de comprador, imagina as pessoas que, em redes sociais

    cada vez mais amplas, deram objetividade aos bens (produtos) quelotam as prateleiras, oferecidos como uso o que na real se posta co-

    mo valor de troca, como riqueza que no pertencer aos trabalhadores

    annimos e ignorados pelo consumidor comprador.

    Mais raro ainda quando o trabalho intangvel, sua esttica e os

    sentidos que despertam no so dados pela percepo sensvel, mas

    pela racionalidade instrumental, pela lgica, cuja construo pres-

    cindir das pessoas, dando funcionalidade a um sistema que se requer

    auto-suciente e eis que aparece sua fragilidade, pois, contraditoria-mente, quanto mais elimina o trabalho vivo como condio de contro-

    le e de programao das pessoas, quanto mais programados estamos

    pela tecnologia da informao, mais essa lgica requer trabalhadores

    vivos, os que pensam, elaboram, criam, para programarem o sistema.

    Assim adoecem, porque sabem, antes de conscientizarem-se - como

    prxis - que outra lgica (social, tica, ambiental e poltica) possvel.

    O mrito deste livro convidar o leitor reexo crtica: a ino-

    vao da tecnologia da informao uma relao social, e como tal

    uma condio humana que no devemos estranhar, mas desconstru-la

    e redeni-la no seu contedo.

    Prof. Dr. Fernando Ponte de Sousa

    Laboratrio de Sociologia do trabalho LASTRO

    Departamento de Sociologia e Cincia Poltica da UFSC

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    INTRODUO

    Ainformtica apresentada atravs de uma forma muito sedutora pa-ra o grande pblico. Estimula-se o acesso Internet, evidenciando-se as enormes facilidades operacionais. Em conseqncia, constata-se

    aumento na velocidade das informaes para uma considervel parcelada populao, favorecimento das transaes comerciais, e decorrente

    desta situao, mudanas nas formas de produo e na sua organizao.

    A informao torna-se uma moeda valiosa no mundo informatizado

    para todos os atores sociais e para os mais diversos ns.

    Mas, para a manipulao das informaes so necessrios mqui-

    nas e programas que dem conta da operao e para que isto ocorra

    so indispensveis homens e mulheres que as criem, mantenham eaprimorem. Quando ouvimos falar em informtica comum colocar

    o computador como um novo Prncipe, sem mculas, cada vez mais

    perfeito. Todavia as mquinas, sem as pessoas no funcionam, ou me-

    lhor, nada constroem.

    O status conferido mquina decorre de uma viso na qual o tra-

    balhador da rea pode ser considerado privilegiado e de nada deveria

    reclamar. Esta concepo pode estar ligada ao fato de que no so

    difundidos estudos abordando a relao de sade de quem trabalha eminformtica.

    A escolha do trabalho informatizado como objeto de anlise deve-

    -se ao fato que o mesmo, cada vez mais, ocupa espaos nas nossas

    vidas. Atravs dele se expressa a intensicao do trabalho esta ca-

    tegoria analtica que perpassa os trabalhos de criao e manuteno de

    programas informacionais. Integra o cotidiano destes trabalhadores: o

    ingresso dos dados, a criao e manuteno dos sistemas ou progra-

    mas, tanto no que se refere ao hardware como software. Os primeiros

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    denominam-se digitadores e tm sido objeto especco de pesquisas

    diversas. A respeito deles so amplamente conhecidas as referncias a

    LER (Leses por Esforos Repetitivos).Com esta pesquisa procuramos ampliar as explicaes sobre os

    trabalhadores informticos evidenciando os aspectos psicossociais de

    quem cria e mantm softwares. A questo no se resume em negar o

    avano tecnolgico, que na atualidade apresenta-se como uma ponta

    de um enorme iceberg. H que se reconhecer muitos avanos no

    campo das tecnologias informacionais, mas tambm h doenas psi-

    cossociais que devem ser desveladas.

    Teve inuncia na denio desse objeto de estudo o percursohistrico da educao formal, adquirindo conhecimentos de Engenha-

    ria, mas depois enveredando para a Psicologia e em seguida para o

    Mestrado em Sociologia Poltica, tendo sido tambm trabalhador in-

    formtico durante cinco anos. Tanto a diversidade no aprendizado do

    conhecimento formal, bem como a prtica de trabalhador informtico,

    facilitou conhecer a realidade dos trabalhadores.

    Nesta pesquisa partimos do singular, os programadorese analistas de sistemas do CIASC em Florianpolis, e da

    constatao de incidncia em doenas psicossociais entre

    eles. As mesmas se evidenciam, sobretudo, atravs do m-

    dico trabalhista da empresa que manifesta preocupao com

    o elevado nmero de atendimentos nos quais os trabalha-

    dores demonstram ansiedade e expressam frustrao. Alm

    disso, em avaliao realizada por este mesmo prossional,

    que aponta uma elevada porcentagem de trabalhadores insa-tisfeitos e um considervel grau de frustrao (KNABBEN;

    VIGIA DO ROSARIO, 1996).

    Um membro da Gerncia de Recursos Humanos da empresa consi-

    dera importante a realizao de pesquisa nesta rea, pois em seus mais de

    20 anos de empresa observou que estes prossionais possuem diculdade

    de relacionamento no apenas no trabalho, mas tambm na famlia. Para

    eles, tudo sim ou no, como se a vida fosse uma funo binria.

    Assim, pretende-se com o presente estudo vericar se os progra-

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    madores e analistas de sistemas da empresa escolhida padecem de do-

    enas psicossociais relacionadas com a organizao do trabalho e, por

    sua vez, se a diminuio de estratgias defensivas coletivas aumenta aincidncia de doenas psicossociais.

    Como objetivos gerais, estabelecemos a anlise das estratgias

    defensivas e a incidncia de doenas psicossociais relacionadas or-

    ganizao do trabalho dos programadores e analistas de sistemas do

    CIASC em Florianpolis. Assim, tambm nos propomos a identicar

    aspectos relevantes da organizao do trabalho; identicar os meca-

    nismos e as diferentes formas de estratgias defensivas construdas

    pelos programadores e analistas de sistemas do CIASC em Floria-npolis; caracterizar as doenas psicossociais e estabelecer relaes

    entre a intensicao do trabalho da populao alvo e a incidncia

    destas doenas; vericar a relao entre as caractersticas das fun-

    es dos programadores e analistas de sistemas e a incidncia de

    doenas psicossociais; estabelecer relaes entre a construo das

    estratgias defensivas coletivas da populao alvo e incidncia de

    doenas psicossociais e investigar as relaes entre a frustrao e

    ansiedade dos referidos trabalhadores com as caractersticas do tra-balho que desempenham.

    Para atingir os objetivos, adotamos uma metodologia de obten-

    o de dados com uma amostra da populao escolhida. Seleciona-

    mos uma amostra segundo critrios de representatividade de 30%

    dos 93 programadores e analistas de sistemas do CIASC em Floria-

    npolis. Os critrios para delimitao da amostra foram: 1) trabalha-

    dores com maior tempo de servio; 2) respeito proporo de g-

    nero existente na populao alvo e; 3) no estar exercendo cargo de

    chea. A proporo do conjunto no se expressa da mesma maneira

    em cada categoria prossional, pois foi possvel entrevistar 23% dos

    Analistas de Sistemas e 38% dos Programadores. Esta desigualdade

    est relacionada ao fato de que vrios analistas de sistemas estavam

    trabalhando fora do prdio da Empresa, exercendo cargos de chea

    ou licenciados do trabalho.

    Para obter informaes, aplicamos, sempre que possvel, um ro-teiro previamente elaborado para este m (ANEXO 1). Este instru-

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    mento possui eixos referenciais tendentes a perceber manifestaes

    sobre o comportamento e pensamento social dos sujeitos, as suas ati-

    tudes em relao ao computador, assim como as manifestaes refe-rentes sade psicossocial dos mesmos.

    Esta pesquisa, muito embora tenha em Christophe Dejours uma

    das principais fontes de sustentao terica no formulada a partir da

    demanda dos trabalhadores como prope o autor.

    Abordamos, sucintamente na pesquisa, uma anlise da diviso do

    trabalho, no enfatizando as condies fsicas no qual este se desen-

    volve e a qualidade do relacionamento entre os colegas e a chea.

    A pesquisa foi desenvolvida no prprio local de trabalho entre os

    outonos de 1998 e 1999. Assim sendo, a coleta de dados permitiu ob-

    ter importantes subsdios para apreender in loco as maneiras e inten-

    sidade da socializao e a vivncia na organizao do trabalho. Este

    contato foi fundamental para apreender os detalhes da organizao do

    trabalho, a percepo real da diviso do trabalho, os discursos decor-

    rentes da diferenciao de tratamento pelas cheas, a movimentao

    nos corredores.

    As entrevistas, de carter aberto, tiveram uma durao mdia

    de 50 minutos, sendo que a de menor durao foi de 40 minutos e

    a mais longa foi de uma hora e 30 minutos e todas foram realiza-

    das nas dependncias do Ambulatrio da empresa. Todas as pessoas

    contatadas aceitaram participar da pesquisa, e durante o perodo de

    realizao da mesma continuamos recebendo declaraes de traba-

    lhadores querendo participar.

    As entrevistas foram gravadas com a permisso dos interlocuto-res, o que certamente pode ter intimidado alguns deles. Nos casos em

    que no fomos o sucientemente enfticos na explicao dos objeti-

    vos da pesquisa percebemos receio ou desconana dos mesmos. A

    relao construda atravs da observao participante permitiu ganhar

    certo grau de conana com os funcionrios, mas no o suciente para

    desaparecer o temor de que a verdade pudesse voltar-se contra o pr-

    prio trabalhador. Apenas uma pessoa declarou no ter sido proposita-

    damente sincera ao responder a entrevista.

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    Realizamos entrevistas com representantes das organizaes co-

    letivas que os funcionrios do CIASC participam: ACIASC (Asso-

    ciao dos Funcionrios do CIASC), SINDPD (Sindicato dos Traba-lhadores em Processamento de Dados de Santa Catarina) e DATUS

    (Fundo de Penso dos Funcionrios do CIASC), estas tiveram um

    carter mais formal e seguiram um roteiro de perguntas previamente

    elaborado.

    Com o objetivo de informar sobre a pesquisa realizamos conta-

    to com os responsveis pelas Gerncias para explic-la aos trabalha-

    dores. A receptividade foi muito boa. Tivemos cuidado em manter o

    sigilo dos entrevistados, evitando nomear qualquer identicao quepudesse estabelecer alguma referncia; inclusive referncias a ativida-

    des que os trabalhadores executam foram suprimidas.

    O presente trabalho est dividido em quatro captulos. O pri-

    meiro captulo aborda a dinmica histrica e poltica da emergncia

    e incorporao da tecnologia digital na produo, associada s novas

    formas de organizao do trabalho e sua relao com o movimento

    dos trabalhadores; o segundo captulo busca apreender a relao do

    surgimento da informtica e da microeletrnica no sistema capitalis-

    ta. Destaca os elementos que caracterizam as novas formas de pro-

    duo e apresenta uma sntese sobre a discusso vigente acerca da

    centralidade do mundo do trabalho. Sucintamente enumeramos as

    caractersticas que distinguem o trabalho informtico e alguns ele-

    mentos da diviso do trabalho deste setor. Tambm so apresentadas

    informaes da empresa e dos trabalhadores que foram objeto de

    investigao. O terceiro captulo apresenta aspectos tericos refe-

    rentes s doenas psicossociais e a sua relao com as estratgias

    individuais e coletivas de defesa decorrentes das caractersticas da

    organizao do trabalho que ocasionam desgaste humano no atual

    estgio de produo. O quarto captulo, modo de concluso, debate

    as mudanas percebidas entre as recentes transformaes na orga-

    nizao do trabalho, a sade psicossocial e as defesas coletivas dos

    trabalhadores tendo como base anlise das informaes auferidas

    no presente estudo.

    Com esta pesquisa pretende-se contribuir para o estudo das do-

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    enas psicossociais e sua relao com a organizao do trabalho, no

    esgotando o assunto nem desconhecendo as limitaes, que no so

    poucas. Amplia, porm, a compreenso da situao dos trabalhadoresem atividades eminentemente intelectuais e que, por atuarem durante

    um longo perodo de suas vidas junto ao computador, esto suscept-

    veis s doenas psicossociais.

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    1

    CONTEXTO POLTICO

    E TECNOLGICO DAS

    MUDANAS NO MUNDODO TRABALHO

    1.1 Novas Formas de Produo e a Globalizao

    Concluda a Segunda Guerra Mundial, o mundo foi partilhado emdois grandes grupos aparentemente opostos: o bloco liderado pe-los Estados Unidos saiu como o grande vencedor, beneciando-se danova distribuio dos mercados, assumindo a vanguarda no volume de

    produo e apresentando-se como o cone da democracia e da liber-dade, e o outro bloco, em aparente oposio, liderado pela Unio So-

    vitica, que expandiu sua inuencia territorial, obteve um aumentoqualitativo na produo, mas que foi continuamente alvo de crticaspela carncia de democracia na gesto do Estado (RIGOTTO, 1993;ARRIGHI, 1996). Na concepo dos Estados Unidos, o pensamentoocidental deveria ser mais ou menos assim: [...] de um lado, um mun-do comunista agressivamente expansionista, e de outro, um mundolivre, que somente os Estados Unidos eram capazes de organizar edotar de capacidade de autodefesa (ARRIGHI, 1996: 286).

    O modelo keynesiano aplicado s economias mundiais no ps-

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    16 GUILLERMO ALFREDO JOHNSON

    -guerra permitiu aos idelogos do capitalismo difundir uma iluso decontnuo crescimento com estabilidade social. Esse perodo, de apro-

    ximadamente trs dcadas, denominou-se tambm de Guerra Fria, du-rante a qual se cultivou uma funo provedora e assistencialista aoEstado, O Welfare State1 (CASTELLS, 1997: 44; ARRIGHI, 1996).

    Seguindo a lgica do Estado Provedor, o papel do Estado nosalbores da microeletrnica foi de fundamental importncia. Nos dois

    pases considerados vanguarda na produo e inveno eletrnica,Estada Unidos e Japo, o Estado ajudou as empresas nas etapas deformao e consolidao. Nos Estados Unidos, o Governo Federal e

    o Ministrio de Defesa durante longos perodos efetuaram encomen-das, solicitaram a fabricao e criao de dispositivos eletrnicos parausos militares e espaciais. No Japo, o alto investimento do Governonas empresas foi meticulosa e rigorosamente acompanhado do pla-nejamento, execuo e scalizao do seu Ministrio de Indstria eTecnologia Integrada (CASTELLS, 1997; KUMAR, 2001)2.

    Posteriormente, nos anos 1970 o sistema capitalista apresentouuma profunda crise econmica, ocasionada principalmente pela inca-

    pacidade dos Estados continuarem expandindo os seus gastos, e cujopice foi representado pela crise internacional do preo do petrleoem 1973-1974. A inao ascendente foi enfrentada com uma srie dereformas aplicadas com pioneirismo no m da dcada de 1970 por Re-agan nos Estados Unidos e Margareth Thatcher na Gr Bretanha, este

    processo de implantao continua se gestando nos anos 1990. Castells,apresenta os eixos principais da poltica aplicada a nvel mundial, achamada poltica neo-liberal, esses quatro objetivos so resumidos as-sim: profundizar en la lgica capitalista de bsqueda de benecios enlas relaciones capital-trabajo; intensicar la productividad del trabajo1Welfare State, Estado de Bem Estar ou Estado Providncia, pode ser sucintamenteconcebido como um certo tipo de conciliao entre os interesses da empresa e dos tra-balhadores, em que estes ltimos aceitam a forma alienante da organizao do traba-lho em troca da garantia de participao nos ganhos de produtividade, o que, por suavez garantiria acesso ao consumo, a um nvel de proteo social e ao pleno emprego(LARANGEIRA, 1997; ROSANVALLON, 1997).2 Torna-se importante registrar a origem blica e a relao estreita que o investimento

    em telemtica apresenta com o controle do capital pelas classes e seus pases domi-nantes (SOARES, 1989: 12).

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    y del capital; globalizar la produccin, circulacin y mercados, apro-vechando la oportunidad de condiciones ms ventajosas para obtener

    benecios en todas partes; y conseguir el apoyo estatal para el aumen-to de la productividad y competitividad de las economas nacionales,a menudo en detrimento de la proteccin social y el inters pblico(CASTELLS, 1977: 45).

    O FMI (Fundo Monetrio Internacional), destacado ator da pre-sente fase nanceira do capital, pugna pela homogeneizao das con-dies de acumulao do capitalismo global cortando emprstimos,reduzindo salrios e importaes nos pases perifricos atravs da de-de-

    rrota poltica de los sindicatos de los trabajadores en los principalespases capitalistas y de la aceptacin de una disciplina econmica co-mn para los pases comprendidos en la OCDE (CASTELLS, 1997:46). Essa derrota conjuntural do campo dos trabalhadores reforadaaps a queda do Muro de Berlim, pois a propaganda do m do socia-lismo virou moeda corrente dos comentaristas polticos de planto.

    A informtica, associada a microeletrnica e as telecomunica-es, adquiriu uma importncia tal na sociedade que, por exemplo,

    Castells (1997) confere o nome de informacionalismo a atual fase docapitalismo. Para se ter uma ideia da importncia desta relao, o au-tor antes mencionado associa o informacionalismo com a expanso erejuvenescimento da presente fase do capitalismo. Assim, a socieda-de seria simultaneamente global e informacional, porque nas novascondies histricas, a produtividade se gera e a competitividade seexerce atravs de uma rede global de interao. Estes novos elemen-tos permitem que a economia funcione como uma unidade em temporeal integrando os segmentos das estruturas econmicas, os pases eregies, em propores que variam conforme a localizao deste nadiviso internacional do trabalho3. Independente do grau de importn-cia conferido a relao entre os avanos tecnolgicos e a situao daeconomia mundial no pode se negar o fato que os avanos da microe-letrnica, das telecomunicaes e da informtica construram-se numarelao dialtica como elemento facilitador da atual fase do capital.

    3 Para uma ideia resumida da estrutura da economia globalizada segundo CASTELLS(1997: 173).

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    18 GUILLERMO ALFREDO JOHNSON

    O novo sistema econmico global por sua vez muito dinmico,excludente e instvel nas suas fronteiras (CASTELLS,1997: 130). O

    ncleo da economia global uma rede estreitamente interdependenteentre Estados Unidos, Japo e Europa Ocidental, e que se consolidacada vez mais constituindo o que OHMAE etiquetou anos atrs dePoder Tridico (CASTELLS, 1997: 135).

    A economia global que surge da produo e competncia ba-seadas na informao se caracteriza pela sua interdependncia, suaassimetria, sua regionalizao, a crescente diversicao dentro decada regio, sua inclusividade seletiva, sua segmentao excludente

    e, como resultado de todos estes traos, uma geometria extraordinaria-mente varivel que tende a dissolver a geograa econmica histrica(CASTELLS, 1997: 133).

    Neste contexto turbulento, Amrica Latina e, em particular, Bra-sil redesenham seu espao no mapa econmico mundial. Nosso pas

    pode ser representativo da situao em que se encontram os pases doCone Sul, algumas informaes macroeconmicas indicam que aindasendo a oitava economia em importncia mundial, possui uma das

    piores distribuies de renda e o quinto pas, proporcionalmente sua populao, em desemprego na atualidade. O processo desigual deimplantao do neoliberalismo no Estado brasileiro se manifesta nacoexistncia de importantes empresas privatizadas e outras, do mes-mo porte, estatais; esta situao denota um perodo de transio naimplantao do plano neoliberal em detrimento da fase anterior, a doEstado Provedor, com as consequncias caras que isto representa paraa maioria assalariada da populao.

    A presente etapa do capitalismo mundial pode ser abordada co-mo uma crise no mecanismo de acumulao e valorizao do capital.Desde este ngulo, as novas formas de organizao da produo e oaumento considervel dos investimentos nanceiros procuram manteruma taxa de lucro cada vez mais ctcia, pois ela provm do sistemade crditos e do jogo especulativo das bolsas de valores, e no da ex-trao direta de mais-valia (ARRIGHI, 1996).

    O centro das transformaes, denominado por alguns como revo-

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    luo4, referem-se s tecnologias do processamento da informao e acomunicao. Negroponte dimensiona a extenso da importncia que

    ele confere a estas mudanas no ttulo do seu livro, A Vida Digital,no qual apresenta uma viso apologtica das tecnologias que permi-tem gerar, armazenar, recuperar, processar e transmitir as informaes(NEGROPONTE, 1995).

    As tendncias apontadas no que se refere a dinmica da difusoe a importncia da telemtica podem ser percebidas atravs dos pla-nos elaborados pelas grandes empresas multinacionais em relaoao comrcio eletrnico, aquele que feito atravs da Internet ou a

    travs de redes interempresas. Existem grupos de trabalho elabo-rando maneiras de implantar o comrcio eletrnico, como o futurocaminho para perpetuao da dominao norte americana no globo,desta forma consolidando a informao como moeda e smbolo dasociedade futura.

    Ao mesmo tempo em que se festeja a capacidade de integraoentre os centros de deciso e cincia, no se pode deixar de constatarque existe uma crescente polarizao da distribuio das rendas a es-

    cala mundial5, desta maneira pode-se deduzir que grande o nmerode pessoas que so excludas tecnologicamente, revelando a faceta se-letiva e elitista da sociedade informacional6.

    A velocidade com que as transformaes eletrnicas foram di-

    4 A expresso Revoluo Informacional difundida por Lojkine (1995), autor do livrodesse nome; tambm trabalha com a mesma denominao Castells (1997: 57). Parauma viso crtica desta concepo de revoluo, assim como dos alcances das trans-

    formaes, ver, entre outros, Gamboa (1997) e Kumar (1997).5 Para analisar alguns dados, veja-se Castells (1977: 140), e tambm o texto de Singer(1997) em particular quando aborda as caractersticas negativas da globalizao. Osdados do Atlas-PNUD, elaborado pela ONU em 1999, apresentam dados atualizadosda distribuio internacional da renda.6 A caracterstica informacional das sociedades indica o atributo de uma formaespecca de organizao social, na qual a gerao, processamento e transmissoda informao se convertem em fontes fundamentais da produtividade e do poder,devido s novas condies tecnolgicas que surgem neste perodo histrico (CAS-TELLS, 1997: 47). O processo excludente de difuso da informtica a nvel global

    faz Gamboa (1997) aprofundar suas crticas em relao ao carter revolucionriodestas transformaes tecnolgicas.

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    fundidas tornou-se evidentes7 em meados dos anos 1970 e no limiardo sculo vericamos que as funes dominantes, os grupos sociais e

    os territrios de todo o globo esto conectados atravs deste recentesistema tecnolgico. Um dispositivo informacional intensamente di-fundido, e o que nos permite ter uma ideia aproximada desta progres-so a difuso exponencial da utilizao da rede Internet: em 1973existiam somente 25 microcomputadores ligados a sua rede, pois foiconcebido originalmente nos Estados Unidos para uso militar, e na se-gunda metade da presente dcada, em progresso geomtrica, se cal-cula o nmero dos seus usurios em dezenas de milhes, espalhados

    pelo mundo todo e com nalidades diversas, como lazer, cincia, etc.(CASTELLS, 1997: 378). Seguindo a lgica do ritmo das transfor-maes, a caracterstica marcante do mercado da informtica queos produtos saem de moda em poucos meses, declarando obsoletosos modelos anteriores, e induzindo a consumir os novos hardware esoftware. Isto cria no consumidor uma dependncia contnua do mer-cado, s vezes desnecessria considerando a utilizao mnima quea maioria dos usurios despende em relao ao seu computador. Em

    relao aos trabalhadores informticos esta progresso incessante domercado cria insegurana e incertezas, pois os softwares vo variando,trazendo a cada verso novos acessrios, empurrados e sustentados

    pelo progresso da microeletrnica.

    Simultaneamente, o aspecto social da presente fase do capital,chamada de neoliberalismo, caracteriza-se pelo corte dos investi-mentos sociais efetuados pelos Estados e de derivar para as mos deempresas privadas o cuidado dos servios bsicos (sade, educao,

    segurana, etc.). Em suma, fala-se de um estado social mnimo pa-ra a grande maioria da populao, mas o Estado continua mantendosubvenes e isenes para o capital, saneia empresas pblicas antesde vend-las abaixo do preo de mercado, ressarce aos bancos quan-do amargam o mnimo prejuzo (LEITE; SILVA, 1996; GENNARI,1997; OFFE, 1989). Nesta conjuntura econmica e social as marcas

    7 Castells aponta como perodo mais apropriado de incio da Revoluo Informacio-

    nal os anos 1970 e como local de seu acontecimento os Estados Unidos de Amrica,especicamente no Silicon Valley, no Estado da Califrnia (CASTELLS, 1997: 78).

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    registradas so a diminuio do capital investido na produo, dizeruma enorme massa de capital especulativo rondando o mercado em

    busca de rendimentos fceis e imediatos, e no campo dos trabalhado-res, da maioria da populao, apresenta-se como fator expressivo oaumento do desemprego, a diminuio da cobertura social oferecida

    pelo estado e o aumento dos ataques s conquistas trabalhistas (AN-TUNES, 1998; RIGOTTO, 1993).

    1.2 O Trabalho no Contexto Neoliberal

    Atualidade e Caractersticas

    As fbricas e escritrios sofreram signicativas mudanas coma incorporao das mquinas baseadas na microeletrnica e as inova-es na produo e organizao do trabalho.

    Atravs das mutaes que o trabalho foi experimentando a partirdos anos 1970, foram se construindo polmicas que procuram analisare explicar a situao e caractersticas nos dias de hoje. Uma das acalo-

    radas discusses gira em torno ao questionamento da centralidade dacategoria trabalho na anlise da sociedade. A seguir discorreremos bre-vemente sobre algumas das principais caractersticas consensualmenteaceitas. Finalmente, abordaremos um fato histrico que consideramosfundamental para compreender como o neoliberalismo espalhou-se eincorporou-se na maneira de pensar no seio da maioria da populao.

    1.3 Centralidade Social do Trabalho

    Como j foi anteriormente assinalada, esta polmica se fortale-ceu nas ltimas duas dcadas questionando a centralidade da catego-ria trabalho enquanto estruturante da anlise da sociedade. A m deexplicitar esta polmica, abordaremos sinteticamente as concepesde dois autores considerados antagnicos, apesar de ambos concor-darem acerca da falncia do atual sistema social: Andr Gorz comorepresentante do pensamento que defende a no centralidade social do

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    trabalho e Ricardo Antunes como representante dos que defendem acentralidade estruturante do trabalho na sociedade.

    A abordagem de Gorz (1992) frequentemente considerada den-tro das concepes advindas do denominado ps-modernismo ou ps--industrialismo. Este autor concebe a sociedade em duas esferas, umada necessidade e outra da liberdade, sendo que a sua inter-relao per-mita a atividade autnoma do indivduo evitando a organizao hie-rrquica do trabalho e protegendo-o das presses da sociedade. O queestaria na ordem do dia seria uma sociedade do no-trabalho, assim,decorrente deste raciocnio, a classe trabalhadora no o setor mais

    dinmico da sociedade8.Trabalho, enquanto categoria central da sociedade, uma con-

    cepo preferencialmente inspirada no pensamento marxista, de umasociedade que estabelece suas relaes atravs de sua capacidade de

    produzir valor. Para Antunes (1998), o trabalho de grande importn-cia e arma que as transformaes pela qual este atravessa so tpicas deuma sociedade do trabalho, e acredita que a superao desta sociedadedo trabalho alienado se dar pela superao no trabalho e pelo trabalho.Claus Offe atribui, entre outras razes, esta discusso da centralidade dotrabalho mudana na congurao do trabalho contemporneo, no fatode que cada vez mais se torna uma atividade ligada a servios e de umafrouxamento da tica coercitiva do trabalho (OFFE, 1989).

    Nunca foi o trabalho mais central no processo de criaode valor. Mas nunca foram os trabalhadores (prescindindoda sua qualicao) mais vulnerveis, j que tem se con-vertido em indivduos isolados subcontratados numa redeexvel, cujo horizonte desconhecido, inclusive para amesma rede (CASTELLS, 1997: 309).

    A questo da centralidade do mundo do trabalho na sociedade

    8 Explicitamente refere-se ao declnio da funo socializadora do trabalho (GORZ,1992: 243). Este autor aponta como alternativa a atual situao, a construo de umaestrutura democraticamente planejada, a servio da concretizao de certas metas de-mocraticamente determinadas e que se reitam tambm, evidentemente na limitao da

    racionalidade econmica no seio das empresas (GORZ, 1992: 247). Isto no corres-ponde ao papel que o Estado pretende desempenhar na sua atual conjuntura neoliberal.

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    tambm refere-se a importncia subjetiva do trabalho no cotidiano dostrabalhadores. Gorz (1992) parte da ideia de que as novas formas de

    organizao do trabalho e tecnolgicas permitiro que cada vez maiso trabalho liberte o tempo para aproveitar o lazer, desta maneira o tra-balho deixa de ser central para o homem, tornando-se uma sociedadedo no-trabalho.

    Podemos levantar a hiptese de que o trabalho vivo que es-t sendo deslocado do foco, sendo colocado no seu lugar o trabalhomorto. Este trabalho morto pode ser interpretado como trabalho socialcombinado, como trabalho passado, no sentido de considerar na cons-

    truo social da mquina o trabalho social acumulado do qual ele constitudo. Pode ser que esta viso tire do centro da cena do mundodo trabalho ao trabalhador, mas s de uma forma indireta.

    Possivelmente, a discusso relativa centralidade do trabalho te-nha surgido como um subterfgio poltico para no enfrentar a discus-so do crescente desemprego nos pases da OCDE, hoje se alastrando

    pelo mundo todo. Se o trabalho no mais central na anlise da socie-dade, tambm no o o desemprego. Se no se tem mais um Estado

    que oferea segurana social populao, est decretada a excluso,e at a eliminao de parcelas signicativas da humanidade; pois, athoje, a nica maneira que a maioria da populao conhece como meiode sobrevivncia a travs da venda da sua fora de trabalho.

    1.4 Principais Caractersticas Atuais doTrabalho

    A economia globalizada inuencia a composio do mundo dotrabalho, pois a interdependncia que caracteriza o mercado de ca-

    pitais est diretamente relacionada com a estrutura do emprego. Se-guindo esta linha de pensamento, podemos enumerar algumas das ca-ractersticas do trabalho em tempos de globalizao, em ascenso nosdias de hoje: o emprego em empresas multinacionais reconhece cadavez menos as fronteiras dos pases; o comercio internacional provocaimpactos que de tempos em tempos abalam as condies de trabalho e

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    emprego, e se somamos a isto os efeitos da concorrncia acirrada dasempresas em nvel globalizado, associada s condies de gesto e-

    xvel da mo de obra em cada pas, observaremos elementos que noencontrvamos antes da crise dos anos 1970.

    Estas variaes na congurao do mundo do trabalho questiona-ram o modelo de anlise vigente durante o ps-guerra que concebia omesmo de acordo com a intensidade do contato efetuado na produomaterial realizado pelo homem e a natureza, em categorias de pri-mrio, secundrio e tercirio9. Um elemento representativo disto seexpressa atravs da mudana na estrutura ocupacional, pois aumentou

    relativamente o nmero de trabalhadores no setor de servios, dimi-nuindo o nmero de trabalhadores envolvidos diretamente na produ-o em indstria tradicional e apontando uma desapario progressivado trabalho agrcola10. Alguns autores11 armam que os servios nasltimas duas dcadas possuem uma dinmica de diversicao e queos setores em ascenso referem-se aos que subsidiam as empresas eaqueles relacionados a atividades sociais, em particular a sade. Estastransformaes justicam, em particular para a linha de pensamen-

    to antes mencionada, armar que a dinmica das transformaes domundo do trabalho aponta praticamente para a extino do trabalho na

    produo, pois cada vez mais as tarefas sero executadas atravs demquinas baseadas na microeletrnica, e por tanto, o setor principal daeconomia ser o de servios. Em decorrncia da dinmica desenhadaespera-se um aumento dos executivos, prossionais e tcnicos, querdizer um assalariamento com um perl mais aristocrtico ou de co-larinho branco, somados de escriturrios e vendedores.

    Outra caracterstica crescente do mundo do trabalho a difusodo trabalho em tempo parcial ou por tarefas, em prosses nas quais

    9 Na agricultura e na extrao mineral, por exemplo, o trabalho humano est emcontato direto com a natureza, constituindo-se, portanto em atividades primrias. Pro-gressivamente, na indstria e nos servios (tercirio), o trabalho vai se distanciandodas relaes diretas com a natureza, caracterizando-se este setor como realizando umproduto imaterial, sem corporalidade (COHN; MARSIGLIA, 1993: 66).10 Para algumas consideraes mais detalhadas em relao evoluo do nmero de

    trabalhadores relacionado aos setores de atividade, veja-se Castells (1997).11 Entre estes podemos enumerar Offe (1989); Castells (1997); Lojkine (1985).

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    o emprego era estvel. A forma tradicional de trabalho: emprego detempo completo, tarefas ocupacionais bem denidas e um modelo

    ocupacional a ser construdo ao longo do ciclo vital, esto se erodindolentamente12. As exibilidades das relaes entre capital e traba-lho so cada vez mais frequentes, e so aceitas com naturalidadenas prosses mais emergentes, em particular na rea de micro-eletrnica, informtica e telecomunicaes digitais.

    As caractersticas principais antes mencionadas referem-se es-pecicamente aos pases do denominado G-7, se bem que algumascaractersticas encontram-se bastante desenvolvidas em regies de pa-ses da Amrica Latina. Devemos considerar que os traos do mundodo trabalho no se manifestam desigualmente s considerando o m-

    bito internacional, seno tambm dentro das fronteiras de um mesmopas, assim convivem simultaneamente trabalhadores estveis e noestveis, com e sem cobertura social, lado a lado, exibindo o graude complexidade que esta luta durante a transio imprime nossasociedade atual. Para os pases centrais, CASTELLS (1997) ainda

    prev uma melhora na estrutura ocupacional em longo prazo, indi-cando que proporcionalmente os empregos requerem cada vez maisqualicao superior.

    A relao causal mais difundida e discutida da aplicao da tec-nologia ligada produo refere-se ao desaparecimento de prossese empregos. Como testemunhas incontestveis desta situao so con-vocados os ndices de desemprego vigentes nos pases europeus e nos

    perifricos13. O discurso ocial de alguns destes pases arma que os

    postos de trabalho que so eliminados na produo so substitudospor um nmero igual na rea de servios, mais as estatsticas em nvelmundial no conrmam estes discursos. Por outro lado, Castells ar-

    12 Castells (1997) a pesar da diversidade da estrutura empregatcia, considera o Japouma exceo a esta dinmica geral, pois neste importante pas da economia mundial otrabalho mantm suas caractersticas tradicionais em mais de um tero da populaoeconomicamente ativa.13 Uma viso diferente com relao as causas do desemprego sustentada no Brasil

    por Pochmann (1998), o atribuindo ao baixo crescimento econmico, tomando comoreferncia a evoluo do PIB (Produto Interno Bruto).

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    ma que as taxas de participao da mo de obra na populao adultacrescem em todas as partes devido a incorporao sem precedentes da

    mulher no mercado de trabalho (CASTELLS, 1997: 289), quer dizerque no seria to grave o desemprego, seno que estaria havendo umatransformao na estrutura de emprego. Ele ainda acrescenta que noexiste uma relao estrutural sistemtica entre a difuso das tecnolo-gias da informao e a evoluo dos nveis de emprego no conjuntoda economia (CASTELLS, 1997: 292), ou seja, que no se obtiveramevidncias concretas de desemprego tecnolgico14.

    As opinies que prevalecem no FMI (Fundo Monetrio Inter-

    nacional), OCDE, e os crculos governamentais dos principais pa-ses ocidentais so de que as tendncias de aumento de desemprego,a desigualdade na distribuio de renda, a pobreza e a polarizaosocial so resultado de um desajuste na qualicao, piorado pela faltade exibilidade dos mercados laborais15. Por isso no discurso ocialdos executivos do Governo Federal, como por exemplo, o Ministriodo Trabalho percebe-se uma centralidade do discurso na qualicaocomo soluo para o desemprego. Para completar este quadro, algu-

    mas destacadas lideranas sindicais absorvem e compartilham essediscurso, limitando a ao das organizaes que dirigem a contribuirna qualicao dos seus associados e, no melhor dos casos, ao esforoem estabelecer negociaes visando amenizar as mazelas do trabalho

    baixo o sol neoliberal16.

    Reconsiderando a polmica sobre a importncia que a qualica-o dos trabalhadores adquiriu, torna-se importante citar um estudode SALM (1997) enfocando este assunto com dados ocias do Brasil

    14 Considerando uma pesquisa realizada no setor comercial em Santa Catarina, os da-dos obtidos apontam indcios claros de desemprego relacionado com a incorporaoda informtica e as telecomunicaes nos escritrios (DIEESE, 1998).15 O discurso corrente destes organismos internacionais foi sucintamente enunciadopor Salm e Fogaa: [...] no pode haver desemprego por denio. Se ele ocorre, porque existem fatores, principalmente institucionais (legislao trabalhista, contratoscoletivos, sindicatos,...) que esto impedindo o mercado chegar ao equilbrio. So aschamadas rigidezes, e seria preciso, portanto, exibilizar a contratao de mo deobra para eliminar o desemprego (SALM; FOGAA ,1997: 3).16 Antunes (1998) refere-se a esta atitude do movimento sindical como tpica da social--democracia sindical, no sentido de procurar sempre compactuar e no se enfrentar.

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    referente aos cinco primeiros anos desta dcada. Este autor concluique: [...] at aqui a reestruturao da economia brasileira redundou

    na demisso do trabalhador adulto, homem qualicado, relativamentemelhor remunerado, mas de baixa escolaridade, e na contratao dejovens, mulheres, em ocupao de baixa qualicao e de baixa remu-nerao, mas de maior escolaridade(SALM, 1997).

    Desde o desaparecimento dos ofcios dos antigos artesos a frag-mentao do trabalho aprofundou-se na medida das mudanas na

    produo e na organizao do trabalho. Assim, no incio do sculo,as teorias tayloristas-fordistas contriburam signicativamente na

    parcializao do trabalho fabril, que aliado a ingente maquinizaoelevou qualitativamente a produo. Cada vez mais, o processo deaquisio de uma habilidade especco oposto ideia tradicionalde qualicao, na qual o trabalhador possua uma ideia completa do

    processo produtivo, desde a obteno da matria prima at o produtoacabado, com a incorporao da cincia na produo, as tarefas foram

    perdendo o seu sentido por movimentos repetitivos, sem sentido. Nes-te processo, a diviso entre trabalho intelectual e manual se expressa

    tambm atravs da qualicao dos trabalhadores. Enquanto algunspoucos trabalhadores se sobrequalicam, conhecendo a totalidade doprocesso de trabalho, os demais, a maioria, se desqualicam atravsdo empenho na ao concentrada de algumas tarefas parcializadas17.

    Duas caractersticas tornaram-se fonte inspiradora de discussesna globalizao do emprego: o trabalho feminino e o trabalho infantil.

    Desde a segunda metade deste sculo as mulheres vm lutando

    para ampliar a sua participao nas decises e na construo da nossasociedade. A incorporao crescente da mulher no mercado de traba-lho um elemento de destaque na sociedade globalizada. Pesquisas deorganismos internacionais como a OIT (Organizao Internacional doTrabalho) e a OCDE (Organizao para a Cooperao e o Desenvolvi-

    17 Cohn e Marsiglia (1993: 64), ainda armam que o aumento no nvel de educaodos trabalhadores no se deve a exigncias prprias do processo produtivo, seno que atravs da qualicao que se procede seletividade da mo de obra. Isto denomi-

    nado por alguns autores como bipolaridade da qualicao. Algumas referncias aesta situao podem ser encontradas em Antunes (1998) e Codo (1997).

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    mento Econmico) apontam que a maioria dos trabalhadores regidospor contratos exveis nos pases do G-7 de mulheres.

    O trabalho infantil apresentado como um dado aberrante, co-mo smbolo dissonante no mundo do trabalho, mas no novidade nosistema capitalista. Desde a incorporao da mquina na produo ascrianas deixavam a vida nas fbricas em jornadas de trabalho inimagi-nveis e trabalhando, no melhor dos casos, para sobreviver. Ainda semconsiderar que a participao das crianas no trabalho rural remontas-se h muitos sculos atrs. Esta triste realidade no foi superada porestes tempos modernos, e hoje apresentasse como um corpo estranho

    na estrutura do emprego, mas o trabalho das nossas crianas continuacosturado na colcha de retalhos da desumanidade deste sistema social.

    A OIT arma que este processo histrico de consolidao de umaeconomia mundial caracteriza-se pelo deterioro das condies de vidae trabalho para a classe trabalhadora. Isto se fundamenta no aumentodo desemprego estrutural na Europa; diminuio dos salrios reais,desigualdade crescente e instabilidade trabalhista nos Estados Uni-dos18; subemprego e segmentao da mo de obra no Japo, aumento

    do carter informal e degradao da mo de obra urbana nos pases derecente industrializao; e uma marginalizao crescente da mo deobra agrcola nas economias estagnadas e subdesenvolvidas. Nos pa-ses perifricos estas caractersticas concentram-se e somam-se quelasque j acumulavam de modelos anteriores aumentando as condies

    precrias de vida para uma crescente parcela dos seus habitantes.

    A caracterstica de polifuncionalidade apontada como emble-

    mtica do trabalhador nas organizaes japonesas no pode aindaser estendida totalidade, pois existem muitas prosses que aindalimitam-se a uma nica funo, repetitiva, exempta de contedo, querdizer com elementos claros da organizao taylorista/fordista. Pode-mos armar que em relao s tarefas executadas o trabalhador aindaencontra-se em transio, pois ainda convivem elementos da organi-zao anterior com a nova que est se instalando.

    18 Estados Unidos apresenta-se como modelo de evoluo do mercado exvel de

    trabalho a que apontam a maioria dos pases europeus, mas no podemos abstrair osdados referentes a desigualdade na distribuio da renda e diminuio do salrio real.

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    difcil supor que existe uma nica causa para esta epidemiasocial que o desemprego se tornou neste nal de milnio. O mais cor-

    reto, no nosso entender, seria estabelecer uma srie de relaes entrea qualidade nanceira de acumulao do capital, os mecanismos deincorporao da telemtica nas relaes de produo, queda tenden-cial da taxa de lucro e ao baixo crescimento econmico; e, para confe-rir maior dinmica a estas hipteses, fundamental incorporar a lutade classes, que se congura como o contraponto do ajuste neoliberal.Ainda no se dispe de uma anlise profunda e totalizante que permitaassinalar quais entre os elementos antes mencionados so preponde-

    rantes na compreenso do fenmeno desemprego nas dimenses queadquiriu na atualidade.

    Algumas alternativas sociais, ao menos paliativas, so possveisde serem construdas nesta conjuntura. Para se ter uma ideia, durantea industrializao em auge na primeira metade deste sculo foi poss-vel o aumento na produo, de emprego, de salrios em termos reaise da demanda; e, atravs de lutas histricas do movimento operrio,conseguiram-se vrias conquistas sociais, entre elas a diminuio da

    jornada de trabalho19.No Brasil as maiores agremiaes empresariais, a Confederao

    Nacional das Indstrias (CNI) e a Federao das Indstrias do Estadode So Paulo (FIESP), apontam a sada norte-americana para gera-o de empregos, ou seja, a exibilizao da legislao trabalhista e adesregulamentao as relaes de trabalho. Os sindicalistas brasileirosapontam exemplos onde o desemprego aumentou com a implantaodesta poltica proposta pela patronal, o que tambm pode ser observa-do em Argentina e Espanha (DAL ROSSO, 1998).

    A diminuio de horas de trabalho uma maneira efetiva de en-frentar o desemprego, diminuindo a carga horria na medida em que

    19 Este debate apresenta-se de forma acalorada nos pases europeus, onde os emprega-dores armam que a reduo da jornada produzir aumento de custos para as empresas,e perda de competitividade no mercado internacional. Ao mesmo tempo em que amea-am procurar pases onde a mo de obra lhes seja mais barata ou de aumentar os inves-timentos em tecnologias e mudanas organizacionais para manter a taxa de lucro (DAL

    ROSSO, 1998: 14). No lado oposto, os sindicalistas armam que a economia deve estara servio da populao e defendem a reduo da jornada sem reduo de salrios.

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    as tecnologias da informao e comunicao (TICs) permitam au-mentar a produtividade20. No podemos abstrair que trabalhar mais ou

    menos horas condicionado por dois fatores: um biolgico e mental,no qual depende da capacidade de suportar o trabalho; e o outro, his-trico e social, que o resultado da queda de braos entre capital etrabalho. Mas, na maneira como at agora foi utilizada esta nova ondade avanos tecnolgicos a maioria da populao est pagando o preodo aumento da produtividade com os seus empregos, e consequente-mente com a qualidade de suas vidas.

    1.5 Um aspecto poltico-ideolgico nos alboresda globalizao

    Os anos 70, considerados como a poca em que as inovaes rela-cionadas microeletrnica ganham fora, a conjuntura poltica estavadecisivamente atravessada pela diviso do mundo com eixo nas du-as superpotncias: Estados Unidos e Unio Sovitica. Assim, aqueles

    que no concordassem com esta concepo bipolar preocupavam-seem conceber uma terceira via de concepo de sociedade, a partir danegao tanto do sistema capitalista como do aquele chamado de so-cialismo real (GENNARI, 1997: 22).

    A reestruturao do capital a partir dos anos 70, que entre outrosobjetivos procura recompor a taxa mdia de lucro e a competitivida-de necessria dentro do sistema econmico, afetou profundamenteo mundo do trabalho. Estas modicaes foram inuenciadas por

    outro elemento poltico de fundamental importncia, apontado porAntunes (1997), que o bombardeio ideolgico decorrente do m da

    bipolaridade poltica em nvel mundial com a derrubada do regimestalinista nos pases do Leste Europeu. Decorrente desta mudanahistrica, a esquerda, at ento, tradicional subordina sua atuao ordem do capital.20 Nas palavras de Dal Rosso o problema que se coloca neste instante de como sedar a repartio deste trabalho social poupado. Ser atravs de uma negatividade

    social: o desemprego, ou de uma redistribuio social mais civilizada: a reduo dejornada do trabalho? (DAL ROSSO, 1998: 24).

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    A derrubada do Muro de Berlim em 1989, aparentemente viriaa conrmar a crise das grandes narrativas ou metanarrativas, de-

    corrente do fracasso do socialismo real e declarando timidamentetriunfante o sistema capitalista (ANTUNES, 1998; LEITE; SILVA,1996). Algumas teorias expressaram claramente estas ideias, entreelas destaca-se a cultura e teorias ps-modernas21.

    La cultura y la teoria posmodernas se recrean en celebrarel n de la histria y, en cierta medida, el n de la razn,rindiendo nuestra capacidad de compreender y hallar sen-tido, incluso al disparate (CASTELLS, 1997: 30).

    O m da bipolaridade poltica no mundo enfraquece a resistnciados trabalhadores, pelo fato de que aqueles que se opem ao presentesistema esforam-se em elaborar explicaes para justicar o acon-tecido no Leste Europeu, este sistema, apontado como alternativo aocapitalismo, no conseguiu se manter em p. Evidentemente, quem sefavorece com o atual sistema produtor de mercadorias, propaga ideiasde que no existe outra sada do que aceitar sair juntos desta situao.

    Relacionados com o fato antes mencionado constata-se uma dimi-nuio do nmero de trabalhadores sindicalizados em nvel mundial,apontando que a sada da crise colocada pela recesso e o ataque sconquistas trabalhistas apresentam-se de forma desintegradora no quese refere organizao dos trabalhadores, pois parece que a noo deconito perde a legitimidade e o que passa a importar a cooperaoque viabilizaria a produtividade e a competitividade que, por sua vez,supostamente solucionariam o conjunto de problemas que, segundo

    tal concepo, so comuns a todas as classes e camadas sociais. dizer, que a ideia mais difundida atualmente no movimento dos traba-lhadores referente sua organizao sindical de uma nova formade organizao baseada no envolvimento dos trabalhadores com osobjetivos empresariais (LEITE; SILVA, 1996: 46).

    Apesar desta guerra ideolgica que afeta a prtica de quem procu-

    21Anderson (1998) elabora uma crtica sagaz a esta ideologia difundida pelos meios de

    comunicao e os intelectuais de planto, ao mesmo tempo que busca em pensadoresanteriores a Francis Fukuyama as fontes do triunfo civilizatrio do capitalismo

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    ra uma alternativa social, a Nova Ordem, apregoada pelos proxenetasda ordem, demonstra srias diculdades de ser implantada. Assistimos

    frequentemente a guerras, a maioria de carter de libertao de naciona-lidades, e a grandes mobilizaes com objetivos polticos e econmicos.

    A sociedade muito dinmica, no possvel se armar que sechegou ao Fim da Histria ou que foi, to rapidamente, instauradauma Nova Ordem Mundial.

    1.6 Reorganizao e Resistncia dos

    Trabalhadores

    A presente organizao econmica e social, o capitalismo, trans-forma radicalmente as relaes do homem com a natureza e dos ho-mens entre si; alguns dos traos principais desta sociedade so: aapropriao dos meios de produo por apenas uma pequena parteda sociedade, a explorao do trabalho de propores signicativasda populao, e, subsequentemente, a apropriao do excedente da

    produo por parte dos proprietrios do modo de produo. Esta situ-ao, vigente desde a Revoluo Industrial, apresentou considerveismudanas nestes mais de dois sculos, mas nenhuma das caractersti-cas centrais, antes mencionada, sofreu alguma variao ao longo dosvrios e profundos intercmbios entre a cincia e a produo.

    Isto quer dizer que, desde a formao histrica e social do capita-lismo, assistimos a resistncias dos trabalhadores perante as formas deexplorao do capital sobre o trabalho.

    Historicamente, o capital vem travando uma intensa luta tentandodisciplinar e controlar os trabalhadores para garantir a reproduo dasrelaes sociais de produo; por outro lado, os trabalhadores resistem aeste controle e se organizam para tanto. Nesta queda de braos constan-te, ambas as partes organizam-se para melhor defender seus interessese alcanar suas metas; assim, criam-se associaes, federaes e outrasorganizaes com este m. Entre os numerosos exemplos das formas

    que os trabalhadores construram para lutar e resistir podemos sucinta-mente citar algumas da rica histria do movimento operrio: as organi-

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    zaes sindicais, as negociaes trabalhistas, as greves, as resistnciasno interior das prprias empresas (operao tartaruga, etc.22); inclusive o

    voto foi uma conquista importante no momento da sua universalizao.Desde os momentos iniciais deste perodo histrico, quando ainda

    possuam o controle sobre a execuo das tarefas, os trabalhadoreslutam pela reduo da jornada de trabalho e por aumentos salariais,quer dizer que estas primeiras lutas foram para reduzir a explorao anveis suportveis, estavam no nvel da luta pela sobrevivncia. Pro-gressivamente, na medida em que conquista uma carga horria menore comeam a ganhar o indispensvel para se sustentar, estas lutas vo

    se estendendo para a melhoria das condies de trabalho. Assim, nasprimeiras dcadas do presente sculo, as lutas visavam a conquista dosdireitos sociais do trabalhador: folga semanal remunerada, frias, d-cimo terceiro salrio, assistncia mdica, aposentadoria, direitos sin-dicais, at o direito de reivindicar e defender os seus direitos atravsde mobilizaes diretas. As lutas e reivindicaes referentes sadeso mais recentes, como, por exemplo, o reconhecimento das doenas

    prossionais, elas datam do ps-guerra e esto condicionadas a situa-

    es de estabilidade econmica.A diviso internacional do trabalho congura uma distribuio

    heterognea dos direitos trabalhistas; ao mesmo tempo em que condi-ciona a capacidade de reivindicao das lutas, no sentido de estaremligadas s necessidades imediatas dos trabalhadores. Assim, com a no-va geograa do mundo do trabalho, na qual num mesmo pas podemosassistir a ascenso das indstrias ligada a chamada tecnologia de pontae, por outro setores que, decorrente das utuaes do mercado estejamfechando; os trabalhadores de cada um destes setores esto vivencian-do realidades diferenciadas, enquanto alguns podem estar se organi-zando para solicitar melhorias referentes sade, por exemplo, na or-ganizao do trabalho, outros lutam pela sua sobrevivncia cotidiana,tentando preservar o seu emprego. Esta desigualdade combinada coma simultaneidade pode ser percebida na prpria lgica colocada nestesistema para a introduo da cincia na produo, isto se aplica cla-

    22 Para informaes mais detalhadas no que se refere s resistncias organizadas den-tro e fora da empresa no movimento metalrgico veja Antunes (1992).

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    ramente no que se refere automao: antes da automao ser umaameaa sade dos trabalhadores, ela uma ameaa de reduo da

    oferta de oportunidades de trabalho, e portanto sua sobrevivnciaimediata (COHN & MARSIGLIA, 1993: 74).

    Assim, quanto mais precria a situao dos trabalhadores, maiora diculdade para eles se organizarem em torno das questes dotrabalho e sade, pois o agelo do desemprego e da fome umaconstante ameaa num mundo no qual o trabalho crescentementeseletivo e excludente.

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    Os trabalhadores

    informticos do CIASC no

    contexto atual do trabalhoOperrios transmutadosem operadores de mos limpas

    Adoro meu trabalho(Analista de Sistemas)

    2.1 TRABALHO INFORMTICO

    O

    mdico trabalhista do Servio de Sade do CIASC, Dr. MiguelKnabben, junto com outro colega mdico, em 1996, realizou uma

    Avaliao dos Distrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho(DORT)23. Esta pesquisa baseada num roteiro de perguntas elabo-rado pela Universidade de Louvain, na Blgica, e modicada por estes

    mdicos realidade dos funcionrios do CIASC (KNABBEN & VI-23 Esta a nova denominao utilizada a partir de 1999, j aplicada retroativamenteaos relatrios referentes a 1998, que o Ambulatrio da empresa utilizava para abor-dar a LER ou tenossinovite, como eram mais conhecidas. O objetivo desta recentenomenclatura visa tornar mais abrangentes a concepo desta doena, e no limit-la

    aos membros superiores. No presente trabalho conservaremos a denominao LER,mais conhecida at o momento.

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    GIA DO ROSARIO, 1996). A amostra selecionada escolhida entreos programadores com mais de 14 anos de servio na empresa.

    Entre as concluses obtidas, importante mencionar que 70% dos38 trabalhadores pesquisados encontram-se insatisfeitos no seu traba-lho e que 89,5% destes prossionais apresentam tendncia a adquirir

    fadiga psquica. Outro dado no menos importante que 26,3% daamostra apresentam leso orgnica decorrente do trabalho. Alm dis-so, segundo o Dr. Knabben expressivo o nmero de trabalhadoresque procuram o ambulatrio manifestando ansiedade e frustrao nolocal de trabalho durante o expediente24.

    Todavia, assim que iniciamos esta pesquisa, que tinha por na-lidade ampliar e qualicar as situaes j enunciadas em 1996, en-frentamos uma questo no mnimo intrigante. Ao contrrio de 1996

    sendo, portanto, praticamente o mesmo universo pesquisado estestrabalhadores pareciam estar satisfeitos com o trabalho.

    O grco a seguir, mostra que a maioria da amostra abordada est

    satisfeita com o seu trabalho. Isto se apresenta como uma aparente

    contradio com os dados relacionados ao reconhecimento, mas ostrabalhadores armam gostar do que fazem e a funo que mais gosta-ram de desempenhar a ocupada atualmente, mesmo na adversidade:sem reconhecimento e com aumento de responsabilidades. Aquilo quese apresenta como um dado contraditrio pode ser analisado enquantoideologia defensiva, dizer, como um conjunto de ideias que permi-te diminuir a percepo do sofrimento. Se levarmos em conta outrasinformaes colhidas, observaremos que muitos destes trabalhadores

    executam suas tarefas com objetivos aparentemente reexivos, visan-do metas puramente individuais. Algumas das respostas apresentam-secontraditrias, pois uns gostam da presente funo porque consideramo resultado do seu trabalho mais tangvel e dinmico, enquanto queoutros argumentam que gostam por se tratar de trabalho intelectual.Por sua vez, outros trabalhadores manifestam seu apreo pela funoa partir do status social que este lhe permite na sociedade, embora

    24 Dois dos sofrimentos mais notados nos trabalhadores nas pesquisas feitas em dife-

    rentes situaes de trabalho e em pases to diferentes como o Brasil e a Frana tmsido a insatisfao e a ansiedade (DEJOURS, 1992: 48).

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    percebam que a venerao pela prosso no possua a intensidade

    gozada quando a microinformtica no tinha se alastrado como nos

    dias de hoje, popularizando a manipulao do software e dos bancosde dados. So poucos os apreciadores de funes j exercidas, aindaque a partir da atual remodelao de cargos na empresa tenham se afu-nilado em poucos cargos, dicultando uma visualizao mais direta

    entre atribuies e exerccio da prosso. Registramos a diculdade

    de alguns destes trabalhadores informticos qualicados em dedicar

    tempo suciente pesquisa em informtica, tanto no que se refere a

    software como hardware. O cumprimento de metas e prazos impede

    investimento de meios e tempo nestas reas, considerados vitais nomercado competitivo de nossos dias.

    Fonte: Entrevistas da Pesquisa sobre Organizao do Trabalho e Doenas Psicosso-ciais dos Programadores e Analistas de Sistemas do CIASC, 1998.

    Os trabalhadores revelam grande expectativa em relao ao tra-balho, pois em seus objetivos constam as realizaes pessoais, a buscade auto-superao, o conhecimento, estar de bem consigo mesmo, de-sempenho correto e honestidade. Da lista de objetivos so menciona-dos tambm a sobrevivncia, independncia nanceira e melhoria da

    qualidade de vida

    De uma maneira geral, podemos dizer que estes trabalhadoresgostam do que fazem e circunscrevem o seu trabalho entre aqueles

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    que possuem utilidade social, alm evidentemente, de assegurar a so-brevivncia individual.

    Em relao ao CIASC, a representao que os trabalhadores cons-truram em mais de uma dcada de trabalho, o envolvimento comesta atividade que central nas suas vidas. Mais uma vez as manifes-taes formais aparecem frequentemente, sendo que a maioria delaselogia a situao da empresa como slida e com futuro promissor.Tambm aparecem em destaque as expresses colocando a empresacomo um segundo lar, como uma extenso da famlia e do crculo daamizade, mais uma vez enfatizando a importncia que o trabalho ocu-

    pa na vida destes trabalhadores. pergunta referente relevncia de fatos pessoais, desde que

    ingressos no CIASC, deixa transparecer o papel importante que o tra-balho ocupa nas suas vidas, manifesta atravs da dedicao de anos,pelo investimento fsico e emocional que os trabalhadores fazem naempresa. As respostas apontam elementos ligados vida prossional,

    de crescimento frequentemente mimetizado com o progresso da em-presa; nestas opinies podemos perceber que as demisses e a quebrade conana da empresa pesam na frustrao e no sofrimento destes

    trabalhadores. As aluses vida pessoal concentram-se na importn-cia da construo e dos frutos da vida familiar, pela via do trabalho,rearmando a centralidade que o mesmo ocupa nas suas vidas.

    O trabalho atual dos analistas de sistemas mudou qualitativamen-te desde a poca em que os computadores so unicamente de gran-de porte25 com a introduo da microinformtica. O trabalho com os

    computadores de grande porte diferente, o analista de sistemas fazo contato com o cliente e elabora um uxograma (um esquema deblocos, dos quais o programa solicitado deveria estar composto); o

    25 Grande porte o sistema de informtica no qual existe um computador, que centra-liza o processamento dos dados e o software, e dela partem terminais que dependemtotalmente do computador central (estes terminais so denominados de terminaisburros). Este padro de funcionamento, nesta empresa e em quase todo o pas, de-nido pela empresa norte-americana IBM, que detm os direitos e elabora os manuais

    de funcionamento. At comeo desta dcada a maioria dos trabalhos no CIASC era

    realizada no grande porte, ainda hoje grande parte dos dados da administrao pblicaencontra-se neste sistema.

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    programador interpreta o uxograma e escreve mo as linhas do

    programa num papel padronizado e passa para o digitador ingressar

    os comandos e dados. At a o analista de sistemas no faz contatocom o computador. Com a adoo da microinformtica a digitao absorvida pelos analistas de sistemas e programadores; assim, paratestar um programa ou mesmo para ingressar os comandos no compu-tador o programador digita, acumulando as tarefas que anteriormenteeram privilgio do digitador26. Ao mesmo tempo, os programadores eanalistas de sistemas, cada vez mais efetuam trabalhos que no eramantes de sua responsabilidade. A diviso do trabalho na rea de criao

    de software na empresa em questo se manifesta no fato de que o Ana-lista de Sistemas planeja o conjunto da tarefa a ser executada, ao mes-mo tempo este coordena e realiza o trabalho. Mas tambm distribuias tarefas para os Programadores, que no necessariamente possuemuma viso da totalidade do trabalho a ser executado. Geralmente ca-da um destes trabalhadores encarrega-se de elaborar uma rotina, uma

    parcela, dentro do programa geral. Desta breve descrio percebe-seo quanto se intensicou a atividade, que antes era compartilhada por

    mais trabalhadores.Entre as respostas que expressam a opinio em relao ao trabalho

    destacam-se a conscincia da importncia do trabalho desempenhado

    na manipulao das informaes dos rgos do Estado. A seguir ve-mos que considerado graticante, sendo citado muitas vezes, assim

    como a importncia do trabalho, com o atendimento ao cliente e, emparticular, com os atuais softwares que visam brindar informaes aocidado. Quer dizer, que o reconhecimento possudo feito pelo usu-

    rio do programa elaborado, no provm de dentro da empresa, doscolegas ou cheas. Entre as caractersticas negativas destacam-se os

    aspectos estressantes, que pode aludir ao contedo da tarefa no sentidoda demanda de concentrao, capacidade de elaborao requerida

    para a construo dos programas e aos problemas provindos da orga-nizao do trabalho. O carter rotineiro do mesmo refere-se mais starefas desempenhadas pelos programadores, que repetidas frequente-26 Para se apreciar mais detalhadamente uma histria das mudanas no trabalho in-

    formtico desde o ponto de vista dos trabalhadores, ver a Dissertao de Mestradode Soares (1989).

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    mente se tornam rotinas de programas e de pensamento, e, portanto,tarefas enfadonhas e desmotivantes.

    Primeira opinio em relao ao seu

    trabalho

    35%

    25%

    18%

    11%

    7% 4% Importante

    Rotineiro

    Stressante

    Prazeroso

    Cansativo

    Gratificante

    Fonte: Entrevistas da Pesquisa sobre Organizao do Trabalho e Doenas Psicosso-ciais dos Programadores e Analistas de Sistemas do CIASC, 1998.

    A primeira resposta a esta escolha mltipla pode ser consideradaa principal opinio, a que tem mais peso, dos trabalhadores em re-lao ao seu trabalho. Sendo assim, observamos no grco a seguir

    que a percepo da importncia da tarefa ganha fora na consideraototal das informaes, sendo agora seguida de percepes negativas,rotineiras e estressantes. Na percepo social destes trabalhadores po-demos dizer que o trabalho ao mesmo tempo importante e rotineiro,tomando como referncias as duas caractersticas mais citadas de cada

    grupo.Alguns manifestam a importncia do trabalho maior que da fa-mlia ou lazer. O carter cansativo do trabalho colocado contradito-riamente ao lado do trabalho graticante.

    Para compreender o signicado da atividade que ocupa maior

    parte da vida de viglia, torna-se interessante conhecer o que o sujeitoprocura com o seu trabalho, quais os seus objetivos e o que decorredo seu discurso. Para tanto, apresentamos a seguir, as informaes demaneira qualitativa:

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    Trabalho

    Objetivos Defnio

    ConhecimentoSatisfao pes-

    soal, do cliente esobreviver

    Trabalha parasobreviver.

    Ocupao neces-sidade, sobrevi-

    vncia

    SobrevivnciaNo pesado,

    nem desgastante, muito bom

    CooperaoQualquer ativida-de remunerada

    ou no

    Valor para asociedade

    Ganhar dinheiropara fazer suascoisas l fora

    Sentir-se tilFuno na em-presa, cotidiano

    Busca de autosuperao

    Sobrevivncia, eprazer em traba-

    lharUtilidade social Dar solues

    Realizao,independncia

    fnanceira e

    sentir-se til

    Crescer e melho-rar a qualidade

    de vida.

    Situar-se navida sem depen-

    der de outros

    Enriquece, dei-xaria de passear

    para trabalhar

    Ser honesto.Ser fel a em-

    presa

    Realizao pes-soal

    Atividade paraobter resultados

    Mo de obra quefornece trocando

    por dinheiro

    Ser correto.Atender bem o

    cliente

    Realizao pes-soal e profssio-

    nal.

    Trabalho deanalista e pro-

    gramador

    Executar funespara determina-

    das tarefas

    Atualizaotecnolgica e

    salrio

    Satisfao empoder fazer o que

    gosta e fazer omelhor

    Atividade praze-rosa e que per-mite sobreviver

    Atividade que temum produto fnal

    Estar bem con-sigo mesmo Est devagar

    Uma troca:

    8 horas de tra-balho por umsalrio

    Melhor coisa

    Fonte: Entrevistas da Pesquisa sobre Organizao do Trabalho e Doenas Psicosso-ciais dos Programadores e Analistas de Sistemas do CIASC, 1998.

    Entre os objetivos tambm se destacam a necessidade de satisfa-

    zer ao cliente. O objetivo de satisfazer o cliente , de alguma maneira,a incorporao daquilo que chamado de vestir a camiseta da empre-

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    sa; isto , paixo pela empresa e gosto pelo seu ambiente de trabalho.

    importante destacar que o trabalho, na atual conjuntura hist-

    rica, no possui caractersticas nocivas ou perigosas tal como foi des-crito no incio do sculo XX, o trabalho pressupe diviso tcnica esocial, o que no quer dizer que hoje no apresente ameaas sadefsica, mental e psicossocial dos trabalhadores.

    O desgaste fsico e psicossocial so decorrentes das condiese organizao do trabalho, pois subordina orgnica e psiquicamenteo trabalhador, demanda uma vontade orientada a um m, manifesta

    como ateno no transcurso da jornada (MARX, 1987). Com isto sequer dizer que durante a realizao do trabalho verica-se um consumode energia, de capacidade vital humana. Assim, considera-se como ca-racterstica importante do trabalho o consumo, o gasto do crebro, dosnervos, dos msculos, digamos que todo o desgaste de um trabalhadoraps uma jornada de trabalho (SELIGMANN SILVA, 1994; 1996).

    Assim, a sade no trabalho refere-se aos meios que cada trabalha-dor tem para traar um caminho pessoal e original, em direo ao seu

    bem estar fsico, psquico e social (DEJOURS, 1986: 10). Em con-cordncia com essa ideia pode se armar que se o trabalho fosse li-vremente escolhido e sua organizao exvel, o trabalhador poderia

    adapt-lo a seus desejos, s necessidades do seu corpo e s variaesde seu esprito, o que tornaria o trabalho no s tolervel como atmesmo favorvel sade fsica e mental do trabalhador, sempre querealizado em outras condies que no aquelas prevalecentes atual-mente (COHN; MARSIGLIA, 1993: 71). Assim, a sade constru-

    da na relao social entre os homens e dos homens em relao com anatureza, uma interao dinmica, no esttica, imersa nas relaeshumanas e no contedo das tarefas que desempenha.

    esta relao social que engendra tambm as representaes queas pessoas fazem de si prprias e da realidade, que, no limite, expres-sam relaes de dominao entre capital e trabalho. Dessa maneira,aquilo que pensam os trabalhadores, pode corresponder mais ao pen-samento social dominante do que propriamente apresentar-se como

    manifestao do dominado (SELIGMANN SILVA, 1986).

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    Com base neste pressuposto, podemos duvidar destas manifes-taes de satisfao e tom-las como aparentes. Elas podem estar ex-

    pressando mais o pensamento da administrao da empresa do quepropriamente dos trabalhadores informticos. Alm disso, lembremosque, como diz o ditado popular nem tudo o que reluz ouro, entre arepresentao e a realidade pode existir certa distncia.

    Tomando estas representaes como aparncia, vemos que, ao

    contrrio do que se previa, o trabalho no eliminou sofrimento e esteprocesso pode levar doena mental e fsica, assim como tambm adessocializao do sujeito.

    Antes de prosseguir importante a ressalva de que o trabalhoinformtico contm singularidades prprias que, em certo sentido, odistancia dos demais trabalhos no Brasil. Mas o fato de serem traba-lhadores especiais (intelectuais) nem por isto esto livres da consci-ncia embotada quanto ao trabalho. Eles, como tantos outros traba-lhadores, relutam em identicar o seu trabalho como atividade penosa

    e desgastante. Assim, trabalho e sade so aspectos desconectados desua realidade e, da mesma forma, dissociam tambm mente e corpo.

    Os trabalhadores que estamos estudando possuem um nvel dequalicao e informao elevados. Mas, em relao sade, sua per-cepo genrica, a sade vista dentro de uma viso integral: corpo,mente e social; considera mais importante a sade mental, pela suanecessidade na execuo das tarefas. O conceito de sade simples-mente no sentir dor. Estes depoimentos reetem a percepo de que

    a sade indispensvel para o trabalho, e que para isto o trabalhador

    deve possuir e construir uma organizao e condies de trabalho quepermitam produzir com qualidade para si e para a empresa. As refe-rncias ausncia de sade fsica aludem ameaa real de doenas

    osteo-musculares decorrentes de postura rgida durante longo tempo.J a concepo de doena muito parecida com a de sade, e destaca--se aqui a ideia que expressa a necessidade de no padecer nenhumadoena que lhes impea produzir.

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    Fonte: Entrevistas da Pesquisa sobre Organizao do Trabalho e Doenas Psicosso-ciais dos Programadores e Analistas de Sistemas do CIASC, 1998.

    vlido mencionar o fato de que a maioria dos entrevistadosrefere-se a concepo que ele detm de sade com uma viso inte-gral de ser humano, no mesmo sentido da denio enunciada por

    Dejours (1986). Ao mesmo tempo, percebe-se que enunciam a ne-cessidade da ausncia de perturbaes (dores em geral e tambm

    estar tranquilo no que se refere a problemas sociais e familiares) paraefetuar as suas tarefas intelectuais. Estes trabalhadores expressam a

    preponderncia de tarefas intelectuais e sua relao com a funciona-lidade da percepo da sua sade.

    Conceito de sade Conceito de doena

    Trabalhar commenos presso e

    sem prazos

    IntegralIncapacidade de

    produzirEstresse, cio

    Sem problema deviso e de coluna

    No ter dor IntegralNo conseguir

    realizar determi-nadas tarefas

    Sem LER e es-tresse

    Maneira deresponder a de-terminadas situ-

    aes

    As doenas pro-fssionais podem

    trazer outrasdoenas

    Estresse, sademental

    Ter paz, tranquili-dade e fsicamente Cabea tranquila Ter alguma dor Disfuno de al-gum rgo. LER

    Bem estar, sentir--se disposto todo

    o dia

    Estar bem consi-go e com o meio.Mais importantea sade intelec-

    tual

    Quando no con-segue pensar

    Produzir pouco ereclamar da vida

    Bom ambiente detrabalho, fsica e

    emocional

    Bem emocional-mente

    Evitar problemaspsicolgicos

    Mal estar e muitaresponsabilidade

    Estar bem fsica epsicologicamente

    Mente aberta ebem fsicamente

    No satisfeito.Tem que estar

    bem relacionado,vida saudvel

    No sentir-sebem, sem dispo-sio nem satis-

    fao

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    Nas ltimas dcadas do desenvolvimento histrico do sistemacapitalista presenciamos marcadas transformaes atravs da incor-

    porao da tecnologia nos processos de produo, o que por sua vezinuencia na organizao do trabalho e nas formas de gerenciamentode pessoal. As mquinas atuais sintetizam o que h de mais avanadona mecnica, microeletrnica e informtica, aprimorando a qualidadedos produtos e reduzindo os custos atravs do aumento da produtivi-dade (LEITE & SILVA, 1996; FORRESTER, 1997).

    Os recentes avanos tecnolgicos aplicados produo propor-cionam uma melhoria na competitividade nos mercados internos e

    externos, redenindo o lugar e o papel dos pases e das corporaesno campo internacional. Por sua vez, esta diviso internacional do tra-

    balho implica na diferenciao dos riscos para a sade do trabalhadorde um pas para outro (MORAES NETO, 1989).

    A cada dia, a telemtica, que a juno das telecomunicaescom a informtica, renova e aperfeioa suas armas na acirrada lutacom o tempo e o espao, onde a superao dos modelos medida peloencurtamento e valorizao destes.

    Os arautos da atual organizao neoliberal querem nos fazer acre-ditar que nossas vidas atualmente esto marcadas pela presena da in-formtica na sociedade, grande parte dos registros, desde o nascimen-to at a morte, no nosso dia a dia, nos bancos, nos rgos pblicos etc.nos ligando a uma manipulao informacional atravs do computador(NEGROPONTE, 1995).

    A popularizao e difuso da informtica permitem que a mesma

    seja apresentada de forma sedutora para o grande pblico: elogia-se oacesso Internet, da ampla gama de opes visuais e sonoras de lazer,da questo econmica no sentido da diminuio na manipulao degrandes volumes e da facilidade e velocidade no processamento detextos. Para Lojkine (1995), esta Revoluo Informacional coloca so-cialmente a facilidade democrtica na manipulao das informaes,e tambm permite pensar a perspectiva histrica de superar a divisoentre os que produzem e os que pensam a produo (Idem: 229).

    Mas, a informatizao no traz apenas vantagens sociedade. Ela

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    provoca problemas, como a ameaa privacidade e o aumento do n-vel do desemprego (TAVARES & SELIGMAN, 1984).

    A inovao tecnolgica no sistema capitalista est circunscrita lgica dominante da obteno do lucro. Assim, as inovaes tecnol-gicas, numa sociedade na qual o essencial seja o bem estar crescentedo homem, poderia signicar numa reduo dos dias e horas de traba-lho, consequentemente diminuindo tambm o desemprego e a idademnima do trabalhador se aposentar (MARCUSE, 1996; HADDAD,1997); Mas, a sociedade capitalista ao basear-se na apropriao in-dividual de mais-valia, na explorao do homem, aplica uma lgica

    desumana, pois ela interessa-se mais na reproduo do capital do quena sobrevivncia do homem.

    Este renomado avano na manipulao das informaes apenasuma tecnologia, que pode ser utilizada para liberar os homens do so-frimento, melhorar as condies de trabalho e aumentar a produo

    para atender as necessidades do conjunto da populao, sem excluso;ou perpetuar o atual estado de coisas: estar a servio de reproduodo capital, sem preocupao com as necessidades da populao, nem

    beneciando os trabalhadores nas suas condies e organizao do

    trabalho ou favorecendo o lazer.

    Neste contexto, os trabalhadores informticos ocupam um lu-gar de destaque desde o incio da presente Revoluo Informacional.Encontram-se no olho do furaco das transformaes no mundo dotrabalho, dos avanos tecnolgicos, so as vtimas mais antigas desterecente salto de qualidade da globalizao. Por outro lado, existe uma

    supervalorizao dos computadores em relao ao trabalho humano,pois quando se deseja atribuir a uma tarefa as caractersticas de racio-nalidade, imparcialidade, competncia ou ecincia ela obviamente

    deve ser executada por um computador. Abstrai-se, por exemplo, deque a principal qualidade do computador a sua extraordinria capa-cidade de armazenar dados, e graas a sua alta velocidade de processa-mento, acelerar a resoluo dos problemas e a manipulao de grandesvolumes de informao27 (SOARES, 1989; 1995; LOJKINE, 1985).

    27 importante lembrar que o computador trabalha com o universo de dados que lhe

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    Nesta mesma linha de raciocnio, Volpato rearma o computador a

    estrela e o homem um mero acessrio (1992: 38), ou seja, isto uma

    traduo do que Marx havia escrito a respeito da mquina.Os programadores e analistas de sistemas so uma categoria

    prossional localizada no centro desta recente onda de inovaes na

    produo e organizao do trabalho. Encontram-se entre aqueles querealizam trabalho invisvel, no conseguindo tocar no que fazem,vivenciando frequentemente a expresso de perda de controle sobre oseu trabalho (SELIGMANN SILVA, 1986).

    Aparentemente, o trabalhador informtico, na rea de criao e

    manuteno de software, coloca a sua marca pessoal. No trabalhode elaborao de programas informacionais aplica-se parcialmente oque Offe enuncia referente ao trabalho no setor de servios: quandoos