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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 632-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO ACUMULAÇÃO DE CARGOS Possibilidade de acumulação de cargos mesmo que a jornada semanal ultrapasse 60h. TEMAS DIVERSOS Concessionária de energia elétrica não pode cobrar a multa do art. 4º, parágrafo único do DL 2.432/88 dos órgãos públicos usuários do serviço. DIREITO CIVIL PRESCRIÇÃO Prazo prescricional na responsabilidade contratual é de 10 anos e na responsabilidade extracontratual 3 anos. CONTRATO DE LOCAÇÃO A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao adquirente. LEASING É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado. ALIMENTOS O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou quase toda a dívida e que, portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento substancial. DIREITO DO CONSUMIDOR DIREITO À INFORMAÇÃO A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual. PLANO DE SAÚDE Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico, sob o fundamento de que sua utilização está fora das indicações descritas na bula (uso off-label). Direito de o ex-empregado continuar beneficiário em plano de saúde coletivo empresarial. DIREITO EMPRESARIAL SOCIEDADES A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde pelos prejuízos causados pela venda indevida de ações mediante uso de procuração falsa. DIREITO PROCESSUAL CIVIL CAUÇÃO Não é necessária a prestação da caução do art. 83 do CPC/2015 para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil.

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1

Informativo comentado: Informativo 632-STJ

Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO

ACUMULAÇÃO DE CARGOS Possibilidade de acumulação de cargos mesmo que a jornada semanal ultrapasse 60h.

TEMAS DIVERSOS Concessionária de energia elétrica não pode cobrar a multa do art. 4º, parágrafo único do DL 2.432/88 dos órgãos

públicos usuários do serviço.

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO Prazo prescricional na responsabilidade contratual é de 10 anos e na responsabilidade extracontratual 3 anos.

CONTRATO DE LOCAÇÃO A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa

ser oposta ao adquirente.

LEASING É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar a vigência mínima

estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado.

ALIMENTOS O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou quase toda a dívida e que,

portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento substancial.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO À INFORMAÇÃO A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito à

autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual.

PLANO DE SAÚDE Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico, sob o fundamento de que sua utilização está fora

das indicações descritas na bula (uso off-label). Direito de o ex-empregado continuar beneficiário em plano de saúde coletivo empresarial.

DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde pelos prejuízos causados

pela venda indevida de ações mediante uso de procuração falsa.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CAUÇÃO Não é necessária a prestação da caução do art. 83 do CPC/2015 para o ajuizamento de ação por sociedade

empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil.

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2

SUSPENSÃO DO PROCESSO É admissível a emenda à inicial, antes da citação, para a substituição de executado pelo seu espólio, em execução

ajuizada em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação.

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENHA Não se pode decretar a preventiva do autor de contravenção penal mesmo que ele tenha praticado o fato no âmbito

de violência doméstica e mesmo que tenha descumprido medida protetiva a ele imposta.

LEI DE DROGAS A condenação pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA Não se pode decretar a preventiva do autor de contravenção penal mesmo que ele tenha praticado o fato no âmbito

de violência doméstica e mesmo que tenha descumprido medida protetiva a ele imposta.

PROGRESSÃO DE REGIME A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena

não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar.

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar a vigência mínima

estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado.

DIREITO ADMINISTRATIVO

ACUMULAÇÃO DE CARGOS Possibilidade de acumulação de cargos mesmo que a jornada semanal ultrapasse 60h

Tema polêmico!

A acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal.

O único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública.

STF. 1ª Turma. RE 1.094.802 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/5/2018.

STF. 2ª Turma. RMS 34257 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/06/2018.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.746.784-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/08/2018 (Info 632).

É possível que a pessoa acumule mais de um cargo ou emprego público? REGRA: NÃO. A CF/88 proíbe a acumulação remunerada de cargos ou empregos públicos.

EXCEÇÕES: a própria CF/88 prevê exceções a essa regra. Veja o que dispõe o art. 37, XVI:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

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No caso dos servidores públicos federais, importante mencionar que o tema foi regulamentado pela Lei nº 8.112/90:

Art. 118. Ressalvados os casos previstos na Constituição, é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos. (...) § 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica condicionada à comprovação da compatibilidade de horários.

Parecer-AGU nº GQ-145/98 Com o objetivo de disciplinar a matéria, a Advocacia Geral da União (AGU) emitiu o parecer nº GQ-145, vinculante, afirmando que o servidor somente poderá acumular cargos se houver compatibilidade de horário e desde que a jornada máxima não ultrapasse 60 horas semanais. Assim, para a AGU, mesmo que exista compatibilidade de horários, se a jornada semanal ficar acima de 60 horas, a acumulação não será permitida, considerando que o servidor estaria muito cansado e isso atrapalharia seu desempenho funcional, em prejuízo ao princípio constitucional da eficiência. TCU Acórdão 2.133/05 A jurisprudência do TCU também tem se manifestado no mesmo sentido da AGU, admitindo como limite máximo em casos de acumulação de cargos ou empregos públicos a jornada de trabalho de 60 horas semanais. É o caso, por exemplo, do Acórdão 2.133/05. Os servidores não concordaram com este entendimento e recorreram à Justiça para que pudessem manter a acumulação de cargos mesmo se a jornada semanal for superior a 60 horas. A jurisprudência acolhe o pedido dos servidores? É possível que o servidor acumule dois cargos públicos mesmo que a soma das jornadas ultrapasse 60 horas semanais? SIM. O tema é polêmico. No entanto, a posição mais atual e majoritária é no sentido de que é possível a acumulação de cargos mesmo que a jornada semanal ultrapasse 60h:

A acumulação de cargos públicos de profissionais da área de saúde, prevista no art. 37, XVI, da CF/88, não se sujeita ao limite de 60 horas semanais previsto em norma infraconstitucional, pois inexiste tal requisito na Constituição Federal. O único requisito estabelecido para a acumulação é a compatibilidade de horários no exercício das funções, cujo cumprimento deverá ser aferido pela administração pública. STF. 1ª Turma. RE 1.094.802 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 11/5/2018. STF. 2ª Turma. RMS 34257 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 29/06/2018. STJ. 2ª Turma. REsp 1.746.784-PE, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 23/08/2018 (Info 632).

O fundamento é constitucional. Ora, a Constituição Federal em nenhum momento exigiu que a jornada semanal dos dois cargos fosse de até 60 horas. O texto constitucional exigiu apenas que haja compatibilidade de horários. Logo, essa exigência feita de que a jornada seja de até 60 horas está além daquilo que a Constituição impôs, sendo, portanto, ilegítima. Tema polêmico Ressalto, mais uma vez, que o tema é polêmico e ainda podem ser encontradas decisões recentes, inclusive do STJ, em sentido contrário ao que foi explicado acima. No entanto, penso que a posição exposta é, por enquanto, a majoritária. Continuarei monitorando o assunto e, qualquer novidade, você será alertada(o).

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4

TEMAS DIVERSOS Concessionária de energia elétrica não pode cobrar a multa do art. 4º,

parágrafo único do DL 2.432/88 dos órgãos públicos usuários do serviço

A concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do art. 4º do Decreto-Lei nº 2.432/88.

A multa prevista no parágrafo único do art. 4º do DL 2.432/88 refere-se aos contratos de compra e venda de energia elétrica entre concessionárias de serviço público de energia elétrica, não sendo aplicada para as relações entre a concessionária e os usuários do seu serviço, ou seja, não é uma multa a ser cobrada dos clientes (usuários finais).

STJ. 1ª Turma. REsp 1.396.808-AM, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/08/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: Amazonas Energia S.A. é uma sociedade de economia mista, sob controle acionário da União. Ela é a concessionária de fornecimento de energia elétrica para o Amazonas, ou seja, é a empresa responsável pela prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica no Estado. A Amazonas Energia celebrou um contrato com o Ministério do Exército (União) para fornecimento de energia elétrica aos quartéis e demais instalações militares do Exército localizados no Amazonas. Ocorre que o Exército atrasou o pagamento das faturas. Diante disso, a concessionária cobrou as faturas e, somado a isso, exigiu também o pagamento da multa prevista no art. 4º, parágrafo único do Decreto-Lei nº 2.432/88. Obs1: os decretos-leis existiam antes da CF/88 e foram recepcionados pela atual Constituição com força de lei, ou seja, são atos normativos equiparados à lei. Obs2: o DL 2.432/88 prevê normas para garantir o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias de serviços públicos de energia elétrica. Vejamos o que diz o art. 4º, parágrafo único do DL 2.432/88 invocado pela Amazonas Energia como fundamento para a cobrança da multa:

Art. 4º (...) Parágrafo único. O atraso no pagamento de faturas de fornecimento de energia elétrica implicará, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação vigente, em multa (...)

Agiu corretamente a concessionária? É possível exigir o pagamento desta multa? NÃO.

A concessionária de fornecimento de energia elétrica não pode exigir de órgão público, usuário do serviço, multa por inadimplemento no pagamento de fatura, fundamentada no parágrafo único do art. 4º do Decreto-Lei nº 2.432/88. STJ. 1ª Turma. REsp 1.396.808-AM, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 14/08/2018 (Info 632).

A interpretação de um parágrafo de artigo deve sempre levar em consideração o caput. Isso porque os parágrafos de um artigo são dependentes e possuem total relação com o caput. Assim, para se entender de que multa o parágrafo único está tratando, é indispensável examinar o caput do dispositivo, que diz o seguinte:

Art. 4º O atraso no recolhimento mensal de quotas anuais de reversão e compensação, das quotas mensais de rateio de ônus e vantagens decorrentes de consumo de combustíveis fósseis a que se refere o § 9º do art. 1º deste decreto-lei e pagamento de conta relativa à compra-e-venda de energia elétrica entre concessionárias de serviços públicos de energia elétrica implicará, além da atualização monetária do montante a pagar, com base na variação das Obrigações do Tesouro

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Nacional - OTN, na incidência de juros de mora de um por cento ao mês sobre o valor corrigido do débito, calculado pro rata tempore e multa de dez por cento sobre o montante final, que terão a mesma destinação do principal. Parágrafo único. O atraso no pagamento de faturas de fornecimento de energia elétrica implicará, sem prejuízo de outras penalidades previstas na legislação vigente, em multa (...)

A redação do caput é meio confusa e repleta de termos técnicos. No entanto, em resumo, ele está tratando sobre “compra e venda de energia elétrica entre concessionárias de serviço público de energia elétrica”. Ex: imagine que a Amazonas Energia vendeu energia elétrica para a Companhia Energética de Roraima (concessionária responsável por distribuir energia naquele Estado). Neste caso, seria possível a cobrança da referida multa. Assim, a multa prevista no parágrafo único do art. 4º do DL 2.432/88 não se refere a relações entre a concessionária e os usuários do seu serviço, ou seja, não é uma multa cobrada dos clientes (usuários finais). Logo, conclui-se que não havia supedâneo (suporte) legal para a concessionária ter exigido do Comando do Exército (União) o pagamento desta multa.

DIREITO CIVIL

PRESCRIÇÃO Prazo prescricional na responsabilidade contratual é de 10 anos

e na responsabilidade extracontratual é de 3 anos

Importante!!!

É decenal o prazo prescricional aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual.

É adequada a distinção dos prazos prescricionais da pretensão de reparação civil advinda de responsabilidades contratual e extracontratual.

Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade CONTRATUAL, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/2002) que prevê 10 anos de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002, com prazo de 3 anos.

Para fins de prazo prescricional, o termo “reparação civil” deve ser interpretado de forma restritiva, abrangendo apenas os casos de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual.

Resumindo. O prazo prescricional é assim dividido:

• Responsabilidade civil extracontratual (reparação civil): 3 anos (art. 206, § 3º, V, do CC).

• Responsabilidade contratual (inadimplemento contratual): 10 anos (art. 205 do CC).

STJ. 2ª Seção. EREsp 1.280.825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/06/2018 (Info 632).

Prazo prescricional para “pretensão de reparação civil” O art. 206, § 3º, V, do Código Civil estabelece o prazo prescricional de 3 anos para pretensões relacionadas com “reparação civil”. Veja:

Art. 206. Prescreve: (...)

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6

§ 3º Em três anos: (...) V - a pretensão de reparação civil;

Esse prazo se aplica para responsabilidade contratual e extracontratual? O termo “reparação civil”, constante do art. 206, § 3º, V, do CC/2002, deve ser interpretado de maneira ampla? NÃO. Este prazo prescricional de 3 anos se aplica apenas para a responsabilidade extracontratual. No caso de responsabilidade contratual, o prazo prescricional é de 10 anos, nos termos do art. art. 205 CC/2002:

Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.

Foi como decidiu o STJ:

É decenal o prazo prescricional aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento contratual. Nas controvérsias relacionadas à responsabilidade CONTRATUAL, aplica-se a regra geral (art. 205 CC/2002) que prevê 10 anos de prazo prescricional e, quando se tratar de responsabilidade extracontratual, aplica-se o disposto no art. 206, § 3º, V, do CC/2002, com prazo de 3 anos. Para fins de prazo prescricional, o termo “reparação civil” deve ser interpretado de forma restritiva, abrangendo apenas os casos de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual. STJ. 2ª Seção. EREsp 1.280.825-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 27/06/2018 (Info 632).

Prazo prescricional • Responsabilidade civil extracontratual (reparação civil): 3 anos (art. 206, § 3º, V, do CC). • Responsabilidade contratual (ilícito contratual): 10 anos (art. 205 do CC).

Nas palavras da Min. Nancy Andrighi:

“Em conclusão, para o efeito da incidência do prazo prescricional, o termo “reparação civil” não abrange a composição da toda e qualquer consequência negativa, patrimonial ou extrapatrimonial, do descumprimento de um dever jurídico, mas apenas as consequências danosas do ato ou conduta ilícitos em sentido estrito e, portanto, apenas para as hipóteses de responsabilidade civil extracontratual.”

Intepretação literal Todas as vezes em que o Código Civil de 2002 falou em “reparação civil”, ele tratou de casos relacionados com a responsabilidade civil extracontratual. Quando o Código tratou sobre inadimplemento contratual (exs: arts. 389 a 405), ele não utilizou, em nenhum momento, a expressão “reparação civil”. Dessa forma, partindo-se de uma interpretação literal do texto normativo, compreende-se que o termo “reparação civil” foi utilizado pelo legislador apenas quando pretendeu se referir à responsabilidade extracontratual. Logo, o art. 206, § 3º, V, ao falar em “reparação civil”, está se referindo tão somente à responsabilidade extracontratual. Interpretação com base nas diferenças entre os institutos No direito privado brasileiro, a responsabilidade extracontratual é historicamente tratada de modo distinto da contratual por um motivo muito simples: são fontes de obrigações muito diferentes, com fundamentos jurídicos diversos.

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7

Essa diferença fática e jurídica impõe o tratamento distinto do prazo prescricional, pois a violação a direito absoluto e o inadimplemento de um direito de crédito são situações diferentes. Uma diferença, por exemplo, está no grau de proximidade das partes envolvidas. Na responsabilidade extracontratual (ex: um atropelamento de trânsito), os sujeitos encontram-se em um grau maior de distanciamento. Em outras palavras, as partes muitas vezes nem se conheciam antes do ato ilícito. Por outro lado, na responsabilidade por inadimplemento contratual (descumprimento de contrato), as partes já se conheciam, havia uma relação prévia entre elas, tanto que negociaram e fizeram um ajuste. Assim, normalmente, há um mínimo de confiança entre as partes, e o dever de indenizar da responsabilidade contratual encontra seu fundamento na garantia da confiança legítima entre elas. Cuidado com o Enunciado 419 da Jornada de Direito Civil Risque de seus materiais de estudo o enunciado 419 da V Jornada de Direito Civil, considerando que o entendimento ali exposto está em confronto com o STJ: Enunciado 419-CJF: O prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual.

CONTRATO DE LOCAÇÃO A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis

é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao adquirente

A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao adquirente.

É o que prevê a Lei nº 8.245/91:

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.669.612-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 07/08/2018 (Info 632).

O que acontece se determinado imóvel, que está alugado, for vendido para outra pessoa que não o locatário? Ex: Carlos é proprietário de um apartamento que está alugado para Sheila. Carlos vende o imóvel para Reginaldo. Regra: o adquirente poderá denunciar o contrato de locação, tendo o locatário que desocupar o imóvel no prazo máximo de 90 dias. Obs: denunciar um contrato consiste na conduta de declarar a intenção de encerrar o pacto. Exceção: o contrato não poderá ser denunciado e a locação continuará em vigor se estiverem presentes os seguintes requisitos cumulativos: a) o contrato de locação for por tempo determinado; b) o contrato de locação contiver cláusula de vigência em caso de alienação (conhecida doutrinariamente como “cláusula de vigência” ou “cláusula de respeito”); c) o contrato de locação estiver averbado junto à matrícula do imóvel. Nesse caso, o adquirente, ao comprar o imóvel, já estava ciente da existência da locação e, portanto, terá que respeitar o contrato, que irá vigorar até que termine o seu prazo. É isso que está previsto expressamente na Lei nº 8.245/91 (lei que rege as locações dos imóveis urbanos):

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8

Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

Exceção ao princípio da relatividade dos contratos De acordo com o princípio da relatividade dos contratos, o ajuste somente gera efeitos entre as partes (res inter alios acta), não obrigando terceiros. Assim, um contrato de locação, em regra, somente obriga o locador, o locatário e eventual fiador que tenha figurado no pacto. Os direitos e as obrigações nascidos de um contrato não atingem terceiros, cuja manifestação de vontade não teve participação na formação desse negócio jurídico. O art. 8º, portanto, é uma hipótese de exceção ao princípio da relatividade dos contratos. Registro confere eficácia real ao vínculo obrigacional Conforme explica Silvio Venosa:

“Quando o legislador resolve proteger certas relações oriundas de contratos da interferência de terceiros, confere à obrigação uma eficácia real que é alcançada pelo registro (sempre o imobiliário e não o de títulos e documentos). Nessa hipótese, assim como naquela do art. 31, registrado o contrato, terceiros que venham a adquirir o imóvel devem respeitar a obrigação, durante o decurso de prazo (...). De qualquer modo, o registro confere uma eficácia limitada erga omnes que só é possível porque a lei delineia um direito real a um vínculo obrigacional. Por esse registro, autorizado pela lei, contraria-se o princípio da relatividade das convenções, segundo o qual só vincula as partes contratantes. O novo titular do domínio deve respeitar o prazo do contrato de locação, do qual não fez parte.” (VENOSA, Silvio de Salvo. Lei do inquilinato comentada: doutrina e prática. Lei nº 8.245, de 18-10-1991. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, págs. 70)

Contrato de locação não foi averbado, mas comprador sabia da sua existência Imagine agora que o contrato de locação é por tempo determinado e que nele há uma cláusula de vigência em caso de alienação. Vale ressaltar, no entanto, que este contrato não foi averbado junto à matrícula do imóvel. Dessa forma, estão presentes os requisitos “a” e “b” (acima listados), mas não o “c”. Ocorre que o locatário conseguiu provar, por outros meios, que o adquirente sabia da existência do contrato quando comprou o imóvel. Nessa hipótese, o locatário poderá se manter no imóvel mesmo contra a vontade do comprador? A locação continuará? NÃO.

A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a locação possa ser oposta ao adquirente. STJ. 3ª Turma. REsp 1.669.612-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 07/08/2018 (Info 632).

A cláusula de vigência, ou cláusula de respeito, representa, de algum modo, uma restrição ao direito de propriedade. Isso porque o comprador, mesmo se tornando proprietário, ficará impedido de usar a coisa como bem quiser, considerando que está locada. Essa restrição ao direito de propriedade somente é permitida, portanto, porque se impõe ao adquirente por força do registro. Diante, portanto, da severidade da restrição, é indispensável a averbação do contrato de locação no registro de imóveis.

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

Precedente peculiar do STJ Vale ressaltar que houve um precedente do STJ em 2013 no qual se “relativizou” essa exigência:

(...) 3. Na hipótese, trata-se de ação de despejo proposta por comprador de imóvel em face de locatário. Discute-se a possibilidade do comprador de imóvel locado proceder à denúncia do contrato de locação ainda vigente, com fundamento na inexistência de averbação da referida avença na matrícula do respectivo imóvel. 4. O Tribunal de origem, após analisar a documentação apresentada pelas partes, que retratava toda a negociação de compra e venda do bem, até a lavratura da respectiva escritura, entendeu que, não obstante ausente a averbação do contrato na matrícula do imóvel, o adquirente tinha a obrigação de respeitar a locação até o seu termo final. 5. Afastada a possibilidade da recorrente denunciar o contrato de locação com base na ausência da sua averbação na matrícula do imóvel porque ela tinha inequívoco conhecimento da locação e concordara em respeitar seus termos em instrumentos firmados com o locador e proprietário anterior. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1269476/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2013 (Info 515).

A diferença entre o REsp 1.669.612-RJ (Info 632) e o REsp 1.269.476-SP (Info 515) é a seguinte: • No REsp 1.269.476-SP (Info 515), o adquirente, por convenção firmada com o vendedor, se obrigou a respeitar o contrato de locação em todos os seus termos. Assim, não se trata propriamente de afastar a necessidade de registro, ou mesmo de ter conhecimento inequívoco da existência da cláusula de respeito, mas sim de o adquirente, por convenção, se obrigar a respeitar o contrato locatício. • No REsp 1269476/SP (Info 632), o adquirente não assumiu esse compromisso.

Assim, no REsp 1.269.476-SP (Info 515), aplica-se a seguinte lição doutrinária: “’Ora, se o adquirente toma inequívoca ciência do contrato, que está vigendo por prazo determinado, e, na própria escritura de compra e venda, dela se fazendo ainda constar a obrigação de respeitá-lo, até o termo final, não vemos como poderá ele denunciar a locação, a não ser após expirar-se o prazo. Se, entretanto, não constar da escritura que o adquirente aceita o contrato, prevalecerá a primeira solução". (VENOSA, Silvio de Salvo. Ob. cit., p. 86)

LEASING É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar

a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado

É possível a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing) se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado.

Nos termos do art. 8º do anexo da Resolução nº 2.309/96 e art. 23 da Lei nº 6.099/74, o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento mercantil financeiro é de (i) dois anos, quando se tratar de bem com vida útil igual ou inferior a cinco anos, e (ii) de três anos, se o bem arrendado tiver vida útil superior a cinco anos.

Caso concreto: o bem arrendado (pá-escavadeira) possui vida útil superior a cinco anos. Apesar disso, o ajuste previa o arrendamento pelo prazo de apenas dois anos. Logo, foi desrespeitada a Resolução, ficando descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil.

Ficando descaracterizado o leasing, é possível cobrar ICMS sobre esta operação.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.569.840-MT, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

Veja comentários em Direito Tributário.

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ALIMENTOS O juiz não pode liberar o devedor de alimentos da prisão alegando que ele pagou quase toda a

dívida e que, portanto, deve ser aplicada a teoria do adimplemento substancial

Importante!!!

A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar.

STJ. 4ª Turma. HC 439.973-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: João estava devendo R$ 4 mil de pensão alimentícia a seu filho Lucas. Diante disso, Lucas ajuizou execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC/2015. O juiz decretou, então, a prisão civil do devedor. O advogado de João conseguiu reunir R$ 3.800,00 com familiares de seu cliente e depositou a quantia em juízo. O causídico requereu a liberdade do devedor pedindo a aplicação da teoria do adimplemento substancial. O advogado argumentou que o executado cumpriu 95% da obrigação e que, portanto, esses 5% restantes poderiam ser exigidos por meio de outras medidas executivas, não sendo razoável manter-se a prisão. Antes de verificar o que decidiu o STJ, vamos relembrar o que é a teoria do adimplemento substancial Por meio da teoria do adimplemento substancial, defende-se que, se o adimplemento da obrigação foi muito próximo ao resultado final, a parte credora não terá direito de pedir a resolução do contrato porque isso violaria a boa-fé objetiva, já que seria exagerado, desproporcional, iníquo. No caso do adimplemento substancial, a parte devedora não cumpriu tudo, mas quase tudo, de modo que o credor terá que se contentar em pedir o cumprimento da parte que ficou inadimplida ou então pleitear indenização pelos prejuízos que sofreu (art. 475, CC). Veja o clássico conceito de Clóvis do Couto e Silva:

Adimplemento substancial “constitui um adimplemento tão próximo ao resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo-se tão somente o pedido de indenização e/ou adimplemento, de vez que a primeira pretensão viria a ferir o princípio da boa-fé (objetiva)" (O Princípio da Boa-Fé no Direito Brasileiro e Português in Estudos de Direito Civil Brasileiro e Português. São Paulo: RT, 1980, p. 56).

Sua origem está no Direito Inglês, por volta do séc. XVIII, tendo lá recebido o nome de substancial performance. Esta teoria é prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro? NÃO. Não existe uma previsão expressa dessa teoria. Apesar disso, ela encontra fundamento em diversos princípios, dentre eles: • a função social do contrato (art. 421 do CC); • a boa-fé objetiva (art. 422); • a equivalência das obrigações • a vedação ao abuso de direito (art. 187); • a eticidade • a razoabilidade e • a vedação ao enriquecimento sem causa (art. 884).

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Segundo o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, atualmente, o fundamento para a aplicação da teoria do adimplemento substancial no Direito brasileiro é a cláusula geral do art. 187 do Código Civil, que permite a limitação do exercício de um direito subjetivo pelo seu titular quando se colocar em confronto com o princípio da boa-fé objetiva. Desse modo, esta teoria está baseada no princípio da boa-fé objetiva. Aponta-se também como outro fundamento o princípio da função social dos contratos. A teoria do adimplemento substancial já foi acolhida pelo STJ? SIM. Existem julgados adotando expressamente a teoria. Vale ressaltar, no entanto, que seu uso não pode ser banalizado a ponto de inverter a lógica jurídica de extinção das obrigações. O “normal” que as partes esperam legitimamente é que os contratos sejam cumpridos de forma integral e regular. Diante disso, a fim de que haja critérios, o STJ afirma que são necessários três requisitos para a aplicação da teoria: a) a existência de expectativas legítimas geradas pelo comportamento das partes; b) o pagamento faltante há de ser ínfimo em se considerando o total do negócio; c) deve ser possível a conservação da eficácia do negócio sem prejuízo ao direito do credor de pleitear a quantia devida pelos meios ordinários. STJ. 4ª Turma. REsp 1581505/SC, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 18/08/2016. Na Inglaterra, onde surgiu a teoria, “os autores ingleses formularam três requisitos para admitir a substantial performance: (a) insignificância do inadimplemento; (b) satisfação do interesse creditório; (c) diligência por parte do devedor no desempenho de sua prestação, ainda que a mesma se tenha operado imperfeitamente” (RODRIGUES JR., Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006). Importante destacar que o STJ considera que essa teoria não deve ser aplicada nos casos envolvendo alienação fiduciária em garantia:

Não se aplica a teoria do adimplemento substancial aos contratos de alienação fiduciária em garantia regidos pelo Decreto-Lei 911/69. STJ. 2ª Seção. REsp 1622555-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, Rel. para acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/2/2017 (Info 599).

Feita esta breve revisão, voltemos ao nosso exemplo. O pedido formulado pelo advogado de João deverá ser acolhido? É possível aplicar a teoria do adimplemento substancial para débitos de natureza alimentar (dívidas de alimentos) a fim de livrar o devedor da prisão? NÃO.

A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. STJ. 4ª Turma. HC 439.973-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

A teoria do adimplemento substancial tem aplicação restrita ao âmbito do direito contratual, não tendo incidência, portanto, nos vínculos jurídicos familiares. A obrigação alimentar diz respeito a bem jurídico indisponível, intimamente ligado à subsistência do alimentando. A relevância desses alimentos é tão grande que o legislador constituinte previu como hipótese na qual cabe prisão civil, o que demonstra que se trata de uma dívida diferente das demais. É antiga e pacífica a jurisprudência do STJ no sentido de que:

O pagamento parcial do débito não afasta a possibilidade de prisão civil do alimentante executado. STJ. 3ª Turma. RHC 80.591/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 25/04/2017.

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Esse entendimento se justifica porque os alimentos impostos por decisão judicial guardam consigo a presunção de que o valor econômico neles contido traduz o mínimo existencial do alimentando, de modo que a subtração de qualquer parcela dessa quantia pode ensejar severos prejuízos a sua própria manutenção. Além disso, o julgamento sobre a cogitada irrelevância do inadimplemento da obrigação não se prende ao exame exclusivo do critério quantitativo, sendo também necessário avaliar sua importância para satisfazer as necessidades do credor alimentar. Ora, a subtração de um pequeno percentual pode mesmo ser insignificante para um determinado alimentando, mas possivelmente não para outro, mais necessitado. Tem-se que o critério quantitativo não é suficiente nem exclusivo para a caracterização do adimplemento substancial. Vale ressaltar, por fim, que o sistema jurídico já prevê mecanismos por meio dos quais o devedor pode justificar o motivo pelo qual não cumpriu a obrigação alimentar:

CPC/Art. Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

DIREITO DO CONSUMIDOR

DIREITO À INFORMAÇÃO A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o

direito à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual

Importante!!!

O médico deverá ser condenado a pagar indenização por danos morais ao paciente que teve sequelas em virtude de complicações ocorridas durante a cirurgia caso ele não tenha explicado ao paciente os riscos do procedimento.

O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento que, ao final, lhe causou danos que poderiam não ter sido causados caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente.

O dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal.

Para que seja cumprido o dever de informação, os esclarecimentos deverão ser prestados de forma individualizada em relação ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica (blanket consent).

O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração

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processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: João foi vítima de um acidente de carro no qual sofreu traumatismo craniano, ficando com algumas sequelas neurológicas (tremores no braço direito). Cerca de um ano depois do acidente, ele procurou o setor de neurologia de um dos melhores hospitais do país. O neurocirurgião que o atendeu recomendou a realização de uma cirurgia na cabeça, chamada de talamotomia, a fim de melhorar a função cerebral do paciente. João foi submetido à cirurgia. No entanto, em vez de melhorar, ele piorou bastante, perdendo a capacidade de andar. Diante disso, foi ajuizada ação de indenização por danos morais contra o hospital e o médico. O principal fundamento da ação não foi eventual erro médico, mas sim ausência de informação. O autor comprovou que o médico não explicou que a cirurgia que seria realizada era extremamente arriscada e que havia uma alta probabilidade de apresentar sequelas, como de fato ocorreu. Ao contrário, o médico teria dito que era uma intervenção simples, com anestesia local e duração máxima de 2 horas. Diante desse cenário, há responsabilidade civil no presente caso? SIM. Vamos com calma. Relação jurídica médico-paciente A natureza jurídica da relação instaurada entre médico e paciente pode ser considerada como uma “locação de serviços sui generis”. O profissional, além da obrigação de prestar os serviços médicos, tem também diversos deveres extrapatrimoniais considerados essenciais para a natureza deste contrato. É o que explica Gustavo Tepedino: A responsabilidade médica na experiência brasileira contemporânea. In: Revista jurídica. São Paulo, v. 51, n. 311, set. 2003; p. 18-43, p. 19. Dever de informação Um desses deveres do médico é justamente o dever de informação. Assim, o profissional deve explicar ao paciente (ou seu representante legal), de forma muito clara, quais são os riscos do tratamento, as vantagens e desvantagens, as técnicas que serão empregadas, os prognósticos (“previsões”) e todas as demais informações que sejam necessárias e úteis. Esse dever de informação existe, dentre outras razões, para permitir que o paciente (ou seu representante legal) possa decidir livremente se deseja ou não executar aquele procedimento. Segundo o Código de Ética Médica (Resolução do CFM nº 1.931, de 17.9.2009), é dever do médico respeitar essa decisão do paciente:

É vedado ao médico Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

Dispensa do dever de informação se puder causar danos ao paciente Excepcionalmente, o médico pode deixar de dar algumas informações ao paciente nos casos em que o fornecimento dessa informação possa gerar algum dano, normalmente em seu estado psíquico. Veja o que diz o Código de Ética Médica:

É vedado ao médico

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Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

Vale ressaltar, no entanto, que, nestes casos, o médico continua sendo obrigado a fornecer tais informações ao representante legal do paciente. Assim, podemos dizer que:

O dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal. STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

Livre consentimento informado O direito à informação do paciente existe, como já dito, para que ele possa ter todos os subsídios necessários para decidir se irá ou não se submeter àquele tratamento. A isso se dá o nome de livre consentimento informado. O direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas. Trata-se do chamado “consentimento informado ou vontade qualificada”. O consentimento informado é uma decorrência da: • dignidade da pessoa humana; e • do princípio da autonomia privada. Assim, pode-se dizer que o consentimento informado é uma manifestação do direito fundamental de autodeterminação do paciente.

O princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações. STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

Fontes do direito à informação e do consentimento informado O direito do paciente à informação e a necessidade de seu livre consentimento informado decorrem: • da Constituição Federal (em especial da dignidade da pessoa humana); • de documentos internacionais, como é o caso da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, da UNESCO, cujo artigo 6º preconiza:

Artigo 6º Consentimento 1. Qualquer intervenção médica de carácter preventivo, diagnóstico ou terapêutico só deve ser realizada com o consentimento prévio, livre e esclarecido da pessoa em causa, com base em informação adequada. Quando apropriado, o consentimento deve ser expresso e a pessoa em causa pode retirá-lo a qualquer momento e por qualquer razão, sem que daí resulte para ela qualquer desvantagem ou prejuízo.

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• do Código de Defesa do Consumidor, que impõe ao fornecedor de bens e serviços o dever de informar com clareza, lealdade e exatidão, nos termos do art. 6º, III:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012)

• do Código de Ética Médica. De quem é o ônus de provar o consentimento informado? Do médico ou do hospital. Para a doutrina, é do médico ou do hospital o ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de esclarecer e obter o consentimento informado do paciente. Assim, havendo dúvida, deve-se entender que o médico não deu as informações necessárias ao paciente. Vale ressaltar que isso não significa que a responsabilidade dos médicos seja objetiva. Não o é. Em regra, a responsabilidade dos médicos é subjetiva, nos termos do art. 14, § 4º do CDC:

Art. 14 (...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos. A responsabilidade subjetiva do médico (art. 14, §4º, do CDC) não exclui a possibilidade de inversão do ônus da prova, se presentes os requisitos do art. 6º, VIII, do CDC, devendo o profissional demonstrar ter agido com respeito às orientações técnicas aplicáveis. STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

O consentimento informado deve ser feito por escrito? Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma norma que exija que o médico ou hospital recolha o consentimento escrito do paciente, expresso em um documento assinado. Apesar disso, a doutrina recomenda, de modo muito enfático, que o médico tome essa providência. Isso porque, como visto acima, é do médico o ônus de provar o consentimento informado. Consentimento específico Além de escrito, é importante que o consentimento do paciente seja específico. Um consentimento genérico (chamado de blanket consent) não é suficiente, devendo ser feito de forma específica para aquele tratamento claramente individualizado.

Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a informação genérica. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

No exemplo dado, ficou demonstrado que não houve erro médico. Mesmo assim, será devida a indenização? A indenização será devida pelo simples fato de não ter sido respeitado o dever de informação?

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SIM.

O dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se. A indenização, nesses casos, é devida pela privação sofrida pelo paciente em sua autodeterminação, por lhe ter sido retirada a oportunidade de ponderar os riscos e vantagens de determinado tratamento que, ao final, lhe causou danos que poderiam não ter sido causados caso não fosse realizado o procedimento, por opção do paciente. STJ. 4ª Turma. REsp 1.540.580-DF, Rel. Min. Lázaro Guimarães (Desembargador Convocado do TRF 5ª Região), Rel. Acd. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 02/08/2018 (Info 632).

PLANO DE SAÚDE Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico sob o fundamento

de que sua utilização está fora das indicações descritas na bula (uso off-label)

Importante!!!

A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo médico sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.721.705-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/08/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, cliente do plano de saúde ACEM, encontra-se com neoplasia maligna do encéfalo (câncer no cérebro). O médico que está atendendo João prescreveu que ele fizesse tratamento quimioterápico (quimioterapia) com um medicamento chamado “Temodal”. Ocorre que a ACEM não autorizou o tratamento, ou seja, disse que não iria pagá-lo. A justificativa dada pelo plano foi a de que, segundo a bula do “Temodal”, registrada na ANVISA, este medicamento é destinado para outros tipos de câncer, não havendo indicação expressa de que ele sirva também para neoplasia maligna do encéfalo. Assim, de acordo com o plano, o médico receitou o medicamento para uma finalidade que não é a prevista para ele. Em outras palavras, o médico determinou a realização de tratamento com base em uso off-label de medicamento. Off-label Off-label é uma expressão em inglês que, em tradução literal, significaria “fora de indicação”. Off = fora / label = indicação. Para que um medicamento seja fabricado ou comercializado no Brasil, ele precisa de registro (autorização) na Anvisa. Ao pedir o registro de um medicamento, o fabricante ou responsável apresenta à autarquia as indicações daquele remédio, ou seja, para quais enfermidades a droga foi testada e aprovada. Essas indicações (e sua respectiva eficácia) são baseadas em pesquisas e testes que levam anos para serem concluídos. Assim, por exemplo, quando o fabricante do remédio Dorflex foi registrá-lo na Anvisa, ele informou que este medicamento foi idealizado e testado para ser utilizado como “relaxante muscular”. Essa é a indicação deste remédio. Ocorre que, muitas vezes, um medicamento que foi planejado para determinada finalidade, quando entra no organismo humano, acaba trazendo outros benefícios que não haviam sido previstos. Esse efeito inicialmente não previsto é percebido pelos médicos, que passam a receitar aquele medicamento não apenas para aquela indicação inicialmente pensada e sim para outra finalidade que não havia sido prevista.

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Quando isso ocorre, dizemos que há a prescrição e o uso do medicamento off-label, ou seja, fora da sua indicação. Assim, o medicamento off-label é aquele cujo médico prescreve para uma determinada finalidade que não consta expressamente na sua bula. O exemplo mais famoso de medicamento off-label é o AAS (ácido acetilsalicílico). Este remédio foi desenvolvido para ser um mero analgésico. Posteriormente, contudo, percebeu-se que ele servia para outras finalidades, como, por exemplo, para a prevenção de infartos. Assim, atualmente, muitos médicos prescrevem o AAS para prevenir infartos, mesmo isso não sendo uma indicação oficial do remédio. Tratamento experimental O plano de saúde alegou que o médico que receita medicamento off-label está indicando um tratamento experimental. Ocorre que a Lei nº 9.656/98 e a Resolução nº 428/2017 desobrigam os planos de saúde a custearem tratamentos experimentais:

Lei nº 9.656/98 Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental;

Resolução nº 428/2017 Art. 20. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência, na forma estabelecida no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998. § 1º São permitidas as seguintes exclusões assistenciais: I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental, isto é, aquele que: a) emprega medicamentos, produtos para a saúde ou técnicas não registrados/não regularizados no país; b) é considerado experimental pelo Conselho Federal de Medicina – CFM ou pelo Conselho Federal de Odontologia - CFO; ou c) não possui as indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label), ressalvado o disposto no art. 26; (...) Art. 26. As operadoras deverão garantir a cobertura de medicamentos e de produtos registrados pela ANVISA, nos casos em que a indicação de uso pretendida seja distinta daquela aprovada no registro daquela Agência, desde que: I - a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC tenha demonstrado as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento ou do produto para o uso pretendido; e II - a ANVISA tenha emitido, mediante solicitação da CONITEC, autorização de uso para fornecimento, pelo SUS, dos referidos medicamentos e produtos, nos termos do art. 21 do Decreto nº 8.077, de 14 de agosto de 2013.

Assim, para o plano de saúde, o medicamento Temodal, prescrito pelo oncologista para tratamento da neoplasia maligna do encéfalo, tem natureza meramente experimental porque não é voltado para a patologia que acomete a consumidora (uso off-label). Logo, o plano estaria desobrigado de custeá-lo.

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O argumento do plano de saúde foi aceito pelo STJ? O plano de saúde pode recusar o pagamento de um tratamento prescrito pelo médico argumentando que se trata de uso off-label? NÃO. O plano de saúde não pode recusar o tratamento indicado pelo médico, mesmo que se trate de uso off-label. Vamos entender os argumentos do STJ. Médico é o responsável pela decisão terapêutica Deve-se deixar claro que é o médico (e não a operadora do plano de saúde) que é o responsável pela orientação terapêutica adequada ao paciente. Assim, é o médico que decide se aquele remédio ou tratamento é indicado ou não para a doença do paciente. Quando o plano de saúde diz que a indicação descrita na bula/manual do remédio registrado na ANVISA não serve para aquela doença, ele está substituindo a decisão do médico. Isso porque ele está interpretando a bula e dizendo que a escola do médico não foi adequada. Autorizar que a operadora negue a cobertura de tratamento sob a justificativa de que a doença do paciente não está contida nas indicações da bula representa inegável ingerência na ciência médica, em odioso e inaceitável prejuízo do paciente enfermo. As enfermidades devem ser tratadas de acordo com o entendimento médico-científico que prevalece no atual estado da ciência. Ocorre que a entidade responsável pela definição do que constitui um tratamento experimental ou de recomendável eficácia clínica é o Conselho Federal de Medicina (e não o plano de saúde). Nesse sentido, veja o que diz o art. 7º da Lei nº 12.842/2013:

Art. 7º Compreende-se entre as competências do Conselho Federal de Medicina editar normas para definir o caráter experimental de procedimentos em Medicina, autorizando ou vedando a sua prática pelos médicos.

Tanto é assim que há Resoluções específicas dessa comunidade para disciplinar os critérios de protocolo e avaliação de reconhecimento de novos procedimentos e terapias médicas, bem como para proibir aos médicos a utilização de práticas terapêuticas não reconhecidas pela comunidade científica. Correta interpretação do art. 10, I, da Lei nº 9.656/98 Quando o art. 10, I, da Lei nº 9.656/98 fala em tratamento de caráter experimental, o que ele está querendo dizer é aquele tratamento clínico ou cirúrgico incompatível com as normas de controle sanitário ou, ainda, aquele não reconhecido como eficaz pela comunidade científica. Desvantagem exagerada A ingerência da operadora, além de não ter fundamento na Lei nº 9.656/98, consiste em ação iníqua (injusta) e abusiva na relação contratual, e coloca o consumidor em desvantagem exagerada (art. 51, IV, do CDC). Dano moral Vale ressaltar que essa recusa do plano de saúde gera abalo psicológico ao paciente, além de causar prejuízos à saúde já debilitada. Diante disso, é uma situação que acarreta indenização por danos morais. Em suma:

A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo médico sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). STJ. 3ª Turma. REsp 1.721.705-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/08/2018 (Info 632).

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Não confundir O julgamento acima exposto no REsp 1.721.705-SP não se confunde nem conflita com os seguintes entendimentos abaixo:

É legítima a recusa da operadora de plano de saúde em custear medicamento importado, não nacionalizado, sem o devido registro pela ANVISA, em atenção ao disposto no art. 10, V, da Lei nº 9.656/98, sob pena de afronta aos arts. 66 da Lei nº 6.360/76 e 10, V, da Lei nº 6.437/76. Porém, após o registro pela ANVISA, a operadora de plano de saúde não pode recusar o custeio do tratamento com o fármaco indicado pelo médico responsável pelo beneficiário. STJ. 2ª Seção. REsp 1726563/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 08/11/2018 (recurso repetitivo).

Enunciado 6 da I Jornada de Direito da Saúde: A determinação judicial de fornecimento de fármacos deve evitar o fornecimento de medicamentos ainda não registrados na ANVISA, ou em fase experimental, ressalvadas as exceções expressamente previstas em lei.

Enunciado 26 da I Jornada de Direito da Saúde:

É lícita a exclusão de cobertura de produto, tecnologia e medicamento importado não nacionalizado, bem como tratamento clínico ou cirúrgico experimental.

PLANO DE SAÚDE Direito de o ex-empregado continuar beneficiário em plano de saúde coletivo empresarial

Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.594.346-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info 588).

STJ. 2ª Seção. REsp 1.680.318-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 632).

Situação 1: Antônio era empregado de um banco e possuía plano de saúde oferecido aos funcionários da instituição. O custeio do plano era mantido da seguinte forma: o empregador arcava todos os meses com R$ 100,00 e o empregado pagava outros R$ 100,00. Antônio foi demitido sem justa causa e deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele se compromete a pagar mensalmente R$ 200,00 (sua parte e a do antigo empregador). Ele possui esse direito? SIM. Tal possibilidade encontra-se prevista na Lei nº 9.656/98 (que trata sobre os planos de saúde):

Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

Repare que, para o trabalhador continuar tendo direito, deverão ser atendidas três exigências: a) durante o vínculo empregatício, ele contribuía para o pagamento do plano;

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b) ele foi demitido sem justa causa; c) ele se compromete a assumir o pagamento integral das parcelas. O trabalhador terá direito de continuar com o plano de saúde por um tempo máximo de 24 meses, conforme prevê o § 1º do art. 30 da Lei nº 9.656/98. Se antes de completar os 24 meses, o consumidor for admitido em um novo emprego, também perderá o direito de continuar com as mesmas condições no plano de saúde (§ 5º do art. 30). Situação 2: João era empregado de um banco e possuía plano de saúde oferecido aos funcionários da instituição. O custeio do plano era mantido integralmente pelo empregador, ou seja, todos os meses o banco pagava R$ 200,00 para manutenção do plano de saúde e João não precisava arcar com nada. Vale ressaltar, contudo, que o plano de saúde era regido pelo sistema de coparticipação, ou seja, sempre que João iria se submeter a uma consulta ou tratamento, o plano pagava 70% e ele deveria arcar com os 30% restantes. João foi demitido sem justa causa e deseja continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava. Para tanto, ele se compromete a pagar mensalmente R$ 200,00 que eram pagos pelo antigo empregador. Ele possui esse direito? NÃO. Isso porque o art. 30 acima transcrito afirma que o ex-empregado só tem direito de manter o plano de saúde se, durante o contrato de trabalho, ele contribuía para o pagamento do plano. Veja novamente trecho da redação:

Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei (...)

João alegou que contribuía para o plano de saúde, considerando que o plano era do tipo coparticipação, de forma que todas as vezes que usava, ele tinha que pagar uma parte do tratamento. Essa tese foi aceita? A coparticipação pode ser considerada como contribuição do ex-empregado para os fins do art. 30 da Lei nº 9.656/98? NÃO. O § 6º do art. 30 é expresso ao negar essa possibilidade:

Art. 30 (...) § 6º Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a co-participação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar.

Para os fins do caput do art. 30 da Lei nº 9.656/98, contribuir para o plano de saúde significa pagar uma mensalidade, independentemente de se estar usufruindo dos serviços de assistência médica. A coparticipação tem a finalidade não de contribuir para o custeio do plano, mas sim servir como um estímulo para o usuário não use os serviços médicos e hospitais de forma desenfreada, ou seja, serve para que ele os utilize com moderação (é um “fator de moderação”). Essas mesmas regras acima expostas valem também para o empregado que tinha o plano de saúde da empresa, mas teve seu contrato extinto porque se aposentou? SIM, porém, existem algumas peculiaridades relacionadas com o tempo mínimo em que ele deve ter contribuído. Veja:

Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

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§ 1º Ao aposentado que contribuir para planos coletivos de assistência à saúde por período inferior ao estabelecido no caput é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, à razão de um ano para cada ano de contribuição, desde que assuma o pagamento integral do mesmo. § 2º Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º e 6º do art. 30. § 3º Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2º e 4º do art. 30.

Uma última pergunta: o plano de saúde oferecido pelo empregador possui natureza salarial? O valor que a empresa paga para manter um plano de saúde para os seus empregados pode ser considerado uma espécie de “salário indireto”? NÃO. O art. 458, § 2º, IV, da CLT é expresso em dizer que o plano de assistência médica, hospitalar e odontológica não possui índole salarial, sejam os serviços prestados diretamente pela empresa ou por determinada operadora:

Art. 458 (...) § 2º Para os efeitos previstos neste artigo, não serão consideradas como salário as seguintes utilidades concedidas pelo empregador: (...) IV – assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro-saúde;

Assim, o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. O STJ julgou este tema sob a sistemática dos recursos repetitivos e fixou a seguinte tese:

Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto. STJ. 3ª Turma. REsp 1.594.346-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 9/8/2016 (Info 588). STJ. 2ª Seção. REsp 1.680.318-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 22/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 632).

DIREITO EMPRESARIAL

SOCIEDADES A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde pelos

prejuízos causados pela venda indevida de ações mediante uso de procuração falsa

A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada.

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Constitui responsabilidade do agente de custódia (corretoras de valores) fiscalizar a regularidade das procurações apresentadas para transferência de valores mobiliários.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.983-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/06/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: Pedro, em conluio com um funcionário do tabelionato de notas (cartório), falsificou uma procuração pública. Nesta procuração falsa constava que João (suposto outorgante) conferia autorização para que Pedro negociasse suas ações mobiliárias de determinada sociedade empresária. Com a referida procuração, Pedro vendeu todas as ações de João. Diante desse cenário, João propôs ação de indenização contra Pedro, contra o tabelião de notas e contra a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). João argumentou que a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), enquanto entidade de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários, agiu negligentemente ao admitir o uso de procuração por instrumento público contendo falsificação, no processo de abertura de conta de custódia e, por consequência, na operação de liquidação das ações do investidor. Logo, deve responder pelos danos materiais e morais suportados pela vítima do ato lesivo. Vale ressaltar que, no curso da ação, a CBLC passou a estar associada à BM&F BOVESPA. A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (atual BM&F BOVESPA) pode ser responsabilizada neste caso? NÃO.

A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada. STJ. 3ª Turma. REsp 1.677.983-MG, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 26/06/2018 (Info 632).

Conta de custódia O argumento do autor para imputar responsabilidade à CBLC foi o de que ela agiu negligentemente ao admitir o uso de procuração falsa no processo de abertura de conta de custódia. Explicando melhor: ao se cadastrar na Bolsa para realizar operações com ações, o investidor tem que “abrir” uma conta de custódia. É como se essa conta de custódia guardasse as ações que aquele titular possui. Todas as vezes que houver o registro das ordens de compra e venda das ações, será utilizado o código desta conta de custódia. Central de custódia x agentes de custódia A CBLC é uma central de custódia, ou seja, uma empresa constituída para fins de liquidação e custódia, associada à Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). Ela é responsável pelas operações realizadas na Bolsa de Valores. Agentes de custódia são instituições financeiras responsáveis, perante a CBLC, pela abertura, administração e movimentação das contas de custódia dos investidores, seus clientes. Os agentes de custódia só podem funcionar se forem autorizados pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, uma autarquia federal responsável por fiscalizar o mercado mobiliário. Como exemplos de agentes de custódia, podemos citar as corretoras de títulos e valores mobiliários. Assim, o agente de custódia é uma instituição responsável pela administração da conta de custódia. É o próprio cliente (investidor) que escolhe qual agente de custódia irá contratar. Um conhecido exemplo de agente de custódia é a XP Investimentos. A negociação das ações em bolsa é realizada por meio do agente de custódia que atende o investidor.

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Responsabilidade pelo exame da regularidade da procuração era do agente de custódia A abertura da conta de custódia não ocorre perante a CBLC, mas sim junto aos agentes de custódia. As Resoluções do Conselho Monetário Nacional que disciplinam o funcionamento das sociedades corretoras de valores mobiliários estabelecem que, nas operações realizadas em bolsas de valores, as corretoras são responsáveis pela autenticidade dos endossos em valores mobiliários e pela legitimidade de procuração ou documentos necessários para a transferência de valores mobiliários. É o caso, por exemplo, do art. 39, III, da Resolução nº 2.690/2000. Logo, não se pode imputar à CBLC, atual BOVESPA, nenhuma conduta negligente por deixar de constatar a falsidade da procuração pública com base na qual a corretora de valores procedeu a negociação em Bolsa das ações de seu cliente João. Há vários julgados do STJ reconhecendo a responsabilidade do agente de custódia (corretora de valores) em situações semelhantes:

(...) Esta Corte Superior registra precedentes reconhecendo a responsabilidade da corretora, da instituição depositária e da companhia pela venda de ações sem o conhecimento do respectivo titular, mediante procurações falsas (...) STJ. 3ª Turma. AgRg no Ag 882.474/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 01/03/2012.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

CAUÇÃO Não é necessária a prestação da caução do art. 83 do CPC/2015 para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil

Se o autor da ação judicial reside no exterior ou se muda para fora do país durante a tramitação do processo, ele precisará prestar uma caução que seja suficiente para pagar as custas processuais e honorários advocatícios caso ele perca a ação (art. 83 do CPC/2015).

Não é necessária a prestação de caução para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil.

Ex: MSC Mediterranean Shipping Company S.A., empresa estrangeira, ajuizou, na justiça brasileira, uma ação de cobrança. O STJ afirmou que não se deveria exigir caução para a propositura da demanda, considerando que a autora, apesar de estrangeira, possuía uma agência de representação no Brasil (a MSC Mediterranean do Brasil Ltda.).

STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.441-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

Cautio pro Expensis O CPC prevê que se o autor da ação judicial reside no exterior ou se muda para fora do país durante a tramitação do processo, ele precisará prestar uma caução que seja suficiente para pagar as custas processuais e honorários advocatícios caso ele perca a ação. Essa caução não será necessária se o autor possuir bens imóveis no Brasil que possam servir para o pagamento de tais despesas. Veja o que diz a lei:

Art. 83. O autor, brasileiro ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou deixar de residir no país ao longo da tramitação de processo prestará caução suficiente ao pagamento das custas e dos honorários de advogado da parte contrária nas ações que propuser, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhes assegurem o pagamento.

Essa caução é conhecida pelo nome em latim “cautio pro Expensis” (caução para as despesas).

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Requisitos: Para que a caução seja exigível, são necessários dois pressupostos objetivos e cumulativos: a) o autor da ação não residir no Brasil ou deixar de residir na pendência da demanda; e b) não ter o autor da ação bens imóveis no Brasil que assegurem o pagamento das custas e honorários de advogado da parte contrária em caso de sucumbência. Natureza. A caução de que trata esse dispositivo possui natureza cautelar? NÃO. Não se trata de medida cautelar. Trata-se de uma providência relacionada com as despesas processuais, tanto que o CPC/2015 a posiciona na seção “Das Despesas, dos Honorários Advocatícios e das Multas”. Logo, para a sua incidência, não se exige a presença do fumus boni iuris ou do periculum in mora, mas sim a configuração dos requisitos objetivos acima listados. Fiança processual O STJ já afirmou, certa vez, que se trata de uma espécie de fiança processual (EREsp 179.147/SP, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, julgado em 1º/8/2000). Qual é a consequência caso não seja prestada a caução? O juiz deverá extinguir o processo sem resolução de mérito. Hipóteses legais de dispensa da caução O próprio CPC já prevê situações em que a referida caução poderá ser dispensada:

Art. 83 (...) § 1º Não se exigirá a caução de que trata o caput: I - quando houver dispensa prevista em acordo ou tratado internacional de que o Brasil faz parte; II - na execução fundada em título extrajudicial e no cumprimento de sentença; III - na reconvenção.

Nota-se que o legislador não conferiu qualquer margem de discricionariedade ao magistrado para que dispense a prestação da caução com base em critérios subjetivos - como, por exemplo, a plausibilidade do direito em que se funda a ação - porque não se trata de faculdade, mas de imposição legal. As hipóteses de dispensa são objetivas. Dispensa da caução quando isso representar obstáculo de acesso à jurisdição As hipóteses de dispensa da caução estão previstas no dispositivo do CPC acima transcrito. A doutrina, no entanto, afirma que, além desses casos, é possível que o juiz dispense a caução, excepcionalmente, desde que fique demonstrado, com provas, que a sua exigência irá obstaculizar o acesso à jurisdição. O STJ também já decidiu nesse mesmo sentido:

(...) 4. Segundo a doutrina especializada, a despeito de estar inserta no livro referente aos procedimentos cautelares, a caução às custas e honorários não ostenta natureza cautelar. O tema relaciona-se, de fato, com as despesas processuais. Logo, para a sua incidência não se exige a presença do fumus boni iuris ou do periculum in mora, mas, sim, a configuração dos requisitos objetivos que elenca. 5. Não se exclui a possibilidade de, excepcionalmente, e diante das peculiaridades de determinado caso concreto, dispensar-se a caução quando se conclua categoricamente a existência de hipótese de efetivo obstáculo ao acesso à jurisdição. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1479051/RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 26/05/2015.

Veja o que diz a doutrina sobre o tema:

“Não há nenhuma inconstitucionalidade a priori na exigência constante do art. 83, CPC. A imposição de cautio pro expensis está em consonância com o art. 5º, XXXV e LIV, CF – não viola o

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direito fundamental ao processo justo e à tutela jurisdicional adequada e efetiva dos direitos. Todavia, sempre que se verificar, em concreto, que a necessidade de caução às despesas processuais ao demandante estrangeiro obsta a instauração do processo ou o seu prosseguimento, violando o seu direito fundamental de acesso à justiça, é de ser dispensada a caução, por inconstitucional.” (MARINONI, Luiz Guilherme; AREHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2015, p. 172).

Sociedade estrangeira devidamente representada no Brasil O STJ decidiu que a sociedade estrangeira que propuser ação judicial não precisará prestar caução se ela estiver devidamente representada no Brasil. Em outras palavras, é desnecessário o depósito de caução em caso de ação proposta por empresa estrangeira com representação no Brasil:

Não é necessária a prestação de caução para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira devidamente representada no Brasil. STJ. 3ª Turma. REsp 1.584.441-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

Ex: MSC Mediterranean Shipping Company S.A., empresa estrangeira, ajuizou, na justiça brasileira, uma ação de cobrança. O STJ afirmou que não se deveria exigir caução para a propositura da demanda, considerando que a autora, apesar de estrangeira, possuía uma agência de representação no Brasil (a MSC Mediterranean do Brasil Ltda.). Em primeiro lugar, deve-se chamar atenção para o fato de que, segundo o art. 21, I e parágrafo único, do CPC/2015: considera-se domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que tiver agência, filial ou sucursal aqui em nosso país. Logo, seria possível dizer que a empresa estrangeira com representação no Brasil seria domiciliada aqui. Além disso, deve-se ressaltar outro ponto: O objetivo principal do legislador, ao instituir essa caução do art. 83, foi o de evitar que se a empresa estrangeira perdesse a ação proposta, não houvesse condições de exigir dela o pagamento dos encargos decorrentes da sucumbência. Ocorre que não há motivos para se ter esse receio se a empresa estrangeira tem representação no Brasil. Isso porque, caso ela não pague os encargos, será possível demandá-la em nosso país, conforme autoriza o art. 75, X, do CPC/2015 e a Súmula 363 do STF:

Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: X - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil;

Súmula 363-STF: A pessoa jurídica de direito privado pode ser demandada no domicílio da agência, ou estabelecimento, em que se praticou o ato.

Assim, a MSC Mediterranean deve ser considerada uma sociedade empresarial domiciliada no Brasil e a sua agência representante, a MSC Mediterranean do Brasil, poderá responder diretamente, caso seja vencida na demanda, por eventuais encargos decorrentes de sucumbência.

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SUSPENSÃO DO PROCESSO É admissível a emenda à inicial para a substituição de executado pelo seu espólio, em execução

ajuizada em face de devedor falecido antes do ajuizamento da ação

Se a ação é proposta contra indivíduo que já estava morto, o juiz não deverá determinar a habilitação, a sucessão ou a substituição processual. De igual modo, o processo não deve ser suspenso para habilitação de sucessores. Isso porque tais institutos são aplicáveis apenas para as hipóteses em que há o falecimento da parte no curso do processo judicial.

O correto enquadramento jurídico desta situação é de ilegitimidade passiva, devendo ser facultado ao autor, diante da ausência de ato citatório válido, emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, dirigindo a sua pretensão ao espólio.

Ex: em 04/04/2018, o Banco ajuizou execução de título extrajudicial contra João. A tentativa de citação, todavia, foi infrutífera, tendo em vista que João havia falecido em 04/03/2018, ou seja, um mês antes. Diante disso, o juiz deverá permitir que o exequente faça a emenda da petição inicial para a substituição do executado falecido pelo seu espólio.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.559.791-PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/08/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 04/04/2018, o Banco ajuizou execução de título extrajudicial (nota promissória) contra João. A tentativa de citação do executado, todavia, foi infrutífera, tendo em vista que João havia falecido em 04/03/2018, ou seja, um mês antes. Diante da notícia de falecimento do devedor, o juiz determinou a suspensão do processo de execução a fim de que o autor promovesse a habilitação dos sucessores. A decisão do magistrado foi baseada no art. 313, I, do CPC/2015:

Art. 313. Suspende-se o processo: I - pela morte ou pela perda da capacidade processual de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador; (...) § 1º Na hipótese do inciso I, o juiz suspenderá o processo, nos termos do art. 689.

Art. 689. Proceder-se-á à habilitação nos autos do processo principal, na instância em que estiver, suspendendo-se, a partir de então, o processo.

Recurso do Banco O Banco não concordou com a decisão do juiz e recorreu dizendo o seguinte: como o devedor já tinha morrido antes mesmo da citação, em vez de suspender o processo, a providência mais correta é permitir que eu faça a emenda da petição inicial a fim de substituir o executado falecido pelo seu espólio. O STJ concordou com o argumento do Banco? SIM. Não há que se falar em habilitação, sucessão ou substituição processual Na situação concreta, o procedimento correto não é a habilitação, sucessão ou substituição processual, pois tais institutos jurídicos somente são aplicáveis quando há o falecimento da parte. No entanto, somente podemos falar em falecimento da parte, se o evento morte ocorre no curso do processo, ou seja, após a citação. É o que se depreende dos arts. 110 e 687 do CPC/2015:

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Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.

Art. 687. A habilitação ocorre quando, por falecimento de qualquer das partes, os interessados houverem de suceder-lhe no processo.

O correto enquadramento jurídico é de ilegitimidade passiva Se a ação é ajuizada contra um indivíduo que já estava morto, temos aqui um caso de ilegitimidade passiva. Logo, a providência correta a ser adotada pelo magistrado é de oportunizar ao autor da ação a possibilidade de emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, até mesmo porque se o indivíduo já está morto, não haverá possibilidade de ocorrer citação válida. Desse modo, nesta situação, o aditamento da petição inicial pode ocorrer inclusive mesmo sem aquiescência (concordância) do réu, conforme autoriza o art. 329, I do CPC/2015:

Art. 329. O autor poderá: I - até a citação, aditar ou alterar o pedido ou a causa de pedir, independentemente de consentimento do réu;

Assim, deverá ser permitido que o autor emende a petição inicial para que o espólio seja o sujeito passivo da relação jurídico-processual. Importante recordar que o espólio responde pelas dívidas do falecido, nos termos do art. 796 do CPC/2015:

Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube.

A quem caberá a representação judicial do espólio? Depende: • se já houver sido ajuizada a ação de inventário e já houver inventariante compromissado: a representação judicial do espólio será de responsabilidade do inventariante; • por outro lado, caso ainda não tenha sido ajuizada a ação de inventário ou, mesmo que proposta, ainda não haja inventariante devidamente compromissado: a representação judicial do espólio será de responsabilidade do administrador provisório. Em suma:

Se a ação é proposta contra indivíduo que já estava morto, o juiz não deverá determinar a habilitação, a sucessão ou a substituição processual. De igual modo, o processo não deve ser suspenso para habilitação de sucessores. Isso porque tais institutos são aplicáveis apenas para as hipóteses em que há o falecimento da parte no curso do processo judicial. O correto enquadramento jurídico desta situação é de ilegitimidade passiva, devendo ser facultado ao autor, diante da ausência de ato citatório válido, emendar a petição inicial para regularizar o polo passivo, dirigindo a sua pretensão ao espólio. STJ. 3ª Turma. REsp 1.559.791-PB, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/08/2018 (Info 632).

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28

DIREITO PENAL

LEI MARIA DA PENHA Não se pode decretar a preventiva do autor de contravenção penal,

mesmo que ele tenha praticado o fato no âmbito de violência doméstica e mesmo que tenha descumprido medida protetiva a ele imposta

Importante!!!

A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu.

O inciso III do art. 313 do CPP prevê que será admitida a decretação da prisão preventiva “se o CRIME envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

Assim, a redação do inciso III do art. 313 do CPP fala em CRIME (não abarcando contravenção penal). Logo, não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra o autor de uma contravenção penal. Decretar a prisão preventiva nesta hipótese representa ofensa ao princípio da legalidade estrita.

STJ. 6ª Turma. HC 437.535-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018 (Info 632).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, por ciúmes, torceu o braço e puxou o cabelo de sua esposa Laura. Como tais condutas não geraram lesões corporais, entende-se que João praticou vias de fato contra a vítima. Vias de fato é uma contravenção penal tipificada no art. 21 do DL 3.688/41:

Art. 21. Praticar vias de fato contra alguem: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime.

A juíza deferiu algumas medidas protetivas de urgência, dentre elas que João mantivesse distância mínima de 500 metros de Laura e não tentasse nenhum contato com ela por qualquer meio de comunicação (art. 22, III, “a” e “b”). Passadas duas semanas, João descumpriu a medida protetiva e foi até a casa de Laura. A mulher informou este fato à juíza, que decretou a prisão preventiva de João, com base no art. 313, III, do CPP:

Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (...) III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;

Agiu corretamente a magistrada? NÃO. Se você reparar novamente na redação do inciso III do art. 313 do CPP, ele fala em CRIME, ou seja, será admitida a decretação da prisão preventiva “se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher”. No caso concreto, o agente não praticou crime, mas sim contravenção penal.

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29

Como se trata de norma que permite a prisão do agente, não se pode conferir a este dispositivo uma interpretação extensiva que se afaste da interpretação literal. Assim, por mais condenável que tenha sido o ato praticado pelo agente contra a sua esposa e, por mais que seja reprovável o fato de ele descumprir a medida protetiva, o certo é que não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra autor de uma contravenção penal. Decretar a prisão preventiva nesta hipótese representa ofensa ao princípio da legalidade estrita. Em suma:

A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu. STJ. 6ª Turma. HC 437.535-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018 (Info 632).

LEI DE DROGAS A condenação pelo art. 28 da Lei 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio)

NÃO configura reincidência

O porte de droga para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, possui natureza jurídica de crime.

O porte de droga para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº 11.343/2006, mas não descriminalizado.

Obs: despenalizar é a medida que tem por objetivo afastar a pena como tradicionalmente conhecemos, em especial a privativa de liberdade. Descriminalizar significa deixar de considerar uma conduta como crime.

Mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência.

Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento.

Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada.

STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018.

STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

Reincidência A definição de reincidência, para o Direito Penal, é encontrada a partir da conjugação do art. 63 do CP com o art. 7º da Lei de Contravenções Penais. Com base nesses dois dispositivos, podemos encontrar as hipóteses em que alguém é considerado reincidente para o Direito Penal (inspirado no quadro contido no livro de CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 401):

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Informativo 632-STJ (28/09/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30

Se a pessoa é condenada definitivamente por

E depois da condenação definitiva pratica novo(a)

Qual será a consequência?

CRIME (no Brasil ou exterior)

CRIME REINCIDÊNCIA

CRIME (no Brasil ou exterior)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

REINCIDÊNCIA

CONTRAVENÇÃO (no Brasil)

CRIME NÃO HÁ reincidência. Foi uma falha da lei.

Mas gera maus antecedentes

CONTRAVENÇÃO (no estrangeiro)

CRIME ou CONTRAVENÇÃO NÃO HÁ reincidência

Contravenção no estrangeiro não serve aqui.

A reincidência é uma agravante da pena Se o réu for reincidente, sofrerá diversos efeitos negativos no processo penal. O principal deles é que, no momento da dosimetria da pena em relação ao segundo delito, a reincidência será considerada como uma agravante genérica (art. 61, I, do CP), fazendo com que a pena imposta seja maior do que seria devida caso ele fosse primário.

Art. 61. São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: I - a reincidência;

Porte de droga para consumo pessoal A Lei nº 11.343/2006 prevê o crime de posse/porte de droga para consumo pessoal nos seguintes termos:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.

Tese de que o art. 28 não seria crime Assim que a Lei de Drogas foi editada, Luis Flávio Gomes defendeu a tese de que o porte/posse de droga para consumo pessoal havia deixado de ser crime. Em outras palavras, LFG sustentou que o art. 28 não traria a definição de crime, já que ele não prevê pena privativa de liberdade nem multa. Logo, estaria “fora” do conceito de crime trazido pela Lei de Introdução ao Código Penal (DL 3.914/1941):

Art. 1º Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

O STF aceitou essa tese? NÃO. O STF decidiu que o art. 28 da Lei de Drogas, mesmo sem prever pena privativa de liberdade, continua definindo conduta criminosa. Assim, não houve uma descriminalização da conduta (abolitio criminis), mas sim uma despenalização. A despenalização ocorre quando o legislador prevê sanções alternativas para o crime que não sejam penas privativas de liberdade.

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Confira a ementa do julgado no STF:

(...) 1. O art. 1º da LICP - que se limita a estabelecer um critério que permite distinguir quando se está diante de um crime ou de uma contravenção - não obsta a que lei ordinária superveniente adote outros critérios gerais de distinção, ou estabeleça para determinado crime - como o fez o art. 28 da L. 11.343/06 - pena diversa da privação ou restrição da liberdade, a qual constitui somente uma das opções constitucionais passíveis de adoção pela lei incriminadora (CF/88, art. 5º, XLVI e XLVII). 2. Não se pode, na interpretação da L. 11.343/06, partir de um pressuposto desapreço do legislador pelo "rigor técnico", que o teria levado inadvertidamente a incluir as infrações relativas ao usuário de drogas em um capítulo denominado "Dos Crimes e das Penas", só a ele referentes. (L. 11.343/06, Título III, Capítulo III, arts. 27/30). (...) 4. Soma-se a tudo a previsão, como regra geral, ao processo de infrações atribuídas ao usuário de drogas, do rito estabelecido para os crimes de menor potencial ofensivo, possibilitando até mesmo a proposta de aplicação imediata da pena de que trata o art. 76 da L. 9.099/95 (art. 48, §§ 1º e 5º), bem como a disciplina da prescrição segundo as regras do art. 107 e seguintes do C. Penal (L. 11.343, art. 30). 6. Ocorrência, pois, de "despenalização", entendida como exclusão, para o tipo, das penas privativas de liberdade. 7. Questão de ordem resolvida no sentido de que a L. 11.343/06 não implicou abolitio criminis (C.Penal, art. 107). (...) STF. 1ª Turma. RE 430105 QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 13/02/2007.

Assim, não há dúvidas de que o art. 28 da Lei de Drogas possui natureza jurídica de CRIME. Se um indivíduo é condenado, com trânsito em julgado, pelo delito de porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) e depois pratica outro delito, ele será considerado reincidente na dosimetria desse segundo crime? NÃO. A condenação por porte de drogas para consumo próprio (art. 28 da Lei nº 11.343/2006) NÃO gera reincidência. Mas você não acabou de dizer que o art. 28 da LD é crime...? Sim. O art. 28 da LD é crime. No entanto, para o STJ, mesmo sendo crime, não gera reincidência. Por quê? O STJ apresenta a seguinte linha de argumentação: • a condenação anterior por contravenção penal não gera reincidência, ou seja, um indivíduo condenado por contravenção penal, se praticar em seguida um crime, quando for julgado, não se aplicará a ele a agravante da reincidência. Isso porque o art. 63 do Código Penal é expresso ao se referir à pratica de novo crime ao dispor:

Art. 63. Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior. (veja que o agente tem que ter sido condenado por crime anterior)

• em outras palavras, como vimos na tabela acima, se a pessoa é condenada definitivamente por CONTRAVENÇÃO e, depois desta condenação, pratica um CRIME, ao ser julgada por esta segunda infração não sofrerá os efeitos da reincidência. Se a primeira infração praticada foi uma contravenção, não há reincidência. • a contravenção é punida com prisão simples e/ou multa (art. 5º, do DL 3688/41).

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• o art. 28 da LD é punido apenas com “advertência sobre os efeitos das drogas”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. Em nenhuma hipótese, a prática do crime do art. 28 da LD poderá gerar condenação que leve à prisão. • desse modo, comparando a pena das contravenções penais com a do crime do art. 28 da LD, chega-se à conclusão de que as penas previstas para as contravenções são mais gravosas (mais duras) do que as sanções cominadas para o art. 28 da LD. • diante disso, se as sanções do art. 28 da LD são menos graves que as das contravenções, não se mostra proporcional considerar que o art. 28 da LD gera reincidência se a contravenção penal não tem esse efeito negativo. • em suma: - o crime do art. 28 da LD tem sanções menos graves que uma contravenção; - a contravenção não gera reincidência; - logo, é desproporcional que o crime do art. 28 da LD (sendo menos grave que a contravenção) gere reincidência. Discussão sobre a constitucionalidade do art. 28 da LD O STJ utilizou, ainda, um outro argumento: ele afirmou que a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas será decidida em breve pelo STF no RE 635.659 e que existem alguns Ministros do Supremo que já se manifestaram dizendo que este tipo penal seria inconstitucional por violar a intimidade e a vida privada. É o caso do Relator do RE, Ministro Gilmar Mendes, que votou pela descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, consignando que “a criminalização da posse de drogas para uso pessoal é inconstitucional, por atingir, em grau máximo e desnecessariamente, o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas várias manifestações, de forma, portanto, claramente desproporcional.” Assim, como existe esse questionamento acerca da proporcionalidade do direito penal para o controle do consumo de drogas, não deve o art. 28 da Lei nº 11.343/2006 constituir causa geradora de reincidência. Resumindo:

O porte de droga para consumo próprio, previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, possui natureza jurídica de crime. O porte de droga para consumo próprio foi somente despenalizado pela Lei nº 11.343/2006, mas não descriminalizado. Obs: despenalizar é a medida que tem por objetivo afastar a pena como tradicionalmente conhecemos, em especial a privativa de liberdade. Descriminalizar significa deixar de considerar uma conduta como crime. Mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio) NÃO configura reincidência. Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento. Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada. STJ. 5ª Turma. HC 453.437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018. STJ. 6ª Turma. REsp 1672654/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 21/08/2018 (Info 632).

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DIREITO PROCESSUAL PENAL

PRISÃO PREVENTIVA Não se pode decretar a preventiva do autor de contravenção penal

mesmo que ele tenha praticado o fato no âmbito de violência doméstica e mesmo que tenha descumprido medida protetiva a ele imposta

Importante!!!

A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu.

O inciso III do art. 313 do CPP prevê que será admitida a decretação da prisão preventiva “se o CRIME envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

Assim, a redação do inciso III do art. 313 do CPP fala em CRIME (não abarcando contravenção penal). Logo, não há previsão legal que autorize a prisão preventiva contra o autor de uma contravenção penal. Decretar a prisão preventiva, nesta hipótese, representa ofensa ao princípio da legalidade estrita.

STJ. 6ª Turma. HC 437.535-SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. Acd. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 26/06/2018 (Info 632).

Veja comentários em Direito Penal.

PROGRESSÃO DE REGIME A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar

A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto, nos termos da Súmula Vinculante n. 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE 641.320/RS, quais sejam:

i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir;

ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e

iii) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto.

STJ. 3ª Seção. REsp 1.710.674-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 22/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 632).

Regimes de cumprimento de pena: Pela Lei (Código Penal e Lei nº 7.210/84), existem três regimes de cumprimento de pena que seguem às seguintes regras:

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FECHADO SEMIABERTO ABERTO

A pena é cumprida na Penitenciária. Obs.: apesar de, na prática, isso ser desvirtuado, a chamada Cadeia Pública destina-se apenas ao recolhimento de presos provisórios (art. 102 da LEP), considerando que as pessoas presas provisoriamente devem ficar separadas das que já tiverem sido definitivamente condenadas (art. 300 do CPP).

A pena é cumprida em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar (art. 33, § 1º, "b", CP).

A pena é cumprida na Casa do Albergado ou estabelecimento adequado (art. 33, § 1º, "c", CP). A Casa do Albergado deverá estar localizada em centro urbano, separada dos demais estabelecimentos prisionais, e caracteriza-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga. Isso porque o regime aberto baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade.

O condenado fica sujeito a trabalho, dentro da própria Penitenciária, no período diurno, e a isolamento durante o repouso noturno.

O condenado fica sujeito a trabalho, dentro da colônia, durante o período diurno. À noite, fica recolhido na cela.

Durante o dia, o condenado trabalha, frequenta cursos ou realiza outras atividades autorizadas, fora do estabelecimento e sem vigilância. Durante o período noturno e nos dias de folga, permanece recolhido na Casa do Albergado.

Na prática, contudo, é muito comum que não existam colônias agrícolas e industriais e casas de albergado, unidades prisionais previstas na Lei como sendo as adequadas para o cumprimento da pena nos regimes semiaberto e aberto. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi condenado à pena de 5 anos de reclusão, tendo o juiz fixado o regime semiaberto. Ocorre que, no momento de cumprir a pena, verificou-se que não havia no local estabelecimento destinado ao regime semiaberto que atendesse todos os requisitos da LEP. João poderá cumprir a pena no regime fechado enquanto não há vagas no semiaberto? NÃO.

A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso. STF. Plenário. RE 641.320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

A manutenção do condenado em regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como “excesso de execução”, havendo, no caso, violação ao direito do apenado. Vale ressaltar que não é possível “relativizar” esse direito do condenado com base em argumentos ligados à manutenção da segurança pública. A proteção à integridade da pessoa e ao seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da segurança pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir que o Estado execute a pena de forma excessiva é negar não só o princípio da legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (art. 1º, III, da CF/88). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos, os condenados não se tornam simples objetos de direito (art. 5º, XLIX, da CF/88).

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Diante disso, o juiz deverá conceder, imediatamente, a prisão domiciliar em favor de João? Também NÃO. A concessão da prisão domiciliar não é a primeira opção nestes casos. O juiz deverá tentar resolver a situação por meio de outras providências antes de conceder a prisão domiciliar. O que fazer em caso de déficit (falta) de vagas no estabelecimento adequado?

Havendo “déficit” de vagas, deve ser determinada: 1) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; 2) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; 3) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida ao regime aberto. STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

Objetivo das medidas acima é o de que surjam novas vagas nos regimes semiaberto e aberto As vagas nos regimes semiaberto e aberto não são inexistentes, são insuficientes. Assim, de um modo geral, a falta de vagas decorre do fato de que já há um sentenciado ocupando o lugar. Dessa forma, o STF determinou, como alternativa para resolver o problema, antecipar a saída de sentenciados que já estão no regime semiaberto ou aberto, abrindo vaga para aquele que acaba de progredir. Exemplo de como essas medidas fazem surgir vaga no regime semiaberto: João estava cumprindo pena no regime fechado e progrediu para o regime semiaberto. Ocorre que não há vagas na unidade prisional destinada ao regime semiaberto. João não poderá continuar cumprindo pena no fechado porque haveria excesso de execução. Nestes casos, o que aconteceria normalmente é que João seria colocado em prisão domiciliar. No entanto, o STF afirmou que essa alternativa (prisão domiciliar) não deve ser a primeira opção para o caso. Diante disso, o STF entendeu que o juiz das execuções penais deverá antecipar a saída de um detento que já estava no regime semiaberto (ex: Francisco), fazendo com que surja a vaga para João. Imaginemos, por exemplo, que Francisco estava cumprindo pena no regime semiaberto e só teria direito de ir para o regime aberto em 2020. No entanto, para dar lugar a João, Francisco receberá o benefício da “saída antecipada” e ficará em liberdade eletronicamente monitorada, ou seja, ficará livre para trabalhar e estudar, recolhendo-se em casa nos dias de folgas, sendo sempre monitorado com tornozeleira eletrônica. Com isso, surgirá mais uma vaga no regime semiaberto e esta será ocupada por João. E se a ausência de vaga for no regime aberto? Ex: Pedro progrediu para o regime aberto, mas não há vagas, o que fazer? Neste caso, o Juiz deverá conceder a um preso que está no regime aberto a possibilidade de cumprir o restante da pena não mais no regime aberto (pena privativa de liberdade), mas sim por meio de pena restritiva de direitos e/ou estudo. Ex: Tiago, que estava no regime aberto, só acabaria de cumprir sua pena em 2020. No entanto, para dar lugar a Pedro, o Juiz oferece a ele a oportunidade de sair do regime aberto e cumprir penas restritivas de direito e/ou estudo. Com isso, surgirá nova vaga no aberto. Assim, se não há estabelecimentos adequados ao regime aberto, a melhor alternativa não é a prisão domiciliar, mas a substituição da pena privativa de liberdade que resta a cumprir por penas restritivas de direito e/ou estudo. Benefícios devem ser concedidos aos detentos que estão mais próximos de progredir ou de acabar a pena Vale ressaltar que os apenados que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas deverão ser escolhidos com base em critérios isonômicos.

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Assim, tais benefícios deverão ser deferidos aos sentenciados que satisfaçam os requisitos subjetivos (bom comportamento) e que estejam mais próximos de satisfazer o requisito objetivo, ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir ou de encerrar a pena. Para isso, o STF determinou que o CNJ faça um "Cadastro Nacional de Presos", com as informações sobre a execução penal de cada um deles. Isso permitirá verificar os apenados com expectativa de progredir ou de encerrar a pena no menor tempo e, em consequência, organizar a fila de saída com observação da igualdade. Por que o STF afirma que a prisão domiciliar não pode ser a primeira opção, devendo-se adotar as medidas acima propostas? Segundo o STF, a prisão domiciliar apresenta vários inconvenientes, que irei aqui resumir: 1º) Para ter esse benefício, cabe ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele tem meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha. 2º) O recolhimento domiciliar puro e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico e social. O sentenciado passa a necessitar de terceiros para satisfazer todas as suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa forma, há uma transferência da punição para a família, que terá que fazer todas as atividades externas do sentenciado. Surge a necessidade de constante comunicação com os órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento médico, manutenção da casa etc. 3º) Existe uma dificuldade grande de fiscalização se o apenado está realmente cumprindo a restrição imposta. 4º) A prisão domiciliar pura e simples não garante a ressocialização porque é extremamente difícil para o apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa. Teses que foram firmadas pelo STF em repercussão geral no RE 641.320/RS:

a) A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) Os juízes da execução penal podem avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”, do CP). No entanto, não deverá haver alojamento conjunto de presos dos regimes semiaberto e aberto com presos do regime fechado. c) Havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. d) Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado. STF. Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016 (repercussão geral) (Info 825).

O STF editou uma súmula vinculante a respeito do tema:

Súmula vinculante 56: A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nessa hipótese, os parâmetros fixados no RE 641.320/RS.

STJ O STJ acompanhou o entendimento e fixou a seguinte tese:

A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar, porquanto,

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nos termos da Súmula Vinculante n. 56, é imprescindível que a adoção de tal medida seja precedida das providências estabelecidas no julgamento do RE 641.320/RS, quais sejam: i) saída antecipada de outro sentenciado no regime com falta de vagas, abrindo-se, assim, vagas para os reeducandos que acabaram de progredir; ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; e iii) cumprimento de penas restritivas de direitos e/ou estudo aos sentenciados em regime aberto. STJ. 3ª Seção. REsp 1.710.674-MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 22/08/2018 (recurso repetitivo) (Info 632).

DIREITO TRIBUTÁRIO

ICMS É possível a descaracterização do leasing se o prazo de vigência do arrendamento não respeitar

a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado

É possível a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing) se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado.

Nos termos do art. 8º do anexo da Resolução nº 2.309/96 e art. 23 da Lei nº 6.099/74, o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento mercantil financeiro é de (i) dois anos, quando se tratar de bem com vida útil igual ou inferior a cinco anos, e (ii) de três anos, se o bem arrendado tiver vida útil superior a cinco anos.

Caso concreto: o bem arrendado (pá-escavadeira) possui vida útil superior a cinco anos. Apesar disso, o ajuste previa o arrendamento pelo prazo de apenas dois anos. Logo, foi desrespeitada a Resolução, ficando descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil.

Ficando descaracterizado o leasing, é possível cobrar ICMS sobre esta operação.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.569.840-MT, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

ICMS

O ICMS é um imposto estadual previsto no art. 155, II, da CF e na LC 87/96:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

Características Principais características do imposto: • Plurifásico: incide sobre o valor agregado, obedecendo-se ao princípio da não-cumulatividade; • Real: as condições da pessoa são irrelevantes; • Proporcional: não é progressivo; • Fiscal: tem como função principal a arrecadação.

Fatos geradores Eduardo Sabbag afirma que, resumidamente, o ICMS pode ter os seguintes fatos geradores (Manual de Direito Tributário. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 1061):

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• Circulação de mercadorias; • Prestação de serviços de transporte intermunicipal; • Prestação de serviços de transporte interestadual; • Prestação de serviços de comunicação. Vale ressaltar que incide o ICMS mesmo que “as operações e as prestações se iniciem no exterior” (art. 155, II, da CF/88). Nesse caso, a doutrina chama de “ICMS importação”. Assim, haverá cobrança de ICMS importação nos casos de mercadoria importada do exterior ou nas hipóteses de serviço prestado no exterior. Ex: uma empresa que fabrica roupas deverá pagar ICMS se comprou da China uma máquina têxtil para utilizar em sua linha de produção. LEASING (ARRENDAMENTO MERCANTIL)

O que é o leasing? O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma espécie de contrato de locação no qual o locatário tem a possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o bem, pagando uma quantia chamada de valor residual garantido (VRG). O arrendamento mercantil, segundo definição do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6.099/74, constitui “negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.” A Lei nº 6.099/74 dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil. Opções do arrendatário: Ao final do leasing, o arrendatário terá três opções: • renovar a locação, prorrogando o contrato; • não renovar a locação, encerrando o contrato; • pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem alugado. Exemplo: “A” faz um contrato de leasing com a empresa “B” para arrendamento de um veículo 0km pelo prazo de cinco anos. Logo, “A” pagará todos os meses um valor a título de aluguel e poderá usar o carro. A principal diferença para uma locação comum é que “A”, ao final do prazo do contrato, poderá pagar o valor residual e ficar definitivamente com o automóvel. Obs.: é comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o valor residual será diluído nas prestações do aluguel. Assim, o contrato prevê que o arrendatário já declara que deseja comprar o bem e, todos os meses, junto ao valor do aluguel, ocorre também o pagamento do valor residual de forma parcelada. Como dito, isso é extremamente frequente, especialmente no caso de leasing financeiro. No entanto, nem sempre isso ocorre. O STJ considera legítima essa prática? SIM. Trata-se de entendimento sumulado do STJ:

Súmula 293: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.

Modalidades de leasing Existem três espécies de leasing:

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Leasing FINANCEIRO

Leasing OPERACIONAL

Leasing DE RETORNO (Lease back)

Previsto no art. 5º da Resolução 2.309/96-BACEN

Previsto no art. 6º da Resolução 2.309/96-BACEN

Sem previsão na Resolução 2.309-BACEN

É a forma típica e clássica do leasing. Ocorre quando uma pessoa jurídica (arrendadora) compra o bem solicitado por uma pessoa física ou jurídica (arrendatária) para, então, alugá-lo à arrendatária.

Ocorre quando a arrendadora já é proprietária do bem e o aluga ao arrendatário, comprometendo-se também a prestar assistência técnica em relação ao maquinário.

Ocorre quando determinada pessoa, precisando se capitalizar, aliena seu bem à empresa de leasing, que arrenda de volta o bem ao antigo proprietário a fim de que ele continue utilizando a coisa. Em outras palavras, a pessoa vende seu bem e celebra um contrato de arrendamento com o comprador, continuando na posse direta.

Ex.: determinada empresa (arrendatária) quer utilizar uma nova máquina em sua linha de produção, mas não tem recursos suficientes para realizar a aquisição. Por esse motivo, celebra contrato de leasing financeiro com um Banco (arrendador), que compra o bem e o arrenda para que a empresa utilize o maquinário.

Ex.: a Boeing Capital Corporation® (arrendadora) celebra contrato de arrendamento para alugar cinco aeronaves à GOL® (arrendatária) a fim de que esta utilize os aviões em seus voos. A arrendadora também ficará responsável pela manutenção dos aviões.

Ex.: em 2001, a Varig®, a fim de se recapitalizar, vendeu algumas aeronaves à Boeing® e os alugou de volta por meio de um contrato de lease back. O nome completo desse negócio jurídico, em inglês, é sale and lease back (venda e arrendamento de volta).

Normalmente, a intenção da arrendatária é, ao final do contrato, exercer seu direito de compra do bem.

Normalmente, a intenção da arrendatária é, ao final do contrato, NÃO exercer seu direito de compra do bem.

Em geral, é utilizado como uma forma de obtenção de capital de giro.

ICMS E LEASING O que é o leasing internacional (arrendamento mercantil internacional)? Ocorre quando uma empresa situada no Brasil celebra contrato de leasing com um arrendador para trazer ao país um bem fabricado no exterior. Há incidência de ICMS no caso de leasing internacional? O STF definiu que:

REGRA: NÃO. Em regra, não incide o ICMS importação na operação de arrendamento mercantil internacional, uma vez que no leasing não há, necessariamente, a transferência de titularidade do bem. Em outras palavras, pode haver ou não a compra. Assim, não incide o imposto se existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário e o arrendatário não efetuar a opção de compra. EXCEÇÃO: incidirá ICMS importação se ficar demonstrado que houve a antecipação da opção de compra. Isso ocorre quando não existe a possibilidade de o bem ser restituído ao proprietário, seja por circunstâncias naturais (físicas), seja porque se trata de insumo. STF. Plenário. RE 540829/SP, red. p/ o acórdão Min. Luiz Fux, julgado em 11/9/2014 (repercussão geral) (Info 758). STF. Plenário. RE 226899/SP, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Cármen Lúcia, julgado em 1º/10/2014 (Info 761).

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Assim, pode-se dizer que, em regra, o ICMS não incide sobre as operações de arrendamento mercantil de coisas móveis. Isso porque, para a ocorrência do fato gerador do ICMS, é necessária a efetiva circulação da mercadoria, com a necessária transferência da sua titularidade. No leasing não ocorre a transferência da titularidade. Exceção: haverá incidência de ICMS no leasing caso a sua natureza fique descaracterizada. Assim, se a operação de leasing ficar descaracterizada, mostra-se legítima a cobrança do ICMS por parte do Fisco estadual. Quando o contrato de leasing fica descaracterizado? O STJ possui julgados dizendo que o contrato de arrendamento mercantil (leasing) somente poderá ser descaracterizado caso ocorra uma das situações jurídicas previstas nos seguintes artigos da Lei nº 6.099/74: • Art. 2º; • Art. 9º; • Art. 11, § 1º; • Art. 14; • Art. 23. Hipótese do art. 23 Para a presente explicação somente interessa a situação descrita no art. 23:

Art. 23. Fica o Conselho Monetário Nacional autorizado a: a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos reguladores das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de operações do tratamento neIa previsto e limitar ou proibir sua prática por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas; (...)

Assim, o Conselho Monetário Nacional possui autorização para expedir normas regulamentadoras acerca da atividade de arrendamento mercantil, sendo possível, inclusive, a exclusão ou limitação de modalidades de operação. Prazos mínimos de vigência do leasing Nesse contexto, com base no conteúdo da sessão do Conselho Monetário Nacional de 28/08/1996, o Banco Central do Brasil publicou a Resolução nº 2.309/96, que previu, no art. 8º de seu anexo, que os contratos de arrendamento mercantil deveriam obedecer prazos mínimos de vigência, estipulados de acordo com a vida útil do bem arrendado:

Art. 8º Os contratos devem estabelecer os seguintes prazos mínimos de arrendamento: I - para o arrendamento mercantil financeiro: a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos bens à arrendatária, consubstanciada em termo de aceitação e recebimento dos bens, e a data de vencimento da última contraprestação, quando se tratar de arrendamento de bens com vida útil igual ou inferior a 5 (cinco) anos; b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens;

Em outras palavras, a Resolução disse o seguinte: se o bem arrendado tiver vida útil superior a 5 anos, o contrato de leasing deverá ter vigência de, no mínimo, 3 anos.

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Se o bem tiver vida útil superior a 5 anos e o contrato de leasing deste bem tiver vigência menor que 3 anos, terá sido descumprida a Resolução e, consequentemente, estará descaracterizado o contrato de leasing. Deixa de ser leasing por descumprir a regulamentação sobre o tema. Caso concreto: Determinada empresa celebrou contrato de arrendamento mercantil tendo como objeto uma “pá-carregadeira” (espécie de trator):

Uma pá-carregadeira possui vida útil bem superior a 5 anos. Apesar disso, o contrato celebrado pela empresa previa que o arrendamento mercantil teria duração de 24 meses (2 anos). Diante disso, o Fisco estadual entendeu que estava descaracterizado o leasing e cobrou o ICMS. O STJ considerou que a postura do Fisco foi legítima:

É possível a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing) se o prazo de vigência do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado. Nos termos do art. 8º do anexo da Resolução nº 2.309/96 e art. 23 da Lei nº 6.099/74, o prazo mínimo de vigência do contrato de arrendamento mercantil financeiro é de (i) dois anos, quando se tratar de bem com vida útil igual ou inferior a cinco anos, e (ii) de três anos, se o bem arrendado tiver vida útil superior a cinco anos. Caso concreto: o bem arrendado (pá-escavadeira) possui vida útil superior a cinco anos. Apesar disso, o ajuste previa o arrendamento pelo prazo de apenas dois anos. Logo, foi desrespeitada a Resolução, ficando descaracterizado o contrato de arrendamento mercantil. Ficando descaracterizado o leasing, é possível cobrar ICMS sobre esta operação. STJ. 2ª Turma. REsp 1.569.840-MT, Rel. Min. Francisco Falcão, julgado em 16/08/2018 (Info 632).

EXERCÍCIOS

Julgue os itens a seguir: 1) É trienal o prazo prescricional aplicável às hipóteses de pretensão fundamentadas em inadimplemento

contratual. ( ) 2) A averbação do contrato com cláusula de vigência no registro de imóveis é imprescindível para que a

locação possa ser oposta ao adquirente. ( ) 3) A teoria do adimplemento substancial não tem incidência nos vínculos jurídicos familiares, revelando-se

inadequada para solver controvérsias relacionadas a obrigações de natureza alimentar. ( ) 4) A inobservância do dever de informar e de obter o consentimento informado do paciente viola o direito

à autodeterminação e caracteriza responsabilidade extracontratual. ( ) 5) (Juiz TJ/SP 2017 VUNESP) No caso da celebração de um contrato de prestação de serviços vinculados à

saúde, a obtenção do consentimento informado do paciente, destinatário final do atendimento, é A) subordinada às condições e cláusulas do contrato celebrado, a serem apreciadas em cada caso concreto.

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B) obrigatória, tratando-se de obrigação vinculada ao princípio da boa-fé. C) facultativa e sujeita à aferição de necessidade, a ser feita pelo profissional de saúde. D) obrigatória, tratando-se da obrigação principal do contrato celebrado.

6) (Juiz TRF1 2015 CESPE) A atividade médica realizada sem o consentimento informado do paciente, ainda

que exitosa, constitui hipótese de violação positiva do contrato. ( ) 7) A operadora de plano de saúde não pode negar o fornecimento de tratamento prescrito pelo médico,

sob o pretexto de que a sua utilização em favor do paciente está fora das indicações descritas na bula/manual registrado na ANVISA (uso off-label). ( )

8) Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto. ( )

9) A Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia, atual BM&F BOVESPA, não responde civilmente pelos prejuízos decorrentes da negociação de ações mobiliárias mediante uso de procuração pública falsa que não lhe foi apresentada. ( )

10) Constitui responsabilidade do agente de custódia (corretoras de valores) fiscalizar a regularidade das procurações apresentadas para transferência de valores mobiliários. ( )

11) É necessária a prestação de caução para o ajuizamento de ação por sociedade empresarial estrangeira mesmo ela esteja devidamente representada no Brasil. ( )

12) A propositura de ação em face de réu preteritamente falecido não se submete à habilitação, sucessão ou substituição processual, nem tampouco deve ser suspensa até o processamento de ação de habilitação de sucessores, na medida em que tais institutos apenas são aplicáveis às hipóteses em que há o falecimento da parte no curso do processo judicial. ( )

13) A prática de contravenção penal, no âmbito de violência doméstica, não é motivo idôneo para justificar a prisão preventiva do réu. ( )

14) É desproporcional o reconhecimento da reincidência no delito de tráfico de drogas que tenha por fundamento a existência de condenação com trânsito em julgado por crime anterior de posse de droga para uso próprio. ( )

15) (Delegado PC/GO 2018 UEG) É possível, segundo a Constituição (CRFB) e o Supremo Tribunal Federal (STF), a manutenção provisória de condenado em regime prisional mais gravoso até o surgimento de vaga em estabelecimento penal adequado à progressão de regime. ( )

16) (DPE 2018 FCC) Considerando inexistir vaga em estabelecimento prisional adequado ao cumprimento de pena em regime semiaberto, o juiz de execução penal determina que certo condenado, embora tendo direito à progressão de regime, seja mantido em regime fechado. O Defensor Público competente para atuar no caso pretende adotar medida diretamente perante o Supremo Tribunal Federal – STF, com vistas à cassação da referida decisão e determinação para que outra seja proferida em seu lugar, estabelecendo o cumprimento de medidas alternativas. Nessa hipótese, à luz da Constituição Federal e da jurisprudência do STF, a pretensão do Defensor Público é A) inviável, por não ser cabível medida alguma diretamente perante o STF, ademais de, no mérito, a decisão do juiz de execução penal ser compatível com a cláusula da reserva do possível e o princípio da separação de poderes. B) viável, sendo cabível ajuizar arguição de descumprimento de preceito fundamental, por ofensa aos princípios da legalidade e da individualização da pena, devendo-se observar, no estabelecimento de medidas alternativas, os parâmetros fixados em sede de repercussão geral pelo STF. C) viável, sendo cabível impetrar habeas corpus, por se tratar de decisão que ilegalmente restringe a liberdade de locomoção do condenado, devendo-se observar, no estabelecimento de medidas alternativas, os parâmetros fixados em sede de súmula vinculante do STF. D) inviável, por não ser cabível medida alguma diretamente perante o STF, embora, no mérito, a decisão do juiz de execução penal seja ofensiva aos princípios da legalidade e da individualização da pena.

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E) viável, sendo cabível ajuizar reclamação, por ofensa a súmula vinculante do STF segundo a qual a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, no estabelecimento de medidas alternativas, os parâmetros fixados em sede de repercussão geral por aquela Corte.

17) A inexistência de estabelecimento penal adequado ao regime prisional determinado para o cumprimento

da pena não autoriza a concessão imediata do benefício da prisão domiciliar. ( ) 18) É possível a descaracterização do contrato de arrendamento mercantil (leasing) se o prazo de vigência

do acordo celebrado não respeitar a vigência mínima estabelecida de acordo com a vida útil do bem arrendado. ( )

Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. C 5. Letra B 6. C 7. C 8. C 9. C 10. C

11. E 12. C 13. C 14. C 15. E 16. Letra E 17. C 18. C