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Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 677-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO CONSELHOS PROFISSIONAIS Técnico em contabilidade podia se inscrever no Conselho até 01/06/2010 sem fazer o Exame de Suficiência; depois dessa data, não pode mais se inscrever em hipótese alguma. CONSELHOS PROFISSIONAIS Treinador ou instrutor de tênis não precisa ser inscrito no Conselho Regional de Educação Física. PODER DE POLÍCIA A ANVISA deve exigir que as fabricantes dos produtos alimentícios advirtam, no rótulo, que os valores nutricionais ali informados podem ter uma variação de até 20% em relação aos números apresentados. TEMAS DIVERSOS Na equipe que compõe as Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e as Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do SAMU não é necessária a presença de enfermeiro, bastando um técnico ou auxiliar de enfermagem. DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE Em caso de resilição unilateral do contrato coletivo, deve ser reconhecido o direito à portabilidade de carências. DIREITO EMPRESARIAL RECUPERAÇÃO JUDICIAL A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência decretada não tem direito à conversão em recuperação judicial. DIREITO PROCESSUAL CIVIL EXECUÇÃO Arma de fogo pode ser penhorada. DIREITO PENAL ESTELIONATO A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS O crime previsto no art. 1°, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967 se perfectibiliza quando há uma clara intenção de descumprir os prazos para a prestação de contas.

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  • Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

    Informativo comentado: Informativo 677-STJ

    Márcio André Lopes Cavalcante

    ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

    CONSELHOS PROFISSIONAIS ▪ Técnico em contabilidade podia se inscrever no Conselho até 01/06/2010 sem fazer o Exame de Suficiência; depois

    dessa data, não pode mais se inscrever em hipótese alguma. CONSELHOS PROFISSIONAIS ▪ Treinador ou instrutor de tênis não precisa ser inscrito no Conselho Regional de Educação Física. PODER DE POLÍCIA ▪ A ANVISA deve exigir que as fabricantes dos produtos alimentícios advirtam, no rótulo, que os valores nutricionais

    ali informados podem ter uma variação de até 20% em relação aos números apresentados. TEMAS DIVERSOS ▪ Na equipe que compõe as Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e as Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre

    (USB) do SAMU não é necessária a presença de enfermeiro, bastando um técnico ou auxiliar de enfermagem.

    DIREITO DO CONSUMIDOR

    PLANO DE SAÚDE ▪ Em caso de resilição unilateral do contrato coletivo, deve ser reconhecido o direito à portabilidade de carências.

    DIREITO EMPRESARIAL

    RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência decretada não tem

    direito à conversão em recuperação judicial.

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    EXECUÇÃO ▪ Arma de fogo pode ser penhorada.

    DIREITO PENAL

    ESTELIONATO ▪ A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019, retroage para alcançar os

    processos penais que já estavam em curso? CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS ▪ O crime previsto no art. 1°, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967 se perfectibiliza quando há uma clara intenção de

    descumprir os prazos para a prestação de contas.

  • Informativo comentado

    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

    DIREITO PROCESSUAL PENAL

    MEDIDAS CAUTELARES ▪ É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não

    cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal ▪ É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a

    título de astreintes INFILTRAÇÃO POLICIAL ▪ Não haverá infiltração policial se o agente apenas representa a vítima nas negociações de extorsão. GRAVAÇÃO AMBIENTAL ▪ É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. AÇÃO CONTROLADA ▪ Ação controlada do art. 8º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 exige apenas comunicação prévia (e não autorização judicial). INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ▪ Possibilidade de auxílio da agência de inteligência ao MP estadual. EXECUÇÃO PENAL O tempo excedido, na frequência escolar, ao limite legal de 12 horas a cada 3 dias deve ser considerado para fins de remição da pena.

    DIREITO ADMINISTRATIVO

    CONSELHOS PROFISSIONAIS Técnico em contabilidade podia se inscrever no Conselho até 01/06/2010 sem fazer o Exame de

    Suficiência; depois dessa data, não pode mais se inscrever em hipótese alguma

    Atualize o Info 669-STJ

    Mudança de entendimento!

    Ao técnico em contabilidade que tenha concluído o curso após a edição da Lei nº 12.249/2010 é assegurado o direito de se registrar no Conselho de Classe até 1º de junho de 2015, sem que lhe seja exigido o Exame de Suficiência, sendo-lhe, dessa data em diante, vedado o registro.

    STJ. 1ª Turma. REsp 1.659.767-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

    Obs: a 2ª Turma entende de forma diversa e decide que o exame de suficiência, criado pela Lei nº 12.249/2010, será exigido dos técnicos em contabilidade que completarem o curso após sua vigência. Tais profissionais não estão sujeitos à regra de transição prevista no art. 12, § 2º do referido diploma (STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1631350/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/10/2020).

    Alterações da Lei nº 12.249/2010 no DL 9.295/46 O Decreto-lei nº 9.295/46 criou o Conselho Federal de Contabilidade e definiu as atribuições do Contador. Em 2010, foi editada a Lei nº 12.249/2010 que promoveu diversas alterações no DL 9.295/46. Irei destacar aqui as duas principais mudanças realizadas pela Lei nº 12.249/2010: 1) passou a exigir que o profissional seja aprovado em um “Exame de Suficiência” (uma espécie de exame da OAB) para poder ser inscrito no Conselho e exercer a profissão de Contador; 2) acabou com a possibilidade de a pessoa formada em curso de técnico em contabilidade (um curso de nível médio) ser inscrita no Conselho e exercer as mesmas atribuições do Contador (formado no curso superior de contabilidade).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3

    Essas duas mudanças geraram diversas demandas judiciais. Vejamos dois pontos polêmicos que foram decididos pelo STJ. Os técnicos em contabilidade foram proibidos de se inscrever no Conselho. No entanto, existe alguma regra de transição? SIM. Se o técnico em contabilidade, mesmo formado após a Lei nº 12.249/2010, tiver pedido o registro no Conselho até o dia 1º de junho de 2015, poderá ser inscrito no Conselho mesmo sem o Exame de Suficiência. A situação pode ser assim definida: • técnico em contabilidade pediu a inscrição no Conselho até 01/06/2015: pode ser inscrito mesmo sem o exame de suficiência. • após 01/06/2015, o técnico em contabilidade não poderá ser inscrito no Conselho. Onde está prevista essa data (01/06/2015)? No § 2º do art. 12 do Decreto-Lei nº 9.295/46 (com as modificações implementadas pela Lei nº 12.249/2010). Foi a própria Lei nº 12.249/2010 quem fixou esse marco. Veja:

    Art. 12. Os profissionais a que se refere este Decreto-Lei somente poderão exercer a profissão após a regular conclusão do curso de Bacharelado em Ciências Contábeis, reconhecido pelo Ministério da Educação, aprovação em Exame de Suficiência e registro no Conselho Regional de Contabilidade a que estiverem sujeitos. (Redação dada pela Lei nº 12.249/2010) § 1º O exercício da profissão, sem o registro a que alude este artigo, será considerado como infração do presente Decreto-lei. (Renumerado pela Lei nº 12.249/2010) § 2º Os técnicos em contabilidade já registrados em Conselho Regional de Contabilidade e os que venham a fazê-lo até 1º de junho de 2015 têm assegurado o seu direito ao exercício da profissão. (Incluído pela Lei nº 12.249/2010)

    Vale ressaltar que o critério não é a data em que o indivíduo concluiu o curso de técnico em contabilidade. O que importa é a data em que ele, após a conclusão do curso, tenha solicitado a sua inscrição no Conselho. A exigência do Exame de Suficiência vale para os técnicos em contabilidade? Eles precisam fazer o exame para se inscreverem no Conselho? NÃO. Não se exige o Exame de Suficiência mesmo que o técnico em contabilidade tenha sido formado após a edição da Lei nº 12.249/2010. O caput do art. 12 do Decreto-Lei nº 9.295/46 estabelece a aprovação no Exame de Suficiência como requisito para o Contador (bacharel em Ciências Contábeis) obter o registro no Conselho Regional de Contabilidade. O art. 12 não faz essa mesma exigência para o técnico em contabilidade. Por que a Lei exige o exame do Contador (curso superior), mas dispensa no caso do técnico em contabilidade? Porque a situação do técnico em contabilidade é de extinção. A Lei apenas resguardou o direito à inscrição para os técnicos que requereram até 01/06/2015). Por essa razão, o § 2º do art. 12 do Decreto-Lei nº 9.295/46 sinalizou, em favor dos técnicos em contabilidade já registrados e aos que viessem a fazê-lo até 1º de junho de 2015, o pleno direito ao exercício da profissão, independentemente de submissão ao Exame de Suficiência. Essa exigência de Exame de Suficiência, repito, só foi feita para os bacharéis em Ciências Contábeis (contadores que concluíram o curso superior).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

    Ah, mas eu ainda vejo sendo anunciado curso de técnico em contabilidade... Pode ser. No entanto, essa pessoa, mesmo depois de concluído o curso, não poderá ser inscrita no Conselho nem poderá exercer as mesmas atribuições de um Contador. Desde 1º de junho de 2015 o indivíduo que concluiu um curso de técnico em contabilidade não pode mais ser inscrito no Conselho nem exercer as mesmas atividades de um Contador. Assim, esse curso pode ser útil para as pessoas que desejam trabalhar em um escritório de Contabilidade, auxiliando um Contador, mas sem a possibilidade de substitui-lo. Em suma:

    Ao técnico em contabilidade que tenha concluído o curso após a edição da Lei nº 12.249/2010 é assegurado o direito de se registrar no Conselho de Classe até 1º de junho de 2015, sem que lhe seja exigido o Exame de Suficiência, sendo-lhe, dessa data em diante, vedado o registro. STJ. 1ª Turma. REsp 1.659.767-RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

    O entendimento acima é pacífico? NÃO. A 2ª Turma entende de forma diversa e decide que:

    O exame de suficiência, criado pela Lei nº 12.249/2010, será exigido dos técnicos em contabilidade que completarem o curso após sua vigência. Tais profissionais não estão sujeitos à regra de transição prevista no art. 12, § 2º do referido diploma. STJ. 2ª Turma. AgInt no AREsp 1631350/RS, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 19/10/2020.

    CONSELHOS PROFISSIONAIS Treinador ou instrutor de tênis não precisa ser inscrito no Conselho Regional de Educação Física

    O exercício da atividade de treinador ou de instrutor de tênis não exige o registro no Conselho Regional de Educação Física.

    STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.767.702-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 29/06/2020 (Info 677).

    A Lei nº 9.696/98, que elenca os profissionais que devem ser inscritos nos Conselhos Regionais de Educação Física, não prevê essa exigência aos treinadores e instrutores de tênis:

    Art. 1º O exercício das atividades de Educação Física e a designação de Profissional de Educação Física é prerrogativa dos profissionais regularmente registrados nos Conselhos Regionais de Educação Física. Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos Conselhos Regionais de Educação Física os seguintes profissionais: I - os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, oficialmente autorizado ou reconhecido; II - os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor; III - os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido atividades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física. Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5

    Desse modo, não há comando normativo que obrigue a inscrição dos treinadores de tênis nos Conselhos de Educação Física, porquanto, à luz do que dispõe o art. 3º da Lei nº 9.696/98, essas atividades, no momento, não são próprias dos profissionais de educação física. Interpretação contrária que extraísse da Lei nº 9.696/98 o sentido de que o exercício da profissão de treinador ou instrutor de tênis de campo é prerrogativa exclusiva dos profissionais com diploma de Educação Física e respectivo registro no Conselho Regional de Educação Física ofende o direito fundamental assecuratório da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais estabelecidas em lei, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal. Em suma:

    O exercício da atividade de treinador ou de instrutor de tênis não exige o registro no Conselho Regional de Educação Física. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.767.702-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 29/06/2020 (Info 677).

    No mesmo sentido:

    Não é obrigatória a inscrição, nos Conselhos de Educação Física, dos professores e mestres de dança, ioga e artes marciais (karatê, judô, tae-kwon-do, kickboxing, jiu-jitsu, capoeira e outros) para o exercício de suas atividades profissionais. STJ. 2ª Turma. REsp 1450564-SE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 16/12/2014 (Info 554).

    O exercício da profissão de técnico ou treinador profissional de futebol não se restringe aos profissionais graduados em Educação Física, não havendo obrigatoriedade legal de registro junto ao respectivo Conselho Regional. STJ. 2ª Turma.REsp 1650759-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 6/4/2017 (Info 607).

    PODER DE POLÍCIA A ANVISA deve exigir que as fabricantes dos produtos alimentícios advirtam, no rótulo,

    que os valores nutricionais ali informados podem ter uma variação de até 20% em relação aos números apresentados

    A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA deve exigir, na rotulagem dos produtos alimentícios, a advertência da variação de 20% nos valores nutricionais.

    STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.571-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/09/2016 (Info 677).

    Rotulagem dos produtos alimentícios Os produtos alimentícios devem informar, no rótulo, os valores nutricionais. Isso normalmente consta em uma tabela de informação nutricional, na qual constam as quantidades de vitaminas, sais minerais, gorduras, proteínas, fibras etc. Veja um exemplo:

  • Informativo comentado

    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

    Essa é uma exigência feita em quase todos os países. Nos EUA, isso é chamado de “nutrition facts”. Aqui no Brasil, essa obrigação é regida por atos normativos editados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Variação de 20% nos valores nutricionais A ANVISA admite que haja uma variação de até 20% nos valores nutricionais informados e os que estão realmente no produto. É como se fosse uma margem de tolerância para eventuais divergências. Ex: na tabela de informação nutricional, o fabricante avisa que há 10g de gorduras totais. Mesmo que no produto existam 8g (20% a menos) ou 12g (20% a mais), esse fabricante não receberá qualquer sanção. Isso porque se admite essa “margem de erro” de 20%. ACP O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Pública contra a ANVISA a fim de que a autarquia, utilizando-se do seu poder de normatizar e fiscalizar os produtos de interesse para a saúde, exija que passe a constar, nos rótulos dos produtos alimentícios, a advertência de variação de 20% nos valores nutricionais. Em outras palavras, o MPF afirmou o seguinte: tudo bem que a ANVISA permita que exista essa possibilidade de variação de 20%. No entanto, isso deve ser informado no rótulo. Assim, o consumidor deve ser alertado que aqueles valores podem não ser exatos e que existe essa possibilidade de variação. A questão chegou até o STJ por meio de recurso. O Tribunal concordou com o pedido do MPF? SIM.

    A Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA deve exigir, na rotulagem dos produtos alimentícios, a advertência da variação de 20% nos valores nutricionais. STJ. 2ª Turma. REsp 1.537.571-SP, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 27/09/2016 (Info 677).

    O consumidor tem o direito de ser informado, no rótulo dos produtos alimentícios, da existência de variação de 20% nos valores nutricionais, principalmente porque existe norma da ANVISA permitindo essa tolerância. Embora toda advertência seja informação, nem toda informação é advertência. Quem informa nem sempre adverte. A advertência é informação qualificada: vem destacada do conjunto da mensagem, de modo a chamar a atenção do consumidor, seja porque o objeto da advertência é fonte de onerosidade além da normal, seja porque é imprescindível à prevenção de acidentes de consumo. O dever de informação exige comportamento positivo e ativo do fornecedor. Isso porque o CDC rechaça a chamada regra caveat emptor* e também não aceita que o silêncio equivalha à informação. Ao contrário.

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    O silêncio é considerado como “patologia repreensível”, sendo interpretado em desfavor do fornecedor, inclusive como oferta e publicidade enganosa por omissão, punida civil, administrativa e criminalmente pelo CDC. Cabe ainda ressaltar que, sobretudo nos alimentos e medicamentos, os rótulos constituem a via mais fácil, barata, ágil e eficaz de transmissão de informações aos consumidores. São eles mudados frequentemente para atender a oportunidades êfemeras de negócios, como eventos desportivos ou culturais. Não se pode, por conseguinte, alegar que a inclusão expressa da frase “variação de 20% dos valores nutricionais” das matérias-primas utilizadas na fabricação dos alimentos cause onerosidade excessiva aos fabricantes de alimentos. * Caveat emptor Caveat emptor é uma locação em latim que, se traduzida literalmente, seria algo como “comprador, tome seus cuidados”. A regra do caveat emptor significa que o cliente (o comprador ou tomador de serviços) é quem deve tomar os cuidados de se informar no momento da contratação para se resguardar de eventuais danos. Assim, o cliente que teria o ônus de perguntar tudo do fornecedor e, se ele não perguntasse, teria que arcar com as consequências disso. O CDC não aceita essa regra do caveat emptor. O CDC afirma que o consumidor tem o direito de ser informado:

    Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

    Isso significa que o fornecedor tem o dever de informação, ou seja, o CDC exige um comportamento positivo e ativo do fornecedor de explicar o produto ou serviço ao consumidor, mesmo que não tenha sido provocado.

    TEMAS DIVERSOS Na equipe que compõe as Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e as Unidades de Suporte

    Básico de Vida Terrestre (USB) do SAMU não é necessária a presença de enfermeiro, bastando um técnico ou auxiliar de enfermagem

    A composição da tripulação das Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e das Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU sem a presença de enfermeiro não ofende, mas sim concretiza, o que dispõem os artigos 11, 12, 13 e 15 da Lei n.º 7.498/86, que regulamenta o exercício da enfermagem.

    STJ. 1ª Seção. REsp 1.828.993-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/08/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1024) (Info 677).

    Ambulância de Suporte Básico – Tipo B A Ambulância de Suporte Básico, também chamada de Ambulância Tipo B, é aquela utilizada para o transporte de pacientes com “risco de vida”, mas que não necessita de intervenção médica no local ou durante o transporte até o destino (Portaria nº 2.048/2002, do Ministério da Saúde).

  • Informativo comentado

    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

    USB do SAMU A Unidade de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) é um serviço destinado ao atendimento e resgate de pacientes em situações de urgência e emergência. Composição da tripulação da Ambulância Tipo B e da USB do SAMU O Ministério da Saúde editou Portarias regulamentando os atendimentos veiculares de urgência e previu que as ambulâncias Tipo B e as unidades de suporte básico da vida terrestre (USB) devem ser tripuladas por dois profissionais (um condutor do veículo e um técnico ou auxiliar de enfermagem). Desse modo, o Ministério da Saúde não exigiu a presença de um enfermeiro na Ambulâncias Tipo B e nas UBS do SAMU. O Conselho Federal de Enfermagem questionou isso e defendeu a tese de que seria indispensável a presença de um enfermeiro nos serviços prestados nesses veículos, sob pena de violação dos arts. 11, 12, 13 e 15 da Lei nº 7.498/86. A tese do Conselho de Enfermagem foi acolhida pelo STJ? NÃO. Vamos entender com calma. Escolha de qual veículo enviar cabe ao médico que faz a triagem Inicialmente, cumpre esclarecer que a escolha de qual veículo enviar cabe ao médico que faz a triagem. O médico, profissional habilitado, com conhecimento técnico e discernimento adequado, irá apreciar a gravidade de cada caso que lhe for comunicado e, assim, irá enviar os recursos necessários ao atendimento. Assim, por exemplo, a ambulância do Tipo B só será encaminhada nos casos em que o médico regulador observou ser desnecessária a intervenção médica no local e/ou durante o transporte até o serviço de destino. Em outras palavras, tal ambulância será encaminhada no caso em que os cuidados a serem prestados possam ser prestados por técnico ou auxiliar de enfermagem considerando seu nível de capacitação. Já em casos de maior gravidade caberá ao médico regulador enviar outro tipo de ambulância, como, por exemplo, a ambulância de suporte avançado, que conta, em sua tripulação, com médico e enfermeiro. Médico só escolhe a ambulância Tipo B ou a USB se não for necessária intervenção médica no local ou durante o transporte A decisão do médico pela Ambulância do Tipo B ou pela Unidade de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) só deverá acontecer quando o veículo for destinado ao transporte inter-hospitalar de pacientes com “risco de vida”, mas que não seja classificado com potencial de necessitar de intervenção médica no local e/ou durante transporte até o serviço de destino. Se o médico, ao fazer a triagem, perceber que se trata de paciente grave, que demande cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica há previsão normativa de envio da ambulância tipo D ou da Unidade de Suporte Avançado de Vida Terrestre, cuja equipe é de no mínimo 3 (três) profissionais, sendo um condutor do veículo, um enfermeiro e um médico. Esse é o tipo de ambulância destinado ao atendimento e transporte de pacientes de alto risco em emergências pré-hospitalares e/ou de transporte inter-hospitalar que necessitam de cuidados médicos intensivos. Deve contar com os equipamentos médicos necessários para esta função, bem como com a presença de médico e enfermeiro em sua tripulação. Ausência de enfermeiro na tripulação das Ambulâncias Tipo B e das USB não viola os arts. 11, 12, 13 e 15 da Lei nº 7.498/86 Os arts. 11, 12, 13 e 15 descrevem as atribuições dos enfermeiros, dos técnicos em enfermagem e dos auxiliares em enfermagem. Veja o que dizem esses dispositivos:

    Art. 11. O Enfermeiro exerce todas as atividades de enfermagem, cabendo-lhe:

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

    I - privativamente: a) direção do órgão de enfermagem integrante da estrutura básica da instituição de saúde, pública e privada, e chefia de serviço e de unidade de enfermagem; b) organização e direção dos serviços de enfermagem e de suas atividades técnicas e auxiliares nas empresas prestadoras desses serviços; c) planejamento, organização, coordenação, execução e avaliação dos serviços da assistência de enfermagem; d) (VETADO); e) (VETADO); f) (VETADO); g) (VETADO); h) consultoria, auditoria e emissão de parecer sobre matéria de enfermagem; i) consulta de enfermagem; j) prescrição da assistência de enfermagem; l) cuidados diretos de enfermagem a pacientes graves com risco de vida; m) cuidados de enfermagem de maior complexidade técnica e que exijam conhecimentos de base científica e capacidade de tomar decisões imediatas; II - como integrante da equipe de saúde: a) participação no planejamento, execução e avaliação da programação de saúde; b) participação na elaboração, execução e avaliação dos planos assistenciais de saúde; c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde; d) participação em projetos de construção ou reforma de unidades de internação; e) prevenção e controle sistemático da infecção hospitalar e de doenças transmissíveis em geral; f) prevenção e controle sistemático de danos que possam ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem; g) assistência de enfermagem à gestante, parturiente e puérpera; h) acompanhamento da evolução e do trabalho de parto; i) execução do parto sem distocia; j) educação visando à melhoria de saúde da população. Parágrafo único. As profissionais referidas no inciso II do art. 6º desta lei incumbe, ainda: a) assistência à parturiente e ao parto normal; b) identificação das distocias obstétricas e tomada de providências até a chegada do médico; c) realização de episiotomia e episiorrafia e aplicação de anestesia local, quando necessária.

    Art. 12. O Técnico de Enfermagem exerce atividade de nível médio, envolvendo orientação e acompanhamento do trabalho de enfermagem em grau auxiliar, e participação no planejamento da assistência de enfermagem, cabendo-lhe especialmente: a) participar da programação da assistência de enfermagem; b) executar ações assistenciais de enfermagem, exceto as privativas do Enfermeiro, observado o disposto no parágrafo único do art. 11 desta lei; c) participar da orientação e supervisão do trabalho de enfermagem em grau auxiliar; d) participar da equipe de saúde.

    Art. 13. O Auxiliar de Enfermagem exerce atividades de nível médio, de natureza repetitiva, envolvendo serviços auxiliares de enfermagem sob supervisão, bem como a participação em nível de execução simples, em processos de tratamento, cabendo-lhe especialmente: a) observar, reconhecer e descrever sinais e sintomas; b) executar ações de tratamento simples; c) prestar cuidados de higiene e conforto ao paciente;

  • Informativo comentado

    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

    d) participar da equipe de saúde.

    Art. 15. As atividades referidas nos arts. 12 e 13 desta lei, quando exercidas em instituições de saúde, públicas e privadas, e em programas de saúde, somente podem ser desempenhadas sob orientação e supervisão de Enfermeiro.

    As Portarias nº 2.048/2002 e nº 1.010/2012, que criaram as regras descritas, não ofendem as previsões da Lei nº 7.498/1986, mas sim pelo contrário, as detalham e concretizam no plano infralegal. Isso porque nas Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e nas Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU não se irão praticar atividades de enfermagem. Em suma:

    A composição da tripulação das Ambulâncias de Suporte Básico - Tipo B e das Unidades de Suporte Básico de Vida Terrestre (USB) do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU sem a presença de enfermeiro não ofende, mas sim concretiza, o que dispõem os artigos 11, 12, 13 e 15 da Lei n.º 7.498/86, que regulamenta o exercício da enfermagem. STJ. 1ª Seção. REsp 1.828.993-RS, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/08/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1024) (Info 677).

    DIREITO DO CONSUMIDOR

    PLANO DE SAÚDE Em caso de resilição unilateral do contrato coletivo,

    deve ser reconhecido o direito à portabilidade de carências

    Importante!!!

    Os beneficiários de plano de saúde coletivo, após a resilição unilateral do contrato pela operadora, têm direito à portabilidade de carências ao contratar novo plano observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito.

    STJ. 3ª Turma. REsp 1.732.511-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

    Modalidades de planos de saúde O art. 16, VII, da Lei nº 9.656/98 prevê que existem três modalidades de planos de saúde: a) individual ou familiar; b) coletivo empresarial e c) coletivo por adesão. Plano de saúde individual O plano de saúde individual é aquele em que a pessoa física contrata diretamente com a operadora ou por intermédio de um corretor autorizado. A vinculação de beneficiários é livre, não havendo restrições relacionadas ao emprego ou à profissão do usuário em potencial (art. 3º da RN n. 195/2009 da ANS). Planos de saúde coletivo O plano de saúde coletivo é aquele contratado por uma empresa, conselho, sindicato ou associação junto à operadora de planos de saúde para oferecer assistência médica e/ou odontológica às pessoas vinculadas às mencionadas entidades, bem como a seus dependentes.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11

    São dois os regimes de contratação de planos de saúde coletivos: b) o coletivo empresarial, o qual garante a assistência à saúde dos funcionários da empresa contratante em razão do vínculo empregatício ou estatutário (art. 5º da RN nº 195/2009 da ANS); e c) o coletivo por adesão, contratado por pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, como conselhos, sindicatos, cooperativas e associações profissionais (art. 9º da RN nº 195/2009 da ANS). Nos contratos de plano de saúde coletivo, portanto, a relação jurídica de direito material envolve uma operadora e uma pessoa jurídica que atua em favor de uma classe (coletivo por adesão) ou em favor de seus respectivos empregados (coletivo empresarial). Estipulação em favor de terceiro O contrato de plano de saúde coletivo caracteriza-se como uma estipulação em favor de terceiro, em que a pessoa jurídica figura como intermediária da relação estabelecida substancialmente entre o indivíduo integrante da classe/empresa e a operadora (art. 436, parágrafo único, do Código Civil). Isso porque a estipulação do contrato de plano de saúde coletivo ocorre, naturalmente, em favor dos indivíduos que compõem a classe/empresa, verdadeiros beneficiários finais do serviço de atenção à saúde. Rescisão em caso de plano de saúde individual No caso de plano de saúde individual, a própria Lei nº 9.656/98 reservou um tratamento mais restritivo para eventual rescisão. O art. 13, parágrafo único, II, da Lei previu o seguinte:

    Art. 13. Os contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1º desta Lei têm renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação. Parágrafo único. Os produtos de que trata o caput, contratados individualmente, terão vigência mínima de um ano, sendo vedadas: (...) II - a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência; e

    Rescisão em caso de plano de saúde coletivo Em se tratando de plano de saúde coletivo, a operadora pode fazer a rescisão unilateral e imotivada do contrato coletivo se cumpridos três requisitos: a) o contrato contenha cláusula expressa prevendo a possibilidade de rescisão unilateral; b) o contrato esteja em vigência por período de pelo menos 12 meses; c) haja a prévia notificação da rescisão com antecedência mínima de 60 dias. Nesse sentido:

    É possível a resilição unilateral do contrato coletivo de saúde, uma vez que a norma inserta no art. 13, II, b, parágrafo único, da Lei 9.656/98 aplica-se exclusivamente a contratos individuais ou familiares. STJ. 4ª Turma. AgInt nos Edcl no ARESP 1.197.972/SP, Rel. Min. Raul Araújo, DJ 20/3/2019.

    A distinção entre os planos individuais ou familiares e as contratações de natureza coletiva concebida pela Lei nº 9.566/98 teve por objetivo conferir maior proteção aos titulares de planos individuais, diante da posição de maior vulnerabilidade do consumidor singularmente considerado e, também, inserir mecanismo destinado a permitir que, nos contratos coletivos, a pessoa jurídica contratante exerça o seu poder de barganha na fase de formação do contrato, presumindo-se que o maior número de pessoas por ela representadas desperte maior interesse da operadora do plano de saúde.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12

    Imagine agora a seguinte situação hipotética: João mantinha, há alguns anos, contrato de plano de saúde coletivo por adesão com a operadora SaúdeMix. Determinado dia, a operadora do plano de saúde (SaúdeMix) notificou João dizendo que não tinha mais interesse em manter o contrato, fazendo a resilição unilateral do pacto. O que é resilição? A resilição ocorre quando o contrato é rescindido por vontade das partes. A resilição pode ser unilateral (quando só uma das partes quis a resolução) ou bilateral (quando ambas as partes optaram por essa solução). O art. 473 do Código Civil trata sobre a resilição unilateral:

    Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

    Voltando ao caso concreto João ajuizou ação contra a SaúdeMix pedindo para ter direito de migrar para um plano de saúde individual, sem ter a necessidade de cumprir novo período de carência. A operadora do plano de saúde argumentou o seguinte: - esse tema é regido pela Resolução nº 19/1999, do CONSU (Conselho de Saúde Suplementar); - o art. 3º dessa Resolução afirma que a operadora somente é obrigada a garantir essa portabilidade se ela, além do plano de saúde coletivo, comercializar também planos de saúde individual; - ocorre que a SaúdeMix não oferece planos de saúde individual, razão pela qual João não teria direito a portabilidade. Veja os dispositivos da Resolução nº 19/1999, do CONSU:

    Art. 1º As operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde, que administram ou operam planos coletivos empresariais ou por adesão para empresas que concedem esse benefício a seus empregados, ou ex-empregados, deverão disponibilizar plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar ao universo de beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de cumprimento de novos prazos de carência. § 1º – Considera-se, na contagem de prazos de carência para essas modalidades de planos, o período de permanência do beneficiário no plano coletivo cancelado. § 2º – Incluem-se no universo de usuários de que trata o caput todo o grupo familiar vinculado ao beneficiário titular.

    Art. 2º Os beneficiários dos planos ou seguros coletivos cancelados deverão fazer opção pelo produto individual ou familiar da operadora no prazo máximo de trinta dias após o cancelamento. Parágrafo único – O empregador deve informar ao empregado sobre o cancelamento do benefício, em tempo hábil ao cumprimento do prazo de opção de que trata o caput.

    Art. 3º Aplicam-se as disposições desta Resolução somente às operadoras que mantenham também plano ou seguro de assistência à saúde na modalidade individual ou familiar.

    O pedido de João foi acolhido pelo STJ? SIM. Vamos entender com calma. Primeiro ponto importante: existe fundamento legal para a edição dessa Resolução? SIM.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13

    O art. 35-A da Lei nº 9.656/98 confere ao CONSU (Conselho de Saúde Suplementar) competência para dispor sobre a regulamentação do regime de contratação e prestação de serviços de saúde suplementar. O CONSU é um órgão colegiado integrante da estrutura regimental do Ministério da Saúde. No exercício dessa atribuição, foi editada a Resolução CONSU nº 19, de 25/03/1999, que dispõe sobre a absorção do universo de consumidores pelas operadoras de planos ou seguros de assistência à saúde que operam ou administram planos coletivos que vierem a ser liquidados ou encerrados. Como João tem direito se o art. 3º da Resolução afirma que a operadora só teria a obrigação de garantir essa portabilidade se ela mantivesse também plano de saúde na modalidade individual? O STJ afirmou que não há como fazer uma interpretação puramente literal do art. 3º da Resolução CONSU nº 19/1999, sob pena de se agravar sobremaneira a situação de vulnerabilidade do consumidor que contribuiu para o serviço, além de favorecer o exercício arbitrário do direito de resilir pelas operadoras de planos de saúde coletivos, o que não tolera o CDC, ao qual estão subordinadas. A ANS, no exercício de seu poder normativo e regulamentar acerca dos planos de saúde coletivos - ressalvados, apenas, os de autogestão -, deve observar os ditames do CDC. O diálogo das fontes entre o CDC e a Lei nº 9.656/98, com a regulamentação dada pela Resolução CONSU nº 19/1999, exige uma interpretação que atenda a ambos os interesses: ao direito da operadora, que pretende se desvincular legitimamente das obrigações assumidas no contrato celebrado com a pessoa jurídica e que não oferece plano na modalidade individual ou familiar, corresponde o dever de proteção dos consumidores (vinculados à pessoa jurídica), que contribuíram para o plano de saúde e cujo interesse é na continuidade do serviço. Desse modo, na ausência de norma legal expressa que resguarde o consumidor na hipótese de resilição unilateral do contrato coletivo pela operadora, há de se reconhecer o direito à portabilidade de carências, instituído pela Resolução ANS 186/2009, permitindo, assim, que os beneficiários possam contratar um novo plano de saúde, observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito. Essa conclusão é reforçada pelo fato de que, recentemente, a Resolução ANS 186/2009 foi revogada pela Resolução ANS 438/2018, a qual prevê, expressamente, a possibilidade de portabilidade de carências na hipótese específica de rescisão do contrato coletivo por parte da operadora ou da pessoa jurídica contratante (art. 8º, IV), dentre outras mudanças favoráveis ao consumidor, como a extinção de um período-limite para a solicitação da portabilidade (janela) e o fim da exigência de compatibilidade de cobertura para a mudança de plano. Diante desse contexto, embora não se possa coagir as recorridas a fornecer plano de saúde individual, tampouco impedi-las de extinguir o vínculo contratual existente, há de ser reconhecida a abusividade da resilição, na forma como promovida, e, por conseguinte, permitido aos recorrentes exercer devidamente o direito de dar continuidade ao serviço de assistência à saúde, sem a contagem de novo prazo de carência. Em suma:

    Os beneficiários de plano de saúde coletivo, após a resilição unilateral do contrato pela operadora, têm direito à portabilidade de carências ao contratar novo plano observado o prazo de permanência no anterior, sem o cumprimento de novos períodos de carência ou de cobertura parcial temporária e sem custo adicional pelo exercício do direito. STJ. 3ª Turma. REsp 1.732.511-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14

    DIREITO EMPRESARIAL

    RECUPERAÇÃO JUDICIAL A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência

    decretada não tem direito à conversão em recuperação judicial

    Não é permitido à concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata efetuar o pedido de recuperação judicial, nos termos do § 2º do art. 192 da Lei nº 11.101/2005.

    STJ. 4ª Turma. REsp 1.267.282-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/06/2020 (Info 677).

    Recuperação judicial A recuperação judicial consiste em um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência. Logo, em vez de a empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores. Na antiga Lei de Falências, esse processo era chamado de “concordata” (DL 7.661/45). A Lei nº 11.101/2005 acabou com a “concordata” e criou um novo instituto, com finalidade semelhante, chamado de recuperação judicial. Assim, a recuperação judicial surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos trabalhadores e os interesses dos credores. Imagine a seguinte situação hipotética: Em 2001, uma empresa pediu concordata. Como vimos acima, a concordata era um processo previsto na antiga Lei de Falências (Decreto-Lei nº 7.661/45) por meio do qual se tentava “salvar” a sociedade empresária que estava em risco de quebrar (ir à falência). Em 2004, essa empresa descumpriu as obrigações assumidas na concordata e, em razão disso, teve a sua falência decretada. Em 2005, entrou em vigor a Lei nº 11.101/2005, que revogou o DL 7.661/45 e acabou com a figura da concordata, criando um novo instituto “parecido” (mas não idêntico), chamado de “recuperação judicial”. O que acontece com falências ou concordatas que haviam sido decretadas na vigência do DL 7.661/45 e, em seguida, antes que elas fossem concluídas, entrou em vigor a Lei nº 11.101/2005? Como regra geral, os processos de falência e de concordata ajuizados antes da vigência da Lei nº 11.101/2005 continuaram regidos pelo DL 7.661/45. Foi o que previu o caput do art. 192 da Lei nº 11.101/2005:

    Art. 192. Esta Lei não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência, que serão concluídos nos termos do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

    Possibilidade de migração para a recuperação judicial O § 2º do art. 192 trouxe a possibilidade de a empresa que estava em concordata pedir a recuperação judicial. Fala-se, neste caso, que há uma migração para a recuperação judicial:

    Art. 192 (...) § 2º A existência de pedido de concordata anterior à vigência desta Lei não obsta o pedido de recuperação judicial pelo devedor que não houver descumprido obrigação no âmbito

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15

    da concordata, vedado, contudo, o pedido baseado no plano especial de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte a que se refere a Seção V do Capítulo III desta Lei.

    Essa possibilidade é interessante porque a recuperação judicial trouxe regras mais favoráveis ao soerguimento da empresa. Voltando ao nosso exemplo. A empresa pediu para que a falência decretada fosse convertida em recuperação judicial. Esse pedido pode ser acolhido? NÃO.

    A concordatária que descumpriu as obrigações assumidas na concordata e teve sua falência decretada não tem direito à conversão em recuperação judicial. STJ. 4ª Turma. REsp 1.267.282-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 23/06/2020 (Info 677).

    O artigo 48 da Lei nº 11.101/2005 prevê expressamente que o devedor falido não pode requerer recuperação judicial, e que, “se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes”. O art. 192 da referida lei, de outro lado, orienta que a lei nova não se aplica aos processos de falência ou de concordata ajuizados anteriormente ao início de sua vigência. A interpretação dos referidos textos evidencia que a recuperação judicial não pode ser deferida ao falido, independentemente da legislação de regência, pela previsão expressa, no caso da quebra decretada na vigência da atual legislação, e por sua inaplicabilidade às falências regidas pelo DL 7.661/45. Ademais, a exceção prevista no § 2º do art. 192 da Lei nº 11.101/2005 possibilita o pedido de recuperação judicial apenas ao concordatário “que não houver descumprido obrigação no âmbito da concordata”, o que não ocorreu no caso. Assim, não tem direito ao pedido de recuperação judicial a concordatária descumpridora das obrigações assumidas na concordata e que resultaram na decretação de sua falência, que deve prevalecer.

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL

    EXECUÇÃO Arma de fogo pode ser penhorada

    Importante!!!

    A arma de fogo pode ser penhorada e expropriada, desde que assegurada pelo Juízo da execução a observância das mesmas restrições impostas pela legislação de regência para a sua comercialização e aquisição.

    STJ. 2ª Turma. REsp 1.866.148-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/05/2020 (Info 677).

    Imagine a seguinte situação hipotética: Determinada autarquia ajuizou execução fiscal contra João. O juiz determinou a penhora dos bens do executado, no entanto, o único bem de valor que se encontrou foi uma pistola (arma de fogo). O magistrado decretou, então, a penhora da pistola. Vale esclarecer que João possui porte e que a arma se encontra devidamente registrada.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16

    O executado recorreu contra a decisão do juiz alegando que a aquisição de arma de fogo deve atender aos requisitos do art. 4º da Lei nº 10.825/2003, o que inviabiliza a penhora e a respectiva alienação por iniciativa particular ou por leilão judicial eletrônico ou presencial. Veja o dispositivo legal invocado:

    Art. 4º Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos: I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.

    A arma de fogo pode, ou não, ser penhorada? Pode. As hipóteses legais de impenhorabilidade estão descritas no art. 833 do CPC. Em nenhum dos incisos desse artigo está previsto que a arma de fogo seja impenhorável. Como anota a doutrina, “a regra é a da penhorabilidade, e as exceções têm de ser expressas” (BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O Novo Processo Civil Brasileiro. 29ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 238). O inciso I do art. 833 afirma que são impenhoráveis os bens inalienáveis. Seria possível enquadrar a situação em tela nesse inciso? NÃO. Isso porque as armas de fogo não são inalienáveis. Elas podem ser alienadas, desde que a comercialização e a aquisição atendam as regras do art. 4º da Lei nº 10.825/2003. Vale ressaltar que existe até mesmo um ato normativo do Ministério da Defesa (Portaria 036-DMB, de 09/12/1999), disciplinando a alienação judicial em procedimentos executivos. Confira o que diz o art. 48 dessa Portaria:

    Art. 48. É permitido o leilão de armas e munições, nas seguintes situações: I - quando determinado por autoridade judicial; e, II - nas alienações promovidas pelas Forças Armadas e Auxiliares. Parágrafo único. A participação em leilões de armas e munições só será permitida às pessoas físicas ou jurídicas, que preencherem os requisitos legais vigentes para arrematarem tais produtos controlados.

    Em suma:

    A arma de fogo pode ser penhorada e expropriada, desde que assegurada pelo Juízo da execução a observância das mesmas restrições impostas pela legislação de regência para a sua comercialização e aquisição. STJ. 2ª Turma. REsp 1.866.148-RS, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 26/05/2020 (Info 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17

    DIREITO PENAL

    ESTELIONATO A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei 13.964/2019,

    retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso?

    Importante!!!

    A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo?

    NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência.

    Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal.

    A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial.

    A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019.

    Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido.

    STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674).

    STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995).

    STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

    Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

    A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso.

    A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado.

    Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência.

    STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

    Estelionato O crime de estelionato está tipificado no art. 171 do CP:

    Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

    Qual é a ação penal no caso do crime de estelionato? O tema foi recentemente alterado pela Lei nº 13.964/2019, que ficou conhecida como “Pacote Anticrime”. Compare:

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

    QUAL É A AÇÃO PENAL NO CASO DO CRIME DE ESTELIONATO?

    Antes Depois da Lei nº 13.964/2019

    Regra geral: Ação penal pública INCONDICIONADA Exceções: art. 182 do CP

    Regra geral: ação pública CONDICIONADA à representação.

    Exceções: Será de ação penal incondicionada quando a vítima for: a) a Administração Pública, direta ou indireta; b) criança ou adolescente; c) pessoa com deficiência mental; ou d) maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

    Veja o § 5º inserido no art. 171 do CP pela Lei nº 13.964/2019:

    Art. 171. (...) § 5º Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I - a Administração Pública, direta ou indireta; II - criança ou adolescente; III - pessoa com deficiência mental; ou IV - maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz.

    Essa mudança é mais favorável ou prejudicial aos autores do crime de estelionato? Mais favorável, considerando que agora existe, como regra, uma nova condição para que o Ministério Público possa ajuizar a ação penal contra o autor do estelionato: a representação da vítima. A norma que altera a espécie de ação penal de um crime é norma de direito material ou processual? (ex: a lei determina que o crime “X” deixará de ser de ação penal pública condicionada e passará a ser de ação pública incondicionada) As normas que tratam sobre a “ação penal” possuem natureza híbrida, ou seja, são normas de direito processual penal que, no entanto, também apresentam efeitos materiais (influenciam no direito penal). A lei que dispõe sobre o tipo de ação penal aplicável a cada crime possui influência direta no jus puniendi (direito de punir do Estado), pois interfere nas causas de extinção da punibilidade, como a decadência e a renúncia ao direito de queixa. Logo, a lei que disciplina a espécie de ação penal possui também efeito material. As normas processuais são retroativas? NÃO. As leis processuais possuem aplicação imediata (tempus regit actum - art. 2º do CPP), não retroagindo para alcançar fatos anteriores à sua vigência e regulando os atos processuais a serem realizados após entrar em vigor. As normas penais são retroativas? NÃO, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da CF e art. 2º, parágrafo único, do CP). Assim, temos o seguinte:

    • Se a lei penal posterior é favorável ao réu: retroage.

    • Se a lei penal posterior é contrária ao réu: não retroage. E as normas híbridas? As leis híbridas, como possuem reflexos penais, recebem o mesmo tratamento que as normas penais no que tange à sua aplicação no tempo. Logo, as normas híbridas não retroagem, salvo se para beneficiar o réu. Desse modo, a norma que altera a espécie de ação penal de um crime não retroage, salvo se for para beneficiar o réu.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19

    Ex: antes da Lei nº 9.099/95, o crime de lesão corporal leve era de ação penal pública incondicionada; depois da Lei, esse delito passou a ser de ação penal pública condicionada. Isso é mais benéfico para o réu que responde ao processo? Sim, porque na ação penal pública condicionada existe a possibilidade de renúncia e de decadência, que não são permitidas na ação pública incondicionada. Logo, a lei foi retroativa nesse ponto. Ex2: o crime de injúria racial era de ação penal privada e, por força da Lei nº 12.033/2009, passou a ser de ação penal pública condicionada à representação. Essa Lei é mais benéfica para o réu? Não, porque limita as causas de extinção da punibilidade. Logo, para as pessoas que cometeram o delito antes da Lei nº 12.033/2009, a ação continua sendo privada, não retroagindo a lei. Isso significa que essa alteração irá retroagir para alcançar fatos anteriores à sua vigência? SIM. O § 5º do art. 171 do CP apresenta caráter híbrido (norma mista) e, além disso, é mais favorável ao autor do fato. Logo, tem caráter retroativo. A dúvida, no entanto, reside na extensão dessa retroatividade:

    A mudança na ação penal do crime de estelionato, promovida pela Lei nº 13.964/2019, retroage para alcançar os processos penais que já estavam em curso? Mesmo que já houvesse denúncia oferecida, será necessário intimar a vítima para que ela manifeste interesse na continuidade do processo? NÃO. É a posição amplamente majoritária na jurisprudência. Não retroage a norma prevista no § 5º do art. 171 do CP, incluída pela Lei 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), que passou a exigir a representação da vítima como condição de procedibilidade para a instauração de ação penal, nas hipóteses em que o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor do novo diploma legal. A retroatividade da representação prevista no § 5º do art. 171 do CP deve se restringir à fase policial. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, não afeta os processos que já estavam em curso quando entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019. Assim, se já havia denúncia oferecida quando entrou em vigor a nova Lei, não será necessária representação do ofendido. STJ. 5ª Turma. HC 573.093-SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2020 (Info 674). STF. 1ª Turma. HC 187341/SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 13/10/2020 (Info 995). STF. 2ª Turma. ARE 1230095 AgR, Rel. Gilmar Mendes, julgado em 24/08/2020.

    Registre-se a posição minoritária da 6ª Turma do STJ, que deve ser superada em breve:

    A retroatividade da representação prevista § 5º do art. 171 alcança todos os processos em curso. A exigência de representação no crime de estelionato, trazida pelo Pacote Anticrime, afeta não apenas os inquéritos, mas também os processos em curso, desde que ainda não tenham transitado em julgado. Assim, mesmo que já houvesse denúncia oferecida quando a Lei entrou em vigor, o juiz deverá intimar a vítima para manifestar interesse na continuidade da persecução penal, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência. STJ. 6ª Turma. HC 583.837/SC, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 04/08/2020 (Info 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20

    CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS O crime previsto no art. 1°, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967 se perfectibiliza quando há uma

    clara intenção de descumprir os prazos para a prestação de contas

    Importante!!!

    Se tiver havido a entrega da prestação de contas em momento posterior ao estipulado, mas se não tiver ficado suficientemente demonstrada a intenção de atrasar e de descumprir os prazos previstos para se prestar contas, não haverá crime por falta de elemento subjetivo (dolo).

    Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: (...) VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título;

    STJ. 6ª Turma. REsp 1695266/PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/06/2020 (Infos 676 e 677).

    Imagine a seguinte situação hipotética: João, na qualidade de Prefeito de um Município do interior, assinou dois convênios com a FUNASA por meio do qual esta Fundação repassou R$ 3 milhões à Administração Municipal para serem investidos em serviços de saúde à população. Uma das obrigações dos convênios era a de que o Município precisaria prestar contas à FUNASA sobre como o dinheiro foi investido. O Município tinha até 20/12/2013 para prestar contas quanto ao primeiro convênio e até 17/12/2014 para prestar contas no que tange ao segundo convênio. Ocorre que esses prazos não foram cumpridos e o Município somente prestou contas em 25/02/2015 (quanto ao primeiro convênio) e em 25/6/2015 (no que tange ao segundo convênio). Diante disso, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra João pela prática do crime previsto no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967:

    Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores: VII - Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer título; (...) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

    No caso concreto, o crime restou configurado? NÃO. Isso porque faltou o elemento subjetivo (dolo). Embora tenha havido a entrega da prestação de contas em momento posterior ao estipulado, ainda que mais de uma, não ficou devidamente caracterizado o dolo na conduta do agente. Não ficou suficientemente demonstrada a intenção de atrasar e de descumprir os prazos previstos para se prestar contas. Para a configuração, ou não, desse crime, é necessário que sejam avaliadas as circunstâncias do caso concreto de forma que, mesmo se constatando a intempestividade da prestação de contas pelo Prefeito, ainda assim será possível afastar a prática do crime, por ausência do elemento volitivo, especificamente o dolo, em situações em que o atraso seja mínimo, tal como no caso, ou plenamente justificável.

    Em suma:

    O crime previsto no art. 1º, VII, do Decreto-Lei nº 201/1967 se perfectibiliza quando há uma clara intenção de descumprir os prazos para a prestação de contas. STJ. 6ª Turma. REsp 1695266/PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 23/06/2020 (Infos 676 e 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21

    DIREITO PROCESSUAL PENAL

    MEDIDAS CAUTELARES É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela

    demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal

    É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes

    Importante!!!

    É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal

    As normas do processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal (art. 3º do CPP).

    O poder geral de cautela do processo civil também pode ser aplicado, em regra, ao processo penal. O emprego de cautelares inominadas só é proibido no processo penal se atingir a liberdade de ir e vir do indivíduo.

    Diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, é possível sua aplicação em demandas penais.

    Assim, o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa.

    Vale ressaltar que essa multa não se confunde com a multa por litigância de má-fé. A multa por litigância de má-fé não é admitida no processo penal.

    STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

    É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes

    Por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud.

    STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

    Imagine a seguinte situação adaptada: Foi instaurado inquérito policial para apurar o crime do art. 241-a do ECA:

    Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente: Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

    O juiz acolheu representação da autoridade policial e determinou ao Facebook que fornecesse dados cadastrais, logs de acesso, dados armazenados, inclusive fotografias exibidas, álbuns de fotos, vídeos, recados, depoimentos, listas de amigos do investigado e de comunidades das quais o perfil dele fosse membro. O magistrado fixou multa de R$ 10 mil por dia de descumprimento. O Facebook cumpriu a determinação judicial com 10 dias de atraso.

    Principais características da multa cominatória (astreinte) • Essa multa coercitiva tornou-se conhecida no Brasil pelo nome de astreinte em virtude de ser semelhante (mas não idêntica) a um instituto processual previsto no direito francês e que lá assim é chamado.

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22

    • A finalidade dessa multa é coercitiva, isto é, pressionar o devedor a realizar a prestação. Trata-se de uma técnica judicial de coerção indireta. • Apresenta um caráter híbrido, possuindo traços de direito material e também de direito processual. • Não tem finalidade ressarcitória, tanto é que pode ser cumulada com perdas e danos. • Pode ser imposta pelo juiz de ofício ou a requerimento. • Apesar de no dia-a-dia ser comum ouvirmos a expressão “multa diária”, essa multa pode ser estipulada também em meses, anos ou até em horas. O CPC/2015, corrigindo essa questão, não fala mais em “multa diária”, utilizando simplesmente a palavra “multa”. • Atualmente, essa multa encontra-se disciplinada nos arts. 536 e 537 do CPC. Voltando ao caso concreto: o juiz poderia ter fixado essa multa? É possível que o juízo criminal imponha multa mesmo que o destinatário não seja investigado ou réu? SIM.

    É possível a fixação de astreintes em desfavor de terceiros, não participantes do processo, pela demora ou não cumprimento de ordem emanada do Juízo Criminal. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

    O Código de Processo Penal trata sobre multa cominatória (astreintes)? NÃO. Não se trata, contudo, de um óbice à aplicação das astreintes. Isso porque essa multa é prevista no CPC e as normas de processo civil aplicam-se de forma subsidiária ao processo penal. Essa é a conclusão a que chega a doutrina e a jurisprudência a partir da leitura do art. 3º do CPP:

    Art. 3º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

    Desse modo, é possível a aplicação das normas processuais civis ao processo penal, desde que haja lacuna a ser suprida. A lei processual penal não tratou, detalhadamente, de todos os poderes conferidos ao julgador no exercício da jurisdição. Portanto, quando houver omissão, legitima-se a aplicação subsidiária do CPC. Multa cominatória é um instrumento para que as decisões judiciais tenham efetividade (sejam cumpridas na prática) A multa cominatória surge, no direito brasileiro, como uma alternativa à crise de inefetividade das decisões. Trata-se de um meio de se “infiltrar na vontade humana” até então intangível e, por coação psicológica, demover o particular de possível predisposição de descumprir determinada obrigação. Diante da finalidade da multa cominatória, que é conferir efetividade à decisão judicial, deve-se concluir pela possibilidade de sua aplicação em demandas penais. Um dos fundamentos para a aplicação da multa cominatória é o poder geral de cautela do juiz. Admite-se o chamado “poder geral de cautela” no processo penal? O tema é polêmico, no entanto, prevalece na jurisprudência do STJ que SIM. O poder geral de cautela do processo civil também pode ser aplicado, em regra, ao processo penal. O emprego de cautelares inominadas só é proibido no processo penal se atingir a liberdade de ir e vir do indivíduo. Nas palavras do Min. Ribeiro Dantas:

    “Aplica-se o poder geral de cautela ao processo penal, só havendo restrição a ele, conforme reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, na ADPF 444/DF, no que diz respeito às cautelares pessoais, que de alguma forma restrinjam o direito de ir e vir da pessoa. O princípio do nemo tenetur se detegere e da vedação à analogia in malam partem são garantias em favor da defesa (ao investigado, ao indiciado, ao acusado, ao réu e ao condenado), não se

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23

    estendendo a quem não esteja submetido à persecução criminal. Até porque, apesar de ocorrer incidentalmente em uma relação jurídico-processual-penal, não existe risco de privação de liberdade de terceiros instados a cumprir a ordem judicial, especialmente no caso dos autos, em que são pessoas jurídicas. Trata-se, pois, de poder conferido ao juiz, inerente à própria natureza cogente das decisões judiciais.”

    Confira recente julgado do STJ:

    Além do mais, por força do poder geral de cautela, de forma excepcional e motivada, não há óbice ao magistrado impor ao investigado ou acusado medida cautelar atípica, a fim de evitar a prisão preventiva, isto é, mesmo que não conste literalmente do rol positivado no art. 319 do CPP, o alcance das hipóteses típicas pode ser ampliado para, observados os ditames do art. 282 do CPP, aplicar medida constritiva adequada e necessária à espécie ou, ainda, pode ser aplicada medida prevista em outra norma do ordenamento. STJ. 6ª Turma. HC 469.453/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 19/09/2019.

    Teoria dos poderes implícitos A teoria dos poderes implícitos também é um fundamento autônomo que, por si só, justificaria a aplicação de astreintes pelos magistrados. Nesse sentido:

    A legalidade da imposição de astreintes a terceiros descumpridores de decisão judicial encontra amparo também na teoria dos poderes implícitos, segundo a qual, uma vez estabelecidas expressamente as competências e atribuições de um órgão estatal, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ele está implicitamente autorizado a utilizar os meios necessários para poder exercer essas competências. Nessa toada, se incumbe ao magistrado autorizar a quebra de sigilo de dados telemáticos, pode ele se valer dos meios necessários e adequados para fazer cumprir sua decisão, tanto mais quando a medida coercitiva imposta (astreintes) está prevista em lei. STJ. 5ª Turma. AgRg no RMS 55.050/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/10/2017.

    No caso, o Facebook não é investigado nem réu. Isso significa que ele não é parte, mas sim terceiro. É possível que as astreintes incidam sobre “terceiro” no processo penal? SIM. Sem dúvidas quanto a isso. No processo penal, a irregularidade não se verifica quando imposta a multa coativa a terceiro. Haveria sim invalidade se essa multa incidisse sobre o réu. Isso porque nesse caso teríamos uma clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Portanto, não há óbices à aplicação da multa cominatória a terceiros, ainda que em sede de processo penal. Vale observar, a propósito, a existência de dispositivos expressos, no Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro que não colabora com a justiça criminal. É o caso, por exemplo, do art. 219 (multa para a testemunha faltosa) e do art. 436, § 2º (multa para quem se recusa injustificadamente a participar como jurado). Marco Civil da Internet No caso concreto, tem-se um outro elemento importante. O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) prevê expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros e conteúdos:

    Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. (...)

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24

    § 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º.

    Art. 12. Sem prejuízo das demais sanções cíveis, criminais ou administrativas, as infrações às normas previstas nos arts. 10 e 11 ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções, aplicadas de forma isolada ou cumulativa: (...) II - multa de até 10% (dez por cento) do faturamento do grupo econômico no Brasil no seu último exercício, excluídos os tributos, considerados a condição econômica do infrator e o princípio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção;

    No ponto, poderia surgir a dúvida quanto à aplicabilidade das astreintes a terceiro não integrante da relação jurídico-processual . Entretanto, é curioso notar que, no processo penal, a irregularidade não se verifica quando imposta a multa coativa a terceiro. Haveria, sim, invalidade se ela incidisse sobre o réu, pois ter-se-ia clara violação ao princípio do nemo tenetur se detegere. Na prática jurídica, não se verifica empecilho à aplicação ao terceiro e, na doutrina majoritária, também se entende que o terceiro pode perfeitamente figurar como destinatário da multa. Ademais, não é exagero lembrar, ainda, que o Marco Civil da Internet traz expressamente a possibilidade da aplicação de multa ao descumpridor de suas normas quanto à guarda e disponibilização de registros conteúdos. Por fim, vale observar, a propósito, a existência de dispositivos expressos, no próprio Código de Processo Penal, que estipulam multa ao terceiro que não colabora com a justiça criminal (arts. 219 e 436, § 2º). Astreintes não é o mesmo que multa por litigância de má-fé Cuidado para não confundir. A multa cominatória é diferente da multa por litigância de má-fé. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a multa por litigância de má-fé não tem previsão no CPP e não pode ser aplicada ao processo penal.

    É pacífico o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que, em virtude da vedação à analogia in malam partem e pela ausência de disposição expressa no Código de Processo Penal, é descabida a imposição de multa por litigância de má-fé em processos de natureza criminal. STJ. 6ª Turma. HC 452.713/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 25/09/2018.

    Veja como o tema já foi cobrado em prova:

    (Analista MPE/CE 2020 CEBRASPE) O STJ admite, por analogia, a imposição de multa por litigância de má-fé em processo penal. (errado)

    (Promotor MP/GO 2019) Consoante jurisprudência dominante do STJ, no âmbito do processo penal é incabível a fixação de multa por litigância de má-fé à defesa que abusa do direito de recorrer, interpondo, por exemplo, inúmeros recursos vazios e infundados de natureza evidentemente protelatória, tão somente com o intuito de procrastinar o trânsito em julgado da condenação. (certo)

    É possível ao juízo criminal efetivar o bloqueio via Bacen-Jud ou a inscrição em dívida ativa dos valores arbitrados a título de astreintes? SIM.

    Por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud. STJ. 3ª Seção. REsp 1.568.445-PR, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Rel. Acd. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/06/2020 (Info 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25

    Uma vez intimada a pessoa jurídica para o cumprimento da ordem judicial, o que se espera é a sua concretização. No entanto, caracterizada a mora no seu cumprimento, o magistrado não pode ficar à mercê de um procedimento próprio à espera da realização da ordem, que pode não ser cumprida. Em razão da natureza das astreintes e do poder geral de cautela do magistrado, este deve ter uma maneira para estimular o terceiro ao cumprimento da ordem judicial, sobretudo pela relevância para o deslinde de condutas criminosas. Fica-se, então, na ponderação entre esses valores: de um lado, o interesse da coletividade, que pode ser colocado a perder pelo descumprimento ou mora; do outro, o patrimônio eventualmente constrito, que, inclusive, pode ser posteriormente liberado. Por fim, é importante enfatizar não haver um procedimento legal específico, nem tampouco previsão de instauração do contraditório. Como visto, por derivar do poder geral de cautela, cabe ao magistrado, diante do caso concreto, avaliar qual a melhor medida coativa ao cumprimento da determinação judicial, não havendo impedimento ao emprego do sistema Bacen-Jud. Caso ocorra o descumprimento e haja o recolhimento da multa, quem será o destinatário dos valores? • No processo civil: o valor da multa deve ser revertido em favor da pessoa que seria beneficiada com a conduta que deveria ter sido cumprida. É que o prevê atualmente, de forma expressa, o art. 537, § 2º do CPC:

    Art. 537 (...) § 2º O valor da multa será devido ao exequente.

    • No processo penal: os valores deverão ser revertidos ao Estado (em sentido amplo). Logo, se aplicada a multa pela Justiça federal, eventuais valores bloqueados serão revertidos em favor da União; se, porém, a medida foi adotada pela Justiça estadual, os valores deverão ficar com o Estado-membro respectivo.

    INFILTRAÇÃO POLICIAL Não haverá infiltração policial se o agente apenas representa a vítima nas negociações de extorsão

    GRAVAÇÃO AMBIENTAL É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro

    AÇÃO CONTROLADA Ação controlada do art. 8º, § 1º da Lei nº 12.850/2013

    exige apenas comunicação prévia (e não autorização judicial)

    INVESTIGAÇÃO CRIMINAL Possibilidade de auxílio da agência de inteligência ao MP estadual

    Importante!!!

    Não haverá infiltração policial se o agente apenas representa a vítima nas negociações de extorsão

    Não há infiltração policial quando agente lotado em agência de inteligência, sob identidade falsa, apenas representa o ofendido nas negociações da extorsão, sem se introduzir ou se infiltrar na organização criminosa com o propósito de identificar e angariar a confiança de seus membros ou obter provas sobre a estrutura e o funcionamento do bando.

    STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26

    É lícita a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro

    As inovações do Pacote Anticrime na Lei n. 9.296/1996 não alteraram o entendimento de que é lícita a prova consistente em gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem conhecimento do outro.

    STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

    Ação controlada do art. 8º, § 1º da Lei nº 12.850/2013 exige apenas comunicação prévia (e não autorização judicial)

    A ação controlada prevista no § 1º do art. 8º da Lei nº 12.850/2013 independe de autorização, bastando sua comunicação prévia à autoridade judicial.

    STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

    Possibilidade de auxílio da agência de inteligência ao MP estadual

    É legal o auxílio da agência de inteligência ao Ministério Público Estadual durante procedimento criminal instaurado para apurar graves crimes em contexto de organização criminosa.

    STJ. 6ª Turma. HC 512.290-RJ, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 18/08/2020 (Info 677).

    SITUAÇÃO HIPOTÉTICA

    Imagine a seguinte situação hipotética: João e Pedro, dois fiscais do Instituto de Proteção Ambiental, foram até determinada empresa com o intuito de averiguar a ocorrência de supostos ilícitos ambientais. Esses dois fiscais disseram ao proprietário da empresa que havia inúmeras irregularidades no local e exigiram R$ 100 mil para não lavrarem auto de infração. O proprietário pagou R$ 20 mil na hora e combinou de entregar os R$ 80 mil restantes na semana seguinte. O responsável pela empresa relatou o fato ao Ministério Público que decidiu investigar diretamente o caso, requisitando o auxílio da agência de inteligência da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, que organizou um plano para reunir provas e prender em flagrante os fiscais. Alguns dias depois, João ligou para o celular do proprietário da empresa. Como parte do plano, quem atendeu a chamada foi Ricardo (policial militar que estava cedido à agência de inteligência). Ele se identificou como sendo Tiago, gerente da empresa. João exigiu o restante do pagamento e Ricardo combinou um local para entregar a quantia. João explicou que, por questões de segurança dele, quem iria pegar o dinheiro seria Lucas, um dos seus comandados. Assim, no dia designado, Ricardo/Tiago foi até o local ajustado e encontrou com Lucas. Ricardo/Tiago se identificou como policial, explicou que Lucas também estava praticando crime e ofereceu a ele que poderia fazer um acordo de colaboração premiada. Ele aceitou, o acordo foi homologado pela Justiça e passou a cooperar com as investigações. Lucas foi entregar o dinheiro da propina para João e Pedro e, com um celular escondido, gravou toda a conversa na qual os servidores confessaram a prática deste e de outros delitos. HOUVE, NO CASO, INFILTRAÇÃO POLICIAL?

    Prova ilícita João, Pedro e outros membros da organização criminosa foram denunciados pela prática de extorsão. No processo, suscitaram a ilicitude das provas colhidas. Isso porque, segundo alegou a defesa, no caso concreto, houve uma “infiltração policial”, técnica de investigação que somente pode ser realizada com prévia autorização judicial, conforme exige o art. 10 da Lei nº 12.850/2013:

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    Informativo 677-STJ (11/09/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27

    Art. 10. A infiltração de agentes de polícia em tarefas de investigação, representada pelo delegado de polícia ou requerida pelo Ministério Público, após manifestação técnica do delegado de polícia quando solicitada no curso de inquérito policial, será precedida de circunstanciada, motivada e sigilosa autorização judicial, que estabelecerá seus limites.

    A defesa dos acusados alegou, portanto, que Ricardo atuou como policial infiltrado, sob identidade falsa (Tiago), e que isso só seria permitido s