informaÇÃo tÉcnico - jurÍdica nº 01/2004 serviÇos ... · do ponto de vista financeiro, a...

5

Click here to load reader

Upload: doanthu

Post on 09-Dec-2018

212 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004 SERVIÇOS ... · Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004

SERVIÇOS EDUCACIONAIS – MATRÍCULA, MENSALIDADES, TRANSFERÊNCIA E TRANCAMENTO.

A crescente oferta de cursos pedagógicos no Brasil tem levado ao acirramento comercial entre as instituições de ensino. A competição entre as escolas e faculdades muitas vezes traz consequências para os alunos, que têm seus direitos básicos tolhidos como forma de segurá-los na instituição. Este estudo procura demonstrar de forma clara e concisa a disciplina jurídica aplicável aos conflitos mais comuns entre os estudantes e as instituições de ensino.

MATRÍCULA

Sob o ponto de vista jurídico, a matrícula é o ato pelo qual se estabelece o vínculo com a instituição de ensino, qualificando o consumidor como aluno regular, sujeito de direitos e deveres de natureza pedagógica, inclusive disciplinar. Tem portanto conotação de ordem pública, regida por Leis Federais e uma gama infinita de Resoluções e Portarias do Conselho Federal de Educação, regimentos internos e editais de ingresso. Não se confunde portanto com o contrato de prestação de serviços educacionais, que prevê relações entre as partes de natureza obrigacional, ou seja, a prestação do serviço e sua contra-prestação pecuniária. O contrato de prestação de serviços educacionais deve ser sempre assinado, independentemente do ato de matrícula, para garantia do exato cumprimento das obrigações previstas. É no contrato de prestação de serviço que devem ser previstos, de forma clara e destacada (CDC, art. 54, § 4º), todos os encargos imputados ao aluno. Com exceção do reajuste da mensalidades escolares, que é disciplinado legalmente, a fixação de outros encargos é livre entre as partes, sendo certo que (i) deverá ser previsto contratualmente - inclusive quanto aos valores - e dizer respeito a um serviço efetivamente prestado, sob pena de enriquecimento ilícito – ex. “taxa de matrícula” cumulada com a cobrança da mensalidade de janeiro ou julho e (ii) deverá não estar ligado à prestação do serviço educacional, sob pena de burla ao controle legal dos reajustes da mensalidade.

Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve ser dividido em 6 ou 12 parcelas, dependendo ser ele semestral ou anual (art. 1º, § 5º da Lei Federal 9.870/99). Por isso a escola pode cobrar a matrícula nos meses de janeiro e julho, mesmo que não haja aulas. Porém é vedado cumular a cobrança de mensalidades nestes meses com qualquer valor à título de “taxa de matrícula”, pois não há qualquer serviço efetivamente prestado a este título.

Também poderá ser cobrada a matrícula antecipadamente para garantir a vaga do aluno aprovado no vestibular, mas no caso de desistência até o início das aulas, a faculdade deverá devolver o valor equivalente a 80% da mensalidade paga (parecer 163/81

____________________Rua 23 esq. com Av. Fued José Sebba, qd. A-06, lts. 01/24, Jardim Goiás, Goiânia-GOFones: (62) 243-8040 e Fax: (62) 243-8038 – [email protected]

1

Page 2: INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004 SERVIÇOS ... · Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

do Conselho Federal de Educação), retendo 20% a título de despesas administrativas. Muitas escolas têm feito referência à Resolução nº 11, de 17/12/81, do Conselho Federal de Educação, para reter a quantia equivalente a 24% da mensalidade paga, mas tal Resolução ficou restrita ao ano letivo de 1982. De qualquer forma, valores acima destas referências são manifestamente excessivos (CDC, art. 39, V e art. 51, IV), e, mesmo que previstos no contrato de prestação de serviços educacionais, são nulos de pleno direito. Da mesma forma são nulas cláusulas contratuais que condicionem a restituição da matrícula à manifestação da desistência durante qualquer prazo antes de iniciado o ano letivo, pois estaria se configurando um enriquecimento ilícito por parte da instituição de ensino. Neste sentido preceitua o item 16 da Portaria nº 03/01 da Secretaria de Direito Econômico. No entanto, no caso de desistência manifestada após o início do ano letivo, o aluno não faz jus a qualquer restituição da mensalidade já paga.

Afora as punições disciplinares expressamente previstas no regimento interno, que não são objeto deste estudo, a renovação da matrícula somente poderá ser recusada pela instituição de ensino no caso de inadimplência do aluno. A Lei Federal nº 9.870/99 é clara em estabelecer que, uma vez regularmente matriculado, ou seja, efetivado o ato de matrícula para o período letivo corrente, o estabelecimento de ensino não poderá reter provas ou documentos, suspender aulas ou impor qualquer sanção pedagógica em razão da inadimplência do aluno durante o curso. Mas ao final do período letivo cursado, a instituição de ensino poderá recusar a matrícula para o próximo período enquanto o aluno não quitar a sua dívida, acrescida dos encargos contratuais. A Lei não faz qualquer menção quanto à possível negociação desta dívida, não sendo obrigação da escola aceitar uma negociação para efetivar a matrícula. Passa a ser questão exclusivamente relacionada à vontade das partes.

O ato da matrícula também cristaliza o direito adquirido do aluno de concluir o curso segundo o regime curricular vigente quando da matrícula, em relação tanto às disciplinas quanto aos horários, ao número de classes ou de alunos por classe. A instituição de ensino somente poderá alterar a grade curricular, alterar os horários ou extinguir salas com o consentimento expresso de todos os alunos matriculados. Neste sentido vide jurisprudência: (AC/TJRS 591100383 e 591097563). Porém, antes da matrícula, a instituição de ensino pode decidir não abrir o curso em razão da insuficiência de alunos aprovados no exame vestibular, desde que assim previsto no edital do vestibular, sob pena de cumprimento forçado (CDC, art. 30 e 35, I). Uma vez suprimido o curso nestes termos, a questão fica resolvida em perdas e danos em favor do aluno aprovado, pois neste caso existe apenas uma expectativa de direito.

A Justiça Estadual é competente para processar e julgar eventual mandado de segurança contra diretor de instituição de ensino em relação à violação de direitos vinculados com a matrícula. Apesar do estabelecimento de ensino agir por delegação do Ministério da Educação, o diretor pratica ato de mera gestão. Assim, reserva-se a competência da Justiça Federal apenas à atos ligados à atividade docente. Jurisprudência: CC/STJ 38.458.

____________________Rua 23 esq. com Av. Fued José Sebba, qd. A-06, lts. 01/24, Jardim Goiás, Goiânia-GOFones: (62) 243-8040 e Fax: (62) 243-8038 – [email protected]

2

Page 3: INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004 SERVIÇOS ... · Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

MENSALIDADES

O valor das mensalidades no momento da assinatura do contrato de prestação de serviços educacionais deve sempre levar em conta o valor cobrado no último período letivo, com a correção prevista em lei. O valor total do curso deve ser dividido em 6 ou 12 parcelas, e deve ser dada total publicidade aos valores (art. 1º, § 5º e art. 2º da Lei Federal 9.870/99). Durante o ano letivo é proibido qualquer reajuste das mensalidades. A correção dos valores anteriores é regulada pelos § 3º e 4º da Lei Federal 9.870/99, conforme redação dada pela Medida Provisória nº 2.173-24, de 23.8.01, tornada definitiva pelo disposto no artigo 2º da Emenda Constitucional nº 32/01. Em suma, a instituição deverá elaborar uma planilha com a variação de custos a título de pessoal e de custeio, a ser fiscalizada pela Secretaria de Direito Econômico, pelas associações de pais e alunos, pelos Ministério Públicos Federais e Estaduais, e pelos Procons.

Durante o curso, caso haja opção regimental de frequentar apenas algumas disciplinas, ou ao final do curso, caso haja necessidade de repetir uma ou algumas disciplinas isoladas, a mensalidade deverá corresponder à proporcionalidade da disciplina cursada em relação à totalidade do curso integral, sob pena de cláusula ou prática abusiva (CDC, art. 51, IV). Jurisprudência: Resp/STJ 72.703.

O vencimento da mensalidade deve se dar ao final no mês letivo, pois como contrato bilateral, a escola não poderá cobrar a prestação do aluno antes de prestar o serviço (CC, art. 476). Na prática, o que se verifica é que as escolas cobram o vencimento antecipadamente sob a denominação de “desconto por pontualidade”. Não há norma legal que proíba a concessão de descontos. Mas esta prática representa indícios de abusividade, pois na verdade poderá implicar em burla às limitações dos encargos moratórios aplicáveis ao aluno inadimplente. Existem descontos para pagamento antecipado de 20 % ou mais sobre o valor cobrado ao final do mês, o que se mostra incompatível com a boa-fé necessária às práticas comerciais (CDC, art. 51, IV). Ora, se o valor das mensalidades tem seus limites fixados mediante planilha de custos comprovados, como a escola poderia funcionar renunciando à 1/5 da sua receita destinada à cobertura destes custos ? No mínimo há que se fazer um exame apurado sobre a planilha de custos apresentadas, pois é muito provável que esteja superfaturada para permitir a concessão de descontos tão representativos.

No caso da inadimplência do aluno ao final do mês, sobre o valor da mensalidade poderá incidir os encargos legais, a saber (i) multa contratual, que não poderá ultrapassar o valor de 2% (CDC, art. 51, IV e XV, art. 52 § 1º). O STJ já decidiu que a limitação da multa em 2% não se limita aos contratos de concessão de crédito. Jurisprudência: Resp/STJ 476.649; (ii) correção monetária pelo índice pactuado, vedada a cumulação com a “comissão de permanência diária”, que, se instituída, deverá representar apenas a correção monetária pro-rata (índice mensal da inflação dividido pelos dias do mês), e jamais a taxa média do mercado financeiro, que é exclusiva dos contratos ligados às instituições financeiras (iii) juros legais. As escolas têm o prazo de 5 anos contados a partir ____________________Rua 23 esq. com Av. Fued José Sebba, qd. A-06, lts. 01/24, Jardim Goiás, Goiânia-GOFones: (62) 243-8040 e Fax: (62) 243-8038 – [email protected]

3

Page 4: INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004 SERVIÇOS ... · Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

do vencimento das mensalidades para promover a cobrança judicial (CC, art. 206, § 5º, I), com possibilidade de inclusão do devedor nos cadastros de inadimplentes, mediante prévio aviso.

TRANSFERÊNCIA

A transferência do estudante para outro estabelecimento de ensino é irrenunciável e decorre da própria garantia constitucional de liberdade de locomoção (CF, art. 5º, XV) e de igualdade de condições para acesso e permanência na escola (CF, art. 206, I). Há apenas dois requisitos para que a transferência do aluno deva ser deferida pela escola: (i) que ele esteja regularmente matriculado no período letivo em curso (Lei Federal 9.394/96, art. 49) e (ii) que no momento da transferência seja possível o cumprimento pelo aluno do prazo mínimo de frequência efetiva no período letivo - 100 dias se semestral e 200 dias se anual (Lei Federal 9.394/96, art. 47, § 3º). Cumpridos estes requisitos, a instituição de ensino não poderá negar a transferência do aluno, nem mesmo se ele estiver inadimplente com a escola (Lei Federal 9.870, art. 6, § 2º).

Desde que observados os requisitos referidos, a transferência não está sujeita a nenhum prazo regimental (Parecer do Conselho Federal de Educação 679/69), podendo inclusive ser operada logo após aprovação no vestibular, desde que efetuada a matrícula (Parecer do Conselho Federal de Educação 224/84). A transferência do aluno deve se dar no prazo de 20 dias contados do requerimento, valendo este protocolo como documento provisório para a frequência na nova unidade (Portaria 975, de 25/06 92 do MEC). No momento do requerimento de transferência, a instituição recebedora deverá declarar a existência da vaga destinada ao aluno, para que não se desvie a finalidade do procedimento (Portaria 975/92 do MEC). Se a transferência for solicitada após o início do período de renovação da matrícula para o período letivo seguinte, consoante o regimento interno e o calendário escolar, a matrícula na instituição de origem deverá ser feita, para que o vínculo esteja regular. Isto não quer dizer que possa ser cobrado qualquer valor a título de matrícula, pois, sob o ponto de vista financeiro, esta é a primeira mensalidade do curso, que não será prestado, e portanto, é indevido. Há também que se observar o calendário de provas das instituições de ensino envolvidas, sob pena da transferência ser impossível do ponto de vista pedagógico. Poderá ser cobrada “taxa de transferência”, desde que expressamente previsto - inclusive quanto a valores - no contrato de prestação de serviços educacionais.

Se a concessão do pedido de transferência é obrigatória para a instituição de ensino onde o aluno tem o vínculo, para a instituição que vai recebê-lo a transferência é facultativa, ou seja, cabe a ela decidir se abrirá vagas para alunos vindos de outra escola. Caso haja interesse da instituição de ensino de receber alunos transferidos, somente poderá fazê-lo se houver vagas ociosas dentro do limite estabelecido no edital de concurso de ingresso ou no regimento interno de cada instituição (número de vagas iniciais, que devem ser mantidas durante todos os períodos letivos do curso), sob pena de violação dos direitos

____________________Rua 23 esq. com Av. Fued José Sebba, qd. A-06, lts. 01/24, Jardim Goiás, Goiânia-GOFones: (62) 243-8040 e Fax: (62) 243-8038 – [email protected]

4

Page 5: INFORMAÇÃO TÉCNICO - JURÍDICA Nº 01/2004 SERVIÇOS ... · Do ponto de vista financeiro, a matrícula nada mais é do que a primeira parcela do custo total do curso, que deve

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁSCENTRO DE APOIO OPERACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

dos alunos que já estudam na escola e que têm direito a prestação de um serviço no padrão de qualidade que originalmente contrataram (CF, art. 206, VII). Assim, podem ser abertas vagas para transferência nos casos de desistência, abandono (ruptura pela não renovação da matrícula), repetência, mas não no caso de trancamento, quando o vínculo com a instituição é mantido. No caso de concurso público para ingresso (vestibular), somente se admitirá vagas para transferência se for dada preferência para todos os classificados no certame. Para a transferência entre os mesmos cursos, não é necessária a realização de processo seletivo, pois entende-se que todos os interessados já prestaram o vestibular em igualdade de condições de acesso, ficando a decisão à cargo da instituição de ensino receptora. Já para a transferência entre cursos afins é necessário o processo seletivo classificatório com regras e vagas determinadas pelo regimento interno da instituição e previstas em edital, tudo para se dar atendimento ao princípio constitucional do direito de igualdade de condições ao acesso nas escolas (CF, art. 206, I).

TRANCAMENTO

No trancamento, ao contrário da desistência ou do abandono, o vínculo entre a instituição de ensino e o aluno continua regular, mantendo-se o direito à vaga (que por isso não pode ser ocupada através de transferência). Mas ao contrário da transferência, o trancamento não é um direito adquirido do aluno, devendo ser observados os prazos e hipóteses constantes do regimento interno da instituição de ensino, do modo que estabelecido no momento da matrícula. O aluno que teve o pedido de trancamento deferido poderá requerer transferência da mesma forma, pois o seu vínculo é regular, não havendo necessidade de renovar a matrícula, que permanece incólume. Apenas os estudos são interrompidos. A “taxa de trancamento” poderá ser cobrada desde que expressa, inclusive quanto a valores, no contrato de prestação de serviços educacionais.

Por Cláudio Braga LimaPromotor de Justiça e Coordenador do CAOC

____________________Rua 23 esq. com Av. Fued José Sebba, qd. A-06, lts. 01/24, Jardim Goiás, Goiânia-GOFones: (62) 243-8040 e Fax: (62) 243-8038 – [email protected]

5