influências em ihering - lauda

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INFLUNCIAS EM IHERING: investigao dos fundamentos de seu pensamento em sua fase madura *

Bruno Bolzon Lauda1

RESUMO: o pres ente trabalho trata-se de uma anlise comparativa entre os dois principais escritos de Ihering de sua fase madura e trabalhos de filsofos, juristas e economistas ingles es da corrente filosfic a do utilitarismo, como forma de se tentar estabelec er se houve ou no influncias de sua part e sobre o pensamento maduro de Ihering, em sua segunda fas e, chamada de jurisprudncia dos interesses. PALAV RAS -CHAV E: histria do direito, juristas ingleses, juristas alemes, pragmatism, utilitarismo

INFLUENCES OVER IHERING: an investigation of the fundaments of his thought on his mature phaseABSTRACT: the present article is a comparative analysis between the t wo main writings of the german jurist Rudolf von Ihering in his mature phase and the works of the philosophers, lawy ers and English ec onomists of the philosophical school k nown as utilitarianism, as a way of t rying establish whether or not there were influences of their works over the mat ure Ihering, in his second phase, known as the "jurisprudence of interests." KEY-WORDS: history of law, english jurists, german jurists, pragmatism, utilitarianism

*

Texto elaborado para a Disciplina DIRP 150, ministrada pelo Prof. Dr. Alfredo de Jesus Dal Molin Flores, no 2 semestre do ano letivo de 2009. 1 Aluno do programa de ps-graduao em Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS ), matrcula n 00138368.

INTRODUO O objetivo do presente trabalho o de realizar um estudo acerca da ltima fase do pensamento do jurista alemo do sculo XIX Rudolf von Ihering. Sero analisados os caracteres fundamentais de seu pensamento maduro, bem como se tentar buscar as possveis influncias que se lhe abateram. Para tanto, sero objeto de anlise as duas obras de expresso mxima de Ihering em sua fase madura , a que acreditamos estar consolidada a partir do Esprito do Direito Romano2 (1852/1865), o 1883)3. No foi realizada uma anlise histrico-biogrfica, com o uso de fontes primrias, como cartas, e secundrias, como relatos, mas sim apenas um estudo literrio, com a utilizao dos dois principais escritos do autor j mencionados, representantes de uma fase e de outra. A idia a de comparar o pensamento do autor tal como chegou at ns. A guisa de introduo colocamos desde j que nos parece que Ihering, tal como outros pensadores alemes de sua poca 4, sofreu grandes influncias da filosofia anglo-sax, em especial a utilitarista, de Jeremy Bentham e seus seguidores. Por isso ser necessria alguma introduo s idias gerais desses autores. Inicialmente realizar-se- uma breve referncia biografia de Ihering, com meno s datas de publicao de suas principais obras, dado que necessrio para situarmo-nos no tempo em relao vida do autor para o presente estudo.2 3

jurista da chamada

jurisprudncia dos interesses, cuja obra mxima O Fim do Direito (1877-

Der Geist des rmischen, no original. Zweck im Recht, no original. Foi t raduzido para a lngua port uguesa tambm sob o t tulo de A E voluo do Direito. A tradu o realizada para a lngua inglesa parec e-nos igualmente acertada, em relao proposta do autor: Teleology of Law. P ois a palavra Fim, adot ada na traduo para a lngua portuguesa, indica tanto finalidade no sentido de teleologia como no de explicao de uma relao de causalidade (necessria ou no), ficando pouco claro de qual se trata antes da leitura da obra, pecando pela ambigidade. Por outro lado, o vocbulo evoluo postiamente cientfico e sugere neutralidade e naturalidade de um dado processo, que no caso seria o das sucessivas manifestaes do Direito na histria, conceit os que no condizem com a proposta do trabalho de Ihering. Pois, a obra trat a da evoluo do Direit o em um sentido definido (o qual mencionado no presente artigo). No entant o, evoluo por si s no indica nenhuma finalidade, e sim apenas uma srie de trans formaes adaptativas ou de aprimoramentos sem vnculos com qualquer logos isto , no sugere qualquer teleologia. No entanto, important e ressaltar que esse fim essencialmente prtico, em Ihering, e no, de qualquer modo, transcendental. Por isso a traduo para a lngua inglesa tambm no exat a. 4 Mencionamos o exemplo de Marx, antes e depois de O Capital.

2. A PRIMEIRA FASE DE IHERING Ihering nasceu no dia vinte e dois de Agosto de 1818, em Aurich, na Frsia. Filho de famlia de eminentes e tradicionais juristas, jamais manifestou dvidas quanto sua vocao. Estudou em vrias universidades: comeou em Heidelberg, completando sua formao inicial em Gttingen, e depois em Berlim, em cuja Universidade se graduou em 1843. Ainda durante a graduao, adquiriu tal renome que foi convidado para lecionar na Basilia, Sua, com vinte e sete anos de idade, indo depois lecionar sucessivamente, em Kiel, Giessen, onde escreveu seu principal trabalho sobre Direito Romano e, finalmente, em Viena, onde se notabilizou como professor de Direito Romano, tendo sido-lhe concedido inclusive um ttulo de nobreza. Em Viena, ao mesmo tempo em que lecionava, continuava a redigir o livro O Esprito do Direito Romano nas Diversas Fases de sua Evoluo. nesta fase de sua vida que adentra na maturidade de seu pensamento, na qual Ihering escreveu sua obra definitiva: Zwerk der Recht (A Finalidade do Direito), em 1883, quando j estava vivendo em Gttingen (e onde permaneceu at a sua morte). Os escritos de Ihering se caracterizam por manifestar suas crticas para com o grande jurista da gerao passada, Savigny. O fundamento de seu Esprito do Direito Romano no nenhum outro seno uma reao contrria percepo que tinha de que o Tratado de Direito Romano daquele autor partiria de uma viso puramente nacionalista, e at solipsista do Direito Alemo. Nesse sentido:A escola histrica, diz Savigny, ao formular o seu programa, admite que a substncia do Direit o seja dada por todo o passado de uma nao, no certamente de um modo arbitrrio e determinado t o somente pelo acaso, mas sim saindo das prprias entranhas dessa nao e de sua histria. Como se v, a condenao do prprio Direit o romano. Que h de comum entre o Direito r omano e todo o 5 passado, as prprias ent ranhas e a histria das naes modernas?

5

IHE RING, Rudolf Von. Esprito do direito romano. p. 13.

Para Ihering, pois, o erro da escola histrica teria consistido em sua defesa do carter nacional, do volksgeist relativo ao Direito como elemento fundamental. Em posio que iria manter em seus trabalhos posteriores, no Esprito a crtica de Ihering a essa posio pode ser resumida ao apontamento de uma aparente obviedade: inexistem Direitos verdadeiramente nacionais dentre os que se serviram do Direito romano. Nesse sentido:O Direito romano, dizem, chegou a ser, com o transcurso dos anos, o nosso, e, evitando a controvrsia, crem poder defend -lo com o princ pio das nacionalidades. Isso possvel; mas como se justificar que o Direito romano se haja transformado em nosso direit o? Quando, pela primeira vez, bateu nossa porta, certamente ainda no o era (...) Eis a o problema que a escola de se trat a [histrica] deixa sem resposta (...) mas dadas as suas concluses, a aceita o do Direito romano no se compreende sen o como um extravio inexplicvel da histria como uma apostasia do princpio histrico 6 (...).

Ihering adota um ponto de vista fortemente universalista. Tudo, no Direito Romano, que dissesse respeito exclusivamente s peculiaridades da nao romana, e que no tivesse chegado at ns como manifestao direta em algum instituto, foi tratado como sendo relevante apenas de um ponto de vista filolgico. Seu objetivo era o de ressaltar os aspectos universais do Direito Romano, e no o de escrever uma obra sobre histria em sentido estrito. Na obra, a evoluo do Direito Romano tratada como se fosse um processo de evoluo psicolgica e social. O objetivo proposto o de extrair o esprito do Direito para o romano e para a sua era. Por isso, Ihering reconstri a mentalidade da poca da qual tratava. No se trata de uma anlise filolgica e histrica pura, mas sim de um estudo cultural. Ihering no o fez inconscientemente:A maior parte dos trabalhos que c ontm a exposio da histria do Direit o romano parecem contradizer formalmente esta opinio. Em vez de demonstrar a unidade histrica do conjunto das instituies, no desenvolvem, s nossas vistas, mais do que uma srie de trocas sem relao entre si. Dividem a matria em histria interna e histria externa: esta ltima em perodos (mtodo sincronstico) enquanto que para a outra abandonam essa diviso (mtodo cronolgico). (...) Para que se possa falar de uma histria do direito absolutamente

6

Ibidem, p. 13-14.

necessrio supor certa proporo e simultaneidade no jogo das 7 diversas instituies.

Podem-se vislumbrar os pontos fundamentais de Ihering diante do que j foi exposto. Primeiro, um crtico da escola histrica, por conta de seu alegado nacionalismo. Para Ihering, um estudo acerca da natureza do Direito no poderia jamais pretender-se completo atendo-se apenas realidade jurdica de um nico pas, e, mais do que isso, um estudo da histria do Direito em um determinado pas no poderia limitar-se apenas ao estudo das fontes daquele mesmo pas, e sim incluir tudo o que lhe fosse comparvel do estrangeiro. Segundo, seu objetivo fundamental: encontrar o valor para a vida do Direito. Por isso o seu Esprito no comparvel a outras obras posteriores, e mesmo anteriores, em termos de fontes e pesquisa histrica criteriosa: seu objetivo principal foi o de buscar o significado cultural e social do Direito romano. O objetivo de Ihering no mais tanto obter um conhecimento total da do Direito, mas sim, o que desenvolveria em sua grande obra posterior, seu fim. De acordo com LARENZ, se nota ainda o fenecimento da influncia da jurisprudncia dos conceitos de Puchta 8, predominante no pensamento do autor antes da maturidade, para uma jurisprudncia mais pragmtica: a jurisprudncia dos interesses. 3. A JURISPRUDNCIA DOS INTERESSES: INFLUNCIAS E PRESSUPOSTOS O contexto em que Ihering lecionou no lhe era amigvel. Ocorre que, poca, sofria, a academia alem de uma averso quase que patolgica ao utilitarismo e cincia econmica de uma maneira geral (o que pode indicar o fato de que houve poucos economistas de renome de origem alem, fora os austracos) 9. Em sua segunda fase, eram-lhe patentes as insuficincias e os7 8

IHE RING, Rudolf Von. Esprito do direito romano. p. 54-55. LARENZ, K arl. Metodologia da cincia do direito. Trad. Jos Lamego. 3a ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 29. 9 O caso de Ihering , inclusive, citado brevement e por um dos mais eminentes economistas formados na escola de Viena, ao final do sc. XIX, o austraco Ludwig V on Mis es, que coloc a, de maneira bastante contundent e: No less serious was the matter of utilitarianism. The utilitarian philosophy was not tolerated at German universities. Of the two outstanding German utilitarians, Ludwig Feuerbach never got any teaching job, while Rudolf von Jhering was a teacher of Roman Law. All the misunderstandings that for more than t wo thousand years have

problemas da jurisprudncia dos conceitos, ento dominante. Segundo LARENZ:"De fato, uma cincia do Direito que via o seu maior c ontributo na compreenso historicamente fiel das fontes jurdic as romanas ainda estimadas como vlidas para a atualidade e na insero num sistema de conceitos logicamente inquestionvel (e que, nesse as pecto, muito fizera de excelente) mal podia c orresponder s exigncias de uma prtica do Direito que diuturnamente era colocada perante problemas a que aquelas fontes no conseguiam dar uma resposta satisfatria.(...)Era o mundo de idias polticas que tinha emergido da 10 Revoluo Francesa."

Assim, Ihering percebera os principais problemas da escola. A adeso a um formalismo excessivo deturpava a cincia jurdica e no correspondia verdadeira natureza do Direito. Alm disso, pecava por no conseguir responder aos anseios da sociedade. O formalismo encerrava-se em frmulas desligadas de seu tempo, fazendo com que os conceitos jurdicos perdessem o seu sentido prtico11. Assim, Ihering tinha de encontrar-lhe e opor-lhe uma resposta. Nesse sentido, Ihering parece ter sofrido alguma influncia pelos economistas ingleses clssicos e pelos utilitaristas, como Adam Smith, Jeremy Bentham e James Mill. A conferir, por exemplo, a seguinte citao, de Ihering:(...) A ampliao de minha fbrica exige que meu vizinho ceda parte do seu terreno. (...) Atravs da minha oferta de aquisio, crio, de forma artificial, na pessoa do meu vizinho, um int eresse na realiza o da minha finalidade, desde que lhe oferea uma quantia tal que s eu interesse em abrir mo de seu direito terra seja maior do que em 12 conserv-la...

Tal passagem guarda incrveis semelhanas com Adam Smith, a saber, em seu famoso exemplo do padeiro:been advanced against Hedonism and Eudaemonism were rehashed by the professors of Staatswissenschaften in their criticism of the British economists. If nothing else had roused the suspicions of the German scholars, they would have c ondemned economics for the sole reason that Bentham and t he Mills had contributed to it. MISES, Ludwig. The Historical Settings of the Austrian School of Economics. Disponvel em: http://mises.org/etexts/Histsetting.pdf. Acesso em: 09/11/2009. 10 LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do direito. Trad. Jos Lamego. 3a ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997, p. 56. 11 Ihering, Rudolf von. A evoluo do direito. p. 48. 12 MORRIS, Clarence (org.). The great legal philosophers: selected readings in jurisprudence. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1997.

(...) No da benevolncia do padeiro, do aougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho 13 deles em promover seu prprio 'auto-interesse.

E ainda com Jeremy Bentham. Comparemos, por exemplo, Ihering com Bentham, ao explicar o princpio da utilidade, ponto-chave da doutrina utilitarista:By the principle of utility is meant that principle whic h approves or disapproves of every action whatsoever, according to the tendency which it appears to have to augment or diminish the happiness of the party whose interest if in question(...). I say that of every action whatsoever, and therefore not only of every private individual, but of 14 every measure of government.

Ihering, ao explicar as finalidades da vida social (isto , o que buscam os governos e os particulares, individualmente considerados):(...) As finalidades da vida social t ambm s podem s er atingidas movendo-se o outro lado c om a alavanca do interesse, s que o interesse aqui de uma natureza diferente daquela que empregada na vida comercial. Aqui o interesse de ent reteniment o, de distrao, de prazer, de vaidade, de ambio, de respeito social, etc.

As influncias dos utilitaristas foram importantes no pensamento maduro de Ihering. Ainda que acabasse por no aderir a um utilitarismo extremado, ou a um pragmatismo inconseqente, podem-se perceber duas caractersticas marcantes na fase madura do pensamento de Ihering: Direito coao exercida por meio da norma, a qual visa uma utilidade. Ademais, realmente patente a sua leitura e compreenso dos economistas clssicos. Em diversas passagens de sua obra O Fim do Direito, Ihering celebra as vantagens e os benefcios advindos da economia de livre mercado, como se fosse um Bastiat ou um Spencer. A ver, por exemplo:

"O egosmo do vendedor que exagera o seu preo paralisado pelo de outro mercador que prefere vender por um preo mdico a no vender de maneira nenhuma; o egosmo do comprador que oferece13

SMITH, A dam. A riqueza das naes: investigao sobre sua nat urez a e caus as. Trad. Luiz Joo Barana. 2. ed. So Paulo: Nova Cult ural, 1996. v. I e II (Os Economistas). 14 MORRIS, Clarence (org.). The great legal philosophers: selected readings in jurisprudence. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1997.

muitssimo pouco paralisado pelo de um outro que oferece mais - a 15 concorrncia o regulador espontneo do egosmo."

Arrematando, em passagem de clareza inquestionvel, colocando o mercado como o maior, melhor e mais eficiente promotor da igualdade:

"Em parte alguma o princpio da igualdade se ac ha mais completamente realizado na prtica (no comrcio jurdico). O dinheiro o verdadeiro apstolo da igualdade. Os preconceitos sociais, todas as ant teses sociais, polticas, religiosas, nacionais, so impotentes contra ele. (...) Servindo-se a si prprio, favorece a famlia humana; preocupado somente consigo prprio e com o seu interesse, realiza no seu domnio sem o saber e s em querer um princ pio que a ele 16 resiste em qualquer outra parte - o da igualdade das pessoas."

Ou, ainda, como advogado do no-intervencionismo, tanto em termos histricos como propositivos:O comrcio, as diferentes artes manuais, a agricultura, a indstria, a arte e a cincia, os costumes domsticos e os da vida organizam -se essencialmente por si prprios. O Estado s intervm por via do seu direito quando e unicamente essa interven o absolutamente necessria para preservar certos ataques ordem que seus fins 17 traaram a si prprios.

Apesar de tudo, no entanto, Ihering no foi um defensor do liberalismo extremado, admitindo intervenes estatais para o bem da sociedade, s custas da liberdade individual, criticando Mill, nesse sentido, por exemplo, em relaes s questes da liberdade de comrcio (mencionando o caso do pio). Sua adeso ao liberalismo econmico foi bastante superficial. Ihering crtica a excessiva liberdade contratual e de comrcio:E depois, que estranha suscetibilidade esta quando se trata de livre cmbio: [citando liberais] H no comrcio questes relativas interven o pblica que so essencialmente questes de liberdade; tais so: a proibio da exportao de pio para a China, a restrio importa venda de peixe, e, em suma, todos os casos em que o objeto da interveno tornar o comrcio de certos gneros difcil ou impossvel. Essas intervenes so repreens veis como verdadeiras usurpaes cometidas, no j c ontra a liberdade do produtor, mas contra a do c omprador. Portanto, o governo chins no tem o direito de proibir o comrcio do pio? Deve ento cruzar os braos e assistir a runa fsica e moral do povo? (...) Sobre esta questo os dois15 16 17

IHE RING, Rudolf von. A evoluo do direito. Salvador: Livraria Progresso. 1953. p. 140. Ibidem. p. 206. Ibidem. p. 91.

grande pensadores HUMBOLDT e S TUA RT MILL fizeram uma 18 ruidosa bancarrota.

A crtica de Ihering segue em coerncia com o restante de sua teoria. Sua adeso ao utilitarismo foi mitigada pelo pragmatismo; era contra as teorias inspiradas em doutrinas abstratas e desligadas da prtica e das necessidades da prtica que se insurgia. Estava preocupado com a maneira segundo a qual o Direito se desenvolve na prtica, no cotidiano, e para que se manifesta. Isso se explica. De acordo com LARENZ, o Ihering da jurisprudncia dos interesses no se interessava tanto pelo conhecimento puro da jurisprudncia, como a dogmtica, mas sim em encontrar a finalidade do Direito. Isso suscita alguns problemas: onde encontr -la, e no que pode consistir? Maximizao da utilidade? Favorecer a criao de riquezas? Manter a ordem? Sim e no. Quando Ihering fala que toda proposio jurdica deve a sua origem a um fim prtico 19, est dizendo que toda criao jurdica nasceu como proposta de soluo de um problema, de promoo de algum interesse, de melhoramento de alguma situao. Que no h criao jurdica que no se deva a alguma percepo de uma situao ftica a ser alterada, transformada ou consolidada. Consideraes de natureza puramente utilitarista so uma forma forada de promoo de uma teleologia do Direito (possivelmente) arbitrria, o que Ihering no prope. possvel que sejam verdadeiras no plano histrico, em um dado momento, o que Ihering no exclui. Mas, positivamente, e cientificamente, no o que a sua teoria compreende como sendo a causa do Direito. 4. DEFINIO DE DIREITOS

Ihering critica fortemente a concepo do direito subjetivo como expresso da vontade, geralmente admitidas desde Hegel. A vontade, para Ihering, no era o fundamento do direito, mas apenas a sua fora motriz e objeto.

18 19

Ibidem. p. 411. Ibidem. p. 28.

Para Ihering, dois elementos constituem o princpio do direito subjetivo. Um substancial, que reside no fim prtico do direito, produzindo uma utilidade, as vantagens e garantias que este assegura; e outro formal, que se refere a esse fim unicamente como meio, isto , a proteo do direito, a ao da justia Nesse sentido, o direito estaria composto de duas partes: um interesse juridicamente protegido e os meios de defesa para garanti-lo. Nesse sentido, Ihering:"Cualquiera que sea la diversidad del inters que pres enten los diversos derechos, todo derecho establecido es la expresin de un inters reconocido por el legislador que merece y reclama su proteccon. Los derechos se transforman a medida que cambian los 20 intereses de la vida(...)."

Entretanto, de se notar que, na realidade, a teoria do direito de Ihering neste ponto est incompleta. Ocorre que o autor planejava que a sua obra O Fim do Direito consistisse em dois volumes, sendo que no segundo seria tratado o direito no como finalidade, mas seu fim propriamente dito, isto , a substituio necessria do interesse pela de utilidade, representada pelo conceito de fim prtico; este teria sido o fundamento e a razo da criao de todo o Direito. 5. DIREITO PBLICO, DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO PRIVADO

Acerca do Direito Internacional, Ihering considerava que a coao era condio essencial do direito. Assim, ao firmar-se nessa condio, colocou que ainda que se reconhecesse o Direito Internacional como forma organizada dos deveres do soberano, careceria de meios de realizao prtica. Seria, portanto, um Direito aleijado, ao qual no faltaria substncia, mas sim o elemento formal de garantia coativa. E, mais ainda, a nica forma de superao dessa lacuna, a criao de um tribunal superior internacional com poder coercitivo, resultaria no prprio e lgico desmoronamento do Direito Internacional. A mesma dificuldade Ihering v em relao ao Direito Pblico. O Soberano no pode estar limitado pelas regras que cria, pois aquele a quem20

IHE RING, Rudolf von. La dogmtica jurdica. Buenos Aires: Editorial Losada, 1946, p. 183.

cumpre coagir todos os que tm autoridade abaixo de si no pod eter acima de si pessoa que o coaja21. O Direito Pblico seria Direito sem coero; sua violao importaria em violar Direito vigente, porm sem meios de voltar-se contra o perpetrador. Nesse sentido:"Para todos os outros rgos do poder pblico, o estado de coao e o direit o de coao coincidem. O impulso -lhes dado do alto, continua em baixo, como um relgio em que as rodas atuam umas sobre as out ras. Mas o relgio no pode dar corda em si mesmo, tem de intervir a mo do homem. Essa mo, na constituio monrquica, o soberano. ele quem imprime o movimento a t odo o mecanismo, ele no Estado o nico que usa da coao sem poder ser tambm coagido. Por mais que a Constituio lhe restrinja o poder pela referenda e pela responsabilidade dos ministros, pelo juramento constitucional dos funcionrios, etc, por mais esforos que ela faa por cingi-lo observncia das leis, pela garantia moral do julgamento de fidelidade Constituio, impossvel submet -lo a uma coa o 22 jurdica positiva."

6. O FIM DO DIREITO Primeiramente, necessrio retomar o que Ihering compreende como sendo o fim, ou, no original, o zweck de sua obra. Conforme afirma logo na primeira pgina:A teoria da razo s uficiente ensina -nos que nada no universo acontece por si mesmo (causa sui). Todo o aconteciment o, isto , toda a modificao no mundo fsico, a resultando de uma modificao anterior, necessria sua existncia (...) a lei da causalidade. (...) Esta lei rege tambm a vontade. (...) Mas com a natureza inanimada essa causa de essncia mecnica. (...) psicolgica quando a vontade intervm: esta procede em vista de um 23 fim, mira a um alvo (Zweck, causa finalis).

Para Ihering, toda vontade humana um princpio de causalidade para o mundo exterior. No h volio sem um fim. A satisfao da vontade, nesse sentido, o fim do querer humano. Dessa forma, um ato sem um fim algo que Ihering proclama que no pode existir. Por outro lado, o ato em movimento, no mundo exterior, est sujeito s relaes de causalidade. Disso, funda as relaes dos homens uns com os outros no autointeresse, isto , no egosmo. Se toda vontade humana um querer dirigido21 22 23

IHE RING, Rudolf von. A evoluo do direito. Salvador: Livraria Progresso. 1953. p. 273. Ibidem. p. 273. IHE RING, Rudolf von. A evoluo do direito. p. 1.

para um fim, cabe a um ente auto -interessado, porm representante do interesse de muitos (ou da maioria, em sentido estrito ou amplo), impor regras e limites que orientaro os atos oriundos da vontade dos particulares. A lei comina penas que dirigem as aes dos particulares, colocando incentivos e desestmulos na balana na qual pesar seus possveis cursos de ao. Importante ressaltar que, diferentemente de outros historiadores de sua poca, Ihering no considerava tal processo como necessariamente

inconsciente. Ao contrrio, muitas vezes at mesmo sociedades primitivas podem, por manifestao expressa, criar ou modificar uma norma para atingir um fim conhecido e almejado conscientemente. Assim, o que Ihering compreende como sendo o fim do Direito o cerne do trabalho que desenvolveu sua fase madura. O Estado considerado a mais elevada expresso da busca por fins organizados - aqueles os quais o indivduo depende de uma estrutura para alcanar - na sociedade, ficando, inclusive, sob o ponto de vista da organizao, at mesmo frente da Igreja. O Direito o instrumento, por excelncia, de que se vale o Estado para atingir os fins organizados os fins daqueles que representa, como pessoa jurdica que . Todo o Direito, nesse sentido, est calcado no balanceamento dos interesses pessoais dos indivduos que compem a sociedade e a mo do Estado, no sentido de garantir que trabalhem para a concreo dos fins organizados da sociedade. Estes, por sua vez, variam no espao, no tempo, na histria, e de sociedade para sociedade. Mesmo os direitos individuais seriam uma funo dos fins organizados: para Ihering, nenhum direito individual sequer compreensvel sem o estudo de seu fim social, e s existem porque h um largo domnio da vida social no qual o auto-interesse, operando sozinho, consegue realizar um fim de interesse de todos. Pode-se dizer, assim, que Ihering, apesar de tudo, resgata o valor do Direito como cincia prtica, ainda que por outros meios. Nesse sentido, como coloca:"No domnio do Direito nada existe seno pelo fim e para o fim; todo o Direit o no mais do que uma criao do fim. (...) Qual ento o fim do Direito? (...) Podemos dizer que o Direito representa a forma da garantia das condies de vida da sociedade, assegurada pelo poder econmic o de que o Estado dispe."

Assim, pode-se concluir com as seguintes colocaes: Ihering foi um gnio que percebeu as insuficincias e os problemas da cincia jurdica de seu tempo, a saber, o formalismo e o antiquarismo excessivos desligados da prtica, e tentou corrigi-los utilizando-se tambm da cincia de seu tempo incluindo-se a os ensinamentos da dismal science, a economia, e as doutrinas ligadas a ela, a saber, o utilitarismo e o liberalismo econmico, bem como a idia de homem naturalmente egosta. CONSIDERAES FINAIS Nossa concluso a de que, enfim, pode-se falar que Ihering sofreu influncias dos utilitaristas 24 corrente filosfica que ganhara fora j havia quase um sculo, e ento chegava ao Continente. No entanto, a extenso dessa influncia deve ser ponderada. Ihering, claramente, no era um utilitarista, e tampouco era a jurisprudncia dos interesses um produto de uma filosofia do Direito de natureza utilitarista. H semelhanas em algumas premissas, em concluses e em parte dos mtodos, porm as diferenas so preponderantes. Ihering no reduz o fenmeno jurdico a uma mera equao de utilidades, tanto no que toca a causa final do Direito como a sua causa eficiente. Nem o Direito, como fenmeno histrico, para Ihering, visa a maximizao da utilidade, como tampouco de sua essncia buscar tal fim. A influncia que Ihering sofreu dos utilitaristas deve -se mais poca em que viveu e escreveu do que a uma profisso de f. O sculo XIX foi a era da objetividade cientfica e do positivismo, ungidos da filosofia utilitarista 25. Um pensador do nvel de Ihering no poderia jamais simplesmente ignorar e no ser influenciado de forma alguma por uma das correntes de pensamento mais influentes do sculo XIX. E isso esperado. Suas obras, pois, vo muito alm do Direito puro. Tratam-se de estudos culturais, sociolgicos, antropolgicos e histricos. A24

O princpio da utilidade aquele princpio que aprova ou desaprova todo tipo de ao de acordo com a tendncia que parea t er de aumentar ou diminuir a felicidade das partes cujo interesse est em pauta. BENTHAM, Jeremy. On the principles of moral s and legislation, cap 1, par. 2. 25 V. TAYLOR, Charles. As fonte s do self. So Paulo: Loyola, p. 435.

respeito das crticas de Ihering acerca da "jurisprudncia dos conceitos" e do "abstratismo" da poca, importante que isso seja lembrado. A fim de realizar uma crtica relevante, no era suficiente questionar a separao entre teoria e prtica, mas sim mostrar que a anlise puramente terica pouco ou nada explica, e que a prtica existe e se desenvolve independentemente de uma teoria falha 26. O fim do Direito a sua serventia prtica.

26

O que explica a sua conhecida posio a favor do ensino e do uso do estudo de casos nas faculdades de Direito.

BIBLIOGRAFIA

IHERING, Rudolf von. La dogmtica jurdica. Buenos Aires: Editorial Losada, 1946. IHERING, Rudolf von. O esprito do direito romano. Rio de Janeiro: Alba, 1943. IHERING, Rudolf von. A evoluo do direito. Salvador: Livraria Progresso. 1953. LARENZ, Karl. Metodologia da cincia do direito. Trad. Jos Lamego. 3a ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997. MORRIS, Clarence (org.). The great legal philosophers: selected readings in jurisprudence. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1997.